Language of document : ECLI:EU:T:2002:298

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Quarta Secção Alargada)

5 de Dezembro de 2002 (1)

«Auxílios de Estado - Programa de aquisição de terras agrícolas e silvícolas na ex-República Democrática Alemã - Não abertura do procedimento formal de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE - Regime de auxílios - Recurso de anulação - Associação - Admissibilidade»

No processo T-114/00,

Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum eV, com sede em Borken (Alemanha), representada por M. Pechstein, professor,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias , representada por D. Triantafyllou e K.-D. Borchardt, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

República Federal da Alemanha, representada inicialmente por W.-D. Plessing e T. Jürgensen, seguidamente por W.-D. Plessing e M. Lumma, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 22 de Dezembro de 1999 relativa ao projecto de auxílios de Estado n.° 506/99,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),

composto por: M. Vilaras, presidente, V. Tiili, J. Pirrung, P. Mengozzi e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Março de 2002,

profere o presente

Acórdão

Os factos

1.
    A recorrente, Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum eV (colectivo de defesa do direito e da propriedade), é uma associação que reúne grupos de pessoas preocupadas com os problemas relacionados com a propriedade nos sectores da agricultura e da silvicultura, pessoas deslocadas e expropriadas, vítimas de confiscação nos sectores da indústria, do artesanato e do comércio e pequenas e médias empresas que tinham a sua sede e a sua pátria na antiga zona de ocupação soviética ou na ex-República Democrática Alemã.

2.
    Na sequência da reunificação da Alemanha no decurso do ano de 1990, cerca de 1,8 milhões de hectares de terras agrícolas e silvícolas foram transferidas do património do Estado da República Democrática Alemã para o da República Federal da Alemanha.

3.
    Ao abrigo da Ausgleichsleistungsgesetz (lei alemã sobre compensações), que constitui o § 2 da Entschädigungs- und Ausgleichsleistungsgesetz (lei alemã sobre compensações e indemnizações, a seguir «EALG») e que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 1994, as terras agrícolas situadas na ex-República Democrática Alemã detidas pelo Treuhandanstalt, organismo de direito público encarregado da reestruturação das antigas empresas da ex-República Democrática Alemã, podiam ser adquiridas por diversas categorias de pessoas a um preço inferior a metade do seu real valor venal. Inserem-se nestas categorias, prioritariamente e na condição de terem residido no local em 3 de Outubro de 1990 e de terem, o mais tardar em 1 de Outubro de 1996, celebrado um contrato de arrendamento de longa duração tendo por objecto terras antigamente propriedade do povo e a serem privatizadas pelo Treuhandanstalt, as pessoas que detinham um arrendamento de longa duração, os sucessores das antigas cooperativas de produção agrícola, as pessoas reinstaladas expropriadas entre 1945 e 1949 ou após a criação da República Democrática Alemã e que, desde então, exploram de novo terras e os agricultores descritos como pessoas novamente instaladas que, antigamente, não possuíam terras nos novos Länder. Inscrevem-se nestas categorias, a título subsidiário, os antigos proprietários expropriados antes de 1949 e que não beneficiaram da restituição dos seus bens e não retomaram uma actividade agrícola no local. Estes últimos só podem adquirir as superfícies agrícolas que não tenham sido adquiridas pelos beneficiários a título principal.

4.
    Esta lei previa também a possibilidade de aquisição de terras silvícolas de forma preferencial, bem como a definição legal das categorias das pessoas a quem esta respeitava.

5.
    Na sequência de denúncias respeitantes a este programa de aquisição de terras, apresentadas por nacionais alemães e por nacionais de outros Estados-Membros, a Comissão deu início, em 18 de Março de 1998, a um procedimento de exame nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 2, CE) (JO 1998, C 215, p. 7).

6.
    Através da Decisão 1999/268/CE, de 20 de Janeiro de 1999, relativa à aquisição de terras nos termos da lei sobre compensações (JO L 107, p. 21) (a seguir «decisão de 20 de Janeiro de 1999»), tomada na sequência do procedimento de exame nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão declarou que o programa de aquisição de terras era incompatível com o mercado comum, na medida em que os auxílios que concede estão ligados com a condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 e ultrapassem o limite máximo de intensidade da ajuda para a aquisição de terras agrícolas, estando este limite fixado em 35% para as superfícies agrícolas das zonas não desfavorecidas nos termos do Regulamento (CE) n.° 950/97 do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativo à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas (JO L 142, p. 1). No que respeita, especificamente, à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 prevista pela lei sobre compensações, a Comissão considerou o seguinte:

«[...] a lei favorece as pessoas [singulares] e colectivas dos novos Länder em relação àquelas que não têm residência ou sede na Alemanha, sendo susceptível de constituir uma infracção à proibição de discriminação prevista nos artigos 52.° a 58.° [do Tratado CE].

Embora, de jure, fosse possível a todos os cidadãos comunitários provarem que a sua residência principal se situava no território da [ex-República Democrática Alemã] em 3 de Outubro de 1990, esta condição era de facto preenchida quase exclusivamente por nacionais alemães, nomeadamente, aqueles cuja última residência se situava nos novos Länder.

Por conseguinte, esta condição tem um efeito de exclusão em relação às pessoas que não satisfazem o critério da residência/sede no território da [ex-República Democrática Alemã].

[...]

Apenas é possível justificar o critério de distinção ‘residência no local em 3 de Outubro de 1990’ se este for simultaneamente necessário e adequado à realização dos objectivos prosseguidos pelo legislador.

[...]

O objectivo era [...] o de fazer beneficiar do programa às pessoas interessadas ou as suas famílias que viveram e trabalharam durante décadas na [República Democrática Alemã].

[...]

Contudo, para a realização desse objectivo, não era necessário fixar a data de referência de 3 de Outubro de 1990 para a residência no local. De facto, as pessoas instaladas de novo ou as pessoas colectivas nos termos do n.° 1 do [§] 3.o da lei sobre compensações e indemnizações teriam sido autorizadas a participar no programa de aquisição de terras se, em 1 de Outubro de 1996, tivessem arrendado por longa duração as terras antigamente propriedade do povo e a serem privatizadas pelo Treuhandanstalt.

No decurso do [procedimento de exame], houve interessados que chamaram expressamente a atenção da Comissão para o facto de a grande maioria dos contratos de arrendamento de longa duração terem sido concluídos com cidadãos da Alemanha de Leste. [...]

Resulta claramente do que precede que a realização do objectivo fixado pelo legislador (a saber, a participação de alemães de Leste no programa de aquisição de terras) [, mesmo se a legitimidade deste objectivo é reconhecida,] não teria sido posta em causa na prática caso se tivesse renunciado à fixação da data de referência de 3 de Outubro de 1990.»

7.
    Através desta mesma decisão de 20 de Janeiro de 1999, a Comissão ordenou que a República Federal da Alemanha recuperasse os auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum e já concedidos e não concedesse novos auxílios nos termos deste programa. O dispositivo desta decisão tem o seguinte teor:

«Artigo 1.°

O programa previsto no [§] 3.° da lei alemã sobre compensações e indemnizações não contém quaisquer [auxílios] na medida em que as suas disposições se refiram apenas a compensações na sequência de expropriações ou de acções equiparáveis [efectuadas pelos poderes públicos] e em que os benefícios concedidos sejam equivalentes ou inferiores aos danos patrimoniais causados por essa intervenção.

Artigo 2.°

[Os auxílios] são compatíveis com o mercado comum desde que não estejam ligados à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 e desde que observem o limite de 35% aplicável às superfícies agrícolas situadas em regiões não desfavorecidas nos termos do Regulamento [...] n.° 950/97.

São incompatíveis com o mercado comum [os auxílios] que se encontram ligados à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990, assim como [o]s que ultrapassam o limite máximo de intensidade de 35% aplicável às superfícies agrícolas em regiões não desfavorecidas nos termos do Regulamento [...] n.° 950/97.

A Alemanha deve suprimir [os auxílios] referidos no segundo parágrafo e não tornar a concedê-[los].

Artigo 3.°

A Alemanha exigirá a restituição integral d[os] [auxílios] enumerad[os] no n.° 2 do artigo 2.° no prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão. [Os auxílios] serão restituíd[os] de acordo com o direito material e processual alemão, majorad[os] de juros calculados na taxa de referência aplicável aos auxílios regionais, que vencem a partir da data da sua concessão.

[...]»

8.
    Posteriormente a esta decisão, o legislador alemão redigiu o projecto da Vermögensrechtsergänzungsgesetz (lei que completa a lei sobre o restabelecimento dos direitos patrimoniais) que suprimiu e alterou algumas das modalidades previstas pelo programa sobre a aquisição de terras. Resulta, designadamente, deste projecto que a condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 foi suprimida e que a intensidade do auxílio foi fixada em 35% (ou seja, o preço de aquisição das terras em questão foi fixado no seu valor real menos 35%). A exigência principal para a aquisição das terras a preço reduzido seria doravante o gozo de um arrendamento de longa duração.

9.
    Este novo projecto de lei foi notificado à Comissão e foi por esta última autorizado, sem a abertura do procedimento de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, através da decisão de 22 de Dezembro de 1999 (a seguir «decisão impugnada», comunicação no JO 2000, C 46, p. 2). Nos n.os 55 a 79 da decisão impugnada, a Comissão resumiu o projecto de lei notificado. Foi declarado pela Comissão nos n.os 90, 91 e 95 da decisão impugnada que os elementos por si considerados, na decisão de 20 de Janeiro de 1999, como sendo incompatíveis com o mercado comum, já não figuram no projecto de lei notificado. A Comissão declarou também, no n.° 123, o seguinte:

«Tendo em conta as garantias dadas pelas autoridades alemãs, a Comissão verificou claramente a existência de superfícies de terras em quantidade suficiente para corrigir qualquer discriminação sem anular os contratos celebrados em aplicação da EALG inicial. Na medida em que a nova regulamentação apresente ainda elementos que, através de critérios que quanto ao mais são equivalentes, favorecem os alemães de Leste, semelhante vantagem insere-se no objectivo da reestruturação da agricultura nos novos Länder, paralelamente garantindo que as pessoas interessadas ou as suas famílias, que viveram e trabalharam na República Democrática Alemã durante décadas, possam igualmente beneficiar desta regulamentação. Na sua decisão de 20 de Janeiro de 1999, a Comissão reconheceu a legitimidade deste objectivo e não o contestou.»

10.
    Através desta declaração, a Comissão afastou uma série de críticas que tinha recebido de vários interessados na sequência da decisão de 20 de Janeiro de 1999, segundo as quais o programa de aquisição de terras continuava a ser, mesmo na falta da condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990, discriminatória, devido à condição de se gozar de um arrendamento de longa duração, condição que terá por consequência a manutenção do critério de residência no local e de tornar insuficiente o número de terras disponíveis para aquisição (n.os 97 e seguintes da decisão impugnada).

11.
    Na sequência da decisão de autorização da Comissão, a Vermögensrechtsergänzungsgesetz foi adoptada pelo legislador alemão.

Tramitação processual e pedidos das partes

12.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Maio de 2000, a recorrente interpôs o presente recurso.

13.
    Em conformidade com o disposto no artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a Comissão, por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 20 de Junho de 2000, deduziu uma questão prévia de admissibilidade. A recorrente apresentou as suas observações sobre a referida questão prévia em 16 de Agosto de 2000.

14.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Outubro de 2000, a República Federal da Alemanha pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho do presidente da Quarta Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 2000, este pedido foi deferido.

15.
    A fase escrita do processo relativa à questão prévia de admissibilidade terminou em 5 de Março de 2001.

16.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção Alargada), decidiu iniciar a fase oral para decidir quanto à questão prévia de admissibilidade. Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas que deram às questões orais do Tribunal na audiência de 7 de Março de 2002.

17.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

18.
    A Comissão e a República Federal da Alemanha, que interveio em seu apoio, concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à questão prévia de admissibilidade

19.
    A Comissão e a República Federal da Alemanha consideram que o recurso é inadmissível por duas razões: por um lado, a decisão impugnada não diz directa e individualmente respeito à recorrente; por outro lado, a recorrente fez um uso abusivo do processo.

Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, assente na circunstância da decisão não dizer directa e individualmente respeito à recorrente

Argumentos das partes

20.
    A Comissão recorda que o controlo dos auxílios está previsto pelas disposições do Tratado CE relativas à concorrência e que, por conseguinte, são as empresas em concorrência com as empresas beneficiárias dos auxílios às quais se pode considerar que a decisão que autoriza estes auxílios diz individualmente respeito, nomeadamente, caso tenham desempenhado um papel activo no anterior procedimento principal de exame e na medida em que a sua posição no mercado seja substancialmente afectada pelo auxílio objecto da decisão impugnada.

21.
    Donde resulta, segundo a Comissão, que o direito de uma associação interpor recurso de anulação de uma decisão que autoriza certos auxílios é muito limitado. Observa que só se considera que tal decisão diz individualmente respeito a associações de operadores económicos que participaram activamente no procedimento nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, na medida em que se vejam afectadas na sua qualidade de negociadoras ou quando tenham sucedido nos direitos de um ou vários dos seus membros que teriam, eles próprios, podido interpor um recurso admissível. Na falta desta limitação, um número indeterminado de terceiros poderia interpor recurso de anulação de uma decisão que autoriza certos auxílios.

22.
    Donde decorre, segundo a Comissão, que a decisão impugnada não diz individualmente respeito à recorrente. Com efeito, embora seja verdade que a recorrente participou desde 1994 no procedimento formal de exame que conduziu à adopção da decisão de 20 de Janeiro de 1999 e nas discussões informais relativas à sua aplicação e que, portanto, influenciou o processo decisional, não participou no procedimento na qualidade de associação de empresas, mas sim como um colectivo que representava os interesses que se prendem com os direitos de propriedade dos seus membros. A Comissão remete, a este respeito, para os estatutos da recorrente, nos termos dos quais esta última tem por missão defender os interesses gerais e os direitos de propriedade dos seus membros como proprietários de casas, terrenos, terras e explorações de todo o tipo, incluindo os interesses das pessoas expropriadas e daquelas cujos bens foram colectivizados de forma autoritária, bem como conceber os mecanismos de reparação. A Comissão conclui que o recurso foi interposto por um grupo de antigos proprietários e não diz, portanto, respeito à concorrência. Salienta que as associações que não representem empresas, mas que representem quaisquer outros interesses sociais, não podem interpor recurso de uma decisão que autoriza certos auxílios.

23.
    A Comissão acrescenta, remetendo para o artigo 295.° CE, que isto é tanto mais assim quanto, como ocorre no caso em apreço, se trate de aspectos que exorbitam do âmbito das competências comunitárias, como o regime da propriedade nos Estados-Membros. Neste contexto, observa que a recorrente não pôde influenciar a decisão da Comissão, dado que os interesses que defende se inserem na competência dos Estados-Membros. Explica que, embora a Comissão tenha consultado a recorrente e tenha ouvido muito atentamente os seus pareceres, não o fez na intenção de deixar que os interesses relativos à propriedade representados pela recorrente influenciassem a sua decisão, mas antes para dispor de uma fonte de informações interessante.

24.
    A recorrente também não sucedeu nos direitos de um ou vários dos seus membros que tivessem, eles próprios, podido interpor um recurso de anulação. Com efeito, os membros da recorrente não têm a qualidade de concorrentes e, portanto, também não podiam interpor recurso de anulação da decisão impugnada. Embora seja verdade que os membros da recorrente se encontram «em concorrência» com os beneficiários do programa de aquisição de terras em litígio, não se trata de concorrência na acepção do Tratado CE. A este respeito, a Comissão recorda que o artigo 87.° CE se refere às empresas, aos sectores económicos e às trocas e que, portanto, a sua definição do conceito de concorrência respeita à economia e ao mercado.

25.
    A Comissão considera, além disso, que a recorrente não estava, em todo o caso, na posição de poder suceder nos direitos de um ou vários dos seus membros. Com efeito, não tem por missão defender eventuais interesses de «concorrência» relativamente aos beneficiários do programa de aquisição de terras em litígio, mas sim e unicamente os interesses de ordem geral ou relativos à propriedade dos seus membros.

26.
    O recurso é tanto mais inadmissível quanto o programa de aquisição de terras constitui uma regime de auxílios e, portanto, a autorização deste regime pela Comissão constitui uma medida de alcance geral, que se aplica a situações determinadas objectivamente e que produz efeitos jurídicos relativamente a uma categoria de pessoas considerada de forma geral e abstracta.

27.
    Por último, a Comissão expõe que a recorrente representa essencialmente, ou mesmo exclusivamente, interesses alemães, ao passo que o seu recurso se destina a que o Tribunal declare que o programa de aquisição de terras em litígio comporta uma discriminação em razão da nacionalidade e não podia, portanto, ser autorizado pela Comissão. A Comissão conclui que não existe uma ligação entre os interesses próprios da recorrente e os interesses que representa no âmbito do presente recurso e que são interesses que lhe são estranhos. Uma associação não tem o direito de interpor recurso nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, quando não represente os interesses dos seus membros. A Comissão recorda, a este respeito, que os membros da recorrente não são pessoas estrangeiras nacionais da União Europeia, mas sim pessoas que foram lesadas durante a guerra e o período de pós-guerra na antiga zona de ocupação soviética e na ex-República Democrática Alemã.

28.
    A República Federal da Alemanha considera, como a Comissão, que o recurso é inadmissível, em primeiro lugar, porque a decisão impugnada não diz individualmente respeito à recorrente. Com efeito, nenhuma disposição legal aplicável no caso em apreço reconhece à recorrente direitos de carácter processual, a recorrente também não representa interesses de empresas que tenham, elas próprias, legitimidade activa e, por último, a recorrente não foi afectada nos seus interesses próprios ou na sua posição de negociadora. A República Federal da Alemanha salienta, a este respeito, que não basta, para que uma decisão que autoriza certos auxílios seja considerada como dizendo individualmente respeito a uma associação, que esta tenha participado no procedimento referente ao seu exame como simples interessada.

29.
    A República Federal da Alemanha partilha da argumentação da Comissão, nos termos da qual a recorrente e os seus membros estão mais preocupados com uma alteração do regime da propriedade - que não pode ser posto em causa pelo direito comunitário nos termos do artigo 295.° CE - do que com a sua posição concorrencial no mercado. Observa que numerosos membros da recorrente não exercem uma actividade agrícola ou silvícola e não pretendem exercer semelhante actividade na ex-República Democrática Alemã, mas procuram exclusivamente recuperar os seus bens que foram confiscados. Por conseguinte, a recorrente não representa interesses de «empresas». Esta conclusão também resulta dos estatutos da recorrente, segundo os quais esta última é uma união de associações de defesa da propriedade.

30.
    A República Federal da Alemanha salienta ainda que a recorrente não participou na negociação no sentido exposto, por exemplo, no acórdão do Tribunal de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão (T-380/94, Colect., p. II-2169), pois que não tomou parte nem directa nem indirectamente na elaboração da decisão impugnada. A recorrente apenas foi uma fonte de informações para a Comissão.

31.
    A República Federal da Alemanha partilha, seguidamente, da argumentação da Comissão, nos termos da qual a recorrente não representa, neste processo, os seus próprios interesses, mas sim interesses que lhe são estranhos. Dado que a recorrente invoca fundamentos que não lhe dizem pessoalmente respeito, não se pode considerar que a decisão lhe diga individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. A República Federal da Alemanha observa ainda que, mesmo caso a decisão impugnada viesse a ser anulada por discriminação contra os nacionais comunitários, tal não teria contudo como consequência permitir aos antigos proprietários recuperar as suas terras. Por conseguinte, o objectivo do recurso não pode ser atingido directamente através dos fundamentos que a recorrente invoca no âmbito do presente recurso.

32.
    A República Federal da Alemanha alega, em segundo lugar, que a decisão impugnada não diz directamente respeito à recorrente e aos seus membros, pois que versa sobre um regime de auxílios e constitui, portanto, uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objectivamente e que produz efeitos jurídicos relativamente a uma categoria de pessoas considerada de forma geral e abstracta. Admite que uma decisão que autoriza um regime geral de auxílios pode dizer directamente respeito a uma determinada pessoa quando este regime se tenha já concretizado, mas salienta que tal não se verifica no caso em apreço. Com efeito, os beneficiários dos auxílios ainda não foram individualizados e designados nominalmente. Muito pelo contrário, é apenas no termo do exame de cada caso individual que se estabelece se determinada pessoa pode adquirir terras. Para este efeito, a lei põe em concorrência determinadas categorias de candidatos, entre os quais é preciso optar, tendo o legislador previsto, para esse efeito, órgãos colegiais aos quais se pode recorrer em caso de conflito de interesses.

33.
    A República Federal da Alemanha considera, além disso, que está também excluído que a decisão diga directamente respeito à recorrente por não existir qualquer nexo de causalidade entre a decisão impugnada e o pretenso interesse da recorrente no que respeita ao direito da concorrência. Com efeito, mesmo que a crítica assente na violação do princípio da não discriminação fosse fundamentada, tal não conduz automaticamente à recuperação das terras pelos antigos proprietários que a recorrente representa.

34.
    A fim de refutar a questão prévia de admissibilidade, a recorrente observa, em primeiro lugar, que representa mais de 1 000 empresas activas na agricultura, que preenchem a definição do conceito de empresa adoptado pelo direito comunitário, ou seja, o que inclui qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico desta entidade e do seu modo de financiamento.

35.
    A recorrente salienta igualmente que a consolidação e a expansão económica destas empresas são dificultadas pelo programa de aquisição de terras controvertido, dado que os seus concorrentes obtêm um acesso prioritário e em condições mais vantajosas a estas terras. Trata-se, em seu entender, de uma relação de concorrência na acepção do direito comunitário, pois que os beneficiários do programa de aquisição de terras e alguns dos operadores económicos que representa operam no mesmo mercado.

36.
    A recorrente sustenta que o seu objectivo não consiste em obter a alteração do regime da propriedade, mas a aplicação efectiva da obrigação de controlo dos auxílios que incumbe à Comissão, a fim de salvaguardar os interesses económicos dos seus membros que são concorrentes dos beneficiários dos auxílios. A recorrente pede também que o Tribunal tenha em conta o facto de que, entre os seus membros, se contam várias centenas de pessoas às quais o programa de aquisição de terras impede o exercício de uma actividade duradoura e séria de exploração no sector agrícola e silvícola. Estas pessoas serão em grande medida excluídas do mercado, devido à atribuição de contratos de arrendamento numa base discriminatória.

37.
    Em qualquer caso, o conceito de associação de empresas de direito comunitário não implica a obrigação dos membros da associação recorrente serem exclusivamente empresas. Além disso, uma associação de empresas não está obrigada a preocupar-se com todos os interesses empresariais dos seus membros para poder ser considerada uma associação de empresas com legitimidade activa. O que é decisivo, segundo a recorrente, é o facto de a associação representar os interesses empresariais de um grupo importante dos seus membros, em conformidade com os seus estatutos.

38.
    Além disso, tanto nas suas intervenções perante a Comissão no que se refere ao programa de aquisição de terras em litígio, e isto desde há anos, como em múltiplas outras actividades, a recorrente consagrou-se essencialmente aos interesses empresariais dos seus membros, e isto em conformidade com os seus estatutos, que a obrigam a defender os interesses, designadamente de ordem económica, dos seus membros, a fim de os proteger contra as desvantagens concorrenciais.

39.
    A recorrente considera, nestas circunstâncias, que não se justifica proceder a uma distinção entre os interesses relacionados com a propriedade os que se relacionam com a empresa. Com efeito, o acesso à propriedade de terras agrícolas ou silvícolas representa um interesse primordial para a empresa, pois que estas terras destinam-se a uma utilização económica. O facto de representar essencialmente interesses alemães não tem relevância do ponto de vista da posição concorrencial dos seus membros à luz do direito comunitário. A este respeito, a recorrente observa que a própria Comissão considerou, na sua decisão de 20 de Janeiro de 1999, que o programa de aquisição de terras era susceptível de afectar o mercado comum. Além disso, contrariamente ao que afirma a Comissão, a recorrente tem um interesse próprio na anulação da decisão impugnada, na medida em que, no caso de uma aplicação estrita do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, impõem-se uma redistribuição das terras e os membros da recorrente têm melhores hipóteses de acederem a estas.

40.
    A recorrente acrescenta que, mesmo caso o Tribunal venha a considerar que não constitui uma associação de empresas ou de operadores económicos, deve considerar que a decisão impugnada lhe diz individualmente respeito devido à sua posição de negociadora perante a Comissão e à sua participação no procedimento.

Apreciação do Tribunal

41.
    Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outro destinatário se a referida decisão lhe disser directa e individualmente respeito. Tendo a decisão impugnada sido dirigida à República Federal da Alemanha, deve apreciar-se se esta diz directa e individualmente respeito à recorrente.

42.
    Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não são os destinatários de uma decisão só podem pretender que esta lhes diz individualmente respeito quando os afectar em razão de certas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que os caracterize em relação a qualquer outra pessoa e, nessa medida, os individualiza de modo análogo àquele em que o seria o destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279, e de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.° 22; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BP Chemicals/Comissão, T-11/95, Colect., p. II-3235, n.° 71).

43.
    Para determinar se estas condições estão satisfeitas no caso em apreço, há que recordar o objectivo dos procedimentos previstos, respectivamente, nos n.os 2 e 3 do artigo 88.° CE. Com efeito, no âmbito do controlo dos auxílios de Estado, a fase preliminar do exame dos auxílios instituída pelo artigo 88.°, n.° 3, CE, que tem unicamente por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre o carácter de auxílio de Estado da medida em causa, bem como sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em questão com o mercado comum, deve ser distinguida da fase de exame do artigo 88.°, n.° 2, CE. É apenas no âmbito desta última, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre a totalidade dos dados do processo, que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Setembro de 1998, Waterleiding Maatschappij/Comissão, T-188/95, Colect., p. II-3713, n.° 52, e de 21 de Março de 2001, Hamburger Hafen- und Lagerhaus e o./Comissão, T-69/96, Colect., p. II-1037, n.° 36).

44.
    Quando, sem iniciar o procedimento do artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão verifica, no âmbito do n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários destas garantias processuais só podem obter o seu respeito se tiverem a possibilidade de contestar perante o juiz comunitário esta decisão da Comissão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C-198/91, Colect., p. I-2487, n.° 23, e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n.° 17; acórdão Waterleiding Maatschappij/Comissão, já referido, n.° 53; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Fevereiro de 1999, Arbeitsgemeinschaft Deutscher Luftfahrt-Unternehmen e Hapag-Lloyd/Comissão, T-86/96, Colect., p. II-179, n.° 49). Por conseguinte, quando, por um recurso de anulação de uma decisão tomada no termo da fase preliminar, um recorrente pretende obter o respeito das garantias processuais previstas no artigo 88.°, n.° 2, CE, o simples facto de ter a qualidade de interessado, no sentido desta disposição, basta para que se considere que a decisão lhe diz directa e individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (acórdãos Cook/Comissão, já referido, n.os 23 a 26, Matra/Comissão, já referido, n.os 17 a 20, e BP Chemicals/Comissão, já referido, n.os 89 e 90).

45.
    No caso em apreço, a decisão impugnada foi tomada com base no artigo 88.°, n.° 3, CE, sem que a Comissão tenha iniciado o procedimento formal previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE. Tendo-se em conta os precedentes elementos, deve, portanto, considerar-se que a decisão impugnada diz directa e individualmente respeito à recorrente caso, em primeiro lugar, pretenda salvaguardar os direitos processuais previstos pelo artigo 88.°, n.° 2, CE e, em segundo lugar, se verifique que tem a qualidade de interessada na acepção deste mesmo número (v., neste sentido, acórdão Hamburger Hafen- und Lagerhaus e o./Comissão, já referido, n.os 37 a 39).

46.
    Assim, há, em primeiro lugar, que examinar se, através do presente recurso, a recorrente pretende salvaguardar os direitos processuais que lhe confere o artigo 88.°, n.° 2, CE.

47.
    Há que considerar que a recorrente não denunciou explicitamente uma violação, por parte da Comissão, da obrigação de iniciar o procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE que tenha impedido o exercício dos direitos processuais previstos por esta disposição. Todavia, os fundamentos de anulação invocados em apoio do presente recurso, e designadamente o assente na violação da proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, devem ser interpretados como tendo por objectivo a verificação da existência de dificuldades sérias levantadas pelas medidas controvertidas no que respeita à sua compatibilidade com o mercado comum, dificuldades que colocam a Comissão na obrigação de iniciar o procedimento formal.

48.
    Com efeito, segundo jurisprudência bem firmada, a Comissão está obrigada a iniciar este procedimento se um primeiro exame não lhe tiver objectivamente permitido ultrapassar todas as dificuldades sérias suscitadas pela apreciação da compatibilidade com o mercado comum da medida estatal em causa (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1995, SIDE/Comissão, T-49/93, Colect., p. II-2501, n.° 58; de 15 de Setembro de 1998, Gestevisión Telecinco/Comissão, T-95/96, Colect., p. II-3407, n.° 52, e de 15 de Março de 2001, Prayon-Rupel/Comissão, T-73/98, Colect., p. II-867, n.° 42). É precisamente para lhe facilitar essa missão, com o auxílio dos interessados, que o artigo 88.°, n.° 2, CE prevê a fase formal de exame a executar pela Comissão. Ora, como o Tratado só impõe à Comissão a obrigação de colocar os interessados na situação de poderem apresentar as suas observações no âmbito da fase de exame prevista pelo seu artigo 88.°, n.° 2, CE, estes últimos só podem defender o carácter objectivamente difícil do exame a efectuar pela Comissão e obter o respeito das suas garantias processuais caso tenham a possibilidade de contestar perante o Tribunal de Primeira Instância a decisão de não iniciar o procedimento do artigo 88.°, n.° 2, CE.

49.
    No caso em apreço, o recurso deve, portanto, ser interpretado como criticando à Comissão não ter iniciado, apesar das dificuldades sérias levantadas pela apreciação da compatibilidade dos auxílios em causa, o procedimento formal previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE e como tendo por objectivo, em última análise, a salvaguarda dos direitos processuais conferidos pelo referido número.

50.
    Por conseguinte, há, seguidamente, que examinar se a recorrente tem a qualidade de interessada na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE.

51.
    A este respeito, resulta de jurisprudência constante que os interessados visados pelo artigo 88.°, n.° 2, CE são não só a empresa ou as empresas favorecidas por um auxílio, mas também as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão dos auxílios, nomeadamente as empresas concorrentes e as organizações profissionais (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 16; Cook/Comissão, já referido, n.° 24; Matra/Comissão, já referido, n.° 18, e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.° 41; acórdão Hamburger Hafen- und Lagerhaus e o./Comissão, já referido, n.° 40). Resulta igualmente da jurisprudência que, para que o seu recurso seja admissível, o concorrente do beneficiário do auxílio deve demonstrar que a sua posição concorrencial no mercado é afectada pela concessão do auxílio. Caso contrário, não reveste a qualidade de interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE (acórdão Waterleiding Maatschappij/Comissão, já referido, n.° 62, e Hamburger Hafen- und Lagerhaus e o./Comissão, já referido, n.° 41).

52.
    Ora, sendo a recorrente uma associação, há, em primeiro lugar, que examinar se os seus membros têm a qualidade de interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE. Com efeito, uma associação constituída para promover os interesses colectivos de uma categoria de sujeitos jurídicos não pode, salvo circunstâncias especiais como o papel que poderá ter desempenhado no quadro do procedimento que conduziu à adopção do acto em causa (v. infra n.os 65 e seguintes), ser considerada individualmente atingida, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, por um acto que afecta os interesses gerais dessa categoria e, por conseguinte, não pode interpor recurso de anulação quando os seus membros não o possam fazer a título individual (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Fédération nationale de la boucherie en gros et du commerce en gros des viandes e o./Conselho, 19/62 a 22/62, Recueil, p. 943, Colect. 1962-1964, p. 191, e de 2 de Abril de 1998, Greenpeace Council e o./Comissão, C-321/95 P, Colect., p. I-1651, n.os 14 e 29; despachos do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1997, Sveriges Betodlares e Henrikson/Comissão, C-409/96 P, Colect., p. I-7531, n.° 45, e acórdão Hamburger Hafen- und Lagerhaus e o./Comissão, já referido, n.° 49).

53.
    Assim, se pelo menos alguns dos membros da recorrente puderem ser considerados interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, o que pressupõe que a sua posição concorrencial no mercado tenha sido afectada pela concessão dos auxílios em causa, pode ser reconhecida a legitimidade da recorrente para a interposição do presente recurso, na medida em que se trata de uma associação constituída para promover os interesses colectivos dos seus membros.

54.
    No caso em apreço, há que referir que alguns dos membros da recorrente são operadores económicos que podem ser considerados concorrentes directos dos beneficiários dos auxílios em litígio.

55.
    A este respeito, resulta sem ambiguidade dos estatutos da recorrente que as pessoas cujos interesses defende são, pelo menos numa parte apreciável, operadores económicos. Com efeito, o artigo 2.°, primeiro travessão, dos seus estatutos menciona, entre as categorias das pessoas cujos interesses são defendidos pela recorrente, «agricultores e silvicultores, proprietários [...] de fábricas e de explorações, empresários, comerciantes e pequenos operadores económicos de todo o tipo». Aliás, a Comissão precisou, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal na audiência, que podem ser concorrentes dos beneficiários do programa de aquisição de terras todos os agricultores da União Europeia. Ao que acresce que a Comissão e a República Federal da Alemanha não contestaram a afirmação da recorrente segundo a qual 25% dos seus membros, ou seja, 110 pessoas ou famílias, são agricultores e segundo a qual, tendo em conta os membros das outras associações afiliadas à recorrente, esta última representa mais de 1 000 empresas que operam no sector da agricultura.

56.
    Não se pode contestar que a aquisição de terras agrícolas ou silvícolas constitui um elemento essencial da estratégia comercial e da posição concorrencial de um agricultor ou de um silvicultor. No caso em apreço, resulta dos autos que as posições concorrenciais de alguns membros agricultores e silvicultores da recorrente são afectadas pelo programa de aquisição de terras.

57.
    A este respeito, há, em primeiro lugar, que citar a decisão de 20 de Janeiro de 1999, na qual a Comissão considerou que «[a] distorção da concorrência ou, pelo menos, a ameaça de distorção resulta da melhor situação económica em que se encontram os adquirentes de terras em condições de favor em relação aos seus concorrentes que não beneficiaram de um apoio análogo».

58.
    Em segundo lugar, há que considerar que uma parte importante dos operadores económicos que são membros da recorrente é constituída por pessoas cujas terras foram confiscadas entre 1945 e 1949 e que foram, seguidamente, qualificadas de «pessoas reinstaladas sem direito à restituição». Resulta dos autos que a recorrente defendeu, especificamente, os interesses destas pessoas, chamando a atenção da Comissão para o facto de que era muito difícil para estas pessoas obterem um arrendamento de longa duração, pelo que são colocadas em desvantagem pelo programa de aquisição de terras. A título de exemplo, na carta de 11 de Agosto de 1998 dirigida à Comissão, a recorrente salientou que «[a]s pessoas ditas reinstaladas que não beneficiam de um direito à restituição (vítimas das expropriações efectuadas entre 1945 e 1949) também são lesadas em termos da concorrência, na medida em que só excepcionalmente tiveram a possibilidade de tomar de arrendamento as terras antigamente propriedade do Estado».

59.
    Esta categoria de membros da recorrente considera-se particularmente prejudicada pelo programa de aquisição de terras como foi provado pela decisão impugnada. Assim, numa carta de 20 de Julho de 2000 dirigida por um representante da associação Heimatverdrängtes Landvolk eV, membro da recorrente, ao mandatário desta última, expõe-se o seguinte:

«Os entraves à concorrência que os auxílios ao conjunto das empresas agrícolas sem direito a compensação, auxílios em nosso entender manifestamente ilegais, impõem aos membros da [recorrente] e aos grupos membros desta associação também dizem respeito a vários dos 770 membros da nossa associação.

Tal como o signatário, que se esforça por contribuir para o desenvolvimento económico na sua qualidade de empresário estabelecido nos novos Länder [...], outros membros da nossa associação não são apenas vítimas das confiscações arbitrárias ocorridas durante os anos de 1945 a 1949 e que os afectaram gravemente, mas participam também activamente na construção económica na sua qualidade de empresários. Apesar do prejuízo que nos é claramente imposto, por exemplo, devido à persistência da aplicação do princípio da prioridade dada à residência no local [...], esforçamo-nos [...] por criar empresas familiares de economia privada como pessoas ditas reinstaladas sem direito à restituição [...].

[...]

Os entraves actuais, como a não disponibilidade de terras antigamente sua propriedade, impedem que numerosos interessados, prontos a investir, se lancem numa actividade empresarial.

Este problema atinge presentemente pelo menos 20% dos nossos membros, ou seja, cerca de 150 pessoas ditas reinstaladas e que estão impedidas de investir.»

60.
    Assim, há que considerar que alguns membros da recorrente são necessariamente afectados na sua posição concorrencial pela decisão impugnada e, deste modo, enquanto interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, têm legitimidade para interpor recurso de anulação a título individual contra esta mesma decisão.

61.
    Em segundo lugar, resulta dos estatutos da recorrente que esta última foi criada para defender os interesses e os direitos de propriedade dos seus membros. Ora, o exercício do direito de propriedade tem especial importância no que toca à situação económica de um operador. Ainda que, nos termos do artigo 2.°, primeiro travessão, dos seus estatutos, a recorrente tenha um objecto social mais vasto, não está excluído que possa ter como objecto ocupar-se dos interesses dos seus membros enquanto operadores económicos. Resulta de uma interpretação sistemática dos artigos 1.° e 2.° dos estatutos da recorrente, considerados conjuntamente, que na realidade prossegue este objectivo.

62.
    A este respeito, há que considerar que, ao defender os interesses destes operadores económicos no que respeita ao direito de propriedade, e designadamente o interesse que têm os agricultores e os silvicultores em poderem obter terras apesar da sua posição desvantajosa relativamente aos beneficiários potenciais do programa de aquisição de terras, a recorrente defende, na realidade, os interesses comerciais e concorrenciais dos seus membros. Por esta razão, o argumento da Comissão segundo o qual a recorrente não representa interesses empresariais, mas sim todo o tipo de interesses sociais e segundo o qual os presentes autos dizem unicamente respeito a aspectos relacionados com o direito de propriedade, que extravasam do âmbito comunitário nos termos do artigo 295.° CE (v. n.° 22 supra), não pode ser acolhido. Resulta, aliás, da decisão de 20 de Janeiro de 1999, bem como da decisão impugnada, que a Comissão considerou, ela própria, necessário examinar o programa de aquisição de terras à luz das regras comunitárias da concorrência, designadamente das regras em matéria de auxílios de Estado. Nestas circunstâncias, não pode razoavelmente contestar que uma associação que se opõe a este programa de aquisição de terras e que conta, entre os seus membros, numerosos agricultores que se encontram numa posição desvantajosa relativamente aos potenciais beneficiários do referido programa defende, essencialmente, os interesses concorrenciais destes membros.

63.
    Por conseguinte, sendo a recorrente, segundo o artigo 2.° dos seus estatutos, uma associação constituída para promover os interesses colectivos dos seus membros, entre os quais também se devem incluir os interesses concorrenciais dos seus membros que são agricultores e silvicultores, deve considerar-se que tem legitimidade para interpor o presente recurso de anulação em nome destes últimos, os quais, como interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, podiam fazê-lo a título individual.

64.
    Há que acrescentar que um recurso colectivo interposto pela via de uma associação apresenta vantagens processuais, permitindo evitar a interposição de um número elevado de recursos diferentes que impugnam a mesma decisão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, AITEC e o./Comissão, T-447/93 a T-449/93, Colect., p. II-1971, n.° 60). Isto é ainda mais certo no caso da recorrente, cujos objectivos, nos termos do artigo 2.°, terceiro e quinto travessões, dos seus estatutos, consistem precisamente na defesa dos interesses dos seus membros perante as autoridades alemãs e supranacionais, bem como em tomar posição sobre as medidas tomadas, nomeadamente, pelo Treuhandanstalt.

65.
    Há, além disso, que declarar que a decisão impugnada pode dizer individualmente respeito à recorrente a outro título, ou seja, na medida em que esta invoca a sua própria legitimidade activa por a sua posição negocial ter sido afectada pela referida decisão (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 19 a 25, e de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.os 29 e 30; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância AIUFFASS e AKT/Comissão, já referido, n.° 50, e de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão, T-55/99, Colect., p. II-3207, n.° 23).

66.
    Com efeito, a recorrente participou activamente no procedimento formal de exame que conduziu à adopção da decisão de 20 de Janeiro de 1999, bem como nas discussões informais referentes à sua aplicação, e isto de modo activo, múltiplo e acompanhado de peritagem científica. A própria Comissão admitiu que a recorrente influenciou o processo decisional e que constituiu uma fonte de informações interessante.

67.
    Por conseguinte, a recorrente tem legitimidade, como individualmente afectada no sentido da jurisprudência recordada no n.° 65 anterior, para interpor recurso de anulação da decisão que põe termo ao referido procedimento formal, caso esta decisão seja desfavorável aos interesses que a recorrente representa.

68.
    Ora, como a Comissão confirmou na audiência, a decisão impugnada diz respeito «exclusiva e directamente à execução de uma decisão da Comissão que já tinha sido previamente tomada», ou seja, a decisão de 20 de Janeiro de 1999. Assim, a decisão impugnada prende-se directamente com a decisão de 20 de Janeiro de 1999.

69.
    Portanto, vista a relação existente entre estas duas decisões e o papel de interlocutor importante que a recorrente desempenhou no decurso do procedimento formal encerrado pela decisão de 20 de Janeiro de 1999, a individualização da recorrente relativamente a esta mesma decisão prolongou-se necessariamente no que respeita à decisão impugnada, apesar de a recorrente não ter sido implicada no exame efectuado pela Comissão que conduziu à adopção desta última decisão. Esta consideração não é infirmada pelo facto de, no caso em apreço, a decisão de 20 de Janeiro de 1999 não ser, em princípio, contrária aos interesses defendidos pela recorrente.

70.
    Resulta das precedentes considerações que a decisão diz individualmente respeito à recorrente no sentido da jurisprudência citada no n.° 42 supra.

71.
    Esta conclusão não é infirmada pela circunstância, invocada pela Comissão (v. n.° 26 supra), de o programa de aquisição de terras constituir um regime de auxílios e, por conseguinte, a autorização deste regime pela Comissão constituir uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objectivamente e que produz efeitos jurídicos relativamente a uma categoria de pessoas consideradas de forma geral e abstracta. A este respeito, cabe recordar que, em certas circunstâncias, um acto de alcance geral pode dizer individualmente respeito a certas pessoas, e que tal é precisamente o caso quando o acto em causa atinja uma pessoa singular ou colectiva em virtude de certas qualidades que lhe são específicas ou de uma situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C-358/89, Colect., p. I-2501, n.° 13; de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho, C-309/89, Colect., p. I-1853, n.os 19 e 20, e de 31 de Maio de 2001, Sadam Zuccherifici e o./Conselho, C-41/99 P, Colect., p. I-4239, n.° 27). É o que ocorre no caso em apreço, como se considerou nos n.os 43 a 70 supra.

72.
    Além disso, contrariamente ao que invoca a República Federal da Alemanha (v. n.° 32 supra), o facto de a decisão impugnada se referir a um regime de auxílios não impede que esta decisão diga directamente respeito à recorrente.

73.
    Com efeito, quando não há qualquer dúvida de que as autoridades nacionais pretendem actuar num determinado sentido, a possibilidade de elas não aproveitarem a faculdade oferecida pela decisão da Comissão é puramente teórica, de modo que a decisão pode dizer directamente respeito à recorrente (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 9 e 10; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o./Comissão, T-435/93, Colect., p. II-1281, n.os 60 e 61; AAC e o./Comissão, T-442/93, Colect., p. II-1329, n.os 45 e 46; de 22 de Outubro de 1996, Skibsværftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1399, n.° 49, e AIUFFASS e AKT/Comissão, já referido, n.os 46 e 47).

74.
    No caso em apreço, as autoridades alemãs demonstraram de forma bastante terem a intenção de aplicar o programa de aquisição de terras, como foi aprovado pela Comissão. Esta intenção pode, designadamente, ser deduzida do facto de, na sequência da decisão impugnada, ter sido adoptada a Vermögensrechtsergänzungsgesetz (v. n.° 10 supra). Por conseguinte, há que considerar que a decisão impugnada diz directamente respeito à recorrente.

75.
    Resulta das precedentes considerações que a decisão impugnada diz directa e individualmente respeito à recorrente.

76.
    Por último, contrariamente ao que invocam a Comissão e a República Federal da Alemanha, não se verifica uma falta de nexo entre os próprios interesses da recorrente e dos seus membros e os interesses que representa no presente recurso.

77.
    Com efeito, o presente recurso, destinado a obter a anulação da decisão de autorização da Comissão, serve os interesses dos membros da recorrente e, assim, os da própria recorrente. Os membros da recorrente são, designadamente, pessoas que não têm acesso prioritário às terras nos termos do regime de auxílios aprovado pela Comissão. Ora, a anulação da decisão de autorização deste regime de auxílios é benéfico para os membros da recorrente, na medida em que contribui para pôr termo ao acesso prioritário às terras por parte dos seus concorrentes.

78.
    Nestas circunstâncias, não se pode afirmar que nos presentes autos a recorrente defende interesses que lhe são estranhos. Esta conclusão não é infirmada pelo facto de a recorrente invocar, no âmbito do seu recurso, a violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, a fim de demonstrar o carácter ilegal da decisão impugnada. A este respeito, há que considerar que, uma vez que o presente recurso de anulação serve os interesses da recorrente e dos seus membros e que a decisão impugnada diz directa e individualmente respeito à recorrente pelas razões expostas nos n.os 42 a 75 supra, esta tem a possibilidade de invocar quaisquer dos motivos de ilegalidade enumerados no artigo 230.°, segundo parágrafo, CE, incluindo a violação dos artigos do Tratado em matéria de não discriminação. Há ainda que precisar que a recorrente não invoca unicamente, em apoio do seu recurso, uma discriminação em razão da nacionalidade, mas igualmente a violação do artigo 88.°, n.° 3, CE.

79.
    Resulta das precedentes considerações que o primeiro fundamento de inadmissibilidade deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade, assente no uso abusivo do processo

Argumentos das partes

80.
    A Comissão alega que a recorrente não se opõe à concessão dos auxílios em si mesma, mas unicamente a uma pretensa discriminação na sua concessão que não lhe diz respeito enquanto tal. Ao actuar deste modo, a recorrente faz um uso abusivo do processo e, mais especificamente, viola o princípio da separação das vias de recurso. Com efeito, discriminações como as invocadas pela recorrente não são objecto do controlo dos auxílios, mas só podem ser objecto de um procedimento nos termos do artigo 226.° CE. Além disso, ao pedir a anulação dos contratos de venda já celebrados, a fim de ser suprimida a pretensa discriminação de que é vítima e de permitir que os seus membros e os outros nacionais da União Europeia possam adquirir terras, a recorrente violou igualmente o princípio da separação das vias de recurso ao utilizar o recurso de anulação como uma acção por omissão.

81.
    A recorrente refuta a tese da Comissão segundo a qual o presente recurso é abusivo.

Apreciação do Tribunal

82.
    Como já foi considerado no âmbito do exame do primeiro fundamento de inadmissibilidade, o objecto do presente recurso de anulação serve os interesses da recorrente e esta última satisfaz as condições do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. Por conseguinte, não lhe pode ser criticado ter feito um uso abusivo do processo e violado o princípio da separação das vias de recurso ao interpor um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE.

83.
    Portanto, há também que julgar improcedente o segundo fundamento de inadmissibilidade.

84.
    Resulta das precedentes considerações que há que julgar improcedente a questão prévia de admissibilidade.

Quanto às despesas

85.
    Por força do disposto no n.° 1 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, o Tribunal decide sobre as despesas no acórdão ou despacho que ponha termo à instância. Tendo sido julgada improcedente a questão prévia de admissibilidade e não pondo, portanto, o presente acórdão termo à instância, reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

decide:

1.
    A questão prévia de admissibilidade é julgada improcedente.

2.
    Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Vilaras
Tiili
Pirrung

            Mengozzi                    Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Dezembro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Vilaras


1: Língua do processo: alemão.