Language of document : ECLI:EU:C:2013:222

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

11 de abril de 2013 (*)

«Política social — Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — Diretiva 2000/78/CE — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Artigos 1.°, 2.°, e 5.° — Diferença de tratamento baseada na deficiência — Despedimento — Existência de uma deficiência — Faltas do trabalhador devido à sua deficiência — Obrigação de adaptação — Trabalho a tempo parcial — Duração do pré‑aviso»

Nos processos apensos C‑335/11 e C‑337/11,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Sø‑ og Handelsretten (Dinamarca), por decisões de 29 de junho de 2011, entrados no Tribunal de Justiça em 1 de julho de 2011, no processo

HK Danmark, na qualidade de mandatário de Jette Ring,

contra

Dansk almennyttigt Boligselskab (C‑335/11),

e

HK Danmark, na qualidade de mandatário de Lone Skouboe Werge,

contra

Dansk Arbejdsgiverforening, na qualidade de mandatária da Pro Display A/S, em situação de insolvência (C‑337/11),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Segunda Secção, G. Arestis, A. Arabadjiev (relator) e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de outubro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação do HK Danmark, na qualidade de mandatário de J. Ring, por J. Goldschmidt, advokat,

¾        em representação do HK Danmark, na qualidade de mandatário de L. Skouboe Werge, por M. Østergård, advokat,

¾        em representação da Dansk almennyttigt Boligselskab, por C. Emmeluth e L. Greisen, advokater,

¾        em representação da Dansk Arbejdsgiverforening, na qualidade de mandatária da Pro Display A/S, em situação de insolvência, por T. Skyum e L. Greisen, advokater,

¾        em representação do Governo dinamarquês, inicialmente por C. Vang, e em seguida por V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, na qualidade de agente,

¾        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por C. Power, BL,

¾        em representação do Governo helénico, por D. Tsagkaraki, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por C. Gerardis, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, J. Faldyga e M. Załęka, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por K. Smith, barrister,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Simonsen e J. Enegren, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 1.°, 2.° e 5.° da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO L 303, p. 16).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, o HK Danmark (a seguir «HK»), na qualidade de mandatário de J. Ring, à Dansk almennyttigt Boligselskap (a seguir «DAB») e, por outro, o HK, na qualidade de mandatário de L. Skouboe Werge, à Dansk Arbejdsgiverforening, na qualidade de mandatária da Pro Display A/S, em situação de insolvência (a seguir «Pro Display»), quanto à legalidade dos despedimentos de J. Ring e L. Skouboe Werge.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2010/48/CE do Conselho, de 26 de novembro de 2009 (JO 2010, L 23, p. 35, a seguir «Convenção da ONU»), enuncia, no seu considerando e):

«Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com incapacidades e barreiras comportamentais e ambientais que impedem a sua participação plena e efetiva na sociedade em condições de igualdade com as outras pessoas».

4        Nos termos do artigo 1.° desta Convenção:

«O objeto da presente Convenção é promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

As pessoas com deficiência incluem aquel[a]s que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros.»

5        Segundo o quarto parágrafo do artigo 2.° da referida Convenção, «‘Adaptação razoável’ designa a modificação e ajustes necessários e apropriados que não imponham uma carga desproporcionada ou indevida, sempre que necessário num determinado caso, para garantir que as pessoas com incapacidades gozam ou exercem, em condições de igualdade com as demais, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais».

 Direito da União

6        Os considerandos 6 e 8 da Diretiva 2000/78 preveem:

«(6)      A Carta Comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores reconhece a importância da luta contra todas as formas de discriminação, nomeadamente, a necessidade de tomar medidas adequadas em prol da integração social e económica das pessoas idosas e das pessoas deficientes.

[…]

(8)      As Orientações para as Políticas de Emprego em 2000, aprovadas pelo Conselho Europeu de Helsínquia, de 10 e 11 de dezembro de 1999, sublinham a necessidade de promover um mercado de trabalho favorável à inserção social, através da definição de um conjunto coerente de políticas destinadas a combater a discriminação de determinados grupos, como as pessoas deficientes, e realçam igualmente a necessidade de prestar especial atenção ao apoio aos trabalhadores mais velhos, para aumentar a sua participação na vida ativa.»

7        Nos termos dos considerandos 16 e 17 da referida diretiva:

«(16) A adoção de medidas de adaptação do local de trabalho às necessidades das pessoas deficientes desempenha um papel importante na luta contra a discriminação em razão da deficiência.

(17)      Sem prejuízo da obrigação de prever adaptações razoáveis para as pessoas deficientes, a presente diretiva não exige o recrutamento, a promoção ou a manutenção num emprego, nem a formação, de uma pessoa que não seja competente, capaz ou disponível para cumprir as funções essenciais do lugar em causa ou para receber uma dada formação.»

8        Os considerandos 20 e 21 da mesma diretiva têm a seguinte redação:

«(20) É necessário prever medidas apropriadas, ou seja, medidas eficazes e práticas destinadas a adaptar o local de trabalho em função da deficiência, por exemplo, adaptações das instalações ou dos equipamentos, dos ritmos de trabalho, da atribuição de funções, ou da oferta de meios de formação ou de enquadramento.

(21)      Para determinar se as medidas em causa são fonte de encargos desproporcionados, dever‑se‑ão considerar, designadamente, os custos financeiros e outros envolvidos, a dimensão e os recursos financeiros da organização ou empresa e a eventual disponibilidade de fundos públicos ou de outro tipo de assistência.»

9        Nos termos do seu artigo 1.°, a Diretiva 2000/78 «tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

10      O artigo 2.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Conceito de discriminação», prevê:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°

2.      Para efeitos do n.° 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)      Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)      essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários, ou que,

ii)      relativamente às pessoas com uma determinada deficiência, a entidade patronal, ou qualquer pessoa ou organização a que se aplique a presente diretiva, seja obrigada, por força da legislação nacional, a tomar medidas adequadas, de acordo com os princípios previstos no artigo 5.°, a fim de eliminar as desvantagens decorrentes dessa disposição, critério ou prática.

[…]»

11      O artigo 5.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Adaptações razoáveis para as pessoas deficientes», tem a seguinte redação:

«Para garantir o respeito do princípio da igualdade de tratamento relativamente às pessoas deficientes, são previstas adaptações razoáveis. Isto quer dizer que a entidade patronal toma, para o efeito, as medidas adequadas, em função das necessidades numa situação concreta, para que uma pessoa deficiente tenha acesso a um emprego, o possa exercer ou nele progredir, ou para que lhe seja ministrada formação, exceto se essas medidas implicarem encargos desproporcionados para a entidade patronal. Os encargos não são considerados desproporcionados quando forem suficientemente compensados por medidas previstas pela política do Estado‑Membro em causa em matéria de pessoas deficientes.»

 Direito dinamarquês

12      O artigo 2.° da Lei sobre a relação jurídica entre as entidades patronais e os trabalhadores por conta de outrem (lov om retsforholdet mellem arbejdsgivere og funktionærer, a seguir «FL») enuncia:

«1.      O contrato de trabalho entre a entidade patronal e o trabalhador só pode ser denunciado por aquela após um pré‑aviso em conformidade com as normas a seguir enunciadas. Isto aplica‑se igualmente aos contratos de trabalho a prazo denunciados antes do termo do contrato.

2.      O pré‑aviso da entidade patronal deve ser de, pelo menos,

1)      um mês, até ao último dia do mês seguinte, nos primeiros seis meses de contrato,

2)      três meses, até ao último dia do mês seguinte, após seis meses de contrato.

3.      O pré‑aviso previsto no n.° 2, 2, é acrescido de um mês por cada três anos de contrato, até um máximo de seis meses.»

13      O artigo 5.° da FL, que prevê, designadamente, o direito do trabalhador ao salário integral em caso de falta por doença, dispõe:

«1.      Se o trabalhador, por motivo de doença, não estiver em condições de exercer as suas funções, a sua falta ao serviço é considerada justificada, a menos que o trabalhador, na constância da relação laboral, tenha dado causa à doença por negligência grave ou ao iniciar funções tenha fraudulentamente ocultado que sofria da doença em causa.

2.      Todavia o contrato pode prever que o trabalhador pode ser despedido mediante pré‑aviso de um mês, com efeitos no último dia do mês seguinte, quando, ao longo dos últimos doze meses, tiver faltado por motivo de doença com manutenção da remuneração durante 120 dias. O despedimento é válido se ocorrer imediatamente após o período de 120 dias de faltas por doença e o trabalhador ainda estiver de baixa, e não é posto em causa no caso de o trabalhador regressar ao trabalho após a notificação do despedimento.»

14      A Diretiva 2000/78 foi transposta para o direito nacional através da Lei n.° 1417, de 22 de dezembro de 2004, que modifica a Lei relativa à proibição de discriminação no mercado do trabalho (lov nr. 1417 om ændring af lov om forbud mod forskelsbehandling på arbejdsmarkedet m. v., a seguir «lei relativa à proibição de discriminação»). O artigo 2.° bis da lei relativa à proibição de discriminação prevê:

«A entidade patronal deve adotar as medidas adequadas, em função das necessidades numa situação concreta, para que uma pessoa deficiente tenha acesso a um emprego, o possa exercer ou nele progredir, ou para que lhe seja ministrada formação, salvo se estas medidas implicarem encargos desproporcionados para a entidade patronal. Os encargos não são considerados desproporcionados quando forem suficientemente compensados por medidas de caráter público.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

15      Em 1996, J. Ring foi contratada pela cooperativa de habitação económica Boligorganisationen Samvirke, em Lungby, e em seguida, a partir de 17 de julho de 2000, pela DAB, que adquiriu aquela sociedade. J. Ring faltou várias vezes entre 6 de junho de 2005 e 24 de novembro de 2005. Os atestados médicos indicam, designadamente, que sofre de dores permanentes ao nível da coluna dorsolombar que não têm tratamento. Não pôde ser feito nenhum prognóstico de regresso à atividade profissional a tempo inteiro.

16      J. Ring foi informada do seu despedimento por carta da DAB de 24 de novembro de 2005, nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da FL.

17      Decorre dos autos enviados ao Tribunal de Justiça que o espaço de trabalho foi alterado depois deste despedimento. A DAB apresentou uma estimativa de orçamento, em 3 de setembro de 2008, de «aproximadamente 305 000 DKK (+ uma margem)», relativamente a «um balcão de receção e alguns lugares de trabalho situados atrás», bem como à «remoção e substituição da carpete» e à instalação de «secretárias ajustáveis em altura».

18      Em 1 de fevereiro de 2006, J. Ring começou a trabalhar como rececionista na sociedade ADRA Danmark, com o tempo de trabalho de 20 horas por semana. As partes no processo principal C‑335/11 estão de acordo que o seu posto de trabalho é normal e inclui, designadamente, uma secretária ajustável em altura.

19      Por sua vez, L. Skouboe Werge foi contratada como secretária‑assistente de direção pela Pro Display em 1998. Em 19 de dezembro de 2003, foi vítima de um acidente de viação e sofreu uma lesão designada «golpe de coelho». Esteve então de baixa por doença durante cerca de três semanas. Posteriormente, apenas faltou por doença durante alguns dias. Em 4 de novembro de 2004, o diretor da contabilidade da Pro Display enviou um correio eletrónico aos funcionários em que os informava de que, com o seu acordo, seria atribuída a L. Skouboe Werge uma baixa por doença a tempo parcial durante quatro semanas, período durante o qual trabalharia cerca de quatro horas por dia. A Pro Display foi reembolsada pelo salário de L. Skouboe Werge até ao montante do subsídio por doença.

20      Na segunda‑feira, 10 de janeiro de 2005, L. Skouboe Werge ficou de baixa por doença a tempo inteiro. Por correio eletrónico de 14 de janeiro de 2005, L. Skouboe Werge informou o diretor administrativo da Pro Display de que continuava muito doente e de que ia consultar um médico especialista nesse dia. Um relatório médico de 17 de janeiro de 2005 confirma que esta o tinha contactado no mesmo dia e que a interessada declarou estar incapaz para o trabalho desde 10 de janeiro de 2005. O médico considerou que essa incapacidade para o trabalho duraria ainda um mês. Num relatório médico de 23 de fevereiro de 2005, o mesmo médico declarou que não podia pronunciar‑se quanto à duração da incapacidade para o trabalho.

21      Por carta de 21 de abril de 2005, L. Skouboe Werge foi informada do seu despedimento com pré‑aviso de um mês com efeitos a 31 de maio de 2005.

22      L. Skouboe Werge foi submetida a um procedimento de avaliação na Administração do emprego de Randers, que concluiu que aquela era capaz de trabalhar cerca de oito horas por semana a um ritmo lento. No mês de junho de 2006, foi colocada em situação de invalidez devido à sua incapacidade para o trabalho. Em 2007, o Arbejdsskadestyrelsen (Direção dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais) avaliou o grau de invalidez de L. Skouboe Werge em 10% e a taxa de incapacidade em 50%, posteriormente reavaliada em 65%.

23      Agindo em nome e por conta das duas recorrentes nos processos principais, o HK, um sindicato de trabalhadores, intentou no Sø‑ og Handelsretten uma ação de indemnização contra as entidades patronais das mesmas com base na lei relativa à proibição de discriminação. O HK afirma que estas duas funcionárias eram portadoras de uma deficiência e que as suas respetivas entidades patronais tinham o dever de lhes propor uma redução do tempo de trabalho, por força da obrigação de proceder a adaptações prevista no artigo 5.° da Diretiva 2000/78. O HK afirma também que o artigo 5.°, n.° 2, da FL não se aplica a estas trabalhadoras porque as suas faltas por doença resultam das suas deficiências.

24      Nos dois processos principais, as entidades patronais contestam que o estado de saúde das recorrentes nos processos principais se inclua no conceito de «deficiência» na aceção da Diretiva 2000/78 uma vez que a única incapacidade que as afeta é a de não estarem em condições de exercer um emprego a tempo inteiro. Contestam também que a redução do tempo de trabalho se enquadre nas medidas previstas pelo artigo 5.° desta diretiva. Por último, as entidades patronais alegam que, em caso de faltas por doença devido a uma deficiência, o despedimento de um trabalhador por aplicação do artigo 5.°, n.° 2, da FL não constitui uma discriminação e, portanto, não é contrário à referida diretiva.

25      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no n.° 45 do acórdão de 11 de julho de 2006, Chacón Navas (C‑13/05, Colet., p. I‑6467), o Tribunal de Justiça afirmou que, para que a limitação da capacidade de participar na vida profissional esteja abrangida pelo conceito de «deficiência», deve ser provável que a mesma seja de longa duração.

26      Nestas condições, o Sø‑ og Handelsretten decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, que são formuladas em termos idênticos nos processos C‑335/11 e C‑337/11:

«1)      a)      O conceito de ‘deficiência’ na aceção da Diretiva 2000/78[…] é aplicável a qualquer pessoa que, em razão de lesões físicas, mentais ou psíquicas, não pode exercer o seu trabalho durante um período que preenche o requisito de [duração] referido no n.° 45 do acórdão [Chácon Navas, já referido], ou apenas o pode fazer de forma limitada?

b)      Pode uma situação que foi causada por doença incurável clinicamente diagnosticada ser abrangida pelo conceito de deficiência na aceção [desta] diretiva?

c)      Pode uma situação que foi causada por uma doença [curável] clinicamente diagnosticada ser abrangida pelo conceito de deficiência na aceção da [referida] diretiva?

2)      Uma incapacidade permanente que não gera a necessidade de utilização de equipamentos especiais ou outros e que consiste, no essencial, no facto de a pessoa em causa não estar em condições de trabalhar a tempo inteiro [é abrangida pelo conceito de] deficiência na aceção da Diretiva 2000/78[…]?

3)      A redução do horário de trabalho pode constituir uma das medidas abrangidas pelo artigo 5.° da Diretiva [2000/78]?

4)      A Diretiva 2000/78[…] obsta à aplicação de uma disposição […] nacional nos termos da qual a entidade patronal pode despedir um trabalhador com um pré‑aviso reduzido no caso de o trabalhador, que deve ser considerado deficiente na aceção da [referida] diretiva, ter estado de baixa por doença com manutenção da remuneração durante um total de 120 dias ao longo dos últimos [doze] meses, quando

a)      as [faltas] tiverem sido causadas pela deficiência?

ou

b)      as [faltas] forem devidas ao facto de a entidade patronal não ter promovido as medidas concretas necessárias para permitir à pessoa deficiente exercer o seu emprego?»

27      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 4 de agosto de 2011, os processos C‑335/11 e C‑337/11 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

28      A título preliminar, deve recordar‑se que, por força do artigo 216.°, n.° 2, TFUE, quando são celebrados acordos internacionais pela União Europeia, as instituições da União estão vinculadas por tais acordos e, por conseguinte, estes primam sobre os atos da União (acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, Colet., p. I‑13755, n.° 50 e jurisprudência referida).

29      Há também que recordar que o primado dos acordos internacionais celebrados pela União sobre os textos de direito derivado determina que estes últimos sejam interpretados, na medida do possível, em conformidade com esses acordos (acórdão de 22 de novembro de 2012, Digitalnet e o., C‑320/11, C‑330/11, C‑382/11 e C‑383/11, n.° 39 e jurisprudência referida).

30      Resulta da Decisão 2010/48 que a União aprovou a Convenção da ONU. Consequentemente, as disposições desta Convenção constituem, a partir da sua entrada em vigor, parte integrante da ordem jurídica da União (v., neste sentido, acórdão de 30 de abril de 1974, Haegeman, 181/73, Colet., p. 251, n.° 5).

31      Por outro lado, resulta do apêndice do anexo II da referida decisão que, em matéria de autonomia e inclusão social, trabalho e emprego, a Diretiva 2000/78 figura entre os atos da União que se relacionam com as questões regidas pela Convenção da ONU.

32      Daqui decorre que a Diretiva 2000/78 deve ser objeto, na medida do possível, de uma interpretação conforme com a referida Convenção.

33      É à luz destas considerações que cabe responder às questões submetidas ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto à primeira e segunda questões

34      Com a primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o conceito de «deficiência» visado pela Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que inclui o estado de saúde de uma pessoa que, em razão de lesões físicas, mentais ou psíquicas, não pode exercer o seu trabalho, ou que apenas o pode exercer de forma limitada, durante um período que será provavelmente longo ou a título permanente. Pergunta, além disso, se este conceito deve ser interpretado no sentido de que um estado patológico causado por uma doença incurável clinicamente diagnosticada pode ser abrangido pelo referido conceito, de que um estado patológico causado por uma doença curável clinicamente diagnosticada pode também ser incluído no referido conceito e de que a natureza das medidas que a entidade patronal deve tomar é determinante para considerar que o estado de saúde de uma pessoa se enquadra neste mesmo conceito.

35      A título preliminar, cumpre salientar que, como resulta do seu artigo 1.°, a Diretiva 2000/78 tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar, no que diz respeito ao emprego e ao trabalho, contra as discriminações baseadas num dos motivos visados nesse artigo, entre os quais figura a deficiência (v. acórdão Chacón Navas, já referido, n.° 41). Nos termos do seu artigo 3.°, n.° 1, alínea c), esta diretiva aplica‑se, dentro dos limites das competências atribuídas à União, a todas as pessoas, no que diz respeito designadamente às condições de despedimento.

36      Há que recordar que o conceito de «deficiência» não é definido pela própria Diretiva 2000/78. Assim, o Tribunal de Justiça, no n.° 43 do acórdão Chacón Navas, já referido, declarou que este conceito deve ser entendido no sentido de que visa uma limitação, que resulta, designadamente, de lesões físicas, mentais ou psíquicas e que impedem a participação da pessoa em causa na vida profissional.

37      Por sua vez, a Convenção da ONU, ratificada pela União por decisão de 26 de novembro de 2009, ou seja, após a prolação do acórdão Chacón Navas, já referido, reconhece no seu considerando e) que «a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com incapacidades e barreiras comportamentais e ambientais que impedem a sua participação plena e efetiva na sociedade em condições de igualdade com as outras pessoas». Assim, o artigo 1.°, segundo parágrafo, desta Convenção dispõe que são pessoas com deficiência aquelas «que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros».

38      Tendo em conta as considerações mencionadas nos n.os 28 a 32 do presente acórdão, o conceito de «deficiência» deve ser entendido no sentido de que visa uma limitação, que resulta, designadamente, de incapacidades físicas, mentais ou psíquicas, cuja interação com diferentes barreiras pode impedir a participação plena e efetiva da pessoa em questão na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores.

39      Além disso, o artigo 1.°, segundo parágrafo, da Convenção da ONU prevê que as incapacidades físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais devem ser «duradouras».

40      Importa acrescentar ainda que, como salientou a advogada‑geral no n.° 32 das suas conclusões, não é evidente que a Diretiva 2000/78 apenas pretenda abranger deficiências congénitas ou resultantes de acidentes, excluindo as que são causadas por uma doença. Com efeito, seria contrário ao próprio objetivo da diretiva, que é o de concretizar a igualdade de tratamento, admitir que esta se possa aplicar em função das causas da deficiência.

41      Consequentemente, há que concluir que, se uma doença curável ou incurável implica uma limitação, que resulta, designadamente, de lesões físicas, mentais ou psíquicas, cuja interação com diferentes barreiras pode impedir a participação plena e efetiva da pessoa em questão na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores, e se esta limitação é duradoura, tal doença pode enquadrar‑se no conceito de «deficiência» na aceção da Diretiva 2000/78.

42      Em contrapartida, uma doença que não implique tal limitação não se enquadra no conceito de «deficiência» na aceção da Diretiva 2000/78. Com efeito, a doença enquanto tal não pode ser considerada um motivo que acresce àqueles com base nos quais a Diretiva 2000/78 proíbe quaisquer discriminações (v. acórdão Chacón Navas, já referido, n.° 57).

43      A circunstância de a pessoa apenas poder exercer o seu trabalho de forma limitada não constitui um obstáculo a que o estado de saúde desta pessoa se enquadre no conceito de «deficiência». Contrariamente ao que alegam a DAB e a Pro Display, uma deficiência não implica necessariamente a exclusão total do trabalho ou da vida profissional.

44      A este respeito, há que considerar que o conceito de «deficiência», tal como resulta do n.° 38 do presente acórdão, deve ser entendido como visando uma limitação ao exercício de uma atividade profissional e não, como alegam a DAB e a Pro Display, como uma impossibilidade de exercer tal atividade. O estado de saúde de uma pessoa deficiente apta para o trabalho, ainda que a tempo parcial, é pois suscetível de se incluir no conceito de «deficiência». Uma interpretação nos termos propostos pela DAB e pela Pro Display seria, além disso, incompatível com o objetivo da Diretiva 2000/78 que visa designadamente que uma pessoa deficiente possa aceder a um emprego ou exercê‑lo.

45      Além disso, a constatação da existência de uma deficiência não depende da natureza das medidas de adaptação, tais como a utilização de equipamentos especiais. A este respeito, há que referir que a definição do conceito de «deficiência» na aceção do artigo 1.° da Diretiva 2000/78 precede a determinação e a apreciação das medidas de adaptação adequadas previstas pelo artigo 5.° da mesma.

46      Em conformidade com o considerando 16 da Diretiva 2000/78, estas medidas destinam‑se a ter em conta as necessidades das pessoas deficientes. Portanto, são consequência e não elemento constitutivo do conceito de deficiência. De igual modo, as medidas ou as adaptações previstas no considerando 20 desta diretiva permitem respeitar a obrigação que decorre do artigo 5.° da referida diretiva, mas só são aplicáveis na condição de se estar perante uma deficiência.

47      Decorre das considerações precedentes que há que responder à primeira e segunda questões que o conceito de «deficiência» visado pela Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que inclui um estado patológico causado por uma doença clinicamente diagnosticada como curável ou incurável quando esta doença gera uma limitação, que resulta, designadamente, de lesões físicas, mentais ou psíquicas, cuja interação com diferentes barreiras pode impedir a participação plena e efetiva da pessoa em questão na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores, e esta limitação é duradoura. A natureza das medidas que a entidade patronal deve tomar não é determinante para considerar que o estado de saúde de uma pessoa se inclui neste conceito.

 Quanto à terceira questão

48      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 5.° da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que a redução do horário de trabalho pode constituir uma das medidas de adaptação abrangidas por este artigo.

49      Como enuncia o referido artigo, a entidade patronal tem a obrigação de tomar as medidas adequadas, designadamente, para permitir que uma pessoa deficiente tenha acesso a um emprego, o possa exercer ou nele progredir. A este respeito, o considerando 20 da referida diretiva procede a uma enumeração não exaustiva dessas medidas, as quais podem ser de ordem física, organizacional e/ou educativa.

50      Há que salientar que nem o artigo 5.° da Diretiva 2000/78 nem o seu considerando 20 mencionam a redução do horário de trabalho. Contudo, importa interpretar o conceito de «ritmos de trabalho», que consta do referido considerando, para determinar se a adaptação do horário de trabalho é suscetível de ser enquadrada neste conceito.

51      A DAB e a Pro Display alegam a este respeito que o referido conceito se refere a elementos como a organização do ritmo e da cadência do trabalho, por exemplo, no âmbito de um processo de produção, bem como das pausas, por forma a aliviar, tanto quanto possível, a carga de trabalho do trabalhador deficiente.

52      Todavia, não resulta do considerando 20 nem de nenhuma outra disposição da Diretiva 2000/78 que o legislador da União tenha pretendido limitar o conceito de «ritmo de trabalho» a tais elementos e excluir a adaptação dos horários, particularmente a possibilidade, para as pessoas deficientes que não têm ou deixaram de ter capacidade para trabalhar a tempo inteiro, de efetuar o seu trabalho a tempo parcial.

53      Em conformidade com o artigo 2.°, quarto parágrafo, da Convenção da ONU, «adaptações razoáveis» são «a modificação e [os] ajustes necessários e apropriados que não imponham uma carga desproporcionada ou indevida, sempre que necessário num determinado caso, para garantir que as pessoas com incapacidades gozam ou exercem, em condições de igualdade com as demais, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais». Daqui decorre que a referida disposição prevê uma definição ampla do conceito de «adaptação razoável».

54      Assim, em relação à Diretiva 2000/78, este conceito deve ser entendido como visando a eliminação das barreiras à participação plena e efetiva das pessoas deficientes na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores.

55      Uma vez que, por um lado, o considerando 20 da Diretiva 2000/78 e o artigo 2.°, quarto parágrafo, da Convenção da ONU preveem medidas não apenas materiais mas também organizacionais e, por outro, que a expressão «ritmo» de trabalho deve ser entendida como a cadência ou a velocidade a que se efetua o trabalho, não se pode excluir que uma diminuição do tempo de trabalho possa constituir uma das medidas de adaptação previstas pelo artigo 5.° desta diretiva.

56      Por outro lado, há que salientar que a enumeração das medidas adequadas destinadas a adaptar o posto de trabalho em função da deficiência, contida no considerando 20 da Diretiva 2000/78, não é exaustiva e, como tal, a redução do horário de trabalho, mesmo que não se enquadre no conceito de «ritmos de trabalho», pode ser considerada uma medida de adaptação nos termos do artigo 5.° desta diretiva nos casos em que a redução do horário de trabalho permita ao trabalhador poder continuar a exercer o seu emprego, em conformidade com o objetivo visado pelo referido artigo.

57      Todavia, há que recordar que, segundo o seu considerando 17, a Diretiva 2000/78 não exige o recrutamento, a promoção ou a manutenção num emprego de uma pessoa que não seja competente, capaz ou disponível para cumprir as funções essenciais do lugar em causa, sem prejuízo da obrigação de prever adaptações razoáveis para as pessoas deficientes, entre as quais figura uma eventual redução do seu horário de trabalho.

58      Por outro lado, importa recordar que, em conformidade com o artigo 5.° da referida diretiva, as adaptações que as pessoas deficientes podem exigir devem ser razoáveis, no sentido de que não devem constituir um encargo desproporcionado para a entidade patronal.

59      Nos processos principais, cabe, pois, ao juiz nacional apreciar se a redução do horário de trabalho enquanto medida de adaptação representa um encargo desproporcionado para as entidades patronais.

60      Como resulta do considerando 21 da Diretiva 2000/78, é necessário, a esse respeito, ter em conta designadamente os custos financeiros e outros que esta medida implica, a dimensão e os recursos financeiros da empresa e a eventual disponibilidade de fundos públicos ou de outro tipo de assistência.

61      Há que recordar que, no quadro de um processo nos termos do artigo 267.° TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, qualquer apreciação dos factos da causa é da competência do órgão jurisdicional nacional. Todavia, a fim de dar a esse órgão uma resposta útil, o Tribunal de Justiça pode, no espírito de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais, fornecer‑lhe todas as indicações que julgar necessárias (acórdão de 15 de abril de 2010, Sandström, C‑433/05, Colet., p. I‑2885, n.° 35 e jurisprudência referida).

62      Pode constituir um elemento pertinente para efeitos desta apreciação a circunstância, assinalada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que, imediatamente após o despedimento de J. Ring, a DAB publicou um anúncio de oferta de emprego para um(a) funcionário(a) de escritório a tempo parcial, a saber, 22 horas por semana, na sua agência regional de Lyngby. Dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça não consta nenhum elemento que permita demonstrar que J. Ring não era capaz de ocupar este emprego a tempo parcial ou de compreender os motivos que justificaram o facto de este não lhe ter sido proposto. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio refere que J. Ring começou, pouco tempo após o seu despedimento, a trabalhar como rececionista numa outra empresa e que a duração real do tempo de trabalho era de 20 horas por semana.

63      Por outro lado, como salientou o Governo dinamarquês no decurso da audiência, o direito dinamarquês prevê a possibilidade de atribuir às empresas auxílios públicos para as adaptações que têm como objetivo facilitar o acesso de pessoas deficientes ao mercado de trabalho, designadamente iniciativas que têm por finalidade incitar as entidades patronais a contratar e manter em funções as pessoas que sofrem de uma deficiência.

64      Atendendo ao exposto, há que responder à terceira questão que o artigo 5.° da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que a redução do horário de trabalho pode constituir uma das medidas abrangidas por este artigo. Cabe ao juiz nacional apreciar se, nas circunstâncias dos processos principais, a redução do horário de trabalho enquanto medida de adaptação representa um encargo desproporcionado para a entidade patronal.

 Quanto à quarta questão, alínea b)

65      Com a quarta questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê que a entidade patronal pode cessar o contrato de trabalho com pré‑aviso reduzido se o trabalhador deficiente em questão faltou por doença com manutenção da remuneração durante 120 dias ao longo dos últimos doze meses quando essas faltas se verificaram em consequência da omissão, por parte da entidade patronal, de tomar as medidas adequadas em conformidade com a obrigação de prever as adaptações razoáveis prevista no artigo 5.° desta diretiva.

66      Importa assinalar que a circunstância de uma entidade patronal não ter tomado as referidas medidas é suscetível de ter como consequência, tendo em conta a obrigação que decorre do artigo 5.° da Diretiva 2000/78, que as faltas de um trabalhador deficiente sejam imputadas a uma omissão da entidade patronal e não à deficiência do trabalhador.

67      No caso de o órgão jurisdicional nacional considerar que a falta dos trabalhadores é, no caso em apreço, imputável à não adoção por parte da entidade patronal das medidas de adaptação adequadas, a Diretiva 2000/78 opõe‑se à aplicação de uma disposição nacional como a que está em causa nos processos principais.

68      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à quarta questão, alínea b), que a Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê que a entidade patronal pode cessar o contrato de trabalho com pré‑aviso reduzido se o trabalhador deficiente em causa faltou por doença com manutenção da remuneração durante 120 dias ao longo dos últimos doze meses quando essas faltas se verificaram em consequência da omissão, por parte da entidade patronal, de tomar as medidas adequadas em conformidade com a obrigação de prever as adaptações razoáveis prevista no artigo 5.° desta diretiva.

 Quanto à quarta questão, alínea a)

69      Com a quarta questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que obsta à aplicação de uma disposição nacional que prevê que a entidade patronal pode cessar o contrato de trabalho com pré‑aviso reduzido se o trabalhador deficiente em questão faltou por doença com manutenção da remuneração durante 120 dias ao longo dos últimos doze meses quando essas faltas são consequência da sua deficiência.

70      Há que considerar que, com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio teve em conta a hipótese em que o artigo 5.°, n.° 2, da FL é aplicado a uma pessoa deficiente na sequência de faltas por doença imputável em todo ou em parte à sua deficiência e não à omissão, por parte da entidade patronal, de tomar as medidas adequadas em conformidade com a obrigação de prever as adaptações razoáveis prevista no artigo 5.° da Diretiva 2000/78.

71      Como afirmou o Tribunal de Justiça no n.° 48 do acórdão Chacón Navas, já referido, um tratamento desfavorável baseado na deficiência só é contrário à proteção visada pela Diretiva 2000/78 se constituir uma discriminação na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da referida diretiva. Com efeito, o trabalhador deficiente abrangido por esta diretiva deve ser protegido contra toda a discriminação relativamente a um trabalhador que não o é. Coloca‑se a questão de saber se a disposição nacional em causa nos processos principais é suscetível de gerar uma discriminação relativamente às pessoas deficientes.

72      Quanto à questão de saber se a disposição em causa nos processos principais contém uma diferença de tratamento baseada na deficiência, há que salientar que o artigo 5.°, n.° 2, da FL, que se refere às faltas por doença, aplica‑se de forma idêntica às pessoas deficientes e às pessoas sem deficiência que faltaram mais de 120 dias por este motivo. Nestas circunstâncias, não se pode considerar que esta disposição instaure uma diferença de tratamento diretamente baseada na deficiência, na aceção das disposições conjugadas dos artigos 1.° e 2.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2000/78.

73      A este respeito, importa sublinhar que uma pessoa cuja entidade patronal cesse o contrato de trabalho com pré‑aviso reduzido exclusivamente por motivo de doença não está abrangida pelo quadro geral estabelecido pela Diretiva 2000/78 com vista a lutar contra a discriminação com base na deficiência (v., por analogia, acórdão Chacón Navas, já referido, n.° 47).

74      Há, pois, que concluir que o artigo 5.°, n.° 2, da FL não contém uma discriminação direta baseada na deficiência na medida em que assenta num critério que não está indissociavelmente ligado à deficiência.

75      Quanto à questão de saber se a referida disposição é suscetível de originar uma diferença de tratamento indiretamente baseada na deficiência, há que salientar que a tomada em consideração dos dias de falta por doença ligada a uma deficiência no cálculo dos dias de falta por doença equivale a equiparar uma doença ligada a uma deficiência ao conceito geral de doença. Ora, como o Tribunal de Justiça afirmou no n.° 44 do acórdão Chacón Navas, já referido, a equiparação pura e simples do conceito de «deficiência» ao conceito de «doença» está excluída.

76      A este respeito, há que assinalar que um trabalhador deficiente está mais exposto ao risco de lhe ser aplicado o pré‑aviso reduzido previsto no artigo 5.°, n.° 2, da FL do que um trabalhador que não sofre de deficiência. Com efeito, como salientou a advogada‑geral no n.° 67 das suas conclusões, comparativamente a um trabalhador que não sofre de deficiência, um trabalhador deficiente está exposto ao risco suplementar de uma doença ligada à sua deficiência. Está então exposto ao risco acrescido de cumular as faltas por doença e, como tal, de atingir o limite de 120 dias previsto pelo artigo 5.°, n.° 2, da FL. Como tal, afigura‑se que a regra dos 120 dias prevista nesta disposição é suscetível de desfavorecer os trabalhadores deficientes e, desta forma, originar uma diferença de tratamento indiretamente baseada na deficiência na aceção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2000/78.

77      Em conformidade com o ponto i) da referida disposição, importa examinar se esta diferença de tratamento é objetivamente justificada por um objetivo legítimo, se os meios usados para a concretizar são adequados e se não excedem o necessário para alcançar o objetivo prosseguido pelo legislador dinamarquês.

78      Quanto ao objetivo do artigo 5.°, n.° 2, da FL, o Governo dinamarquês sublinha que se trata de incentivar as entidades patronais a contratar e a manter no seu emprego trabalhadores que apresentam um risco particular de faltas repetidas por doença, ao permitir‑lhes proceder mais tarde ao despedimento destes com um pré‑aviso reduzido, se a falta tende a ser de muito longa duração. Em contrapartida, estes trabalhadores podem manter o seu emprego durante o período da sua doença.

79      Esse governo salienta que a referida norma regula, portanto, os interesses da entidade patronal e do trabalhador e insere‑se na linha da regulação geral do mercado de trabalho dinamarquês, que assenta numa combinação entre, por um lado, a flexibilidade e, por outro, a proteção dos trabalhadores.

80      A DAB e a Pro Display esclarecem que a regra dos 120 dias prevista pelo artigo 5.°, n.° 2, da FL é considerada como sendo protetora dos trabalhadores doentes, porque uma entidade patronal que tenha consentido na sua aplicabilidade se inclinará geralmente a esperar mais tempo antes de proceder ao despedimento de um trabalhador.

81      Importa recordar que os Estados‑Membros dispõem de uma larga margem de apreciação na escolha não apenas da prossecução de um objetivo determinado em matéria de política social e do emprego mas também na definição das medidas suscetíveis de o realizar (v., neste sentido, acórdãos de 5 de julho de 2012, Hörnfeldt, C‑141/11, n.° 32, e de 6 de dezembro de 2012, Odar, C‑152/11, n.° 47).

82      O Tribunal de Justiça já decidiu que a promoção da contratação constitui incontestavelmente um objetivo legítimo de política social ou de emprego dos Estados‑Membros e que esta apreciação deve obviamente aplicar‑se aos instrumentos de política do mercado de trabalho nacional destinados a melhorar as hipóteses de inserção na vida ativa de certas categorias de trabalhadores (v. acórdão de 16 de outubro de 2007, Palacios de la Villa, C‑411/05, Colet., p. I‑8531, n.° 65). De igual modo, uma medida tomada a fim de favorecer a flexibilidade do mercado de trabalho pode ser considerada uma medida de política de emprego.

83      Assim, pode, em princípio, considerar‑se que objetivos da natureza dos indicados pelo Governo dinamarquês justificam objetivamente, no âmbito do direito nacional, como prevê o artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78, uma diferença de tratamento baseada na deficiência, como aquela que resulta do artigo 5.°, n.° 2, da FL.

84      Cumpre ainda verificar se os meios adotados para realizar estes objetivos são apropriados e necessários e se não excedem o requerido para os atingir.

85      O Governo dinamarquês considera que o artigo 5.°, n.° 2, da FL permite alcançar da forma mais adequada, por um lado, o objetivo de permitir o recrutamento e a manutenção no emprego de pessoas que têm, pelo menos potencialmente, uma capacidade de trabalho reduzida assim como, por outro lado, o objetivo superior de um mercado de trabalho flexível, convencional e seguro.

86      A DAB e a Pro Display precisam a este respeito que, segundo a regulamentação dinamarquesa sobre os subsídios em caso de doença, a entidade patronal que paga o salário do trabalhador de baixa por doença tem direito ao reembolso dos subsídios de doença por parte das autoridades municipais do local de residência do trabalhador. Todavia, o direito a estes subsídios está limitado a 52 semanas e o seu montante é inferior à remuneração real. Nestas condições, as disposições do artigo 5.°, n.° 2, da FL asseguram um equilíbrio razoável entre os interesses opostos do trabalhador e da entidade patronal, no que diz respeito às faltas por doença.

87      Tendo em conta a larga margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros na escolha não apenas da prossecução de um objetivo determinado em matéria de política social e do emprego mas também na definição das medidas suscetíveis de o realizar, não parece irrazoável que estes considerem que uma medida como a regra dos 120 dias prevista no artigo 5.°, n.° 2, da FL possa ser adequada para atingir os objetivos anteriormente evocados.

88      Com efeito, pode admitir‑se que a referida regra, ao prever o direito de recorrer a um pré‑aviso de duração reduzida para proceder ao despedimento de trabalhadores que faltaram por doença durante mais de 120 dias, tenha relativamente às entidades patronais, um efeito que incentiva a contratação e a manutenção em funções.

89      A fim de examinar se a regra dos 120 dias prevista no artigo 5.°, n.° 2, da FL excede o necessário para alcançar os objetivos prosseguidos, importa situar esta disposição no contexto em que se insere e tomar em consideração o prejuízo que é suscetível de causar às pessoas visadas (v., neste sentido, acórdão Odar, já referido, n.° 65).

90      Cabe, a este respeito, ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se o legislador dinamarquês, ao prosseguir os objetivos legítimos da promoção da contratação de pessoas doentes, por um lado, e de um equilíbrio razoável entre os interesses opostos do trabalhador e da entidade patronal relativamente às faltas por doença, por outro, não teve em conta elementos pertinentes que dizem respeito, particularmente, aos trabalhadores deficientes.

91      A este respeito, importa não ignorar o risco em que incorrem as pessoas que sofrem de deficiência, que geralmente têm mais dificuldades em reintegrar o mercado de trabalho do que os trabalhadores sem deficiência e necessidades específicas relacionadas com os cuidados que o seu estado exige (v., neste sentido, acórdão Odar, já referido, n.os 68 e 69).

92      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à quarta questão, alínea a), que a Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê que a entidade patronal pode cessar o contrato de trabalho com pré‑aviso reduzido se trabalhador deficiente em causa faltou por doença com manutenção da remuneração durante 120 dias ao longo dos últimos doze meses quando essas faltas se verificaram em consequência da sua deficiência, salvo se esta disposição, ao mesmo tempo que prossegue um objetivo legítimo, não exceder o necessário para atingir esse objetivo, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

 Quanto às despesas

93      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O conceito de «deficiência» visado pela Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que inclui um estado patológico causado por uma doença clinicamente diagnosticada como curável ou incurável quando esta doença gera uma limitação, que resulta, designadamente, de lesões físicas, mentais ou psíquicas, cuja interação com diferentes barreiras pode impedir a participação plena e efetiva da pessoa em questão na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores, e esta limitação é duradoura. A natureza das medidas que a entidade patronal deve tomar não é determinante para considerar que o estado de saúde de uma pessoa se inclui neste conceito.

2)      O artigo 5.° da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que a redução do horário de trabalho pode constituir uma das medidas abrangidas por este artigo. Cabe ao juiz nacional apreciar se, nas circunstâncias dos processos principais, a redução do horário de trabalho enquanto medida de adaptação representa um encargo desproporcionado para a entidade patronal.

3)      A Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê que a entidade patronal pode cessar o contrato de trabalho com pré‑aviso reduzido se o trabalhador deficiente em causa faltou por doença com manutenção da remuneração durante 120 dias ao longo dos últimos doze meses quando essas faltas se verificaram em consequência da omissão, por parte da entidade patronal, de tomar as medidas adequadas em conformidade com a obrigação de prever as adaptações razoáveis prevista no artigo 5.° desta diretiva.

4)      A Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê que a entidade patronal pode cessar o contrato de trabalho com pré‑aviso reduzido se o trabalhador deficiente em causa faltou por doença com manutenção da remuneração durante 120 dias ao longo dos últimos doze meses quando essas faltas se verificaram em consequência da sua deficiência, salvo se esta disposição, ao mesmo tempo que prossegue um objetivo legítimo, não exceder o necessário para atingir esse objetivo, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

Assinaturas


* Língua do processo: dinamarquês.