Language of document : ECLI:EU:C:2005:309

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

CHRISTINE STIX‑HACKL

apresentadas em 26 de Maio de 2005 1(1)

Processo C‑121/03

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino de Espanha

«Acção por incumprimento – Violação de várias obrigações em matéria de ambiente na zona do Baix Ter, província de Gerona – Directiva 75/442/CEE relativa aos resíduos – Directiva 85/337/CEE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente – Directiva 80/68/CEE relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas – Directiva 80/778/CEE relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano»





I –    Introdução

1.     Na presente acção por incumprimento, a Comissão acusa o Reino de Espanha de não ter cumprido várias directivas respeitantes ao ambiente relativamente a vários tipos de poluição na zona do Baix Ter (província de Gerona) que, essencialmente, são imputadas a diversas instalações de criação intensiva de suínos (a seguir «instalações de criação de suínos»).

2.     O presente litígio tem, no que respeita à directivas em causa e às questões jurídicas suscitadas, estreita ligação com o processo C‑416/02, no qual apresentei as minhas conclusões em 12 de Maio de 2005 (2). Em consequência, sempre que estes processos se sobrepuserem, remeterei para a minha exposição nas referidas conclusões, referindo os respectivos números.

3.     Aliás, não se pode ignorar que o presente processo, ainda que três dos seus quatro fundamentos respeitem às mesmas directivas ou disposições de directivas do processo C‑416/02, se distingue deste de modo importante, desde logo no que respeita ao seu cenário factual. Assim, no processo C‑416/02 trata‑se sobretudo de poluição e de ilegalidades imputadas a uma única instalação de criação de suínos, enquanto no presente processo se trata antes de poluição e de ilegalidades que são atribuídas a um grande número de instalações de criação de suínos de uma determinada área.

4.     No entanto, a avaliação da existência de um incumprimento por força de defeitos amplamente disseminados ou deficiências «estruturais» na aplicação prática de uma directiva num Estado‑Membro deve, por natureza, ter um ponto de partida parcialmente mais «global» do que o caso em que um Estado‑Membro, em virtude de uma situação de facto isolada ou de um único facto, é acusado de não ter adoptado as medidas necessárias para a aplicação prática de uma directiva (3).

5.     A Comissão considera que, no presente caso, foram violadas as seguintes directivas respeitantes ao ambiente:

Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (4), na redacção da Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (5) (a seguir «directiva relativa aos resíduos»).

Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (6) (a seguir «directiva AIA»), alterada pela Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997 (7) (a seguir «directiva AIA alterada»).

Directiva 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas (8) (a seguir «directiva relativa às águas subterrâneas»).

Directiva 80/778/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1980, relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano (9) (a seguir «directiva relativa à água potável»).

II – Quadro jurídico

6.     No que respeita às disposições pertinentes da directiva relativa aos resíduos, da directiva relativa às águas subterrâneas, bem como da directiva AIA e da directiva AIA alterada, remeto para os n.os 3 a 6 das minhas conclusões no processo C‑416/02.

7.     Em complemento, tem ainda relevância para o presente caso o anexo II, n.° 1, alínea e) da directiva AIA alterada, que tem o seguinte teor:

«PROJECTOS ABRANGIDOS PELO N.° 2 DO ARTIGO 4.°

1.      Agricultura, silvicultura e aquicultura

[...]

e)      Instalações de pecuária intensiva (projectos não incluídos no anexo I).»

8.     A directiva relativa à água potável prevê, resumidamente:

Artigo 7.°, n.° 6

«Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para que as águas destinadas ao consumo humano satisfaçam as exigências especificadas no anexo I.»

O anexo I enumera, na parte C. PARÂMETROS RELATIVOS A SUBSTÂNCIAS INDESEJÁVEIS (quantidades excessivas), na rubrica 20, para nitratos, o nível guia de 25 mg/l e uma concentração máxima admissível de 50 mg/l.

III – Matéria de facto

9.     A zona do Baix Ter, na província de Gerona, situa‑se na costa nordeste de Espanha, na região autónoma da Catalunha. Nesta zona, que abrange a área onde o rio Ter desagua no Mediterrâneo, existe um grande número de instalações de criação de suínos.

10.   Como alegado pela Comissão no âmbito do objecto da acção, as acusações respeitantes à directiva relativa aos resíduos, à directiva AIA (ou à directiva AIA alterada) e à directiva relativa às águas subterrâneas prendem‑se com a construção, a ampliação e a exploração das inúmeras instalações de criação de suínos na zona do Baix Ter. As acusações respeitantes à directiva relativa às águas subterrâneas e à directiva relativa à água potável dizem ainda respeito à contaminação (por nitratos) das águas subterrâneas na zona do Baix Ter antes de o rio Ter desaguar no Mediterrâneo e, desse modo, à poluição da água potável que é extraída do rio por uma série de municípios da Empordà, amplamente reconhecida pelo Governo espanhol e que daquelas resulta.

IV – Fase pré‑contenciosa e processo judicial

11.   No ano de 2000, a Comissão foi alertada por uma reclamação de um grupo de protecção do ambiente para a poluição da zona em causa. Depois de ter consultado o Governo espanhol, a Comissão chegou à conclusão de que o Reino de Espanha infringira diversas directivas em matéria de ambiente e dirigiu‑lhe, por carta de 25 de Outubro de 2000, uma notificação para cumprir, fixando‑lhe um prazo de dois meses para tomar posição.

12.   Entendendo que as respostas do Governo espanhol, de 1 e de 15 de Fevereiro de 2001, não tinham eliminado as suspeitas de incumprimento, a Comissão dirigiu ao Governo espanhol, por carta de 26 de Julho de 2001, um parecer fundamentado no qual lhe imputava a violação das directivas atrás referidas (10) e convidava o Reino de Espanha a tomar as medidas necessárias no prazo de dois meses. O Governo espanhol respondeu por cartas de 3 de Dezembro de 2001 e de 29 de Janeiro de 2002.

13.   Uma vez que a Comissão concluiu que o Reino de Espanha não cumprira as suas obrigações, intentou no Tribunal de Justiça, em 14 de Março de 2003, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção por incumprimento contra o Reino de Espanha, inscrita no registo do Tribunal de Justiça em 19 de Março de 2003.

14.   A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

1.      declarar que

a)      ao não adoptar as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da Directiva 75/442/CEE, alterada pela Directiva 91/156/CE, por não ter adoptado as medidas necessárias para garantir que os resíduos provenientes de instalações de criação de suínos situadas na zona do Baix Ter, província de Gerona, fossem eliminados ou valorizados sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o meio ambiente e por grande parte das referidas instalações não ter a autorização exigida pela directiva, e ao não efectuar os controlos periódicos necessários às referidas instalações,

b)      ao não proceder a uma avaliação do impacto ambiental antes da construção ou alteração dos projectos das referidas instalações de criação de suínos, contrariamente ao exigido pelos artigos 2.° e 4.°, n.° 2, da Directiva 85/337/CEE, quer na sua versão original quer na alterada pela Directiva 97/11/CE,

c)      ao não realizar os estudos hidrológicos necessários na zona afectada pela contaminação, relacionados com as explorações de suínos objecto da presente acção, contrariamente ao que exigem os artigos 3.°, alínea b), 5.°, n.° 1, e 7.° da Directiva 80/68/CEE,

d)      ao exceder, em várias redes públicas de distribuição de água da zona do Baix Ter, a concentração máxima admissível do parâmetro nitratos estabelecida no n.° 20 da parte C do anexo I, da Directiva 80/778/CEE, contrariamente ao exigido pelo artigo 7.°, n.° 6, da referida directiva,

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas directivas;

2.      condenar o Reino de Espanha nas despesas.

V –    Quanto à violação da directiva relativa aos resíduos

A –    Principais argumentos das partes

15.   A Comissão observa que as instalações de criação de suínos em causa produzem grandes quantidades de resíduos e, em especial, de chorume e de cadáveres de animais. Na ausência de outra regulamentação comunitária pertinente, o tratamento destes resíduos é abrangido pelo âmbito de aplicação da directiva relativa aos resíduos.

16.   Em contrapartida, o Governo espanhol refere, em geral, que o número total de instalações de criação de suínos nos municípios em causa do Baix Ter diminuiu de 387 no ano de 1989 para 197 no ano de 1999. Desde 1999, ainda que o número tenha voltado a subir ligeiramente, o número de animais foi reduzido de cerca de 12 017 unidades. Além disso, as medidas das autoridades espanholas incluíram a instauração de 63 processos para aplicação de uma sanção.

17.   A Comissão entende que da contaminação das águas subterrâneas do Baix Ter – que se pode reconduzir, em particular, à quantidade crescente de chorume produzido pelas instalações de criação de suínos – admitida pelo Governo espanhol e confirmada por várias análises, resulta que os resíduos das instalações de criação de suínos em causa não foram aproveitados nem eliminados em conformidade com o artigo 4.° da directiva relativa aos resíduos. Contrariamente ao disposto no artigo 9.° desta directiva, as instalações de criação de suínos em causa também não dispõem da autorização exigida pela legislação sobre resíduos. Tal resulta das informações prestadas pelo Governo espanhol relativamente à legalização de instalações de criação de suínos, das quais se conclui que grande número destas instalações não tinha, no momento determinante para o presente caso, nenhuma autorização e que o direito nacional, que o Governo espanhol invocou, não foi cumprido. Os documentos que o Governo espanhol apresentou à Comissão não permitem, por fim, concluir que os controlos periódicos apropriados na acepção do artigo 13.° da directiva relativa aos resíduos tenham tido lugar em todas ou, pelo menos, na maior parte das cerca de 220 instalações de criação de suínos em causa.

18.   A Comissão é de opinião que os cadáveres dos animais são, sem dúvida, resíduos na acepção da directiva. Admite, no entanto, que o chorume que, de harmonia com as boas práticas agrícolas, é aproveitado como fertilizante na mesma exploração agrícola, pode constituir um subproduto agrícola, do qual o estabelecimento não tem a intenção de se «desfazer» na acepção da directiva e que, por conseguinte, não deve ser considerado resíduo. Contudo, no presente caso, tal não sucede, pelo menos relativamente a todas as instalações de criação de suínos em causa; o Governo espanhol nunca alegou que todo o chorume era utilizado como fertilizante nas instalações de criação de suínos em causa.

19.   Quanto ao argumento do Governo espanhol de que é aplicável a disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da directiva relativa aos resíduos, a Comissão contrapõe que não existe qualquer outra regulamentação comunitária relevante, pelo que a derrogação não é pertinente. As normas nacionais eventualmente existentes não podem ser consideradas, em geral, «outra legislação» na acepção da referida disposição e, de resto, as várias disposições indicadas pelo Governo espanhol não satisfazem as exigências da directiva.

20.   O Governo espanhol é de opinião que a directiva relativa aos resíduos não é aplicável a empresas como as instalações de criação de suínos controvertidas. Sustenta que a aplicação de chorume nos terrenos agrícolas é um método comprovado de fertilização natural e, em consequência, não deve ser entendido como eliminação de resíduos na acepção do artigo 1.°, alínea a), da directiva.

21.   O Governo espanhol alega que – mesmo que o Tribunal de Justiça conclua que, em princípio, a directiva relativa aos resíduos é aplicável – é de qualquer modo relevante a disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b). Com efeito, a Directiva 91/676/CEE (11) constitui «outra legislação» na acepção desta disposição derrogatória, porque esta directiva regula a poluição causada por nitratos de origem agrícola e o impacto ambiental negativo da aplicação de chorume a terrenos decorre, em qualquer caso, de uma possível poluição das águas subterrâneas pelos nitratos. Além disso, o Regulamento (CE) n.° 1774/2002 (12) abrange cadáveres de animais provenientes de instalações de criação de suínos. De resto, a disposição derrogatória é também aplicável quando exista legislação nacional pertinente. É o que sucede em Espanha, porque tais instalações são abrangidas pelo âmbito de aplicação de várias disposições espanholas em matéria de resíduos.

22.   Finalmente, o Governo espanhol alega que a Comissão não fez prova das alegadas infracções à directiva relativa aos resíduos. Remete para o facto de as autoridades catalãs terem feito diligências no sentido da formação e informação dos agricultores relativamente a um tratamento adequado do chorume e terem incitado à construção de instalações de tratamento do chorume excedente. Doze destas instalações já se encontram em funcionamento e dez estão em fase de aprovação.

B –    Apreciação

1.      Nota prévia

23.   Com o primeiro fundamento, a Comissão acusa o Reino de Espanha de não ter adoptado, na zona do Baix Ter, as medidas necessárias para cumprir as obrigações para ele decorrentes dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva relativa aos resíduos. Tal como no processo C‑416/02, a alegada violação diz mais respeito ao plano da execução prática destas disposições do que à transposição delas para o direito interno espanhol.

24.   Contudo, o presente processo distingue‑se do processo C‑416/02, como já referi na introdução destas conclusões, na medida em que a alegada infracção à directiva não é imputada a uma única instalação, mas a uma série de instalações numa determinada zona.

25.   A Comissão não pretende, portanto, demonstrar aqui em que medida uma situação de facto isolada, tal como uma eliminação poluente de chorume por parte de uma determinada instalação de criação de suínos, que se revela incompatível com os objectivos da directiva relativa aos resíduos, constitui, desde logo, uma omissão das medidas necessárias para a transposição desta directiva, mas antes demonstrar que houve, de um modo global, por parte das autoridades espanholas, mora na execução prática das citadas disposições da directiva relativa aos resíduos no que respeita às instalações de criação de suínos da zona do Baix Ter. Para comprovar este incumprimento não é, por isso, necessário provar, relativamente a cada uma das instalações de criação de suínos da zona do Baix Ter, que estão em causa resíduos na acepção da directiva relativa aos resíduos e que, na prática, esta não foi executada de modo correcto ou eficaz.

2.      Quanto à aplicabilidade da directiva relativa aos resíduos

26.   Quanto ao conceito de «resíduos» na acepção do artigo 1.°, alínea a), da directiva relativa aos resíduos

27.   Antes de apurar se existiram as violações dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva relativa aos resíduos alegadas pela Comissão, importa começar por responder à questão de saber se e em que medida as substâncias em causa no presente processo – em especial o chorume e os cadáveres de animais – são abrangidas, enquanto «resíduos», pelo âmbito de aplicação da directiva relativa aos resíduos.

a)      Quanto à inclusão no conceito de «resíduo» na acepção da directiva relativa aos resíduos

28.   Como afirmei nas minhas conclusões no processo C‑416/02, a qualificação como resíduos de substâncias como os cadáveres de animais e o chorume depende de saber se o detentor de uma substância se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer dessa substância, o que se avalia com base em todas as circunstâncias, devendo a finalidade da directiva relativa aos resíduos ser tomada em consideração e devendo ainda ter‑se em conta que a sua eficácia não deve ser prejudicada (13).

29.   Sustentei então que, segundo jurisprudência assente, uma substância resultante de um processo de fabrico que não é destinado essencialmente a produzi‑la pode constituir um resíduo propriamente dito mas também, em determinadas circunstâncias, um subproduto de que a empresa não deseje «desfazer‑se» e que, em consequência, não pode ser qualificado de resíduo (14).

30.   À luz destes elementos entendi nas mesmas conclusões que os cadáveres de animais constituem um mero resíduo da criação de suínos e, em consequência e em princípio, «resíduos» na acepção do artigo 1.°, alínea a), da directiva relativa aos resíduos (15). O mesmo vale para o presente caso.

31.   No que respeita ao chorume, resulta das minhas conclusões no processo C‑416/02 que a resposta à questão relativa à sua qualidade de resíduos deve ser mais diferenciada (16).

32.   Isto porque, conforme aleguei, são efectivamente concebíveis casos em que o chorume resultante da exploração agrícola não deve ser considerado resíduo na acepção da directiva, na condição de que seja certa a sua reutilização «sem transformação prévia e na continuidade do processo de produção» ou para fins agrícolas – isto é, para fertilização (não é possível descortinar, em geral, outra utilidade) (17). Mas, por outro lado, se o chorume é aplicado, por exemplo, em quantidades superiores às que, segundo as boas práticas agrícolas, são necessárias para a fertilização, ou mesmo a um terreno que não vale a pena fertilizar porque, por exemplo, não é cultivado ou está em pousio, isto deve constituir um indício suficiente de que o detentor tem a intenção de se desfazer do chorume (18).

33.   No que respeita ao caso em apreço, não é, de facto, de excluir que o chorume seja aplicado em concreto, em algumas das instalações de criação de suínos em causa, segundo as boas práticas agrícolas, para fertilização, não sendo por isso tratado como resíduo na acepção da directiva relativa aos resíduos. Contudo, conclui‑se das informações prestadas que na zona do Baix Ter funciona uma rede relativamente densa de instalações de criação de suínos, algumas de dimensões consideráveis, pelo que, como a Comissão indisputavelmente alegou, é produzida uma grande quantidade de chorume. Segundo alegações do Governo espanhol, nem todo o chorume pode ser utilizado na agricultura como fertilizante. Mais precisamente, o Governo espanhol remeteu para a exploração ou a construção de uma séria de instalações de aproveitamento ou eliminação do chorume (19). Finalmente, a contaminação com nitratos na zona em causa, não contestada pelo Governo espanhol e comprovada em vários locais – não foi reconhecida, no presente caso, outra origem importante para além da agricultura – pode ser considerada pelo menos um indício de fertilização em excesso e, em consequência, de uma prática de fertilização que não corresponde à boa prática agrícola.

34.   Em virtude das considerações precedentes, pode, na minha opinião, partir‑se do princípio de que o chorume produzido no Baix Ter pelas instalações de criação de suínos em causa constitui, em geral, um resíduo da criação de suínos, do qual as instalações em questão têm a intenção de se desfazer e que, por isso, deve ser classificado como resíduo na acepção da directiva relativa aos resíduos.

35.   Tendo em conta todo o exposto, há que concluir que quer os cadáveres de animais quer também pelo menos uma grande parte do chorume produzido pelas instalações de criação de suínos em questão constituem resíduos na acepção da directiva relativa aos resíduos.

b)      Quanto à disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea iii), da directiva relativa aos resíduos

36.   A disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea iii), da directiva relativa aos resíduos refere‑se, em geral, a «cadáveres de animais» e a «resíduos agrícolas» na medida em que constituam «matérias fecais e outras substâncias naturais não perigosas utilizadas nas explorações agrícolas».

37.   Os cadáveres de suínos, por um lado, e o chorume de suínos, por outro, estão portanto, em princípio, abrangidos por esta disposição derrogatória, de modo que a aplicabilidade desta directiva também depende de não existir «outra legislação», na acepção desta disposição, relativa a estes resíduos (20).

38.   Neste ponto, o Governo espanhol invocou, por um lado, uma regulamentação comunitária, mais concretamente a directiva sobre os nitratos, e, por outro, várias disposições legislativas nacionais.

39.   Segundo o acórdão AvestaPolarit, a «outra legislação» na acepção da referida disposição derrogatória pode ser quer uma regulamentação comunitária específica quer uma legislação nacional específica (21).

40.   Independentemente de se tratar de uma regulamentação comunitária específica ou de uma legislação nacional específica, não basta, de modo algum, que ela esteja relacionada, de qualquer forma, com os resíduos em causa. Pelo contrário, uma tal regulamentação deve visar a sua «gestão» como resíduos, na acepção do artigo 1.°, alínea d), da directiva relativa aos resíduos, prosseguir os mesmos objectivos que esta directiva e conduzir a um nível de protecção do ambiente pelo menos equivalente ao pretendido pela referida directiva (22).

41.   No que toca, antes de mais, à directiva sobre os nitratos referida pelo Governo espanhol, já demonstrei nas minhas conclusões no processo C‑416/02 que esta não corresponde aos pressupostos acima mencionados (23).

42.   No que diz respeito ao Regulamento n.° 1774/2002, basta referir que este regulamento, no momento determinante para apreciar a existência do incumprimento, ou seja, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (24), ainda não estava em vigor (25). Em consequência, não é necessário analisar o conteúdo deste regulamento no presente contexto.

43.   Em seguida, o Governo espanhol referiu como legislação nacional aplicável ao chorume várias disposições normativas (os Decretos reais n.os 261/1996 e 324/2000 e a lei espanhola 10/1998, relativa aos resíduos), bem como – na audiência – dois despachos ministeriais de 20 de Outubro de 1980 e de 22 de Fevereiro de 2001, que dizem respeito aos cadáveres de animais.

44.   No que toca, mais especialmente, aos Decretos reais n.os 261/1996 e 324/2000, bem como aos despachos ministeriais invocados, já declarei nas minhas conclusões no processo 416/02 que estas disposições não podem ser consideradas uma legislação que regule a gestão do chorume ou dos cadáveres de animais enquanto resíduos, na acepção do artigo 1.°, alínea d), da directiva relativa aos resíduos (26).

45.   O mesmo se diga, na minha opinião, da lei espanhola 10/1998, relativa aos resíduos, invocada pelo Governo espanhol no presente processo e que, segundo as suas informações, é subsidiariamente aplicável. De facto, das alegações do Governo espanhol resulta, nomeadamente, que um tratamento de resíduos apenas está nela previsto em conjugação com a directiva sobre os nitratos e com os seus actos de transposição e que não está previsto nenhum processo de autorização correspondente à directiva relativa aos resíduos que seja aplicável ao despejo de chorume.

46.   Finalmente, o Governo espanhol indicou ainda uma série de disposições legislativas, ao nível da região autónoma catalã, relacionadas com o chorume sob diversos pontos de vista (entre outras, disposições sobre planos de gestão e notas sobre a gestão, regras relativas à prática de fertilização e eliminação de chorume, bem como determinados requisitos de autorização).

47.   Na minha opinião, no entanto, o Governo espanhol não conseguiu demonstrar que estas disposições legislativas regionais, não se limitando a regular aspectos pontuais do chorume e do seu manuseamento, constituem um instrumento regulamentar que diz respeito ao chorume relativamente à sua gestão na acepção do artigo 1.°, alínea d), da directiva relativa aos resíduos e que conduz a um nível de protecção do ambiente equivalente ao desta directiva. O Governo espanhol também não contestou substancialmente a avaliação pormenorizada efectuada pela Comissão a este respeito, pela qual esta concluiu que as disposições catalãs – também na síntese – revelam diversas lacunas, em comparação com a directiva relativa aos resíduos. Além disso, o Governo espanhol referiu apenas disposições catalãs respeitantes ao chorume, mas não referiu disposições sobre cadáveres de animais.

48.   Não obstante, é de referir, em geral, que o Governo espanhol alegou que, no direito nacional, o chorume – ao contrário do que, como referido supra (27), resulta da directiva relativa aos resíduos – não é considerado resíduo, pelo que, logo por isso, é de todo duvidoso que a «gestão» do chorume enquanto resíduo aí esteja regulada.

49.   Deve portanto concluir‑se que, no caso vertente, não existe nem uma regulamentação comunitária específica nem uma legislação nacional específica – quer no plano nacional quer no plano regional – cujo conteúdo preencha os requisitos do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea iii), da directiva relativa aos resíduos.

50.   Em consequência, a disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea iii), da directiva relativa aos resíduos não é, de modo algum, aplicável no caso em apreço. Portanto, também não é necessário analisar o argumento da Comissão, segundo o qual a jurisprudência AvestaPolarit deve ser alterada no sentido de que só as disposições comunitárias devem ser consideradas «outra legislação» na acepção desta disposição derrogatória.

C –    Quanto à violação dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva relativa aos resíduos

51.   A acusação da Comissão é no sentido de que, no que respeita às instalações de criação de suínos da zona do Baix Ter, o Reino de Espanha não adoptou as medidas necessárias para cumprir as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva relativa aos resíduos.

52.   No que diz respeito ao conteúdos destas obrigações, os Estados‑Membros devem, segundo o artigo 4.° da directiva relativa aos resíduos, garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem agredir o ambiente (primeiro parágrafo). Os Estados‑Membros devem, em particular, tomar as medidas necessárias para proibir o abandono ou a descarga não controlados de resíduos (segundo parágrafo).

53.   Para atingir estes objectivos, as empresas que aproveitam resíduos estão sujeitas, nos termos do artigo 9.° da directiva relativa aos resíduos, a uma obrigação de autorização e, nos termos do artigo 13.° desta directiva, devem ser submetidas a controlos periódicos.

54.   Relativamente à questão de saber se o Reino de Espanha tomou as medidas necessárias para cumprir estas obrigações, deve começar por se verificar que o Governo espanhol não contestou o argumento da Comissão de que as – cerca de 200 – instalações de criação de suínos em funcionamento na zona do Baix Ter produzem grandes quantidades de chorume e de cadáveres de animais. Além disso, é pacífico que as várias medições revelaram elevados níveis de nitratos nas águas subterrâneas do Baix Ter e que a relação entre esta contaminação por nitratos e o funcionamento das instalações de criação de suínos não foi posta em causa.

55.   Em consequência, é na minha opinião evidente que os resíduos das instalações de criação de suínos, no período determinante para a decisão, não foram eliminados sem pôr em perigo a saúde humana ou o ambiente. Tal também é demonstrado pelo facto de, segundo as informações do Governo espanhol, as capacidades ou instalações necessárias à eliminação destes resíduos só em parte estarem em fase de planeamento ou de construção.

56.   A Comissão ainda considerou, com base em documentos que lhe foram fornecidos pelo Governo espanhol, que na sua maior parte as instalações de criação de suínos em causa não tinham, no momento determinante para apreciar a existência do incumprimento, nenhuma autorização e que, até aquele momento, não tinham sido submetidas a nenhuns controlos periódicos.

57.   O Governo espanhol não contestou estas considerações enquanto tais, antes tendo alegado que foram entretanto adoptados vários procedimentos de legalização e diversos controlos que levaram à aplicação de sanções. Contudo, na minha opinião, isto não é suficiente para afastar a acusação de incumprimento – em todo o caso, no momento relevante para a decisão – das obrigações de autorização e de controlo (periódico).

58.   À luz das considerações precedentes, não considero que o Reino de Espanha tenha adoptado as medidas necessárias para cumprir as obrigações para ele decorrentes dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva relativa aos resíduos, na zona do Baix Ter.

59.   Em consequência, chego à conclusão de que o primeiro fundamento é procedente.

VI – Quanto à violação da directiva AIA

A –    Principais argumentos das partes

60.   Através do segundo fundamento, a Comissão acusa o Reino de Espanha de ter violado os artigos 2.° e 4.°, n.° 2, da directiva AIA, na sua versão original ou alterada, ao não proceder a uma avaliação do impacto ambiental previamente à construção ou posterior modificação das instalações de criação em causa.

61.   Observa que o poder de apreciação conferido aos Estados‑Membros, pelo artigo 4.°, n.° 2, destas directivas, relativamente à classificação dos projectos enumerados no seu anexo II que devem ser submetidos a uma avaliação, não confere aos Estados‑Membros a prerrogativa de, relativamente a uma ou várias categorias de projectos incluídos no anexo II, excluir total e definitivamente a possibilidade de uma avaliação. Pelo contrário, este poder de apreciação é delimitado pela obrigação de submeter a uma avaliação os projectos, relativamente aos quais se pode prever que venham a produzir efeitos consideráveis sobre o ambiente, em particular devido à sua natureza, à sua dimensão ou ao seu local de implantação.

62.   Nesta medida, na opinião da Comissão, a maioria das instalações de criação de suínos em causa, tendo em conta os seus efeitos negativos sobre o ambiente – em particular a poluição das águas e os maus cheiros –, a dimensão e a grande expansão de instalações de criação de suínos na zona em causa, bem como a sua situação numa região apontada pelas autoridades espanholas como uma das regiões em perigo segundo a directiva sobre os nitratos, devia ter sido submetida a uma prévia avaliação do impacto ambiental. O Governo espanhol admitiu na sua resposta ao parecer fundamentado que, no essencial, as instalações de criação de suínos aqui em causa não foram submetidas a nenhuma avaliação desse tipo previamente à sua construção ou à sua ampliação.

63.   O Governo espanhol contesta a admissibilidade desta acusação, alegando que a Comissão não precisou qual a versão da directiva AIA que entende ter sido violada.

64.   A título subsidiário, defende que a acusação não tem fundamento e refere que, no período de 2000 a 2003, as instalações de criação de suínos da zona do Baix Ter apresentaram doze projectos de autorização ou de avaliação ambiental, nove dos quais diziam respeito à legalização de instalações de criação de suínos existentes. Em consequência, apenas três projectos se referiam à criação de novas capacidades de criação; quatro requerimentos foram, ao todo, indeferidos.

65.   A Comissão observa que o Reino de Espanha infringiu a directiva AIA tanto na sua versão original como na sua versão alterada, consoante o momento em que as instalações de criação de suínos foram, respectivamente, construídas ou ampliadas. O pedido é, por isso, suficientemente preciso e admissível. Quanto ao teor das alegações do Governo espanhol, a Comissão refere que a avaliação do impacto ambiental deve sempre ocorrer antes da construção ou da ampliação da instalação de criação de suínos.

B –    Apreciação

66.   Por razões idênticas às que já expus relativamente à similar questão prévia da inadmissibilidade aduzida no processo C‑416/02, a presente acusação também é, na minha opinião, admissível e as questões relativas ao momento do incumprimento e à versão da directiva aplicável devem ser abordadas ao apreciar o mérito (28).

67.   Contudo, no que respeita ao mérito, não sou de opinião, no presente caso, de que a Comissão tenha fornecido ao Tribunal de Justiça as informações necessárias para decidir com suficiente segurança sobre a existência do incumprimento por ela invocado.

68.   Com alguma segurança apenas se pode considerar que não foi, de facto, realizada nenhuma avaliação AIA relativamente à maior parte das instalações de criação de suínos da zona do Baix Ter. No entanto, não foi definido, nem sequer aproximadamente, de que maneira ou em que medida devia o Reino de Espanha ter submetido a essa avaliação as instalações de criação de suínos em causa ou uma parte delas, tendo em conta a sua natureza, a sua dimensão ou o local em que se encontram, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da directiva AIA na sua versão original ou alterada.

69.   De resto, desconhece‑se quando foram as instalações em causa construídas ou ampliadas ou em que medida houve ou se chegou mesmo a haver ampliações. Assim, também não se pode determinar com precisão suficiente se ou em que medida o Reino de Espanha terá incumprido a directiva AIA, na sua versão original ou até na sua versão alterada.

70.   A determinação da existência do invocado incumprimento numa tal base assentaria essencialmente apenas em presunções. Segundo jurisprudência assente, a Comissão que deve apresentar ao Tribunal todos os elementos necessários para que este verifique a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção (29).

71.   Por isso, entendo que o segundo fundamento deve ser considerado improcedente.

VII – Violação da directiva relativa às águas subterrâneas

A –    Principais argumentos das partes

72.   A Comissão entende que o Reino de Espanha violou o artigo 3.°, alínea b), o artigo 5.°, n.° 1, e o artigo 7.° da directiva relativa às águas subterrâneas ao não ter submetido a qualquer estudo hidrogeológico prévio a zona afectada pela instalação de criação de suínos em causa.

73.   O estudo hidrogeológico era necessário, dado que chegou a haver descargas incontroladas de chorume a partir das instalações de criação de suínos em causa, o que é confirmado pela instauração de processos para aplicação de sanções por parte das autoridades espanholas. A Comissão remete ainda para a contaminação por nitratos, em parte grave, que resultou do chorume e foi confirmada por várias investigações admitidas pelas autoridades espanholas e por várias análises. A Comissão entende que os nitratos são substâncias perigosas na acepção da directiva relativa às águas subterrâneas, uma vez que são abrangidos pelo ponto 3 da lista II do anexo da directiva.

74.   O Governo espanhol contrapõe que as autoridades nacionais mandaram realizar estudos sobre as condições hidrogeológicas no quadro das medidas que tomou para combater os nitratos de origem agrícola com base na directiva sobre os nitratos.

75.   Além disso, o Governo espanhol alega que, entretanto, foram envidados esforços consideráveis para reduzir a contaminação por nitratos, o que também foi, na maioria dos casos, bem sucedido.

B –    Apreciação

76.   Nos termos do artigo 3.°, alínea b), da directiva relativa às águas subterrâneas, os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para limitar a introdução de substâncias constantes da lista II do anexo nas águas subterrâneas, a fim de evitar a poluição destas águas por essas substâncias. Para cumprimento desta obrigação, os Estados‑Membros devem, designadamente, submeter a uma investigação prévia «as acções de eliminação ou de depósito para eliminar essas substâncias, susceptíveis de levar a uma descarga indirecta». Nos termos do artigo 7.° da directiva, esta investigação prévia deve incluir um estudo das condições hidrogeológicas.

77.   No caso em apreço, a Comissão apoiou‑se exclusivamente na contaminação por nitratos verificada na água da região em causa. Não abordou a possibilidade de a introdução nas águas subterrâneas ter ocorrido por outra forma que não o despejo de chorume sobre os terrenos.

78.   No entanto, sustentei nas minhas conclusões no processo C‑416/02 que, por um lado, os nitratos não devem ser considerados substâncias perigosas na acepção da lista II do anexo da directiva relativa às águas subterrâneas (30).

79.   Aí referi, por outro lado, que o processo de despejo de chorume sobre terrenos não deve, em geral, ser considerado uma «acção de eliminação [...] de [...] substâncias susceptíve[l] de levar a uma descarga indirecta», na acepção do artigo 5.°, n.° 1, segundo travessão, da directiva relativa às águas subterrâneas (31).

80.   Por conseguinte, entendo que, também no presente contexto, a directiva relativa às águas subterrâneas não é pertinente, pelas mesmas razões que apontei nas minhas conclusões no processo C‑416/02 (32), e, assim, é improcedente o fundamento da Comissão de que esta directiva foi violada por não ter sido realizado um estudo hidrogeológico, não sendo necessário, por isso, examinar outras questões, como o significado dos diversos estudos hidrogeológicos realizados pelo Governo espanhol.

Em consequência, considero o terceiro fundamento improcedente.

VIII – Violação da directiva relativa à água potável

A –    Principais argumentos das partes

81.   A Comissão considera que as autoridades espanholas violaram o artigo 7.°, n.° 6, da directiva relativa à água potável, na medida em que não adoptaram as medidas necessárias para que a água destinada ao uso humano na zona em causa cumpra os requisitos do artigo 7.°, n.° 1, da directiva. Os valores de nitratos estão claramente acima dos valores permitidos no anexo I, lista C, da directiva, nomeadamente da concentração máxima de 50 mg/l de nitratos. A Comissão refere‑se a uma série de amostras e ao facto de as autoridades espanholas terem admitido a ultrapassagem deste valor máximo quanto a vários municípios da zona do Baix Ter. A Comissão remete para o facto de a directiva estabelecer uma obrigação de resultado.

82.   O Governo espanhol não contesta que a concentração máxima permitida de nitratos nos sistemas de distribuição de água de determinados municípios foi ultrapassada. Alega que a contaminação baixou, entretanto, sensivelmente. Além disso, a única possibilidade que, na altura, as autoridades espanholas vislumbravam para cumprir os objectivos da directiva foi adoptada, na medida em que se informou a população interessada sobre a utilização da água como água potável.

B –    Apreciação

83.   Nos termos do artigo 7.°, sexto parágrafo, da directiva relativa à água potável, os Estados‑Membros têm de tomar as disposições necessárias para que as águas destinadas ao consumo humano satisfaçam as exigências especificadas no anexo I.

84.   O Governo espanhol não contesta que, no momento determinante, ou seja, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, a contaminação por nitratos nas diversas estações de medição da zona em causa se situava acima do valor máximo permitido de 50 mg/l, mas invoca os seus esforços no sentido de baixar os níveis de nitratos.

85.   Como, no entanto, o Tribunal de Justiça já determinou, para o cumprimento da directiva relativa à água potável não interessam os esforços aplicados para melhorar a qualidade da água potável, no território dos Estados‑Membros. Isto porque o artigo 7.°, n.° 6, da directiva 80/778 impõe aos Estados‑Membros não uma obrigação de agir mas uma obrigação de resultado (33).

86.   Deste modo, deve considerar‑se fundada a acusação da Comissão de que o Reino de Espanha violou o artigo 7.°, n.° 6, da directiva relativa à água potável, pelo facto de a concentração máxima dos parâmetros de nitratos permitida por esta directiva ter sido ultrapassada em alguns sistemas públicos de distribuição de água na zona do Baix Ter.

Em consequência, o quarto fundamento é procedente.

IX – Despesas

87.   Por força do artigo 69.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou em circunstâncias excepcionais, o Tribunal de Justiça pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Tendo ambas as partes sido parcialmente vencidas, e atendendo à consistência dos argumentos de ambas as partes ou à falta dela, proponho, tal como no processo C‑416/02, que cada parte seja condenada nas respectivas despesas.

X –    Conclusão

88.   Com base no exposto, proponho que o Tribunal de Justiça:

1.      declare que

–       ao não adoptar as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da Directiva 75/442/CEE, alterada pela Directiva 91/156/CE, por não ter adoptado as medidas necessárias para garantir que os resíduos provenientes de instalações de criação de suínos situadas na zona do Baix Ter, província de Gerona, fossem eliminados ou valorizados sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o meio ambiente e por grande parte das referidas instalações não ter a autorização exigida pela directiva, e ao não efectuar os controlos periódicos necessários às referidas instalações,

–       ao exceder, em várias redes públicas de distribuição de água da zona do Baix Ter, a concentração máxima admissível do parâmetro nitratos estabelecida no n.° 20 da parte C do anexo I da Directiva 80/778/CEE, contrariamente ao exigido pelo artigo 7.°, n.° 6, da referida directiva,

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado;

2.      julgue a acção improcedente quanto ao restante;

3.      condene a Comissão, o Reino de Espanha e o Reino Unido a suportar as suas próprias despesas.


1 – Língua original: alemão.


2 – Conclusões de 12 de Maio de 2005, no processo pendente Comissão/Espanha (C‑416/02, ainda não publicado na Colectânea).


3 – V. a este respeito a exposição feita relativamente à prova de uma violação «estrutural» de uma directiva nas conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed, de 23 de Setembro de 2004, no processo pendente Comissão/Irlanda (C‑494/01, ainda não publicado na Colectânea, n.os 43 e segs.); v. a este respeito, infra, n.os 23 a 25.


4 –      JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129.


5 –      JO L 78, p. 32.


6 –      JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9.


7 –      JO L 73, p. 5.


8 –      JO L 1980, L 20, p. 43; EE 15 F2 p. 162.


9 –      JO L 229, p. 11; EE 15 F2 p. 174.


10 – V. supra , n.° 5.


11 – Directiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991, relativa à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (JO L 375, p. 1) (a seguir «directiva sobre os nitratos»).


12 – Regulamento (CE) n.° 1774/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro de 2002, que estabelece regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano (JO L 273, p. 1).


13 – V. os n.os 24 a 28 das conclusões no processo C‑416/02.


14 – V. os n.os 29 e 30 das conclusões no processo C‑416/02.


15 – V. o n.° 31 das conclusões no processo C‑416/02.


16 – V. o n.° 32 das conclusões no processo C‑416/02.


17 – V. os n.os 33 a 35 das conclusões no processo C‑416/02.


18 – V. os n.os 38 e 39 das conclusões no processo C‑416/02.


19 – Conforme sublinhei no n.° 42 das minhas conclusões no processo C‑416/02, o facto de uma substância ser utilizada de modo que não constitua um perigo para a saúde do homem ou para o ambiente não permite deduzir que esta substância não constitui um resíduo. A utilização não perigosa ou inofensiva é realmente importante no que toca ao cumprimento das várias obrigações previstas na directiva – assim, por exemplo, quanto à questão de saber em que medida existe uma obrigação de autorização ou para decidir da intensidade do controlo a exercer – mas não pode, por si só, excluir que isso se traduz em «desfazer‑se». A eliminação de chorume em instalações especiais indicia antes que se trata de chorume de que o detentor tem a intenção de se desfazer.


20 – V. n.os 45 a 47 das minhas conclusões no processo C‑416/02.


21 – Acórdão AvestaPolarit (C‑114/01, Colect. 2003, p. I‑8725, n.os 50 e 51).


22 – V., ibidem, n.os 51, 52 e 59.


23 – V. o n.° 51 das minhas conclusões no processo C‑416/02.


24 – V., entre outros, os acórdãos de 15 de Março de 2001, Comissão/França (C‑147/00, Colect., p. I‑2387, n.° 26) e de 15 de Julho de 2004, Comissão/Portugal (C‑272/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29).


25 – O incumprimento refere‑se ao período decorrido até final de Setembro de 2001. No entanto, o regulamento só entrou em vigor em Espanha em 30 de Outubro de 2002, nos termos do seu artigo 38.°


26 – V. os n.os 52 a 57 das conclusões no processo C‑416/02.


27 – V. supra, n.os 28 e segs.


28 – V. os n.os 79 a 85 das conclusões no processo C‑416/02.


29 – Entre outros, os acórdãos de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos (96/81, Recueil, p. 1791, n.° 6), de 26 de Junho de 2003, Comissão/Espanha (C‑404/00, Colect., p. I‑6695, n.° 26) e de 6 de Novembro de 2003, Comissão/Reino Unido (C‑434/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 21).


30 – V. os n.os 110 a 116 das conclusões no processo C‑416/02.


31 – V. os n.os 117 a 121 das conclusões no processo C‑416/02.


32 – V. o n.° 122 das conclusões no processo C‑416/02.


33 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2002, Comissão/Irlanda (C‑316/00, Colect., p. I‑10527, n.os 37 e segs.) e de 25 de Novembro de 1992, Comissão/Reino Unido (C‑337/89, Colect., p. I‑6103, n.os 21 e segs.).