Language of document : ECLI:EU:T:2016:455

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

8 de setembro de 2016 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado belga, alemão, francês e dos países baixos dos camarões do mar do Norte — Decisão que constata uma infração ao artigo 101.° TFUE — Fixação de preços e repartição dos volumes de vendas — Admissibilidade das provas — Utilização de gravações de comunicações telefónicas obtidas secretamente como meio de prova — Apreciação da incapacidade de pagamento — Plena jurisdição»

No processo T‑54/14,

Goldfish BV, com sede em Zoutkamp (Países Baixos),

Heiploeg BV, com sede em Zoutkamp,

Heiploeg Beheer BV, com sede em Zoutkamp,

Heiploeg Holding BV, com sede em Zoutkamp,

representadas por P. Glazener e B. Winters, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por F. Ronkes Agerbeek e P. Van Nuffel e, em seguida, por Van Nuffel e H. van Vliet, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido nos termos do artigo 263.° TFUE que visa, por um lado, a anulação da Decisão da Comissão C(2013) 8286 final, de 27 de novembro de 2013, relativa a um processo de aplicação do artigo 101.° TFUE (processo AT.39633 — Camarão), na medida em que diz respeito às recorrentes, e, por outro, à cobrança das coimas que lhes foram aplicadas,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

composto por: G. Berardis, presidente, O. Czúcz e A. Popescu (relator), juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de dezembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A Goldfish BV, a Heiploeg BV, a Heiploeg Beheer BV e a Heiploeg Holding BV (a seguir, conjuntamente, «recorrentes» ou «Heiploeg»), fazem parte de um grupo de empresas que têm como atividade principal o negócio de camarões e de outros mariscos e crustáceos.

2        O produto em causa no presente processo é o camarão do mar do Norte (crangon crangon), que é uma espécie de camarões capturados no mar do Norte. A maior parte das capturas são desembarcadas na Dinamarca, na Alemanha e nos Países Baixos. O camarão é depois comprado diretamente por comerciantes especializados no comércio de camarão (contract fishing) e vendido nos Países Baixos através de leilão (free fishing).

3        Em seguida, os comerciantes transformam e tratam os camarões do mar do Norte, o que inclui o descasque, o congelamento e a embalagem. Estes comerciantes fornecem os camarões do mar do Norte para consumo humano, descascados ou não, congelados ou não, a retalhistas como supermercados, grossistas de marisco, a empresas de transformação alimentar ou a restaurantes.

4        Em 14 de janeiro de 2003, a Nederlandse Mededingingsautoriteit (autoridade holandesa da concorrência, a seguir «NMa») tomou uma decisão com base na lei nacional da concorrência e no artigo 101.° TFUE contra várias empresas e associações de empresas ativas na indústria do camarão do mar do Norte. Esta decisão dizia respeito a acordos sobre preço mínimo e a restrições à produção no período de janeiro de 1998 a janeiro de 2000 assim como à obstrução à entrada de novos comerciantes no comércio de camarão em leilão nos Países Baixos de outubro a novembro de 1999. Foram aplicadas coimas à Heiploeg BV, à Goldfish, Klaas Puul & Zoon BV e à L. Kok International Seafood BV.

5        Em 28 de dezembro de 2004, no quadro de um recurso contencioso, as coimas aplicadas a vários pequenos comerciantes incluindo L. Kok International Seafood foram anuladas, ao passo que as multas aplicadas à Heiploeg BV, à Goldfish e à Klaas Puul & Zoon foram reduzidas. Na parte restante, a decisão da NMa foi mantida nas sentenças do Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Roterdão, Países Baixos) e do College van Beroep voor hebedrijfsleven (Tribunal de Segunda Instância em matéria económica dos Países Baixos, a seguir «College van Beroep»).

6        Em 13 de janeiro de 2009, a Klaas Puul BV, a Klaas Puul Beheer BV, a Klaas Puul Holding BV (a seguir, conjuntamente, «Klaas Puul»), que produziam e comercializavam vários tipos de mariscos, deram a conhecer à Comissão Europeia a sua intenção de requerer a imunidade relativamente a coimas ligadas à existência de um cartel na indústria dos camarões do mar do Norte. A Comissão concedeu um «marco», no sentido do n.° 15 da Comunicação da Comissão Relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17, a seguir «comunicação sobre cooperação de 2006») à Klaas Puul até 26 de janeiro de 2009 a fim de lhe permitir reunir as informações e provas necessárias.

7        Em 26 de janeiro de 2009, a Klaas Puul apresentou à Comissão, nos termos da Comunicação sobre cooperação de 2006, um pedido de clemência, que lhe foi concedida de forma condicional em 17 de março de 2009.

8        Em 24, 25 e 26 de março de 2009, a Comissão procedeu, nos termos dos artigos 20.°, n.° 4, e 21.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.°] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), a inspeções nas instalações comerciais e em habitações particulares na Bélgica, na Dinamarca, na Alemanha e nos Países Baixos. Entre 3 de agosto de 2009 e 9 de março de 2012, a Comissão fez vários pedidos de informação. A Klaas Puul continuou a sua cooperação com a Comissão, fornecendo‑lhe informações, documentos e explicações.

9        Em 12 de julho de 2012, a Comissão decidiu iniciar um processo contra a Heiploeg, a Holding L.J.M. a Kok BV, a L. Kok International Seafood (a seguir, conjuntamente, «Kok Seafood»), a Klaas Puul e a Stührk Delikatessen Import GmbH & Co KG (a seguir «Stührk»). No mesmo dia a Comissão aprovou a comunicação das acusações contra essas sociedades.

10      Todos os destinatários da comunicação da acusação pediram e receberam um DVD com os documentos consultáveis do processo da Comissão. Só a Heiploeg consultou os documentos e declarações acessíveis nas instalações da Comissão. Os outros destinatários da comunicação de acusações não manifestaram interesse em consultá‑los. Todos os destinatários da comunicação das acusações apresentaram observações por escrito e foram ouvidos numa reunião que teve lugar em 7 de fevereiro de 2013.

11      A 27 de novembro de 2013, a Comissão aprovou a decisão C (2013) 8286 final, de 27 de novembro de 2013, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 101.° TFUE (processo AT.39633 — Camarões) (a seguir «decisão impugnada»).

 A decisão impugnada

12      Na decisão impugnada a Comissão constatou que a Heiploeg, a Klaas Puul, a Kok Seafood e a Stührk, sociedades que operam no setor dos camarões cinzentos do mar do Norte, tinham participado, em períodos decorridos entre junho de 2000 e janeiro de 2009, em diversos acordos e práticas concertadas e realizado trocas de informações sensíveis, praticando uma infração ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

13      O mercado em causa na decisão impugnada era o dos camarões cinzentos do mar do Norte. A Comissão constatou que esses camarões eram comercializados para o consumo principalmente em cinco Estados‑Membros, a saber, a Bélgica, a Dinamarca, a Alemanha, a França e os Países Baixos. A Bélgica representava cerca de 50% do total do consumo de camarões do mar do Norte, a Alemanha 25% e os Países Baixos a parte mais importante do restante consumo. Os dois maiores negociantes de camarão do mar do Norte na União Europeia eram a Heiploeg e a Klaas Puul.

14      O cartel visado na decisão impugnada dizia respeito a uma única infração, continuada e complexa ao artigo 101.° TFUE. A Comissão indicou que este cartel consistia em acordos sobre preços, em práticas concertadas e em troca de informações sensíveis entre os fornecedores de camarão do mar do Norte. Segundo a decisão impugnada, este cartel tinha por objetivo, simultaneamente, influenciar, os níveis de preços do camarão do mar do Norte, limitar a concorrência e estabilizar o mercado.

15      O cartel é descrito na decisão impugnada como tendo funcionado com base em contactos bilaterais entre as sociedades. As sociedades envolvidas, especialmente a Heiploeg e a Klaas Puul, tinham mantido desde há muito contactos frequentes a fim de discutirem os seus negócios. A Heiploeg e a Klaas Puul revelaram e coordenaram a sua conduta no mercado e trocaram informações comerciais sensíveis. As duas sociedades realizaram, mais concretamente, acordos sobre os preços a pagar aos seus fornecedores, sobre os preços a faturar aos diferentes clientes e sobre a repartição desses clientes.

16      A Comissão constatou que a Stührk também efetuara acordos sobre a fixação de preços com a Heiploeg e evitara abertamente de entrar em competição com a Heiploeg e a Klaas Puul. Por fim, a decisão impugnada indicou que a Kok Seafood celebrara um acordo a longo prazo com a Heiploeg, no sentido de vender o seu camarão à Heiploeg por um preço fixado em função do preço de revenda conseguido pela Heiploeg. O objetivo deste acordo era o de fazer com que a Kok Seafood não se tornasse num concorrente o mercado do camarão.

17      Estas constatações baseiam‑se em especial em declarações da Klaus Puul com vista a obter a clemência e nos documentos juntos em apoio dessas declarações, em documentos que a Comissão encontrou nas empresas em fiscalizações feitas sem aviso (n.° 8, supra), que incluem gravações áudio de comunicações telefónicas de M. K. e notas escritas de conversas telefónicas encontradas na Kok Seafood, e ainda nas respostas a pedidos de informação e em confirmações dadas pela Stührk.

18      Na decisão impugnada concluiu‑se, com base nos elementos mencionados no n.° 17, supra, que estes diversos e complexos acordos entre as diferentes sociedades constituem comportamentos de coordenação do mercado incluindo acordos anticoncorrênciais ou práticas concertadas no sentido do artigo 101.° TFUE.

19      Os acordos relativos à Heiploeg foram considerados como infração única e continuada de 21 de junho de 2000 a 13 de janeiro de 2009 (a seguir «período em causa»). Todavia, a Heiploeg Holding foi considerada responsável apenas por um período de dois anos e onze meses a partir de 3 de fevereiro de 2006.

20      No tocante ao cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou na decisão impugnada o disposto nas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força nos termos do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações para o cálculo das coimas»). No que diz respeito à Heiploeg, a Comissão determinou o montante base da coima tendo em conta o valor das vendas nos exercícios dos anos de 2000‑2001 a 2007‑2008 (80 a 90 milhões de euros) em função da gravidade da infração (16%), multiplicado pelo número de anos de participação da empresa (8,5 para a Heiploeg e 2,91 para a Heiploeg Holding). Em seguida, a Comissão acrescentou um montante adicional de 16% ao abrigo do n.° 25 das orientações para o cálculo das coimas. Esse cálculo conduziu a um montante de base da coima de 124 596 000 euros (incluindo a coima da Heiploeg Holding).

21      Devido às circunstâncias específicas do processo e em virtude do n.° 37 das orientações para o cálculo das coimas, a coima aplicada à Heiploeg foi reduzida em 75% para ter em conta a proporção do valor das vendas do produto cartelizado no volume de negócios total e as diferenças da participação das partes. Após este ajustamento, o montante da coima ascendeu a 31 149 000 euros (incluindo a coima da Heiploeg Holding).

22      Aliás, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, de Regulamento n.° 1/2003, segundo o qual o montante da coima não deve ultrapassar 10% do volume de negócios total do ano anterior à decisão da Comissão, o montante da coima foi fixado em 27 082 000 euros (incluindo a coima da Heiploeg Holding).

23      Finalmente, a Comissão indeferiu o pedido de redução do montante da coima deduzido pela Heiploeg por incapacidade de pagamento da coima, ao abrigo do n.° 35 das orientações para o cálculo das coimas.

24      A parte dispositiva da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

As empresas abaixo identificadas infringiram o artigo 101.° (1) TFUE por terem participado, nos períodos indicados, numa infração única e continuada na indústria do camarão do mar do Norte na União Europeia, e que consistia na fixação dos preços de venda e/ou de compra e na troca de informações comerciais sensíveis sobre os preços, a cliente e os volumes e ainda, algumas delas, sobre a repartição do mercado e da clientela:

(a)       A Heiploeg de 21 junho de 2000 a 13 de janeiro de 2009;

(b)       A Klaas Puul de 21 de junho de 2000 a 13 de janeiro de 2009;

(c)       A Stührk de 14 de março de 2003 a 5 de novembro de 2007;

(d)       A Kok Seafood de 11 de fevereiro de 2005 a 13 de janeiro de 2009.

Artigo 2.°

Pelas infrações referidas no artigo 1.°, são aplicadas as seguintes coimas:

(a)      Heiploeg BV,

Goldfish BV e

Heiploeg Beheer BV (Zoutkamp);

solidariamente: 14 262 000 euros;

Heiploeg BV,

Goldfish BV,

Heiploeg Beheer BV (Zoutkamp);

Heiploeg Beheer BV (Zoutkamp);

solidariamente: 12 820 000 euros;

(b)       Klaas Puul BV,

Klaas Puul Beheer BV e

Klaas Puul Holding BV

Solidariamente: 0 euros;

(c)       Stührk Delikatessen Import Gmbh & Co. KG: 1 132 000 euros;

(d)       L. Kok International Seafood BV e

Holding L. J. M. Kok BV

Solidariamente: 502 000 euros;

[…]»

 Tramitação e pedidos das partes

25      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de janeiro de 2014, as recorrentes interpuserem o presente recurso.

26      Na réplica, registada na secretaria do Tribunal Geral em 27 de maio de 2014, as recorrentes informaram o Tribunal Geral que tinham sido declaradas insolventes pelo Rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos do Norte) em 28 de janeiro de 2014.

27      Por requerimento registado na secretaria do Tribunal Geral em 23 de março de 2015, as recorrentes requereram ao Tribunal Geral que fosse dado um tratamento prioritário ao presente processo.

28      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo, indeferindo o pedido de tratamento prioritário das recorrentes.

29      As partes fizeram as suas alegações e responderam às questões do Tribunal Geral na audiência de 10 de dezembro de 2015, no decurso da qual foi decidido pedir às recorrentes que prestassem ao Tribunal Geral informações sobre o valor de venda dos seus diferentes ativos e sobre a continuidade das empresas após a insolvência. As recorrentes responderam a este pedido no prazo fixado.

30      A fase oral do processo foi encerrada em 18 de janeiro de 2016.

31      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular total ou parcialmente a decisão impugnada;

–        anular o montante da coima aplicada às recorrentes ou pelo menos reduzi‑la;

–        tomar as medidas que considere necessárias;

–        condenar a Comissão nas despesas.

32      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

33      As recorrentes indicaram na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que o terceiro fundamento do recurso não era um fundamento autónomo e que, por conseguinte, não pediam ao Tribunal Geral que o decidisse, o que ficou exarado na ata da audiência.

 Questão de direito

34      Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam três fundamentos que se baseiam, o primeiro, na violação do artigo 101.° TFUE e do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, resultante do facto de a Comissão ter utilizado gravações áudio obtidas secretamente como prova de violação do artigo 101.° TFUE, o segundo na violação do artigo 101.° TFUE e do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, resultante do facto de a Comissão ter utilizado como prova da violação do artigo 101.° TFUE notas relativas a gravações áudio obtidas secretamente e, o terceiro no facto de a Comissão se ter recusado a ter em conta a incapacidade de pagamento das recorrentes na aceção das orientações para o cálculo das coimas.

35      Uma vez que o primeiro e o segundo fundamento estão intimamente relacionados, devem ser analisados conjuntamente.

 Primeiro e segundo fundamento, baseados na violação do artigo 101.° TFUE e do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, decorrida pelo facto de a Comissão ter utilizado gravações áudio obtidos secretamente e notas relativas a essas gravações

36      No quadro do primeiro fundamento, as recorrentes alegam que as gravações secretas de comunicações telefónicas constituem um meio de prova ilegal em violação do artigo 101.° TFUE e que, por conseguinte, a Comissão não devia ter utilizado essas gravações como meios de prova na decisão impugnada, sob pena de violação desta disposição e do artigo 2.° de Regulamento n.° 1/2003.

37      No quadro do segundo fundamento, as recorrentes alegam que as notas que acompanham as gravações secretas de comunicações telefónicas sobre as quais a Comissão se baseou na decisão impugnada são pouco fiáveis, de forma que a sua utilização como mio de prova na decisão impugnada viola igualmente o artigo 101.° TFUE e o artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003.

38      O Tribunal Geral deve verificar, tendo em conta as questões suscitadas pelas recorrentes, num primeiro momento, em que condições foram realizadas as gravações secretas de comunicações telefónicas e se as notas a elas relativas podem ser admitidas como meios de prova da existência de uma infração ao artigo 101.° TFUE.

39      Se se concluir que a Comissão pode recorrer a esses meios de prova neste caso, haverá então que apreciar os argumentos das recorrentes sobre a credibilidade das notas relativas a essas comunicações telefónicas a fim de verificar se elas põem em causa o respeito pela Comissão do artigo 2.°, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003, nos termos do qual lhe incumbe o ónus da prova de uma infração ao artigo 101.° TFUE.

 Legalidade da utilização de gravações de comunicações telefónicas obtidas secretamente e das notas a elas referentes para provar a prática de uma infração ao artigo 101.° TFUE

40      Nos considerandos 262 a 268 da decisão impugnada, a Comissão alega, em resposta aos argumentos alegados pelas recorrentes no decurso do processo administrativo em que foi contestada a admissibilidade das gravações, que tais gravações foram feitas nos Países Baixos, em que não constituem uma infração penal, e que, mesmo que os particulares tivessem obtido essas provas ilegalmente a Comissão não estaria impedida de as utilizar, tendo em conta a jurisprudência dos tribunais da União Europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, visto que nem ela nem as autoridades nacionais são responsáveis pelas gravações em causa e que a empresa onde foram encontradas as gravações não tinha interesse em fornecer‑lhe esses meios de prova.

41      Segundo as recorrentes, em primeiro lugar, a gravação secreta de comunicações telefónicas constitui uma infração em vários Estados‑Membros e, por conseguinte, é um meio de prova ilegal para provar a violação do artigo 101.° TFUE, em segundo lugar, a utilização como prova de gravações secretas de comunicações telefónicas não pode ser justificada com base na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em terceiro lugar, essa utilização não pode também ser justificada com base na jurisprudência do Tribunal Geral e, em quarto lugar, o direito holandês não permite a utilização de gravações secretas de comunicações telefónicas em matéria de concorrência.

42      A este respeito cumpre salientar, em primeiro lugar, que o princípio em vigor no direito da União é o da livre apreciação da prova, de onde decorre, por um lado, que desde que uma prova tenha sido obtida legalmente a sua admissibilidade não pode ser contestada no Tribunal Geral, e, por outro, que o único critério para apreciar a força probatória das provas legalmente obtidas reside na sua credibilidade (acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens/Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P eC‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.° 128).

43      Na falta de regulamentação da União quanto à noção de prova, todos os meios de prova admitidos nos sistemas processuais dos Estados‑Membros em processos semelhantes são, em princípio, admissíveis. (acórdão de 23 março de 2000, Met‑Trans e Sagpol, C‑310/98 e C‑406/98, EU:C:2000:154, n.° 29).

44      Contudo, algumas provas podem ser retiradas dos autos se existirem dúvidas quer sobre o caráter do documento quer sobre a questão de saber se foi obtido por meios legítimos (v., neste sentido, acórdão de 17 dezembro de 1981, Ludwigshafener Walzmühle Erling e o./Conselho e Comissão, 197/80 à 200/80, 243/80, 245/80 e247/80, EU:C:1981:311, n.° 16). Essa exclusão não é no entanto automática, pois os tribunais da União aceitaram por vezes ter em conta documentos relativamente aos quais não se tinha demonstrado que tivessem sido obtidas por meios legítimos (v., neste sentido, acórdão de 8 de julho de 2008, FrancheeByk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.° 78 e jurisprudência aí referida).

45      Seguidamente cabe referir que a análise dos meios de prova contestados não pode ignorar a obrigação que têm as instituições europeias de respeitar os direitos fundamentais das partes.

46      Com efeito, como resulta de jurisprudência constante, o respeito dos direitos fundamentais constitui uma condição de legalidade dos atos da União e não podem ser admitidas na União medidas incompatíveis com eles (v. acórdãos de 3 setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P eC‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.° 284 e jurisprudência aí referida, e de 12 dezembro de 2012, Almamet/Comissão, T‑410/09, não publicado, EU:T:2012:676, n.° 39 e jurisprudência aí referida).

47      O Direito da União não pode, por conseguinte, admitir provas recolhidas em total desrespeito do procedimento previsto para o efeito e destinado a proteger os direitos fundamentais dos interessados. O recurso a esse procedimento deve, portanto, ser considerado uma formalidade essencial, na aceção do artigo 263.°, n.° 2, TFUE. Ora, segundo a jurisprudência, a violação de uma formalidade essencial tem consequências, independentemente da questão de saber se essa violação causou um prejuízo à pessoa que a invoca (v., neste sentido, acórdãos de 6 abril de 2000, Comissão/ICI, C‑286/95 P, EU:C:2000:188, n.os 42 e 52, e de 12 dezembro de 2012, Almamet/Comissão, T‑410/09, não publicado, EU:T:2012:676, n.° 39 e jurisprudência aí referida).

48      Uma vez que se trata de direitos fundamentais, há que ter em conta, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, «tem o mesmo valor jurídico que os Tratados».

49      O artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais precisa que na medida em que a Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção europeia para a proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (CDH), o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção. Segundo a anotação a esta disposição, o sentido e o âmbito dos direitos garantidos são determinados não apenas pela letra da CEDH, mas também pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB, C 279/09, EU:C:2010:811, n.° 35).

50      No caso vertente, perante a natureza dos meios de prova contestados, que são concretamente gravações de comunicações telefónicas entre pessoas privadas, há que referir que o artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais, relativo ao direito ao respeito da vida privada e familiar, prevê direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 8.°, n.° 1, da CEDH. Por conseguinte, há que dar ao artigo 7.° da Carta o mesmo sentido e o mesmo alcance conferidos ao artigo 8.°, n.° 1, da CEDH, tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (neste sentido acórdãos de 5 de outubro de 2010, McB., C‑400/10 PPU, EU:C:2010:582, n.° 53, e de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, EU:C:2011:734, n.° 70).

51      Assim, visto que as interceções de telecomunicações constituem ingerências no exercício do direito garantido pelo 8.°, n.° 1, da CEDH (TDH, 6 de setembro de 1978, Klass e outros c. Alemanha, CE:ECHR:1978:0906JUD000502971, § 41; TDH, 2 de agosto de 1984, Malone c. Royaume‑Uni, CE:ECHR:1984:0802JUD000869179, § 64; TDH, de 24 de abril de 1990, Kruslin c. França, CE:ECHR:1990:0424JUD001180185, § 26, e TDH, 29 de junho de 2006, Weber e Saravia c. Alemanha, CE:ECHR:2006:0629DEC005493400, § 79), constituem igualmente uma limitação ao direito correspondente consagrado no artigo 7.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

52      Além disso, cabe salientar que o artigo 47.°, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sejam violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos nesse artigo. Nos termos do segundo parágrafo do mesmo artigo, toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei.

53      Segundo as anotações ao artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo do TUE e do artigo 52.°, n.° 7, da Carta os Direitos Fundamentais, devem ser tomadas em consideração para efeitos da sua interpretação, o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta corresponde ao artigo 6.°, n.° 1, da CEDH.

54      A este respeito há que referir que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no referente à questão de saber se, num contexto penal, um elemento de prova obtido ilegalmente priva o arguido de um processo equitativo e implica a violação do artigo 6.° da CEDH, considerou o seguinte (TDH, 26 de abril de 2007, Popescu c. Roménia, CE:ECHR:2007:0426JUD007152501, § 106):

«Embora a [CEDH] garanta no seu artigo 6.° o direito a um processo equitativo, ela não regula a admissibilidade das provas enquanto tais, matéria que releva primacialmente do direito interno. O Tribunal não pode portanto excluir a admissibilidade de uma prova obtida contra as normas do direito nacional. […] O Tribunal refere que, no passado, já teve oportunidade de declarar que a utilização de um registo ilegal, que era além do mais o único elemento de prova, não choca com os princípios de equidade consagrados no artigo 6.°, [n.° 1 da CEDH], incluindo quando esse elemento de prova tenha sido obtido em violação das exigências da [CEDH], em especial [do seu artigo 8.°[…]»

55      O Tribunal Europeu dos direitos do Homem teve igualmente a oportunidade de precisar que seria conveniente verificar se a utilização de uma gravação obtida ilegalmente como meio de prova não privava a recorrente do direito a um processo equitativo e se os direitos de defesa tinham sido respeitados, designadamente verificando se ela tivera a possibilidade de contestar a autenticidade e a utilização da gravação. Teve igualmente e conta a questão de saber se a gravação não constituía o único meio de prova utilizado para proferir a condenação (TDH, 12 de julho de 1988, Schenk c. Suíça, CE:ECHR:1988:0712JUD001086284, § 48).

56      À luz da jurisprudência acima referida há que verificar se a Comissão utilizou legalmente as gravações em causa como meios de prova no quadro da decisão impugnada.

57      Deve salientar‑se, em primeiro lugar, que as gravações contestadas foram obtidas pela Comissão no decurso de uma inspeção às instalações de uma das empresas implicadas no cartel, ou seja, a Kok Seafood, realizada em conformidade com o artigo 20.° do Regulamento n.° 1/2003.

58      Importa portanto sublinhar, na esteira da Comissão, que estas gravações não foram efetuadas nem pela Comissão nem por qualquer autoridade pública, mas por um particular que participou nas conversas e, por outro lado, que essas provas foram obtidas legalmente pela Comissão; a legalidade da fiscalização durante a qual elas foram apreendidas não foi aliás contestada pelas recorrentes.

59      A este respeito há que referir que, à luz da jurisprudência citada nos n.os 42 a 47, supra, os meios de prova que a Comissão obteve legalmente são, em princípio, admissíveis no quadro de uma investigação por violação do direito da concorrência.

60      Todavia, a questão que se coloca no caso concreto é a de saber se os meios de prova legalmente recolhidos pela Comissão podem por ela ser utilizados, embora tenham sido obtidos por um terceiro, eventualmente de forma ilegal, por exemplo com violação do direito à proteção da vida privada da pessoa que foi vítima das gravações litigiosas.

61      Segundo as recorrentes, as gravações em causa foram efetuadas pelo empregado de uma empresa concorrente em violação do direito ao respeito pela vida privada consagrado no artigo 8.° da CEDH.

62      Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, citada nos n.os 54 e 55, supra, que a utilização como meio de prova de uma gravação ilegal não choca com o princípio da equidade consagrado no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, mesmo quando a prova tenha sido obtida com violação das exigências do artigo 8.° da CEDH, desde que a parte não tenha sido privada de um processo equitativo nem dos seus direitos de defesa e essa prova não seja a única a fundamentar a condenação.

63      Ora, no caso concreto, há que salientar, como indicado no considerando 37 da decisão impugnada, que, no decurso do processo administrativo, a Comissão ofereceu a todas as partes a possibilidade de acesso a todas as gravações áudio e às notas escritas que os acompanhavam constantes do dossier. As recorrentes não contestam que tiveram a possibilidade de ouvir as gravações áudio, de consultar as notas escritas e de fazer observações sobre todas as notas do dossier.

64      Aliás, as recorrentes não alegaram nenhum outro argumento que permitisse duvidar da tramitação equitativa do processo administrativo em causa.

65      Há ainda que referir que as gravações litigiosas não foram o único meio de prova utilizado pela Comissão, uma vez que a constatação, na decisão impugnada, da infração ao artigo 101.° TFUE cometida pelas recorrentes se baseia num conjunto de provas obtidas pela Comissão no decurso do processo administrativo.

66      Como referido no n.° 17, supra, os referidos meios de prova são constituídos, para além das gravações de conversas telefónicas e das notas escritas que as acompanham encontradas nos escritórios da M. K. e da Kok Seafood, pelas declarações da Klaas Puul pelos documentos escritos juntos em apoio dessas declarações e por outros elementos descobertos nas inspeções efetuadas pela Comissão e ainda pela resposta da Stührk à comunicação das acusações.

67      Por conseguinte, mesmo que as gravações litigiosas tenham tido alguma importância na decisão da Comissão de aplicar uma multa não constituirão o único elemento que formou a convicção da Comissão quanto à culpabilidade das recorrentes, contrariamente ao que elas afirmam.

68      Além disso, as recorrentes limitam‑se a contestar de forma lacónica a credibilidade das gravações e o facto de a Comissão não ter suficientemente tido em conta a situação geral e o contexto específico em que as mesmas foram realizadas.

69      A este respeito, em primeiro lugar, há que salientar que as recorrentes não negaram nunca o conteúdo das gravações nem contestaram a sua autenticidade.

70      Em segundo lugar, há que constatar que a Comissão verificou a concordância dos registos em causa com as outras provas constantes do dossier.

71      Em terceiro lugar, há que recordar que, visto que as gravações em causa se referem a conversas telefónicas entre duas empresas concorrentes, em que os interlocutores trocaram informações comerciais sensíveis, incluindo informações sobre preços, trata‑se de meios de provas particularmente válidas tendo em conta a sua ligação imediata e direta com o objeto da investigação em causa.

72      Finalmente, há que salientar, na esteira da Comissão, que as referidas gravações também causaram prejuízo à empresa que as realizou, ou seja, a Kok Seafood, que tentou opor‑se à sua utilização como meio de prova. Esta consideração não é desmentida pelo argumento das recorrentes, reiterado na audiência, de que a Kok Seafood teria efetuado as gravações com o objetivo de as utilizar perante as autoridades da concorrência, quer em detrimento das recorrentes quer em apoio de um eventual pedido de medidas de clemência. A este propósito é suficiente salientar que, para além de não ter sido apresentado nenhum pedido de medida de clemência pelas recorrentes, as recorrentes nada aduziram para demonstrar que a Kok Seafood tinha essa intenção.

73      À luz de quanto precede há que concluir que, mesmo que se tivesse de considerar que as gravações em causa foram efetuadas ilegalmente por uma das empresas concorrentes, e contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão as utilizou corretamente como meios de prova no quadro da decisão impugnada para constatar uma infração ao artigo 101.° TFUE.

74      Também não merecem acolhimento os outros fundamentos invocados pelas recorrentes quanto à admissibilidade das gravações litigiosas como meio de prova.

75      No que se refere, em especial, ao argumento de que a gravação secreta de comunicações telefónicas constitui uma infração em vários Estados‑Membros e, por conseguinte, seria um meio de prova ilegal para provar uma infração ao artigo 101.° TFUE, há que salientar que as recorrentes não fundamentam a sua alegação de que a utilização dessas comunicações telefónicas como prova no quadro de um processo de infração ao direito da concorrência é proibida no direito de vários Estados‑Membros. Com efeito, as recorrentes indicam na réplica um único exemplo concreto. Trata‑se de um acórdão da Cour de Cassation francesa (Cour de cassation, Assemblée plénière, 7 janeiro de 2011, 09‑14.316 09‑14.667, publicado no boletim respetivo) em que aquele tribunal declarou que as gravações secretas de conversas telefónicas não podiam ser utilizadas como prova num processo de infração ao direito da concorrência em França.

76      Além disso, não existe uma norma do Direito da União que proíba expressamente ter em conta, no quadro de um processo judicial, provas ilegalmente obtidas, por exemplo em violação dos direitos fundamentais (v., neste sentido, acórdão de 8 de julho de 2008, FrancheeByk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.° 75), e, de forma geral, resulta da jurisprudência referida nos n.os 42 a 55, supra, que, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não existe um princípio em virtude do qual as provas obtidas ilegalmente não possam ser utilizadas no quadro de uma investigação ou de um processo judicial.

77      Além disso há que referir que a apreciação da prova pela Comissão no contencioso da concorrência se rege pelo Direito da União. A este respeito, resulta da jurisprudência mencionada nos n.os 42 a 47, supra, que mesmo que o princípio da livre apreciação da prova prevaleça há que ter em conta os direitos fundamentais e os princípios gerais do Direito da União.

78      Neste quadro é verdade que o juiz da União pode igualmente inspirar‑se no Direito dos Estados‑Membros. Contudo isso não implica que tenha de aplicar o Direito do Estado‑Membro cuja regulação da prova seja mais estrita, tanto mas que quer as ordens jurídicas nacionais quer o Direito da União devem integrar as garantias consagradas na CEDH.

79      Com efeito, quando não possa ser inferida uma tendência preponderante das ordens jurídicas dos Estados‑Membros da União sobre uma questão jurídica, a interpretação e aplicação uniformes do princípio da livre apreciação da prova no plano da União é indispensável para que as verificações efetuadas pela Comissão no quadro dos processos em matéria de cartéis possam decorrer em condições de igualdade de tratamento das empresas envolvidas. Se assim não fosse, o recurso a normas ou conceitos jurídicos de direito nacional ou provenientes da legislação de um Estado‑Membro teria por efeito a violação do direito da União (v., neste sentido, por analogia, acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.os 69 a 76).

80      De qualquer modo, deve ser rejeitado o argumento das recorrentes segundo o qual se o direito holandês fosse aplicável proibiria a utilização dessas gravações.

81      Mais concretamente, as recorrentes sustentam que pode inferir‑se de duas sentenças do Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Roterdão), no quadro de um processo da Nederlandse Autoriteit Consument en Markt (autoridade holandesa de proteção dos consumidores e do mercado, a seguir «ACM») contra empresas privadas, que as gravações secretas de conversas telefónicas por uma empresa concorrente são excluídas como meio de prova no direito holandês (Rechtbank Rotterdam, 13 de junho de 2013, NL:RBROT:2013:CA3079 e Rechtbank Rotterdam, 11 de julho de 2013, NL:RBROT:2013:5042).

82      Contudo há que salientar, como refere, com razão, a Comissão, que, no caso aqui em discussão, se trata da descoberta pela Comissão, por meios legais, de conversas telefónicas gravadas clandestinamente por uma empresa e da utilização dessas gravações no âmbito do seu inquérito, ao passo que naquelas sentenças do Rechtbank Rotterdam estava em causa a transmissão à ACM de conversas telefónicas gravadas pelo Openbaar Ministerie (Ministério Público).

83      Por outro lado, há que referir que, como discutido na audiência, que as sentenças do Rechtbank Rotterdam foram revogados por dois acórdãos de 9 de julho de 2015 do College van Beroep (College van Beroep voor hebedrijfsleven, 9 de julho de 2015, NL:CBB:2015:192, e College van Beroep voor hebedrijfsleven, 9 de julho de 2015, NL:CBB:2015:193). Contrariamente ao Rechtbank Rotterdam, que anulara as multas considerando que não tinham sido demonstradas as razões pelas quais as gravações foram entregues à ACM, o College van Beroep considerou que a ACM estava autorizada a utilizar as informações provenientes de gravações realizadas pelo Openbaar Ministerie, de forma legal, no quadro de um inquérito criminal.

84      O College van Beroep esclareceu que as gravações entregues à ACM podiam ser consideradas informações criminais e que não havia qualquer fundamento jurídico para exigir uma verificação prévia pelo Openbaar Ministerie das informações, que podem ser apreciadas por um tribunal, a fornecer à ACM. O College van Beroep esclareceu que a única condição a respeitar para que essas gravações possam ser entregues é a sua necessidade da entrega por razões de interesse público. Ora, o College van Beroep considerou a proibição dos cartéis como um objetivo de interesse público, dado que visa o bem-estar económico do país. Finalmente o College van Beroep também precisou que a ACM não poderia ter obtido essas informações de maneira diferente ou menos intrusiva.

85      À luz do que precede há que concluir que a Comissão não cometeu uma ilegalidade ao utilizar as gravações telefónicas litigiosas para provar a prática de uma infração ao artigo 101.° TFUE.

86      A mesma conclusão se impõe no que se refere às notas relativas às mesmas gravações, cuja admissibilidade é igualmente contestada pelas recorrentes. Com efeito, as recorrentes limitam‑se a alegar a este respeito que os seus argumentos sobre a utilização das gravações se aplicam mutatis mutandis às notas.

87      Nestas condições há que rejeitar esses argumentos com base nas considerações constantes dos n.os 42 a 85, supra. Em contrapartida, os argumentos das recorrentes sobre a credibilidade das referidas notas serão apreciados nos n.os 88 e seguintes.

 Quanto à credibilidade das notas relativas às conversas telefónicas e quanto ao respeito do ónus da prova pela Comissão

88      Nos considerandos 312 a 334 da decisão impugnada, a Comissão alega, em resposta aos argumentos invocados pelas recorrentes no decurso do processo administrativo em que contestaram a credibilidade das notas relativas às conversas telefónicas que, dado que as gravações áudio originais estavam disponíveis, analisou de forma rigorosa as notas escritas à luz das gravações. A Comissão refere que teve igualmente em conta o facto de as notas escritas não constituírem necessariamente uma cópia exata das conversas telefónicas e que o autor tinha por vezes acrescentado observações pessoais ou omitido passagens que não considerou suficientemente importantes. Acrescentou ainda que as suas interpretações das notas foram efetuadas de forma objetiva e razoável e foram verificadas à luz dos outros elementos constantes do dossier.

89      As recorrentes invocam cinco fundamentos de mérito para atacar a credibilidade das notas sobre as conversas telefónicas. Em primeiro lugar, as notas relativas às conversas telefónicas seriam interpretações subjetivas. Em segundo lugar, a lista das pessoas que participaram nas conversas não seria clara. Em terceiro lugar, a Comissão teria cometido erros na repartição do ónus da prova. Em quarto lugar, a Comissão devia ter verificado o conteúdo das conversas fazendo pedidos de informação aos interlocutores da pessoa que gravou as conversas, M. K, e, em quinto lugar, alega que se as gravações áudio e as notas escritas fossem excluídas como prova, a ação contra a Heiploeg soçobraria.

90      A este respeito, resulta do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, assim como de jurisprudência constante, que, no domínio do direito da concorrência, em caso de litígio sobre a existência de uma infração, cabe à comissão fazer a prova das infrações que constata e reunir a prova apta a demonstrar, em termos juridicamente bastantes, a existência dos factos constitutivos da infração. Para este efeito, deve reunir meios de prova suficientemente precisos e concordantes para demonstrar que a infração ocorreu (v. acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 38 e jurisprudência aí referida).

91      Quando a Comissão se baseia, no quadro da demonstração de uma infração aos artigos 101.° e 102.° TFUE, em prova documental, cabe às empresas interessadas não apenas apresentar uma alternativa plausível à tese da Comissão, mas alegar a insuficiência das provas utilizadas na decisão impugnada para demonstrar a existência da infração. Há que considerar que, numa situação como a do presente caso, quando a Comissão se baseia em meios de prova diretos, cabe às empresas em causa demonstrar que os meios de prova invocados pela Comissão são insuficientes. Foi já declarado que essa inversão do ónus da prova não violava a presunção de inocência (v. acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 39 e jurisprudência aí referida).

92      No entanto, cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, satisfaça essa exigência (v. acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 39 e jurisprudência aí referida).

93      Com efeito, os indícios invocados pela Comissão na decisão a fim de provar a existência de uma violação do artigo 101.°, n.° 1, CE por uma empresa não devem ser apreciados isoladamente mas no seu conjunto (v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑439/07, Colet., p. II‑320, n.° 41 e jurisprudência aí referida).

94      Deve igualmente ter‑se em conta que as atividades anticoncorrenciais decorrem clandestinamente e, portanto, na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados em conjunto, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido no n.° 43, supra, n.os 55 a 439).

95      Como referido no n.° 42, supra, o único critério pertinente para apreciar provas livremente apresentadas reside na sua credibilidade. Segundo as regras normalmente aplicáveis em matéria de prova, a credibilidade e portanto o valor probatório de um documento dependem da sua origem, das circunstâncias da sua elaboração, do seu destinatário e do caráter sensato e fiável do seu conteúdo. Assim, há que dar uma grande importância ao facto de um documento ter sido elaborado gerado em ligação imediata com os factos ou por uma testemunha direta deles. Além disso, há que referir que o simples facto de a informação ter sido fornecida por empresas que apresentaram um pedido para efeito de beneficiarem da comunicação sobre a cooperação de 2006 não põe em causa o seu valor probatório (v. acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 45 e jurisprudência aí referida).

96      Com efeito, segundo jurisprudência assente, nenhuma disposição ou princípio geral do direito da União proíbe a Comissão de invocar, contra uma empresa, declarações de outras empresas incriminadas. Se assim não fosse, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 101.° CE e 102.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado (v. acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 46 e jurisprudência aí referida).

97      É compreensível uma certa desconfiança relativamente aos depoimentos voluntários dos principais participantes num acordo ilícito, uma vez que esses participantes poderiam minimizar a importância da sua contribuição na infração e maximizar a dos outros. Porém, tendo em conta a lógica inerente ao procedimento previsto pela comunicação sobre a cooperação, o facto de se pedir para beneficiar da sua aplicação a fim de obter uma redução da coima não cria necessariamente um incentivo para apresentar meios de prova deformados em relação aos outros participantes no cartel incriminado. Com efeito, qualquer tentativa de induzir a Comissão em erro pode pôr em causa a sinceridade e a integridade da cooperação do requerente e, portanto, pôr em risco a possibilidade de este beneficiar plenamente da comunicação sobre a cooperação acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 46 e jurisprudência aí referida (acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 47 e jurisprudência aí referida).

98      Em especial, há que considerar que o facto de uma pessoa confessar que cometeu uma infração e admitir assim a existência de factos que ultrapassam aqueles cuja existência se podia inferir diretamente dos documentos em questão implica a priori, não existindo circunstâncias especiais suscetíveis de indicar o contrário, que essa pessoa resolveu dizer a verdade. Além disso, as declarações contrárias aos interesses do declarante devem, em princípio, ser consideradas meios de prova especialmente fiáveis (v., acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 48 e jurisprudência aí referida).

99      Todavia, as declarações feitas pelas empresas em causa no âmbito dos pedidos destinados a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 2006 devem ser avaliadas com prudência e, em geral, não podem ser consideradas meios de prova particularmente fiáveis enquanto não forem corroboradas por outros elementos (acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 49).

100    Decorre igualmente da jurisprudência que a declaração de uma empresa acusada de ter participado num cartel, cuja exatidão é contestada por várias outras empresas acusadas, não pode ser considerada prova suficiente da existência de uma infração cometida por elas sem ser sustentada por outros meios de prova (v. acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.° 50 e jurisprudência aí referida).

101    É perante a jurisprudência exposta nos n.os 90 a 100, supra, que há que verificar se a Comissão utilizou corretamente na decisão impugnada as notas escritas relativas às gravações áudio como meios de prova suficientemente credíveis.

102    No caso em apreço, nos considerandos 31 a 39 da decisão impugnada é mencionado que a Comissão efetuou inspeções nas instalações das empresas envolvidas e em instalações privadas no quadro do seu inquérito. Durante essas inspeções, a Comissão encontrou, entre o mais, gravações áudio de conversas telefónicas entre a Heiploeg e a Kok Seafood e notas sobre estas gravações efetuadas sem o conhecimento da Heiploeg pela Kok Seafood (v. considerandos 262, 266 e 268 da decisão impugnada). Como referido no n.° 58, supra, a legalidade dessa inspeção não foi contestada pelas recorrentes.

103    No que diz respeito ao primeiro fundamento, nos termos do qual as notas escritas são interpretações subjetivas, basta referir que o único critério pertinente para apreciar provas apresentadas livremente é a sua credibilidade (v. n.° 42, supra).

104    No caso em apreço, há que salientar que a Comissão reconhece que as notas escritas não constituem necessariamente uma transcrição exata das conversa telefónicas e que algumas gravações foram destruídas (v. considerando 315 da decisão impugnada), o que aliás foi tido em conta pela Comissão na sua análise assim como o facto de o autor da nota ter por vezes acrescentado notas pessoais (v. os considerandos 321, 322, 324 e325 da decisão impugnada).

105    Além disso, a Comissão analisou as notas escritas em função das gravações áudio quando elas estavam disponíveis e solicitou a confirmação da sua interpretação das notas pela Kok Seafood (v., por exemplo, os considerandos 138, 182, 325 da decisão impugnada).

106    As recorrentes censuram igualmente a Comissão por não ter tido em conta a menção «com Klaas Puul», que, segundo elas foi acrescentada por M. K. nas notas escritas mencionadas no considerando 206 da decisão impugnada, o que alteraria o sentido das afirmações feitas. Este argumento não pode ser acolhido, pois o acrescento dessa menção em nada altera o valor probatório dessas notas. Com efeito, independentemente dessa menção, as notas em questão provam a existência de contactos entre a Heiploeg e Klaas Puul no sentido de se porem de acordo sobre o aumento dos preços de venda, como salientou ou Comissão, com toda a razão, nos considerandos 207 e 208 da decisão impugnada.

107    Além disso, as recorrentes não aduzem nenhum elemento convincente que demonstre que tal menção confere outro significado às notas em causa. Há que salientar também que as notas são concordes com outros elementos do dossier, como as declarações e os documentos justificativos da Klaas Puul (v. considerando 333 da decisão impugnada).

108    Nestas circunstâncias, deve ser rejeitado o primeiro fundamento das recorrentes.

109    No que se refere ao segundo fundamento segundo o qual a data e a lista das pessoas que participaram dessas conversas não são muito claras, há que referir que as recorrentes não indicam nenhum exemplo concreto para comprovar essa alegação. O único exemplo que deram foi o da menção «com Klaas Puul», indicado no considerando 206 da decisão impugnada. Ora, como já declarado no n.° 106, supra, o extrato das notas citado no referido considerando confirma a existência de contactos entre a Heiploeg e a Klaas Puul com vista a concertar a sua estratégia sobre os preços de venda.

110    De qualquer forma, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, pode ser deduzido das referidas notas quais as pessoas que tomaram parte nas conversas que aí são mencionadas e quando ocorreram as conversas, como salientado, corretamente, nos considerandos 96 e 207 da decisão impugnada.

111    Em face do exposto, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

112    No tocante ao terceiro fundamento, baseado em erro da repartição do ónus da prova efetuada pela Comissão, há que observar que, segundo a jurisprudência, quando a Comissão se baseia em meios de prova que são, em princípio, suficientes para demonstrar a existência da infração, não basta que a empresa invoque a possibilidade de existir uma circunstância que afete o valor probatório dessa prova. Pelo contrário, salvo nos casos em que tal prova não possa ser fornecida pela empresa em causa devido à própria Comissão, cabe à empresa em causa fazer prova bastante, por um lado, da existência da circunstância que invoca e, por outro, que essa circunstância põe em causa o valor probatório dos meios de prova em que se baseia a Comissão (v. acórdão de 6 de fevereiro de, AC‑Treuhand/Comissão, T‑27/10, EU:T:2014:59, n.° 64 e jurisprudência aí referida).

113    Ora, a Comissão baseou‑se em provas escritas vindas diretamente das empresas visadas pela decisão impugnada para determinar as circunstâncias factuais da infração imputada às recorrentes.

114    A Comissão referiu portanto com razão que quando se baseia em provas diretas, a empresa em causa é obrigada não apenas a propor uma alternativa plausível à posição da Comissão mas também a demonstrar que as provas apresentadas são insuficientes (v., neste sentido, acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P eC‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.° 81 e jurisprudência aí referida, e de 6 de fevereiro de 2014, AC‑Treuhand/Comissão, T‑27/10, EU:T:2014:59, n.os 63 e 64 e jurisprudência aí referida).

115    É no entanto necessário constatar que, como a Comissão refere com razão, designadamente, nos considerandos 334 e 342 da decisão impugnada, as recorrentes só formularam críticas vagas sobre os meios de prova enquanto tais, não tendo posto em causa as conclusões da Comissão deles decorrentes. Além disso, não deram nenhuma explicação alternativa plausível a essas conclusões nem demonstraram que as provas fossem insuficientes para demonstrar a existência da infração.

116    Nestas circunstâncias, o terceiro fundamento deve ser rejeitado.

117    No que se refere ao quarto fundamento, baseado no facto de que a Comissão devia ter verificado o conteúdo das conversas pedindo informações aos participantes nas mesmas, cabe salientar, na esteira da Comissão, que as empresas em causa, incluindo a Heiploeg e Kok Seafood, tiveram todas a oportunidade de verificar as interpretações da Comissão e de apresentar interpretações alternativas.

118    A este respeito cabe observar que nos considerandos 37 e 38 da decisão impugnada se menciona o facto de todos os destinatários da decisão impugnada terem recebido um DVD com documentos do dossier da Comissão e que a Heiploeg consultou outros documentos nas instalações da Comissão. Todos os destinatários da comunicação das acusações submeteram aliás comentários escritos e foram ouvidos numa reunião que teve lugar em 7 de fevereiro de 2013.

119    Aliás, a Heiploeg teve acesso, no decurso do processo administrativo, às notas em causa e às gravações áudio, como o comprovam o facto de o advogado da Heiploeg ter pedido e recebido cópia de diversas gravações áudio.

120    Apesar do facto de uma parte das gravações ter sido destruída (v. considerando 315 da decisão impugnada), as recorrentes tiveram largamente ocasião de comprovar a fidelidade das notas escritas a respeito das gravações e nunca alegaram ter tido dificuldades a esse respeito, Em todo o caso, o facto de a Comissão não ter transmitido pedidos de informação aos participantes nas conversas telefónicas não afeta a credibilidade das notas encontradas na Kok Seafood.

121    Por conseguinte, esta alegação também não pode ser acolhida.

122    Quanto à quinta acusação, as recorrentes afirmam que se as gravações áudio e as notas a elas relativas fossem excluídas como provas a ação intentada contra a Heiploeg soçobraria, pois os únicos meios de prova seriam as declarações da Klaas Puul para obter medidas de clemência.

123    Como afirmado pela jurisprudência referida no n.° 96, supra, nenhuma disposição ou princípio geral do direito da União proíbe a Comissão de invocar, contra uma empresa, declarações de outras empresas incriminadas. Se assim não fosse, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 101.° CE e 102.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de velar pela boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado.

124    Segundo as recorrentes, a declaração de uma empresa acusada de participar num cartel não pode ser considerada suficiente para provar a existência de uma infração cometida pelas outras se não for apoiada por outros meios de prova.

125    Ora, resulta da jurisprudência referida no n.° 100, supra, que a exatidão de uma declaração de uma empresa participante num cartel tem de ser posta em causa por muitas outras empresas inculpadas para se criar uma dúvida sobre o seu valor probatório. No caso em apreço, é suficiente constatar que as recorrentes se limitam a contestar a utilização das declarações da Klaas Puul mas não acrescentam qualquer argumento que ponha em causa a exatidão das declarações de facto delas resultantes. Além disso, nenhuma outra empresa participante no cartel contesta a exatidão das referidas declarações (v. considerandos 300 a 311 da decisão impugnada).

126    Aliás, as recorrentes consideram sem razão que se as gravações áudio e as notas a elas relativas não fossem tomadas em consideração só as declarações da Klaas Puul com vista a obter medidas de clemência subsistiriam a título de prova. A este respeito cabe observar, como foi salientado nos n.os 17 e 66, supra, que a decisão impugnada se baseia igualmente noutros meios de prova cuja pertinência as recorrentes não contestam no quadro do presente litígio, a saber, o restante material resultante da inspeção, a resposta da Stührk à comunicação das acusações e os documentos escritos juntos pela Klaas Puul em apoio das suas declarações (v. considerandos 55 à 224 da decisão impugnada).

127    Ora, como resulta da jurisprudência referida no n.° 93, supra, e como observa com razão a Comissão, os indícios invocados numa decisão para provar a existência de uma infração ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE por uma empresa devem ser apreciados não isolada, mas conjuntamente.

128    Nestas condições, o quinto fundamento não pode ser acolhido.

129    À luz de quanto precede, há que concluir que não ficou provado que a Comissão tenha violado o artigo 101.° TFUE ou o artigo 2.° de Regulamento n.° 1/2003, por utilizar as gravações litigiosas das conversas telefónicas em causa ou as notas a elas referentes.

130    Consequentemente, o terceiro e o quarto fundamento devem ser julgados improcedentes.

 Quanto ao terceiro fundamento, baseado no facto de a Comissão se ter recusado a levar em conta a falta de capacidade de pagamento das recorrentes na aceção do n.° 35 das orientações para o cálculo das coimas

131    No âmbito deste fundamento as recorrentes sustentam que a Comissão cometeu vários erros de facto e de direito ao ter indeferido o pedido de redução do montante da coima com base em falta de capacidade contributiva. Invocam, em primeiro lugar, que o pagamento da multa colocaria em perigo a sua viabilidade e, em segundo lugar, que o pagamento da multa faria perder uma parte significativa do valor das ativos da empresa e, em terceiro lugar, que o contexto socioeconómico é muito especial neste caso.

132    O n.° 35 das orientações, que se refere à incidência que pode ter a capacidade de pagamento de uma empresa multada por infração ao artigo 101.° TFUE no cálculo do montante da coima que lhe pode ser aplicada, tem o seguinte teor:

«Em circunstâncias excecionais, a Comissão pode ter em conta a incapacidade de pagamento da coima por parte de uma empresa num dado contexto social e económico. A este título, a Comissão não concederá qualquer redução de coima apenas com base na mera constatação de uma situação financeira desfavorável ou deficitária. Só poderá ser concedida uma redução com base em provas objetivas de que a aplicação de uma coima, nas condições fixadas pelas presentes Orientações, poria irremediavelmente em perigo a viabilidade económica da empresa em causa e levaria a que os seus ativos ficassem privados de qualquer valor.»

133    Segundo jurisprudência constante, ao aprovar regras de conduta como as orientações e ao anunciar pela sua publicação que passaria a aplicá‑las aos casos por elas abrangidos, a Comissão impôs‑se limites a si própria no exercício do seu poder de apreciação e não se pode afastar delas sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como o da igualdade de tratamento ou o da proteção da confiança legítima (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindestri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑08/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.° 211; e de 12 de dezembro de 2012, Ecka Granulate e non ferrum Metallpulver/Comissão, T‑400/09, não publicado, EU:T:2012:675, n.° 40).

134    Importa salientar, desde logo, que uma redução do montante de uma coima só pode ser concedida ao abrigo do n.° 35 das orientações em circunstâncias excecionais e mediante as condições que são definidas nesse número. Assim, por um lado, deve demonstrar‑se que a coima aplicada «poria irremediavelmente em perigo a viabilidade económica da empresa em causa e levaria a que os seus ativos ficassem privados de qualquer valor». Por outro lado, também deve ser estabelecida a existência de um «dado contexto social e económico». Importa recordar, além disso, que estes dois conjuntos de condições foram previamente identificados pelos tribunais da União.

135    No que se refere ao primeiro grupo de condições, foi declarado que a Comissão não é obrigada, em princípio, a ter em conta, na determinação do montante da coima a aplicar por violação das normas de concorrência, a situação financeira deficitária de uma empresa, dado que a aceitação dessa obrigação redundaria em conceder uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições de mercado (acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindestri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P à C‑208/02 P eC‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.° 327, e de 12 dezembro de 2012, Ecka Granulate enon ferrum Metallpulver/Comissão, T‑400/09, não publicado, EU:T:2012:675, n.° 94).

136    Consequentemente, a mera constatação de uma situação financeira desfavorável ou deficitária da empresa em causa não é suficiente para fundamentar um pedido com vista a obter da Comissão a concessão de uma redução da coima que tenha em conta a sua incapacidade de pagamento.

137    Por outro lado, segundo jurisprudência assente, o facto de uma medida adotada por uma autoridade da União provocar a insolvência ou a liquidação de uma empresa não é, enquanto tal, proibido pelo direito da União. Embora essa operação possa prejudicar os interesses financeiros dos proprietários ou dos acionistas, não significa por isso que os elementos pessoais, materiais e imateriais representados pela empresa percam também o seu valor (acórdãos de 29 de abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colet., EU:T:2004:118, n.° 372, e Ecka Granulate e non ferrum Metallpulver/Comissão, n.° 287, supracitado, EU:T:2012:675, n.° 50).

138    Não se pode admitir que, ao elaborar o ponto 35 das orientações, a Comissão se tivesse imposto a si própria uma obrigação contrária a essa jurisprudência. Prova disto é o facto de o referido número não fazer referência à insolvência de uma empresa, mas visar uma situação, ocorrida num «dado contexto social e económico», em que a aplicação de uma coima «poria irremediavelmente em perigo a viabilidade económica da empresa em causa e levaria a que os seus ativos ficassem privados de qualquer valor».

139    Daí resulta que, no que diz respeito à aplicação do ponto 35 das orientações, o simples facto de a aplicação de uma coima por infrações às regras de concorrência poder provocar a falência da empresa em causa não é suficiente. Efetivamente, a liquidação de uma sociedade não implica necessariamente o desaparecimento da empresa em causa. Esta pode continuar a subsistir enquanto tal, seja em caso de recapitalização da sociedade, seja em caso de retoma global dos elementos do seu ativo por uma outra entidade. Essa retoma pode ocorrer quer por compra voluntária quer por venda forçada dos ativos da sociedade com continuação da exploração (acórdão de 12 dezembro de 2012, Novácke chemické závody/Comissão, T‑352/09, EU:T:2012:673, n.° 189).

140    Por conseguinte, importa interpretar a referência feita, no ponto 35 das orientações de 2006, à privação dos ativos da empresa em causa de qualquer valor no sentido de que se refere à situação na qual a retoma da empresa nas condições evocadas no n.° 139, supra, parece improvável, ou até impossível. Nessa hipótese, os elementos do ativo dessa empresa serão postos à venda separadamente e é provável que muitos deles não encontrem nenhum comprador ou, na melhor das hipóteses, sejam apenas vendidos a um preço consideravelmente reduzido (acórdão Ecka Granulate e non ferrum Metallpulver/Comissão, T‑400, não publicado, EU:T:2012:675, n.° 98).

141    Quanto ao segundo conjunto de condições, relativo à existência de um contexto económico e social determinado, ele remete, segundo a jurisprudência, para as consequências que o pagamento da coima poderia provocar, designadamente, no plano de um aumento do desemprego ou de uma deterioração de setores económicos a montante e a jusante da empresa em causa (acórdãos de 28 de junho de 2006, SGL Carbon/Comissão, C‑308/04 P, Colet., EU:C:2006:433, n.° 106, e de 12 de dezembro de 2012, Ecka Granulate e non ferrum Metallpullver/Comissão, T‑400/09, não publicado, EU:T:2012:675, n.° 99).

142    Consequentemente, se as condições cumulativas consideradas precedentemente estiverem reunidas, a aplicação de uma coima que pode provocar o desaparecimento de uma empresa revelar‑se‑ia contrária ao objetivo prosseguido pelo ponto 35 das orientações de 2006. A aplicação do referido ponto às empresas em causa constitui, dessa forma, uma tradução concreta do princípio da proporcionalidade em matéria de sanções das infrações ao direito da concorrência (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2012, Ecka Granulate e non ferrum Metallpulver/Comissão, T‑400/09, EU:T:2012:675, n.° 100).

143    Por último, conforme a Comissão referiu com razão perante o juiz das medidas provisórias, bem como, por diversas vezes, no âmbito das fases escrita e oral no Tribunal Geral, uma vez que a aplicação do ponto 35 das orientações de 2006 constitui o último elemento a tomar em consideração aquando da determinação do montante das coimas impostas por violação das regras de concorrência aplicáveis às empresas, a apreciação da capacidade de pagamento das empresas punidas enquadra‑se na competência de plena jurisdição prevista no artigo 261.° TFUE e no artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003.

144    Quanto ao alcance dessa competência, importa recordar que constitui uma modalidade de execução do princípio da proteção jurisdicional efetiva, princípio geral de direito da União que está atualmente expresso no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais e corresponde, no direito da União, ao artigo 6.° da CEDH (acórdãos de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, Colet., EU:C:2011:815, n.° 51; de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, Colet., EU:C:2012:684, n.° 47; e de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, Colet., EU:C:2013:522, n.° 36).

145    Com efeito, de acordo com a jurisprudência, o respeito do artigo 6.° da CEDH não exclui que, num procedimento de natureza administrativa, uma autoridade administrativa aplique uma «pena». Esse artigo pressupõe, contudo, que a decisão de uma autoridade administrativa que não preencha os requisitos previstos no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH seja objeto de fiscalização posterior por um órgão jurisdicional de plena jurisdição. Entre as características de tal órgão figura o poder de rever a decisão proferida pelo órgão inferior em todos os aspetos, tanto de facto como de direito. Esse órgão deve ter competência para apreciar todas as questões de facto e de direito relevantes para o litígio que deve julgar (acórdão de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.° 35).

146    Por outro lado, a inexistência de uma fiscalização a título oficioso do conjunto da decisão controvertida não viola o princípio da proteção jurisdicional efetiva. Para que este princípio seja respeitado, não é indispensável que o Tribunal Geral, efetivamente obrigado a responder aos fundamentos invocados e a exercer uma fiscalização tanto de direito como de facto, esteja obrigado a proceder oficiosamente a uma nova instrução completa do processo (acórdão Chalkor/Comissão, n.° 10, supra, EU:C:2011:815, n.os 51 e 66).

147    Assim, com exceção dos fundamentos de ordem pública que lhe compete analisar e, sendo caso disso, suscitar oficiosamente, o juiz da União deve efetuar a sua fiscalização com base nos elementos apresentados pelo recorrente em apoio dos fundamentos invocados e não pode apoiar‑se na margem de apreciação de que a Comissão dispõe no que diz respeito à avaliação desses elementos para se recusar a exercer uma fiscalização aprofundada de direito e de facto (v., neste sentido, acórdão Chalkor/Comissão, n.° 10, supra, EU:C:2011:815, n.° 62).

148    Por fim, o juiz que exerce a plena jurisdição deve, em princípio e sob reserva dos elementos que lhe sejam submetidos pelas partes, ter em conta a situação de direito e de facto existente à data em que decide quando julga justificado exercer o seu poder de alteração da decisão (v. neste sentido, acórdãos de 6 março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e7/73, EU:C:1974:18, n.os 51 e 52; de 14 de julho de 1995, CB/Comissão, T‑275/94, EU:T:1995:141, n.° 61; e de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.os 282 a 285).

149    É com base nesta jurisprudência e perante os argumentos apresentados pelas partes no Tribunal Geral e nas informações prestadas pelas recorrentes após a audiência que há que apreciar a argumentação constante da decisão impugnada.

150    Nos considerandos 562 a 566 da decisão impugnada, a Comissão indeferiu o pedido das recorrente de redução do montante da coima baseado na falta de capacidade de pagamento, salientando, em primeiro lugar, que a redução do montante da coima não diminuiria o risco de falência e, em segundo lugar, que as recorrentes não tinham demonstrado que após uma eventual falência os seus ativos não seriam utilizados na indústria e que, por consequência, a perda de valor dos seus ativos seria substancial. Segundo a Comissão, era provável que a Heiploeg, ou pelo menos um certo número de sociedades do grupo Heiploeg, fosse comprada e continuasse as suas atividades «as a going concern». A Comissão considerou ainda que, de qualquer forma, mesmo em caso de venda individual dos ativos da Heiploeg, esses ativos seriam vendidos a uma empresa concorrente ou a uma nova empresa do setor e continuariam a ser utilizados na indústria.

151    As recorrentes contestam, em primeiro lugar, a argumentação da Comissão segundo a qual a sua situação financeira era já tão má que a sua falência era possível mesmo sem a aplicação da coima. As recorrentes invocam uma versão atualizada de um relatório pericial de 24 de outubro de 2012 realizada por uma sociedade de auditores (a seguir «o relatório P»), entregue à Comissão durante o procedimento administrativo.

152    Sobre este ponto há que salientar que resulta do relatório P que as recorrentes se encontravam, já antes da aplicação da coima pela Comissão, numa situação financeira particularmente difícil que as colocava à beira da falência.

153    O relatório P indica que a reestruturação financeira que teve lugar em junho de 2012 apenas proporcionou às recorrentes o financiamento suficiente, sob certas condições, para a gestão de assuntos correntes.

154    Este mesmo documento indica que o ratio entre as dívidas e os lucros, sem juros, impostos, depreciação e amortizações, que mede a capacidade da empresa de pagar a sua dívida, era particularmente elevado (16,2 em 2011) e que o lucro, sem juros, impostos, depreciação e amortizações nos primeiros seis meses do ano financeiro de 2012‑13 estavam consideravelmente abaixo das previsões (0,7 milhões de euros em vez de 3,9 milhões de euros).

155    Nestas condições, deve constatar‑se que o relatório P não demonstra, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, que elas teriam evitado a falência se a coima não lhe tivesse sido infligida.

156    É certo que, como sustentam as recorrentes, a aplicação da coima aumentou os riscos de falência. Contudo, como foi salientado no n.° 137, supra, deve salientar‑se que o direito da União não proíbe as medidas das autoridades da União que provoquem a falência ou a liquidação de um empresa.

157    Por outro lado, para efeitos da aplicação do n.° 35 das orientações, não basta demonstrar que a empresa em causa será declarada insolvente em caso de aplicação de uma coima. Segundo os próprios termos desse número, devem existir «provas objetivas de que a aplicação de uma coima poria irremediavelmente em perigo a viabilidade económica da empresa em causa e levaria a que os seus ativos ficassem privados de qualquer valor», o que não acontece automaticamente no caso de falência das sociedades que exploram a empresa em questão (v. n.° 138, supra).

158    Donde decorre que a Comissão considerou corretamente que a redução do montante da coima não diminuiria o risco de falência.

159    No que se refere ao argumento dos recorrentes de que o pagamento da coima faria com que os ativos da empresa perdessem parte significativa do seu valor, tal não justifica que se devesse considerar a falta de capacidade de pagamento da recorrente para reduzir o montante da coima aplicada.

160    A este respeito cabe sublinhar, desde logo, que o valor contabilístico da Heiploeg, que era de 178 milhões de euros segundo o relatório P, foi avaliado em 31 de março de 2012, ou seja, quase dois anos antes da falência da empresa, que ocorreu no fim de janeiro de 2014. Por conseguinte, tendo em conta as dificuldades financeiras da Heiploeg, não pode excluir‑se que o seu valor contabilístico fosse inferior no início de 2014, no momento da sua falência.

161    É certo que, como sustentam as recorrentes, o relatório P concluiu que o valor dos ativos da empresa diminuiriam em 50% em caso de falência e que as informações que forneceram após a audiência indicam que o produto total da venda dos diversos ativos da Heiploeg após a falência era de montante inferior a 70 milhões de euros.

162    Contudo é de salientar que quer o relatório dos curadores da falência quer as informações prestadas pelas recorrentes após a audiência indicam uma parte significativa dos ativos em causa, como o do sítio de processamento de Zoutkamp (Países Baixos), foram adquiridos por compradores que prosseguiram a exploração da empresa no setor do processamento e do comércio do mar do Norte.

163    Por conseguinte, a liquidação da Heiploeg não acarretou a sua desaparição. Pelo contrário, ela continuou a subsistir enquanto tal, uma vez que a sua exploração foi prosseguida por outras entidades.

164    Nestas condições, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, os ativos da empresa não foram privados de valor pela aplicação de uma coima no sentido do n.° 35 das orientações.

165    No que se refere, finalmente, aos argumentos das recorrentes segundo os quais o contexto social e económico em que operavam era especial, importa salientar que a decisão impugnada não faz nenhuma análise a esse respeito.

166    Tendo a Comissão considerado, com razão, como salientado nos n.os 150 a 164, supra, que o primeiro grupo de condições cumulativas para a redução da coima por falta de capacidade de pagamento não estava preenchido, não incorreu em erro de direito ao considerar desnecessária a análise do segundo grupo de condições.

167    Em qualquer caso, sendo embora certo que o relatório P previa que a falência da Heiploeg acarretaria a perda de postos de trabalho e portanto o aumento da taxa de desemprego em toda a província de Groningen (Países Baixos), não é menos verdade que, na realidade, o relatório dos curadores sobre a falência indicava que a retoma das atividades da Heiploeg por outra entidade, com a manutenção da sede da empresa e do local de processamento em Zoutkamp, permitiria manter em grande parte o emprego na região e manter, em grande parte, o escoamento para os cerca de 200 pescadores de camarão.

168    À luz de todas as considerações que precedem, há que declarar que a recorrente não conseguiu demonstrar que a recusa da Comissão de ter em consideração, na decisão recorrida, a sua incapacidade de pagamento no sentido do n.° 35 das orientações enfermava de erro. Por conseguinte, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

169    Resulta de quanto precede que, uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pelas recorrentes em apoio dos seus pedidos de anulação e de alteração é procedente, há que rejeitar o recurso na sua integralidade.

 Quanto às despesas

170    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, de acordo com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Goldfish BV, a Heiploeg BV, a Heiploeg Beheer BV e a Heiploeg Holding BV são condenadas no pagamento das despesas.

Berardis

Czúcz

Popescu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo em 8 de setembro de 2016.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

A decisão impugnada

Tramitação e pedidos das partes

Questão de direito

Primeiro e segundo fundamento, baseados na violação do artigo 101.° TFUE e do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, decorrida pelo facto de a Comissão ter utilizado gravações áudio obtidos secretamente e notas relativas a essas gravações

Legalidade da utilização de gravações de comunicações telefónicas obtidas secretamente e das notas a elas referentes para provar a prática de uma infração ao artigo 101.° TFUE

Quanto à credibilidade das notas relativas às conversas telefónicas e quanto ao respeito do ónus da prova pela Comissão

Quanto ao terceiro fundamento, baseado no facto de a Comissão se ter recusado a levar em conta a falta de capacidade de pagamento das recorrentes na aceção do n.° 35 das orientações para o cálculo das coimas

Quanto às despesas


* Língua de processo: neerlandês.