Language of document : ECLI:EU:C:2011:379

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 9 de Junho de 2011 (1)

Processo C‑163/10

Aldo Patriciello

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale d’Isernia (Itália)]

«Membro do Parlamento Europeu – Artigo 8.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades – Alcance do conceito de ‘opinião expressa no exercício das funções parlamentares’ – Processo penal por crime de calúnia – Imunidade material – Comportamento de um membro do Parlamento Europeu fora do Parlamento Europeu – Vínculo orgânico»





I –    Introdução

1.        Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre as condições substanciais da aplicação da imunidade conferida pelo direito da União aos membros do Parlamento Europeu relativamente às opiniões que expressam no exercício das suas funções.

2.        Se o Tribunal de Justiça já se pôde pronunciar sobre as regras processuais relativas à aplicação da imunidade parlamentar conferida aos Membros do Parlamento (2), no âmbito do presente processo, é convidado a determinar os contornos materiais da imunidade à luz do artigo 8.° (ex‑artigo 9.°) do Protocolo n.° 7 relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (3).

3.        Da mesma forma que os sistemas constitucionais de diversos Estados‑Membros que seguiram o exemplo desenvolvido em França na sequência da Revolução de 1789, o Protocolo oferece duas vertentes principais de protecção própria dos membros do Parlamento (4), por um lado, a protecção da liberdade de expressão no âmbito do exercício das funções de um deputado, isto é, a imunidade material, também denominada «irresponsabilidade parlamentar» (5), por outro, a imunidade processual também designada «inviolabilidade» (6) garantida aos membros do Parlamento contra os processos judiciais intentados durante o seu mandato. Além disso, o Protocolo garante aos deputados a liberdade de assistir, ou de participar nas actividades do Parlamento enquanto durarem as sessões (7). No caso em apreço, o Tribunal de Justiça é convidado a definir o alcance de primeira forma de imunidade, a saber, a imunidade material.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União Europeia

1.      Carta dos Direitos Fundamentais

4.        Nos termos do artigo 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (8), qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão, que compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.

2.      O Protocolo n.° 7 relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia

5.        O artigo 8.° do Protocolo prevê que «[o]s membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções».

6.        O artigo 9.° (ex‑artigo 10.°), primeiro parágrafo, alíneas a) e b), deste Protocolo dispõe que, enquanto durarem as sessões do Parlamento, os seus membros beneficiam, no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do parlamento do seu país e, no território de qualquer outro Estado‑Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial. O último parágrafo deste artigo prevê também que o Parlamento pode decidir levantar a imunidade de um dos seus membros.

3.      Regimento do Parlamento Europeu (9)

7.        O artigo 6.° do Regimento do Parlamento Europeu (a seguir «Regimento do Parlamento»), intitulado «Levantamento da imunidade», prevê, no seu n.° 1, que, o Parlamento, no exercício dos seus poderes em matéria de privilégios e imunidades, procurará fundamentalmente manter a sua integridade enquanto assembleia legislativa democrática e garantir a independência dos seus membros no exercício das suas funções. O n.° 3 deste artigo precisa que qualquer pedido dirigido ao presidente por um deputado ou antigo deputado relativo à defesa dos privilégios e imunidades será comunicado em sessão plenária e remetido à comissão competente.

8.        O artigo 9.° do Regimento do Parlamento, intitulado «Interesses financeiros dos deputados, regras de conduta e acesso ao Parlamento» tem a seguinte redacção:

«[…]

2.      O comportamento dos deputados pauta‑se pelo respeito mútuo, radica nos valores e princípios definidos nos textos fundamentais da União Europeia, preserva a dignidade do Parlamento e não deve comprometer o bom andamento dos trabalhos parlamentares nem a tranquilidade nas instalações do Parlamento. […]

3.      A aplicação do presente artigo não obsta de modo algum à vivacidade dos debates parlamentares nem à liberdade que assiste aos deputados no uso da palavra.

A aplicação do presente artigo assenta no pleno respeito das prerrogativas dos deputados, tal como definidas no direito primário e no Estatuto dos Deputados.

A aplicação do presente artigo radica no princípio da transparência e garante que qualquer disposição nesta matéria seja levada ao conhecimento dos deputados, que serão informados individualmente dos seus direitos e deveres.

[…]»

9.        O capítulo 4, do título VI do Regimento do Parlamento que inclui os artigos 152.° a 154.°, rege as medidas aplicáveis em caso de violação das regras de conduta aplicáveis aos deputados.

10.      O artigo 152.° do referido regimento, relativo às medidas imediatas, enuncia as competências do presidente permitindo‑lhe advertir todos os deputados que prejudiquem o bom andamento da sessão ou cujo comportamento não seja compatível com as disposições pertinentes do referido artigo 9.° O artigo 153.° do Regimento do Parlamento enuncia as sanções aplicáveis aos deputados, entre as quais se incluem, nomeadamente, a censura e uma suspensão temporária da participação nas actividades do Parlamento. O artigo 154.° do referido regimento regula as vias de recurso.

11.      O anexo XVI do Regimento do Parlamento intitulado «Directrizes para a interpretação das regras de conduta aplicáveis aos deputados» tem a seguinte redacção:

«1.      Cumpre estabelecer uma distinção entre comportamentos de carácter visual, que podem ser tolerados na condição de não serem injuriosos e/ou difamatórios, de se manterem dentro de proporções razoáveis e de não originarem conflitos, e comportamentos que acarretem a perturbação activa de qualquer das actividades parlamentares.

2.      Os deputados são responsáveis pelas infracções às regras de conduta que lhes são aplicáveis, cometidas no interior das instalações do Parlamento pelas pessoas que empreguem ou às quais facilitem o acesso ao Parlamento.

O Presidente ou os seus representantes exercerão o poder disciplinar relativamente a essas pessoas ou a quaisquer outras exteriores ao Parlamento que se encontrem nas suas instalações.»

B –    Direito nacional

12.      O artigo 68.° da Constituição italiana prevê, no seu primeiro parágrafo, que os membros do parlamento nacional não podem ser chamados a responder pelas opiniões expressas ou pelos votos emitidos no exercício das suas funções.

III – Factos e questão prejudicial

13.      A. Patriciello, membro italiano do Parlamento, é arguido, no âmbito do processo penal que corre contra ele no Tribunale d’ Isernia (Itália), por ter acusado sem razão um agente da Polícia Municipal de Pozzili (Itália) de comportamento ilegal, durante uma discussão ocorrida em 1 de Agosto de 2007, num parque de estacionamento público situado nas imediações de um instituto neurológico.

14.      Resulta da decisão de reenvio que A. Patriciello deve, a este respeito, responder pelo crime de calúnia previsto no artigo 368.° do Código Penal italiano, por ter afirmado que o agente da polícia tinha falsificado as horas multando diversos automobilistas cujos veículos estavam estacionados em violação do Código da Estrada e, portanto, por ter acusado o agente em causa do crime de falsificação de documento público. Na presença dos polícias que se deslocaram ao local a fim de verificarem a veracidade das infracções alegadas, A. Patriciello persistiu nessa acusação.

15.      Por decisão de 5 de Maio de 2009, o Parlamento, dando seguimento ao pedido de A. Patriciello, baseado no artigo 6.°, n.° 3, do Regimento do Parlamento, decidiu, com base no relatório da comissão dos assuntos jurídicos, defender a sua imunidade (a seguir «decisão de defesa da imunidade»). Esta decisão está assim fundamentada:

«Na realidade, nas suas declarações, o Sr. Patriciello limitou‑se a tecer comentários sobre factos do domínio público, o direito dos cidadãos a acederem facilmente a um hospital e aos cuidados de saúde, que têm um impacto importante sobre a vida quotidiana dos seus eleitores. Aldo Patriciello não agiu no seu interesse próprio, não pretendeu insultar a funcionária pública, tendo agido no interesse geral do seu eleitorado, no âmbito da sua actividade política. Ao fazê‑lo, exercia as suas funções enquanto deputado ao Parlamento, exprimindo a sua opinião sobre uma questão de interesse público para os seus eleitores [(10)].»

16.      Na decisão de reenvio, o Tribunale d’ Isernia declara que, por força do artigo 9.°, alínea a), do Protocolo, os deputados europeus beneficiam, relativamente aos factos cometidos no território nacional, das imunidades e dos privilégios com os mesmos limites materiais e formais que os previstos pelo direito nacional. Ora, segundo o artigo 68.° da Constituição italiana, o privilégio da irresponsabilidade só se estende às actividades extra‑parlamentares se estas forem estreitamente conexas com o exercício das funções e fins próprios ao mandato parlamentar.

17.      Nestas condições, o referido órgão jurisdicional afirma que, sem prejuízo de qualquer apreciação sobre a procedência ou não da acusação, os factos que estão na origem do processo principal não estão relacionados de forma alguma com uma opinião expressa no exercício das funções de deputado europeu. Como decorre da decisão de reenvio, segundo o Ministério Público, o argumento de que A. Patriciello se limitou a comentar factos notórios, a saber, o direito dos cidadãos a acederem facilmente aos hospitais e aos cuidados de saúde, sem intenção de insultar o agente público, afigura‑se ser desprovido de fundamento. Com efeito, o deputado, mesmo que isso tenha ainda que ser apurado, teria acusado expressamente de falsificação de documento público um agente da Polícia Municipal, na presença das forças da ordem. Ora, esse comportamento parece, à primeira vista, afastar‑se das preocupações de interesse público dos seus eleitores e, como tal, não parece, mesmo em absoluto, susceptível de estar abrangido pelo regime de imunidade reconhecido pelo Parlamento na sua decisão de defesa da imunidade.

18.      Contudo, o Tribunale d’ Isernia observa que a decisão de defesa da imunidade foi adoptada depois ter recordado não só o artigo 9.°, alínea a), do Protocolo, mas também o artigo 8.° desse mesmo protocolo.

19.      Neste contexto e tendo em conta a obrigação de cooperação leal a que está vinculado por força do artigo 4.°, n.° 3, TUE, o Tribunale d’ Isernia decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O ilícito, abstractamente imputado ao eurodeputado Aldo Patriciello (descrito na acusação e já objecto da decisão de defesa da imunidade do Parlamento Europeu, de 5 de Maio de 2009), qualificado como [calúnia], nos termos do artigo 368.° do Código Penal, constitui uma opinião expressa no exercício das funções parlamentares, na acepção do artigo [8] [(11)]do Protocolo?»

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

20.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada em 2 de Abril de 2010 no Tribunal de Justiça. Apresentaram observações escritas, A. Patriciello, os Governos italiano e grego, bem como o Parlamento e a Comissão Europeia. Com excepção do Governo italiano, todos se fizeram representar na audiência, que se realizou em 15 de Fevereiro de 2011.

V –    Quanto aos aspectos processuais da questão prejudicial

A –    Quanto à admissibilidade das observações do Parlamento

21.      Antes de mais, saliento que a admissibilidade das observações escritas do Parlamento pode suscitar algumas dúvidas à luz da redacção do disposto no artigo 23.°, primeiro e segundo parágrafos, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Nos termos desta disposição, o pedido de decisão prejudicial é notificado pelo Tribunal de Justiça às partes em causa, aos Estados‑Membros e à Comissão, bem como à instituição, órgão ou organismo da União que adoptou o acto cuja validade ou interpretação é contestada.

22.      No caso em apreço, é manifesto que o Parlamento não é o autor do Protocolo que constitui o objecto exclusivo da questão prejudicial (12). Contudo, o caso em apreço refere‑se indubitavelmente aos interesses constitucionais do Parlamento e à sua dimensão institucional.

23.      Por conseguinte, tendo em conta o nexo intrínseco entre as disposições do Regimento do Parlamento e os artigos 8.° e 9.° do Protocolo, bem como o seu objectivo comum de assegurar ao Parlamento as condições de exercício sem entraves da sua missão constitucional, enquanto representante dos cidadãos ao nível da União (13), parece‑me que o Tribunal de Justiça deve adoptar no caso em apreço uma abordagem mais liberal. Acrescento que o acervo jurisprudencial do Tribunal de Justiça parece favorecer as possibilidades de o Parlamento se exprimir neste Tribunal (14). Consequentemente, proponho que o Tribunal de Justiça julgue admissíveis as observações do Parlamento.

B –    Quanto ao alcance da questão prejudicial

24.      A título preliminar, parece‑me importante salientar o alcance do presente pedido de decisão prejudicial, pelo qual o Tribunal de Justiça é questionado sobre a questão de saber se um acto como o que está em causa no processo principal constitui uma opinião expressa no exercício das funções parlamentares.

25.      A dificuldade com que se depara o órgão jurisdicional nacional no caso em apreço parece residir numa tensão entre, por um lado, o conteúdo da fundamentação da decisão de defesa da imunidade de A. Patriciello e, por outro, o conteúdo das acusações relativas aos factos controvertidos. Na referida decisão, o Parlamento invocou tanto o artigo 9.°, alínea a), do Protocolo, como o seu artigo 8.°

26.      A este respeito, embora admitindo, como o advogado‑geral Poiares Maduro, que os artigos 8.° e 9.° do Protocolo podem por vezes abranger os mesmos actos, dado que funcionam de forma cumulativa e que devem ser lidos em conjugação (15), parece‑me, contudo, evidente que o artigo 9.° do Protocolo visa frequentemente actos que constituem crimes ou delitos de direito comum que não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 8.° do Protocolo, nomeadamente, actos que não podem ser qualificados como opiniões ou votos, quer tenham lugar no Parlamento ou fora dele.

27.      Acresce que o Tribunal de Justiça já declarou que em caso de procedimentos judiciais contra um deputado europeu em razão de opiniões ou votos por ele emitidos, a apreciação das condições de aplicação da imunidade absoluta prevista no artigo 8.° do Protocolo decorre da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional que, em caso de dúvida pode submeter ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° TFUE, uma questão prejudicial, sendo os órgãos jurisdicionais de última instância, nesse caso, obrigados a fazê‑lo (16). Assim, ainda que o Parlamento, após o pedido do deputado europeu em causa, aprove, com base no Regimento do Parlamento, uma decisão de defesa da imunidade, esta constitui um parecer que não produz efeitos vinculativos relativamente às autoridades jurisdicionais nacionais (17).

28.      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio afastou expressamente a possibilidade de aplicar a favor de A. Patriciello, as disposições da Constituição italiana conjugadas com o princípio constante do artigo 9.°, alínea a), do Protocolo, segundo o qual o deputado beneficia no território nacional das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu País.

29.      Face ao exposto, considero que a resposta a dar no caso em apreço se deve basear exclusivamente no artigo 8.° do Protocolo, relativo ao alcance da imunidade material.

30.      Por último, é evidente que a determinação dos factos controvertidos e a sua qualificação à luz da legislação italiana incumbe exclusivamente ao juiz nacional. Consequentemente, na minha opinião, a questão prejudicial deverá ser sensivelmente reformulada no sentido de que o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se sobre as disposições pertinentes do Protocolo e sobre o alcance da imunidade de que gozam os deputados europeus, fornecendo, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio, o maior número de indicações úteis para a resolução do litígio pendente nesse órgão jurisdicional.

VI – Quanto ao mérito da questão prejudicial

A –    Quanto à liberdade de expressão política enquanto direito fundamental

31.      O artigo 8.° do Protocolo visa indiscutivelmente proteger a liberdade de expressão dos membros do Parlamento, sem a qual um órgão representativo não pode existir. Com efeito, os membros do Parlamento não podem estar vinculados a instruções nem receber qualquer mandato imperativo. Trata‑se, portanto, de um mandato livre que representa a materialização da sua liberdade de expressão política (18).

32.      Contudo, a liberdade de expressão pertence a cada indivíduo. Esta compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras (19).

33.      Assim, enquanto direito fundamental, a liberdade de expressão confere a qualquer pessoa o direito de exprimir opiniões, sejam elas contestáveis ou chocantes, minoritárias ou extravagantes. O exercício desta liberdade pode, contudo, ser limitado pelos direitos e interesses de terceiros.

34.      A legitimidade desses limites à liberdade de expressão varia em função, por um lado, da natureza e do contexto em que as opiniões são expressas e, por outro, da qualidade de quem as exprime. Assim, por exemplo, a liberdade de expressão na esfera do debate político é mais ampla do que no âmbito das comunicações comerciais. Tendo em conta a vocação específica dos jornalistas ou dos parlamentares, as razões imperiosas que justificam restrições à sua liberdade de expressão devem ser mais sérias do que as invocadas em geral.

35.      A liberdade de expressão tem a particularidade se ser simultaneamente um direito em si mesma e uma matriz indispensável a quase todas as outras liberdades (20). No contexto do debate público, a liberdade de expressão constitui um dos pilares da sociedade democrática, cujos elementos constitutivos são, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura (21). Com efeito, a liberdade de expressão é indissociável da ambição democrática (22).

36.      À semelhança dos Estados‑Membros, a legitimidade da União assenta no princípio da representação democrática (23). Aos deputados europeus é assim confiada uma missão especial de representação democrática que se exerce, nomeadamente, através de um discurso político livre.

37.      Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a liberdade de expressão política, enquanto forma privilegiada de alcançar os objectivos relativos ao desenvolvimento de uma sociedade democrática, abrange as declarações eleitorais e parlamentares. É pacífico que os limites da crítica relativamente a um homem político, considerado nessa qualidade, e ao governo, devem ser mais flexíveis do que para um particular (24). A liberdade da discussão política, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não tem seguramente um carácter absoluto (25). Inversamente, um objectivo injurioso ou difamatório pode tornar‑se um elemento do debate político, quando exista um interesse geral em debatê‑lo. Trata‑se, com efeito, de instaurar um espaço seguro no qual o debate público possa ter lugar (26). Contudo, na sua recente jurisprudência, o Tribunal Europeu dos direitos do Homem reconheceu a possibilidade de uma ingerência no contexto do debate eleitoral (27).

38.      No caso em apreço, o Parlamento considerou, na sua decisão de defesa da imunidade, que A. Patriciello tinha agido no interesse geral do seu eleitorado. A este respeito, deve observar‑se que as opiniões relativas às questões de interesse geral são colocadas, na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em pé de igualdade com o discurso político (28). Este Tribunal afirmou expressamente que são abrangidos pelo interesse geral, nomeadamente, a problemática da utilização de fundos da segurança social (29), as despesas públicas (30), a apropriação do património público (31), e a corrupção entre políticos (32). Os órgãos jurisdicionais nacionais devem, à luz desta jurisprudência, poder identificar se uma crítica sobre um aspecto particular faz parte de um debate mais geral. Se for esse o caso, a opinião em causa beneficia de um nível superior e exige uma protecção mais importante (33).

39.      Além disso, na medida em que o processo principal é relativo a um agente da Polícia Municipal, importa recordar que, pelo seu estatuto, os agentes públicos situam‑se, na opinião do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a meio caminho entre o particular e o homem público. Sem equipar um homem político a um funcionário, o referido Tribunal salienta que os limites da crítica admissível relativamente a este último, no exercício das suas funções oficiais, podem, em determinados casos, ser mais amplos que para um simples particular (34).

40.      Contudo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem recordou que os funcionários devem, no cumprimento das suas funções, beneficiar da confiança do público sem serem indevidamente perturbados e que, por conseguinte, pode ser necessário protegê‑los em especial contra ataques verbais ofensivos quando estão no exercício dessas funções. Isto é válido também no caso de imputação difamatória de factos relativos ao cumprimento das suas missões (35). Os imperativos relacionados com a protecção dos funcionários devem, se for caso disso, ser ponderados com os interesses da liberdade de imprensa ou da livre discussão de questões de interesse público (36).

B –    Quanto aos princípios que regem a imunidade parlamentar no Parlamento e na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa

41.      Em jeito de introdução, observo que existe um nexo histórico baseado num princípio comum e em disposições idênticas, entre o sistema dos privilégios e das imunidades dos membros da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e o dos deputados do Parlamento (37). Na minha opinião, este nexo justifica que se estabeleça um paralelismo entre os dois textos para efeitos da interpretação do alcance da imunidade parlamentar no caso em apreço.

42.      Nos termos do artigo 343.°TFUE, a União goza, no território dos Estados‑Membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão, nas condições definidas no Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades. O Capítulo III do Protocolo retoma a ideia das garantias jurídicas próprias aos membros do Parlamento.

43.      Assim, os privilégios e as imunidades dos membros do Parlamento são os da União Europeia, que foram estabelecidos para que a União possa cumprir a sua missão.

44.      Importa salientar que o alcance muito impreciso das imunidades que os parlamentares europeus podem invocar, reflecte as suas origens, a saber que o regime imunitário só foi concebido como um complemento das regras nacionais relativas aos privilégios dos deputados (38). Apesar das diversas iniciativas do Parlamento, até hoje nenhum projecto de alteração dos artigos 8.° e 9.° do Protocolo (39) teve sucesso.

45.      A este respeito, desejo salientar que a razão principal da instauração da imunidade europeia não é os indivíduos beneficiarem dela, mas sim contribuir de maneira eficaz para a salvaguarda das suas missões. A imunidade parlamentar não é, portanto, concebida como um privilégio pessoal dos parlamentares mas como uma garantia para a instituição. Na medida em que a integridade do Parlamento deve ser protegida, foram atribuídas determinadas liberdades e imunidades aos seus membros a fim de lhes permitir circular livremente na União, agir livremente no exercício das suas funções enquanto parlamentares bem como estar libertos de qualquer ameaça relacionada com as referidas funções (40).

46.      Como resulta do Regimento do Parlamento, no exercício dos seus poderes em matéria de privilégios e imunidades, o Parlamento procurará fundamentalmente manter a sua integridade enquanto assembleia legislativa democrática e garantir a independência dos seus membros no exercício das suas funções (41).

47.      Em comparação, tendo em conta o Estatuto do Conselho da Europa, os representantes dos Estados‑Membros do Conselho gozam dos privilégios e das imunidades necessários ao exercício das suas funções (42). As imunidades são concedidas para conservar a integridade da Assembleia parlamentar do Conselho da Europa e para garantir a independência dos seus membros no cumprimento do seu mandato europeu (43). Além disso, nos termos do Protocolo adicional do Acordo Geral relativo aos Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa, esses privilégios e imunidades são concedidos aos representantes dos membros não para seu benefício pessoal, mas sim com o fim de garantir com toda independência o exercício das suas funções relacionadas com o Conselho da Europa (44).

48.      As considerações que antecedem não põem, contudo, em causa a hipótese da dupla vertente da imunidade parlamentar, cujo objectivo é proteger simultaneamente o Parlamento e os seus membros enquanto indivíduos (45).

49.      Assim, em primeiro lugar, relativamente à protecção da liberdade de expressão e de voto no âmbito do exercício das funções de um deputado, a imunidade material, denominada também «irresponsabilidade parlamentar» (46), reflectida no artigo 8.° do Protocolo, leva a que um deputado não possa ser alvo de processos judiciais por determinadas categorias de actos, a saber os relacionados com o exercício do seu mandato.

50.      O Tribunal de Justiça já decidiu que a referida imunidade material tem carácter absoluto (47).

51.      Esta consideração deve ser interpretada à luz do princípio (48) subjacente à imunidade material, segundo o qual não estando a irresponsabilidade limitada no tempo, permanece válida tanto enquanto durar o mandato como depois do seu termo. Também é absoluta no sentido de que abrange todas as formas de responsabilidade jurídica, nomeadamente, a responsabilidade penal e civil. Além disso, trata‑se de uma irresponsabilidade incondicional uma vez que não pode ser levantada pelo Parlamento e o deputado não pode renunciar‑lhe. No entanto, o carácter absoluto da imunidade abrange, em conformidade com o artigo 8.° do Protocolo, exclusivamente as «opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções».

52.      Em segundo lugar, a imunidade processual ou a inviolabilidade, prevista no artigo 9.° do Protocolo, tem, por seu turno, por objecto evitar que o exercício do mandato parlamentar seja dificultado por acções penais intentadas por actos praticados pelos deputados enquanto simples cidadãos. O referido artigo 9.° garante, portanto, aos membros do Parlamento uma protecção contra processos judiciais enquanto durar o seu mandato. A inviolabilidade prevista no artigo 9.° do Protocolo está limitada à duração das sessões e perde o seu efeito em caso de flagrante delito e de levantamento da imunidade pelo Parlamento (49).

53.      Historicamente o objectivo da imunidade processual era evitar que o poder executivo ou particulares pudessem impedir ou limitar o exercício das funções dos deputados dando início à instrução de processos ou deduzindo acusações penais infundadas contra eles. Assim, a imunidade em causa não é absoluta, mas exige apenas que as medidas adoptadas contra um deputado sejam aplicadas depois ou entre as sessões do Parlamento.

54.      A imunidade material decorrente da irresponsabilidade resulta do simples facto do seu enunciado no Protocolo e sem prejuízo de os actos de um deputado estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da imunidade material. Em contrapartida, para a imunidade processual ser aplicada, é indispensável uma decisão do Parlamento no sentido de permitir ou proibir uma detenção ou processos judiciais.

55.      Recordados estes princípios, parece‑me que a liberdade de expressão em geral, a liberdade de expressão do discurso político que versa sobre o interesse público, bem como o alcance da imunidade material de um membro do Parlamento são direitos que, apesar de distintos, se misturam continuadamente. Merece ser realçado que a expressão de uma opinião por um membro do Parlamento pode ser protegida tanto pelo jogo do princípio da liberdade de expressão mais alargada que se aplica ao discurso político, como pelo jogo do princípio da liberdade de expressão aplicável em geral, no sentido de que uma tal opinião não pode ser automaticamente punida ainda que tenha sido expressa em circunstâncias não abrangidas pelo âmbito de aplicação da imunidade material ligada ao exercício das funções de um membro do Parlamento. O caso em apreço visa, portanto, a questão de saber como traçar a linha de demarcação, no âmbito da liberdade de expressão, entre o grau de protecção de um indivíduo em geral, de um participante no debate político e de um membro do Parlamento.

C –    Quanto às regras de conduta aplicáveis aos membros do Parlamento

56.      Por força do artigo 232.° TFUE, o Parlamento adopta o seu regimento. Sem querer estabelecer um paralelismo directo entre as disposições do Protocolo e as do Regimento do Parlamento, este último acto constitui, na minha opinião, um documento de referência útil para a resposta a dar no âmbito do presente caso. Deve acrescentar‑se que se desenvolveu no Parlamento uma prática institucional bem assente relativamente à aplicação do artigo 9.° do Protocolo no âmbito de pedidos de levantamento da imunidade dos deputados europeus (50).

57.      À luz do seu objectivo, a imunidade parlamentar comporta, na minha opinião, não só direitos mas também responsabilidades (51). A importância desta abordagem também foi salientada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, segundo a qual as possibilidades de sanções (52)deviam ser reforçadas no caso de as opiniões emitidas pelos membros dessa Assembleia conterem difamações, injúrias ou denúncias caluniosas (53). Os raros casos de opiniões difamatórias imputáveis aos membros da referida Assembleia Parlamentar levaram a uma proposta de reforço da protecção da reputação das pessoas lesadas (54).

58.      Importa salientar que, ao mesmo tempo que beneficiam, no âmbito do exercício das suas funções, de uma imunidade material, os membros do Parlamento mantêm‑se portanto sujeitos às regras de conduta ditadas por essa instituição.

59.      Essas regras, nomeadamente os artigos 9.°, n.° 2, 152.° e 153.° do Regimento do Parlamento, destinam‑se a definir os contornos do comportamento de um membro do Parlamento e as sanções em caso de violação. Decorre do referido regimento que a conduta em causa deve assentar nos valores e os princípios definidos nos textos fundamentais da União, preservar a dignidade do Parlamento e não comprometer o bom desenrolar dos trabalhos parlamentares.

60.      Na medida em que essas regras põem em evidência a própria natureza do comportamento inerente ao exercício das funções parlamentares, considero que estas indicações podem ser tidas em consideração no âmbito da interpretação do artigo 8.° do Protocolo para definir o alcance da imunidade material.

D –    Quanto ao alcance da imunidade material na acepção do artigo 8.° do Protocolo

61.      Segundo uma tese avançada pela doutrina, a imunidade material estende‑se a todas as formas que a actividade parlamentar pode tomar, quer seja por escrito nos documentos parlamentares quer seja nos discursos e votações sob todas as suas formas, nas assembleias e nas comissões parlamentares (55).

62.      Existem, indiscutivelmente diversos modelos e abordagens parlamentares da imunidade material entre os Estados‑Membros da União. Contudo, estes visam o mesmo objectivo, a saber a garantia do exercício das funções de um membro do Parlamento e, em última instância, do funcionamento da instituição (56).

63.      O modelo clássico da imunidade material que abrange as opiniões e os votos emitidos pelos deputados no exercício das suas funções também se aplica aos membros da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (57). Neste âmbito, a expressão «opiniões emitidas» inclui tanto as intervenções orais como os textos dos membros no exercício das suas funções nessa Assembleia. As injúrias de um parlamentar dirigidas a uma pessoa que se encontre na tribuna pública não cabem no conceito de opinião (58). A imunidade material inclui também as opiniões emitidas no exercício das funções oficiais que os deputados exercem nos Estados‑Membros (59). Trata‑se, portanto, de proteger os parlamentares que estão em missão oficial nos Estados‑Membros do Conselho da Europa.

64.      Além disso, é interessante referir uma iniciativa do Parlamento de 1987, que visava alterar o artigo 8.° do Protocolo, a fim de os deputados europeus estarem protegidos relativamente às opiniões e aos votos expressos durante os debates no Parlamento, no seio de órgãos criados por si ou que com ele funcionam ou nos quais os deputados têm assento enquanto membros do Parlamento (60).

65.      Por conseguinte, o debate actual relativo ao critério a aplicar para efeitos da determinação das actividades parlamentares na acepção do artigo 8.° do Protocolo recentrou‑se na escolha entre um critério dito «espacial» e um critério dito «funcional». Para contribuir para esta discussão, gostaria de convidar o Tribunal de Justiça a alterar a perspectiva do exame das declarações em causa.

66.      Na minha opinião, a imunidade material abarca três aspectos. O primeiro, de natureza objectiva, visa garantir aos deputados uma possibilidade de iniciar e conduzir o debate político parlamentar com toda a liberdade e promover assim causas políticas diferentes a fim de influenciar o exercício dos poderes legislativo, orçamental e de fiscalização, próprios do Parlamento. O segundo aspecto, também de natureza objectiva, tem por finalidade salvaguardar a possibilidade de emitir opiniões críticas, nomeadamente, relativas ao executivo da União e dos Estados‑Membros e de contribuir assim para uma separação vertical e horizontal dos poderes na União. O terceiro aspecto, de natureza subjectiva, deve ser entendido sob o ângulo de um direito fundamental que restringe os direitos fundamentais dos outros cidadãos, como o direito de acesso à justiça. Estes três aspectos da imunidade material tendem, portanto, a instituir uma excepção relativamente ao princípio da igualdade de tratamento entre os cidadãos (61). Por esta razão, é primordial procurar, ao interpretar o seu alcance, um equilíbrio que é necessário na sociedade democrática.

67.      A este respeito, partilho da opinião da Comissão que alega que o artigo 8.° do Protocolo deve ter um alcance completamente compatível com o artigo 6.° da CEDH que corresponde ao artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Uma restrição do direito de acesso à justiça em razão de uma imunidade parlamentar não deve ser desproporcionada relativamente ao objectivo legítimo, salvaguardado pela referida imunidade (62).

68.      Relativamente ao critério dito «espacial», à semelhança do advogado‑geral Poiares Maduro, não me parece questionável que a limitação do alcance da irresponsabilidade unicamente ao local onde o Parlamento tem a sua sede já não corresponde à realidade actual do debate político e, não pode, assim, ser aceite enquanto critério exclusivo (63).

69.      Observo, que, segundo a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, dado o carácter internacional da referida Assembleia, é necessário que a irresponsabilidade seja definida em relação às actividades típicas dos seus membros e não em relação a um conceito de espaço (64).

70.      Contudo, na minha opinião, não se pode negligenciar a importância dos locais parlamentares como local privilegiado do debate político também ao nível da União. Assim, a interpretação do conceito de imunidade parlamentar não deve conduzir a uma banalização do Parlamento enquanto instituição política tratando da mesma maneira opiniões expressas por um deputado europeu na tribuna do Parlamento e as que este pode pronunciar, por exemplo, num «reality show» na televisão.

71.      Dito isto, importa recordar que a imunidade material não se aplica a todas as actividades de um membro do Parlamento, mesmo que ocorram no Parlamento ou durante as sessões (65). De forma a aplicar o critério espacial, a actividade em causa deve, necessariamente, apresentar um nexo com as actividades na qualidade de membro de um Parlamento. Nos Estados‑Membros, existe, na maior parte dos casos, um elo entre, por um lado, a extensão material e temporal da irresponsabilidade e, por outro, o conceito de opiniões inerentes às actividades próprias do Parlamento (66). Assim, os discursos intra muros durante os trabalhos parlamentares em sentido amplo (67)estão evidentemente abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 8.° do Protocolo.

72.      Relativamente às actividades e às declarações fora do Parlamento, a principal dificuldade reside na aplicação do critério dito «funcional», que seria, portanto, o único critério pertinente para efeitos da interpretação do alcance da imunidade material. Na minha opinião, o objectivo do artigo 8.° do Protocolo não pode consistir em estender a imunidade a todas as declarações dos membros do Parlamento. Entendo que essa interpretação entra em conflito com os direitos fundamentais que são a igualdade perante a lei (68) e o acesso à justiça, ainda que o Parlamento pareça ter adoptado esta posição na sua prática relativamente ao levantamento da imunidade (69). Ora, a imunidade material visa proteger os membros do Parlamento enquanto parlamentares europeus e não enquanto políticos em geral.

73.      Nas suas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Marra, já referido, para determinar se as declarações de um parlamentar foram efectuadas no exercício das suas funções, o advogado‑geral Poiares Maduro sugeriu adoptar como critério a natureza e o conteúdo das observações dos deputados europeus. Submeteu a qualificação das opiniões a duas condições, a saber, por um lado, as opiniões devem apresentar um verdadeiro interesse público e, por outro, importa distinguir entre as alegações factuais e os juízos de valor (70).

74.      Na medida em que, na minha opinião, este aspecto merece uma análise mais aprofundada, antes de responder à questão da interpretação do conceito de «opinião ou voto no âmbito das suas funções», que consta do artigo 8.° do Protocolo, pretendo examinar os conceitos de interesse público, a diferença entre juízos de valor e declarações factuais para, depois, propor determinar o alcance da imunidade material através de um vínculo orgânico em vez de funcional.

1.      Quanto ao interesse público real

75.      O interesse público constitui um dos aspectos fundamentais da liberdade de expressão, uma vez que contribui para a protecção da pluralidade dos valores na sociedade que esta liberdade é susceptível de preservar. Contudo, no que se refere ao âmbito da irresponsabilidade que decorre do artigo 8.° do Protocolo, parece‑me difícil exigir que qualquer declaração de um deputado europeu tenha uma conotação política que reflicta sempre o interesse público real.

76.      O objectivo de uma liberdade de expressão alargada, como a conferida aos membros do Parlamento, é dar‑lhes a possibilidade de participar nos debates políticos relacionados com as suas funções sem entraves injustificados. Esta liberdade deve abranger também a possibilidade de exprimir opiniões subjectivas, egoístas, ou mesmo inoportunas, uma vez que a vocação de um parlamentar é promover as causas políticas, sem estar sujeito a uma qualquer obrigação de objectividade.

77.      Com efeito, o fim dos debates políticos democráticos é contribuir para a definição do interesse público, propondo diversas concepções desse mesmo interesse. Com efeito, o interesse público não antecede os debates democráticos, mas são os referidos debates que contribuem para melhorar a sua compreensão.

78.      Portanto, na minha opinião, o conceito de interesse público real não pode constituir um critério pertinente para aplicar a imunidade material às tomadas de posição dos membros do Parlamento abrangidas pelo artigo 8.° do Protocolo. Caso contrário, o conteúdo dos debates políticos estaria sujeito à censura a posteriori das autoridades judiciais, o que seria, em si, completamente contraditório com a ideia de imunidade parlamentar (71).

2.      Quanto aos juízos de valor e às declarações factuais

79.      A distinção entre declaração factual e juízo de valor (72), evocada, nomeadamente, nas observações do Parlamento e da Comissão, afigura‑se um dado adquirido no pensamento moderno. A origem desta tese encontra‑se na afirmação de David Hume segundo a qual o dever não pode ser deduzido dos factos (73). Na filosofia do século XX, este princípio foi adoptado pelas teorias ditas «não cognitivas» segundo as quais as opiniões relativas aos valores ou às normas situam‑se fora da dicotomia entre o verdadeiro e o falso. Em contrapartida, as afirmações factuais são verdadeiras ou falsas. Assim, a objectividade é possível na medida em que o debate diz respeito aos factos, mas os juízos de valor são mais ou menos relativos, ou mesmo subjectivos (74).

80.      À luz das dificuldades conceptuais em termos da filosofia moral ligadas a esta distinção, parece‑me arriscado basear a interpretação jurídica de uma norma de direito da União nessa distinção. À semelhança de determinados representantes da teoria do direito, estabelecer uma distinção clara entre juízos de valor e declarações factuais no domínio do direito parece‑me, de um ponto de vista conceptual, difícil, ou mesmo impossível. Por outro lado, observo que é perfeitamente possível exprimir juízos de valor através de uma frase que se apresenta a nível semântico como uma afirmação puramente factual (75).

81.      No entanto, é útil recordar que a distinção entre os juízos de valor e as declarações factuais é um dos critérios clássicos na prática do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Em resumo, na hipótese de uma declaração factual, esta admite a possibilidade de provar a veracidade dos factos (a exceptio veritatis) (76), o que está excluído no caso dos juízos de valor.

82.      Na doutrina, foi acertadamente afirmado que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não aplica uma dicotomia pura entre estes dois conceitos, a saber que este tribunal não distingue entre a «opinião pura» e a «afirmação factual», mas sim entre as «afirmações factuais puras» e as expressões mistas, que incluem elementos simultaneamente factuais e de opinião (77).

83.      Na minha opinião, isto prova que a oposição entre estes dois conceitos não é isenta de dúvidas, como o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reconheceu (78). Segundo a jurisprudência do referido Tribunal, a diferença entre os juízos de valor e as declarações factuais reside, portanto, no nível da prova factual a estabelecer (79). Tenho, contudo, dúvidas acerca da possibilidade de uma transposição pura e simples desta jurisprudência relativamente aos limites da imunidade material de um membro do Parlamento.

84.      Saliento que a imunidade material subtrai determinadas opiniões expressas pelos membros do Parlamento a uma eventual responsabilidade penal ou civil. Nesta óptica, as opiniões devem ser estudadas como actos, mais precisamente, como actos de linguagem que podem constituir ou não delitos como a calúnia, a difamação ou a injúria (80).

85.      No âmbito da apreciação das opiniões enquanto actos, a questão de saber se se trata de uma afirmação factual ou de um juízo de valor parece‑me ter menos importância do que o objectivo visado pelo autor da opinião e a reacção causada por esse acto de linguagem no seio dos interlocutores, ainda que a veracidade da afirmação possa ter uma influência na qualificação jurídica do acto em causa. Acrescento que me parece que a prática do Parlamento relativa ao levantamento da imunidade não faz distinção entre as afirmações factuais e os juízos de valor (81).

86.      Por último, parece‑me oportuno chamar a atenção do Tribunal de Justiça para o facto de que a aproximação entre o conceito de «exercício das funções parlamentares» e os juízos de valor leva a limitar o alcance da liberdade do discurso político.

87.      Com efeito, no âmbito das suas funções, um membro do Parlamento deve poder assinalar as preocupações e defender os interesses dos eleitores. Por esta razão, estando protegido pela imunidade material, deve ter liberdade para pronunciar constatações factuais que não estão verificadas ou que se podem revelar erradas. A maior parte das vezes, tratar‑se‑á de expressões mistas na acepção da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Um membro do Parlamento deveria, por conseguinte, obter o «benefício da dúvida», a saber a possibilidade de criticar o funcionamento das outras instituições sem ter, previamente, que fazer investigações elaboradas para provar as suas afirmações.

88.      Por conseguinte, na minha opinião, a imunidade material deve abranger não só os juízos de valor como também as alegações factuais, sem prejuízo de respeitarem o critério orgânico que vou propor.

E –    Quanto ao estabelecimento de um critério orgânico (82)

89.      Na medida em que estou convencido que o critério de um vínculo dito «funcional» baseado no conceito de interesse público e na distinção entre os juízos de valor e as considerações factuais não permite dar uma resposta útil à questão relativa às condições substanciais da aplicação da imunidade conferida pelo direito da União, proponho que o Tribunal de Justiça elabore um critério específico à natureza das funções de um deputado europeu inspirando‑se na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Este critério não liga a imunidade material ao conteúdo das afirmações de um deputado mas sim à relação entre o contexto em que essas afirmações são proferidas e os trabalhos parlamentares do Parlamento.

1.      Quanto ao critério de proporcionalidade decorrente da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

90.      No que se refere à jurisprudência relativa aos limites da imunidade, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se a liberdade de expressão é preciosa para cada um, esta é‑o muito particularmente para um eleito pelo povo que representa os seus eleitores, assinala as suas preocupações e defende os seus interesses. Numa democracia, o Parlamento ou os órgãos comparáveis são tribunas indispensáveis ao debate político (83). O referido Tribunal salienta também a pertinência da apreciação à luz das circunstâncias concretas e não de um exame in abstracto (84).

91.      Em geral, na interpretação do alcance da imunidade parlamentar, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem parece optar por uma abordagem restritiva. Assim, considerou compatível com a CEDH uma imunidade que abrangia as declarações feitas durante os debates parlamentares nas Câmaras legislativas e no sentido da protecção dos interesses do Parlamento no seu conjunto, em oposição à dos seus membros tomados individualmente (85).

92.      Com efeito, o acórdão de princípio parece‑me ser o acórdão A c. Reino Unido, já referido. Depois de ter concluído que a imunidade parlamentar de que o deputado da House of Commons tinha beneficiado no caso em apreço visava os fins legítimos da protecção da liberdade de expressão no Parlamento e da manutenção da separação dos poderes legislativo e judicial, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem examinou a proporcionalidade da imunidade em causa. Assim, do ponto de vista da sua compatibilidade com a CEDH, quanto mais ampla é uma imunidade mais imperiosas devem ser as razões que a justificam (86).

93.      Além disso, o acórdão Córdova c. Itália (87) conduziu nomeadamente a uma interpretação estrita da imunidade, no sentido de que não visa proteger um membro de um parlamento quando não age nessa qualidade. No referido acórdão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pôs em evidência que a conduta de um deputado podia não estar relacionada com o exercício das suas funções parlamentares stricto sensu e, sobretudo, não podia, pela sua própria natureza, ser comparada com um acto decorrente das funções parlamentares. Este Tribunal considerou que o comportamento em causa (88) se inscrevia antes no âmbito de uma querela entre particulares que, nesse caso, não podia justificar uma denegação de acesso à justiça (89).

94.      Partindo desta constatação, este Tribunal declarou que «a falta de um vínculo evidente com uma actividade parlamentar clama por uma interpretação estrita do conceito de proporcionalidade entre o fim pretendido e os meios utilizados. O mesmo ocorre especialmente quando as restrições ao direito de acesso decorrem de uma deliberação de um órgão político. Concluir noutro sentido equivaleria a restringir de uma forma incompatível com o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, o direito de acesso dos particulares a um tribunal cada vez que as afirmações impugnadas em justiça tivessem sido emitidas por um membro do Parlamento» (90).

95.      À luz destas considerações, o carácter proporcionado do âmbito da imunidade deve, na minha opinião, ser entendido como um aspecto chave para a interpretação do artigo 8.° do Protocolo, o que me leva a propor ao Tribunal de Justiça que estabeleça um novo critério de análise, dito «orgânico».

2.      Quanto ao critério do vínculo orgânico

96.      Para efeitos da interpretação do artigo 8.° do Protocolo, proponho a aplicação de um critério de um vínculo orgânico entre as actividades de um deputado europeu e o âmbito de aplicação da imunidade material (91). Na minha opinião, importa distinguir, no próprio conceito de imunidade material, entre o núcleo duro e a esfera que o rodeia.

97.      Proponho colocar no cerne da imunidade as actividades que constituem o exercício por excelência da função de um membro do Parlamento. Estas abrangeriam, nomeadamente, as opiniões e os votos expressos no fórum do Parlamento, nos comités, nas delegações e órgãos políticos do Parlamento e nos grupos políticos. Proponho incluir aí actividades como as de participação em conferências, missões e encontros políticos fora do Parlamento, na qualidade de membro do Parlamento (92).

98.      Reconhecendo que é provavelmente impossível enumerar todos os actos em causa, considero que a aprovação do próprio conceito de «actividades parlamentares por natureza» permite facilitar o exame do juiz nacional o qual, em caso de dúvida, pode ou deve submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial a este respeito.

99.      Relativamente aos actos que não podem ser qualificados como constitutivos da função de um parlamentar europeu, importa, à semelhança do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, aplicar o princípio da proporcionalidade. Como este Tribunal decidiu, a inexistência de um vínculo evidente com uma actividade parlamentar clama por uma interpretação estrita da proporcionalidade entre o fim pretendido e os meios utilizados (93).

100. Consequentemente, quanto mais o acto ou a declaração de um membro do Parlamento se afasta do núcleo duro das suas funções, mais imperiosos devem ser os motivos que justificam a irresponsabilidade de um deputado. Isso implica a ponderação entre a liberdade de expressão de um parlamentar, por um lado, e o acesso à justiça e à igualdade de tratamento entre os cidadãos, por outro.

101. Pelo contrário, quanto mais forte for a aproximação quanto à substância com as actividades de um membro do Parlamento, mais amplo se torna o alcance da imunidade material que lhe é conferida. Sobretudo, a questão de saber se o uso da palavra por um parlamentar europeu nos meios de comunicação social está abrangida pelo âmbito de aplicação da imunidade material deve ser apreciada com base nestes critérios. Parece‑me que a imunidade material deve abarcar as declarações feitas logo a seguir aos debates parlamentares reproduzindo‑os ou comentando‑os. Em contrapartida, no que se refere à participação dos membros do Parlamento nos debates eleitorais ou nos outros debates políticos em geral, estes membros não devem ser juridicamente colocados em melhor posição que os outros participantes nos referidos debates.

102. Contudo, a questão que se coloca neste contexto é a de saber se um deputado europeu pode invocar a protecção que o artigo 8.° do Protocolo lhe confere, quando age claramente na qualidade de político nacional, ou mesmo regional ou local.

103. Com efeito, o desafio a que os parlamentos e os parlamentares devem actualmente fazer face consiste em dar a conhecer o que fazem no interesse da população para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e tentar que a sua mensagem não seja descredibilizada (94).

104. Uma vez que a imunidade prevista no Protocolo se baseia no Tratado que, no seu artigo 343.° TFUE, se refere ao cumprimento da missão da União, considero que esta imunidade se destina a abranger as actividades de um deputado europeu não quando aborda questões que interessam exclusivamente a um político nacional, mas sim quando exerce actividades enquanto parlamentar europeu.

105. É claro que tendo em conta o alcance do debate político actual, a maioria das opiniões de um deputado europeu tem uma dupla natureza. O discurso à escala europeia pode ter uma relação manifesta com o nível nacional, regional ou local. Contudo, no caso contrário, a saber na hipótese de declarações que fazem parte de um contexto puramente nacional ou local, o estabelecimento de um vínculo com a dimensão da União pode revelar‑se mais difícil.

106. Observo, a este respeito, que o Regimento da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa se refere ao «mandato europeu» (95), o que pode corroborar a tese de que o seu âmbito está limitado ao referido domínio.

107. Em resumo, atenta a natureza da imunidade dos membros do Parlamento, entendida como imunidade da União indispensável para o cumprimento da sua missão, os actos que fazem parte do debate político em geral ou quando o deputado se exprime enquanto garante dos interesses dos eleitores ao nível nacional ou regional não podem, à luz do critério orgânico, ser considerados abrangidos pela imunidade material na acepção do artigo 8.° do Protocolo.

108. Portanto, proponho que o Tribunal de Justiça aplique uma interpretação equilibrada da imunidade material, baseada num critério de um vínculo orgânico e que deve ser confrontada com o princípio da igualdade do tratamento entre os cidadãos e com o direito de acesso à justiça.

109. Não me parece que, no processo principal, a justificação da irresponsabilidade de A. Patriciello possa prevalecer sobre os referidos princípios. Como resulta do Relatório Geral do Parlamento, as difamações mais relativas aos indivíduos do que às instituições foram habitualmente consideradas como estando fora da actividade política de um deputado. Isto aplica‑se, por exemplo, aos ataques contra os agentes da polícia tomados individualmente e não a uma crítica contra a polícia enquanto instituição (96). A decisão de defesa da imunidade de A. Patriciello parece, portanto, afastar‑se desta linha.

110. À luz de tudo o que antecede, considero que o acto de que A. Patriciello é autor está fora das actividades de um membro do Parlamento no sentido orgânico que acabo de propor. Com efeito, como resulta da decisão de reenvio, A. Patriciello agiu fora das instalações do Parlamento. Seguidamente, tendo em conta o objecto da sua acção, parece ter agido enquanto político nacional ou mesmo como um cidadão enervado. Além do mais, sem prejuízo de uma verificação dos factos pelo órgão jurisdicional de reenvio e da sua qualificação à luz das disposições do direito penal italiano, o comportamento de A. Patriciello não pode ser considerado como tendo um vínculo pertinente com o exercício das suas funções na qualidade de membro do Parlamento.

VII – Conclusão

111. Face ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda a questão do Tribunale d'Isernia da seguinte forma:

«O comportamento de um membro do Parlamento Europeu, como o que está em causa no processo principal, uma vez que não apresenta nenhum vínculo com as actividades do Parlamento Europeu, não constitui uma opinião expressa no exercício de funções parlamentares, na acepção do artigo 8.° do Protocolo n.° 7 relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia».


1 – Língua original: francês.


2 – Acórdão de 21 de Outubro de 2008, Marra (C‑200/07 e C‑201/07, Colect., p. I‑7929).


3 – JO 2010 C 83, p. 266, anteriormente Protocolo n.° 36 relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias (1965) JO 2006 C 321E, p. 318 (a seguir «Protocolo»). Na medida em que o pedido foi apresentado em 2 de Abril de 2010 e o objecto da questão prejudicial diz respeito à interpretação do Protocolo, será utilizada nas presentes conclusões a numeração do Tratado FUE.


4 – V. estudo comparativo do Parlamento Europeu n.° PE 168.399, intitulado «L'immunité parlementaire dans les États membres de l'Union européenne et au Parlement europée», série Affaires juridiques, documento de trabalho, disponível no seguinte endereço electrónico:


http://www.europarl.europa.eu/activities/committees/studies/download.do?language=en&file=4125#search=%20Parliamentary%20Immunity%20in%20the%20Member%20States%20of%20the%20European%20Union%20and%20the%20European%20Parliament.


5 – As constituições e a doutrina aplicáveis nos diferentes Estados‑Membros utilizam uma terminologia diferente para designar os dois aspectos da imunidade. Assim, o primeiro aspecto é designado pelos termos «Verantwortungsfreiheit» na Alemanha, «inviolabilidad» em Espanha, «irresponsabilité» em França, «insidicabilità» em Itália, «berufliche Immunität» na Áustria e «non‑liability, non‑accountability, privilege of freedom of speech» no Reino Unido.


6 – O segundo aspecto é designado pelos termos «inviolabilité» na Bélgica e em França, «Immunität» ou «Unverletzlichkeit» ou «Unverfolgbarkeit» na Alemanha; «inmunidad» em Espanha, «inviolabilità» e «improcedibilità» em Itália, «außerberufliche Immunität» na Áustria, «inviolabilidade» em Portugal e «freedom from arrest» no Reino Unido.


7 – Esta liberdade está prevista no artigo 7.° do Protocolo, que não é pertinente para o caso em apreço.


8 – JO 2010, C 83, p. 389, a seguir «Carta dos Direitos Fundamentais».


9 – Regimento do Parlamento Europeu, adoptado nos termos do artigo 199.° CE, actual artigo 232.° TFUE (JO 2005, L 44), conforme alterado. A última versão está disponível no sítio Internet do Parlamento Europeu.


10 –      Relatório A6‑0286/2009 sobre o pedido de defesa dos privilégios e da imunidade de Aldo Patriciello [2009/2021(IMM)], disponível no sítio Internet do Parlamento Europeu:


http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=.


//EP//NONSGML+REPORT+A6 2009‑0286+0+DOC+XML+V0//FR


11 –      A redacção da questão prejudicial refere‑se ao anterior artigo 9.° do Protocolo. Contudo, na versão aplicável aos factos do processo principal, o referido artigo 9.° passou a artigo 8.° do Protocolo.


12 – Contrariamente ao processo que deu origem ao acórdão Marra, já referido (n.os 22 e 23), o Regimento do Parlamento não é objecto do presente reenvio prejudicial.


13 – V. artigo 10.°, n.os 1 e 2, TUE.


14 – Recordo os acórdãos clássicos relativos à legitimidade passiva do Parlamento (acórdão de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339) e à legitimidade activa do Parlamento (acórdão de 22 de Maio de 1990, Parlamento/Conselho, C‑70/88, Colect., p. I‑2041), seguido de um acórdão quanto ao mérito (acórdão de 4 de Outubro de 1991, Parlamento/Conselho, C‑70/88, Colect., p. I‑4529). A fortiori, quando se trata de interesses institucionais do Parlamento, essa abertura parece‑me justificada.


15 – V., n.° 10 das conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro apresentadas no processo Marra, já referido.


16 – Acórdão Marra, já referido (n.os 32 a 34).


17 – Ibidem (n.° 39).


18 – Artigo 4.° do acto relativo à eleição dos representantes da assembleia por sufrágio universal, anexo à decisão 76/787/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 20 de Setembro de 1976, decisão dos representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho relativa ao acto sobre a eleição dos representantes da assembleia por sufrágio universal directo (JO 1976, L 278). V., também, artigo 2.° do Regimento do Parlamento.


19 – Artigo 11.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais.


20 – Expressão do juiz Cardozo, decisão do Tribunal Supremo dos Estados Unidos da América, Palko/Connecticut, [302 US 319 (1937)], em Hallé M., Discours politique et Cour européenne des droits de l’homme, Bruxelas, 2009, p. 7.


21 – TEDH, acórdão Handyside c. Reino Unido, de 7 de Dezembro de 1976, série A, n.° 24. V. Moyse, F., «La liberté d’expression et l’ordre public en droit européen», Annales du droit luxembourgeois, vol. 15, 2005, p. 57 a 71. Em conformidade com o artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais, relativo ao âmbito e à interpretação dos direitos e princípios, na medida em que os direitos previstos na referida carta correspondem também a direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH») o seu sentido e o seu alcance, incluindo as limitações reconhecidas, são as mesmas que a CEDH prevê. No caso em apreço, há, portanto, que buscar inspiração nesta jurisprudência.


22 – Charrière Bournazel, C, «La liberté d’expression et ses limites», Annuaire international des droits de l’homme, vol II, 2007, p. 236.


23 – Como os Estados‑Membros, a União Europeia está sujeita ao respeito do princípio democrático, tanto por força dos direitos constitucionais nacionais, como por força do direito da União. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, este princípio está consagrado no Título II TUE, que lhe é inteiramente dedicado. Daqui resulta, portanto, que todo o exercício de competências pela União deve poder estar associado à vontade do povo, v. Gennart, M., «Les parlements nationaux dans le traité de Lisbonne: évolution ou révolution», Cahiers de droit européen, 2010, n.os 1 e 2, p. 17 a 46.


24 – TEDH, acórdãos Lingens c. Áustria de 8 de Julho de 1986, série A n.° 103, § 42, e Oberschlick c. Áustria de 23 de Maio de 1991, série A n.° 204, § 59.


25 – TEDH, acórdão Castells c. Espanha de 23 de Abril de 1992, série A n.° 236, § 46.


26 – V. n.° 36 das conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro apresentadas no processo Marra, já referido.


27 – TEDH, acórdãos Etxeberria e o. c. Espanha de 30 de Junho de 2009, petição n.° 35579/03; Féret c. Bélgica de 16 de Julho de 2009, petição n.° 15615/07 e Willem c. França de 16 de Julho de 2009, petição n.° 10883/05.


28 – Esta interpretação foi seguida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no seu acórdão Thorgeir Thorgeirson c. Islândia de 25 de Junho de 1992, série A n.° 239, § 64.


29 – TEDH, acórdão Eerikäinen e o. c. Finlândia de 10 de Fevereiro de 2009, petição n.° 3514/02, § 66 a 68.


30 – TEDH, acórdão Flux c. Moldávia de 24 de Novembro de 2009, petição n.° 25367/05, § 39.


31 – TEDH, acórdão Porubova c. Rússia de 8 de Outubro de 2009, petição n.° 8237/03, § 43.


32 – TEDH, acórdão Bacanu e R c. Roménia de 3 de Março de 2009, petição n.° 4411/04, § 91.


33 – Pelo facto de o órgão jurisdicional nacional não ter tido em conta este aspecto o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou um Estado por violação do artigo 10.° da CEDH. V. acórdãos TEDH, Eerikäinen e o. c. Finlândia, já referido, e Karsai c. Hungria de 1 de Dezembro de 2009, petição n.° 5380/07, § 29.


34 – TEDH, acórdão Janowski c. Polónia de 21 de Janeiro de 1999, Recueil des arrêts et décisions1999‑I, § 33. V., também, acórdão TEDH Thoma c. Luxemburgo de 29 de Março de 2001, Recueil des arrêts et décisions2001‑III, § 47 e acórdão Mamère c. França de 7 de Novembro de 2006, Recueil des arrêts et décisions 2006‑XIII, § 27.


35 – V., nomeadamente, acórdãos TEDH, Janowski c. Polónia [GC], já referido, Busuioc c. Moldávia de 21 de Dezembro de 2004, petição n.° 61513/00, § 64; Mamère c. França, já referido, § 27; e Taffin c. França, de 18 de Fevereiro de 2010, petição n.° 42396/04, § 64.


36 – TEDH, acórdão Haguenauer c. França, de 22 de Abril de 2010, petição n.° 34050/05, § 47 e 48.


37 – Harms, T, Die Rechtsstellung des Abgeordneten in der Beratenden Versamlung des Europarates und in Europaïschen Parlament, Hansischer Gildenverlag, 1968, p. 88. V., também, Resolução 1325 (2003) relativa às imunidades dos membros da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa disponível no seguinte endereço electrónico: http://assembly.coe.int/Mainf.asp?link=/Documents/AdoptedText/ta03/FRES1325.htm. V., também, as disposições idênticas do Acordo relativo ao Estatuto da União da Europa Ocidental, representantes internacionais e pessoal, de 11 de Maio de 1995.


38 – Com efeito, o Protocolo foi adoptado em 1965, na época em que o Parlamento era composto por delegados eleitos pelos parlamentares nacionais, nos termos dos seus procedimentos nacionais. Era suposto o Protocolo abranger unicamente a parte «europeia» da actividade parlamentar. V. Benlolo Carabot, M., «Les immunités des Communautés européennes», Annuaire français de droit international, 2008/2009, p. 549 a 588.


39 – Sobre as tentativas do Parlamento Europeu de precisar os termos do Protocolo, v. Relatório da comissão dos assuntos jurídicos do Parlamento Europeu intitulado «Parliamentary immunity in the European Parliament», n.° PE 360.487/REV2, Outubro de 2005, disponível no seguinte endereço electrónico: http://www.europarl.europa.eu/activities/committees/studies/download.do?file=17288. V. Resolução do Parlamento Europeu de 6 de Julho de 2006 relativa à alteração do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, P6_TA(2006) 0314, disponível no sítio Internet do Parlamento Europeu: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=.//EP//TEXT+TA+P6‑TA‑2006‑0314+0+DOC+XML+V0//FR.


40 – V. Privileges and immunities of Members of the European Parliament, Eighth Report of House of Commons de 18 de Março de 1986, tomada de posição de Donnez, G., Select Committee on the European Communities, Londres 1986, n.° 17.


41 – Artigo 6.°, n.° 1, do Regimento do Parlamento. Por outro lado, esta abordagem está subjacente à jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente, do acórdão de 10 de Julho de 1986, Wybot (149/85, Colect., p. 2391, n.° 12). Partindo desta conclusão, a abordagem seguida pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias no seu acórdão de 15 de Outubro de 2008, Mote/Parlamento (T‑345/05, Colect., p. II‑2849), que resultou na criação de um direito subjectivo a favor dos beneficiários das imunidades, parece‑me discutível à luz da lógica imunitária baseada na protecção da função; v. n.os 29 a 34 do referido acórdão.


42 – Os membros da Assembleia gozam dos privilégios e das imunidades previstos pelo Acordo Geral relativo aos Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa (de 2 de Setembro de 1949) e pelo seu Protocolo adicional (de 6 de Novembro de 1952). V. artigo 40.° do Estatuto do Conselho da Europa e artigos 13.° a 15.° do referido Acordo, bem como artigos 3.° e 5.° do Protocolo adicional, vol. «Estatuto do Conselho da Europa».


43 – Artigo 65.° do Capítulo XVII do Regimento da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Por outro lado, a comissão das imunidades e dos assuntos institucionais da referida Assembleia, segue a evolução a nível europeu e internacional dos instrumentos jurídicos relativos aos privilégios e às imunidades dos parlamentares, v. Regimento da Assembleia, textos para‑regimentais, Capítulo IX, comissão do Regimento, das imunidades e assuntos institucionais (ponto 5).


44 – Artigo 5.° do Protocolo adicional do Acordo Geral relativo aos Privilégios e Imunidades, acima referido. Daí resulta, por outro lado, que os Estados‑Membros do Conselho da Europa têm não só o direito mas o dever de levantar a imunidade do seu representante. V., também, a resolução 1490 (2006) relativa à interpretação do artigo 15.° A do Acordo Geral, disponível no seguinte endereço electrónico: http://assembly.coe.int/Main.asp?link=/Documents/AdoptedText/ta06/ERES1490.htm.


45 – V. conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Marra, já referido (n.° 12). Observo, todavia, que numa audiência na comissão das leis constitucionais do Parlamento finlandês em 1933, eminentes constitucionalistas da época defenderam que a imunidade material dos deputados visa dar‑lhes a possibilidade de criticar livremente o governo, as autoridades e as outras pessoas ou coisas ou fenómenos contemporâneos sem receio de estarem sujeitos a processos judiciais ou sem terem de estudar minuciosamente as disposições do código penal antes de se exprimirem. V. Hakkila, E, Suomen tasavallan perustuslait [As leis constitucionais da República da Finlândia], Porvoo 1939, p. 416.


46 – Comparar com a nota de rodapé 5.


47 – Acórdão Marra, já referido (n.° 27).


48 – Na ausência de um reenvio para os direitos nacionais previsto no artigo 8.° do Protocolo, a imunidade material aí prevista deve ser determinada exclusivamente com base no direito da União. V. acórdão Marra, já referido (n.° 26).


49 – A este respeito, a prática do Parlamento Europeu parece‑me incoerente e susceptível de dar lugar a controvérsia. Com efeito, por um lado, o Parlamento considerou que a imunidade processual prevista no artigo 9.° (anterior artigo 10.°) do Protocolo se aplica não só aos actos praticados durante o mandato, mas também retroactivamente aos actos praticados pelos antigos membros do Parlamento Europeu. Só os actos praticados depois do termo do mandato estão, na opinião do Parlamento Europeu, fora do âmbito de aplicação da imunidade processual, daí a necessidade de levantar a imunidade relativamente aos antigos membros (v. Relatório da comissão dos assuntos jurídicos do Parlamento Europeu n.° PE 360 487/REV2, referido na nota 39, p. 7). Tenho sérias dúvidas relativamente à compatibilidade desta interpretação com o objectivo da imunidade processual prevista no artigo 9.° do Protocolo e com os princípios da igualdade perante a lei e do acesso à justiça consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais. Por outro lado, o Parlamento verificou que é muito duvidoso que o artigo 9.° do Protocolo se possa aplicar aos antigos membros do Parlamento. Com efeito, depois do termo do mandato, impõe‑se, na opinião do Parlamento, proteger o antigo membro contra os ataques relativos às opiniões ou aos votos expressos no exercício das suas funções. Contudo, a aplicação dos artigos 7.° (anterior artigo 8.°) e 9.° do Protocolo parecem estar limitados aos membros do Parlamento em actividade durante as sessões do Parlamento. V. Relatório sobre o pedido de defesa das imunidades e dos privilégios de Koldo Gorostiaga [2004/2102 (IMM)], de 25 de Janeiro de 2005 e Relatório sobre o pedido de defesa das imunidades e dos privilégios de Andrzej Pęczak, antigo membro do Parlamento Europeu, [2005/212/ (IMM)] de 22 de Novembro de 2005.


50 – Sobre esta prática, v. Relatório da comissão dos assuntos jurídicos do Parlamento Europeu n.° PE 360.487/REV2, referido na nota n.° 39.


51 – V. publicação da União Interparlamentar (UIP) intitulada «La liberté d’expression, le Parlement et la promotion de la tolérance», Genebra 2005, disponível no endereço electrónico: www.ipu.org/pdf/publications/freedom_fr.pdf (p. 57 e segs).


52 – Artigo 21.° do Regimento da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.


53 – V. Resolução 1325, acima referida (ponto 5). Observo que no direito alemão, nos termos do § 46.°, n.° 1, da Lei fundamental, as injúrias difamatórias estão fora do âmbito da imunidade material dos deputados.


54 – Doc. 12059 intitulado «Assurer une protection contre les atteintes à l’honneur et à la réputation des personnes», disponível no endereço electrónico: http://assembly.coe.int/Documents/WorkingDocs/Doc09/FDOC12059.pdf.


55 – Jeuniaux, M. ‑C, Le statut personnel des membres du Parlement européen, tese de doutoramento, Universidade de Toulouse, 1987, p. 179


56 – V. estudo comparativo do Parlamento n.° PE 168 399 referido na nota de rodapé 4.


57 – A imunidade material é objecto do artigo 14.° do Acordo Geral relativo aos Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa.


58 – V. Relatório da comissão do Regimento e Imunidades de 25 de Março de 2003. intitulado «Immunités des Membres de l’Assemblée parlementaire» Doc. 9718 revisto, disponível no seguinte endereço electrónico: http://assembly.coe.int//Mainf.asp?link=http://assembly.coe.int/Documents/WorkingDocs/doc03/FDOC9718.htm


59 – V. Resolução 1325 (2003) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e relatório da Comissão do Regimento e Imunidades de 25 de Março de 2003 intitulado «Immunités des Membres de l’Assemblée parlementaire», Doc. 9718 revisto, disponível no seguinte endereço electrónico: http://assembly.coe.int//Mainf.asp?link=http://assembly.coe.int/Documents/WorkingDocs/doc03/FDOC9718.htm


60 – V. Protocolo sobre a revisão do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias de 8 de Abril de 1965 no que se refere aos membros do Parlamento Europeu, (JO 1987 C 99, p. 43): «Os membros do Parlamento não podem ser procurados, detidos ou perseguidos, em processos civis, penais ou administrativos, em razão de votos ou opiniões emitidos em debates no Parlamento, em órgãos criados por este ou que funcionem no seu seio ou nos quais têm assento enquanto membros do Parlamento».


61 – V. artigo 6.° da CEDH e artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Quanto ao carácter proporcionado desta restrição, v. n.° 31 das conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Marra, já referido.


62 – TEDH, acórdãos Patrono, Cascini e Stefanelli c. Itália de 20 de Abril de 2006, petição n.° 10180/04, § 63 e 64, e acórdão C.G.I.L. e Cofferati c. Itália de 24 de Fevereiro de 2009, petição n.° 46967/07, § 74 e 75.


63 – V. n.° 35 das conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro apresentadas no processo Marra, já referido.


64 – Doc. 9718 revisto, acima referido, no qual é precisado que «[d]esde as pertubações de 1989 a 1991, a Assembleia e os seus membros intervêm mais no terreno: observação de eleições, visitas de locais em caso de crise e no âmbito da diplomacia parlamentar, negociações dos membros com os responsáveis nacionais no quadro do processo de adesão de Estados candidatos ao Conselho da Europa e do processo de seguimento».


65 – A título de exemplo, o assédio verbal de funcionárias na cafetaria do Parlamento não estaria abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 8.° do Protocolo.


66 – No direito belga, nos termos do artigo 58.° da Constituição belga, a irresponsabilidade abrange as opiniões ou os votos de um parlamentar desde que aja no âmbito do «exercício do seu mandato parlamentar». No direito alemão, o § 46.°, n.° 1, da Lei fundamental refere‑se a uma «declaração ou um voto no Bundestag». No direito espanhol, o artigo 17.° da Constituição espanhola, no direito francês, o artigo 26.° da Constituição francesa, bem como no direito luxemburguês, o artigo 68.° da Constituição luxemburguesa utilizam a expressão «no exercício de funções». No direito finlandês, o artigo 30.° da Constituição finlandesa liga o âmbito da imunidade parlamentar às opiniões e às atitudes que o deputado adoptou no Parlamento.


67 – A saber, a participação nas sessões, nos trabalhos parlamentares, os comités, as reuniões, as conferências de imprensa e o acolhimento de delegações.


68 – A título de exemplo, na Suécia, a proposta de alteração da Constituição sueca para ampliar o âmbito de aplicação da imunidade parlamentar nos debates políticos extra muros foi rejeitada, em razão da desigualdade que daí decorreria entre os diferentes participantes nesses debates. V. Relatório do comité para a reforma constitucional, intitulado «En reformerad Grundlag–Betänkande av Grundlags Untredningen», SOU 2008:125, p. 609 e 610.


69 – Na prática do Parlamento, a imunidade não é levantada se as acusações no sentido penal decorrerem das «actividades políticas» de um membro do Parlamento. Este último conceito foi interpretado pelo Parlamento numa base que foi qualificada por este no seu relatório como «extremamente ampla e flexível». V. Relatório da comissão dos assuntos jurídicos do Parlamento, n.° PE 360.487/REV2, referido na nota 39, p. 23 a 24.


70 – N.os 37 a 39 das conclusões do advogado‑geral Poiares Maduro apresentadas no processo Marra, já referido.


71 – Não pretendo negar, como demonstrou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o papel que pode desempenhar o interesse público na apreciação da questão de saber se uma opinião está abrangida pela liberdade de expressão ou se pode ser sancionada. No caso dos deputados, essa apreciação só é, portanto, possível depois de se ter verificado que a opinião em causa não está abrangida pelo âmbito da imunidade material conferida a um deputado.


72 – Segundo a definição genérica, os juízos de valor têm por função fornecer uma apreciação positiva ou negativa do seu objecto. V. Villa, V., «Legal theory and value judgements», em Constructing Legal Systems, European Union in Legal Theory, ed. MacCormick, p. 119. Para efeitos da análise da imunidade parlamentar, importa incluir os juízos que exprimem apreciações deontológicas, relativas à justeza ou ao valor moral dos actos, na categoria dos juízos de valor.


73 – O filósofo escocês afirmou esta tese no seu Treatise of Human Nature publicado em 1739. Esta ideia foi generalizada como sendo aplicável aos juízos de valor pelo filósofo inglês G.E. Moore (1873‑1958).


74 – V. sobre este debate, por exemplo, Shafer‑Laundau, R., Moral Realism. A Defence, Oxford University Press, 2005, p. 18 a 52.


75 – Por exemplo, uma constatação que remete para um facto objectivo, segundo a qual um adversário político é de uma determinada origem étnica pode ser revelador de um juízo de valor negativo por parte daquele que a formula. As afirmações negacionistas relativas ao holocausto constituem um exemplo flagrante do facto de que é possível exprimir juízos de valor chocantes através de afirmações na aparência puramente factuais.


76 – V. um acórdão clássico do Tribunal Europeu dos Direitos do Himem sobre o assunto, acórdão Bladet Tromso A/S e Stensaas c. Noruega de 20 de Maio de 1999, Recueil des arrêts et décisions 1999‑III, § 65.


77 – Hochmann, T., «La protection de la réputation. Cour européenne des droits de l’homme. Pfeifer c. Autriche, 15 novembre 2007», revue trimestrielle des droits de l’homme, 2008/76, p. 1185. Isto leva ao alargamento do âmbito do conceito de «juízo de valor» e a uma redução do conceito de «declaração factual».


78 – TEDH, acórdão Scharsach e News Verlagsgesellschaft c. Áustria de 13 de Novembro de 2003, Recueil des arrêts et décisions 2003‑XL, § 40.


79 – Idem.


80 – Na filosofia, a teoria dos actos de linguagem salienta que as afirmações constituem não só meios para transmitir uma informação mas também actos. Há, portanto, que distinguir entre o conteúdo proposicional de uma afirmação e a sua força ilocucional. Os actos de linguagem estruturam a interacção social pela sua força ilocucional que cria uma relação entre os interlocutores. V. Moreso, J.‑J., Legal Indeterminacy and Constitutional Interpretation, Dordrecht, 1998, p. 12 e 13 e Ruiter, D. W., Institutional Legal Facts, Dordrecht 1993, p. 37 a 51. Uma constatação de facto pode, portanto, ter uma força ilocucional que a qualifica como acto difamatório.


81 – Por exemplo, nestes dois casos (processos A3‑0088/89 e A3‑0040/90), relativos a afirmações proferidas por Le Pen, a sua primeira afirmação pode ser qualificada como juízo de valor e a segunda como afirmação factual com conteúdo negacionista. Nestes dois casos, a comissão parlamentar competente tinha proposto que a imunidade não fosse levantada, mas o plenário do Parlamento não a seguiu. V. anexo do Relatório da comissão dos assuntos jurídicos do Parlamento n.° PE 360.487/REV2, referido na nota 39.


82 – Que tem relação com a posição institucional de um membro do Parlamento na organização constitucional da União. O termo «orgânico» não é, portanto, utilizado no sentido de «inerente» ou «próprio».


83 – TEDH, acórdão Jerusalém c. Áustria de 27 de Fevereiro de 2001, Recueil des arrêts et décisions 2001‑II, § 36 e 40.


84 – Mutatis mutandis, TEHD, acórdão Padovani c. Itália de 26 de Fevereiro de 1993, série A n.° 257‑B , § 24.


85 – TEDH, acórdão A c. Reino Unido de 17 de Dezembro de 2002, Recueil des arrêts et décisions 2002‑X, § 84 a 85.


86 – TEDH, acórdão A. c. Reino Unido, já referido, § 77 a 78. Contudo, quando se trata de apreciar a proporcionalidade de uma imunidade, o seu carácter absoluto não pode ser decisivo, v. TEDH, acórdãos Fayed c. Reino Unido, de 21 de Setembro de 1994, série A, n.° 294‑B.


87 – TEDH, acórdão de 30 de Janeiro de 2003, Recueil des arrêts et décision s 2003‑I.


88 – O TEDH entendeu que cartas de conteúdo irónico ou irrisório acompanhadas de brinquedos dirigidas por Cossiga a título pessoal a um magistrado não podem, pela sua própria natureza, comparar‑se a um acto que faz parte das funções parlamentares. V. § 62 do acórdão Cordova c. Itália, já referido.


89 – Acórdão Córdova c. Itália, já referido, § 61 e 62.


90 – Ibidem (§ 63).


91 – A aplicação desse vínculo orgânico sob uma forma um pouco mais simplificada foi já apresentada pela doutrina, Harms, T, op cit., p. 91.


92 – Segundo a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa «é evidente que os termos ‘no exercício das suas funções’ abrangem as sessões plenárias, as reuniões das comissões da Assembleia, das subcomissões e outros órgãos subsidiários da Assembleia». A imunidade material deve, assim, estender‑se às actividades oficiais exercidas pelos membros da referida Assembleia no âmbito de reuniões e de conferências de outras instâncias do Conselho da Europa. V. doc. 9781 revisto, acima referido.


93 – Acórdão Córdova c. Itália, já referido, n.° 63.


94 – V. publicação da União Interparlamentar (UIP) intitulada «La liberte d’expression, le Parlement et la promotion de la tolérance», acima referida, p. 64 a 65.


95 – Artigo 65.1. do Capítulo XVII do Regimento da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.


96 – V. Relatório da comissão dos assuntos jurídicos do Parlamento n.° PE 360 487/REV2, referido na nota 39, p. 24. Com efeito, o Parlamento Europeu levantou a imunidade nos casos relativos aos ataques aos polícias, v., processos A2‑0130/88, A2‑0105/85 e A6‑0156/2006. V. anexo desse relatório n.° PE 360 487/REV2, referido na nota 39.