Language of document : ECLI:EU:T:1997:103

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

9 de Julho de 1997(1)

«Funcionários — Doença profissional — Comissão médica — Base de cálculo da prestação prevista no artigo 73.°, n.° 2, do Estatuto»

No processo T-4/96,

S,

recorrente,

contra

Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, representado por Timothy Millett, consultor jurídico para os assuntos administrativos, na qualidade de agente, com domicílio escolhido neste último, na sede do Tribunal de Justiça, Kirchberg,

recorrido,

que tem por objecto, em primeiro lugar, um pedido de anulação da decisão do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 1995, na medida em que adopta uma percentagem de invalidez de 6% para o cálculo da prestação prevista no artigo 73.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, em segundo lugar, um pedido de reconhecimento do direito da recorrente à referida prestação, calculada com base numa percentagem de invalidez de 30% e, em terceiro lugar, um pedido de juros compensatórios,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),



composto por: K. Lenaerts, presidente, P. Lindh, J. D. Cooke, juízes,

secretário: A. Mair, administrador,

vistas as observações escritas e na sequência da audiência de 5 de Março de 1997,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

  1. A recorrente entrou ao serviço do Tribunal de Justiça em (...)
    (2).

  2. Pouco tempo após a sua entrada em funções, adoeceu e foi obrigada a suspender a sua actividade. Em (...), a comissão de invalidez prevista pelo artigo 13.° do anexo VII do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto») reconheceu que a recorrente estava afectada por uma invalidez permanente total que a impossibilitava de exercer funções correspondentes a um emprego da sua carreira. Em (...), a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») decidiu reformá-la oficiosamente e atribuir-lhe uma pensão de invalidez ao abrigo do artigo 78.° do Estatuto.

  3. Na sequência de um relatório favorável elaborado pela comissão de invalidez em (...), a recorrente retomou as suas funções no Tribunal de Justiça em (...). No entanto, em (...), adoeceu de novo e cessou definitivamente a sua actividade.

  4. Em seguida, paralela e independentemente, foram iniciados dois processos no Tribunal de Justiça.

  5. O primeiro foi desencadeado pelo Tribunal de Justiça com base nos artigos 53.°, 59.° e 78.° do Estatuto. Em (...), o presidente do Tribunal decidiu submeter o caso da recorrente à apreciação de uma comissão de invalidez, a qual reconheceu, novamente, que ela estava afectada por uma invalidez permanente e total na acepção do artigo 78.° Em (...), a AIPN decidiu reformá-la oficiosamente e atribuir-lhe, de novo, uma pensão de invalidez ao abrigo do artigo 78.° Resulta dos autos que, no âmbito desse processo, a comissão de invalidez não se pronunciou sobre a questão da origem profissional da doença da recorrente (anexo 2 da réplica).

  6. Esse processo não está em causa no presente litígio.

  7. O segundo processo foi desencadeado por iniciativa da recorrente com base no artigo 73.° do Estatuto. Considerando que as perturbações psíquicas e psicológicas de que sofria resultavam das suas condições de trabalho, por carta de 18 de Dezembro de 1989, apresentou um pedido de reconhecimento da origem profissional da sua doença.

  8. Na sequência desse pedido, o médico designado pelo Tribunal de Justiça, o doutor De Meersman, num relatório médico de 4 de Dezembro de 1990, concluiu que a doença da recorrente não constituía uma «doença profissional» [...] ou [...] o agravamento profissional de uma doença pré-existente. Com base nesse relatório e de acordo com o artigo 21.°, primeiro parágrafo, da regulamentação relativa à cobertura de riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «regulamentação»), em 20 de Fevereiro de 1991, a AIPN notificou a recorrente de um projecto de decisão de indeferimento do seu pedido de reconhecimento da origem profissional da doença.

  9. Por carta de 17 de Abril de 1991, a recorrente apresentou um pedido de exame por comissão médica, nos termos do artigo 21.°, segundo parágrafo, da regulamentação. A comissão médica elaborou dois relatórios.

  10. No primeiro relatório, de 3 de Março de 1993, concluiu que «o estado ansio-depressivo apresentado por S se [tinha] desenvolvido durante a prestação do seu trabalho, mas que a sua personalidade patológica [era], em 50%, a origem da sua patologia médica, 30% [eram] devidos a acontecimentos da sua vida e 20% [eram] devidos ao seu trabalho». Essa comissão especificou que «[o] exercício da profissão não [era] a causa essencial, nem preponderante da doença de que S sofria».

  11. Considerando que não tinha a possibilidade de adoptar a sua decisão com base nesse relatório, a AIPN, por carta de 20 de Junho de 1994, solicitou que a comissão médica respondesse às seguintes cinco questões complementares:

    «1)    Fixar a percentagem de invalidez permanente de que S está afectada;

    2)    Especificar se a interessada estava afectada por uma doença pré-existente à sua entrada em funções nas Comunidades Europeias;

    3)    Em caso de resposta negativa, dizer se está suficientemente provado que existe uma relação directa entre a doença e o exercício da actividade profissional de S nas Comunidades;

    4)    Em caso de resposta afirmativa, dizer se está suficientemente provado que a doença se agravou e que existe uma relação directa entre esse eventual agravamento e o exercício da actividade profissional da interessada nas Comunidades;

    5)    Fixar, se existir, a percentagem de invalidez resultante desse eventual agravamento.»

  12. No segundo relatório, de 12 de Janeiro de 1995, a comissão médica respondeu às cinco questões complementares da AIPN da seguinte maneira:

    «1)    À primeira questão: a percentagem de invalidez permanente de que S está afectada eleva-se a 30%;

    2)    À segunda questão: S não estava afectada por uma doença pré-existente à sua entrada em funções nas Comunidades Europeias;

    3)    À terceira questão: a relação directa entre o exercício da actividade profissional de S nas Comunidades e a doença está avaliada em 20%. Quer dizer que, numa escala de 100, o exercício das actividades profissionais está em causa quanto a 20%, a personalidade patológica quanto a 50% e as circunstâncias da sua vida quanto a 30%;

    4) e 5)    Às quarta e quinta questões: tendo em conta a resposta dada à terceira questão, não é necessário responder-lhes.»

  13. Com base nesse segundo relatório, a AIPN, em 11 de Abril de 1995, adoptou a seguinte decisão:

    «1)    De acordo com as disposições do artigo 3.°, n.° 2, da [regulamentação], reconhece-se a S uma invalidez permanente parcial de 30% que tem origem no exercício de funções ao serviço do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias numa percentagem de 20%.

    2)    S receberá uma prestação de 1 094 745 [BFR], calculada com base em 6% (30% x 20%) tendo em conta o total dos salários de base dos doze meses anteriores à data do atestado médico de (...) que verifica a existência de uma doença devida a condições de trabalho, ou seja: salário base mensal, 190 060 [BFR] x 12 meses x 8 x 6%».

  14. Esta é a decisão impugnada.

  15. Em 5 de Julho de 1995, a recorrente apresentou uma reclamação dessa decisão nos termos do artigo 90.° do Estatuto. A reclamação foi indeferida por decisão de 2 de Outubro de 1995 do comité das reclamações do Tribunal de Justiça, notificada à recorrente em 16 de Outubro de 1995.

    Processo e conclusões das partes

  16. É nestas circunstâncias que, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Janeiro de 1996, a recorrente interpôs o presente recurso. Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

  17. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal na audiência de 5 de Março de 1997.

  18. Na sua petição, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    • anular a decisão do Tribunal de Justiça, na sua qualidade de AIPN, de 11 de Abril de 1995 na medida em que toma por base uma percentagem de invalidez de 6% para o cálculo da prestação referida pelo artigo 73.° do Estatuto;

    • reconhecer o direito da recorrente à prestação prevista no artigo 73.° do Estatuto calculada com base numa percentagem de invalidez de 30%;

    • na medida do necessário, anular a decisão de indeferimento da reclamação da recorrente de 2 de Outubro de 1995 e

    • condenar o recorrido na totalidade das despesas.



  19. Na sua réplica, a recorrente conclui, ainda, pedindo que o Tribunal se digne:

    • condenar a recorrida no pagamento de uma quantia avaliada, com reservas, em 1 973 541 BFR a título de juros, calculados a uma percentagem de 8%, sobre a prestação a que a recorrente considera ter direito, nos termos do artigo 73.° do Estatuto, relativamente ao período entre 18 de Dezembro de 1989 e 20 de Junho de 1994.



  20. Na sua contestação, o recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    • julgar o recurso improcedente e

    • condenar a recorrente no pagamento das suas próprias despesas.



  21. Na sua tréplica, o recorrido conclui, ainda, pedindo que o Tribunal se digne:

    • rejeitar o pedido apresentado, pela primeira vez, pela recorrente na réplica e destinado a obter a condenação do recorrido no pagamento de uma quantia avaliada em 1 973 541 BFR, a título de juros, por inadmissível, e

    • em todo o caso, negar provimento ao recurso.

    Quanto ao pedido de reconhecimento do direito da recorrente à prestação prevista no artigo 73.° do Estatuto, calculada com base numa percentagem de invalidez de 30%

  22. Nas suas conclusões, a recorrente pede ao Tribunal que reconheça o seu direito à prestação de invalidez prevista no artigo 73.° do Estatuto, calculada com base numa percentagem de invalidez de 30%. Deve observar-se que este pedido equivale a convidar o Tribunal a dirigir ao recorrente uma injunção para que este calcule a prestação referida com base numa percentagem determinada. Ora, o juiz comunitário, sob pena de usurpar as prerrogativas da AIPN, não pode dirigir injunções a uma instituição comunitária (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Julho de 1993, Moat/Comissão, T-20/92, Colect., p. II-799, n.° 36, e de 8 de Junho de 1995, Allo/Comissão, T-496/93, ColectFP, p. II-405, n.os 32 e 33).

  23. Em consequência, este pedido é inadmissível.

    Quanto ao pedido destinado a retirar parcialmente uma peça processual dos debates

  24. A recorrente observa que, no anexo 4 da sua defesa, o recorrido apresentou todo o relatório médico elaborado em 4 de Dezembro de 1990 pelo doutor De Meersman (v. n.° 8 supra). Esse relatório estava protegido pelo segredo médico, de modo que o recorrente não podia apresentá-lo sem a sua autorização prévia. Por outro lado, apenas as conclusões do relatório, e não o texto integral, tinham interesse para o presente litígio. Em consequência, a recorrente pede que o referido relatório seja retirado da discussão da causa, com excepção das suas conclusões.

  25. O Tribunal considera que, no presente caso, deve reservar a sua decisão quanto a este pedido na medida em que a apreciação dos fundamentos e argumentos das partes não implique a tomada em consideração do referido relatório.

    Quanto ao pedido de anulação

  26. Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos:

    • Ilegalidade dos relatórios da comissão médica;

    • Violação do dever de fundamentação;

    • Violação do artigo 73.° do Estatuto, dos artigos 3.°, n.° 2, e 12.°, n.° 2, da regulamentação e da tabela das percentagens de invalidez anexa à regulamentação (a seguir «tabela das percentagens de invalidez»);

    • Violação do princípio da igualdade.



  27. Antes de apresentar a argumentação das partes, há que recordar as disposições queconstituem o enquadramento jurídico do presente litígio.

  28. O artigo 73.° do Estatuto faz parte das disposições relativas à segurança social. O seu n.° 1 dispõe, designadamente, que o funcionário está coberto, desde a data de início de funções, contra os riscos de doença profissional. O n.° 2 garante certas prestações em caso de morte, de invalidez total permanente e de invalidez parcial permanente causadas por doença profissional.

  29. De acordo com o artigo 73.°, n.° 2, alínea b), o funcionário tem direito, em caso de invalidez total permanente, ao pagamento de uma quantia igual a oito vezes o seu vencimento base anual calculado com base nos vencimentos mensais processados nos doze meses que precedem o acidente. Nos termos do artigo 73.°, n.° 2, alínea c), o funcionário tem direito, em caso de invalidez parcial permanente, ao pagamento de uma parte do subsídio previsto na alínea b), calculado com base na tabela das percentagens de invalidez.

  30. As condições de aplicação do artigo 73.° do Estatuto são fixadas pela regulamentação.

  31. O artigo 3.° da regulamentação define a noção de doença profissional da seguinte maneira:

    «1. Consideram-se como doenças profissionais as doenças que constam da 'lista europeia das doenças profissionais‘ anexa à recomendação da Comissão de 22 de Maio de 1990 [JO L 160, p. 39], bem como dos eventuais suplementos a essa lista, na medida em que o funcionário se tenha exposto, na sua actividade profissional junto das Comunidades Europeias, aos riscos de contracção dessas doenças.

    2. Considera-se igualmente como doença profissional qualquer doença ou agravamento de uma doença já existente que não conste da lista referida no n.° 1, quando se puder apresentar prova suficiente de que essa doença tem a sua origem no exercício ou quando do exercício de funções ao serviço das Comunidades.»

  32. O artigo 12.° confirma as prestações garantidas pelo artigo 73.°, n.° 2, alíneas b) e c), do Estatuto, nos seguintes termos:

    «1. Em caso de invalidez permanente total do funcionário resultante [...] de uma doença profissional, ser-lhe-á pago o capital previsto no n.° 2, alínea b), do artigo 73.° do Estatuto.

    2. Em caso de invalidez permanente parcial do funcionário resultante [...] de uma doença profissional, ser-lhe-á pago o capital determinado em função das percentagens previstas na tabela de invalidez constantes do anexo.»

  33. A tabela das percentagens de invalidez fixa, em percentagens exactas, a percentagem de diferentes tipos de invalidez permanente por que podem ser afectados os funcionários. Dispõe igualmente que, no que respeita aos casos de invalidez não previstos na tabela, o grau de invalidez do funcionário será determinado por analogia com a tabela estabelecida.

  34. O artigo 19.° da regulamentação dispõe que as decisões relativas ao reconhecimento da origem profissional da doença, bem como à fixação do grau de invalidez permanente, serão adoptadas pela AIPN com base em conclusões emitidas pelo(s) médico(s) designado(s) pelas instituições e, caso o funcionário o requeira, após consulta da comissão médica. O artigo 23.°, n.° 1, dispõe que essa comissão é composta por três médicos: o primeiro designado pela AIPN, o segundo, pelo funcionário, e o terceiro, de comum acordo pelos dois primeiros médicos. Findos os trabalhos, a comissão médica apresenta as suas conclusões num relatório que é enviado à AIPN e ao funcionário.

    Quanto ao primeiro fundamento, de ilegalidade dos relatórios da comissão médica

    Argumentos das partes

  35. A recorrente argumenta que os relatórios da comissão médica de 3 de Março de 1993 e 12 de Janeiro de 1995 estão afectados por uma dupla ilegalidade.

  36. Por um lado, ao preceder à repartição, em percentagens exactas, da importância das diferentes causas da sua doença, a comissão médica excedeu os limites do mandato que a AIPN lhe confiara. Com efeito, pela terceira questão da sua carta de 20 de Junho de 1994, a AIPN tinha-lhe pedido que «dissesse se [estava] suficientemente provado que existe uma relação directa entre a doença e o exercício da actividade profissional de S junto das Comunidades». Ao responder afirmativamente a essa questão no seu relatório de 12 de Janeiro de 1995, a comissão médica esgotou a sua missão, de modo que não lhe competia proceder a uma repartição que a AIPN não solicitara.

  37. Por outro lado, essa repartição nem estava prevista nem era exigida pelo artigo 73.° do Estatuto, pelos artigos 3.°, n.° 2, e 12.°, n.° 2, da regulamentação e pela tabela das percentagens de invalidez. A este propósito, a recorrente refere-se aos argumentos invocados em apoio do seu terceiro fundamento. A comissão médica desrespeitou, assim, as noções de doença profissional e de percentagem de invalidez previstas por estas disposições, de modo que as suas conclusões são ilegais (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1984, Seiler e o./Conselho, 189/82, Recueil, p. 229, e de 10 de Dezembro de 1987, Jänsch/Comissão, 277/84, Colect., p. 4923).

  38. A recorrida argumenta, designadamente, que a recorrente adopta uma concepção demasiado rígida e formalista da noção de «mandato» da comissão médica.

    Apreciação do Tribunal

  39. O Tribunal considera que o conteúdo da missão da comissão médica deve ser examinado à luz dos artigos 19.° e 23.° da regulamentação.

  40. Segundo jurisprudência constante, a finalidade das referidas disposições é confiar a peritos médicos a apreciação definitiva de todas as questões de ordem médica pertinentes para o funcionamento do regime de segurança estabelecido pela regulamentação. Traduzem a intenção de, em caso de litígio, se chegar a uma arbitragem definitiva de todas as questões de ordem médica (v., por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1981, Morbelli/Comissão, 156/80, Recueil, p. 1357, n.os 18 e 20, de 29 de Novembro de 1984, Suss/Comissão, 265/83, Recueil, p. 4029, n.° 11, e de 4 de Outubro de 1991, Comissão/Gill, C-185/90 P, Colect., p. I-4779, n.° 24).

  41. Resulta dessa jurisprudência que a comissão médica está investida de uma vasta missão, que consiste em facultar à AIPN todas as apreciações médicas necessárias à adopção da sua decisão relativa ao reconhecimento da origem profissional da doença do funcionário, bem como à fixação da percentagem da sua invalidez permanente.

  42. Com um objectivo de eficácia, é no entanto desejável que, quando submete uma questão à comissão médica, a AIPN indique, através de um mandato claro e preciso, os aspectos sobre os quais procura obter apreciações médicas definitivas. Por outro lado, quando recebe um relatório da comissão médica, a AIPN, através de um mandato complementar, pode especificar as suas questões ou suscitar novas questões para obter todas as apreciações desejadas (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Novembro de 1995, Benecos/Comissão, T-64/94, ColectFP, p. II-769, n.os 46 e 58). Nesses casos, a comissão médica tem, evidentemente, o dever de responder, de maneira clara e precisa, às questões apresentadas pela AIPN. No entanto, esses mandatos não poderiam ter por efeito impedir a comissão médica de comunicar à AIPN observações médica suplementares susceptíveis de esclarecer a sua decisão.

  43. No caso em apreço, a comissão médica, nos seus relatórios de 3 de Março de 1993 e 12 de Janeiro de 1995, concluiu que três factores tinham contribuído para que se manifestasse a doença da recorrente. Procedeu igualmente a uma avaliação, em percentagem exacta, da importância desses factores.

  44. O Tribunal considera que, embora sem mandato expresso para a referida avaliação, a comissão médica, de acordo com a missão que lhe incumbe por força dos artigos 19.° e 23.° da regulamentação, estava habilitada a informar a AIPN dessa conclusão.

  45. Quanto ao argumento segundo o qual a repartição em litígio não estava prevista nem era exigida pelo artigo 73.° do Estatuto, pelos artigos 3.°, n.° 2, e 12.°, n.° 2, da regulamentação e pela tabela das percentagens de invalidez, o Tribunal considera-o respeitante ao terceiro fundamento invocado pela recorrente. Será, pois, examinado no âmbito do referido fundamento.

  46. Em consequência, o primeiro fundamento da recorrente não é procedente.

    Quanto ao segundo fundamento, de violação da obrigação de fundamentação

    Argumentos das partes

  47. A recorrente sustenta que os relatórios da comissão médica de 3 de Março de 1993 e 12 de Janeiro de 1995 estão afectados por falta de fundamentação. Não provam que exista um nexo compreensível entre as verificações médicas que contêm e as conclusões a que chegam (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 1990, Vidrányi/Comissão, T-154/89, Colect., p. II-445, n.° 48).

  48. Com efeito, os referidos relatórios não especificam as razões pelas quais, após ter verificado existir uma relação suficientemente directa entre as actividades profissionais e a doença da recorrente — verificação suficiente para concluir tratar-se de uma doença profissional (v. n.° 64 infra) —, a comissão médica prosseguiu as suas actividades e concluiu que a referida doença era devida, em 20%, às actividades profissionais da recorrente, em 30%, a acontecimentos da sua vida e, em 50%, à sua personalidade patológica. Além disso, as verificações contidas nos relatórios nem explicam o método com base no qual a comissão médica procedeu à repartição referida, nem a quantificação das três causas da doença, nem o significado dos termos «acontecimentos da sua vida» e «personalidade patológica».

  49. Na medida em que se baseava em relatórios médicos afectados por falta de fundamentação, a decisão da AIPN de 11 de Abril de 1995 estava afectada pelas mesmas ilegalidades, devendo, em consequência, ser anulada.

  50. A recorrida contesta a admissibilidade deste fundamento por a recorrente não o ter invocado na sua reclamação (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 1990, Kobor/Comissão, T-7/90, Colect., p. II-721, n.os 34 a 36, de 12 de Março de 1996, Weir/Comissão, T-361/94, ColectFP, p. II-381, n.os 27 a 34, de 6 de Junho de 1996, Baiwir/Comissão, T-262/94, ColectFP, p. II-739, n.os 40, 41 e 42, e de 11 de Junho de 1996, Anacoreta Correia/Comissão, T-118/95, ColectFP, p. II-835, n.° 43).

  51. De qualquer modo, os relatórios de 3 de Março de 1993 e 12 de Janeiro de 1995 estavam suficientemente fundamentados.

    Apreciação do Tribunal

    • Quanto à admissibilidade do fundamento



  52. Sem que seja necessário determinar se, na sua reclamação, a recorrente invocou o fundamento baseado numa violação da obrigação de fundamentação, o Tribunal considera que, de qualquer modo, este deve ser declarado admissível.

  53. Com efeito, segundo uma jurisprudência constante, o fundamento baseado na ausência de fundamentação de um acto de uma instituição constitui um fundamento de ordem pública que, enquanto tal, pode, em qualquer caso, ser apreciado oficiosamente pelo juiz comunitário (v., designadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1959, Nold/Alta Autoridade, 18/57, Recueil, p. 89, de 1 de Julho de 1986, Usinor/Comissão, 185/85, Colect., p. 2079, n.° 19, e de 20 de Fevereiro de 1997, Comissão/Daffix, C-166/95 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24, bem como o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão, T-106/95, ainda não publicado na Colectânea, n.° 62). Em consequência, nenhum recorrente poderia ser impedido de invocar esse fundamento apenas por não o ter suscitado na sua reclamação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Grynberg e Hall/Comissão, T-534/93, ColectFP, p. II-595, n.° 59, e acórdão do Tribunal de Justiça, Comissão/Daffix, já referido, n.° 25).

    • Quanto à procedência do fundamento



  54. Deve recordar-se que as apreciações médicas propriamente ditas formuladas pela comissão médica devem ser consideradas definitivas quando tenham sido feitas em condições regulares (acórdãos do Tribunal de Justiça, Suss/Comissão, já referido, n.os 9 a 15, e de 19 de Janeiro de 1988, Biedermann/Tribunal de Contas, 2/87, Colect., p. 143, n.° 8; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Vidrányi/Comissão, já referido, n.° 48, de 26 de Setembro de 1990, F./Comissão, T-122/89, Colect., p. II-517, n.° 16, e de 14 de Janeiro de 1993, F./Comissão, T-88/91, Colect., p. II-13, n.° 39) e que o controlo jurisdicional só pode abranger a regularidade da constituição e do funcionamento da referida comissão (acórdãosMorbelli/Comissão, já referido, n.os 18 e 20, Suss/Comissão, já referido, n.° 11, Biedermann/Tribunal de Contas, já referido, n.° 8, e Comissão/Gill, já referido, n.° 24) bem como a regularidade dos pareceres que profere. Em consequência, o Tribunal é competente para examinar se o parecer contém fundamentação que permita apreciar as considerações em que se baseiam as conclusões nele contidas (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 1983, K./Conselho, 257/81, Recueil, p. 1, n.° 17) e se apurou um nexo compreensível entre as constatações médicas que contém e as conclusões a que chegou a comissão médica (acórdão Jänsch/Comissão, já referido, n.° 15, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1992, Plug/Comissão, T-165/89, Colect., p. II-367, n.° 75, e de 30 de Maio de 1995, Saby/Comissão, T-556/93, ColectFP, p. II-375, n.° 35).

  55. É à luz destes princípios que se deve examinar se, no presente caso, existe um «nexo compreensível» entre as verificações médicas proferidas pela comissão médica e as conclusões a que esta chegou.

  56. O Tribunal observa que o relatório da comissão médica de 3 de Março de 1993 descreve, de maneira detalhada, os numerosos exames médicos a que a recorrente foi submetida. A comissão médica interrogou a recorrente por diversas vezes e teve em conta as suas notas, observações e comentários. Estudou a totalidade do seu processo bem como os seus antecedentes médicos. Assim, pôde verificar, designadamente, que a recorrente tinha já conhecido dois episódios depressivos em (...) e (...); que era «por naturera escrupulosa e perfeccionista»; que «não [...] suporta[va] stress no seu trabalho»; que se encontrava em estado de «carência medicamentosa total»; e que a sua ansiedade resultava de uma «antecipação criativa (mesmo catastrófica) do futuro».

  57. O Tribunal considera que estes elementos indicam suficientemente as razões pelas quais a comissão médica pôde identificar e avaliar a importância das várias causas da doença da recorrente. A este propósito, há que especificar que, para emitir as suas conclusões, os peritos da comissão médica se baseiam não apenas em elementos objectivos, como os referidos, mas igualmente na experiência que adquiriram no referido domínio. Ora, apesar da importância que reveste esta experiência, não poderia constituir um elemento susceptível de fundamentação.

  58. Em consequência, há que rejeitar o argumento de que os relatórios em litígio não explicam nem as razões nem o método relativos à repartição das três causas da doença da recorrente.

  59. Quanto ao significado exacto dos termos «acontecimentos da sua vida» e «personalidade patológica», o Tribunal recorda que a função da comissão médica se limita à emissão de pareceres de natureza puramente científica, sem proceder a apreciações de ordem jurídica (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1987, Rienzi/Comissão, 76/84, Colect., p. 315, n.os 9 a 12, e o acórdão de 26 de Setembro de 1990, F./Comissão, já referido, n.° 15). No caso em apreço, o Tribunal considera que o significado dos termos «acontecimentos da sua vida» e «personalidade patológica» resulta não só do sentido comum das palavras mas também das verificações médicas relativas, designadamente, à personalidade e aos antecedentes da recorrente.

  60. Por conseguinte, cabe observar que os relatórios da comissão médica estabelecem um nexo compreensível entre as verificações médicas que contêm e as conclusões a que chegam.

  61. Em consequência, o segundo fundamento da recorrente não é procedente.

    Quanto ao terceiro fundamento, de violação dos artigos 73.° do Estatuto, 3.°, n.° 2, e 12.°, n.° 2, da regulamentação e da tabela das percentagens de invalidez

    Argumentos das partes

  62. A recorrente refere que o processo previsto pelos artigos 73.° do Estatuto, 3.°, n.° 2, e 12.°, n.° 2, da regulamentação e pela tabela das percentagens de invalidez inclui duas etapas distintas.

  63. A primeira etapa consiste em determinar se a doença do funcionário constitui uma doença profissional na acepção do artigo 3.°, n.° 2, da regulamentação. Para este efeito, a AIPN e, eventualmente, a comissão médica devem verificar se está suficientemente provado que a doença do funcionário tem a sua origem no exercício ou quando do exercício de funções ao serviço das Comunidades Europeias. Estabelecido o nexo de causalidade entre a sua doença e as suas actividades profissionais, o funcionário terá direito à prestação prevista pelo artigo 73.°, n.° 2, do Estatuto.

  64. Para que se estabeleça esse nexo de causalidade, nenhuma disposição exige que o exercício das funções seja a causa única, essencial ou preponderante da doença do funcionário. Pelo contrário, de acordo com o acórdão Plug/Comissão, já referido (n.° 81), esse nexo de causalidade estaria provado desde que o estado patológico do funcionário apresente uma relação suficientemente directa com as funções que exerceu. A esse propósito, o acórdão Seiler e o./Conselho, já referido, invocado pela recorrida no n.° 74 infra, não é pertinente. Por um lado, limita-se estritamente à interpretação da noção de doença profissional em caso de agravamento de uma doença pré-existente. Por outro, foi proferido anteriormente e, portanto, contrariado, pelo acórdão Plug/Comissão.

  65. De qualquer modo, está suficientemente provado, no caso em apreço, que a doença da recorrente constitui uma doença profissional. Tanto no seu relatório de 3 de Março de 1993 como no de 12 de Janeiro de 1995, a comissão médica verificou a existência de uma relação directa entre a sua doença e o exercício das funções nas Comunidades.

  66. A segunda etapa do processo consiste em determinar a percentagem de invalidez permanente que afecta o funcionário e, com base nessa percentagem, calcular o montante da prestação de invalidez que lhe será pago ao abrigo do artigo 73.°, n.° 2, do Estatuto.

  67. A este propósito, a recorrente recorda que, nos termos do artigo 73.°, n.° 2, alínea c), o funcionário afectado por uma invalidez permanente parcial tem direito ao pagamento de uma parte da prestação de invalidez previsto em caso de invalidez permanente total, que, de acordo com o artigo 12.°, n.° 2, da regulamentação, essa fracção é determinada em função da percentagem de invalidez do funcionário e que essa percentagem é fixada com base na tabela das percentagens de invalidez ou por analogia com ela (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1979, B./Comissão, 152/77, Recueil, p. 2819).

  68. Resulta desse processo que o factor relativo ao exercício das actividades profissionais intervêm apenas na primeira etapa, para verificar a existência de uma relação suficientemente directa entre a doença do funcionário e o exercício das suas funções ao serviço das Comunidades. Em contrapartida, esse factor não teria qualquer incidência na segunda etapa. Com efeito, em caso de invalidez permanente parcial, a fracção do montante da prestação prevista pelo artigo 73.°, n.° 2, alínea c), do Estatuto deve imperativamente corresponder à percentagem de invalidez do funcionário.

  69. Em consequência, o montante da prestação de invalidez da recorrente devia ter sido calculado com base na totalidade da sua percentagem de invalidez, ou seja, 30%. Essa quantia devia, pois, corresponder a 30% da prestação prevista para o caso de invalidez permanente total.

  70. Ora, no caso em apreço, a AIPN teve ilegalmente em conta o factor profissional na segunda etapa do processo. Com efeito, para calcular o montante da prestação de invalidez, multiplicou a percentagem de invalidez (30%) apenas pela fracção correspondente às causas profissionais da doença (20%), excluindo a fracção correspondente às causas não profissionais da doença, isto é, a personalidade patológica (50%) e os acontecimentos da sua vida (30%).

  71. O recorrido desrespeitou, assim, o processo atrás descrito e, portanto, violou as disposições invocadas no presente fundamento.

  72. Em resposta aos argumentos da recorrente, o recorrido desenvolve uma tese principal e uma tese subsidiária.

  73. A título principal, argumenta que o objectivo do regime de seguro previsto pelo artigo 73.° do Estatuto e pela regulamentação consiste em indemnizar os funcionários na medida em que a sua doença resulte do exercício de funções ao serviço das Comunidades. Assim sendo, o montante máximo da prestação que podia conceder à recorrente no presente caso devia corresponder à parte da invalidez permanente parcial (30%) com origem no exercício das suas funções (20%). Este montante equivalia, pois, a 6% (30% x 20%) da prestação prevista em caso de invalidez permanente total.

  74. A título subsidiário, para o caso de as disposições estatutárias não lhe permitirem fraccionar o montante da prestação a pagar à recorrente, a recorrida considera que esta não podia pretender qualquer prestação ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto. Com efeito, nesta hipótese, a doença da recorrente não constituía uma doença profissional na acepção do artigo 3.°, n.° 2, da regulamentação. A esse propósito, refere-se ao acórdão Seiler e o./Conselho, já referido (n.° 19), em que, em seu entender, o Tribunal de Justiça considerou que, quando a doença de um funcionário tem origem em vários factores tanto profissionais como não profissionais, a AIPN e, eventualmente, a comissão médica só podem concluir que existe uma doença profissional na condição de o exercício das funções ao serviço das Comunidades apresentar o «nexo mais estreito» com a doença do funcionário. Ora, esse critério não estava preenchido no presente caso.

    Apreciação do Tribunal

  75. A título liminar, cabe recordar que, no âmbito do regime de cobertura de riscos de doença profissional estabelecido pelo Estatuto, o direito ao benefício das prestações garantidas pelo artigo 73.°, n.° 2, do Estatuto só é concedido aos funcionários se estiver previamente estabelecido que a sua doença constitui uma «doença profissional» na acepção do artigo 3.° da regulamentação.

  76. Tendo em conta os argumentos invocados pelas partes, o Tribunal considera oportuno recordar, em primeiro lugar, o conteúdo da noção de «doença profissional» referido no artigo 3.° dessa regulamentação.

  77. O seu n.° 1 dispõe que as doenças que constam da «Lista europeia das doenças profissionais», citada no n.° 31 supra, constituem doenças profissionais «na medida em que o funcionário se tenha exposto, na sua actividade profissional junto das Comunidades Europeias, aos riscos de contracção dessas doenças». O n.° 2 prevê que se considere igualmente como doença profissional uma doença que não conste da lista referida «quando se puder apresentar prova suficiente de que essa doença tem a sua origem no exercício ou quando do exercício de funções ao serviço das Comunidades».

  78. Resulta desta disposição, bem como da lista de invalidez abrangida pela tabela das percentagens de invalidez, que a noção de doença profissional tem por objectivo abranger um leque muito vasto de situações médicas.

  79. Assim, se a doença do funcionário encontrar a sua causa única, essencial, preponderante ou predominante, no exercício das suas funções, constitui uma doença profissional na acepção do artigo 3.°, n.° 2, já referido (v., neste sentido, acórdãos Seiler e o./Conselho, já referido, n.° 19, e Benecos/Comissão, já referido, n.° 46).

  80. No entanto, essa disposição ficaria privada do seu efeito útil se o reconhecimento da origem profissional da doença de um funcionário devesse ser limitado a esta hipótese. Com efeito, existem situações, mais complexas, em que a doença de um funcionário encontra a sua origem em várias causas, profissionais e extraprofissionais, físicas ou psíquicas, tendo todas contribuído para que ela se manifestasse. Nesse caso, incumbe à comissão médica determinar se o exercício das funções ao serviço das Comunidades — independentemente da avaliação da importância deste factor relativamente aos factores extraprofissionais — tem uma relação directa com a doença do funcionário, por exemplo, na qualidade de elemento que desencadeia a doença (v., nesse sentido, acórdãos K./Conselho, já referido, n.° 20, Rienzi/Comissão, já referido, n.° 10, e Plug/Comissão, já referido, n.° 81).

  81. No caso em apreço, o Tribunal observa que, ao decidir conceder à recorrente uma reparação ao abrigo do artigo 73.°, n.° 2, alínea c), do Estatuto, a AIPN reconheceuque ela estava afectada por uma doença profissional na acepção do artigo 3.°, n.° 2, da regulamentação.

  82. Em consequência, há que examinar se o método utilizado pela AIPN para calcular o montante desta reparação é conforme com o artigo 73.°, n.° 2, do Estatuto, com o artigo 12.° da regulamentação e com a tabela das percentagens de invalidez.

  83. A este propósito, há que ter em conta a finalidade e a natureza dessas disposições.

  84. Por um lado, a cobertura prevista pelo artigo 73.° assenta num regime geral de seguro (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 1986, Leussink-Brummelhuis/Comissão, 169/83 e 136/84, Colect., p. 2801, n.° 11). Como adequadamente sublinhou o recorrido, o objectivo desse regime consiste, designadamente, em indemnizar os funcionários na medida em que a doença que causou a sua invalidez permanente resulte do exercício das suas funções ao serviço das Comunidades.

  85. Por outro lado, o artigo 73.°, n.° 2, do Estatuto, o artigo 12.° da regulamentação e a tabela das percentagens de invalidez, sob pena de ficarem privadas do seu efeito útil, devem permitir que, ao nível da indemnização dos funcionários, seja reflectido o leque das diferentes situações médicas abrangidas pelo artigo 3.°, n.° 2.

  86. Por outro lado, o Tribunal sublinha que essa apreciação é confirmada pela redacção do artigo 3.° da regulamentação e, especialmente, do seu n.° 1. Com efeito, resulta dessa disposição que a noção de «doença profissional» assenta na existência de um nexo entre, por um lado, o estado patológico do funcionário e, por outro, o exercício das suas funções ao serviço das Comunidades. Aliás, é unicamente «na medida em que» esse nexo existe que a doença pode ser considerada como uma doença profissional.

  87. Daí resulta que, quando a comissão médica verifica que várias causas, profissionais e extraprofissionais, contribuíram, todas, de maneira directa para a manifestação da doença de um funcionário, a AIPN tem o dever de tomar em consideração essa verificação médica no cálculo do montante da indemnização prevista pelo artigo 73.°, n.° 2, do Estatuto.

  88. Além disso, não se pode excluir que, com base nos diversos exames a que procedeu ou na sua experiência no domínio em questão, a comissão médica considere que é possível avaliar ou quantificar, de uma ou de outra forma, a importância do papel desempenhado pelo exercício das funções na manifestação da doença do funcionário. Quando essa avaliação decorre, clara e precisamente, das conclusões da comissão médica, a AIPN está habilitada a repercuti-la no cálculo da referida indemnização.

  89. Em consequência, foi adequadamente que, com base no artigo 73.° do Estatuto e na regulamentação, a AIPN decidiu atribuir à recorrente uma reparação equivalente a 6% da reparação prevista em caso de invalidez permanente total.

  90. Em consequência, o terceiro fundamento da recorrente é improcedente.

    Quanto ao quarto fundamento, de violação do princípio da igualdade

    Argumentos das partes

  91. O recorrido contesta a admissibilidade do presente fundamento por a recorrente não o ter invocado na sua reclamação de 5 de Julho de 1995.

  92. Em resposta a este argumento, a recorrente, citando, designadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 1974, Grassi/Conselho (188/73, Recueil, p. 1099), e de 1 de Julho de 1976, Sergy/Comissão (58/75, Recueil, p. 1139; Colect. 1976, p. 457), sustenta que o presente fundamento não modifica nem a causa nem o objecto da sua reclamação. Com efeito, destina-se a pôr em causa a validade da repartição, pela comissão médica, das três causas da sua doença. Ora, na sua reclamação, já criticou expressamente essa repartição. No presente recurso apenas organizou simplesmente essa crítica de maneira diferente, através da apresentação de um fundamento específico, embora estreitamente ligado ao terceiro fundamento.

  93. Quanto ao mérito, a recorrente sustenta que o método utilizado pela AIPN para calcular o montante da sua prestação é contrário ao princípio da igualdade. Invoca quatro argumentos em apoio da sua tese.

  94. Em primeiro lugar, esse método tem por efeito tornar o montante da reparação prevista pelo artigo 73.°, n.° 2, alínea c), do Estatuto inversamente proporcional à importância das causas extraprofissionais da doença dos funcionários. Com efeito, em caso de doença profissional, os funcionários que se tivessem tornado mais vulneráveis a certas condições de trabalho nas Comunidades pela sua personalidade e pelos acontecimentos da sua vida, receberiam, devido à exclusão das causas extraprofissionais da sua doença, uma prestação inferior à que poderiam receber os funcionários que não apresentassem o mesmo tipo de personalidade ou que não tivessem tido as mesmas experiências de vida. Essa diferença de tratamento é injustificada. Com efeito, o artigo 73.° do Estatuto e a regulamentação destinam-se a conceder a todos os funcionários uma cobertura idêntica contra os riscos de doença profissional, sem ter em conta a sua personalidade ou as suas experiências de vida.

  95. Em segundo lugar, o método criticado faz variar, sem justificação objectiva, o montante da reparação prevista pelo artigo 73.°, n.° 2, alínea c), do Estatuto, conforme se trate de uma doença profissional ou do agravamento «profissional» de uma doença pré-existente. De facto, no caso de um funcionário que, como a recorrente, fosse afectado por uma doença profissional após a sua entrada em funções nas Comunidades, o montante da reparação seria determinado apenas com base na parte da percentagem de invalidez permanente parcial que tenha origem no exercício de funções ao serviço das Comunidades. Em contrapartida, no caso de um funcionário que, antes da entrada em funções nas Comunidades, estivesse afectado por uma doença devido à sua personalidade patológica e às experiências da sua vida, cuja doença anterio se agrave no exercício das funções, o montante da indemnização será calculado com base na totalidade da percentagem da sua invalidez permanente parcial, incluindo a parte relativa às causas extraprofissionais dessa invalidez (personalidade patológica e experiências de vida).

  96. Em terceiro lugar, nem o Estatuto, nem a regulamentação, nem a AIPN, nem mesmo a comissão médica definem o método segundo o qual a comissão médica deve proceder à identificação e à repartição dos diversos factores que contribuem para a manifestação da doença profissional que pode afectar um funcionário. Ora, só uma determinação prévia desse método permite evitar que a comissão médica trate diferentemente situações idênticas ou similares.

  97. Em quarto lugar, a repartição, em percentagens exactas, das três causas da doença da recorrente tem um carácter particularmente teórico. Essa doença constitui o resultado de uma conjugação de factores intimamente relacionados, de modo que é impossível determinar se, na ausência de um desses factores, a doença da recorrente se teria desenvolvido.

    Apreciação do Tribunal

  98. O Tribunal recorda que, segundo jurisprudência constante, a regra da concordância entre a reclamação e o recurso exige, sob pena de inadmissibilidade, que um fundamento invocado perante o juiz comunitário já o tenha sido no âmbito do processo pré-contencioso, para que a AIPN tenha tido a possibilidade de conhecer, de modo suficientemente preciso, as críticas que o interessado formula à decisão impugnada. Resulta igualmente da jurisprudência que, embora as conclusões apresentadas perante o juiz comunitário só possam conter «pontos de contestação» assentes na mesma causa que os invocados na reclamação, estes pontos de contestação podem no entanto, perante o juiz comunitário, ser desenvolvidos pela apresentação de fundamentos e argumentos que não constam necessariamente da reclamação, mas que a esta se encontram estreitamente ligados (v., designadamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Março de 1989, Del Amo Martinez/Parlamento, 133/88, Colect., p. 689, n.os 9 e 10; e os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Março de 1990, Alexandrakis/Comissão, T-57/89, Colect., p. II-143, n.os 8 e 9, e Allo/Comissão, já referido, n.° 26).

  99. Cabe igualmente recordar que, dado que o processo pré-contencioso tem natureza informal e que, em geral, os interessados agem nessa fase sem a colaboração de um advogado, a administração não deve interpretar as reclamações de forma restritiva, devendo, pelo contrário, examiná-las com espírito de abertura (acórdão Del Amo Martinez/Parlamento, já referido, n.° ).

  100. No caso em apreço, o Tribunal observa que a reclamação da recorrente de 5 de Julho de 1995 não só não se refere ao fundamento de violação do princípio da igualdade mas também não contém qualquer elemento do qual o recorrido pudesse deduzir, mesmo esforçando-se por interpretar a reclamação com espírito de abertura, que a recorrente pretendia invocar esse princípio.

  101. Nessas condições, o quarto fundamento da recorrente deve ser declarado inadmissível.

  102. Decorre do conjunto das considerações anteriores que deve ser julgado improcedente o pedido da recorrente de anulação da decisão da recorrida de 11 de Abril de 1995, que toma por base uma percentagem de invalidez de 6% para o cálculo da prestação referida pelo artigo 73.° do Estatuto.

    Quanto ao pedido de condenação da recorrida no pagamento de um montante de 1 973 541 BFR

  103. Na sua réplica, a recorrente pede igualmente a condenação do recorrido no pagamento de um montante de 1 973 541 BFR (v. n.° 19 supra). Esse pedido tem por objecto a reparação do prejuízo que lhe foi pretensamente causado por vários erros e omissões do recorrido no tratamento do seu processo.

  104. A esse propósito, o Tribunal recorda que, de acordo com o artigo 44.° do Regulamento de Processo, as partes têm a obrigação de definir o objecto do litígio na petição. Embora as disposições do artigo 48.°, n.° 2, do mesmo regulamento permitam, em certas circunstâncias, a dedução de novos fundamentos no decurso da instância, essas disposições não podem, em caso algum, ser interpretadas como autorizando um recorrente a apresentar ao juiz comunitário pedidos novos e a modificar, assim, o objecto do litígio (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 1979, Comissão/França, 232/78, Recueil, p. 2729, n.° 3, e de 18 de Outubro de 1979, Gema/Comissão, 125/78, Recueil, p. 3173, n.° 26, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Asia Motor France e o./Comissão, T-28/90, Colect., p. II-2285, n.° 43, e de 5 de Junho de 1996, Kahn Scheepvaart/Comissão, T-398/94, Colect., p. II-477, n.° 20).

  105. Ora, no caso em apreço, no decurso da instância, a recorrente acrescentou ao seu pedido de anulação um pedido de indemnização, de tal forma que a natureza do litígio original foi modificada (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Março de 1996, Chehab/Comissão, T-10/95, T-10/95, ColectFP, p. II-419, n.° 66).

  106. Além disso, cabe observar que o pedido referido não apresenta um nexo estreito com o pedido de anulação. Visto que se trata de um litígio no âmbito da função pública comunitária, a sua admissibilidade está, pois, subordinada à regular tramitação do processo administrativo prévio previsto nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto. Esse processo deveria ter começado imperativamente por um pedido da recorrente à AIPN, convidando-a a reparar o prejuízo sofrido e prosseguido, se fosse caso disso, por uma reclamação contra a decisão de indeferimento do pedido (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1991, Marcato/Comissão, T-5/90, Colect., p. II-731, n.os 49 e 50, de 16 de Julho de 1992, Della Pietra/Comissão, T-1/91, Colect., p. II-2145, n.° 34, de 8 de Junho de 1993, Fiorani/Parlamento, T-50/92, Colect., p. II-555, n.os 45 e 46, Weir/Comissão, já referido, n.° 48, e Chehab/Comissão, já referido, n.° 67).

  107. Ora, o referido processo pré-contencioso não teve lugar no caso em apreço.

  108. Em consequência, o pedido da recorrente destinado a obter a condenação da recorrida no pagamento de um montante de 1 973 541 BFR é inadmissível.

  109. Finalmente, não é necessário apreciar o pedido da recorrente de que seja retirado dos debates o texto do relatório médico elaborado pelo doutor De Meersman, de 4 de Dezembro de 1990 (v. n.° 24 supra), dado que o presente acórdão não tem como fundamento essa peça processual.

  110. Resulta das considerações que antecedem que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

    Quanto às despesas

  111. Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a partevencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. No entanto, por força do disposto no artigo 88.° do mesmo regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas. Em consequência, cada uma das partes suportará as suas despesas.

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

    decide:

    1. É negado provimento ao recurso.

    2. Cada parte suportará as suas despesas.


    LenaertsLindh
    Cooke

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Julho de 1997.

    O secretário

    O presidente

    H. Jung

    K. Lenaerts


1: Língua do processo: francês.


2: —