Language of document : ECLI:EU:C:2022:548

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

12 de julho de 2022 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Energia — Mercado interno do gás natural — Diretiva 2009/73/CE — Diretiva (UE) 2019/692 — Extensão da aplicabilidade da Diretiva 2009/73 às condutas de gás entre Estados‑Membros e países terceiros — Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE — Recurso de anulação — Requisito segundo o qual a medida que é objeto do recurso deve dizer diretamente respeito à recorrente — Inexistência de poder de apreciação quanto às obrigações impostas à recorrente — Requisito segundo o qual a medida que é objeto do recurso deve dizer individualmente respeito à recorrente — Adaptação das derrogações que excluem a recorrente do benefício destas enquanto único operador — Pedido de desentranhamento de documentos dos autos — Regras em matéria de apresentação das provas perante o juiz da União Europeia — Documentos internos das instituições da União»

No processo C‑348/20 P,

que tem por objeto um recurso de um despacho do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 28 de julho de 2020,

Nord Stream 2 AG, com sede em Zug (Suíça), representada, para efeitos das fases escrita e oral, por L. Van den Hende, advocaat, L. Malý, solicitor‑advocate, J. Penz‑Evren, Rechtsanwältin, e por M. Schonberg, solicitor‑advocate,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Parlamento Europeu, representado por I. McDowell, L. Visaggio, J. Etienne e O. Denkov, na qualidade de agentes,

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por A. Lo Monaco, K. Pavlaki e S. Boelaert e, em seguida, por A. Lo Monaco e K. Pavlaki, na qualidade de agentes,

recorridos em primeira instância,

apoiados por:

República da Estónia, representada por N. Grünberg, na qualidade de agente,

República da Letónia, representada inicialmente por K. Pommere e V. Soņeca e, em seguida, por K. Pommere, na qualidade de agentes,

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

intervenientes no presente recurso,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal (relatora), K. Jürimäe, C. Lycourgos, S. Rodin, I. Jarukaitis e N. Jääskinen, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, F. Biltgen, P. G. Xuereb, N. Piçarra, L. S. Rossi e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Nord Stream 2 AG pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia, de 20 de maio de 2020, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (T‑526/19, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2020:210), na medida em que este, por um lado, julgou inadmissível o recurso de anulação da Diretiva (UE) 2019/692 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, que altera a Diretiva 2009/73/CE, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural (JO 2019, L 117, p. 1, a seguir «diretiva controvertida»), e, por outro, ordenou designadamente o desentranhamento dos autos de determinados documentos apresentados pela recorrente.

 Quadro jurídico

 Diretiva controvertida e Diretiva 2009/73

2        A diretiva controvertida alterou a Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94). Os considerandos 1 a 4 e 9 da diretiva controvertida têm a seguinte redação:

«(1)      O mercado interno do gás natural, que tem vindo a ser progressivamente implementado em toda a União [Europeia] desde 1999, visa proporcionar uma possibilidade real de escolha a todos os clientes finais da União, sejam eles cidadãos ou empresas, criar novas oportunidades de negócio, condições equitativas de concorrência, promover preços competitivos, enviar sinais de investimento eficientes e promover um padrão de serviços mais elevado, bem como contribuir para a segurança do abastecimento e a sustentabilidade.

(2)      As Diretivas 2003/55/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Diretiva 98/30/CE (JO 2003, L 176, p. 57),] e [2009/73] contribuíram de forma significativa para a criação do mercado interno do gás natural.

(3)      A presente diretiva procura eliminar os obstáculos à plena realização do mercado interno do gás natural que decorrem da não aplicação das regras de mercado da União aos gasodutos com início e término em países terceiros. As alterações introduzidas pela presente diretiva têm por objetivo assegurar que as regras aplicáveis aos gasodutos que ligam dois ou mais Estados‑Membros sejam também aplicáveis, na União, aos gasodutos com início e término em países terceiros. […]

(4)      Para ter em conta a falta de regras específicas da União aplicáveis aos gasodutos com início e término em países terceiros antes da data de entrada em vigor da presente diretiva, os Estados‑Membros deverão poder conceder derrogações de determinadas disposições da Diretiva [2009/73] relativamente aos gasodutos que estejam concluídos antes da data de entrada em vigor da presente diretiva. […]

[…]

(9)      A aplicabilidade da Diretiva [2009/73] aos gasodutos com início e término em países terceiros fica limitada ao território dos Estados‑Membros. No que se refere aos gasodutos ao largo, a Diretiva [2009/73] deverá ser aplicável no mar territorial do Estado‑Membro em que estiver localizado o primeiro ponto de interligação com a rede dos Estados‑Membros.

[…]»

3        Em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 1, a Diretiva 2009/73, conforme alterada pela diretiva controvertida (a seguir «Diretiva 2009/73»), estabelece regras comuns para o transporte, distribuição, comercialização e armazenamento de gás natural e define as normas relativas à organização e ao funcionamento do setor do gás natural e ao acesso ao mercado, bem como os critérios e mecanismos aplicáveis à concessão de autorizações de transporte, distribuição, comercialização e armazenamento de gás natural e à exploração das redes.

4        Nos termos do considerando 13 da Diretiva 2009/73, «[a] instituição de um operador de rede ou de um operador de transporte que é independente de interesses de comercialização e produção pode permitir às empresas verticalmente integradas manterem a propriedade de ativos de rede, assegurando uma separação efetiva de interesses, sob condição de o operador de rede independente ou o operador de transporte independente desempenhar todas as funções de um operador de rede e de serem instituídos mecanismos de regulamentação circunstanciada e de supervisão regulamentar abrangente».

5        Desde a entrada em vigor da diretiva controvertida, o artigo 2.o, ponto 17, da Diretiva 2009/73 prevê que o conceito de «interligação» abrange não apenas «uma conduta de transporte que atravessa ou transpõe uma fronteira entre Estados‑Membros com a finalidade de ligar as redes de transporte nacionais desses Estados‑Membros», mas igualmente, doravante, «uma conduta de transporte entre um Estado‑Membro e um país terceiro até ao território dos Estados‑Membros ou ao mar territorial desse Estado‑Membro.»

6        O artigo 9.o da Diretiva 2009/73, epigrafado «Separação entre as redes de transporte e os operadores das redes de transporte», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que, a partir de 3 de março de 2012:

a)      Cada empresa proprietária de uma rede de transporte atue como operador da rede de transporte;

b)      A mesma pessoa ou as mesmas pessoas não sejam autorizadas:

i)      a, direta ou indiretamente, exercer controlo sobre uma empresa que exerça qualquer das atividades de produção ou comercialização nem a, direta ou indiretamente, exercer controlo ou exercer direitos sobre um operador de rede de transporte ou uma rede de transporte, ou

ii)      a, direta ou indiretamente, exercer controlo sobre um operador de rede de transporte ou uma rede de transporte nem a, direta ou indiretamente, exercer controlo ou exercer direitos sobre uma empresa que exerça qualquer das atividades de produção ou comercialização;

c)      A mesma pessoa ou as mesmas pessoas não sejam autorizadas a designar membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização ou dos órgãos que representam legalmente a empresa, de um operador de rede de transporte ou de uma rede de transporte, nem a, direta ou indiretamente, exercer controlo ou exercer direitos sobre uma empresa que exerça qualquer das atividades de produção ou comercialização; e

d)      A mesma pessoa não seja autorizada a ser membro do órgão de administração ou do órgão de fiscalização ou dos órgãos que representam legalmente a empresa, simultaneamente de uma empresa que exerça uma das atividades de produção ou comercialização e de um operador de rede de transporte ou de uma rede de transporte.

[…]

8.      Se, em 3 de setembro de 2009, a rede de transporte pertencia a uma empresa verticalmente integrada, um Estado‑Membro pode decidir não aplicar o disposto no n.o 1. No que se refere às secções das redes de transporte que liguem um Estado‑Membro a um país terceiro e se situem entre a fronteira desse Estado‑Membro e o primeiro ponto de ligação com a rede desse Estado‑Membro, se, em 23 de maio de 2019, a rede de transporte pertencer a uma empresa verticalmente integrada, um Estado‑Membro pode decidir não aplicar o disposto no n.o 1.

Nesse caso, o Estado‑Membro em causa deve:

a)      Designar um operador de rede independente nos termos do artigo 14.o, ou

b)      Cumprir o disposto no capítulo IV.

9.      Se, em 3 de setembro de 2009, a rede de transporte pertencia a uma empresa verticalmente integrada e existirem disposições que garantam uma maior independência efetiva do operador da rede de transporte do que as disposições do capítulo IV, um Estado‑Membro pode decidir não aplicar o disposto no n.o 1 do presente artigo.

No que se refere às secções das redes de transporte que liguem um Estado‑Membro a um país terceiro e se situem entre a fronteira desse Estado‑Membro e o primeiro ponto de ligação com a rede desse Estado‑Membro, se, em 23 de maio de 2019, a rede de transporte pertencer a uma empresa verticalmente integrada e existirem disposições que garantam uma maior independência efetiva do operador da rede de transporte do que as disposições do capítulo IV, esse Estado‑Membro pode decidir não aplicar o disposto no n.o 1 do presente artigo.»

7        O artigo 32.o da referida diretiva, epigrafado «Acesso de terceiros», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem garantir a aplicação de um sistema de acesso de terceiros às redes de transporte e distribuição e às instalações de [gás natural liquefeito (GNL)] baseado em tarifas publicadas, aplicáveis a todos os clientes elegíveis, incluindo as empresas de comercialização, e aplicadas objetivamente e sem discriminação aos utilizadores da rede. Os Estados‑Membros devem assegurar que essas tarifas, ou as metodologias em que se baseia o respetivo cálculo, sejam aprovadas em conformidade com o artigo 41.o pela entidade reguladora a que se refere o n.o 1 do artigo 39.o antes de entrarem em vigor, e que essas tarifas — e as metodologias, no caso de apenas serem aprovadas metodologias — sejam publicadas antes de entrarem em vigor.»

8        O artigo 36.o da mesma diretiva, epigrafado «Novas infraestruturas», prevê, no seu n.o 1, que as novas infraestruturas importantes do setor do gás, ou seja, as interligações, instalações de GNL e instalações de armazenamento, podem, apresentando pedido nesse sentido, beneficiar de derrogações, por um período definido, ao disposto, designadamente, nos seus artigos 9.o e 32.o, nas condições aí enunciadas, entre as quais, designadamente, a que figura na alínea b), segundo a qual o nível de risco associado ao investimento deve ser tal que não haveria investimento se não fosse concedida a derrogação. Além disso, desde a entrada em vigor da diretiva controvertida, o artigo 36.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2009/73 prevê que a derrogação concedida ao abrigo desta disposição às novas infraestruturas não prejudica, designadamente, a «segurança do abastecimento de gás natural na União.»

9        O artigo 41.o, n.os 6, 8 e 10, da Diretiva 2009/73, epigrafado «Obrigações e competências das entidades reguladoras», dispõe:

«6.      As entidades reguladoras são responsáveis por fixar ou aprovar, com um prazo suficiente, antes da sua entrada em vigor, pelo menos as metodologias a utilizar para calcular ou estabelecer os termos e condições de:

a)      Ligação e acesso às redes nacionais, incluindo as tarifas de transporte e distribuição e as condições e tarifas de acesso às instalações de GNL. Essas tarifas ou métodos devem permitir que sejam realizados os investimentos necessários nas redes e instalações de GNL de molde a garantir a viabilidade das redes e instalações de GNL;

[…]

c)      Acesso a infraestruturas transfronteiriças, incluindo os procedimentos de atribuição de capacidade e gestão dos congestionamentos.

[…]

8.      Aquando da fixação ou aprovação das tarifas ou metodologias e dos serviços de compensação, as entidades reguladoras devem assegurar que os operadores das redes de transporte e distribuição recebam o incentivo adequado, quer a curto quer a longo prazo, para aumentar a sua eficiência, promover a integração do mercado e a segurança do abastecimento e apoiar as atividades de investigação conexas.

[…]

10.      As entidades reguladoras devem dispor de competências para obrigar, se necessário, os operadores das redes de transporte, armazenamento, GNL e distribuição a alterarem os termos e condições, incluindo as tarifas e metodologias a que se refere o presente artigo, a fim de garantir que sejam proporcionadas e aplicadas de forma não discriminatória. […]»

10      O artigo 49.o‑A desta diretiva, epigrafado «Derrogações às disposições relativas às condutas de transporte com início e término em países terceiros», foi inserido pela diretiva controvertida e enuncia:

«1.      No que se refere aos gasodutos entre um Estado‑Membro e um país terceiro concluídos antes de 23 de maio de 2019, o Estado‑Membro em que estiver localizado o primeiro ponto de ligação de uma conduta de transporte desse tipo com a rede de um Estado‑Membro pode decidir derrogar ao disposto nos artigos 9.o, 10.o, 11.o e 32.o e no artigo 41.o, n.os 6, 8 e 10, no que diz respeito às secções desses gasodutos situadas no seu território ou mar territorial, por razões objetivas, como possibilitar a recuperação do investimento feito, ou por razões de segurança do abastecimento, desde que a derrogação não prejudique a concorrência, o bom funcionamento do mercado interno do gás natural nem a segurança do abastecimento energético na União.

A derrogação é limitada a um período máximo de 20 anos objetivamente fundamentado, renovável se tal se justificar e pode ser sujeita a condições que contribuam para o cumprimento das referidas condições.

[…]

3.      As decisões nos termos dos n.os 1 e 2 devem ser adotadas até 24 de maio de 2020. Os Estados‑Membros notificam a Comissão de qualquer decisão e publicam‑na.»

11      Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, da diretiva controvertida, os Estados‑Membros deviam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à diretiva até 24 de fevereiro de 2020, sem prejuízo das eventuais derrogações ao abrigo do artigo 49.o‑A da Diretiva 2009/73.

 Regulamento (CE) n.o 1049/2001

12      Nos termos do artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43):

«1.      As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção:

a)      Do interesse público, no que respeita:

[…]

–        às relações internacionais,

[…]

2.      As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[…]

–        processos judiciais e consultas jurídicas,

[…]

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.»

 Antecedentes do litígio

13      Os antecedentes do litígio, que figuram nos n.os 1 a 11 do despacho recorrido, podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos do seguinte modo.

14      A recorrente, Nord Stream 2, é uma sociedade de direito suíço cujo único acionista é a sociedade pública russa por ações Gazprom. Está encarregada da planificação, construção e exploração do gasoduto marítimo Nord Stream 2, cujo financiamento, no valor de 9 500 milhões de euros, é assegurado em 50 % pela ENGIE SA, OMV AG, Royal Dutch Shell plc, Uniper SE e Wintershall Dea GmbH.

15      No mês de janeiro de 2017, iniciaram‑se os trabalhos de cobertura em betão da tubagem destinada a esse gasoduto marítimo, cuja entrega final se verificou em setembro de 2018.

16      O referido gasoduto marítimo, composto por duas condutas de transporte de gás, garantirá o encaminhamento do gás entre Vyborg (Rússia) e Lubmin (Alemanha). Uma vez em território alemão, o gás encaminhado pelo mesmo gasoduto marítimo será transportado pelo gasoduto terrestre ENEL e pelo gasoduto terrestre EUGAL.

17      Mediante proposta da Comissão, de 8 de novembro de 2017 [Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/73 que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural, COM(2017) 660 final], o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adotaram, em 17 de abril de 2019, a diretiva controvertida, que entrou em vigor no vigésimo dia seguinte à sua publicação, ou seja, em 23 de maio de 2019. Nessa data, segundo as indicações da recorrente, estavam concluídos 95 % dos trabalhos relativos à cobertura em betão do gasoduto Nord Stream 2, ao passo que, respetivamente, 610 km e 432 km das duas condutas desse gasoduto tinham sido instaladas no fundo do mar territorial e/ou da zona económica exclusiva da Rússia, da Finlândia, da Suécia e da Alemanha.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral

18      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de julho de 2019, a recorrente interpôs recurso de anulação integral da diretiva controvertida invocando, para esse efeito, seis fundamentos.

19      Por requerimentos separados apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de outubro e 14 de outubro de 2019, respetivamente, o Parlamento e o Conselho suscitaram uma exceção de inadmissibilidade desse recurso de anulação da diretiva controvertida.

20      Além disso, por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de outubro de 2019, o Conselho pediu ao Tribunal Geral que ordenasse que certos documentos não fossem incluídos nos autos ou, tratando‑se dos apresentados pela recorrente, que fossem desentranhados destes últimos. No âmbito deste pedido incidental, o Conselho indicou ter recebido vários pedidos, ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001, que tinham por objeto documentos relativos às negociações com vista à celebração de um acordo entre a União e a Federação da Rússia, bem como sobre o processo legislativo de adoção da diretiva controvertida, que, à data da apresentação do referido pedido incidental, não tinha dado acesso a nenhum desses documentos e que, à data da interposição do recurso pela recorrente, nenhum recurso relativo ao indeferimento desses pedidos de acesso a documentos tinha sido interposto no Tribunal Geral.

21      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de novembro de 2019, a recorrente pediu ao Tribunal Geral que adotasse uma medida de organização do processo que consistisse em ordenar a apresentação de determinados documentos na posse do Conselho.

22      Em 17 de janeiro de 2020, o Parlamento e o Conselho apresentaram as suas observações sobre esse pedido de medida de organização do processo, tendo o Conselho, além disso, pedido, nessa ocasião, que determinados documentos, anexados pela recorrente ao seu pedido referido no número anterior, fossem desentranhados dos autos.

 Despacho recorrido

 Pedidos de desentranhamento de documentos e de medida de organização do processo

23      Através do despacho recorrido, o Tribunal Geral, no que respeita, por um lado, ao pedido incidental de desentranhamento de documentos apresentado pelo Conselho em 11 de outubro de 2019, ordenou que os documentos apresentados pela recorrente como anexos A14 (recomendação adotada pela Comissão em 9 de junho de 2017, à atenção do Conselho, com vista à adoção de uma decisão que autoriza a abertura de negociações relativas a um acordo internacional entre a União e a Federação da Rússia sobre a exploração do gasoduto Nord Stream 2, a seguir «Recomendação da Comissão») e O 20 (Parecer do Serviço Jurídico do Conselho, de 27 de setembro de 2017, relativo a esta recomendação que tem por destinatários os representantes permanentes dos Estados‑Membros da União junto dessa instituição, a seguir «Parecer do Serviço Jurídico do Conselho») fossem desentranhados dos autos e que não fossem tidas em conta as passagens da petição e dos anexos desta última nos quais são reproduzidos excertos desses documentos. No que respeita, por outro lado, ao pedido de desentranhamento de documentos formulado pelo Conselho em 17 de janeiro de 2020 nas suas observações sobre o pedido de medida de organização do processo apresentado pela recorrente, o Tribunal Geral ordenou que os dois documentos apresentados pela recorrente nos anexos M 26 e M 30 (documentos que contêm as observações da República Federal da Alemanha no âmbito do processo legislativo que conduziu à adoção da diretiva controvertida, a seguir «observações da República Federal da Alemanha») fossem desentranhados dos autos.

24      A este respeito, o Tribunal Geral começou por considerar, em substância, nos n.os 38 a 45 do despacho recorrido, baseando‑se designadamente no Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438), e no Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia (C‑457/18, EU:C:2020:65), que, embora as disposições do Regulamento n.o 1049/2001 não fossem aplicáveis no processo nele pendente, essas disposições revestiam, no entanto, um certo valor indicativo para efeitos da ponderação dos interesses exigida para decidir sobre o pedido incidental de desentranhamento dos documentos mencionados no n.o 23 do presente acórdão.

25      Em seguida, nos n.os 47 a 56 do despacho recorrido, o Tribunal Geral examinou o Parecer do Serviço Jurídico do Conselho e considerou que foi acertadamente que esta instituição invocou, a respeito desse parecer, a proteção dos pareceres jurídicos, prevista no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

26      Além disso, nos n.os 57 a 64 do despacho recorrido, o Tribunal Geral examinou a Recomendação da Comissão e chegou à conclusão de que foi acertadamente que o Conselho considerou que a divulgação dessa recomendação poria concreta e efetivamente em causa a proteção do interesse público no que respeita às relações internacionais, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001, o que justificava, em si, que a referida recomendação fosse desentranhada dos autos.

27      Por último, nos n.os 125 a 135 do despacho recorrido, o Tribunal Geral examinou as observações da República Federal da Alemanha. Considerando, por um lado, que a recorrente não tinha demonstrado que as versões não expurgadas dos dois documentos que continham essas observações tinham sido obtidas licitamente, e, por outro, que a divulgação desses dois documentos poderia pôr concreta e efetivamente em causa a proteção do interesse público no que respeita às relações internacionais da União, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001, designadamente ao enfraquecer a posição da União no âmbito do processo de arbitragem contra ela desencadeado pela recorrente, o Tribunal Geral decidiu que o pedido do Conselho de desentranhamento desses documentos dos autos devia ser deferido, precisando ao mesmo tempo que, de qualquer modo, os dois documentos referidos não são suscetíveis de demonstrar que a diretiva controvertida dizia diretamente respeito à recorrente, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, segunda parte, TFUE, pelo que não lhe cabia exigir ao Conselho que os apresentasse.

 Admissibilidade do recurso

28      Pronunciando‑se sobre as exceções de inadmissibilidade suscitadas pelo Parlamento e pelo Conselho, o Tribunal Geral começou por recordar, por um lado, no n.o 78 do despacho recorrido, que a simples circunstância de o recurso ter sido interposto contra uma diretiva não bastava para declarar esse recurso inadmissível e, por outro, nos n.os 79 a 85 desse despacho, que a diretiva controvertida constituía um ato legislativo que tinha por destinatários os Estados‑Membros e que se aplicava à generalidade dos operadores económicos interessados, pelo que a admissibilidade do referido recurso estava sujeita, por força do artigo 263.o, quarto parágrafo, segunda parte, TFUE, ao requisito de essa diretiva dizer direta e individualmente respeito à recorrente.

29      No termo dos desenvolvimentos que figuram nos n.os 102 a 124 do despacho recorrido, o Tribunal Geral julgou o mesmo recurso inadmissível com o fundamento de que a diretiva controvertida não dizia diretamente respeito à recorrente.

30      A este respeito, o Tribunal Geral começou por considerar, em substância, nos n.os 106 e 107 do despacho recorrido, que uma diretiva não podia, por si só, criar obrigações a cargo de um particular e não podia, por conseguinte, ser invocada, enquanto tal, pelas autoridades nacionais contra este na falta de adoção prévia de medidas de transposição. As disposições da diretiva controvertida não podem, assim, antes da adoção de medidas de transposição, ser uma fonte direta ou imediata de obrigações para a recorrente e ser suscetíveis, a esse título, de afetar diretamente a situação jurídica desta última.

31      Nos n.os 108 e 109 do despacho recorrido, o Tribunal Geral salientou, referindo‑se ao Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), que o facto de as atividades da recorrente passarem a reger‑se parcialmente pela Diretiva 2009/73 é, de qualquer modo, apenas a consequência da sua escolha de desenvolver e manter a sua atividade no território da União. Acolher a argumentação invocada pela recorrente equivaleria a considerar que, sempre que o legislador da União sujeita, num domínio determinado, operadores a obrigações a que estes não estavam anteriormente sujeitos, a legislação da União afetaria necessária e diretamente esses operadores, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, segunda parte, TFUE.

32      Nos n.os 110 e 111 do despacho recorrido, o Tribunal Geral declarou que, no caso em apreço, é apenas em consequência e por intermédio das medidas nacionais de transposição da diretiva controvertida que os operadores, como a recorrente, ficarão sujeitos às obrigações da Diretiva 2009/73 e que, à data da interposição do recurso da recorrente no Tribunal Geral, essas medidas de transposição ainda não tinham sido adotadas pela República Federal da Alemanha.

33      Em seguida, nesse n.o 111 e nos n.os 112 a 115 do despacho recorrido, o Tribunal Geral expôs, em substância, que, de qualquer modo, os Estados‑Membros dispunham de um amplo poder de apreciação na aplicação das disposições da Diretiva 2009/73. A este respeito, salientou que, por um lado, desde a entrada em vigor da diretiva controvertida, os Estados‑Membros têm a possibilidade, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 8, alínea a), e n.o 9, desta diretiva, de decidir não aplicar às interligações a obrigação de separação das redes de transporte e dos operadores de redes de transporte prevista no artigo 9.o, n.o 1, da referida diretiva. Por outro lado, ao abrigo das alterações introduzidas pela diretiva controvertida, em especial as relativas ao artigo 36.o ao artigo 49.o‑A da Diretiva 2009/73, as autoridades nacionais podem agora decidir conceder às novas infraestruturas importantes do setor do gás e aos gasodutos entre os Estados‑Membros e países terceiros concluídos antes de 23 de maio de 2019, derrogações relativas a alguns artigos da Diretiva 2009/73.

34      Por último, no n.o 117 do despacho recorrido, o Tribunal Geral considerou que a recorrente não pode, para fundamentar a sua argumentação destinada a demonstrar que a diretiva controvertida lhe diz diretamente respeito, invocar a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159). Com efeito, a situação jurídica e factual do processo que deu origem a esse acórdão não é de modo nenhum comparável à do presente processo, uma vez que este tem unicamente por objeto uma diretiva, que, além do mais, não é «atípica», tendo em conta o artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE.

 Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

35      Com o seu recurso, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade, declarar o recurso admissível e remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie quanto ao mérito;

–        a título subsidiário, declarar que a diretiva controvertida lhe diz diretamente respeito e remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre a questão de saber se essa diretiva lhe diz individualmente respeito ou para que este junte o exame desta questão ao mérito; e

–        condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

36      O Parlamento e o Conselho pedem ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso e

–        condenar a recorrente nas despesas.

37      Pelas Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 22 de outubro, 12 e 19 de novembro de 2020, respetivamente, foi admitida a intervenção da República da Estónia, da República da Letónia e da República da Polónia em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho.

38      Em 16 de julho de 2021, dando cumprimento a uma medida de organização do processo adotada pelo juiz‑relator e pelo advogado‑geral em aplicação do artigo 62.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a recorrente apresentou ao Tribunal de Justiça os documentos que tinha anteriormente apresentado ao Tribunal Geral como anexos A 14, O 20, M 26 e M 30.

39      Por carta datada de 17 de março de 2022, os representantes da recorrente informaram o Tribunal de Justiça de que, desde 1 de março de 2022, já não a representavam, indicando que um desses representantes pode continuar a ser o ponto de contacto entre o Tribunal de Justiça e a recorrente até esta última designar um novo representante.

 Quanto ao presente recurso

40      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro fundamento, dividido em duas partes, é relativo a erros de direito na apreciação do Tribunal Geral segundo a qual a diretiva controvertida não lhe dizia diretamente respeito, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

41      O segundo fundamento é relativo a vários erros de direito que viciam o exame, pelo Tribunal Geral, dos pedidos de desentranhamento de documentos formulados pelo Conselho.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Observações preliminares

42      Para efeitos da apreciação do presente recurso, há que salientar que a admissibilidade do recurso interposto pela recorrente com vista à anulação da diretiva controvertida deve ser apreciada à luz dos requisitos previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, segunda parte, TFUE, por força dos quais esse recurso só é admissível quando o ato impugnado disser direta e individualmente respeito ao recorrente. Uma vez que, segundo o Tribunal Geral, a diretiva controvertida não dizia diretamente à recorrente e que estes requisitos são cumulativos, este último julgou o recurso inadmissível, sem se pronunciar sobre a questão de saber se essa diretiva dizia individualmente respeito à recorrente.

43      Segundo jurisprudência constante, recordada pelo Tribunal Geral no n.o 102 do despacho recorrido, o requisito segundo o qual a medida que é objeto do seu recurso deve dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva exige que dois requisitos estejam cumulativamente preenchidos, a saber, que essa medida, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica dessa pessoa e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários encarregados da sua execução, tendo tal decisão um caráter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Conselho/Growth Energy e Renewable Fuels Association, C‑465/16 P, EU:C:2019:155, n.o 69 e jurisprudência referida).

44      O mesmo acontece, como o Tribunal Geral indicou igualmente no n.o 103 do despacho recorrido, quando a possibilidade de os destinatários não darem seguimento ao ato da União é puramente teórica, uma vez que a vontade destes de retirar consequências conformes com esse ato não suscita quaisquer dúvidas (Acórdãos de 23 de novembro de 1971, Bock/Comissão, 62/70, EU:C:1971:108, n.os 6 a 8, e de 4 de dezembro de 2019, PGNiG Supply & Trading/Comissão, C‑117/18 P, não publicado, EU:C:2019:1042, n.o 30 e jurisprudência referida).

45      Através das duas partes do primeiro fundamento, a recorrente contesta a aplicação que o Tribunal Geral fez, respetivamente, do primeiro e do segundo requisito referidos no n.o 43 do presente acórdão.

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

–       Argumentação das partes

46      Com a primeira parte do primeiro fundamento, que visa os n.os 106 a 111 do despacho recorrido, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que a diretiva controvertida não produzia diretamente efeitos na sua situação jurídica pelo facto de se tratar de uma diretiva.

47      A este respeito, em primeiro lugar, a recorrente alega que o fundamento do Tribunal Geral no despacho recorrido, segundo o qual uma diretiva não pode, por si só, antes da adoção de medidas de transposição pelo Estado‑Membro em causa ou do termo do prazo previsto para esse efeito, afetar diretamente a situação jurídica de um operador, é errado no seu próprio princípio. Com efeito, tal equivaleria a impedir qualquer recurso com fundamento no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE contra uma diretiva, uma vez que, na prática, o prazo de interposição do recurso expiraria sistematicamente antes da adoção das medidas de transposição necessárias. Baseando‑se neste fundamento, o Tribunal Geral não respeitou a jurisprudência, apesar de citada no n.o 78 do despacho recorrido, por força da qual o facto de um ato ter sido adotado sob a forma de uma diretiva não é, por si só, suficiente para excluir a possibilidade de as suas disposições poderem dizer direta e individualmente respeito a um particular.

48      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a circunstância, salientada pelo Tribunal Geral no n.o 111 do despacho recorrido, de, à data da interposição do seu recurso, a diretiva controvertida ainda não ter sido transposta pela República Federal da Alemanha é irrelevante. Com efeito, segundo a recorrente, o facto de a situação jurídica de uma pessoa ser diretamente afetada por uma diretiva depende do conteúdo dessa diretiva e não da eventual adoção de medidas de transposição desta última. A este respeito, acrescenta que o requisito de admissibilidade segundo o qual o ato recorrido deve dizer diretamente respeito ao recorrente, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, é idêntico quer se trate da segunda ou da terceira parte desta disposição, o que implica necessariamente que o requisito que exige que o ato impugnado «não [necessite] de medidas de execução», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, terceira parte, seja um requisito suplementar, distinto deste requisito de admissibilidade.

49      Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que, à data da interposição do seu recurso de anulação, o efeito da diretiva controvertida era sujeitá‑la às regras da Diretiva 2009/73, quando a elas escapava antes da sua adoção. Tal alteração do estatuto jurídico tem efeitos jurídicos profundos e graves para a recorrente. Quando os Estados‑Membros em causa não dispõem de nenhuma margem de apreciação na execução de uma medida da União, como sucede no caso em apreço, o prazo de transposição dessa medida assemelha‑se a um simples adiamento no tempo da sua plena aplicabilidade.

50      Por último, em quarto lugar, a recorrente considera que nenhum elemento permitia ao Tribunal Geral sugerir, como parece ter considerado no n.o 109 do despacho recorrido, que reconhecer que era diretamente afetada pela diretiva controvertida equivaleria a habilitar qualquer operador a impugnar cada medida legislativa que lhe impõe novas obrigações, uma vez que a principal restrição que se opõe à «abertura total de portas» no que respeita às medidas legislativas é o requisito de admissibilidade segundo o qual a medida que é objeto do seu recurso deve dizer individualmente respeito ao recorrente.

51      Em contrapartida, o Parlamento e o Conselho subscrevem o raciocínio do Tribunal Geral.

52      Segundo o Parlamento, o Tribunal Geral tinha razão em declarar que uma diretiva, incluindo a diretiva controvertida, não podia, por si só, antes da adoção de medidas de transposição ou do termo do prazo previsto para esse efeito, afetar diretamente a situação jurídica de um operador, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

53      Por outro lado, o Parlamento considera que a argumentação da recorrente segundo a qual o prazo de transposição se assemelha a um «simples adiamento no tempo da sua plena aplicabilidade» da medida em causa está igualmente errada. Esta argumentação assenta no postulado de que essa medida é, de maneira geral, suscetível de produzir efeitos diretos na situação jurídica da recorrente, o que não é o caso.

54      Além disso, o Parlamento partilha da análise do Tribunal Geral segundo a qual julgar procedente a argumentação da recorrente teria como consequência privar de efeito útil o requisito segundo o qual a medida que é objeto do seu recurso deve dizer diretamente respeito ao recorrente. Com efeito, qualquer nova legislação diria, assim, diretamente respeito a qualquer pessoa singular ou coletiva que atue no domínio por ela regulado.

55      O Conselho sustenta que a argumentação da recorrente assenta numa leitura errada do despacho recorrido, na medida em que o Tribunal Geral não considerou que a forma de diretiva da medida em causa era, por si só, suficiente para excluir a possibilidade de a sua situação jurídica ser diretamente afetada pela diretiva controvertida. Pelo contrário, segundo o Conselho, o Tribunal Geral concluiu, acertadamente, que a diretiva controvertida não afeta diretamente a situação jurídica da recorrente, uma vez que a autoridade reguladora alemã, a Bundesnetzagentur (Agência Federal das Redes, Alemanha), não pode, na falta de adoção, pela República Federal da Alemanha, das medidas de transposição da diretiva controvertida, exigir à recorrente que respeite as obrigações previstas nessa diretiva.

56      Por outro lado, a diretiva controvertida, enquanto diretiva, na aceção do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, não pode, por si só, ser invocada contra particulares, o que, de resto, a recorrente não contesta.

57      O Conselho acrescenta que, por um lado, a interpretação invocada pela recorrente nos termos da qual o requisito de que a situação jurídica do recorrente deve ser diretamente afetada pela medida que é objeto do seu recurso deve ser examinado tendo em conta a substância da medida em causa não tem nenhum fundamento na jurisprudência. Por outro lado, o requisito relativo aos atos que «não necessitem de medidas de execução» só se aplica aos atos regulamentares, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceira parte, TFUE. Por conseguinte, este último requisito não pode alterar o requisito segundo o qual a medida que é objeto do seu recurso deve dizer diretamente respeito ao recorrente, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, segunda parte, TFUE.

58      Os Governos da Estónia, da Letónia e da Polónia sustentam, em substância, a argumentação invocada pelo Parlamento e pelo Conselho.

59      O Governo da Polónia acrescenta que, por um lado, a Diretiva 2009/73 já era aplicável ao gasoduto Nord Stream 2 antes da adoção da diretiva controvertida, uma vez que esta última apenas se destinava a prever as modalidades práticas de transposição e de aplicação da Diretiva 2009/73 no que respeita a gasodutos como o gasoduto Nord Stream 2.

60      Por outro lado, segundo este Governo, o requisito segundo o qual o recorrente deve ser diretamente afetado pela medida que é objeto do seu recurso deve estar preenchido na data da interposição do recurso, o que necessariamente não se verifica no caso em apreço. Com efeito, em seu entender, é facto assente que o gasoduto Nord Stream 2 não estava concluído na data de entrada em vigor da diretiva controvertida nem na data da interposição do recurso pela recorrente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

61      A primeira parte do primeiro fundamento tem por objeto a questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a diretiva controvertida não produz diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente e, portanto, não preenche o primeiro dos dois requisitos enunciados na jurisprudência recordada no n.o 43 do presente acórdão.

62      Em primeiro lugar, há que recordar que é jurisprudência constante que o recurso de anulação previsto no artigo 263.o TFUE pode ser interposto contra quaisquer disposições adotadas pelas instituições, seja qual for a sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos (Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento, C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 37 e jurisprudência referida).

63      Para determinar se um ato produz esses efeitos e é, por conseguinte, suscetível de ser objeto de recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE, há que atender à substância desse ato e apreciar esses efeitos à luz de critérios objetivos, como o conteúdo do referido ato, tendo em conta, sendo caso disso, o contexto da sua adoção e os poderes da instituição que dele é autora (Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento, C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 38).

64      Assim, a capacidade de um ato produzir diretamente efeitos na situação jurídica de uma pessoa singular ou coletiva não pode ser apreciada tendo unicamente em conta o facto de esse ato revestir a forma de uma diretiva.

65      Embora o Tribunal Geral tenha sublinhado, no n.o 78 do despacho recorrido, que o simples facto de o recurso ter sido interposto contra uma diretiva não bastava para declarar esse recurso inadmissível, afigura‑se, no entanto, na sequência do seu raciocínio, designadamente nos n.os 106 e 107 desse despacho, que este se baseou principalmente, para concluir que a diretiva controvertida não produzia diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente, no facto de uma diretiva não poder, por si só, criar obrigações a cargo de um particular ou ser uma fonte direta e imediata de tais obrigações, na falta de medidas de transposição.

66      A este respeito, como a recorrente acertadamente sustenta, na medida em que todas as diretivas se caracterizam pela sua incapacidade para, por si só, impor obrigações aos particulares ou para serem invocadas contra estes (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 42 e jurisprudência referida), o raciocínio adotado pelo Tribunal Geral implica excluir categoricamente que as diretivas possam produzir diretamente efeitos na situação jurídica destes e, por conseguinte, ser objeto de recurso ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

67      Tal abordagem equivale, em última análise, ignorando o que está exposto nos n.os 63 e 64 do presente acórdão, a fazer prevalecer, para efeitos da apreciação do requisito segundo o qual a medida que é objeto do recurso deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica do recorrente, a forma da medida em causa, a saber, a de uma diretiva, sobre a própria substância dessa medida.

68      Em segundo lugar, o mesmo se aplica aos fundamentos do Tribunal Geral, que figuram nos n.os 110 e 111 do despacho recorrido, segundo os quais a situação jurídica dos particulares é, em princípio, afetada não pela diretiva, mas unicamente pelas medidas de transposição desta diretiva, quando, à data da interposição do recurso de anulação, nenhuma dessas medidas tinha sido adotada pelo Estado‑Membro em questão, neste caso, a República Federal da Alemanha.

69      É certo que, segundo jurisprudência constante, cada um dos Estados‑Membros destinatário de uma diretiva tem a obrigação de adotar, na sua ordem jurídica interna, todas as medidas necessárias com vista a assegurar o seu pleno efeito, em conformidade com o objetivo que a diretiva prossegue (Acórdão de 8 de maio de 2008, Danske Svineproducenter, C‑491/06, EU:C:2008:263, n.o 28).

70      Todavia, confirmar a abordagem do Tribunal Geral exposta no n.o 68 do presente acórdão levaria igualmente a considerar que as diretivas nunca podem produzir diretamente efeitos na situação jurídica dos particulares, na medida em que esses efeitos estariam sempre associados às medidas adotadas com vista à sua transposição e não às próprias diretivas.

71      Além disso, os mesmos números do despacho recorrido ignoram a distinção que se impõe entre o requisito segundo o qual o ato que é objeto do recurso deve dizer diretamente respeito a um recorrente e o requisito segundo o qual esse ato não necessita de medidas de execução, que figura na terceira parte do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE.

72      Assim, essa terceira parte, que diz respeito ao direito de recurso contra atos regulamentares, impõe simultaneamente o requisito segundo o qual o ato recorrido deve dizer diretamente respeito ao recorrente e aquele que exige que, para que o recurso seja admissível, esses atos não necessitem de medidas de execução, uma vez que este último requisito se soma, assim, ao primeiro e por conseguinte, com este se não confunde.

73      O requisito segundo o qual o ato impugnado deve dizer diretamente respeito ao recorrente que figura, em termos idênticos, tanto na segunda parte do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE como na terceira parte dessa disposição, deve revestir o mesmo significado em cada uma dessas partes dessa disposição. Com efeito, a apreciação deste requisito de natureza objetiva não pode variar em função das diferentes partes desta disposição.

74      Por conseguinte, qualquer ato, seja de natureza regulamentar ou de outra natureza, pode, em princípio, dizer diretamente respeito a um particular, e assim produzir diretamente efeitos na sua situação jurídica, independentemente do facto de saber se necessita de medidas de execução, incluindo, tratando‑se de uma diretiva, medidas de transposição. Assim, no caso de a diretiva em questão produzir esses efeitos, a circunstância de as medidas de transposição dessa diretiva terem sido adotadas ou deverem ainda sê‑lo não é, enquanto tal, pertinente, uma vez que estas não põem em causa o caráter direto do vínculo existente entre essa diretiva e esses efeitos, na condição de a referida diretiva não deixar aos Estados‑Membros nenhum poder de apreciação quanto à imposição dos referidos efeitos a esse particular. Este último requisito é objeto do exame da segunda parte do primeiro fundamento.

75      Em terceiro lugar, no que respeita ao exame da capacidade da diretiva controvertida para produzir diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente em conformidade com os critérios expostos no n.o 63 do presente acórdão, há que observar que a diretiva controvertida, ao alargar o âmbito de aplicação da Diretiva 2009/73 a interligações situadas entre os Estados‑Membros e países terceiros, como a interligação que a recorrente pretende explorar, tem como consequência submeter a exploração dessa interligação às regras enunciadas nesta última diretiva, tornando assim aplicáveis à recorrente as obrigações específicas que esta prevê a esse respeito, incluindo, designadamente, em matéria de separação entre as redes de transporte e os operadores das redes de transporte por força do artigo 9.o da Diretiva 2009/73, e as relativas ao sistema de acesso de terceiros à rede com base em tarifas publicadas e aprovadas pela entidade reguladora em causa ou calculadas com base em metodologias aprovadas por essa entidade, enunciadas no artigo 32.o da Diretiva 2009/73.

76      A este respeito, como foi salientado no n.o 74 do presente acórdão, é irrelevante, enquanto tal, o facto de a execução dessas obrigações exigir a adoção de medidas de transposição pelo Estado‑Membro em causa, neste caso a República Federal da Alemanha, desde que esse Estado‑Membro não goze de margem de apreciação relativamente a essas medidas de transposição, suscetível de impedir que as referidas obrigações sejam impostas à recorrente. Com efeito, na falta dessa margem de apreciação, as referidas medidas de transposição não põem em causa o caráter direto do nexo existente entre a diretiva controvertida e a imposição das mesmas obrigações.

77      Tendo em conta o que precede, há que concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a diretiva controvertida não produzia diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente.

78      Importa igualmente afastar os argumentos do Governo polaco através dos quais este pretende demonstrar que a diretiva controvertida não dizia diretamente respeito à recorrente por motivos distintos dos invocados pelo Tribunal Geral no despacho recorrido.

79      Assim, por um lado, no que respeita ao argumento segundo o qual a Diretiva 2009/73 já se aplicava antes da entrada em vigor da diretiva controvertida a interligações como a da recorrente, este argumento é, de qualquer modo, claramente contradito tanto pelo objeto desta última diretiva, conforme enunciado nos considerandos 3 e 4 desta, como pela alteração da definição do conceito de «interligação» que figura no artigo 2.o, ponto 17, da Diretiva 2009/73.

80      Por outro lado, contrariamente ao que o Governo polaco alega, o facto de a diretiva controvertida produzir diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente também não pode ser excluído com o fundamento de que, nem à data da entrada em vigor desta diretiva nem à data da interposição do recurso contra esta, a interligação da recorrente ainda não estava concluída. Com efeito, por um lado, a recorrente, no momento da adoção e da entrada em vigor da referida diretiva, já tinha realizado investimentos significativos tendo em vista a construção dessa interligação, a qual se encontrava numa fase adiantada. Além disso, a Diretiva 2009/73, designadamente no artigo 36.o desta última, o qual permite, sob condições, a concessão de uma derrogação para projetos de infraestruturas do setor do gás, tem precisamente em conta a hipótese da construção de novos gasodutos e visa, por conseguinte, regular igualmente a hipótese de gasodutos planificados e ainda não realizados.

81      Nestas circunstâncias, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada procedente.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

–       Argumentação das partes

82      Com a segunda parte do primeiro fundamento, que visa os n.os 111 a 115 do despacho recorrido, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a diretiva controvertida deixava margem de apreciação aos Estados‑Membros.

83      A recorrente alega, em primeiro lugar, que a abordagem seguida pelo Tribunal Geral a este respeito é errada na medida em que esta procede de uma avaliação geral, sem que tenha sido examinada de forma específica em que medida a sua situação jurídica era diretamente afetada pela diretiva controvertida, tendo em conta o objeto do seu recurso em conformidade com a jurisprudência resultante dos Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão (C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.os 30 e 31), e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 50 e 51).

84      A recorrente sustenta, em segundo lugar, no que respeita às obrigações em matéria de separação a que está sujeita na sequência da entrada em vigor da diretiva controvertida, que, embora seja verdade que a Diretiva 2009/73 concede aos Estados‑Membros a possibilidade de introduzir outras soluções além da plena separação, as duas variantes da alternativa suscetíveis de ser pertinentes no caso em apreço, a saber, o operador de rede independente e o operador de transporte independente, têm, tal como a plena separação, um impacto negativo significativo na sua situação jurídica. O mesmo acontece com as regras relativas ao acesso de terceiros e à regulação das tarifas que, de qualquer modo, lhe são aplicáveis. Assim, em conformidade com os termos do Acórdão de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159), as ofensas cometidas à situação jurídica da recorrente devem‑se à diretiva controvertida e à Diretiva 2009/73 que aquela altera, designadamente à exigência de obter o resultado por estas prescrito.

85      Em terceiro lugar, a recorrente alega que, no que respeita à existência de uma eventual margem de apreciação de que o Estado‑Membro em causa dispunha no âmbito da aplicação das derrogações previstas nos artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva 2009/73, essa margem de apreciação deveria ter sido estabelecida por referência à sua situação particular e ao objeto do seu recurso, precisando‑se que esse recurso visa no essencial o artigo 49.o‑A da Diretiva 2009/73, introduzido pela diretiva controvertida. Ora, no que respeita à derrogação prevista nesta última disposição, o legislador da União, ao limitar essa derrogação aos gasodutos «concluídos antes de 23 de maio de 2019», pretendeu não deixar nenhuma margem de apreciação à República Federal da Alemanha, uma vez que a data dessa limitação foi escolhida precisamente para excluir a recorrente do benefício dessa derrogação. Do mesmo modo, é facto assente que o seu gasoduto não é elegível para a derrogação prevista no artigo 36.o da Diretiva 2009/73, não dispondo as autoridades alemãs de margem de apreciação a este respeito.

86      Em contrapartida, o Parlamento e o Conselho subscrevem o raciocínio do Tribunal Geral.

87      O Parlamento sustenta que, em primeiro lugar, a jurisprudência resultante do Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100), referida pela recorrente, diz respeito a atos regulamentares e não a atos legislativos, não podendo essa jurisprudência pôr em causa a abordagem restritiva que prevalece no que respeita aos recursos interpostos por particulares contra estes últimos atos.

88      Em segundo lugar, na opinião do Parlamento, a redação da diretiva controvertida deixa aos Estados‑Membros margem de apreciação significativa, designadamente no artigo 9.o, n.os 8 e 9, da Diretiva 2009/73 e no artigo 49.o‑A desta última. Neste contexto, há que examinar todas as disposições da diretiva controvertida e não apenas a possibilidade de obter uma derrogação ao abrigo do artigo 49.o‑A da Diretiva 2009/73.

89      Em terceiro lugar, o Acórdão de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159), mencionado pela recorrente, diz respeito a um processo no qual, contrariamente ao presente processo, o ato impugnado não deixa nenhuma margem de apreciação às autoridades nacionais.

90      O Conselho alega, em primeiro lugar, que o recurso da recorrente era dirigido contra a diretiva controvertida na sua totalidade, pelo que a margem de apreciação deixada aos Estados‑Membros deveria ter sido analisada à luz desta diretiva no seu conjunto.

91      Em segundo lugar, o Conselho sustenta que a argumentação segundo a qual não havia nenhuma dúvida sobre o modo como a República Federal da Alemanha iria transpor a diretiva controvertida é fundamentalmente errada. O Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão de 4 de dezembro de 2019, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão (C‑342/18 P, não publicado, EU:C:2019:1043), que o artigo 36.o da Diretiva 2009/73 confere às entidades reguladoras nacionais um poder de apreciação para efeitos da concessão de derrogações às regras instituídas por esta diretiva. A mesma lógica é aplicável no que respeita à derrogação prevista no artigo 49.o‑A da referida diretiva.

92      Em terceiro lugar, segundo o Conselho, foi também acertadamente que o Tribunal Geral concluiu que a situação jurídica e factual da recorrente não era comparável à que prevalecia no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159). Com efeito, contrariamente ao ato impugnado nesse processo, a diretiva controvertida é, pela sua forma e conteúdo, uma diretiva «típica», na aceção do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, isto é, «vincula o Estado‑Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar», mas deixa «às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios». Por conseguinte, não há um nexo de causalidade entre a diretiva controvertida e os efeitos produzidos na situação jurídica da recorrente.

93      Os Governos estónio, letão e polaco sustentam, em substância, a argumentação invocada pelo Parlamento e pelo Conselho.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

94      A segunda parte do primeiro fundamento tem por objeto a questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a diretiva controvertida deixa margem de apreciação aos Estados‑Membros no âmbito da sua aplicação, em conformidade com o segundo de dois requisitos enunciados na jurisprudência recordada no n.o 43 do presente acórdão.

95      Em primeiro lugar, por um lado, decorre da constatação efetuada no n.o 63 do presente acórdão que a questão de saber se um ato deixa aos destinatários incumbidos da sua execução um poder de apreciação deve ser examinada atendendo à própria substância desse ato.

96      Por outro lado, a simples circunstância de o ato impugnado dever ser objeto de medidas de execução, incluindo, tratando‑se de uma diretiva, de medidas de transposição, para efeitos da sua aplicação, não implica necessariamente a existência de uma margem de apreciação no que respeita aos destinatários desse ato, como salientado no n.o 74 do presente acórdão.

97      Em segundo lugar, quando, como no caso em apreço, um determinado ato é suscetível de produzir uma pluralidade de efeitos jurídicos consoante as diferentes situações às quais este é aplicável, a existência de uma margem de apreciação deve necessariamente ser apreciada tendo em conta os efeitos jurídicos concretos visados pelo recurso e que podem efetivamente produzir‑se na situação jurídica do interessado.

98      Assim, para apreciar se um ato deixa aos seus destinatários uma margem de apreciação com vista à sua execução, há que examinar os efeitos jurídicos produzidos pelas disposições desse ato, que são objeto do recurso, sobre a situação da pessoa que invoca o direito de recurso ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, segunda parte, TFUE (v., por analogia, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 50 e 51, e de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.os 38 e 39).

99      Contrariamente ao que o Parlamento e o Conselho alegam, é esse igualmente o caso na hipótese de o recurso visar, formalmente, o ato em causa na íntegra, se os fundamentos invocados em apoio desse recurso permitirem demonstrar que o objeto deste último diz respeito, na realidade, a aspetos específicos desse ato.

100    Em terceiro lugar, há que observar que, para alicerçar a sua tese destinada a demonstrar a inexistência de margem de apreciação deixada aos Estados‑Membros pela diretiva controvertida no que respeita aos efeitos produzidos por esta diretiva na sua situação jurídica, a recorrente alegou, no âmbito do seu recurso, em substância, que a diretiva controvertida tinha por efeito, na sequência da alteração por ela operada do conceito de «interligação» previsto no artigo 2.o, ponto 17, da Diretiva 2009/73, sujeitá‑la às obrigações específicas desta diretiva, relativas à separação das redes de transporte e dos operadores de redes de transporte, previstas no artigo 9.o da referida diretiva, bem às obrigações relativas ao acesso de terceiros e à regulação das tarifas, previstas no artigo 32.o da mesma diretiva, sem que tenha possibilidade de beneficiar de uma derrogação a essas regras ao abrigo do artigo 36.o da Diretiva 2009/73 ou do artigo 49.o‑A da mesma, como inserido pela diretiva controvertida.

101    Por conseguinte, é atendendo a estas disposições e à situação concreta da recorrente que há que determinar se, na sequência da adoção e da entrada em vigor da diretiva controvertida, a Diretiva 2009/73 deixa à República Federal da Alemanha margem de apreciação com vista à execução dessas disposições e, designadamente, à sua aplicação à recorrente.

102    A este respeito, relativamente, em primeiro lugar, às derrogações previstas nos artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva 2009/73, o Tribunal Geral recordou, nos n.os 114 e 115 do despacho recorrido, a existência dessas possibilidades de derrogação, precisando ao mesmo tempo que as entidades reguladoras nacionais dispunham, para efeitos da aplicação da prevista nesse artigo 49.o‑A, de um amplo poder de apreciação quanto à concessão dessa derrogação.

103    No entanto, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral não examinou, ao ter em conta a situação da recorrente e ao se referir à substância dessas derrogações, se estas últimas eram suscetíveis de se aplicar à situação desta e se a diretiva controvertida deixava ao Estado‑Membro em causa uma margem de apreciação no âmbito da sua aplicação no que respeita à recorrente.

104    Quanto à existência dessa margem de apreciação ao abrigo das derrogações previstas nos artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva 2009/73, há que observar, como salientou igualmente o advogado‑geral, em substância, nos n.os 74 e 75 das suas conclusões, que nenhuma dessas derrogações é suscetível de se aplicar à situação da recorrente, na medida em que, por um lado, os investimentos para o gasoduto Nord Stream 2 já tinham sido decididos na data da adoção da diretiva controvertida, o que exclui esse gasoduto do benefício de uma derrogação ao abrigo do artigo 36.o da Diretiva 2009/73, o qual é aplicável a novas infraestruturas importantes do setor do gás ou aos aumentos significativos de capacidade nas infraestruturas existentes e, por outro, nessa data, era evidente que o referido gasoduto não podia estar concluído antes de 23 de maio de 2019, impedindo assim a concessão de uma derrogação ao abrigo do artigo 49.o‑A desta diretiva.

105    Nestas circunstâncias, os Estados‑Membros, embora gozem, é certo, de margem de apreciação no que respeita à concessão dessas derrogações a empresas do setor do gás que preencham os requisitos previstos, respetivamente, nos artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva 2009/73, não dispõem, em contrapartida, de nenhuma margem de apreciação no que respeita à possibilidade de conceder essas derrogações à recorrente, que não preenche esses requisitos. Assim, há um nexo direto entre a entrada em vigor da diretiva controvertida e a imposição, por esta última, à recorrente das obrigações previstas na Diretiva 2009/73, referidas no n.o 75 do presente acórdão.

106    Em segundo lugar, nestas condições, há que examinar se o Estado‑Membro em causa goza, em relação à recorrente, de poder de apreciação para efeitos da determinação do resultado a alcançar, suscetível de ter como consequência que esta escape, no entanto, a essas obrigações.

107    A este respeito, relativamente à obrigação de separação prevista no artigo 9.o da Diretiva 2009/73, o Tribunal Geral considerou, no n.o 112 do despacho recorrido, que os Estados‑Membros têm, sob certas condições, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 8, segundo parágrafo, alíneas a) e b), e n.o 9 desta diretiva, a possibilidade de não aplicar essa obrigação, designadamente às interligações como o gasoduto Nord Stream 2. Nesse caso, esses Estados‑Membros devem, em vez de separar as estruturas de propriedade e as de comercialização e de produção, designar um operador de rede independente ao abrigo do artigo 14.o da referida diretiva ou um operador da rede de transporte independente. Os referidos Estados‑Membros dispõem então, segundo o Tribunal Geral, de poder de apreciação a este respeito.

108    Tal constatação não é, porém, suficiente para demonstrar a existência de um poder de apreciação das entidades nacionais no que respeita à obrigação de separação prevista no artigo 9.o da Diretiva 2009/73.

109    Com efeito, decorre do considerando 13 da Diretiva 2009/73 que, embora as duas variantes da alternativa oferecida no que respeita à obrigação de separação prevista no artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva, devam «permitir às empresas verticalmente integradas manterem a propriedade de ativos de rede», estes devem também «[assegurar] uma separação efetiva de interesses», devendo o operador de rede independente ou o operador de transporte independente «desempenhar todas as funções de um operador de rede» e estar sujeito a «mecanismos de regulamentação circunstanciada e de supervisão regulamentar abrangente».

110    Daqui resulta que, como o advogado‑geral também salientou, em substância, nos n.os 80 e 81 das suas conclusões, seja qual for a opção que foi finalmente privilegiada, de entre as referidas no n.o 107 do presente acórdão, a situação jurídica da recorrente será inevitavelmente alterada, uma vez que o artigo 9.o da Diretiva 2009/73 oferece aos Estados‑Membros apenas a escolha dos meios através dos quais um resultado bem definido, a saber, o de uma separação efetiva das estruturas de transporte das de produção e de comercialização deve ser alcançado. Assim, os Estados‑Membros, ainda que não sejam privados de margem de manobra na aplicação deste artigo 9.o, não dispõem de nenhum poder de apreciação no que respeita à obrigação de separação prevista por esta disposição, pelo que a recorrente a ela não se pode subtrair, independentemente da escolha efetuada entre um dos três métodos previstos pela referida disposição.

111    O mesmo se aplica às obrigações decorrentes do artigo 32.o da Diretiva 2009/73, em conjugação com o artigo 41.o, n.os 6, 8 e 10, desta. As referidas obrigações impõem, designadamente, aos operadores da rede de transporte sujeitos a esta diretiva que facultem o acesso à sua rede a terceiros com base num sistema aplicado objetivamente e sem discriminação, baseado em tarifas publicadas, proporcionadas e aprovadas pela entidade reguladora competente. Essa entidade deve nomeadamente, no âmbito da aprovação dessas tarifas, prever medidas de incentivo adequadas para estimular os operadores a melhorar o seu desempenho.

112    Com efeito, embora essas obrigações exijam a adoção, designadamente pelas entidades reguladoras nacionais, de medidas de natureza técnica para efeitos da sua concretização, não é menos verdade que tais medidas não poderão alterar o resultado que as referidas obrigações implicam, a saber, que os operadores da rede de transporte garantam a terceiros um acesso não discriminatório a essa rede nas condições previstas pela Diretiva 2009/73, e isto com o objetivo de garantir a todos os intervenientes no mercado um acesso efetivo a esse mercado.

113    A este respeito, o Tribunal Geral considerou, igualmente sem razão, no n.o 117 do despacho recorrido, que a recorrente não podia invocar o Acórdão de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159). Com efeito, embora o processo que deu origem a esse acórdão se distinga do presente processo na medida em que aquele dizia respeito aos efeitos jurídicos produzidos por uma decisão adotada pela Comissão ao abrigo de uma diretiva, não é menos verdade que a força vinculativa dessa decisão resultava, em última instância, dessa diretiva e que, de qualquer modo, a referida decisão determinava, à semelhança das disposições já referidas da diretiva controvertida mencionadas nos n.os 110 e 111 do presente acórdão, o resultado a alcançar, a respeito do qual os Estados‑Membros não dispunham de nenhum poder de apreciação.

114    Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a diretiva controvertida deixava uma margem de apreciação aos Estados‑Membros, sem ter em conta a situação da recorrente e o facto de a entrada em vigor da diretiva controvertida ter tido como consequência direta sujeitar esta última a obrigações cujo resultado não podia ser alterado. Nestas circunstâncias, a segunda parte do primeiro fundamento deve igualmente ser julgada procedente.

115    Tendo em conta as considerações que precedem, há que concluir que o primeiro fundamento é procedente, uma vez que o Tribunal Geral declarou erradamente que a diretiva controvertida não dizia diretamente respeito à recorrente. Daqui decorre que o n.o 4 do dispositivo despacho recorrido deve ser anulado na medida em que, nesse número, o recurso interposto pela recorrente foi julgado inadmissível por esse motivo.

 Quanto ao segundo fundamento

–       Argumentação das partes

116    Com o segundo fundamento, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito ao examinar o pedido de desentranhamento dos documentos do Conselho que o levaram a ordenar erradamente que o Parecer do Serviço Jurídico do Conselho, a Recomendação da Comissão e as observações da República Federal da Alemanha fossem desentranhados dos autos, bem como a não ter em conta as passagens da petição e dos anexos desta última nos quais são reproduzidos excertos desses documentos.

117    A este respeito, em primeiro lugar, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao basear integralmente a sua apreciação no quadro estabelecido pelo Regulamento n.o 1049/2001, que regula o acesso do público aos documentos, sem procurar saber se os documentos em causa eram úteis para a resolução do litígio, como exigido pela jurisprudência decorrente do Acórdão de 12 de maio de 2015, Dalli/Comissão (T‑562/12, EU:T:2015:270).

118    Em segundo lugar, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu igualmente um erro de direito ao aplicar aos documentos em causa o quadro jurídico restritivo definido pelo Tribunal de Justiça nas circunstâncias graves e específicas dos processos que deram origem ao Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438), e ao Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia (C‑457/18, EU:C:2020:65). Considera, designadamente, que todos estes documentos fazem parte dos trabalhos preparatórios da diretiva controvertida, pelo que estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do princípio da transparência acrescida, consagrado pelo Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374). Por outro lado, o Tribunal Geral não respondeu à argumentação segundo a qual certas passagens do Parecer do Serviço Jurídico do Conselho tinham sido em larga medida mencionadas pelas próprias instituições da União na proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/73 que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural.

119    Em terceiro lugar, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao atribuir uma importância significativa ao procedimento de arbitragem que tinha iniciado ao abrigo do Tratado da Carta da Energia, assinado em Lisboa em 17 de dezembro de 1994 (JO 1994, L 380, p. 24), aprovado em nome das Comunidades Europeias pela Decisão 98/181/CE, CECA, Euratom do Conselho e da Comissão, de 23 de setembro de 1997 (JO 1998, L 69, p. 1). Em seu entender, o Tribunal Geral justifica a abordagem que seguiu pela necessidade de proteção do interesse público no que respeita às relações internacionais, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001, mas não explica de que modo a apresentação dos documentos em causa poderia eventualmente prejudicá‑lo. Com efeito, um procedimento de arbitragem não está abrangido pelas «relações internacionais», na aceção desta disposição.

120    O Conselho invoca a inadmissibilidade do segundo fundamento pelo facto de, em seu entender, este fundamento se destinar a que o Tribunal de Justiça reexamine a apreciação dos factos efetuada pelo Tribunal Geral.

121    Além disso, o Parlamento e o Conselho consideram que o segundo fundamento deve, de qualquer modo, ser julgado improcedente.

122    Em primeiro lugar, o Parlamento salienta que toda a argumentação da recorrente assenta na premissa errada segundo a qual o Tribunal Geral não examinou se os documentos em causa eram «manifestamente relevantes para a resolução do litígio», acrescentando o Conselho, neste contexto, que o Tribunal Geral não aplicou as disposições do Regulamento n.o 1049/2001 nem exclusiva nem diretamente. Segundo o Conselho, o Tribunal Geral procedeu, na realidade, à ponderação dos interesses em causa, em conformidade com a jurisprudência resultante do Acórdão do Tribunal Geral de 12 de maio de 2015, Dalli/Comissão (T‑562/12, EU:T:2015:270).

123    Em segundo lugar, o Conselho precisa, a este respeito, que o Tribunal Geral não declarou que, regra geral, os documentos apenas podem ser utilizados num processo se o autor ou a instituição recorrida tiverem autorizado a sua apresentação. Pelo contrário, o Tribunal Geral analisou em pormenor todas as circunstâncias do processo sobre o qual se pronuncia e concluiu que o desentranhamento dos autos dos documentos em causa era necessário por razões de interesse público.

124    Em terceiro lugar, o Parlamento sustenta que foi acertadamente que o Tribunal Geral, em conformidade com a jurisprudência resultante do Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438), e do Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia (C‑457/18, EU:C:2020:65), declarou que, baseando‑se, no caso em apreço, no Parecer do Serviço Jurídico do Conselho, a recorrente procurava, na realidade, confrontar o Conselho com o parecer que tinha recebido do seu serviço jurídico e, assim, obrigá‑lo a tomar publicamente uma posição sobre esse parecer, o que provocaria efeitos negativos no interesse dessa instituição em poder beneficiar de pareceres jurídicos.

125    O Parlamento e o Conselho afirmam neste contexto que nenhum dos documentos em causa, designadamente o parecer jurídico do Conselho, é relativo a um processo legislativo, uma vez que estes são todos anteriores à proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/73 que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural.

126    Em quarto lugar, o Conselho sustenta que o Tribunal Geral ordenou que fossem desentranhadas dos autos as observações da República Federal da Alemanha, nomeadamente pelo facto de a divulgação do seu conteúdo pôr em causa a proteção do interesse público no que respeita às relações internacionais, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001, restabelecendo assim o statu quo ante por força do qual o órgão jurisdicional da União é a única instância que dispõe de legitimidade para ordenar às partes que apresentem os documentos ou apreciar a sua pertinência.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

127    O fundamento de inadmissibilidade invocado pelo Conselho relativamente ao segundo fundamento, segundo o qual o Tribunal de Justiça é convidado, com este fundamento, a pronunciar‑se sobre as constatações de facto efetuadas pelo Tribunal Geral, deve ser julgado improcedente. Com efeito, embora o Tribunal Geral seja, em princípio, exclusivamente competente para apurar e apreciar os factos, o referido fundamento não convida o Tribunal de Justiça a reexaminar os factos em que o Tribunal Geral se baseou no caso em apreço, mas diz respeito a uma questão de direito relativa ao quadro jurídico por este aplicado para efeitos da apreciação desses factos.

128    Para efeitos da apreciação da procedência do segundo fundamento, em primeiro lugar, há que recordar, por um lado, que o princípio da igualdade de armas, que é um corolário do próprio conceito de processo equitativo, garantido designadamente pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo os seus elementos de prova, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário (Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 96).

129    Por outro lado, segundo jurisprudência assente, o princípio aplicável no direito da União é o da livre apreciação da prova, do qual decorre que a admissibilidade de um elemento de prova apresentado em tempo útil só pode ser contestada perante o juiz da União com base no facto de aquele ter sido obtido irregularmente (Acórdão de 30 de setembro de 2021, Tribunal de Contas/Pinxten, C‑130/19, EU:C:2021:782, n.o 104).

130    Assim, perante provas produzidas de modo irregular por uma parte, como documentos internos visados pelo Regulamento n.o 1049/2001 cuja produção não foi autorizada pela instituição em causa nem ordenada pelo juiz da União, devem ser ponderados os interesses das respetivas partes no processo ligados ao seu direito a um processo equitativo, tendo em conta os interesses protegidos pelas regras violadas ou contornadas quando da obtenção dessas provas.

131    Daqui decorre que, como o advogado‑geral igualmente salientou, em substância, nos n.os 119 e 138 das suas conclusões, o juiz da União, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de desentranhamento dos elementos de prova correspondentes, deve proceder à ponderação entre, por um lado, os interesses do recorrente que apresentou esses elementos de prova, tendo em conta, designadamente, a sua utilidade para efeitos da apreciação do mérito do recurso perante ele pendente, e, por outro, os interesses da parte contrária que poderiam ser concreta e efetivamente postos em causa pela manutenção nos autos dos referidos elementos de prova.

132    Em segundo lugar, para efeitos da apreciação de um pedido de desentranhamento dos autos de documentos internos previstos no Regulamento n.o 1049/2001, este regulamento, embora não seja aplicável num recurso como o interposto pela recorrente para o Tribunal Geral, reveste assim um certo valor indicativo para efeitos da ponderação dos interesses exigida para se pronunciar sobre esse pedido (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.os 12 e 13).

133    Todavia, não se pode considerar que o Regulamento n.o 1049/2001 regule de forma exaustiva a ponderação de interesses exigida para efeitos da apreciação de um pedido de desentranhamento dos autos de documentos de um processo.

134    Com efeito, ao passo que esse regulamento se destina a melhorar a transparência do processo decisório ao nível da União aplicando o direito de acesso aos documentos previsto no artigo 15.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TFUE e consagrado no artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Stichting Rookpreventie Jeugd e o., C‑160/20, EU:C:2022:101, n.os 35 e 36), a admissibilidade de elementos de prova depende, em última análise, da ponderação dos interesses em causa, tendo em conta o objetivo de garantir o direito das partes a um processo equitativo, como o advogado‑geral salientou igualmente, em substância, nos n.os 129 e 130 das suas conclusões.

135    Em terceiro lugar, no que respeita ao exame dos documentos em causa à luz dos princípios acima expostos, em primeiro lugar, há que considerar que foi sem cometer um erro de direito que o Tribunal Geral ordenou que o Parecer do Serviço Jurídico do Conselho fosse desentranhado dos autos e que não fossem tidas em conta as passagens que figuram na petição e nos anexos desta última nas quais são reproduzidos excertos desse parecer.

136    A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que seria contrário ao interesse público que exige que as instituições possam beneficiar dos pareceres dos seus serviços jurídicos, proferidos com total independência, admitir que a apresentação de tais documentos internos possa ter lugar no âmbito de um litígio no Tribunal de Justiça sem que essa apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada por esta jurisdição (Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑156/21, EU:C:2022:97, n.o 53 e jurisprudência referida).

137    Com efeito, mediante a apresentação não autorizada desse parecer jurídico, o recorrente confronta a instituição em causa, no processo relativo à validade de um ato impugnado, com um parecer proferido pelo seu próprio serviço jurídico quando da elaboração desse ato. Ora, em princípio, o facto de admitir que esse recorrente possa verter para os autos um parecer jurídico de uma instituição cuja divulgação não autorizou viola os requisitos de um processo equitativo (Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho C‑156/21, EU:C:2022:97, n.o 54 e jurisprudência referida).

138    Todavia, o Tribunal de Justiça declarou que, a título excecional, o princípio da transparência pode justificar uma divulgação no âmbito de um processo judicial de um documento de uma instituição que não foi tornado acessível ao público e que comporta um parecer jurídico quando esse parecer jurídico é relativo a um processo legislativo para o qual se impõe uma transparência acrescida (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑156/21, EU:C:2022:97, n.os 56 a 59).

139    Essa transparência não impede, porém, que a divulgação de um parecer jurídico específico, proferido no contexto de um processo legislativo, mas com um caráter particularmente sensível ou um alcance particularmente amplo que vá além do quadro desse processo legislativo, possa ser recusada ao abrigo da proteção dos pareceres jurídicos, caso em que incumbe à instituição em causa fundamentar a recusa de modo circunstanciado (Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑156/21, EU:C:2022:97, n.o 60).

140    No caso em apreço, como o Tribunal Geral declarou nos n.os 50 e 54 do despacho recorrido, o Parecer do Serviço Jurídico do Conselho, cuja apresentação não tinha sido autorizada por este, não diz respeito, contrariamente ao que a recorrente defende, a um processo legislativo, mas tem por objeto uma Recomendação da Comissão ao Conselho relativa à abertura de negociações entre a União e um Estado terceiro com vista à celebração de um acordo internacional. Além disso, esse objeto não pode ser afetado pela simples circunstância de esse parecer ter sido mencionado pelas próprias instituições da União no contexto da adoção da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2009/73 que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural.

141    Nestas circunstâncias, estão suficientemente demonstrados, por um lado, o facto de a manutenção nos autos do referido parecer violar o direito do Conselho a um processo equitativo e o seu interesse em receber pareceres francos, objetivos e completos, bem como, por outro, a falta de um interesse público superior suscetível de justificar a apresentação do parecer jurídico em causa pela recorrente. Além disso, na medida em que o único interesse da recorrente, por mais legítimo que possa ser, em sustentar a sua argumentação com o auxílio desse parecer não é suficiente para justificar tal violação dos direitos e interesses do Conselho (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.os 15 a 18, e Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia, C‑457/18, EU:C:2020:65, n.os 70 e 71), tanto mais que a procedência desta argumentação e, por conseguinte, a possibilidade de obter ganho de causa não dependem de modo algum da apresentação desse parecer, há que concluir que a ponderação dos interesses recordada no n.o 131 do presente acórdão pende a favor da proteção desses direitos e interesses do Conselho.

142    Em contrapartida, no que respeita, em segundo lugar, à Recomendação da Comissão e às observações da República Federal da Alemanha, afigura‑se que, embora o próprio Tribunal Geral tenha recordado, no n.o 39 do despacho recorrido, o valor meramente indicativo do Regulamento n.o 1049/2001 para efeitos de apreciação de um pedido de desentranhamento de documentos, este baseou‑se, na realidade, apesar desta premissa e do que foi exposto nos n.os 131 e 133 do presente acórdão, exclusivamente nas disposições deste regulamento, designadamente no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), terceiro travessão, do mesmo, relativo à proteção das relações internacionais, para justificar o desentranhamento desses documentos.

143    A este respeito, por um lado, embora admitindo que o interesse relativo à proteção das relações internacionais consagrado nesta disposição reveste, neste contexto, um valor indicativo, o certo é que, para efeitos da ponderação dos interesses referida no n.o 131 do presente acórdão, deve ser demonstrado que a manutenção desses documentos nos autos poderia pôr em causa concreta e efetivamente o interesse invocado para justificar o desentranhamento dos referidos documentos.

144    Assim, o Tribunal de Justiça declarou, no que respeita ao artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, que a simples circunstância de um documento dizer respeito a um interesse protegido por uma exceção ao direito de acesso, prevista nesta disposição, não pode ser suficiente para justificar a aplicação desta última, devendo a instituição em questão fornecer explicações quanto à questão de saber de que maneira o acesso a esse documento poderia pôr em causa, concreta e efetivamente, esse interesse, e isso independentemente do facto de essa instituição dispor de um ampla margem de apreciação no âmbito da aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2014, Conselho/in’t Veld, C‑350/12 P, EU:C:2014:2039, n.os 51, 52, 63 e 64).

145    Todavia, não resulta de modo nenhum do despacho recorrido que o Tribunal Geral tenha examinado as explicações apresentadas pelo Conselho à luz destes requisitos. Pelo contrário, o Tribunal Geral limitou‑se, no que respeita à Recomendação da Comissão, a deduzir, nos n.os 57 e 60 a 63 do despacho recorrido, o risco de ofensa concreta e efetiva ao interesse em causa pelo simples facto de que esse documento dizia respeito à adoção de uma decisão relativa às negociações internacionais com um Estado terceiro.

146    No que respeita às observações da República Federal da Alemanha, o Tribunal Geral limitou‑se a considerar, para justificar o seu desentranhamento dos autos, que a divulgação dessas observações poria em causa concreta e efetivamente a proteção do interesse público no que respeita às relações internacionais, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001, «designadamente ao enfraquecer a posição da União no contexto do processo de arbitragem que a recorrente desencadeou contra si», sem explicar de que forma esse processo de arbitragem, muito provavelmente de natureza privada, diz respeito às relações internacionais da União, como o advogado‑geral salientou igualmente no n.o 157 das suas conclusões, nem procurou demonstrar, além disso, a realidade do risco de ofensa à proteção desse interesse público provocado pela manutenção das referidas observações nos autos.

147    Por outro lado, mesmo admitindo que está provado que o referido interesse público seja posto em perigo pela manutenção, nos autos, da Recomendação da Comissão e das observações da República Federal da Alemanha, não é menos verdade que o Tribunal Geral deveria então ter procedido a uma ponderação dos interesses em causa, como foi salientado no n.o 131 do presente acórdão, o que não fez.

148    Nestas circunstâncias, há que concluir que, ao ordenar que a Recomendação da Comissão e as observações da República Federal da Alemanha fossem desentranhadas dos autos e que não sejam tidas em conta as passagens da petição e dos anexos desta última em que os excertos desses documentos são reproduzidos, o Tribunal Geral cometeu erros de direito na medida em que, por um lado, aplicou exclusivamente as disposições do Regulamento n.o 1049/2001 para apreciar o pedido de desentranhamento dos referidos documentos dos autos sem proceder a uma ponderação dos interesses em causa e, por outro, não apreciou, tendo em conta as explicações apresentadas a esse respeito pelo Conselho, a questão de saber se a manutenção dos mesmos documentos nos autos poderia, concreta e efetivamente, pôr em causa a proteção do interesse público no que respeita às relações internacionais, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001.

149    Tendo em conta as considerações que precedem, o segundo fundamento deve igualmente ser julgado procedente no que respeita à Recomendação da Comissão e às observações da República Federal da Alemanha. Daqui decorre que o n.o 1 do dispositivo do despacho recorrido, na medida em que este número diz respeito à Recomendação da Comissão (anexo A 14), e o n.o 3 desse dispositivo devem igualmente ser anulados.

150    Deve ser negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

151    Em conformidade com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

152    No caso em apreço, embora o Tribunal de Justiça não esteja em condições, nesta fase do processo, de decidir quanto ao mérito do recurso interposto no Tribunal Geral, dispõe, em contrapartida, dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Parlamento e pelo Conselho no decurso do processo em primeira instância.

153    Em primeiro lugar, no que respeita à questão de saber se a diretiva controvertida diz individualmente respeito à recorrente, esta sustenta, em substância, que o gasoduto marítimo Nord Stream 2 é o único novo gasoduto em fase adiantada a que esta diretiva diz respeito para o qual uma decisão final de investimento foi tomada, tendo um investimento muito significativo sido autorizado muito antes da adoção da referida diretiva e cujo proprietário não é suscetível de beneficiar de uma derrogação ao abrigo do artigo 49.o‑A da Diretiva 2009/73.

154    O Parlamento e o Conselho alegam, em substância, que a diretiva controvertida não diz individualmente respeito à recorrente. Segundo essas instituições, o facto de ser possível determinar, num certo momento, o número ou a identidade das pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, em nada altera o facto de esta diretiva dizer respeito, do mesmo modo, a todos os gasodutos, terrestres ou marítimos, preexistentes ou concluídos, novos ou futuros, que ligam a União a países terceiros. Trata‑se, portanto, de um círculo aberto de operadores económicos. De qualquer modo, a recorrente não precisou em que é que o gasoduto Nord Stream 2 se distingue de qualquer outra interligação transfronteiriça com um país terceiro.

155    O Conselho acrescenta, por um lado, que a recorrente põe em causa a diretiva controvertida na íntegra, pelo que o seu recurso não está limitado à validade dos requisitos de derrogação que figuram no artigo 49.o‑A da Diretiva 2009/73, que foi inserido pela diretiva controvertida. Por outro lado, segundo o Conselho, os Acórdãos de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159), e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100), mencionados pela recorrente, não são pertinentes no caso em apreço, na medida em que esses acórdãos dizem respeito a operadores que detêm um direito adquirido anteriormente que os individualiza em relação a qualquer outro operador.

156    A este respeito, há que recordar que os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, se essa decisão os atingir em razão de certas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa e, por isso, os individualiza de um modo análogo ao do destinatário dessa decisão (Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223, e de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 93).

157    Neste contexto, decorre de jurisprudência assente, que a possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito aos quais se aplica uma medida não implica de modo nenhum que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, desde que essa aplicação seja efetuada devido a uma situação objetiva de direito ou de facto definida pelo ato em causa (Acórdão de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 94 e jurisprudência referida).

158    No entanto, resulta igualmente de jurisprudência constante que, quando um ato afeta um grupo de pessoas que estavam identificadas ou eram identificáveis à data em que esse ato foi adotado, e em função de critérios próprios aos membros desse grupo, o referido ato pode dizer individualmente respeito a essas pessoas, na medida em que fazem parte de um círculo restrito de operadores económicos (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 59).

159    No caso em apreço, é verdade que a diretiva controvertida está formulada em termos gerais e se aplica indistintamente a qualquer operador que explore um gasoduto entre um Estado‑Membro e um país terceiro, ao sujeitar os operadores assim visados, às obrigações previstas pela Diretiva 2009/73. A circunstância de esses operadores se encontrarem em número reduzido não é, nesse contexto, suscetível de demonstrar que a diretiva controvertida lhes diz individualmente respeito, uma vez que esse facto se explica não pela natureza dos efeitos jurídicos produzidos por esta última diretiva, mas pelas características do mercado em questão.

160    Todavia, como foi salientado no n.o 104 do presente acórdão, a recorrente não podia beneficiar de uma derrogação nem ao abrigo do artigo 36.o da Diretiva 2009/73 nem ao abrigo do artigo 49.o‑A desta diretiva.

161    Neste contexto, há que concluir que, tanto entre as interligações existentes como entre as interligações ainda por construir, o gasoduto Nord Stream 2 é o único a encontrar‑se, e a poder encontrar‑se, nessa situação, na medida em que os operadores de todas as outras interligações abrangidas pela Diretiva 2009/73 tiveram ou terão a possibilidade de obter uma derrogação ao abrigo de uma das disposições desta diretiva referidas no número anterior, como a recorrente alega sem ser desmentida.

162    Daqui resulta que, na sequência da entrada em vigor da diretiva controvertida, a articulação entre, por um lado, a extensão do âmbito de aplicação da Diretiva 2009/73 às interligações entre Estados‑Membros e países terceiros, prevista no artigo 2.o, ponto 17, desta diretiva, e, por outro, a adaptação dos requisitos de derrogação previstos nos artigos 36.o e 49.o‑A da referida diretiva produziu efeitos na situação jurídica da recorrente suscetíveis de individualizar esta última de modo análogo ao do destinatário de uma decisão.

163    Nestas circunstâncias, há que considerar que os requisitos de derrogação decorrentes dos artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva 2009/73, como alterados e inseridos pela diretiva controvertida, dizem individualmente respeito à recorrente.

164    Em segundo lugar, resulta das considerações que figuram nos n.os 61 a 81 e 94 a 115 do presente acórdão que estas disposições também dizem diretamente respeito à recorrente.

165    Em terceiro lugar, há que salientar que as referidas disposições são dissociáveis das outras disposições da Diretiva 2009/73, conforme alterada pela diretiva controvertida.

166    Resulta do conjunto das considerações que precedem que o recurso de anulação interposto pela recorrente no Tribunal Geral deve ser julgado admissível dentro dos limites mencionados no n.o 163 do presente acórdão.

167    O processo é remetido ao Tribunal Geral para que se conheça do mérito deste recurso de anulação.

 Quanto às despesas

168    Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      O n.o 1 do dispositivo do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 20 de maio de 2020, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (T526/19, EU:T:2020:210), na medida em que este número diz respeito à Recomendação adotada pela Comissão em 9 de junho de 2017, à atenção do Conselho da União Europeia, com vista à adoção de uma decisão que autorize a abertura de negociações relativas a um acordo internacional entre a União Europeia e a Federação da Rússia sobre a exploração do gasoduto Nord Stream 2 (anexo A 14), bem como os n.os 3 e 4 do dispositivo desse despacho, são anulados.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O recurso de anulação interposto pela Nord Stream 2 AG contra a Diretiva (UE) 2019/692 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, que altera a Diretiva 2009/73/CE, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural, é admissível na medida em que é dirigido contra as disposições dos artigos 36.o e 49.oA da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE, como alterados e inseridos pela Diretiva 2019/692.

4)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia para que conheça do mérito do recurso de anulação referido no n.o 3 do presente dispositivo.

5)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.