Language of document : ECLI:EU:C:2018:727

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 13 de setembro de 2018 (1)

Processo C92/16

Bankia SA

contra

HenryRodolfo Rengifo Jiménez,

SheylaJeanneth Felix Caiza

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia n.° 1 de Fuenlabrada (Tribunal de Primeira Instância n.° 1 de Fuenlabrada, Espanha)]

«Reenvio prejudicial – Diretiva 93/13/CEE – Proteção dos consumidores – Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – Cláusula de vencimento antecipado de um mútuo hipotecário – Artigo 6.°, n.° 1 – Artigo 7.°, n.° 1 – Declaração do caráter parcialmente abusivo ‑ Poderes do juiz nacional»





e

Processo C167/16

Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA

contra

Fernando Quintano Ujeta,

María Isabel Sánchez García

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia n.° 2 de Santander (Tribunal de Primeira Instância n.° 2 de Santander, Espanha)]

«Reenvio prejudicial – Diretiva 93/13/CEE – Proteção dos consumidores – Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – Cláusula de vencimento antecipado de um mútuo hipotecário – Artigo 6.°, n.° 1 – Artigo 7.°, n.° 1 – Declaração do caráter parcialmente abusivo ‑ Poderes do juiz nacional»


I.      Introdução

1.        Os presentes pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE (2). Mais precisamente, o Juzgado de Primera Instancia n.° 1 de Fuenlabrada (Tribunal de Primeira Instância n.° 1 de Fuenlabrada, Espanha) e o Juzgado de Primera Instancia n.° 2 de Santander (Tribunal de Primeira Instância n.° 2 de Santander, Espanha) questionam‑se, nomeadamente, quanto à compatibilidade da jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), relativa à interpretação das cláusulas de vencimento antecipado no âmbito de um processo especial de execução de um imóvel hipotecado (a seguir «processo de execução hipotecária»), com o sistema de proteção dos consumidores estabelecido por esta diretiva.

2.        Assim, os processos principais inscrevem‑se no mesmo contexto jurídico e judicial dos processos C‑486/16, C‑70/17 e C‑179/17 (3).

3.        A semelhança entre as questões prejudiciais que deram origem aos presentes processos e as submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos C‑70/17 e C‑179/17, no âmbito dos quais apresento hoje as minhas conclusões, permite‑me remeter para a argumentação das conclusões destes processos paralelos a fim de evitar repetições.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        Resulta do quarto considerando da Diretiva 93/13 «que compete aos Estados‑Membros providenciar para que não sejam incluídas cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores».

5.        O artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 dispõe:

«As disposições da presente diretiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas […].»

6.        O artigo 3.°, n.os 1 e 2, desta diretiva prevê:

«1.      Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.      Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.»

7.        O artigo 4.° da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.°, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

8.        O artigo 6.°, n.° 1, da referida diretiva está redigido do seguinte modo:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

9.        O artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

B.      Direito espanhol

10.      O artigo 1124.° do Código Civil dispõe:

«No caso das obrigações sinalagmáticas, a possibilidade de resolver as obrigações é considerada implícita, no caso de uma das partes contratantes não cumprir as suas obrigações.

A parte lesada pode optar por exigir o cumprimento ou pela resolução da obrigação, juntamente com o ressarcimento de danos e o pagamento de juros em ambos os casos. Mesmo após ter optado pelo cumprimento, a parte lesada pode pedir a resolução quando o cumprimento for impossível.

O tribunal decretará a resolução pedida se não houver fundamentos para fixar um prazo para o cumprimento.»

11.      O artigo 1129.° do Código Civil prevê:

«O devedor perde o direito de se prevalecer do prazo [de cumprimento]:

1.      Quando, após ter contraído a obrigação, se verifique que é insolvente, salvo se garantir a dívida [...]»

12.      Por força do artigo 552.°, n.° 1, da Ley 1/2000 de Enjuiciamiento Civil (Lei 1/2000, relativa ao Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000 (4), na versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «LEC»), relativo à fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas:

«O Tribunal fiscaliza oficiosamente se uma cláusula de um dos títulos executivos referidos no artigo 557.°, n.° 1, pode ser qualificada de abusiva. Caso considere que uma das cláusulas pode ser qualificada como tal, ouve as partes no prazo de quinze dias. Ouvidas as partes, pronuncia‑se nos cinco dias úteis seguintes, em conformidade com o previsto no artigo 561.°, n.° 1, ponto 3.»

13.      O artigo 557.° da LEC tem a seguinte redação:

«1.      Quando a execução é ordenada com base num dos títulos previstos no artigo 517.°, n.° 2, pontos 4, 5, 6 e 7, ou noutros documentos com força executória, referidos no artigo 517.°, n.° 2, ponto 9, o executado só se pode opor à mesma, nos prazos e formas previstos no artigo anterior, se se basear num dos seguintes fundamentos:

[...]

7      Que o título contenha cláusulas abusivas.

2.      Deduzida a oposição referida no número anterior, o secretário judicial procede à suspensão da execução através de uma medida de organização do processo.»

14.      Nos termos do artigo 561.°, n.° 1, ponto 3, da LEC:

«Se uma ou várias cláusulas forem declaradas abusivas, o despacho adotado especifica as consequências desse facto, julgando a execução improcedente ou ordenando‑a sem aplicação das cláusulas consideradas abusivas.»

15.      O artigo 561.°, n.° 3, da LEC dispõe que:

«O despacho sobre a oposição [à execução] é suscetível de recurso, o qual não suspende a execução caso a decisão recorrida tenha julgado improcedente a oposição.»

16.      De acordo com o artigo 693.°, n.os 2 e 3, da LEC, relativo ao vencimento antecipado de dívidas a pagar em prestações:

«2.      O pagamento do montante total da dívida de capital e juros pode ser reclamado quando tiver sido convencionado o vencimento total do empréstimo para o caso de mora no pagamento de, pelo menos, três prestações mensais sem que o devedor cumpra a sua obrigação de pagamento ou um número de prestações equivalente ao incumprimento da obrigação do devedor durante, pelo menos, três meses, e este acordo constasse da escritura de constituição do empréstimo e do registo correspondente.

3.      No caso referido no número anterior, o credor pode pedir, sem prejuízo da execução da totalidade da dívida, que o devedor seja informado, até ao dia designado para a realização da venda judicial, da possibilidade de liberar o bem mediante a consignação da quantia exata de capital e juros vencida à data de entrada da ação, acrescida, se for esse o caso, das prestações e dos juros de mora vencidos no decurso do processo e que estejam por pagar no todo ou em parte. Para o efeito, o credor pode pedir que se proceda em conformidade com o artigo 578.°, n.° 2.

Se o bem hipotecado for uma residência principal, o devedor pode, mesmo sem o consentimento do credor, liberar o bem mediante a consignação das quantias designadas no parágrafo anterior.

Se o bem for liberado uma vez, pode ser liberado uma segunda ou diversas vezes, desde que decorram pelo menos três anos entre a data da liberação do bem e o pedido de pagamento judicial ou extrajudicial do credor.

Se o devedor efetuar o pagamento nas condições previstas nos números anteriores, procede‑se a uma avaliação das despesas, calculadas com base na quantia das prestações vencidas que foram pagas em atraso, no limite previsto no artigo 575.°, n.° 1 bis; pagas as despesas, o secretário judicial profere uma decisão fundamentada em que libera o bem e declara a conclusão do processo. O mesmo se aplica quando o pagamento é efetuado por um terceiro com o consentimento do executado.»

17.      O artigo 695.° da LEC, relativo à oposição à execução hipotecária, tem a seguinte redação:

«1.      Nos processos que são objeto do presente capítulo, a oposição deduzida pelo executado só pode ter por base um dos fundamentos seguintes:

[...]

4.°      O caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitui o fundamento da execução ou que permitiu determinar a quantia exigível.

2.      Deduzida a oposição referida no número anterior, secretário judicial procede à suspensão da execução e convoca as partes para comparecerem no tribunal que proferiu o despacho de execução. Deverá proceder‑se à citação para comparência pelo menos quinze dias antes da realização da audiência em questão. Nessa audiência, o tribunal ouve as partes, admite os documentos apresentados e adota a decisão pertinente, sob a forma de despacho, no segundo dia.

3.      [...]

Caso o quarto fundamento [do n.° 1 do presente artigo] seja acolhido, é declarada a improcedência da execução se a cláusula contratual constituir o seu fundamento. Nos outros casos, a execução prossegue com a não aplicação da cláusula abusiva.

[...]»

18.      O artigo 698.°, n.° 1, da LEC dispõe:

«Qualquer reclamação que o devedor, o terceiro possuidor ou qualquer interessado possam apresentar e que não esteja referida nos artigos anteriores, incluindo as que digam respeito à nulidade do título ou ao vencimento, à certeza, à extinção ou à quantia da dívida, será apreciada no processo judicial pertinente, sem nunca produzir efeito suspensivo nem interromper o processo [judicial de execução] previsto no presente capítulo.»

19.      A Diretiva 93/13 foi transposta para a ordem jurídica espanhola pela Ley 7/1998 sobre condiciones generales de la contratación (Lei 7/1998 relativa às Condições Gerais dos Contratos), de 13 de abril de 1998 (5), e pelo Real Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias (Real Decreto Legislativo 1/2007 que aprova o texto reformulado da Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Utentes e outras Leis Complementares), de 16 de novembro de 2007 (6).

20.      De acordo com o artigo 83.° do referido texto reformulado, na versão alterada pela Lei n.° 3/2014, de 27 de março de 2014 (7):

«As cláusulas abusivas são nulas de pleno direito e consideram‑se não escritas. Para o efeito, o juiz, ouvidas as partes, declara a nulidade das cláusulas abusivas incorporadas no contrato, que, não obstante, continuará a vincular as partes nos mesmos termos, caso possa subsistir sem as cláusulas abusivas.»

III. Factos na origem dos litígios nos processos principais e questões prejudiciais

21.      Os factos pertinentes na origem dos litígios nos processos principais podem resumir‑se do seguinte modo.

A.      Processo C92/16

22.      Em 11 de dezembro de 2003, Henry‑Rodolfo Rengifo Jiménez e Sheyla‑Jeanneth Felix Caiza obtiveram um mútuo com garantia hipotecária sobre a sua casa da Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (Cajamadrid, atual Bankia SA, a seguir «Bankia»). O mútuo, na quantia de 179 600 euros e com um prazo de duração de vinte e cinco anos, devia ser reembolsado em 300 prestações mensais.

23.      A cláusula 6 bis, n.° 2, do contrato de mútuo hipotecário prevê que «[o] empréstimo é considerado vencido e, consequentemente, concluído [...] nos seguintes casos: a) incumprimento no pagamento de uma prestação mensal, incluindo todos os elementos que a compõem, tendo as partes solicitado expressamente a menção desta cláusula nos livros de registo predial espanhol.»

24.      Em 10 de dezembro de 2015, na sequência do não pagamento de seis prestações pelos devedores, o Bankia apresentou um pedido de execução hipotecária no Juzgado de Primera Instancia n.° 1 de Fuenlabrada (Tribunal de Primeira Instância n.° 1 de Fuenlabrada) para obter a execução do bem hipotecado no montante de 149 103,84 euros de capital principal, 1 313,28 euros de juros remuneratórios vencidos e não pagos, 27,82 euros de juros de mora vencidos e não pagos e 45 000 euros de juros e despesas calculados provisoriamente.

25.      O órgão jurisdicional de reenvio justifica o presente pedido de decisão prejudicial com o facto de ter dúvidas, por um lado, relativamente à disparidade de decisões dos órgãos jurisdicionais espanhóis respeitantes às consequências substantivas e processuais da eventual nulidade de uma cláusula de vencimento antecipado no processo de execução hipotecária, como o que está em causa no processo principal, e, por outro, quanto ao acórdão de 23 de dezembro de 2015 (8) do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal). As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio prendem‑se, nomeadamente, com a interpretação das cláusulas de vencimento antecipado aceite pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) nesse acórdão, em que considerou que a respetiva validade requer que estas cláusulas adaptem a gravidade do incumprimento em função da duração e da quantia do mútuo, e permitam ao consumidor afastar a sua aplicação, através de um comportamento diligente de reparação. O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) esclareceu, no entanto, que a execução hipotecária pode ser prosseguida se a faculdade de vencimento antecipado do empréstimo tiver sido exercida de forma não abusiva, devido às vantagens que o processo especial confere ao consumidor. Além disso, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) permitiu a aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional, como o artigo 693.°, n.° 2, da LEC, para o referido processo poder prosseguir (9).

26.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que esse acórdão do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) contém um voto de vencido segundo o qual «a referida jurisprudência [do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal)], de um modo frontal e com caráter geral, desvirtua conceptualmente o controlo do caráter abusivo, neutraliza a sua efetividade e função, pressupõe uma clara integração da cláusula declarada abusiva e, em suma, é contrária à jurisprudência do Tribunal [de Justiça] neste domínio». O voto de vencido conclui que a execução deve ser julgada improcedente (10).

27.      O órgão jurisdicional de reenvio refere que a resposta às questões submetidas será, portanto, decisiva para o processo de execução hipotecária dado que essa resposta poderá conduzir, nomeadamente, à prossecução da execução pela totalidade do mútuo, à improcedência do processo de execução ou ainda à prossecução da execução, mas apenas pelas prestações vencidas e não pagas e pelas que se vão vencendo ao longo do processo de execução.

28.      Foi nestas circunstâncias que o Juzgado de Primera Instancia n.° 1 de Fuenlabrada (Tribunal de Primeira Instância n.° 1 de Fuenlabrada), por decisão de 8 de fevereiro de 2016, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 de fevereiro de 2016, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 6.°, n.° 1 da [Diretiva 93/13] ser interpretado no sentido de que um contrato não pode subsistir sem a cláusula abusiva quando o contrato remanescente for desproporcionadamente oneroso para o profissional?

2)      Caso o contrato [desproporcionadamente oneroso para o profissional] não possa subsistir […], o tribunal nacional, para salvaguardar o contrato, em defesa do consumidor, está autorizado a aplicar uma disposição de caráter supletivo ou é obrigado a integrar o contrato com uma regra minimamente aceitável para o profissional?

3)      Uma cláusula de vencimento antecipado declarada inválida por ser abusiva permite a subsistência do contrato remanescente, na aceção do artigo 6.°, n.° 1 da Diretiva 93/13?

4)      Pode o consumidor, perante o tribunal que conhece do processo, renunciar ao regime de proteção da Diretiva 93/13?

5)      É compatível com o princípio da efetividade da Diretiva 93/13 e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir «Carta»] uma lei processual nacional que faz depender os direitos ou vantagens substantivos do consumidor do facto de se submeter a um processo de execução especialmente célere e que não reconhece esses direitos ou vantagens noutros processos?»

B.      Processo C167/16

29.      Em 23 de junho de 2008, a instituição financeira Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA (a seguir «BBVA»), exequente no processo principal, e Fernando Quintano Ujeta e María Isabel Sánchez García, os executados, celebraram um contrato de mútuo hipotecário correspondente a uma quantia de 79 234,96 euros com vista a financiar a compra de um bem imóvel que é a sua habitação. O empréstimo devia ser reembolsado em 204 prestações mensais.

30.      Em conformidade com a cláusula 6 bis do mútuo hipotecário relativa ao vencimento antecipado, «o banco pode declarar o vencimento antecipado da totalidade do empréstimo e exigir o reembolso antecipado do capital acrescido de juros e despesas até integral pagamento, nos casos seguintes: a) falta de pagamento, no respetivo vencimento, de uma parte do capital mutuado ou dos respetivos juros […]».

31.      A fim de garantir o pagamento do empréstimo foi constituída a favor do banco, na cláusula 9 do referido contrato de mútuo, uma hipoteca sobre um imóvel de habitação pertencente a um dos demandados no processo principal.

32.      Em 29 de novembro de 2012, depois de verificada a falta de pagamento de quatro prestações pelos devedores, o BBVA decidiu encerrar a conta e liquidar o empréstimo. Em 8 de maio de 2013, o BBVA apresentou um pedido de execução hipotecária no órgão jurisdicional de reenvio para obter a execução do bem hipotecado no montante de 66 721,68 euros de capital principal e 20 015 euros de juros não vencidos e despesas.

33.      Por despacho de 4 de junho de 2013, a cláusula que fixava a taxa dos juros de mora em 20% foi declarada nula e a referida taxa foi reduzida para uma taxa nula. O BBVA interpôs recurso desta decisão. Em 23 de setembro de 2013, os executados deduziram oposição à execução hipotecária e pediram a declaração do caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado. Foi nestas condições que as questões prejudiciais foram submetidas ao Tribunal de Justiça por decisão de 19 de novembro de 2013 (11). O Tribunal de Justiça respondeu às referidas questões por despacho de 11 de junho de 2015 (12). Na sequência da notificação deste despacho, o órgão jurisdicional de reenvio confirmou a sua decisão por despacho de 2 de outubro de 2015, declarando a nulidade da cláusula relativa aos juros de mora.

34.      No que respeita à cláusula de vencimento antecipado, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu ouvir as partes. Na audiência realizada em 18 de dezembro de 2015, os executados pediram a suspensão da instância. O BBVA deduziu oposição.

35.      Paralelamente à apreciação desta questão pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) proferiu o seu acórdão relativo à cláusula de vencimento antecipado em 23 de dezembro de 2015 (13). O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, caso adote a apreciação do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), haverá que prosseguir a execução hipotecária como se a cláusula de vencimento antecipado fosse válida. Além disso, esclarece que, caso a execução prossiga, embora o executado possa interpor recurso (14), este não excluiria o risco de perda da habitação (que poderia ser vendida a um terceiro), atendendo a que não tem efeito suspensivo (15).

36.      Foi nestas condições que o Juzgado de Primera Instancia n.° 2 de Santander (Tribunal de Primeira Instância n.° 2 de Santander), por decisão de 8 de março de 2016, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de março de 2016, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com [o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13] o facto de a qualificação como abusiva de uma cláusula de vencimento antecipado, que constitui o fundamento de um processo de execução, não ter nenhuma consequência para efeitos do processo judicial em que esse caráter abusivo é detetado?

2)      [O artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13] são compatíveis com uma interpretação que faz depender as consequências da qualificação como abusiva de uma cláusula de vencimento antecipado das características específicas dos processos pelos quais o profissional pode optar?

3)       É compatível com [o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13] uma interpretação segundo a qual, mesmo que uma cláusula preestabelecida permita o vencimento antecipado da dívida, num contrato a longo prazo, em caso de incumprimento não grave e deixe o consumidor numa situação mais desfavorável do que a resultante da norma nacional de caráter supletivo, essa cláusula não seria nula por existir uma regra corretora na legislação processual nacional aplicável apenas no processo específico por que o profissional optou e só se se verificarem determinadas condições?

4)      O artigo 693.°, n.° 3, da LEC constitui um remédio adequado e eficaz que permite ao consumidor pôr termo aos efeitos de [uma cláusula de vencimento antecipado abusiva], tendo em conta que este deve pagar os juros e as despesas?

5)       Respeita o princípio da efetividade constante da Diretiva 93/13 e da [Carta] uma lei processual nacional que concede ao consumidor direitos que este pode invocar num processo de execução especialmente célere, pelo qual o profissional pode optar em alternativa a outros processos nos quais esses direitos são desconhecidos?»

IV.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

37.      Por decisões do Presidente do Tribunal de Justiça de 18 de março, 21 de abril e 10 de outubro de 2016, respetivamente, os processos C‑92/16, C‑167/16 e C‑486/16 foram suspensos até à prolação do Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (16).

38.      Na sequência da notificação deste acórdão, os órgãos jurisdicionais de reenvio indicaram, mediante despachos que deram entrada no Tribunal de Justiça em 21 de fevereiro de 2017, no processo C‑92/16, e em 16 de fevereiro de 2017, no processo C‑167/16, que pretendiam manter os presentes pedidos de decisão prejudicial.

39.      Por decisão do Presidente do Tribunal de Justiça de 24 de outubro de 2017, os processos C‑92/16, C‑167/16, C‑486/16, C‑70/17 e C‑179/17 foram sujeitos a um tratamento coordenado.

40.      Por decisão de 20 de fevereiro de 2018, o Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 29.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, decidiu remeter os processos C‑92/16, C‑167/16 e C‑486/16 à primeira secção com a mesma composição e, nos termos do artigo 77.° do mesmo regulamento, organizou uma audiência de alegações comum a estes processos.

41.      H. Rengifo Jiménez e S. Felix Caiza apresentaram observações escritas no processo C‑92/16. O Bankia apresentou observações no processo C‑92/16, e o BBVA no processo C‑167/16. Os Governos espanhol, checo, polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações em cada um dos dois processos. O Governo italiano apresentou observações apenas no processo C‑92/16, e o Governo húngaro no processo C‑167/16.

42.      Foram ouvidas as alegações dos representantes das partes nos litígios nos processos principais, do Governo espanhol e da Comissão na audiência comum realizada em 16 de maio de 2018.

V.      Análise

A.      Observações preliminares e reformulação das quatro primeiras questões prejudiciais no processo C92/16 e das três primeiras questões prejudicais no processo C167/16

43.      Como já referi, as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos principais são muito semelhantes às submetidas nos processos C‑70/17 e C‑179/17, dado que os problemas de direito suscitados por estes quatro processos são quase idênticos. Com efeito, estes problemas jurídicos respeitam, por um lado, ao alcance da declaração do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado e, por outro, à possibilidade de prosseguir o processo de execução hipotecária através da aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional, como o artigo 693.°, n.° 2, da LEC.

44.      Na minha opinião, tal justifica não apenas a apresentação de conclusões comuns nestes dois processos, mas, igualmente, a reformulação das quatro primeiras questões prejudiciais submetidas no processo C‑92/16, e das três primeiras no processo C‑167/16, de acordo com a redação adotada nas conclusões que apresento nos processos C‑70/17 e C‑179/17.

45.      Recordo, a este respeito, que no âmbito de um processo intentado ao abrigo do artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça pode extrair da redação das questões formuladas pelo juiz nacional, tendo em conta os dados por este expostos, os elementos que se prendem com a interpretação do direito da União (17).

46.      Por conseguinte, atendendo aos fundamentos das decisões de reenvio e à redação das quatro primeiras questões no processo C‑92/16, e das três primeiras no processo C‑167/16, que cumpre examinar conjuntamente, há que entendê‑las no sentido de que os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem, em substância, saber, por um lado, se o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional que declara o caráter abusivo de uma cláusula contratual que permite exigir o vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário, nomeadamente por falta de pagamento de uma única prestação, possa manter a validade parcial dessa cláusula, mediante a simples eliminação do fundamento do vencimento que a torna abusiva. Estes órgãos jurisdicionais pretendem saber, por outro lado, se o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual, quando o caráter abusivo de uma cláusula relativa ao vencimento antecipado foi declarado por um órgão jurisdicional nacional, o processo especial de execução hipotecária instaurado na sequência da aplicação da referida cláusula pode, contudo, prosseguir através da aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional, como o artigo 693.°, n.° 2, da LEC, na medida em que este processo pode ser mais favorável aos consumidores do que a execução de uma decisão de condenação proferida no âmbito do processo declarativo.

B.      Considerações gerais quanto à proteção do consumidor e recapitulação da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça

47.      A fim de responder às questões prejudiciais submetidas nos presentes processos, devemos basear‑nos, por um lado, nas considerações gerais expostas nos n.os 51 a 57 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17, e, por outro, na jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça analisada nos n.os 65 a 82 dessas conclusões. Com efeito, tais considerações e a jurisprudência do Tribunal de Justiça nelas analisada constituem o fundamento das respostas sugeridas às questões de direito suscitadas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos C‑70/17 e C‑179/17, e são plenamente transponíveis para as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos principais.

48.      No que respeita às considerações gerais, estas permitem, em primeiro lugar, definir o quadro em que se insere a Diretiva 93/13, constatar a forma como o direito da União colocou a defesa do consumidor no cerne do processo de integração europeia, nomeadamente através desta diretiva, e, por fim, relembrar um aspeto essencial da referida diretiva, a saber, que a harmonização da defesa do consumidor é necessária para reforçar o mercado interno e, desse modo, a vida económica e social (18).

49.      No que respeita à jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça, a exposição que figura nos n.os 65 a 82 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17 salientou um aspeto essencial, a saber, que o controlo das cláusulas abusivas pelo juiz nacional comporta duas etapas sucessivas e diferentes que implicam duas operações ou exercícios distintos. A primeira etapa consiste na qualificação, pelo juiz nacional, da cláusula contratual como abusiva, enquanto que a segunda respeita às consequências que este deve retirar da qualificação da cláusula como abusiva. Este exercício do juiz nacional, que consiste em retirar todas as consequências decorrentes da declaração do caráter abusivo da cláusula, é temporal e substantivamente distinto do exercício de qualificação que o precede. O facto de se sucederem no tempo não nos deve levar a confundir as duas operações. De resto, e como veremos a seguir (19), as diferenças entre ambas decorrem claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

50.      Resulta, portanto, desta jurisprudência pertinente que, após ter declarado o caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado (primeira etapa) (20), a regra geral assente na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, que decorre da letra do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, é que o juiz nacional está obrigado a retirar todas as consequências dessa declaração (segunda etapa), ou seja, está obrigado a afastar a aplicação de uma cláusula abusiva, não estando habilitado a modificar o seu conteúdo. O contrato deve, em princípio, subsistir sem nenhuma modificação a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas, na medida em que, de acordo com as regras de direito interno, a subsistência do contrato seja juridicamente possível (21).

51.      Resulta igualmente da análise da jurisprudência pertinente que, à data, só existe uma exceção a esta regra geral: a que foi adotada no Acórdão Kásler e Káslerné Rábai (22). Todavia, tal como indiquei nos n.os 80 a 82 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17, a aplicação, pelo juiz nacional, da exceção consagrada neste acórdão, em conformidade com a Diretiva 93/13 e a sua jurisprudência, foi sujeita pelo Tribunal de Justiça a determinados requisitos. Assim, quando um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor não pode subsistir após a supressão de uma cláusula abusiva, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 não se opõe a uma regra de direito que permite ao juiz nacional sanar a nulidade desta cláusula substituindo‑a por uma disposição de direito nacional de caráter supletivo (23).Todavia, devem estar preenchidos dois requisitos. Por um lado, esta substituição deve ter «como resultado que o contrato pode subsistir apesar da supressão da cláusula [abusiva]» e que o contrato «continua a ser vinculativo para as partes» (24). Por outro lado, caso o juiz seja obrigado a anular o contrato na totalidade, a referida substituição deve ter por efeito evitar que os consumidores sejam expostos a «consequências particularmente prejudiciais, de modo que o caráter dissuasivo resultante da anulação do contrato poderia ficar comprometido» (25).

52.      É, portanto, à luz da jurisprudência exposta nos números anteriores, e analisada de modo aprofundado nos n.os 65 a 82 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17, que há que responder às questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos presentes processos.

C.      Quanto às quatro primeiras questões no processo C92/16 e às três primeiras no processo C167/16

53.      Importa recordar que os órgãos jurisdicionais de reenvio nos presentes processos fazem referência ao Acórdão de 23 de dezembro de 2015 do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), relativo à cláusula de vencimento antecipado (26). A este respeito, os órgãos jurisdicionais de reenvio consideram, nomeadamente, que a abordagem adotada pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), que consiste na eliminação do fundamento do vencimento que justifica o caráter abusivo deste tipo de cláusulas (27), acompanhada pela aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional, como o artigo 693.°, n.° 2 da LEC, a fim de permitir a prossecução do processo em causa, equivaleria, em última análise, a uma alteração da cláusula de vencimento antecipado, o que seria contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

54.      O órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑167/16 sublinha, além disso, que a cláusula de vencimento antecipado não é essencial e que o mútuo hipotecário pode perfeitamente subsistir sem essa cláusula. O órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑92/16, embora considerando que a cláusula de vencimento antecipado é acessória e separável do resto do contrato de mútuo (28), tem dúvidas quanto à possibilidade da subsistência do contrato na medida em que, após a supressão da cláusula abusiva pelo juiz nacional, o referido contrato poderia determinar uma onerosidade desproporcionada para a instituição bancária. Por este motivo, questiona‑se se este elemento deve ser tido em consideração para apreciar a eventual subsistência do contrato.

55.      O órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑92/16 salienta ainda que, no acórdão de 23 de dezembro de 2015, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) argumentou que não há lugar à improcedência do processo de execução hipotecária, pese embora o peticionado pelo consumidor, devido às vantagens que este processo especial confere ao consumidor. Todavia, este órgão jurisdicional de reenvio indica que, no caso em apreço, os consumidores devedores executados pedem a improcedência da execução com base no caráter abusivo da cláusula controvertida e que, nos termos do Acórdão Pannon GSM (29), deveria admitir a renúncia do consumidor devedor a essas vantagens.

56.      Atendendo às dúvidas expressas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio quanto à conformidade dessa jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) com a Diretiva 93/13 e a jurisprudência do Tribunal de Justiça, remeto para a argumentação exposta nos n.os 84 a 136 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17.

57.      Em especial, no que respeita à subsistência do mútuo hipotecário, remeto para a argumentação exposta nos n.os 116 a 120 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17. Por conseguinte, limito‑me aqui a recordar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o critério da subsistência do contrato deve ser apreciado unicamente no plano jurídico, «na medida em que, em conformidade com as regras de direito interno, a subsistência do contrato seja juridicamente possível» (30).

58.      Neste contexto, afigura‑se‑me útil sublinhar, como já referi no n.° 117 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17, que não se trata de ter em conta considerações como o facto de saber se o banco teria concedido, ou não, um empréstimo sem garantia hipotecária ou quais seriam as consequências da supressão de uma cláusula abusiva para o credor, mas de saber se o contrato é anulado, ou não, segundo o direito nacional.

59.      Em conformidade com a análise desenvolvida nos n.os 84 a 108 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17, há que responder às quatro primeiras questões prejudiciais no processo C‑92/16 e às três primeiras no processo C‑167/16 que, por um lado, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional que declara o caráter abusivo de uma cláusula contratual que permite exigir o vencimento antecipado de um mútuo hipotecário, nomeadamente por falta de pagamento de uma única prestação, possa manter a validade parcial desta cláusula, mediante a simples eliminação do fundamento do vencimento que a torna abusiva.

60.      Há que responder, por outro lado, com base no conjunto de considerações exposto nos n.os 110 a 135 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17, que os artigos 6.°, n.° 1 e 7.°, n.° 1 da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual, quando o caráter abusivo de uma cláusula relativa ao vencimento antecipado foi declarado por um órgão jurisdicional nacional, o processo de execução hipotecária instaurado na sequência da aplicação da referida cláusula pode, contudo, prosseguir através da aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional, como o artigo 693.°, n.° 2, da LEC, na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais, na medida em que este processo pode ser mais favorável aos consumidores do que a execução de uma decisão de condenação proferida no âmbito do processo declarativo, a menos que o consumidor, após ter sido devidamente informado do caráter não vinculativo da cláusula pelo juiz nacional, dê o seu consentimento livre e esclarecido e manifeste a sua intenção de não invocar o caráter abusivo e não vinculativo da cláusula.

D.      Quanto à quarta questão no processo C167/16

61.      Atendendo à minha proposta de resposta às três primeiras questões no processo C‑167/16, nos termos da qual o juiz nacional que declarou o caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado não pode instaurar ou, se for caso disso, prosseguir, apesar da declaração, um processo de execução hipotecária intentado contra o devedor consumidor, mesmo quando entenda que esse processo lhe é mais favorável, considero não ser necessário responder a esta questão (31).

E.      Quanto à quinta questão nos processos C92/16 e C167/16

62.      Através da sua quinta questão prejudicial, os órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos C‑92/16 e C‑167/16 pretendem saber, em substância, se a exigência de efetividade dos direitos concedidos pela Diretiva 93/13 se opõe a uma lei processual nacional nos termos da qual o consumidor só pode invocar determinados direitos específicos ou vantagens substantivas no caso de aceitar que lhe seja oposto um processo de execução hipotecária especialmente célere, e não lhe reconhece esses direitos ou vantagens noutros processos (32).

63.      A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça declarou que, na falta de regulamentação pelo direito da União, as normas processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos que o direito da União confere às pessoas são as previstas na ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, por força do princípio da autonomia processual destes. No entanto, essas normas não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência), nem ser concebidas de forma a tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (33).

64.      O Tribunal de Justiça também considerou que as características específicas do processo jurisdicional, cuja tramitação se dá no quadro do direito nacional entre o profissional e o consumidor, não podem constituir um elemento suscetível de afetar a proteção jurídica de que o consumidor deve beneficiar ao abrigo das disposições desta diretiva (34).

65.      Há que referir que, através desta questão, os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber se o processo de execução hipotecária espanhol no seu conjunto é ou não conforme, de forma geral, ao princípio da efetividade. Ora, o Tribunal de Justiça não dispõe de um conhecimento suficiente de todos os aspetos deste processo para poder determinar em que medida a atribuição ao consumidor de vantagens apenas no âmbito do processo de execução hipotecária, é compatível com o princípio da efetividade.

66.      De resto, tendo em conta a natureza distinta dos processos nacionais, considero que o simples facto de certos direitos e vantagens serem reconhecidos aos consumidores pelo legislador nacional no âmbito do processo de execução hipotecária e não no âmbito de outros processos não pode, por si só, implicar que esse processo seja contrário às exigências do princípio da efetividade.

67.      Além disso, os órgãos jurisdicionais de reenvio não indicam os artigos da Carta cuja interpretação solicitam, nem as razões que os levaram a interrogar‑se sobre a sua interpretação. Em todo o caso, não vislumbro as razões pelas quais o processo de execução hipotecária espanhol no seu conjunto seria contrário à Carta.

68.      Nestas condições, considero que a exigência de efetividade dos direitos concedidos pela Diretiva 93/13 não se opõe a uma lei processual nacional nos termos da qual o consumidor só pode invocar determinados direitos específicos ou vantagens substantivas no caso de aceitar que lhe seja oposto um processo de execução hipotecária especialmente célere, e que não lhe reconhece esses direitos ou vantagens noutros processos.

VI.    Conclusão

69.      Atendendo ao conjunto de considerações que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Juzgado de Primera Instancia n.° 1 de Fuenlabrada (Tribunal de Primeira Instância n.° 1 de Fuenlabrada, Espanha) e pelo Juzgado de Primera Instancia n.° 2 de Santander (Tribunal de Primeira Instância n.° 2 de Santander, Espanha).

1)      O artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional que declara o caráter abusivo de uma cláusula contratual, que permite exigir o vencimento antecipado de um mútuo hipotecário, nomeadamente por falta de pagamento de uma única mensalidade, possa manter a validade parcial desta cláusula, mediante a simples eliminação do fundamento do vencimento que a torna abusiva.

2)      O artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual, quando o caráter abusivo de uma cláusula relativa ao vencimento antecipado foi declarado por um órgão jurisdicional nacional, o processo de execução hipotecária instaurado na sequência da aplicação da referida cláusula pode, contudo, prosseguir através da aplicação supletiva de uma disposição de direito nacional supletiva, como o artigo 693.°, n.° 2, da Ley 1/2000 de Enjuiciamiento Civil (Lei 1/2000 relativa ao Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000, na versão aplicável aos litígios nos processos principais, na medida em que este processo pode ser mais favorável aos consumidores do que a execução de uma decisão de condenação proferida no âmbito do processo declarativo, a menos que o consumidor, após ter sido devidamente informado do caráter não vinculativo da cláusula pelo juiz nacional, dê o seu consentimento livre e esclarecido e manifeste a sua intenção de não invocar o caráter abusivo e não vinculativo da cláusula.

3)      A exigência de efetividade dos direitos concedidos pela Diretiva 93/13 não se opõe a uma lei processual nacional nos termos da qual o consumidor só pode invocar determinados direitos específicos ou vantagens substantivas no caso de aceitar que lhe seja oposto um processo de execução hipotecária especialmente célere, e que não lhe reconhece esses direitos ou vantagens noutros processos.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).


3      Para uma visão geral da problemática jurídica subjacente aos pedidos prejudiciais nos processos C‑92/16, C‑167/16, C‑486/16, C‑70/17 e C‑179/17, remeto para as minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17, bem como no processo C‑486/16.


4      BOE n.° 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575.


5      BOE n.° 89, de 14 de abril de 1998, p. 12304.


6      BOE n.° 287, de 30 de novembro de 2007, p. 49181.


7      BOE n.° 52, de 1 de março de 2014, p. 19339.


8      Acórdão n.° 705/2015 (ECLI: ES:TS:2015:5618).


9      Na sequência da notificação do Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60), o órgão jurisdicional de reenvio sublinhou no seu despacho de 21 de fevereiro de 2017 que o acórdão do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) de 23 de dezembro de 2015, n.° 705/2015 (ECLI: ES:TS:2015:5618), não era compatível com este acórdão do Tribunal de Justiça. V., também, n.° 37 das presentes conclusões.


10      Este voto de vencido também é citado pelos órgãos jurisdicionais de reenvio nos processos C‑167/16 e C‑486/16. V., a este respeito, a nota de rodapé n.° 125 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17, assim como a nota n.° 21 das minhas conclusões no processo C‑486/16.


11      V. despacho de 11 de junho de 2015, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑602/13, não publicado, EU:C:2015:397, n.° 25): «[...] quanto à cláusula 6 do mútuo hipotecário relativa aos juros de mora, o órgão jurisdicional de reenvio considerou esta cláusula abusiva em razão da sua quantia elevada, expressando, todavia, dúvidas quanto às consequências jurídicas a retirar desta declaração. Na sua opinião, embora, por força da legislação nacional aplicável ao crédito hipotecário, as taxas dos juros de mora que sejam superiores a três vezes a taxa legal devem ser reduzidas para um valor inferior a esse teto, cabe recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o tribunal nacional não pode moderar uma cláusula abusiva.»


12      V. despacho de 11 de junho de 2015, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑602/13, não publicado, EU:C:2015:397, n.° 46). «[...] o artigo 6.°, n.° 1, e o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a disposições nacionais que prevejam a redução dos juros de mora no âmbito de um contrato de mútuo hipotecário, desde que essas disposições nacionais: não prejudiquem a apreciação, por parte do tribunal nacional a que foi submetido um processo de execução hipotecária desse contrato, da natureza “abusiva” da cláusula relativa aos juros de mora, e não obstem a que esse tribunal afaste a aplicação da referida cláusula se concluir pelo seu caráter «abusivo», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva.»


13      Acórdão n.° 705/2015 (ECLI: ES:TS:2015:5618). V. n.° 25. das presentes conclusões.


14      O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que, na sequência do Acórdão de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e Abril García, C‑169/14, EU:C:2014:2099, o artigo 695.°°, n.° 4, da LEC foi alterado no sentido de permitir ao consumidor interpor recurso da improcedência da impugnação de uma cláusula abusiva.


15      O órgão jurisdicional de reenvio refere, além disso, que um eventual processo autónomo (regulado pelo artigo 698.°, n.° 1, da LEC, que não permite suspender a execução) seria demasiado tardio e apenas asseguraria ao consumidor executado uma indemnização Esta hipótese já teria sido apreciada nos Acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.° 60), e de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e Abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.° 43), nos quais o Tribunal de Justiça qualificou esta proteção conferida ao consumidor «de incompleta e insuficiente» para «pôr termo à utilização da cláusula, declarada abusiva», que consta da escritura de constituição da hipoteca com base na qual o profissional procede à execução do imóvel hipotecado para garantia.


16      C‑421/14, EU:C:2017:60.


17      V. Acórdãos de 9 de julho de 1969, Völk (5/69, EU:C:1969:35, n.° 2), e de 17 de julho de 2008, ASM Brescia (C‑347/06, EU:C:2008:416, n.° 25).


18      V. n.os 51 a 57 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17.


19      V. n.° 65 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17.


20      V. n.os 66 a 71 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17 e jurisprudência referida.


21      Ver n.os 72 a 79 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17 e jurisprudência referida. Afigura‑se‑me importante remeter para o n.° 79 dessas conclusões, no qual insisto num ponto essencial: é inquestionável que o restabelecimento do equilíbrio entre o consumidor e o profissional não pode traduzir‑se na possibilidade de alterar as cláusulas contratuais abusivas. Com efeito, por um lado, essa possibilidade contradiria o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, que ficaria desprovido de sentido, e, em consequência, o efeito útil da proteção pretendida pela diretiva. Por outro lado, não permitiria manter o efeito dissuasivo que a impossibilidade de aplicar as cláusulas contratuais abusivas ao consumidor exerce sobre os profissionais.


22      Acórdão de 30 de abril de 2014 (C‑26/13, EU:C:2014:282).


23      Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282, n.° 85). V., também, Despacho de 11 de junho de 2015, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (C‑602/13, não publicado, EU:C:2015:397, n.° 38 e jurisprudência referida): «É verdade que o Tribunal de Justiça reconheceu também a possibilidade de o tribunal nacional substituir uma cláusula abusiva por uma disposição nacional de caráter supletivo, desde que essa substituição seja conforme com o objetivo do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 e permita restabelecer um equilíbrio real entre os direitos e as obrigações dos contratantes. Contudo, esta possibilidade está limitada aos casos em que a invalidade da cláusula abusiva obrigaria o tribunal a anular o contrato na íntegra, expondo o consumidor a consequências tais que este seria penalizado». V., igualmente, nota de rodapé n.° 21 das presentes conclusões e n.° 79 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17.


24      Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282, n.° 81).


25      Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282, n.° 83).


26      Acórdão n.° 705/2015 (ECLI: ES:TS:2015:5618). V. n.° 25 das presentes conclusões. Este acórdão foi confirmado posteriormente pelo acórdão de 18 de fevereiro de 2016, n.° 79/2016 (ECLI:ES:TS:2016:626). V. n.° 26 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17.


27      O órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑92/16 considera que a solução do blue pencil test equivaleria a uma alteração da cláusula abusiva, o que seria contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em sua opinião, tal exercício configura, na verdade, um caso de redução ou alteração da cláusula. No que respeita ao blue pencil test, conforme evocado no acórdão do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) e citado, igualmente, por esse órgão jurisdicional de reenvio, remeto para as observações expostas nos n.os 88 a 109 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17.


28      Note‑se que, no processo que deu origem ao Acórdão Banco Primus, o órgão jurisdicional de reenvio, ao qual competia apreciar se a cláusula controvertida nesse processo constituía um elemento essencial do contrato, indicou claramente, na sua decisão de reenvio, que «a cláusula [de vencimento antecipado] não [era] essencial e que o contrato [podia] perfeitamente subsistir sem ela». V. Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, e as minhas Conclusões nesse processo (C‑421/14, EU:C:2016:69).


29      Acórdão de 4 de junho de 2009 (C‑243/08, EU:C:2009:350).


30      O itálico é meu. Acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.° 65; de 30 de maio de 2013, Asbeek Brusse e de Man Garabito, C‑488/11, EU:C:2013:341, n.° 57; de 21 de janeiro de 2015, Unicaja Banco e Caixabank, C‑482/13, C‑484/13, C‑485/13 e C‑487/13, EU:C:2015:21, n.° 28, e de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.° 71.


31      Remeto para as considerações expostas nos n.os 127 a 133 das minhas conclusões nos processos C‑70/17 e C‑179/17.


32      O órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑92/16 considera que «forçar o consumidor a seguir o processo de execução hipotecária para poder beneficiar de certos direitos previstos unicamente nesse processo parece violar o princípio da efetividade».


33      Acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank, C‑472/11, EU:C:2013:88, n.° 26 e jurisprudência referida.


34      Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.° 55 e jurisprudência referida.