Language of document : ECLI:EU:T:2015:270

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

12 de maio de 2015 (*)

«Membro da Comissão — Inquérito do OLAF — Alegada decisão oral do presidente da Comissão de pôr termo às funções do interessado — Recurso de anulação — Inexistência de ato recorrível — Inadmissibilidade — Ação de indemnização»

No processo T‑562/12,

John Dalli, residente em St Julians (Malta), representado por L. Levi, A.‑M. Alamanou e S. Rodrigues, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Smulders, J. Baquero Cruz e J.‑P. Keppenne, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, por um lado, a anulação da decisão oral alegadamente tomada pelo presidente da Comissão, em 16 de outubro de 2012, e que pôs termo às funções do recorrente enquanto membro da Comissão e, por outro, um pedido de indemnização destinado a obter o ressarcimento do prejuízo alegadamente sofrido pelo recorrente na sequência dessa decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por: M. Jaeger, presidente, S. Papasavvas, N. J. Forwood (relator), I. Labucka e E. Bieliūnas, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos e após a audiência de 8 de julho de 2014,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Com a Decisão 2010/80/UE do Conselho Europeu, de 9 de fevereiro de 2010, que nomeia a Comissão Europeia (JO L 38, p. 7), o recorrente, J. Dalli, foi nomeado membro da Comissão Europeia para o período compreendido entre 10 de fevereiro de 2010 e 31 de outubro de 2014. Foi‑lhe atribuída a pasta da saúde e defesa do consumidor pelo presidente da Comissão, José Manuel Durão Barroso (a seguir «presidente Barroso»).

2        Em 21 de maio de 2012, a Comissão recebeu uma queixa (a seguir «queixa») da sociedade Swedish Match, contendo acusações graves relativas ao comportamento do recorrente. Segundo a queixosa, um empresário maltês, Silvio Zammit, teria utilizado os seus contactos com o recorrente para tentar obter dela e do European Smokeless Tobacco Council (ESTOC) uma vantagem pecuniária, em troca da sua intervenção para influenciar uma eventual futura proposta legislativa relativa aos produtos do tabaco e, nomeadamente, à proibição, pela União Europeia, da venda do produto conhecido como «snus».

3        Em 25 de maio de 2012, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) deu início a um inquérito sobre a queixa, em conformidade com os artigos 3.° e 4.° do Regulamento (CE) n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pelo OLAF (JO L 136, p. 1).

4        Por carta de 11 de julho de 2012, o OLAF informou o recorrente de que era objeto de um inquérito aberto na sequência da queixa relativa às tentativas de implicar dois operadores económicos no pagamento de subornos, com o objetivo de obter a adoção de uma medida em seu benefício por parte da Comissão. Foi recusado ao recorrente o acesso à queixa.

5        Em 16 de julho de 2012, o recorrente foi ouvido pela primeira vez pelo OLAF.

6        O presidente Barroso reuniu‑se com o recorrente em 25 de julho de 2012. No decurso deste encontro, o recorrente negou as acusações que lhe eram feitas na queixa.

7        Por carta de 27 de julho de 2012, o recorrente confirmou ao presidente Barroso que ignorava tudo em relação às negociações ocorridas entre as entidades que estavam na origem da queixa e uma «pessoa em Malta» e que não estava, de forma alguma, implicado neste processo.

8        Em 17 de setembro de 2012, o recorrente foi ouvido pela segunda vez pelo OLAF.

9        Por volta de 5 de outubro de 2012, o diretor‑geral do OLAF informou a secretária‑geral da Comissão, Catherine Day, de que o relatório final do inquérito relativo à queixa (a seguir «relatório do OLAF») estava prestes a ser‑lhe enviado.

10      Com base nesta informação, em 11 de outubro de 2012, o presidente Barroso mandou contactar o gabinete do recorrente com vista a agendar um encontro com o mesmo, o qual foi fixado para o dia 16 de outubro de 2012.

11      O relatório do OLAF foi transmitido a C. Day em 15 de outubro de 2012, à atenção do presidente Barroso. Este relatório ia acompanhado de uma carta assinada pelo diretor‑geral do OLAF (a seguir «carta anexa»), que resumia as principais conclusões do inquérito e informava o presidente Barroso de que estas lhe eram comunicadas para a adoção de eventuais medidas nos termos do Código de Conduta dos Comissários [C(2011) 2904].

12      A carta anexa enuncia, nomeadamente, o seguinte:

«Em 25 de maio de 2012, com base em informações comunicadas pela Comissão Europeia, o OLAF abriu um inquérito sobre as acusações de pedidos de suborno feitos a operadores económicos com o objetivo de obter o levantamento da proibição europeia do snus.

[…]

O comissário Dalli trocou várias vezes impressões com representantes da indústria tabaqueira no âmbito de reuniões informais e confidenciais, organizadas para o efeito sem a participação dos serviços competentes. Todos estes encontros foram organizados por S. Zammit, um empresário maltês que não pertence às instituições e que é amigo íntimo do comissário Dalli.

[…]

Embora não existam provas conclusivas da participação direta do comissário John Dalli como instigador ou mentor do pedido de dinheiro, um determinado número de provas indiciárias inequívocas e coincidentes, reunidas no decurso do inquérito, indicam que este tinha efetivamente conhecimento da atuação de S. Zammit e do facto de este utilizar o seu nome e as suas funções para obter benefícios pecuniários.

Além disso, sempre que foi ouvido pelo OLAF com vista a esclarecer a sua posição relativamente aos factos objeto do inquérito, ou quando escreveu ao OLAF, o comissário Dalli tentou minimizar a frequência e a extensão dos seus contactos com S. Zammit e omitir o seu conteúdo em relação ao processo em causa.

Em acréscimo, o comissário Dalli nunca tentou impedir os factos, dissociar‑se deles ou sinalizar a situação de que tinha conhecimento.

Com base nos factos apurados no inquérito do OLAF, pode concluir‑se que a imagem e a reputação da Comissão Europeia ficaram comprometidas junto dos produtores de tabaco e, potencialmente, da opinião pública.

O comportamento do comissário Dalli podia, por conseguinte, ser considerado uma falta grave ao seu dever de atuação no respeito pela dignidade e pelas obrigações associadas às suas funções.

[…]»

13      Na tarde de 16 de outubro de 2012, o recorrente encontrou‑se como o presidente Barroso no gabinete deste. Em seguida, reuniram‑se‑lhes o chefe de gabinete do presidente Barroso, Johannes Laitenberger, e o diretor‑geral do Serviço Jurídico da Comissão, Luis Romero Requena. Tendo as partes divergido quanto aos factos e quanto às circunstâncias, no decurso e no termo desta reunião (a seguir «reunião de 16 de outubro de 2012»), e estando estes no cerne do presente litígio, os mesmos serão determinados pelo Tribunal Geral no seguimento do presente acórdão.

14      Mais tarde nesse mesmo dia, o presidente Barroso telefonou ao Primeiro‑Ministro maltês, Lawrence Gonzi, para o informar da demissão do recorrente das suas funções de membro da Comissão e para lhe pedir para prover a sua substituição. O presidente Barroso escreveu igualmente aos presidentes do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia para lhes anunciar que o recorrente tinha «pedido a sua demissão com efeitos imediatos».

15      Mais tarde ainda nesse dia, pelas 17 horas, a Comissão publicou um comunicado de imprensa que anunciava a demissão do recorrente «com efeitos imediatos».

16      No decurso do mesmo dia, o recorrente publicou, por sua vez, um comunicado de imprensa através de uma organização privada.

17      Na sessão plenária do Parlamento maltês de 16 de outubro de 2012, L. Gonzi proferiu a seguinte declaração:

«Esta tarde, recebi uma chamada telefónica do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, no decurso da qual este me informou que tinha acabado de aceitar a demissão de J. Dalli do seu cargo de comissário.

O presidente Barroso explicou‑me que esta decisão foi tomada por J. Dalli face ao relatório do OLAF relativo ao inquérito sobre as atuações de terceiros.

[…]

No decurso de uma outra chamada telefónica que recebi um pouco mais tarde, J. Dalli disse‑me que contestaria todas as acusações que lhe eram dirigidas. Não obstante, decidiu demitir‑se do seu cargo de comissário com vista a melhor se defender, quer a ele próprio quer a instituição de que até então fazia parte.

Mais tarde no dia de hoje, pelas 17 horas, o gabinete do presidente da Comissão publicou um comunicado de imprensa, que apresento à atenção de todos na Assembleia.

[…]»

18      A transcrição e a tradução inglesa, autenticada por um tradutor nomeado oficialmente e ajuramentado a pedido do recorrente, de uma entrevista radiofónica em maltês dada pelo recorrente, na noite de 16 de outubro de 2012, contém as seguintes declarações:

«Entrevistador: O Senhor apresentou a sua demissão. Em primeiro lugar, porque se demitiu?

Recorrente: Fi‑lo pelos motivos que me foram transmitidos oralmente. Na realidade, até esta data, nada escrevi. […]. Com efeito, comecei esta mesma tarde a falar com as pessoas, com os meus advogados, com vista a iniciar os procedimentos necessários para provar que estas conclusões [do relatório do OLAF] são completamente falsas. Publico hoje um comunicado de imprensa, no qual afirmo igualmente que continuarei a trabalhar para que os esforços que os meus colaboradores e eu próprio realizámos para rever a diretiva relativa ao tabaco, que propunha regras mais rígidas sobre o tabagismo, continuem como previsto. Na próxima segunda‑feira iremos dar início ao processo. Espero que este processo prossiga.

[…]

Entrevistador: Então porque se demitiu, John? Porque sentiu necessidade de demitir‑se se […] ?

Recorrente: Deixe‑me dizer‑lhe, como já o fiz há algum tempo noutro programa de televisão. Eu não fico onde não me queiram, de acordo, e isto é algo que levo muito a sério. Comecei hoje a trabalhar e quero ter as mãos completamente livres para poder combater essas acusações.

Entrevistador: Acabou de dizer que não fica onde não o querem. O presidente Barroso obrigou‑o a demitir‑se, percebi‑o bem?

Recorrente: Em meu entender, essas palavras significam que não fico onde não me queiram, e fico‑me por aqui.

Entrevistador: Mas, Barroso forçou‑o a demitir‑se?

(impercetível, falam ambos ao mesmo tempo)

Recorrente: Haverá desenvolvimentos nos próximos dias.

Entrevistador: Ele forçou‑o a demitir‑se ou foi uma decisão sua?

Recorrente: Haverá desenvolvimentos nos próximos dias.

Entrevistador: Que desenvolvimentos poderemos esperar de tudo isto?

Recorrente: Os desenvolvimentos relativamente aos quais pedi conselho aos meus advogados, e seguirei os conselhos deles, passo a passo, com todas as ações que decidir empreender.

[…]».

19      Na sequência da reunião de 16 de outubro de 2012, L. Romero Requena elaborou uma «nota para o dossier», com data de 18 de outubro de 2012, contendo uma ata desta reunião. De acordo com a mesma, «[…] o recorrente, negando de forma categórica as acusações lhe que foram formuladas, referiu que, com vista a poder defender a sua reputação, pedia a sua demissão como membro da Comissão Europeia com efeitos imediatos».

20      Nesse mesmo dia, o recorrente recebeu da Comissão os documentos a assinar com vista a dar início à fase de «cessação» das suas funções e de pagamento do subsídio transitório. A este respeito, sublinha que se recusou fazer o que quer que fosse que pudesse dar a entender que se tinha demitido das suas funções de membro da Comissão, nomeadamente, a preencher os documentos que lhe teriam permitido obter as indemnizações e o reembolso das suas despesas de repatriamento. Tendo os serviços da Comissão efetuado duas transferências para a sua conta bancária a título de subsídio transitório, o recorrente comunicou à Comissão, em 28 de dezembro de 2012, que nunca tinha assinado nenhum pedido neste sentido e devolveu à Comissão os pagamentos efetuados para a sua conta bancária.

21      Em 21 de outubro de 2012, o recorrente escreveu ao presidente Barroso para o informar de que considerava não ter apresentado a sua demissão de forma válida, que entendia ter sido privado do direito de se defender de modo apropriado e que o seu direito à presunção de inocência havia sido violado pelo diretor‑geral do OLAF.

22      Em 22 de outubro de 2012, o recorrente escreveu aos membros do Parlamento para lhes dizer que negava categoricamente ter tido conhecimento de quaisquer negociações ou comunicações que possam ter tido lugar entre o empresário maltês em causa e os produtores de snus e que o OLAF não lhe havia indicado com base em que provas havia fundado as suas conjeturas a este respeito.

23      Em 23 de outubro de 2012, o presidente Barroso respondeu ao recorrente, sublinhando que as suas acusações relativamente a um comportamento ilegal ou incorreto a seu respeito eram «incompreensíveis» e que o recorrente estava obrigado, enquanto antigo membro da Comissão, a atuar «com honestidade em conformidade com o artigo 245.° TFUE».

24      Em 30 de outubro de 2012, o presidente Barroso escreveu ao presidente do Parlamento para lhe prestar explicações a propósito da demissão do recorrente, no decurso da reunião de 16 de outubro de 2012. Declarou, nomeadamente, o seguinte:

«[J. Dalli] rejeitou com veemência as conclusões do OLAF. No entanto, no decurso da nossa conversa, reconheceu ter tido contactos, no passado, fora dos canais oficiais, com a indústria tabaqueira, que implicavam o empresário maltês, e chegámos à conclusão de que, sem prejuízo da presunção legal de inocência relativamente às conclusões [do OLAF], não lhe seria politicamente sustentável continuar a exercer a função de comissário enquanto tentava restaurar a sua reputação. Como o declarei publicamente, em seguida, J. Dalli anunciou, sem a mínima ambiguidade, a sua demissão imediata perante o diretor‑geral do Serviço Jurídico e perante o meu chefe de gabinete. Informei‑o de que esta demissão seria tornada pública ainda nesse dia, por via de um comunicado de imprensa, para ter a possibilidade de informar a sua família e os seus colaboradores da demissão […]

Nesta fase, gostaria de sublinhar que as consequências jurídicas das conclusões do OLAF devem distinguir‑se claramente da sua avaliação política. Como sabem, o OLAF enviou o seu relatório ao procurador‑geral de Malta e fui informado de que o procurador‑geral remeteu o assunto à polícia. É da inteira responsabilidade das autoridades maltesas dar andamento ao processo, de acordo com o direito maltês. No que diz respeito à Comissão, continuaremos a respeitar plenamente o princípio da presunção da inocência, como o fizemos desde o início do inquérito do OLAF. Em particular, todas as comunicações feitas pelos representantes da Comissão, na sequência da demissão de J. Dalli, concentraram‑se exclusivamente na dimensão política e/ou institucional dos acontecimentos em causa, tendo‑se cuidadosamente abstido de proceder, ainda que indiretamente, a uma qualificação jurídica destes acontecimentos e da eventual responsabilidade das pessoas implicadas.»

25      Em 28 de novembro de 2012, o Conselho adotou, de comum acordo com o presidente Barroso, a Decisão 2012/744/UE, que nomeia um novo Membro da Comissão Europeia (JO L 332, p. 21), Tonio Borg, até ao fim do mandato da Comissão, em 31 de outubro de 2014.

26      Em 28 de abril de 2013, o MaltaToday, um órgão de comunicação social de Malta, publicou no seu sítio web uma versão quase integral (faltavam duas páginas) do relatório do OLAF, do qual o recorrente pode assim tomar conhecimento.

27      A tradução de uma entrevista radiofónica em maltês dada pelo recorrente em 30 de junho de 2013 inclui a seguinte declaração do recorrente, em resposta a uma saudação de boas‑vindas que o apresentava como «John Dalli, ex‑comissário para a Saúde»:

«Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar que não me demiti até à presente data, enquanto comissário europeu para a Saúde. Considero que ainda sou comissário. A minha substituição foi ilegal e tenho, de facto, um processo pendente no Tribunal de Justiça da União Europeia, para anulação da decisão de Barroso.»

 Tramitação processual

28      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de dezembro de 2012, o recorrente interpôs o presente recurso.

29      Na contestação, apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de março de 2013, a Comissão declarou oferecer provas, em conformidade com o artigo 46.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, relativamente aos factos e às circunstâncias da demissão do recorrente e propôs que estes fossem confirmados «oralmente ou por escrito, por uma ou todas as testemunhas da reunião de 16 de outubro» de 2012. Reiterou esta possibilidade de oferecer provas na tréplica, apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de setembro de 2013.

30      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, o juiz‑relator foi afetado à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, distribuído.

31      Em aplicação do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento de Processo e mediante proposta da Terceira Secção, na sua reunião plenária de 5 de fevereiro de 2014, o Tribunal Geral decidiu, em conformidade com o artigo 51.° do referido regulamento, remeter o processo para uma formação de julgamento alargada a cinco juízes.

32      Tendo um dos juízes que compunha a formação de julgamento alargada ficado impedido de participar no processo, esta foi completada em conformidade com o artigo 32.°, n.° 3, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo. Tendo‑se designado com vista a reunir o número previsto de juízes, o presidente do Tribunal Geral assumiu as funções de presidente de secção, em conformidade com o artigo 8.°, terceiro parágrafo, do referido regulamento.

33      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Terceira Secção alargada) decidiu dar início à fase oral, tomar uma medida de organização do processo nos termos do artigo 64.° do Regulamento de Processo, sob a forma de uma pergunta escrita endereçada ao recorrente, e, sem prejuízo das observações das partes, determinar a comparência pessoal do recorrente nos termos do artigo 65.°, alínea a), do referido regulamento e determinar a verificação de determinados factos através de prova testemunhal do presidente Barroso, nos termos do artigo 65.°, alínea c), do artigo 66.°, n.° 1, e do artigo 68.°, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento.

34      Por ofícios de 27 de maio de 2014, o Tribunal Geral convidou as partes a apresentarem as suas observações sobre estas diligências de instrução, num prazo de sete dias.

35      Por carta de 4 de junho de 2014, o recorrente informou que estava à disposição do Tribunal Geral para comparecer pessoalmente e que não se opunha à audição do presidente Barroso como testemunha. O recorrente declarou, por outro lado, que considerava igualmente útil que o Tribunal Geral ouvisse, na qualidade de testemunhas, Fréderic Vincent, o seu antigo porta‑voz, Joanna Darmanin, a sua antiga chefe de gabinete, Giovanni Kessler, diretor‑geral do OLAF, J. Laitenberger, chefe de gabinete do presidente Barroso, e Johan Denolf, presidente do Comité de Fiscalização do OLAF.

36      Também por ofício de 4 de junho de 2014, a Comissão referiu que não se opunha à comparência pessoal do recorrente nem à audição do presidente Barroso, como testemunha. A Comissão declarou, por outro lado, que podia ser apropriado ouvir também J. Laitenberger e L. Romero Requena, na qualidade de testemunhas.

37      Por despacho de 16 de junho de 2014, o Tribunal Geral ordenou a comparência pessoal do recorrente na audiência de 7 de julho de 2014.

38      Por despacho do mesmo dia, o Tribunal Geral decidiu ouvir na mesma audiência de 7 de julho de 2014, na qualidade de testemunhas, o presidente Barroso, J. Laitenberger e L. Romero Requena, J. Darmanin e F. Vincent, por um lado, quanto à «questão de saber se o recorrente se tinha, ou não, demitido oralmente, na reunião de 16 de outubro de 2012, que teve lugar no gabinete do presidente [Barroso], e, em caso afirmativo, em que contexto e circunstâncias e na sequência de que declarações proferidas por este último», e, por outro, quanto «ao que foi dito no decurso dos contactos pessoais com o recorrente imediatamente após a referida reunião».

39      Por carta de 18 de junho de 2014, o recorrente respondeu à pergunta escrita colocada pelo Tribunal Geral a título de medidas de organização do processo.

40      O recorrente compareceu pessoalmente e as testemunhas foram ouvidas pelo Tribunal Geral na audiência de 7 de julho de 2014, nas condições previstas no Regulamento de Processo.

41      As alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal Geral foram ouvidas no decurso da audiência de 8 de julho de 2014, após a qual a fase oral foi encerrada e os autos remetidos para deliberação.

42      Nesta audiência, o recorrente apresentou o parecer 2/2012 do Comité de Fiscalização do OLAF, de 11 de dezembro de 2012, que o Tribunal Geral decidiu juntar aos autos após ouvir a Comissão. Esta apresentou a declaração feita pelo Primeiro‑Ministro maltês no Parlamento maltês em 16 de outubro de 2012 (v. n.° 17 supra). Após ter ouvido o recorrente, o Tribunal Geral decidiu juntar este documento aos autos, reservando‑se uma decisão sobre a sua admissibilidade.

43      Por carta de 23 de outubro de 2014, o recorrente endereçou à Secretaria do Tribunal Geral observações escritas sobre a ata da audiência que lhe foi comunicada. O Tribunal Geral recusou a junção destas observações aos autos, o que foi comunicado às partes por ofício da Secretaria do Tribunal Geral de 13 de novembro de 2014.

 Pedidos das partes

44      O recorrente conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        anular a «decisão oral de 16 de outubro de 2012 de cessação das funções do recorrente com efeito imediato, tomada pelo presidente [Barroso]» (a seguir «decisão impugnada»);

–        indemnizar os prejuízos sofridos, no montante de 1 euro simbólico a título de danos morais e, a título provisório, no montante de 1 913 396 euros, a título de danos patrimoniais;

–        condenar a Comissão nas despesas.

45      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        julgar o recurso inadmissível, na totalidade ou em parte, e, em todo o caso, infundado;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Quanto ao pedido de desentranhamento do processo dos anexos 4 e 13 da réplica

46      Tendo o recorrente junto aos autos, enquanto anexo 4 à réplica, uma versão do parecer do Comité de Fiscalização do OLAF relativo ao presente processo publicada na edição online do jornal maltês MaltaToday de 7 de maio de 2013 e, enquanto anexo 13 à réplica, uma versão do relatório do OLAF publicada na edição online do mesmo jornal de 28 de abril de 2013, a Comissão invoca, na tréplica, que ambos os documentos foram objeto de uma «fuga» para a imprensa maltesa e pede que sejam retirados dos autos, uma vez que não foram legalmente obtidos e que o recorrente não invocou circunstâncias especiais que justifiquem a sua junção aos autos, nem tão‑pouco invocou o seu caráter decisivo para a decisão do presente caso.

47      A este propósito, há que salientar que nem o eventual caráter confidencial dos documentos em questão nem o facto de terem podido ser obtidos de modo irregular obsta a que sejam mantidos nos autos. Com efeito, por um lado, não existe uma disposição que preveja expressamente a proibição de ter em conta provas obtidas ilegalmente (acórdãos de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, Colet., EU:T:2008:257, n.os 74 e 75, e de 24 de março de 2011, Dover/Parlamento, T‑149/09, EU:T:2011:119, n.° 61). Por outro lado, o Tribunal de Justiça não excluiu que mesmo documentos internos possam, em certos casos, figurar legitimamente nos autos de um processo (despachos de 19 de março de 1985, Tordeur e o., 232/84, n.° 8, e de 15 de outubro de 1986, LAISA/Conselho, 31/86, n.° 5).

48      Assim, em determinadas situações, não é necessário que o recorrente demonstre que obteve legalmente o documento confidencial invocado para sustentar o seu recurso. O Tribunal Geral considerou, ponderando os interesses a proteger, que havia que apreciar se circunstâncias especiais como o caráter decisivo da apresentação do documento a fim de assegurar o controlo da regularidade do processo de decisão do ato impugnado (v., neste sentido, acórdão de 6 de março de 2001, Dunnett e o./BEI, T‑192/99, Colet., EU:T:2001:72, n.os 33 e 34) ou de demonstrar a existência de desvio de poder (v., neste sentido, acórdão de 29 de fevereiro de 1996, Lopes/Tribunal de Justiça, T‑280/94, ColetFP, EU:T:1996:28, n.° 59) justificavam que o documento não fosse removido.

49      No caso em apreço, há, em primeiro lugar, que salientar que não está provado que o próprio recorrente tenha obtido de forma ilegal os documentos cuja remoção dos autos é solicitada, uma vez que a versão destes documentos que apresentou é a publicada na imprensa maltesa.

50      Em segundo lugar, o caráter confidencial dos documentos em causa ficou comprometido devido a esta publicação pela imprensa, de modo que a sua junção aos autos do presente processo também não afeta o referido caráter.

51      Em terceiro lugar, no contexto do presente processo, os documentos em questão foram invocados em apoio do terceiro e quarto fundamentos do recurso e são, segundo o recorrente, necessários com vista a apreciar se o presidente Barroso podia legitimamente basear‑se no relatório do OLAF, admitindo que a respetiva regularidade esteja inquinada pelos vícios alegados no âmbito dos referidos fundamentos. A este propósito, o Tribunal Geral salienta que o recorrente desenvolveu, na réplica, uma argumentação nova, de direito e de facto, dirigida quer contra as acusações que lhe foram feitas pela Swedish Match, autora da queixa que lhe diz respeito e que é objeto do relatório do OLAF, quer contra a regularidade do procedimento seguido pelo OLAF com vista à elaboração desse relatório. Esta argumentação baseia‑se, em grande medida, no relatório do OLAF e no parecer do Comité de Fiscalização do OLAF, tidos pelo recorrente por elementos novos que surgiram no decurso do processo, na medida em que foram publicados num jornal maltês após a interposição do recurso. Sem prejuízo da pertinência intrínseca desta argumentação com vista a apreciar a legalidade da decisão impugnada, a mesma é suficiente para refutar a objeção da Comissão, segundo a qual o recorrente não teria invocado circunstâncias especiais que justificassem a junção aos autos dos documentos em questão nem invocado o seu caráter decisivo para a decisão do caso em apreço.

52      Em quarto lugar, há que salientar que a data da reunião de 16 de outubro de 2012, na sequência da qual teria sido adotada a decisão impugnada, foi fixada pelo gabinete do presidente Barroso em função da data anunciada para transmissão do relatório do OLAF ao referido presidente e que a decisão impugnada, a admitir‑se a sua existência, teria sido tomada no dia seguinte ao da entrega deste relatório ao presidente Barroso. Assim, embora afirmando que este relatório não constitui um ato preparatório da decisão impugnada, a própria Comissão reconhece, nos seus articulados, que seria exagerado considerar que a «decisão impugnada nada tem a ver com o referido relatório».

53      Por conseguinte, tendo em conta a natureza dos documentos em questão, a sua divulgação ocorrida através da imprensa e as circunstâncias do litígio, há que rejeitar o pedido da Comissão de que os referidos documentos sejam retirados dos autos do processo.

 Quanto à admissibilidade do documento apresentado pela Comissão na audiência

54      A declaração do Primeiro‑Ministro maltês, L. Gonzi, ao Parlamento maltês, na sessão plenária de 16 de outubro de 2012 (v. n.° 17 supra), extraída de um registo público oficial, foi invocada pela Comissão na audiência de 7 de julho de 2014, na qual o recorrente compareceu pessoalmente, e foi posteriormente apresentada por essa mesma instituição na audiência de 8 de julho de 2014, na sequência da qual foi provisoriamente junta aos autos. A mesma afigura‑se pertinente para o presente litígio, dado que revela conversas mantidas entre L. Gonzi e o recorrente, relativas à cessação das funções deste como membro da Comissão, no decurso do contacto telefónico estabelecido entre ambos na tarde de 16 de outubro de 2012, pouco tempo após a reunião de 16 de outubro de 2012.

55      Na audiência de 7 de julho de 2014, os advogados do recorrente opuseram‑se, contudo, à invocação deste documento pela Comissão, por não integrar os autos, o que violaria o princípio do contraditório.

56      A este respeito, importa recordar que o princípio do respeito dos direitos de defesa constitui um princípio fundamental do direito da União. Fundamentar uma decisão jurisdicional em factos ou em documentos de que as próprias partes, ou uma delas, não puderam tomar conhecimento e sobre os quais, portanto, não estavam em condições de tomar uma posição violaria o referido princípio (acórdão de 22 de março de 1961, Snupat/Alta Autoridade, 42/59 e 49/59, Colet., EU:C:1961:5).

57      O princípio da igualdade de armas, que é um corolário do próprio conceito de processo equitativo e que tem por objetivo assegurar o equilíbrio entre as partes no processo, garantindo que qualquer documento apresentado ao Tribunal possa ser avaliado e contestado por qualquer parte no processo, implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário (acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, Colet., EU:C:2012:684, n.os 71 e 72).

58      No caso em apreço, a apresentação tardia do documento controvertido justifica‑se pelas circunstâncias especiais que levaram a Comissão a invocá‑lo. Com efeito, enquanto nenhuma das partes se havia referido, nos seus articulados, a um contacto telefónico entre o recorrente e o Primeiro‑Ministro maltês, na tarde de 16 de outubro de 2012, o recorrente mencionou‑o, pela primeira vez, pessoalmente na audiência de 7 de julho de 2014, expondo que, nessa ocasião, tinha declarado a L. Gonzi que o presidente Barroso tinha acabado de «pôr termo» (terminate) às suas funções na Comissão. Foi, pois, para refutar as alegações do recorrente relativas ao teor exato da conversa mantida no decurso do referido telefonema que os agentes da Comissão se referiram ao documento controvertido, no qual L. Gonzi declara, antes pelo contrário, que o recorrente lhe comunicou a sua própria decisão de demissão. Por conseguinte, em vez de violar o princípio do contraditório, a consideração do referido documento permite, pelo contrário, garantir o seu respeito ao dar à Comissão a oportunidade de responder a uma nova alegação do recorrente, feita pela primeira vez na referida audiência.

59      De resto, na audiência de 8 de julho de 2014, foi concedida ao recorrente e aos seus advogados a possibilidade de tomarem posição sobre a admissibilidade, a pertinência e o valor probatório do referido documento num prazo que não se pode considerar demasiado curto, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço e, nomeadamente, o caráter oficial deste documento extraído de um registo público. Neste contexto, o recorrente não reiterou, aliás, a sua objeção a que o documento em questão fosse junto aos autos, nem pediu ao Tribunal Geral a possibilidade de se pronunciar sobre esse documento por escrito, nem solicitou um adiamento da audiência.

60      Tendo em conta estes elementos de apreciação, há que reconhecer a admissibilidade do documento em questão no âmbito do presente processo (v., por analogia, acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, Colet., EU:C:2014:2363, n.os 33 a 35 e jurisprudência referida).

 Quanto ao pedido de anulação

 Considerações preliminares quanto ao objeto do pedido de anulação

61      O Tribunal Geral foi obrigado a constatar que a redação do primeiro pedido do recorrente, tal como acima integralmente reproduzido no n.° 44, lido à luz dos argumentos aduzidos nos seus articulados, não identificava, de forma clara e inequívoca, o ato cuja anulação é pedida no caso em apreço. Com efeito, resulta de determinadas passagens destes articulados (nomeadamente dos n.os 58 a 67 e 129 da petição e dos n.os 3, 17 e 48 da réplica) que o recorrente pede a anulação de uma alegada decisão de 16 de outubro de 2012, nos termos da qual o presidente Barroso, ex officio e arrogando‑se as competências conferidas ao Tribunal de Justiça pelos artigos 245.° TFUE e 247.° TFUE, o teria demitido compulsivamente das suas funções com efeitos imediatos. Em contrapartida, resulta de outras passagens destes mesmos articulados (nomeadamente, dos n.os 53, 70, 85, 88, 118 e 119 da petição e do n.° 54 da réplica) que o recorrente pede a anulação de uma alegada decisão oral tomada pelo presidente Barroso, em 16 de outubro de 2012, de exercer a sua prerrogativa de pedir a sua demissão nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE.

62      A este propósito, há que recordar que os artigos 245.° TFUE e 247.° TFUE preveem os casos de demissão compulsiva de um membro da Comissão declarada pelo Tribunal de Justiça, a pedido do Conselho ou da Comissão, ao passo que, nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE, «[q]ualquer membro da Comissão apresentará a sua demissão se o Presidente [da Comissão] lho pedir.»

63      Por medida de organização do processo de 22 de maio de 2014 (v. n.° 33 supra), o Tribunal Geral convidou, assim, o recorrente a indicar «claramente e sem ambiguidade» qual dos dois atos hipoteticamente acima visados no n.° 61 estava em causa no seu primeiro pedido.

64      Na sua resposta escrita de 18 de junho de 2014 (v. n.° 39 supra), o recorrente esclareceu que pedia a anulação da «decisão oral do presidente [Barroso] de 16 de outubro de 2012 de pôr termo [às suas] funções como membro da Comissão». Acrescentou que, em seu entender, esta decisão podia ter duas bases jurídicas, nomeadamente, os artigos 245.° TFUE e 247.° TFUE ou o artigo 17.°, n.° 6, TUE.

65      Não obstante o convite do Tribunal Geral, impõe‑se constatar que a resposta do recorrente não contribui para o esclarecimento do alcance do seu pedido de anulação, conforme acima reproduzido no n.° 44.

66      Contudo, importa também salientar que a alegação do recorrente, a quem incumbe o ónus da prova, segundo a qual o presidente Barroso o teria demitido compulsivamente das suas funções, arrogando‑se abusivamente as competências do Tribunal de Justiça nos termos dos artigos 245.° TFUE e 247.° TFUE, não encontra nenhum apoio nos autos nem nos diversos testemunhos recolhidos, nem sequer no depoimento prestado pessoalmente pelo próprio recorrente, pelo que pode ser afastada, desde já, por carecer de base factual, uma vez que o recorrente não apresentou nenhuma prova nem nenhum indício da existência da alegada decisão de demissão compulsiva.

67      Assim, na medida em que, através do seu primeiro pedido, o recorrente pretendia pedir a anulação de uma alegada decisão de 16 de outubro de 2012, através da qual o presidente Barroso, ex officio e arrogando‑se as competências conferidas ao Tribunal de Justiça pelos artigos 245.° TFUE e 247.° TFUE, o teria demitido compulsivamente das suas funções com efeitos imediatos, o seu pedido de anulação deve ser julgado inadmissível por não existir um ato impugnável na aceção do artigo 263.° TFUE, dado que o recorrente não fez prova da existência material de tal decisão (v., neste sentido, despacho de 14 de janeiro de 1992, ISAE/VP e Interdata/Comissão, C‑130/91, Colet., EU:C:1992:7, n.° 11, e acórdão de 10 de julho de 1990, Automec/Comissão, T‑64/89, Colet., EU:T:1990:42, n.° 42 e jurisprudência referida).

68      Quanto ao mais, há que considerar que o presente recurso tem por objeto um pedido de anulação de uma alegada decisão oral tomada pelo presidente Barroso, em 16 de outubro de 2012, de exercer a sua prerrogativa de pedir a demissão do recorrente como membro da Comissão, em aplicação do artigo 17.°, n.° 6, TUE (a seguir «ato impugnado»).

 Matéria de facto

69      Quando as partes no processo não estão de acordo quanto aos factos, incumbe antes de mais ao Tribunal Geral fixar os factos pertinentes e apreciar, para este efeito, os elementos de prova disponíveis.

70      No caso em apreço, mesmo após o esclarecimento do pedido de anulação acima efetuado, a posição do recorrente mantém‑se ambígua e flutuante no que diz respeito à sua reação ao alegado pedido oral de demissão que lhe teria sido dirigido pelo presidente Barroso, nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE. Deste modo, quer antes da interposição do recurso quer nos seus articulados, o recorrente deu a entender que tinha efetivamente apresentado a sua demissão, em 16 de outubro de 2012, a pedido do presidente Barroso (v., designadamente, n.os 54, 56, 85, 88, 89, 118 e 138 da petição e n.os 3, 4, 11, 12, 14, 15, 17, 51, 63, 69, 80, 85, 91 e 121 da réplica) ou que nunca tinha apresentado formalmente a sua demissão apesar da formulação deste pedido e que essa demissão nunca tinha, em todo o caso, produzido efeitos, pelo que este ainda se considerava formalmente membro da Comissão, ainda que não em exercício [v., designadamente, além dos n.os 28, 30, 31, 33, 40, 63, 70 a 80, 86, 87, 93 e 129 da petição e dos n.os 10 e 86 da réplica, a carta de 21 de dezembro de 2012 que dirigiu ao presidente Barroso, acima mencionada no n.° 21, a carta de 28 de dezembro de 2012 que enviou à Comissão, acima mencionada no n.° 20, a sua declaração solene escrita (affidavit) de 8 de maio de 2013, junta à réplica como anexo 7, e a sua declaração de 30 de junho de 2013 a uma rádio maltesa, acima mencionada no n.° 27].

71      Por seu turno, a Comissão sustenta que o recorrente decidiu apresentar voluntariamente a sua demissão na reunião de 16 de outubro de 2012, sem que tal demissão tenha sido objeto de um pedido do presidente Barroso na aceção do artigo 17.°, n.° 6, TUE.

72      Os únicos elementos de prova inicialmente juntos aos autos não permitiram ao Tribunal Geral decidir‑se por uma ou outra das duas versões sustentadas pelo recorrente (v. n.° 70 supra) ou pela versão sustentada pela Comissão (v. n.° 71 supra).

73      Nestas condições, o Tribunal Geral decidiu tomar as medidas de instrução acima mencionadas nos n.os 37 e 38.

74      No seguimento do presente acórdão, o Tribunal Geral basear‑se‑á, em especial, por um lado, na declaração e nas respostas pessoais do recorrente ao Tribunal Geral na audiência de 7 de julho de 2014, conforme constam da ata da referida audiência, e, por outro, nos autos assinados que reproduzem o depoimento e as respostas das testemunhas J. M. Durão Barroso, J. Laitenberger, L. Romero Requena, J. Darmanin e F. Vincent às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral e pelas partes.

75      Na apreciação da força probatória destes vários testemunhos, teve‑se em conta, por um lado, que o presidente Barroso é alegadamente o autor do ato impugnado e, por outro, que as restantes testemunhas são todos funcionários ou agentes da Comissão e trabalham, assim, sob a autoridade, mais ou menos direta, do seu presidente, além do facto de duas de entre elas, J. Laitenberger e L. Romero Requena, terem estado pessoalmente implicadas na preparação e no desenrolar da reunião de 16 de outubro de 2012.

76      No entanto, as testemunhas prestaram o juramento previsto no artigo 68.°, n.° 5, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo e certificaram as suas declarações de acordo com as modalidades determinadas no artigo 71.° do referido regulamento, tendo sido chamada a sua atenção, nesse momento, para as consequências penais previstas nas legislações nacionais respetivas em caso de falsidade de testemunho.

77      Por outro lado, a posição hierarquicamente subalterna face ao presidente Barroso de quatro das testemunhas não constitui, por si só, um motivo suficiente para pôr em causa a veracidade dos respetivos depoimentos, tendo em conta quer os direitos que lhes assistem e os deveres que lhes são impostos pelo Estatuto dos Funcionários da União Europeia (v., designadamente, respetivos artigos 11.°, 12.°, 19.°, 21.°‑A e 22.°) e pelo regime aplicável aos outros agentes quer a sua falta de interesse pessoal no processo.

78      A fiabilidade e a credibilidade dos testemunhos são, em todo o caso, atestadas pela sua coerência global. Estas são, sobretudo quanto à maioria das questões essenciais, corroboradas pelos outros elementos objetivos dos autos, referidos no seguimento do presente acórdão.

79      Em contrapartida, o valor probatório das declarações proferidas pelo recorrente em diversas circunstâncias e, nomeadamente, pessoalmente na audiência de 7 de julho de 2014 é afetado pelo caráter ambíguo, até contraditório, das suas versões sucessivas dos acontecimentos, que em vez de contribuir para esclarecer geram ainda maior confusão. Além disso, certas declarações do recorrente podem, quanto a certas questões essenciais, ser refutadas ou contraditadas não só pelas declarações unívocas das testemunhas ouvidas pelo Tribunal Geral como também pelos outros elementos objetivos dos autos, igualmente referidos no seguimento do presente acórdão.

80      O Tribunal Geral começará assim por fixar os factos do presente caso, baseando‑se nos cinco testemunhos de que dispõe e, em tudo em que as partes concordam relativamente aos factos, nas declarações do recorrente quando compareceu pessoalmente. O Tribunal Geral apreciará, simultaneamente, o grau de credibilidade de determinadas alegações contrárias do recorrente. Em seguida, o Tribunal Geral determinará em que medida os factos apurados podem ser confirmados pelos outros elementos de prova juntos aos autos.

81      A este respeito, pode reter‑se o seguinte quanto às circunstâncias, ao desenrolar e ao resultado da reunião de 16 de outubro de 2012 e suas consequências imediatas.

82      Antes de mais, no que diz respeito à preparação prévia desta reunião, o presidente Barroso tinha discutido várias vezes com os seus colaboradores mais próximos, após a abertura do inquérito do OLAF, sobre as várias opções políticas à sua disposição no caso de o recorrente «não sair totalmente ilibado». Atendendo ao precedente constituído pela demissão coletiva da Comissão presidida por Jacques Santer, na sequência do «caso Cresson», em 1999, que foi considerado o acontecimento político de referência, foram definidas pelos interessados três hipóteses, por ordem de preferência: a) a de o recorrente estar em condições de fornecer imediatamente explicações completas e satisfatórias em resposta às conclusões do OLAF, permitindo assim ao presidente Barroso renovar publicamente a sua confiança nele; b) não sendo esse o caso, a de uma demissão apresentada por própria iniciativa do recorrente, com vista a defender o seu bom nome e proteger a Comissão; c) em caso de recusa, a demissão do recorrente na sequência de um pedido do presidente Barroso nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE. Esta última opção afigurava‑se aos interessados como a mais prejudicial para o recorrente, na medida em que revelaria publicamente a perda de confiança nele por parte do presidente Barroso; por isso, só devia ser utilizada em último recurso.

83      Foi igualmente reconhecido pelos interessados que se impunha um tratamento rápido e decisivo da questão mal fosse conhecido o relatório do OLAF, sob pena de causar à Comissão danos políticos consideráveis. A testemunha J. Laitenberger expôs assim, referindo‑se a diversos precedentes infelizes ocorridos no decurso das duas últimas décadas, que, «logo que a notícia de uma situação dessas é conhecida, exige‑se uma ação imediata; o tempo perdido não pode ser recuperado, não há um período de tréguas nestas situações». A testemunha L. Romero Requena mencionou igualmente que a Comissão sofreu algumas experiências más e dolorosas relacionadas com os inquéritos do OLAF, quando foi demasiado lenta a reagir e foi vítima de fugas para a imprensa.

84      Alguns dias antes do envio do relatório do OLAF, o presidente Barroso e os seus colaboradores mais próximos foram informalmente avisados de que as coisas «não tinham boa cara» para o recorrente, sem que lhes tivessem sido prestados mais detalhes.

85      Em 11 de outubro de 2012, o gabinete do presidente Barroso, informado da iminência do envio do relatório do OLAF, contactou o gabinete do recorrente com vista a fixar uma data de reunião, a qual foi agendada para 16 de outubro de 2012 às 13 h 30 m. J. Darmanin informou o recorrente e este perguntou‑lhe se tinha conhecimento do tema da reunião. J. Darmanin respondeu‑lhe negativamente e perguntou se devia apurá‑lo. O recorrente respondeu‑lhe que não era necessário. A mesma preparou‑lhe, então, um dossier relativo aos diversos projetos em curso suscetíveis de serem passados em revista nessa reunião.

86      Quanto à ordem do dia da reunião de 16 de outubro de 2012, o recorrente disse ter sido «completamente apanhado de surpresa». No entanto, o Tribunal Geral considera que este devia, pelo menos, suspeitar que a reunião incidiria sobre o inquérito do OLAF a seu respeito, apesar de não ter sido informado da sua conclusão e do envio ao presidente Barroso do relatório do OLAF.

87      Em primeiro lugar, com efeito, o recorrente foi ouvido duas vezes pelo OLAF, em 16 de julho e 17 de setembro de 2012 (v. n.os 5 e 8 supra), e resulta do relatório do OLAF que, nessas ocasiões, lhe foram colocadas questões muito pormenorizadas quanto aos factos relatados na carta anexa, nomeadamente no que diz respeito, por um lado, aos contactos informais não relatados à Comissão que este teria tido em Malta com representantes da indústria tabaqueira, cuja ocorrência reconheceu, aliás, em relação a alguns deles, e, por outro, às suas relações com S. Zammit, que foi intermediário nesses contactos, quer no período em causa no inquérito e no que diz respeito ao seu objeto quer no seu decurso.

88      Em segundo lugar, o recorrente já se tinha encontrado com o presidente Barroso uma vez, em 25 de julho de 2012, a propósito do inquérito do OLAF e ambos tinham discutido, em termos gerais, o problema colocado pela queixa. Nessa ocasião, o presidente Barroso tinha‑o informado da importância do caso e o recorrente tinha, por seu turno, negado categoricamente qualquer implicação no mesmo, dando conta da sua intenção de instaurar processos contra as pessoas implicadas, intenção esta que não se concretizou ou, em todo o caso, de cuja concretização não foi dado conhecimento à Comissão.

89      Em terceiro lugar, o presidente Barroso, ouvido como testemunha, explicou que, nos seus contactos bilaterais com os membros da Comissão, lhes indica normalmente qual é a ordem do dia da reunião quando se trata de atividades correntes da Comissão, mas que, neste caso, pretendia uma discussão pessoal de natureza política com o recorrente, de modo que não foi mencionada uma ordem do dia. Em seu entender, o recorrente devia ter necessariamente inferido da própria falta de ordem do dia que a reunião dizia respeito a um assunto altamente confidencial e importante, o qual só podia ser o inquérito do OLAF a seu respeito. Esta suposição pode, por outro lado, explicar o porquê de o recorrente não ter mandado apurar a ordem do dia da reunião em questão, apesar de a sua chefe de gabinete lho ter proposto (v. n.° 85 supra).

90      Em quarto lugar, a falta de comunicação ao gabinete do recorrente de uma ordem do dia explícita pode ser razoavelmente explicável pela preocupação legítima do presidente Barroso de manter, o máximo de tempo possível, o segredo sobre o inquérito e sobre o relatório do OLAF. Importa salientar, a este respeito, que as testemunhas J. Darmani e F. Vincent afirmaram, em resposta a uma pergunta do Tribunal Geral, que não tinham qualquer conhecimento do referido inquérito nem dos factos objeto do mesmo, antes de terem sido informados pelo próprio recorrente, após a reunião de 16 de outubro de 2012.

91      Em 15 de outubro de 2012, o relatório do OLAF chegou ao gabinete do presidente Barroso e foi lido por quatro pessoas além dele, concretamente por J. Laitenberger, C. Day e L. Romero Requena.

92      Dois projetos de comunicado de imprensa foram então confidencialmente redigidos por C. Day, e posteriormente relidos por J. Laitenberger e L. Romero Requena. Um visava o caso de o recorrente se demitir por sua própria iniciativa, o outro o caso de o recorrente se demitir na sequência de um pedido do presidente Barroso nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE. Ambos os projetos foram transmitidos ao serviço do porta‑voz da Comissão pouco antes do início da reunião de 16 de outubro de 2012.

93      Em contrapartida, não foi redigido nenhum projeto de comunicado de imprensa para o caso de o recorrente estar em condições de dar explicações completas e satisfatórias em resposta ao relatório do OLAF. O presidente Barroso, bem como J. Laitenberger e L. Romero Requena, ouvidos como testemunhas, aclararam que isso não teria sido possível antes de se conhecer o teor dessas eventuais explicações. Além disso, nesse caso, não teria provavelmente sido necessário publicar um comunicado de imprensa, pelo menos de imediato.

94      Também não foi redigido nenhum projeto de decisão nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE nem nenhuma carta de demissão do recorrente. Em contrapartida, previu‑se que o presidente Barroso falasse ao telefone com o Primeiro‑Ministro maltês, após o seu encontro com o recorrente.

95      Antes do início da reunião de 16 de outubro de 2012, o presidente Barroso pediu a J. Laitenberger e a L. Romero Requena para estarem disponíveis para tomarem nota das conclusões desta reunião e assegurarem o seu acompanhamento.

96      A reunião teve início pelas 13 h 45 m e durou, no total, cerca de uma hora e meia.

97      O presidente Barroso começou por mostrar ao recorrente o relatório do OLAF. O recorrente pediu para tomar conhecimento do mesmo, mas o presidente Barroso recusou pelo facto de o relatório ser confidencial. Contudo, leu ao recorrente, várias vezes, a carta anexa e perguntou‑lhe o que pensava.

98      Embora clamando veementemente a sua inocência quanto às acusações relativas aos subornos exigidos e às alegadas instruções por ele dadas a S. Zammit, o recorrente não negou estes encontros informais em Malta com representantes da indústria tabaqueira, organizados por intermédio de S. Zammit e sem que a Comissão, ou mesmo o seu gabinete, deles tivessem sido informados, nem as suas relações pessoais de amizade com S. Zammit. Reconheceu que havia sido imprudente a este respeito e que nunca devia tê‑lo feito.

99      Em face destas explicações, por ele qualificadas de «pouco convincentes» e mesmo de «estranhas», o presidente Barroso considerou que as condições políticas eram tais que era «impensável» que o recorrente se mantivesse em funções. Nesse contexto, o presidente Barroso, ouvido como testemunha, esclareceu que nessa fase tinha perdido toda a confiança política e pessoal no recorrente. O presidente Barroso alegou também que tinha o dever de proteger a integridade da Comissão enquanto instituição. Disse ao recorrente que, nestas condições, seria preferível e mais honroso que pedisse a sua demissão por sua própria iniciativa, com vista a poder defender a sua honra. No entanto, acrescentou que, se o recorrente não o fizesse, o Tratado de Lisboa lhe conferia poderes para o obrigar a isso, pedindo‑lhe formalmente que se demitisse.

100    Ambos continuaram a sua conversa durante cerca de uma hora, tendo o recorrente continuado a clamar a sua inocência e a pedir acesso ao relatório do OLAF e o presidente Barroso respondido que não tinha o direito de lho comunicar. O recorrente também fez notar prolongadamente ao presidente Barroso a que ponto a situação lhe era desagradável, bem como para a sua família, e que tinha necessidade de mais tempo, pelo menos de 24 horas, para poder consultar um advogado sobre estas questões, mas este prazo foi‑lhe recusado pelo presidente Barroso, que não estava disposto a conceder‑lhe mais de meia hora.

101    Na final da reunião, o recorrente disse ao presidente Barroso que optava por demitir‑se. O presidente Barroso salientou, no seu depoimento como testemunha, que esta afirmação foi formulada no presente («eu demito‑me») e não no futuro («eu vou demitir‑me»).

102    Neste contexto, o Tribunal Geral não reconhece crédito ao depoimento do recorrente segundo o qual, face ao «assédio» de que foi alvo, teria simplesmente dito ao presidente Barroso: «parece‑me que me devo ir embora» ou teria «dito que se ia embora», dando a entender, por esse meio, que não tinha ainda efetivamente apresentado a sua demissão nesse momento.

103    O efeito de tais declarações dilatórias teria sido, de facto, incompatível com as três únicas saídas possíveis da reunião de 16 de outubro de 2012 equacionadas pelo presidente Barroso (v. n.° 82 supra), requerendo todas um tratamento célere e decisivo (v. n.° 83 supra), pelo que pode se razoavelmente excluído que o presidente Barroso com elas se tenha contentado.

104    Sobretudo, e sem que seja necessário interrogarmo‑nos sobre os motivos pelos quais o recorrente julgou oportuno trazer o presente processo para o Tribunal Geral, importa salientar que o interessado prosseguiu o seu depoimento nos seguintes termos:

«Venho de um sistema, fui Ministro do Governo maltês durante muitos anos — durante mais de 15 anos; venho de um sistema em que, se o Primeiro‑Ministro lhe diz para sair, mesmo através de um simples sms, você sai. Quer dizer, é o sistema, não se diz ‘não, eu vou remeter o processo para os tribunais’; quer dizer, este é o sistema a que estou habituado. E, por isso, era essa a situação com a qual fui confrontado naquele momento.»

105     De igual modo, em resposta a uma pergunta do Tribunal Geral, o recorrente exclamou: «Como pode um político ficar onde não o querem?»

106    Estas observações espontâneas parecem pouco compatíveis com a versão, sustentada por outro lado pelo recorrente, do simples anúncio de uma demissão futura, ou de uma demissão meramente equacionada.

107    Pelas 15 h 00 m, o presidente Barroso fez entrar J. Laitenberger e L. Romero Requena no seu gabinete, com vista a tomar nota das conclusões da reunião e assegurar o seu acompanhamento, nomeadamente, através da publicação do comunicado de imprensa anunciando a demissão do recorrente e através da adoção de medidas quanto ao pessoal do seu gabinete.

108    Para efeitos do presente acórdão, importa essencialmente reter desta segunda parte da reunião de 16 de outubro de 2012, nos termos em que foi relatada pelas testemunhas, que:

–        o presidente Barroso disse a J. Laitenberger e a L. Romero Requena, na presença do recorrente, que este tinha decidido demitir‑se, apesar de contestar as acusações do OLAF;

–        o recorrente continuou a clamar veementemente a sua inocência e contra o tratamento que lhe foi infligido, tenho chegado ao ponto de falar de «linchamento», e sobretudo a pedir para dispor de mais tempo antes do anúncio público da sua demissão; a este respeito, em resposta a uma pergunta dos advogados do recorrente, a testemunha L. Romero Requena esclareceu que, embora clamando veementemente a sua inocência, aceitou a realidade política da sua demissão;

–        o presidente Barroso considerou que não podia adiar a resolução deste caso, uma vez que a demissão do recorrente era uma decisão política e institucional e que as autoridades maltesas e os presidentes das restantes instituições deviam ser informados e que um comunicado de imprensa devia ser publicado ainda nessa tarde;

–        atendendo à insistência do recorrente em poder dispor de mais tempo antes do anúncio público da sua demissão, o presidente Barroso quis obter um esclarecimento sobre a questão de saber se ele a confirmava ou se pensava manter‑se em funções como membro da Comissão; o recorrente respondeu que não e confirmou a sua demissão, continuando a pedir mais tempo;

–        o presidente Barroso concluiu que o caso não podia ser reaberto; teria gostado de conceder mais tempo ao recorrente, mas não podia e considerava que a demissão lhe tinha sido apresentada;

–        o presidente Barroso leu o projeto do comunicado de imprensa que anunciava a demissão do recorrente, na presença das duas testemunhas; o recorrente não formulou qualquer objeção; o presidente Barroso acrescentou‑lhe, contudo, à mão, a frase «O Senhor Dalli rejeita categoricamente estas acusações»;

–        no final da reunião, a conversa concentrou‑se no acompanhamento e nos aspetos práticos da demissão do recorrente; este pediu e obteve informações sobre o processo tendente à sua substituição como membro do colégio e sobre a situação administrativa do pessoal do seu gabinete.

109    No decurso desta segunda parte da reunião de 16 de outubro de 2012, o recorrente perguntou se devia redigir uma carta de demissão. O presidente Barroso respondeu‑lhe que não, mas que podia fazê‑lo se o desejasse e ambos concordaram em pedir a L. Romero Requena que preparasse um projeto de carta que expusesse os motivos da sua demissão. O presidente Barroso esclareceu que pretendia, assim, dar ao recorrente oportunidade ao recorrente de indicar argumentos de defesa que não podiam figurar no comunicado de imprensa da Comissão.

110    A este respeito, e por motivos análogos aos acima expostos nos n.os 103 a 106, em resposta à tese acima enunciada no n.° 101, o Tribunal Geral considera que o recorrente carece de credibilidade quando sustenta, no seu depoimento, que declarou na presença de J. Laitenberger e de L. Romero Requena que «se iria embora» ou que «se ia embora», mas apenas na condição de a sua demissão ser feita por escrito. Em resposta a uma pergunta dos advogados do recorrente, a testemunha L. Romero Requena declarou ainda que em nenhum momento considerou a carta de demissão uma formalidade indispensável à demissão do recorrente. Esta carta devia apenas permitir‑lhe expor publicamente, por escrito, os motivos da sua demissão. A testemunha J. Laitenberger também concluiu a sua descrição dos factos declarando que, para ele, era claro, à luz da conversa mantida entre o presidente Barroso e o recorrente na sua presença, que o recorrente tinha optado por demitir‑se por sua própria iniciativa, em vez de ser obrigado a fazê‑lo, e que a carta de demissão do recorrente era meramente confirmativa de uma decisão já tomada e efetiva.

111    A reunião terminou e o recorrente abandonou o gabinete do presidente Barroso pelas das 15 h 30 m.

112    O presidente Barroso falou imediatamente ao telefone com o Primeiro‑Ministro maltês, L. Gonzi, com o qual chegou a acordo para dar início ao processo de substituição do recorrente.

113    Pelas 15 h 45 m, o recorrente regressou ao seu gabinete e pediu à sua secretária que convocasse o pessoal do gabinete para uma reunião. Tendo‑lhe J. Darmani perguntado o motivo, este respondeu‑lhe, segundo se recorda, nestes termos:

«Temos um problema, temos um grande problema — Tenho que telefonar à minha mulher e dizer‑lhe. Tenho que me ir embora [em maltês: irrid nitlaq], tenho que ver, tenho que confirmar [em maltês: irrid narra] a questão dos meus subsídios. Quais os meus direitos? Tenho direito a uma pensão?»

114    Em seguida, o recorrente telefonou à sua mulher e J. Darmani saiu da sala.

115    O recorrente telefonou igualmente ao Primeiro‑Ministro maltês, que já lhe tinha telefonado na sua ausência. Segundo o recorrente, esta conversa telefónica durou um minuto e L. Gonzi ter‑lhe‑á simplesmente dito: «Oiça, recebi uma chamada telefónica de Barroso que me disse que você que já não era comissário e que devíamos encontrar outra pessoa». O recorrente sublinhou, por outro lado, em resposta a uma pergunta quando compareceu pessoalmente, que tinha explicado a L. Gonzi que o presidente Barroso tinha «posto termo» ao seu mandato como membro da Comissão. As suas afirmações, relatadas nestes termos, são contudo infirmadas pela declaração feita por L. Gonzi no Parlamento maltês, no final desse mesmo dia (v. n.° 17 supra).

116    Entre as 16 h 00 m e as 16 h 15 m, os membros do pessoal do gabinete do recorrente foram chamados à sala de reuniões. O recorrente informou‑os de que tinha tido uma reunião com o presidente Barroso, o qual lhe tinha comunicado as conclusões do relatório do OLAF relativas a determinados contactos que ele tinha tido com a indústria tabaqueira. Declarou, nomeadamente, que, às 17 h 00 m, o presidente Barroso ia anunciar a sua saída da Comissão e que ele ia agora deixar a Comissão, regressar a Malta e defender a sua causa.

117    No decurso da sua audição, a testemunha J. Darmani afirmou e repetiu que, embora não se recordasse já dos termos exatos empregues pelo recorrente na reunião com o pessoal do seu gabinete, ficou claro para si que ele já não seria membro da Comissão a partir das 17 h 00 m. Em resposta a uma pergunta do Tribunal Geral, Darmani acrescentou que não estava em condições de poder afirmar sob juramento que o recorrente tinha dito «demiti‑me», mas que também não se lembrava que ele tivesse dito o que quer que fosse em sentido contrário.

118    Entre as 16 h 20 m e as 16 h 45 m, L. Romero Requena passou no gabinete do recorrente para lhe entregar o projeto de carta de demissão que tinha acabado de redigir com a ajuda da sua assistente. Encontrou‑o num dos gabinetes na companhia de outra pessoa que desconhecia. O recorrente não assinou o projeto de carta em questão, tendo respondido que «trataria disso». L. Romero Requena deixou imediatamente o gabinete.

119    O projeto de carta em questão (anexo A.12 da petição) está redigido nos seguintes termos e contém as seguintes rasuras, relativamente às quais está assente que foram introduzidas à mão pelo recorrente, depois de o projeto lhe ter sido entregue:

«Excelentíssimo Senhor Presidente,

Venho, por este meio, informá‑lo da minha decisão de demitir‑me das minhas funções de membro da Comissão Europeia com efeitos imediatos.

Tomei esta decisão com o objetivo de defender a minha própria reputação e de evitar à União Europeia e à Comissão todo e qualquer dano, nas próximas semanas.

Contesto firmemente todas as acusações. Estou convencido de que não redundarão no apuramento de uma infração à lei da minha parte. Conto, assim, recorrer a todos os meios legais à minha disposição para proteger a minha reputação e os meus interesses face a tais acusações. No entanto, não só isso levará tempo, mas requer sobretudo que eu esteja liberto das minhas responsabilidades políticas atuais como membro da Comissão Europeia. Mantendo‑me em funções, seria incapaz de defender a minha causa com o vigor que reputo necessário. Simultaneamente, reconheço que seria inevitavelmente prejudicial para a imagem da instituição se um dos seus membros em exercício estivesse envolvido num combate jurídico contra acusações relativas à sua conduta pessoal. Mais importante ainda, sentir‑me‑ia incapaz de consagrar toda a minha energia ao exercício das minhas funções de Comissário […] se tivesse, em simultâneo, que defender‑me de tais acusações.

Gostaria, contudo, de garantir‑vos que a minha resolução de defender a minha reputação face a estas acusações não me impedirá, em momento algum, de respeitar as minhas obrigações legais como antigo Comissário, de atuar com integridade e discrição.»

120    Às 16 h 50 m, C. Day telefonou a J. Darmani para propor a organização de uma reunião do pessoal do gabinete do recorrente, com ela própria e J. Laitenberger. Esta reunião teve lugar entre as 17 h 30 m e as 17 h 45 m, no décimo terceiro andar do edifício Berlaymont. O pessoal do gabinete do recorrente foi informado de que o vice‑presidente da Comissão, Maroš Ševčovič, seria responsável pela Direção‑Geral «Saúde e Defesa do Consumidor» até à nomeação de um novo membro da Comissão em substituição do recorrente.

121    Às 17 h 11 m foi tornado público o comunicado de imprensa da Comissão anunciando a demissão do recorrente. O recorrente admite ter dele tido conhecimento.

122    Pelas 18 h 00 m F. Vincent, porta‑voz do recorrente, foi chamado ao gabinete deste. O recorrente perguntou‑lhe se era possível difundir um comunicado de imprensa no qual exporia o seu ponto de vista em resposta ao comunicado de imprensa da Comissão. F. Vincent respondeu‑lhe que tal já não era possível, uma vez que a sua demissão se tinha agora tornado oficial e que ele já não podia recorrer aos serviços de comunicação da Comissão. O recorrente ficou bastante incomodado. Nesse momento, J. Darmani que tinha ouvido, do seu gabinete, vozes exaltadas num gabinete perto do seu, encontrou o recorrente a falar com F. Vincent. Confirmou ao recorrente que já não era possível a publicação de um comunicado de imprensa em seu nome, dado que após as 17 h 00 m deixara de ser membro da Comissão e que quem representava a instituição era o seu presidente, que já tinha publicado o seu próprio comunicado.

123    Mais tarde nesse final de dia, o recorrente publicou o seu próprio comunicado de imprensa. Esse comunicado de imprensa não anuncia uma demissão por sua parte, mas também não refuta o comunicado de imprensa da Comissão. Limita‑se, no essencial, a rejeitar todas as acusações do OLAF.

124    Atendendo a todas as constatações, apreciações e considerações precedentes, o Tribunal Geral considera que foi feita prova bastante, do ponto de vista jurídico, de que o recorrente apresentou oralmente a sua demissão das suas funções de membro da Comissão no decurso da reunião que teve com o presidente Barroso na tarde de 16 de outubro de 2012, no gabinete deste, e que confirmou oralmente esta demissão na presença de J. Laitenberger e L. Romero Requena.

125    Esta conclusão, firmada principalmente com base nos depoimentos das testemunhas, confirmados pessoalmente pelo recorrente, é corroborada pelo seguinte:

–        declaração feita ao Parlamento maltês, na tarde de 16 de outubro de 2012, pelo Primeiro‑Ministro maltês, após a sua conversa telefónica com o recorrente (v. n.° 17 supra);

–        entrevista dada pelo recorrente a uma rádio maltesa, na noite de 16 de outubro de 2012 (v. n.° 18 supra), na qual o interessado optou por apresentar a sua saída da Comissão como uma opção política voluntária;

–        não refutação, pelo recorrente, do comunicado de imprensa publicado pela Comissão cerca das 17 h 00 m da tarde de 16 de outubro de 2012, que anunciava a sua demissão, apesar de dele ter tido conhecimento;

–        falta de declaração oficial por parte do recorrente, em especial no seu próprio comunicado de imprensa publicado no final do dia 16 de outubro de 2012, de contestação da sua demissão anunciada pela Comissão;

–        caráter limitado das anotações manuscritas introduzidas pelo recorrente no projeto de carta de demissão que lhe foi entregue por L. Romero Requena (v. n.° 119 supra);

–        nota para o dossier de L. Romero Requena de 18 de outubro de 2012 (v. n.° 19 supra), elaborada antes da primeira constatação do facto ou da legalidade da sua demissão por parte do recorrente (v. n.° 21 supra), ou seja, in tempore non suspecto.

 Questão de direito

126    Das constatações precedentes decorre que o recorrente apresentou oralmente a sua demissão das suas funções de membro da Comissão, no decurso da reunião de 16 de outubro de 2012, e que confirmou oralmente esta demissão na presença de J. Laitenberger e de L. Romero Requena, no final dessa reunião.

127    Tendo em conta os fundamentos do recurso, incumbe ao Tribunal Geral apreciar, do ponto de vista jurídico, se esta demissão deve ser qualificada de voluntária ou se foi apresentada a título vinculativo, na sequência de um pedido efetuado pelo presidente Barroso nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE, pedido este que constituiria assim o ato impugnável neste caso.

128    A título preliminar, há que salientar que o artigo 17.°, n.° 6, TUE não submete o pedido do presidente da Comissão nem a apresentação da demissão a nenhum requisito especial de forma, nomeadamente, à forma escrita. Uma formalidade deste tipo também não parece ser exigida pelo princípio geral da segurança jurídica, pelo que o ónus da prova de uma demissão incumbe, em todo o caso, à parte que a invoca (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 23 de fevereiro de 2001, De Nicola/BEI, T‑7/98, T‑208/98 e T‑109/99, ColetFP, EU:T:2001:69, n.os 287 e 290). O mesmo se aplica, de resto, em caso de demissão voluntária de um membro da Comissão.

129    Por conseguinte, há que rejeitar liminarmente o fundamento de anulação baseado na violação da referida disposição e do referido princípio geral de direito, pelo facto de o recorrente não ter apresentado a sua demissão por escrito.

130    Não obstante, o recorrente sustenta, em substância, que, ao manifestar expressamente a sua intenção de exercer o poder que lhe assistia nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE de exigir a sua demissão, o presidente Barroso tomou uma decisão oral que constitui um ato impugnável nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, na medida em que produz efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica.

131    Mais especificamente, o facto de o presidente Barroso ter convidado o recorrente a demitir‑se, ao fazer‑lhe notar que seria mais honroso se o fizesse por sua iniciativa e não a pedido, constituiria de facto e de jure a própria expressão do poder que assiste ao presidente da Comissão, nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE, de pedir a demissão de um membro da Comissão. O «convite» feito ao recorrente para «se demitir voluntariamente» e a «ameaça» do presidente Barroso de que, se recusasse fazê‑lo, lhe «pediria para o fazer» constituiriam, na realidade, um único e mesmo ato, anunciado de duas maneiras diferentes e formulado por palavras diferentes.

132    Com vista a apreciar se as expressões efetivamente utilizadas pelo presidente Barroso na reunião de 16 de outubro de 2012 constituem, como alega o recorrente, um «pedido» oral de demissão das suas funções nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE, importa ter em conta, por um lado, a natureza e o conteúdo das funções em causa e, por outro, a origem e a ratio legis da disposição em questão.

133    Em primeiro lugar, quanto à natureza das funções em causa, estas dizem respeito a um mandato de caráter essencialmente político (v., designadamente, artigo 17.°, n.os 1, 3 e 8, TUE), conferido ao interessado pelo Conselho Europeu, de comum acordo com o presidente da Comissão e após aprovação pelo Parlamento (v. artigo 17.°, n.° 7, TUE). Quanto ao conteúdo destas funções, conforme definido no artigo 17.°, n.° 1, TUE, este engloba, no essencial, funções de coordenação, de execução, de gestão e de controlo da implementação das políticas da União, nos domínios de competências que lhe são atribuídas pelos Tratados.

134    Na medida em que a Comissão pode ser considerada, como ela própria se define, como o «órgão executivo» principal da nova ordem jurídica de direito internacional que constitui a União (no sentido do acórdão de 5 de fevereiro de 1963, van Gend & Loos, 26/62, Colet., EU:C:1963:1), os seus membros exercem, de forma colegial, as funções que, segundo a teoria clássica da separação de poderes, cabem ao poder executivo.

135    Neste contexto, há que salientar que, de acordo com as tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, as pessoas investidas nessas funções nos executivos nacionais podem geralmente ser afastadas, de forma discricionária, pelo chefe do executivo ou pela autoridade que as nomeou. Nesse sentido, há que recordar as próprias declarações do recorrente quando compareceu pessoalmente, acima reproduzidas no n.° 104, relativas aos usos políticos em Malta.

136    Em segundo lugar, quanto à origem e à ratio legis do artigo 17.°, n.° 6, TUE, há que recordar que, fora as substituições normais e dos casos de morte, os Tratados não previam na sua origem nenhuma outra possibilidade de demissão de um membro da Comissão além da demissão voluntária (artigo 215.° CE) ou de uma demissão compulsiva declarada pelo Tribunal de Justiça, especialmente em casos de falta grave (artigo 216.° CE).

137    Além destas circunstâncias especiais suscetíveis de dar azo a um processo de demissão compulsiva pelo Tribunal de Justiça, não existia, pois, nenhuma outra possibilidade de a Comissão, enquanto órgão colegial, ou de o seu presidente, enquanto respetivo chefe, obrigar um dos seus membros a demitir‑se quando o contexto e as circunstâncias políticas do momento pareciam exigi‑lo no interesse da própria instituição.

138    Tal como foi acima salientado no n.° 135, esta situação não se adequava aos usos políticos tradicionalmente praticados nos executivos nacionais.

139    Como sublinhou a Comissão no decurso do presente processo, esta situação levou, por outro lado, à demissão em bloco da Comissão presidida por Jacques Santer, em 15 de março de 1999, na sequência da recusa de dois dos seus membros em apresentar a sua demissão no contexto da ameaça de votação pelo Parlamento de uma moção de censura à Comissão, enquanto órgão colegial.

140    Com vista a prevenir a repetição de tais casos de demissão coletiva, suscetíveis de afetar o bom funcionamento das instituições comunitárias ou de prejudicar o seu capital político, os autores do Tratado de Nice, assinado em 26 de fevereiro de 2001, conferiram ao presidente da Comissão o poder discricionário de exigir a demissão de um membro da Comissão, com o apoio da maioria do colégio. O artigo 217.°, n.° 4, CE, na sua versão resultante do Tratado de Nice, dispõe assim que «[q]ualquer membro da Comissão deve apresentar a sua demissão se o Presidente lho pedir, após aprovação pelo colégio».

141    Os autores do Tratado de Lisboa, assinado em 13 de dezembro de 2007, reforçaram esta prerrogativa do presidente da Comissão ao conferir‑lhe o poder discricionário de pedir a demissão de um membro da Comissão nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE, deixando de necessitar, para este efeito, da aprovação prévia da maioria do colégio.

142    Como o evidenciam a origem e a ratio legis desta disposição, a mesma abrange, em especial, a eventualidade de um membro da Comissão recusar demitir‑se voluntariamente e por sua própria iniciativa, em circunstâncias em que o presidente da Comissão tenha perdido a confiança nele e considere que a sua manutenção em funções poderia afetar o crédito, ou mesmo a sobrevivência política, da instituição.

143    É diretamente em consonância com esta génese e no respeito pleno pela referida ratio legis que se inscreve, no caso em apreço, a atuação do presidente Barroso que consistiu, mesmo antes da reunião de 16 de outubro de 2012, em deixar ao recorrente a opção entre uma demissão voluntária e uma demissão «provocada» pela formulação de um pedido nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE. Esta atuação materializou‑se com a preparação de dois projetos de comunicados de imprensa, destinados a uma dessas duas eventualidades (v. n.° 92 supra).

144    Por outro lado, resulta da instrução do processo no Tribunal Geral que, numa fase inicial da reunião de 16 de outubro de 2012, o presidente Barroso tinha decidido, atendendo à falta de explicações completas e satisfatórias do recorrente em resposta às conclusões do OLAF, afastá‑lo da Comissão e que estava determinado a fazer uso, para este efeito, se necessário, do poder que lhe conferia o artigo 17.°, n.° 6, TUE de pedir a sua demissão. Paralelamente, o presidente Barroso mantinha‑se disposto, no próprio interesse do recorrente, a fazer‑lhe o que considerava ser o «favor político» de poder apresentar a sua demissão de forma voluntária, sem pedido formal por sua parte nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE.

145    O presidente Barroso propôs, então, ao recorrente que se demitisse voluntariamente, deixando muito claro que, se o recorrente não o fizesse, lhe faria o pedido nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE. O presidente Barroso, ouvido como testemunha, confirmou que, se o recorrente não se tivesse demitido voluntariamente, lhe teria «certamente» pedido para o fazer nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE. A escolha deixada ao interessado foi, por outro lado, subjetivamente entendida como significando: «tenho o poder de despedi‑lo; mas pode demitir‑se».

146    Neste contexto, a circunstância de o presidente Barroso ter feito notar ao recorrente, de forma cada vez mais insistente atendendo às reticências e hesitações deste, que seria mais honroso que se demitisse por sua iniciativa do que ser convidado a fazê‑lo não é suficiente para confirmar a existência da alegada decisão impugnada. Com efeito, na medida em que não foi claramente formulado um pedido de demissão nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE, não resultou das palavras do presidente Barroso, por mais insistentes que tenham sido, nenhum pedido neste sentido que tenha podido afetar os interesses do recorrente, ao alterar, de forma caracterizada, a sua situação jurídica.

147    Quanto ao argumento do recorrente segundo o qual teria havido «pressão» por parte do presidente Barroso e, ao exercer essa «pressão», este teria exercido os seus poderes nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE, o Tribunal Geral considera‑o infundado, dado que a simples alusão à possibilidade de fazer uso de um poder não pode ser equiparada ao uso efetivo desse poder. A este respeito, a Comissão observa acertadamente que, embora não existindo uma grande diferença quanto ao resultado final entre as duas opções apresentadas ao recorrente, existia uma diferença em termos políticos e, sobretudo, jurídicos entre, por um lado, uma demissão resultante de uma escolha deliberada e unilateral e, por outro, uma demissão na sequência da formulação de um pedido nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE, e que, por conseguinte, aparenta mais ser uma demissão. Em face desta alternativa, o recorrente optou assim, pelo menos num primeiro momento, por fazer uso da possibilidade que lhe foi concedida de se demitir voluntariamente, o que apresentava para o mesmo a vantagem de não se considerar publicamente que fora levado a fazê‑lo a pedido do presidente Barroso.

148    Neste contexto, o Tribunal Geral não considera credível a alegação do recorrente de que não compreendia a diferença entre as duas opções em alternativa que lhe foram propostas. Pelo contrário, devia ser claro para o recorrente, político experimentado, que existe uma diferença significativa entre uma demissão voluntária e uma demissão imposta a título de um processo formal e compulsivo.

149    As apreciações de facto e de direito precedentes são confirmadas pelas anotações manuscritas introduzidas pelo recorrente no projeto de carta de demissão que recebeu de L. Romero Requena por mão própria, na sequência da reunião de 16 de outubro de 2012 (v. n.° 119 supra), mas que não assinou. A este respeito, o Tribunal Geral considera que o recorrente não é credível quando sustenta, no seu depoimento, que não assinou o referido projeto de carta de demissão por este subentender uma demissão voluntária por sua parte. Com efeito, as rasuras manuscritas introduzidas pelo recorrente neste projeto não dizem respeito ao próprio facto da sua demissão, nem sequer ao caráter voluntário dela, mas a pormenores de menor importância neste contexto. O Tribunal Geral considera ser razoável supor que, se o mal‑entendido tivesse sido mais acentuado e tivesse dito respeito ao próprio facto ou às condições essenciais da demissão, o recorrente não se teria contentado em introduzir à mão essas alterações mínimas ao projeto, tendo‑o antes, pura e simplesmente rejeitado, recusando‑se a anotá‑lo, ou rasurado as suas principais menções.

150    Estas afirmações são, além disso, confirmadas pela declaração feita pelo Primeiro‑Ministro maltês, L. Gonzi, no Parlamento maltês, em 16 de outubro de 2012, depois da sua conversa telefónica com o recorrente (v. n.° 17 supra).

151    Por último, estas apreciações são também confirmadas pelas palavras do recorrente na sua entrevista radiofónica da noite de 16 de outubro de 2012 (v. n.° 18 supra). O Tribunal Geral salienta, em especial, que o recorrente se recusou a responder claramente ao jornalista quando este lhe sugeriu que o presidente Barroso o tinha forçado a demitir‑se.

152    Resulta das considerações precedentes que o recorrente apresentou a sua demissão de forma voluntária e sem que esta tenha sido objeto de um pedido do presidente Barroso, na aceção do artigo 17.°, n.° 6, TUE.

153    Não tendo sido confirmada a existência deste pedido, que constitui o ato impugnado no presente pedido de anulação, este deve ser rejeitado por inadmissível em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.° 67.

154    No entanto, o recorrente alega ainda, a título subsidiário, que, a ser reconhecida a sua demissão, dever‑se‑ia considerar igualmente que foi obtida por recurso à ameaça de destituição e, por conseguinte, mediante pressão insuportável, o que autorizaria a concluir que o seu consentimento foi viciado. Com efeito, no decurso da reunião de 16 de outubro de 2012, o presidente Barroso não parou de insistir no facto de ter o direito de demitir o recorrente, tendo empregue várias vezes o termo «destituição» ou «demissão» («dismissal», em inglês). Na realidade, o recorrente não teria tido outra alternativa do que obedecer à ordem que lhe foi dada pelo presidente Barroso. Esse vício do consentimento tornaria a sua demissão nula e sem efeitos.

155    Um argumentação deste tipo não devia, em princípio, ser invocada em apoio do presente pedido de anulação, o qual não se dirige contra a própria decisão do recorrente de demitir‑se, a qual, aliás, não é imputável à Comissão, nem contra nenhum outro ato da Comissão com caráter lesivo.

156    Em todo o caso, mesmo no pressuposto de que o recorrente ponha em causa, no quadro do presente recurso, a legalidade da sua demissão com fundamento num vício do consentimento, o Tribunal Geral considera que a existência desse vício não está demonstrada.

157    Neste contexto, e quanto ao termo de um mandato de caráter essencialmente político, como foi acima exposto no n.° 133, a Comissão alega com razão que a expressão de uma vontade firme de exercer, se necessário, o poder de pedir a demissão de um membro da Comissão, discricionariamente conferido ao presidente da Comissão pelo Tratado UE, não deve ser considerada uma pressão ilegítima que afeta a validade ou o caráter voluntário da demissão do interessado.

158    De resto, com a sua longa experiência política a nível governamental, o recorrente esteve em condições, no decurso de um encontro que durou cerca de uma hora e meia, de recusar livremente a proposta do presidente Barroso e de desafiá‑lo a fazer‑lhe formalmente um pedido nos termos do artigo 17.°, n.° 6, TUE. O recorrente tinha a liberdade de abandonar a reunião a qualquer momento, ou de requerer a participação na mesma de um ou vários membros do seu gabinete.

159    Resulta das considerações precedentes que o presente pedido de anulação deve ser rejeitado.

 Quanto ao pedido de indemnização

160    Em apoio do seu pedido de indemnização, o recorrente sustenta que as ilegalidades alegadas no quadro do pedido de anulação são constitutivas de uma violação caracterizada de uma norma de direito destinada a conferir direitos aos particulares.

161    Ora, uma vez que o Tribunal Geral já constatou, no presente acórdão, que não se comprova terem existido os atos da Comissão postos em causa no âmbito do referido pedido de anulação, nenhuma ilegalidade neste domínio e, por maioria de razão, nenhuma violação caracterizada de uma norma de direito podem, a este título, ser atribuídas a essa instituição.

162    Quanto ao vício de consentimento alegado, a título subsidiário, no quadro do pedido de anulação (v. n.° 154 supra), o Tribunal Geral já reconheceu que a sua existência não está demonstrada.

163    Decorre do exposto que as alegações de comportamento ilícito da Comissão ou do seu presidente não estão suficientemente comprovadas do ponto de vista jurídico.

164    O pedido de indemnização deve assim ser julgado improcedente e, consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

165    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, nos termos do pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      John Dalli é condenado nas despesas.

Jaeger

Papasavvas

Forwood

Labucka

 

      Bieliūnas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de maio de 2015.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.