Language of document : ECLI:EU:T:2023:152

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

22 de março de 2023 (*)

«Desenho ou modelo comunitário — Processo de declaração de nulidade — Desenho ou modelo comunitário registado que representa um elétrodo que se destina a ser inserido numa tocha — Motivo de declaração de nulidade — Artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 6/2002 — Componente de um produto complexo»

No processo T‑617/21,

B&Bartoni spol. s r.o., com sede em Dolní Cetno (República Checa), representada por E. Lachmannová, avocate,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por J. Ivanauskas, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Hypertherm, Inc., com sede em Hanover, New Hampshire (Estados Unidos), representada por J. Day, solicitor, e T. de Haan, advogado,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto, na fase das deliberações, por: M. van der Woude, presidente, G. De Baere, G. Steinfatt, K. Kecsmár e S. Kingston (relatora), juízes,

secretário: A. Juhász‑Tóth, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 22 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Através do presente recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, a B&Bartoni spol. s r.o., requer a anulação da Decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto Europeu da Propriedade Intelectual (EUIPO) de 16 de julho de 2021 (processo R 2843/2019‑3) (a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 22 de dezembro de 2017, a recorrente apresentou ao EUIPO um pedido de declaração de nulidade do desenho ou modelo comunitário registado sob o n.o 1292122‑0001 na sequência de um pedido apresentado em 2 de setembro de 2011 e representado nas seguintes imagens:

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3        Os produtos nos quais o desenho ou modelo, cuja nulidade foi requerida, se destina a ser aplicado pertenciam à classe 08.05 na Aceção do Acordo de Locarno que estabelece uma Classificação Internacional para os Desenhos e Modelos Industriais, de 8 de outubro de 1968, conforme alterado, e correspondiam à seguinte designação: «Pistolas de soldar (parte de ‑)».

4        O motivo invocado em apoio do pedido de declaração de nulidade foi o previsto no artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1), lido em conjugação com os artigos 4.o e 5.o do mesmo regulamento.

5        O pedido de declaração de nulidade assentou, nomeadamente, na não observância dos requisitos da proteção de um desenho ou modelo comunitário previstos no artigo 4.o do Regulamento n.o 6/2002. A este respeito, a recorrente alegou que o elétrodo, cujo desenho ou modelo comunitário é contestado, consistia num componente de um produto complexo, a saber, uma tocha que faz parte de um sistema de corte por plasma, que não é visível durante a utilização normal deste produto na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

6        Em 16 de outubro de 2019, a Divisão de Anulação deferiu o pedido de declaração de nulidade com base neste fundamento. Por conseguinte, declarou a nulidade do desenho ou modelo comunitário controvertido.

7        Em 13 de dezembro de 2019, a interveniente, a Hypertherm, Inc., interpôs no EUIPO recurso da decisão da Divisão de Anulação.

8        Através da decisão recorrida, a Câmara de Recurso julgou este recurso procedente e indeferiu o pedido de declaração de nulidade por, nomeadamente, o produto representado no desenho ou modelo comunitário controvertido não ser considerado um componente de um produto complexo na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

 Pedidos das partes

9        A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o EUIPO nas despesas.

10      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar integralmente provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

11      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar integralmente provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas, incluindo nas despesas efetuadas no processo que correu na Câmara de Recurso.

 Questão de direito

12      A recorrente invoca, em substância, um fundamento único relativo à violação do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 devido a uma interpretação errada do conceito de «componente de um produto complexo». Em sua opinião, a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito quando concluiu que o elétrodo em causa não é um componente de um produto complexo e julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade assente neste fundamento.

 Quanto à admissibilidade das precisões factuais e das provas apresentadas pela interveniente no âmbito da medida de organização do processo

13      Para efeitos do exame do fundamento único do recurso, o Tribunal Geral adotou uma medida de organização do processo como a que está prevista no artigo 89.o do seu Regulamento de Processo, através da qual convidou as partes, primeiro, a responder à questão de saber se, como se afirmou no n.o 50 da petição inicial, o mercado dos elétrodos utilizados nas tochas Hypertherm é um «mercado de concorrência imperfeita» devido ao desenho ou modelo comunitário controvertido e, segundo, a indicar em que medida o elétrodo em causa também podia ser utilizado noutras tochas que não nas tochas Hypertherm.

14      Respondendo às questões colocadas pelo Tribunal Geral no âmbito da medida de organização do processo, a interveniente apresentou as provas juntas como anexos C.13 a C.18 e as precisões factuais que destes resultam. Os anexos C.13 a C.17 são constituídos por excertos de catálogos e de brochuras, acessíveis em linha, provenientes de empresas terceiras que vendem elétrodos compatíveis com as tochas Hypertherm ou tochas compatíveis com o elétrodo Hypertherm. O anexo C.18 é uma declaração sob compromisso de honra assinada pelo diretor do departamento de propriedade intelectual da interveniente que atesta esta compatibilidade.

15      Na audiência, a recorrente invocou a inadmissibilidade das precisões factuais e das provas apresentadas em resposta às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral pelo facto de não figurarem no dossiê do EUIPO.

16      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 85.o, n.os 1 e 3, do Regulamento de Processo, as provas são apresentadas na primeira troca de articulados, podendo ainda as partes principais, a título excecional, apresentar provas antes do encerramento da fase oral, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado. Semelhante justificação da apresentação tardia dos elementos de prova depois da primeira troca de articulados não pode, no entanto, ser exigida quanto estes tenham sido apresentados em resposta a uma medida de organização do processo dentro do prazo concedido para essa resposta (v. Acórdão de 7 de julho de 2021, HM/Comissão, T‑587/16 RENV, não publicado, EU:T:2021:415, n.o 68 e jurisprudência referida).

17      No caso em apreço, há que constatar que as precisões factuais e as provas apresentadas foram comunicadas em respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral no âmbito da medida de organização do processo acima mencionada no n.o 13.

18      Por conseguinte, as provas apresentadas pela interveniente em resposta às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral são admissíveis. De igual modo, uma vez que as precisões factuais resultam destas provas, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual as referidas precisões são inadmissíveis.

19      Por outro lado, a recorrente teve possibilidade de se pronunciar na audiência sobre as precisões factuais e sobre as provas apresentadas pela interveniente, pelo que o princípio do contraditório foi respeitado (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 1998, Conselho/de Nil e Impens, C‑259/96 P, EU:C:1998:224, n.o 31).

 Quanto ao mérito do fundamento único

 Observações preliminares

20      Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, um desenho ou modelo será protegido enquanto desenho ou modelo comunitário na medida em que seja novo e possua caráter singular.

21      Resulta da redação do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 que um desenho ou modelo aplicado ou incorporado num produto que constitua um componente de um produto complexo só é considerado novo e possuidor de caráter singular se

–        o componente, depois de incorporado no produto complexo, continuar a estar visível durante a utilização normal deste produto [artigo 4.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002]; e

–        se as características visíveis do componente satisfizerem, enquanto tal, os requisitos de novidade e singularidade [artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002].

22      Nos termos do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 6/2002, «utilização normal» designa o uso do produto pelo utilizador final, excluindo as medidas de conservação, manutenção ou reparação.

23      Em conformidade com o disposto no artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, «[p]roduto» designa qualquer artigo industrial ou de artesanato, incluindo, entre outros, os componentes para montagem num produto complexo. Em conformidade com o disposto no artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 6/2002, «[p]roduto complexo» designa qualquer produto composto por componentes múltiplos suscetíveis de serem dele retirados para o desmontar e nele recolocados para o montar novamente.

24      É à luz das disposições acima indicadas que há que examinar a questão de saber se o elétrodo em causa constitui um «componente de um produto complexo» na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

25      Há que começar por salientar, conforme o EUIPO e a interveniente indicam, que o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 constitui uma exceção ao regime de proteção inscrito no artigo 4.o, n.o 1, do mesmo regulamento. Como exceção, esta disposição deve ser objeto de interpretação estrita para limitar a exclusão da proteção dos desenhos ou modelos. Com efeito, segundo jurisprudência assente, as disposições que limitam os direitos concedidos ao titular de desenhos ou modelos ao abrigo do referido regulamento devem ser objeto de interpretação estrita, sem que no entanto essa interpretação possa afetar o efeito útil da limitação assim estabelecida e prejudicar a sua finalidade (v. Acórdão de 27 de setembro de 2017, Nintendo, C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724, n.o 74 e jurisprudência referida).

26      Em seguida, não existindo no Regulamento n.o 6/2002 uma definição do conceito de «componente de um produto complexo», este deve ser entendido em conformidade com o sentido habitual que lhe é atribuído na linguagem comum (v. Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Acacia e D’Amato, C‑397/16 e C‑435/16, EU:C:2017:992, n.o 64 e jurisprudência referida). Assim, o Tribunal de Justiça definiu o conceito de «componente de um produto complexo» no sentido de que se refere a múltiplas peças, concebidas para serem colocadas num artigo industrial ou artesanal complexo, que podem ser substituídas de forma a permitir a desmontagem e a recolocação para nova montagem desse artigo e sem as quais o produto complexo nunca poderá ser objeto de uma utilização normal (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Acacia e D’Amato, C‑397/16 e C‑435/16, EU:C:2017:992, n.o 65).

27      Por outro lado, há que salientar que a questão de saber se um produto se subsume no conceito de «componente de um produto complexo» deve ser avaliada de forma casuística, em função de um conjunto de indícios pertinentes.

28      No caso em apreço, quando decidiu que o elétrodo em causa não se subsumia neste conceito, a Câmara de Recurso, em substância, tomou nomeadamente em consideração os seguintes indícios: primeiro, a natureza consumível do elétrodo, segundo, o facto de não existir desmontagem e recolocação para nova montagem da tocha quando o elétrodo é substituído, terceiro, o facto de se considerar que a tocha está completa quando não tem o elétrodo e, quarto, a natureza intercambiável do elétrodo.

29      Há que analisar sucessivamente os argumentos da recorrente em relação com cada um destes indícios antes de examinar os demais argumentos que apresentou.

 Quanto à natureza consumível do elétrodo

30      A Câmara de Recurso considerou, no n.o 26 da decisão recorrida, que a natureza consumível do elétrodo em causa indica em si mesma que não se pode considerar que um determinado elétrodo constitui um componente de uma determinada tocha. Quando concluiu pela natureza consumível do elétrodo, a Câmara de Recurso, em substância, salientou, primeiro, que o elétrodo não constitui uma parte duradoura da tocha e que não está firmemente ligado a esta, ao contrário do gatilho ou do punho, que dela constituem partes essenciais e, segundo, que tem uma duração de vida relativamente curta, a saber, 2 ou 3 horas de tempo real de arco para o corte manual e 3 a 5 horas para o corte mecanizado, e que tem assim de ser regularmente substituído pelo utilizador final.

31      A este respeito, a recorrente alega que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito quando se baseou numa distinção entre um componente «não consumível» e um componente «consumível» e quando considerou que apenas a primeira categoria de componentes pode constituir um componente de um produto complexo. Segundo a recorrente, esta distinção é artificial e desprovida de fundamento no direito da União porque a palavra «componente» não sugere que este deva revestir uma natureza especial, como a durabilidade.

32      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

33      Há que salientar que a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito quando tomou em consideração a natureza consumível do elétrodo, ao ter analisado se constituía um «componente de um produto complexo».

34      É certo, conforme a recorrente sublinha, que os critérios de durabilidade e de compra ou de substituição regular do componente não figuram na redação do Regulamento n.o 6/2002.

35      No entanto, não existindo no referido regulamento uma definição do conceito de «componente de um produto complexo», a Câmara de Recurso, nos n.os 26 e 27 da decisão recorrida, baseou‑se corretamente, entre outros elementos pertinentes, na inexistência de uma ligação sólida e duradoura com o produto complexo, bem como na compra e regular substituição do elétrodo em causa devido à sua curta duração. Estes critérios, que dizem respeito a características típicas de um consumível, constituem indícios pertinentes que podem servir para identificar aquilo que constitui um componente de um produto complexo.

36      Com efeito, resulta da redação do artigo 3.o, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 6/2002 que os componentes de um produto complexo são peças concebidas para serem instaladas num artigo industrial ou artesanal complexo, que podem ser substituídas de modo a permitir desmontagem e recolocação para nova montagem desse artigo (v. igualmente Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Acacia e D’Amato, C‑397/16 e C‑435/16, EU:C:2017:992, n.o 65). Ora, o elétrodo em causa, enquanto consumível de uma tocha, é concebido para ser facilmente acrescentado nesta última, consumido ou utilizado relativamente depressa, e facilmente substituído pelo utilizador final sem que para esta operação seja necessário desmontar e recolocar de nova para montagem este artigo (v. n.o 40 e seguintes infra sobre a inexistência de desmontagem e recolocação para nova montagem quando da substituição do elétrodo em causa).

37      Além disso, há que constatar que, devido nomeadamente à natureza consumível do elétrodo em causa, o utilizador final que compra e substitui regularmente o elétrodo, se pode aperceber e pode apreciar as respetivas características, independentemente da questão de saber se o elétrodo fica visível depois de ter sido instalado na tocha.

38      Por último, há que salientar que o raciocínio da Câmara de Recurso a este respeito não pode ser posto em causa pelo argumento da recorrente relativo a uma anterior decisão do EUIPO (processo R 2337/2012‑3), proferida em 9 de abril de 2014, que, segundo a recorrente, tem semelhanças com o presente processo. Com efeito, por um lado, conforme resulta do n.o 29 da decisão recorrida, a Câmara de Recurso examinou a decisão citada pela recorrente e explicou as razões pelas quais considerou que a referida decisão é diferente da que está em causa no presente processo. Por outro, há que recordar, a este respeito, que o EUIPO é chamado a decidir em função das circunstâncias de cada caso concreto e que não está vinculado por decisões anteriores tomadas noutros processos. Além disso, no âmbito da sua fiscalização da legalidade, o Tribunal Geral não está vinculado pela prática decisória do EUIPO [v. Acórdão de 15 de dezembro de 2015, LTJ Diffusion/IHMI — Arthur e Aston (ARTHUR & ASTON), T‑83/14, EU:T:2015:974, n.o 39 e jurisprudência referida].

39      À luz do que precede, há que considerar que a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito quando considerou que o elétrodo reveste as características de um consumível e que esta circunstância constitui um indício pertinente para concluir que o elétrodo em causa não pode ser considerando um componente de um produto complexo.

 Quanto à inexistência de desmontagem e de recolocação para nova montagem quando da substituição do elétrodo

40      A Câmara de Recurso considerou, no n.o 29 da decisão recorrida, que quando um elétrodo é substituído ou mudado, a tocha e o sistema de corte não são desmontados nem são recolocados para serem novamente montados, conforme exigido pela definição constante do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 6/2002. Pelo contrário, em sua opinião, o elétrodo destina‑se a ser utilizado ao mesmo tempo que a tocha, a ser montado antes desta e em seguida a ser eventualmente novamente retirado.

41      A este respeito, a recorrente alega que a Câmara de Recurso cometeu erros de direito e de facto quando se baseou nas considerações segundo as quais, quando da substituição de um elétrodo, a tocha e o sistema de corte não são desmontados e recolocados para serem novamente montados.

42      Primeiro, em sua opinião, nada na redação do Regulamento n.o 6/2002 exige que o produto complexo seja integralmente desmontado para que um produto seja considerado um «componente» desse produto complexo. O artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento só diz respeito à possibilidade de um componente ser substituído permitindo a desmontagem e a recolocação para nova montagem do produto complexo sem que seja necessário estragar este último ou destruí‑lo.

43      Segundo, a recorrente alega que a substituição do elétrodo é uma operação que implica que a tocha seja desmontada e recolocada para voltar a ser montada. Em sua opinião, o utilizador, para substituir o elétrodo, tem de retirar vários elementos da tocha, a saber, o tampão, o conector e o bico, desatarraxando‑os da tocha e tem, depois de instalar o novo elétrodo, de os voltar a instalar.

44      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

45      Há que considerar que a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito quando tomou em consideração o facto de que a tocha e o sistema de corte não são desmontados nem são recolocados para serem novamente montados quando da substituição de um elétrodo. Com efeito, conforme resulta dos n.os 23 e 26, supra, a questão de saber se a substituição de um produto necessita que um produto complexo seja desmontado e recolocado para ser novamente montado é um fator pertinente a tomar em consideração para determinar se esse produto constitui um componente deste último.

46      Com efeito, há que recordar que a referência à «desmontagem» do e ao «recolocar para [montar] novamente» no produto figura na definição do «produto complexo» previsto no artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 6/2002, a saber «qualquer produto composto por componentes múltiplos suscetíveis de serem dele retirados para o desmontar e nele recolocados para o montar novamente». A definição de um «componente de um produto complexo» no Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Acacia e D’Amato (C‑397/16 e C‑435/16, EU:C:2017:992, n.o 65), retoma a mesma formulação (v. n.o 26, supra). A tomada em consideração da «desmontagem» e do «recolocar para o montar novamente» baseia‑se assim no Regulamento n.o 6/2002 e na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

47      Deste modo, um produto que, quando da sua substituição, não exige que o produto no qual este é integrado seja desmontado e seja recolocado para ser novamente montado e que é especificamente concebido para ser substituído regularmente e de forma simples pelos utilizadores finais é menos suscetível de constituir um componente de um produto complexo do que um produto que, como o EUIPO alega, é habitualmente substituído por profissionais que têm conhecimentos específicos para efetuarem a referida substituição.

48      Além disso, há que afastar o argumento da recorrente segundo o qual a substituição do elétrodo é uma operação que inclui uma desmontagem e uma recolocação para nova montagem. Com efeito, foi com razão que a Câmara de Recurso concluiu, no n.o 29 da decisão recorrida, que, quando da substituição do elétrodo, o sistema de corte e a tocha não são desmontados nem recolocados para serem novamente montados. Ainda que o tampão, o conector e o bico tenham de ser retirados e recolocados depois de o elétrodo ser substituído, como a recorrente sublinha, esta é uma operação simples para o utilizador final, conforme a interveniente explicou na audiência. Semelhante operação não pode assim ser considerada uma «desmontagem» e uma «recolocação para nova montagem» da tocha na aceção do Regulamento n.o 6/2002.

49      À luz do que precede, há que considerar que a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito ou de facto quando considerou que, quando da substituição do elétrodo, o sistema de corte e a tocha não são desmontados nem recolocados para serem novamente montados e que esta circunstância constitui um indício pertinente para concluir que não se pode considerar que o elétrodo em causa é um componente de um produto complexo.

 Quanto ao facto de se considerar que a tocha está completa sem o elétrodo

50      A Câmara de Recurso considerou, no n.o 29 da decisão recorrida, que se pode considerar que a tocha é um produto completo, e que não está partido, se não tiver o elétrodo. No n.o 30 da decisão recorrida, a Câmara de Recurso constatou que a tocha pode ser vendida no mercado sem elétrodo e que esta última é correntemente objeto de publicidade e de venda separada da tocha.

51      A este respeito, a recorrente alega que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito quando considerou que o produto complexo em causa, a saber, uma tocha ou um sistema de corte por plasma, constitui um produto completo sem o elétrodo e quando deste facto deduziu que o elétrodo não é um componente deste produto complexo.

52      Primeiro, segundo, a recorrente, para determinar se um produto constitui um componente de um produto complexo, há que considerar o produto complexo no estado em que este pode desempenhar a função à qual se destina. A recorrente considera assim que, no presente caso, o produto complexo em causa não está completo sem o elétrodo uma vez que não pode funcionar, no caso concreto, cortar ou modelar o metal sem o  elétrodo. Além disso, conforme é entendimento da recorrente, o facto de saber se o produto complexo ficaria partido sem a peça em causa não é pertinente para determinar se este elemento obedece ao conceito de «componente de um produto complexo» na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

53      Segundo, conforme é entendimento da recorrente, o facto de a tocha ser comercializada sem o elétrodo ou de esta ser comercializada sem a tocha não é pertinente para se determinar se o elétrodo em causa constitui um componente de um produto complexo na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

54      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

55      Em primeiro lugar, há que considerar que a natureza completa do produto constitui um indício pertinente para efeitos da apreciação do conceito de «componente de um produto complexo» na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002. A Câmara de Recurso não pode assim ser acusada de não ter incluído este elemento na sua apreciação.

56      Com efeito, no momento da compra de uma tocha que não tem elétrodo ou quando este é extraído da tocha, o utilizador final não considera que esta última está partida ou incompleta. Em contrapartida, sem os seus componentes, o utilizador final não entenderá, em princípio, um produto complexo como um produto completo que pode ser objeto de uma utilização normal (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Acacia e D’Amato, C‑397/16 e C‑435/16, EU:C:2017:992, n.o 65) ou como um produto em bom estado.

57      No que se refere ao argumento da recorrente segundo o qual o produto complexo em causa não está completo se não tiver o elétrodo, uma vez que não pode funcionar sem este, é certo que a tocha e o sistema de corte por plasma não podem desempenhar a sua função, a saber, cortar ou modelar o metal, sem que nela esteja montado um elétrodo. No entanto, isto não implica em si mesmo que se deva considerar que o elétrodo é um componente de um produto complexo.

58      Ao contrário do que a recorrente sustenta, a definição de um «componente de um produto complexo» que consta do Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Acacia e D’Amato (C‑397/16 e C‑435/16, EU:C:2017:992, n.o 65), nomeadamente a precisão «e em cuja ausência este produto complexo não pode ser objeto de uma utilização normal» (v. n.o 26, supra) não podem ser interpretadas no sentido de que exigem que quando um produto não pode desempenhar a função para a qual se destina sem outro produto, este último deve em todos os casos considerar‑se um componente do primeiro produto. Com efeito, semelhante interpretação seria excessivamente ampla ao ponto de um grande número de produtos distintos, que têm nomeadamente uma natureza consumível, sem os quais produtos complexos não podem desempenhar a função para a qual se destinam, seriam erradamente considerados componentes dos referidos produtos complexo. Ao contrário do que a recorrente considera, a referida definição, enunciada no contexto do artigo 110.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não visa determinar de forma exaustiva aquilo que não se insere no âmbito de aplicação do conceito de «componente de um produto complexo» na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento.

59      Em segundo lugar, há que considerar, à semelhança da interveniente, que foi sem cometer um erro de direito que a Câmara de Recurso tomou em consideração o facto de que a tocha pode ser vendida no mercado sem o elétrodo e que esta última era frequentemente objeto de publicidade e de uma venda separada da tocha enquanto indício pertinente para determinar se o elétrodo em causa constituía um componente de um produto complexo na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

60      No que se refere ao facto de a tocha ser vendida no mercado sem o elétrodo, é certo que cada produtor é livre de comercializar o produto complexo com as suas peças ou de as vender em separado. Conforme a recorrente sublinha, não se pode considerar que esta decisão comercial é um elemento decisivo para apreciar se um produto constitui um componente de um produto complexo.

61      No entanto, há que salientar que é inabitual que a compra de um produto complexo não inclua as suas verdadeiras peças. Ora, no caso em apreço, conforme resulta dos autos (anexos C.8 a C.11), a tocha em causa ou é vendida com ou elétrodos em causa ou sem estes.

62      À luz do que precede, há que considerar que a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito ou de facto quando considerou que o produto complexo em causa, a saber uma tocha ou um sistema de corte por plasma, constitui um produto completo sem o elétrodo e que esta circunstância constitui um indício pertinente para concluir que o elétrodo em causa não pode ser considerado um componente de um produto complexo.

 Quanto à natureza intercambiável  do elétrodo

63      A Câmara de Recurso considerou, no n.o 28 da decisão recorrida, que diferentes elétrodos são utilizados com a mesma tocha para diferentes operações, como os elétrodos utilizados para cortes por arrasto e os que são utilizados para cortes de precisão ou para a modelagem, e que tochas de diferentes tipos, adaptadas a diferentes sistemas de corte, podem utilizar o elétrodo em causa. A Câmara de Recurso baseou‑se na natureza intercambiável do elétrodo, entre outros elementos pertinentes, para concluir que este não constitui um componente de um produto complexo.

64      A este respeito, a recorrente sustenta que, ao contrário daquilo que a Câmara de Recurso considerou, o facto de diferentes elétrodos poderem ser utilizados pela mesma tocha e de diferentes tochas poderem utilizar o mesmo elétrodo não é pertinente para determinar se o elétrodo é um componente de um produto complexo.

65      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

66      No caso em apreço, é facto assente que o utilizador final pode utilizar o elétrodo em causa com diferentes tochas. Como a interveniente sublinhou em resposta às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral no âmbito da medida de organização do processo acima referida no n.o 13, o elétrodo em causa pode ser utilizado com tochas provenientes de outras empresas que não a interveniente.

67      É igualmente facto assente que a tocha da interveniente pode ser utilizada com diferentes elétrodos. Como a interveniente sublinhou em resposta às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral, elétrodos provenientes de outras empresas são compatíveis com as suas tochas.

68      Conforme a recorrente sublinha, é certo que o facto de um produto poder ser substituído por outro produto não idêntico e ser utilizado em diferentes produtos complexos não permite concluir que esse produto é um produto distinto, que não constitui um componente de um produto complexo.

69      No entanto, há que considerar que a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito quando tomou em consideração a natureza intercambiável do elétrodo para completar a sua análise. Com efeito, um produto que não pode ser substituído por outro produto não idêntico ou ser utilizado em diferentes produtos complexos é, em princípio, mais suscetível de ser ligado de forma duradoura e adaptada ao referido produto complexo e de assim constituir um componente deste último.

70      Daqui resulta que foi sem cometer um erro de direito ou de facto que a Câmara de Recurso tomou em consideração o facto de que o elétrodo em causa pode ser substituído por um elétrodo diferente e que tochas de diferentes tipos podem utilizar o elétrodo em causa, para determinar que este elétrodo não constitui um componente de um produto complexo na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

 Quanto ao objetivo do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002

71      A recorrente acusa a Câmara de Recurso de não ter suficientemente tomado em consideração o objetivo real da limitação da proteção visada no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 para os componentes não visíveis de produtos complexos. Segundo a recorrente, a proteção dos componentes consumíveis não visíveis quando da utilização normal do produto e que não contribuem de modo nenhum para a aparência geral do produto complexo apresenta uma limitação indesejável da concorrência no mercado dos componentes dos produtos complexos, como no presente processo que diz respeito a uma concorrência imperfeita de peças soltas.

72      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

73      A este respeito, há que constatar que não se exige à Câmara de Recurso que efetue uma análise dos eventuais efeitos indesejáveis em matéria de concorrência nos mercados em causa para determinar se um produto constitui um componente de um produto complexo na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

74      Ainda que se admita que a proteção da concorrência nos mercados das peças soltas tenha motivado a exclusão de certos componentes não visíveis de produtos complexos da proteção de desenhos ou modelos prevista no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002, isto não significa que esta consideração deva fazer parte da análise da Câmara de Recurso daquilo que constitui um componente de um produto complexo. A acusação da recorrente é assim inoperante.

75      Seja como for, a recorrente não baseia a sua afirmação de que o presente processo diz respeito a uma concorrência imperfeita de peças soltas devido ao desenho ou modelo contestado. Questionada pelo Tribunal Geral sobre este ponto no âmbito da medida de organização do processo acima referida no n.o 13, a recorrente limitou‑se a repetir que o desenho ou modelo controvertido impede os fabricantes de comercializarem elétrodos compatíveis com as tochas da interveniente, sem dar precisões.

76      A este respeito, verifica‑se pelo contrário, conforme a interveniente sublinhou em resposta às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral, que a tocha da interveniente pode ser utilizada com outros elétrodos, que tenham eventualmente uma aparência e especificações técnicas diferentes das do elétrodo cujo desenho ou modelo comunitário é contestado no presente caso, sem violar este último.

77      Por conseguinte, há que afastar a argumentação da recorrente relativa ao objetivo do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

78      Daqui resulta que na medida em que se baseou num conjunto de indícios pertinentes, a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito ou de facto quando concluiu que o elétrodo em causa constitui um produto diferente e não um componente de um produto complexo na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

79      À luz do que precede, há que julgar improcedente o fundamento único e, por conseguinte, negar integralmente provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

80      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

81      Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI e da interveniente.

82      Além disso, a interveniente pediu a condenação da recorrente nas despesas efetuadas no processo que correu na Câmara de Recurso. A este respeito, basta constatar que uma vez que o presente acórdão nega provimento ao recurso que teve por objeto a decisão recorrida, é o n.o 2 do dispositivo desta última que continua a ser válido a respeito da decisão sobre as despesas efetuadas no âmbito do processo que correu no EUIPO [v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Aldi/EUIPO — Sky (SKYLITe), T‑736/15, não publicado, EU:T:2017:729, n.o 131].

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A B&Bartoni spol. s r.o. é condenada nas despesas.

Van der Woude

De Baere Kecsmár

Steinfatt

Kecsmár

 

      Kingston

Assim proferido em audiência pública no Luxemburgo em 22 de março de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.