Language of document : ECLI:EU:T:2005:68

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

28 de Fevereiro de 2005 (*)

«FEOGA – Silvicultura – Decisão de aprovação de um documento de programação relativo ao desenvolvimento rural – Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem individualmente respeito – Incompetência – Inadmissibilidade»

No processo T‑108/03,

Elisabeth von Pezold, residente em Pöls (Áustria), representada por R. von Pezold, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Braun, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da Decisão da Comissão, de 14 de Julho de 2000, que aprova o documento de programação relativo ao desenvolvimento do espaço rural da República da Áustria no período de 2000 a 2006,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili e O. Czúcz, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente

Despacho

 Quadro jurídico

1       Em 17 de Maio de 1999, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1257/1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos (JO L 160, p. 80).

2       O capítulo VIII do título II deste regulamento especifica as diversas medidas de apoio, assim como as condições para a sua concessão, no sector da silvicultura.

3       O artigo 29.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999 dispõe:

«O apoio à silvicultura deve contribuir para a manutenção e o desenvolvimento das funções económicas, ecológicas e sociais da floresta nas zonas rurais.»

4       O artigo 30.°, n.° 1, segundo travessão, do mesmo regulamento prevê, em especial, que «[o] apoio à silvicultura incidirá […] [no] investimento em florestas, tendo em vista uma melhoria significativa do seu valor económico, ecológico ou social».

5       Nos termos do artigo 37.°, n.° 1, do referido regulamento:

«O apoio ao desenvolvimento rural só será concedido a medidas que cumpram a legislação comunitária.»

6       O artigo 37.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1257/1999 prevê:

«Os Estados‑Membros podem estabelecer condições complementares ou mais restritivas para a concessão de apoio comunitário ao desenvolvimento rural, desde que essas condições sejam coerentes com os objectivos e requisitos previstos no presente regulamento.»

7       Nos termos do artigo 39.°, n.° 2, deste regulamento:

«Os planos de desenvolvimento rural apresentados pelos Estados‑Membros incluirão uma avaliação da compatibilidade e da coerência das medidas de apoio ao desenvolvimento rural previstas e uma indicação das medidas tomadas para garantir a compatibilidade e a coerência.»

8       Além disso, nos termos do artigo 41.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1257/1999:

«Os planos de desenvolvimento rural serão estabelecidos ao nível geográfico considerado mais adequado. Esses planos serão preparados pelas autoridades competentes designadas pelo Estado‑Membro e por ele apresentados à Comissão após consulta das autoridades e organizações competentes ao nível territorial adequado.»

9       Finalmente, nos termos do seu artigo 44.°, n.° 2:

«A Comissão avaliará os planos propostos para determinar a sua coerência com o presente regulamento. A Comissão aprovará, com base nesses planos, nos seis meses seguintes à sua apresentação, documentos de programação em matéria de desenvolvimento rural nos termos do n.° 2 do artigo 50.° do Regulamento (CE) n.° 1260/1999 [do Conselho, de 21 de Junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os fundos estruturais (JO L 161, p. 1)].»

 Factos na origem do litígio

10     Em conformidade com o disposto no Regulamento n.° 1257/1999, as autoridades austríacas competentes submeteram à Comissão o Österreichische Programm für die Entwicklung des ländlichen Raumes (programa austríaco para o desenvolvimento rural, a seguir «plano de desenvolvimento rural») em 1 de Setembro de 1999, compreendendo, nomeadamente, uma descrição das medidas previstas com vista à execução do plano e um plano de financiamento global indicando os apoios nacionais e comunitários previstos para cada rubrica do plano e para cada medida dentro das rubricas enunciadas. Após conversações com a Comissão, este plano foi objecto de uma versão definitiva, proposta à Comissão em 23 de Junho de 2000.

11     O plano previa em particular, no ponto 9.10.2.1.3, quarto travessão, uma ajuda financeira a título das «medidas integradas de plantação, preservação e manutenção das culturas», concedida, nos termos do ponto 9.10.2.1.5, para uma área máxima de 20 hectares por ano e por medida.  

12     Em 14 de Julho de 2000, a Comissão adoptou, com base no plano de desenvolvimento rural, a decisão C (2000) 1973 final, não publicada, que aprova o documento de programação relativo ao desenvolvimento do espaço rural da República da Áustria no período de 2000 a 2006 (a seguir «decisão impugnada»), que esta última lhe tinha submetido em conformidade com o artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1257/1999.

13     Em aplicação do plano de desenvolvimento rural, as autoridades austríacas adoptaram várias directivas especiais, entre as quais a Sonderrichtlinie für die Umsetzung der «Sonstigen Maßnahmen» des Österreichischen Programms für die Entwicklung des ländlichen Raums (directiva especial para a execução das «outras medidas» do programa austríaco de desenvolvimento do espaço rural, a seguir «directiva especial»), que entrou em vigor em 27 de Julho de 2000. No ponto 6.2.1.4.1 da directiva especial, vinha mencionado, à semelhança do ponto 9.10.2.1.5 do plano de desenvolvimento rural, que só podia ser concedida uma ajuda financeira a título das «medidas integradas de plantação, preservação e manutenção das culturas» para uma área máxima de 20 hectares por ano e por medida (a seguir «disposição controvertida»).

14     Em 27 de Abril e 31 de Agosto de 2000, a recorrente, proprietária de uma empresa florestal com uma área arborizada de cerca de 3 500 hectares, apresentou na Câmara de Agricultura do Land da Estíria, com fundamento na directiva especial, dois requerimentos com vista à obtenção de uma ajuda destinada ao financiamento de trabalhos de limpeza para áreas de 20 hectares e 5 hectares, respectivamente.

15     Por duas cartas de 18 de Outubro de 2000, a sociedade Agrarmarkt Austria Marketing GmbH (a seguir «sociedade Agrarmarkt»), agindo em nome e por conta do Ministério federal da Agricultura e das Florestas, comunicou à recorrente que, após verificação das condições de concessão, a direcção das florestas da Câmara de Agricultura do Land da Estíria tinha deferido os pedidos de ajuda em questão, no montante de, respectivamente, 79 999,91 xelins austríacos (ATS) (5 813,82 EUR) e 19 999,91 ATS (1 453,40 EUR).

16     Por carta de 18 de Janeiro de 2001, a sociedade Agrarmarkt comunicou à recorrente que a direcção das florestas da Câmara de Agricultura do Land da Estíria lhe tinha reclamado a restituição da soma de 1 453,45 EUR, correspondente à segunda ajuda financeira, com fundamento em que a ajuda teria sido indevidamente concedida à recorrente, por ter sido excedido o limite fixado pela disposição controvertida. A sociedade Agrarmarkt esclarecia, além disso, que já fora deduzida a quantia de 425,12 EUR a um pagamento efectuado à recorrente em 20 de Dezembro de 2000 para um projecto de caminho florestal, pelo que a esta era solicitado o reembolso do restante, no montante de 1 028,33 EUR.

17     Em 19 de Novembro de 2001, a recorrente interpôs recurso para o Bezirksgericht Wien Innere Stadt (tribunal de comarca da cidade de Viena) das decisões das autoridades austríacas que ordenaram o reembolso da segunda ajuda financeira. Em apoio deste recurso, a recorrente sustentou nomeadamente que a disposição controvertida era contrária ao Regulamento n.° 1257/1999 e ao direito comunitário da concorrência. As autoridades austríacas alegaram no processo que a disposição controvertida fazia parte integrante do plano de desenvolvimento rural, que tinha sido discutida e submetida a um exame detalhado e que, portanto, se devia considerar aprovada pela decisão impugnada.

18     Foi nestas circunstâncias que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Março de 2003, a recorrente interpôs o presente recurso.

 Conclusões das partes

19     A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       anular a decisão impugnada, na parte em que aprova a disposição controvertida;

–       a título subsidiário, declarar que não pode considerar‑se que a referida decisão tenha aprovado a disposição controvertida;

–       condenar a Comissão nas despesas.

20     A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       julgar o recurso inadmissível;

–       subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

–       condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

21     De acordo com o artigo 113.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, este, decidindo nos termos do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 114.° do mesmo regulamento, pode, a todo o tempo e oficiosamente, verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais.

22     No caso em apreço, o Tribunal considera‑se suficientemente esclarecido pelos documentos e peças dos autos e, em consequência, habilitado a decidir sem iniciar a fase oral.

 Argumentos das partes

23     A Comissão, sem suscitar formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade, impugna na contestação e na tréplica a admissibilidade do pedido de anulação, com fundamento em que a decisão recorrida não diz directa e individualmente respeito à recorrente, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

24     Em primeiro lugar, no que se refere à primeira destas condições, a Comissão recorda que, no caso de uma decisão dirigida a um Estado‑Membro, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a afectação directa exige que a medida comunitária em causa produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua implementação, já que esta é de carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias. Acrescenta que o mesmo se passa quando a possibilidade de os destinatários não implementarem o acto comunitário é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que pretendem retirar consequências jurídicas conformes ao referido acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309, n.os 43 e 44, e Glencore Grain/Comissão, C‑404/96 P, Colect., p. I‑2435, n.os 41 e 42).

25     Resulta da decisão impugnada que ela se dirigia à República da Áustria e que, portanto, a recorrente não pode ser considerada destinatária da mesma. Ora, a Comissão considera que as condições acima mencionadas não estão preenchidas no caso em apreço. Sublinha que a decisão impugnada se limita a constatar a legalidade do conteúdo do programa que lhe foi submetido, à luz do Regulamento n.° 1257/1999. Esta constatação não produz qualquer efeito directo em relação a um ulterior requerente de uma ajuda, tendo em conta, por um lado, a margem de apreciação de que o Estado‑Membro dispõe na execução do programa e, por outro, o facto de a Comissão não manter qualquer relação jurídica com o referido requerente. Com efeito, embora a Comissão admita que a disposição controvertida constava efectivamente do ponto 9.10.2.1.5 do programa de desenvolvimento rural por si aprovado, sublinha que tiveram lugar duas medidas nacionais, a saber, a directiva especial e a decisão de concessão da ajuda tomada pela sociedade Agrarmarkt, antes de a aprovação em causa ter produzido efeitos em relação à recorrente.

26     A Comissão sublinha igualmente que o Tribunal de Justiça considerou que a aprovação de um programa nacional de auxílios pela Comissão de forma nenhuma tem por efeito conferir‑lhe a natureza de acto de direito comunitário. Nestas condições, em caso de incompatibilidade de um contrato de ajuda com o programa aprovado pela Comissão, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais retirar as consequências à luz do direito nacional, tendo em conta, no momento da aplicação deste, o direito comunitário pertinente (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2002, Huber, C‑336/00, Colect., p. I‑7699, n.° 40). Este raciocínio é igualmente aplicável na hipótese de, como no caso em apreço, o contrato de ajuda ser compatível com o programa aprovado. Assim, no caso em apreço, caberia à recorrente requerer a intervenção do órgão jurisdicional nacional competente e impugnar neste a validade da disposição controvertida à luz do direito nacional e do direito comunitário.

27     Em segundo lugar, no que se refere à condição da afectação individual da recorrente, a Comissão recorda que, segundo a jurisprudência, só se pode considerar que uma decisão dirigida a uma pessoa diz individualmente respeito a terceiros se esta decisão os atingir devido a certas qualidades que lhes são particulares ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e com isso os individualiza de forma análoga ao destinatário da decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect., p. 279, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Fevereiro de 1995, Associazione agricoltori della provincia di Rovigo e o./Comissão, T‑117/94, Colect., p. II‑455, n.° 21). Ora, a decisão impugnada tem por objecto a aprovação de medidas de alcance geral, entre as quais a disposição controvertida, aplicáveis a factos determinados objectivamente e que produzem efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de forma geral e abstracta.

28     No que se refere, em particular, à disposição controvertida, a Comissão sublinha que a mesma diz respeito, sem qualquer distinção, a todos os proprietários florestais austríacos, sem que um grupo de entre estes seja objecto de qualquer discriminação. Assim, a decisão impugnada apenas diz respeito à recorrente perante uma situação comum a todos os referidos proprietários florestais. A simples circunstância de a recorrente explorar uma propriedade florestal de dimensão importante e de, assim, a diferença entre a área da propriedade e a área máxima que pode ser objecto de uma ajuda ser mais importante que a relativa a explorações de dimensão mais reduzida, não é susceptível de individualizar a recorrente em relação a qualquer outro proprietário florestal.

29     A recorrente considera que o presente recurso é admissível. No que se refere, em primeiro lugar, ao prazo para interposição do recurso, a recorrente alega que só teve conhecimento da decisão impugnada em 15 de Janeiro de 2003, quando da apresentação pelas autoridades austríacas das suas alegações no processo no Bezirksgericht Wien Innere Stadt. Assim, tendo o recurso dado entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Março de 2003, foi interposto dentro do prazo.

30     Em segundo lugar, a recorrente considera que a decisão impugnada lhe diz directamente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, tendo em conta que a referida decisão, segundo as autoridades austríacas, declarou a disposição controvertida conforme ao direito comunitário e, assim, a mesma entrou em vigor com efeito directo em relação a si.

31     O facto de a República da Áustria poder, teoricamente, renunciar a aplicar a disposição controvertida posteriormente à aprovação da Comissão é indiferente quanto a este aspecto. Segundo a recorrente, o carácter directo do efeito de uma decisão de aprovação de uma regulamentação nacional não pode depender da atitude arbitrária das autoridades nacionais posterior à referida decisão, tendo em conta que estas autoridades estabeleceram elas próprias a regulamentação em causa e suscitaram a sua aprovação pela Comissão. Portanto, segundo a recorrente, não havia qualquer dúvida de que a República da Áustria tinha a intenção de implementar a regulamentação aprovada e que, assim, a sua faculdade de renunciar à aplicação da disposição controvertida era puramente teórica, na acepção da jurisprudência citada pela Comissão (acórdãos Dreyfus/Comissão, já referido no n.° 24 supra, n.° 44, e Glencore Grain/Comissão, já referido no n.° 24 supra, n.° 42).

32     A recorrente sublinha, além disso, que a decisão impugnada não deixava qualquer margem de apreciação às autoridades austríacas quanto à aplicação da directiva especial, a qual não necessitava de qualquer outra medida de transposição. Tais medidas não eram, aliás, de considerar dado que, segundo o direito austríaco, as ajudas previstas pela directiva especial são concedidas no âmbito de uma gestão de direito privado.

33     Isto teria como consequência que as decisões de atribuição de ajudas tomadas neste domínio estariam fora do âmbito da fiscalização do Verfassungsgerichtshof (Tribunal Constitucional austríaco) e do Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo austríaco). A inadmissibilidade do presente recurso teria, portanto, como consequência privar a recorrente do direito fundamental a uma tutela jurídica efectiva, como é reconhecido pelo Tribunal de Justiça. A este propósito, a recorrente precisa finalmente que, na sua petição inicial no processo no Bezirksgericht Wien Innere Stadt apresentada em 19 de Novembro de 2001, pedia que fosse submetida a título prejudicial ao Tribunal de Justiça uma questão sobre a compatibilidade com o direito comunitário de uma disposição nacional que limita o objecto de uma ajuda a uma determinada área por ano. Ora, o Bezirksgericht Wien Innere Stadt manifestou a sua intenção de não proceder ao reenvio prejudicial solicitado. Assim, a recorrente viu‑se obrigada a interpor o presente recurso a fim de evitar a caducidade do seu direito de acção contra a decisão impugnada. A este propósito, o argumento da Comissão segundo o qual compete aos órgãos jurisdicionais nacionais fiscalizar a compatibilidade da regulamentação nacional com o direito comunitário é destituído de pertinência, uma vez que estes órgãos jurisdicionais não são competentes para se pronunciar sobre uma violação do direito comunitário pela Comissão.

34     Em terceiro e último lugar, a recorrente considera que a decisão impugnada lhe diz individualmente respeito. Alega que a empresa florestal de que é proprietária possui 1 250 hectares de árvores novas que necessitam de ser cuidadas (ou seja, mais de um terço da área arborizada total da empresa), na sequência da reflorestação recente de 500 hectares financiada com fundos próprios no montante de cerca de 4 milhões de EUR. Esta reflorestação foi além disso necessária devido a uma exploração florestal intensiva e às degradações causadas pela poluição emanada de uma central térmica a lenhite e de uma fábrica de celulose locais, ambas nacionalizadas, e ainda com vista à protecção contra as avalanches e à melhoria do regime das águas. Ora, a recorrente apenas tem possibilidade de dispensar estes cuidados relativamente a 120 hectares por ano. Desta relação não habitual decorre que a decisão impugnada diz individualmente respeito à recorrente.

35     A recorrente reconhece que não era especificamente visada pela decisão impugnada. Sustenta, todavia, que a Comissão deveria ter tido em conta o facto, conhecido pelas autoridades austríacas, de a disposição controvertida atingir precisamente as empresas florestais que assumem, no interesse público, encargos importantes devido à manutenção de grandes culturas em zonas de altitude fortemente atingidas por emanações poluentes. Com efeito, por ano, apenas cerca de 5% das áreas arborizadas austríacas necessitam de cuidados, de modo que a disposição controvertida só diz respeito a um pequeno grupo de explorações com uma área superior a 400 hectares.

 Apreciação do Tribunal

 Quando ao primeiro ponto das conclusões com vista à anulação da decisão impugnada

36     A título liminar, o Tribunal constata que o presente recurso tem formalmente como objecto a anulação da decisão impugnada na parte em que esta aprova o ponto 6.2.1.4.1 da directiva especial. Todavia, há que referir que, em conformidade com o artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1257/1999, a decisão impugnada aprova, com base no plano de desenvolvimento rural, o documento de programação submetido à Comissão, pelo que não pode considerar‑se formalmente que aprovou o ponto 6.2.1.4.1 da directiva especial que promove a aplicação do referido plano a nível nacional. Na medida em que não é contestado pelas partes que esta última disposição é em substância idêntica ao ponto 9.10.2.1.5 do plano de desenvolvimento rural, deve entender‑se que o presente recurso tem em vista, na realidade, a anulação da decisão impugnada na parte em que aprova o ponto 9.10.2.1.5 do plano de desenvolvimento rural.

37     A este propósito, importa também sublinhar que, nos termos do artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1257/1999:

«A Comissão avaliará os planos propostos para determinar a sua coerência com o presente regulamento. A Comissão aprovará, com base nesses planos, nos seis meses seguintes à sua apresentação, documentos de programação em matéria de desenvolvimento rural […]»

38     Resulta, aliás, do artigo 1.° da decisão impugnada que a Comissão aprovou o documento de programação apresentado pela República da Áustria com base no plano de desenvolvimento submetido, na sua versão definitiva, por esta última à Comissão em 23 de Junho de 2000.

39     Daqui decorre que, para efeitos da decisão de aprovação, o exame pela Comissão dos documentos de programação abrange necessariamente o conteúdo do plano de desenvolvimento rural com base no qual são elaborados os referidos documentos (v., neste sentido, acórdão Huber, já referido no n.° 26 supra, n.° 39).

40     Além disso, verifica‑se que a Comissão, não contraditada quanto a este ponto pela recorrente, reconhece que o plano de desenvolvimento rural incluía, no ponto 9.10.2.1.5, uma disposição instituindo a limitação a uma área de 20 hectares por ano e por medida das ajudas à silvicultura relativas a «medidas integradas de plantação, preservação e manutenção de culturas». Deve, portanto, considerar‑se que a decisão impugnada comporta a aprovação desta disposição pela Comissão.

41     No que se refere à admissibilidade do presente recurso de anulação, admitindo que este tenha sido interposto atempadamente e que a recorrente tem interesse em agir contra a decisão impugnada, o Tribunal recorda que, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

42     No caso em apreço, é facto assente que a decisão impugnada tinha como único destinatário a República da Áustria. Nestas circunstâncias, há que recordar que é jurisprudência constante que uma decisão dirigida a uma pessoa só pode dizer individualmente respeito a terceiros se os atingir em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por isso, os individualiza de modo análogo ao do destinatário (acórdão Plaumann/Comissão, já referido no n.° 27 supra, p. 284, e despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2003, Bactria/Comissão, C‑258/02 P, Colect., p. I‑15105, n.° 34).

43     Ora, no caso em apreço, o Tribunal verifica que a decisão impugnada tem como objecto a concessão e a determinação das condições do apoio financeiro do FEOGA ao plano de desenvolvimento rural da República da Áustria para o período de 2000 a 2006, o qual continha a disposição acima mencionada. Esta disposição, aprovada pela decisão impugnada, deve ser considerada uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objectivamente e comporta efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas consideradas de forma geral e abstracta.

44     Por conseguinte, a decisão impugnada diz respeito à recorrente apenas devido à sua qualidade objectiva de silvicultora que opera na Áustria, tal como a qualquer outro operador económico que se encontre em situação idêntica (v., por analogia, despacho Associazione agricoltori della provincia di Rovigo e o./Comissão, já referido no n.° 27 supra, n.os 24 e 25).

45     No que se refere ao argumento da recorrente segundo o qual a medida em causa a desfavorece tendo em conta a sua qualidade de exploradora de uma propriedade florestal de dimensão importante, há que recordar, supondo que esta circunstância se confirma, que não basta que determinados operadores sejam economicamente mais atingidos por um acto do que os seus concorrentes para que se considere que esse acto lhes diz individualmente respeito (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1999, Van Parys e o./Comissão, T‑11/99, Colect., p. II‑2653, n.os 50 e 51). Com efeito, mesmo que fosse de admitir que a limitação contestada é susceptível de ter como consequência conceder à recorrente uma ajuda proporcionalmente menos importante que as pagas aos operadores que exploram propriedades florestais de dimensão inferior, também se deveria considerar que daí decorre uma consequência similar para os outros operadores que exploram propriedades florestais de dimensão comparável à da recorrente (v., por analogia, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Abril de 2004, Gonnelli e AIFO/Comissão, T‑231/02, Colect., p. II‑0000, n.° 45).

46     Além disso, mesmo que fosse igualmente de admitir que, como alega a recorrente, só um pequeno grupo de explorações florestais com uma área superior a 400 hectares tem necessidade de proceder a determinados cuidados de manutenção devido, nomeadamente, a degradações resultantes de emanações poluentes, há que recordar que a possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito a quem uma medida se aplica de modo algum implica que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, tanto quanto esteja assente, como no caso em apreço, essa aplicação se faz devido a uma situação objectiva de direito ou de facto definida pelo acto em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2001, Antillean Rice Mills/Conselho, C‑451/98, Colect., p. I‑8949, n.° 52).

47     Finalmente, o argumento da recorrente segundo o qual a decisão impugnada lhe diz individualmente respeito, dado que a Comissão deveria ter tido em conta o facto de a disposição em causa atingir precisamente as poucas empresas florestais que assumem, no interesse público, encargos importantes devido à manutenção de grandes culturas em zonas de altitude fortemente atingidas por emanações poluentes, não merece acolhimento.

48     Com efeito, o Tribunal observa que, embora, conforme jurisprudência assente, o facto de a Comissão ter a obrigação, em virtude de disposições específicas, de ter em conta as consequências do acto que pretende adoptar sobre a situação de determinados particulares seja susceptível de os individualizar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, Colect., p. I‑2477, n.° 11), importa realçar que, no caso em apreço, a regulamentação comunitária, nomeadamente o Regulamento n.° 1257/1999, não contém qualquer disposição que obrigue a Comissão a considerar, no momento em que adopta uma decisão de aprovação, as suas consequências sobre a situação dos particulares como a recorrente (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T‑481/93 e T‑484/93, Colect., p. II‑2941, n.° 62).

49     Resulta do que antecede que a recorrente não se encontra numa situação de facto que a caracterize em relação a qualquer outro operador económico e que, portanto, a decisão impugnada não lhe diz individualmente respeito.

50     A recorrente alega finalmente que a inadmissibilidade do presente recurso seria constitutiva de uma violação do seu direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva.

51     O Tribunal de Primeira Instância realça a este propósito que, conforme o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 40), o Tratado CE, através dos artigos 230.° e 241.°, por um lado, e do artigo 234.°, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de processos, destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos actos das instituições, confiando‑a ao juiz comunitário (v., igualmente, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339, n.° 23). Neste sistema, não podendo as pessoas singulares ou colectivas, em virtude das condições de admissibilidade previstas no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, impugnar directamente actos comunitários de alcance geral têm a possibilidade, conforme os casos, de alegar a invalidade de tais actos, quer por via incidental perante o juiz comunitário, nos termos do artigo 241.° CE, quer nos órgãos jurisdicionais nacionais, levando estes últimos, que não são competentes para declarar eles próprios a invalidade dos referidos actos (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost, 314/85, Colect., p. 4199, n.° 20), a interrogar o Tribunal de Justiça sobre o assunto pela via da questão prejudicial.

52     Para além de incumbir aos Estados‑Membros prever um sistema completo de vias de recurso e de processos que permita assegurar o respeito do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, o Tribunal de Justiça declarou também que não é admissível uma interpretação do artigo 230.° CE segundo a qual o recurso de anulação deve ser declarado admissível quando estiver demonstrando, após exame concreto pelo juiz comunitário das regras processuais nacionais, que estas não autorizam o particular a interpor um recurso que lhe permita pôr em causa a validade do acto comunitário impugnado. Um recurso directo de anulação para o juiz comunitário não seria possível mesmo que se pudesse demonstrar, após exame concreto das regras processuais nacionais por este último, que estas não autorizam o particular a interpor um recurso que lhe permita pôr em causa a validade do acto comunitário impugnado (despacho Bactria/Comissão, já referido no n.° 42 supra, n.° 58). Com efeito, tal regime exigiria que o juiz comunitário examinasse e interpretasse, em cada caso concreto, o direito processual nacional, o que excederia a sua competência no âmbito da fiscalização da legalidade dos actos comunitários (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido no n.° 51 supra, n.° 43).

53     De qualquer modo, no que se refere, finalmente, à condição do interesse individual exigida pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, o Tribunal de Justiça declarou claramente (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido no n.° 51 supra, n.° 44) que, embora seja certo que esta deve ser interpretada à luz do princípio de uma tutela jurisdicional efectiva tendo em conta as diversas circunstâncias susceptíveis de individualizar um recorrente, tal interpretação não pode levar a afastar a condição em causa, que está expressamente prevista pelo Tratado, sem exceder as competências por este atribuídas aos órgãos jurisdicionais comunitários.

54     O Tribunal não pode assim acolher o argumento da recorrente segundo o qual, na hipótese de o presente recurso de anulação dever ser declarado inadmissível, ficaria privada de qualquer meio de acção para defender os seus direitos num órgão jurisdicional, alegação que, aliás, a recorrente não provou.

55     Daqui resulta que a exigência de uma tutela jurisdicional efectiva não é susceptível de pôr em causa a conclusão segundo a qual a decisão impugnada não diz individualmente respeito à recorrente. Assim, o presente recurso de anulação deve ser julgado inadmissível, sem que seja necessário determinar se a decisão impugnada diz directamente respeito à recorrente e se esta interpôs o recurso no prazo previsto.

Quanto ao segundo ponto das conclusões, com vista a obter a declaração de que não se pode considerar que a decisão impugnada tenha aprovado a disposição controvertida

56     No segundo ponto das conclusões, a recorrente pede ao Tribunal, a título subsidiário, que declare que não se pode considerar que a decisão impugnada tenha aprovado a disposição controvertida.

57     Ora, importa recordar que o contencioso comunitário não conhece outra via de direito, para além da prevista no artigo 234.° CE, que permita ao Tribunal pronunciar‑se sobre a interpretação de um acto adoptado por uma instituição comunitária.

58     Este ponto das conclusões deve, portanto, ser rejeitado, por o Tribunal ser manifestamente incompetente para dele conhecer.

 Quanto às despesas

59     Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 28 de Fevereiro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      M. Jaeger


* Língua do processo: alemão.