Language of document : ECLI:EU:T:2003:232

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

17 de Setembro de 2003 (1)

«Recurso de anulação - Programa Eurathlon - Contribuição financeira comunitária - Restituição parcial - Dever de fundamentação - Método de cálculo - Prescrição - Despesas não elegíveis»

No processo T-137/01,

Stadtsportverband Neuss eV, com sede em Neuss (Alemanha), representada por H. G. Hüsch e S. Schnelle, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Sack, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 9 de Abril de 2001, que ordena a restituição parcial de uma contribuição financeira concedida à recorrente no quadro do programa Eurathlon,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: V. Tiili, presidente, P. Mengozzi e M. Vilaras, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Janeiro de 2003,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

1.
    A Stadtsportverband Neuss eV (a seguir «recorrente») é uma comunidade de associações desportivas do município de Neuss. Prossegue objectivos de interesse público e tem por objecto promover o desporto.

2.
    Por carta de 28 de Fevereiro de 1994 (a seguir «pedido de subvenção»), a recorrente solicitou à Comissão a concessão de uma subvenção para financiar uma manifestação desportiva internacional (a seguir «ISO 94»). Essa manifestação ocorreu em Neuss de 11 a 15 de Maio de 1994.

3.
    Por decisão de 10 de Junho de 1994, a Comissão concedeu à recorrente, no quadro do programa Eurathlon, que é abrangido pelo orçamento geral das Comunidades Europeias (auxílio financeiro imputado no capítulo B3, artigo 3050,11), uma contribuição financeira no montante de 20 000 ecus (a seguir «decisão de concessão da subvenção»).

4.
    A decisão de concessão da subvenção tem a seguinte redacção:

«[...] Tenho o grato prazer de informar que a Comissão das Comunidades Europeias decidiu conceder ao vosso organismo uma subvenção de 20 000 ecus.

Junto a esta carta um formulário onde se encontram inscritas as obrigações gerais que o beneficiário de uma subvenção da Comissão deve satisfazer. Peço que o leiam com atenção e que o devolvam totalmente preenchido e assinado [...], a fim de que possa dar-se início ao processo de pagamento. [...]»

5.
    Em 28 de Junho de 1994, o Sr. Franssen, então presidente da direcção da recorrente, assinou o formulário onde se encontravam inscritas as obrigações gerais que o beneficiário de uma subvenção da Comissão devia satisfazer (a seguir «declaração do consignatário da subvenção»).

6.
    O n.° 1 da declaração do consignatário da subvenção prevê que a recorrente se compromete «a só utilizar os meios comunitários na realização do projecto descrito no pedido de 28 de Fevereiro de 1994».

7.
    Nos termos do n.° 2, quinto travessão, da declaração do consignatário da subvenção, como alterada por este, «a subvenção da Comissão é de 18,4% das despesas previstas. No caso das despesas reais serem inferiores, a subvenção da Comissão será reduzida a essa percentagem».

8.
    O n.° 2, sexto travessão, dessa declaração dispõe que «o auxílio financeiro não pode, de modo algum, conduzir a lucros».

9.
    Nos termos do n.° 3 dessa declaração, a recorrente «dá o seu acordo - em conformidade com o regulamento financeiro, de 21 de Dezembro de 1977, aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias [JO L 356, p. 1; EE 01 F2 p. 90], alterado em último lugar pelo [Regulamento (Euratom, CECA, CEE) n.° 610/90 do Conselho], de 13 de Março de 1990, [JO L 70, p. 1] - para que a utilização dos meios comunitários seja objecto de uma fiscalização a posteriori pela Comissão e pelo Tribunal de Contas».

10.
    Nos termos do n.° 4 da declaração do consignatário da subvenção, a recorrente «compromete-se a enviar à Comissão, no prazo de três meses após o final da medida subvencionada, em três exemplares, o mais tardar em 15 de Agosto de 1994 (em conformidade com a regulamentação orçamental, os meios concedidos para esta medida são-no por um determinado período):

-    um relatório relativo à utilização do referido auxílio financeiro

-    uma lista certificada dos custos elaborada pelo beneficiário do auxílio ou uma informação financeira acompanhada de documentos certificados, reveladores do montante e da natureza das despesas, bem como das receitas correspondentes (incluindo a subvenção da Comissão)

-    se for caso disso, o relatório anual de uma sociedade fiduciária».

11.
    Nos termos do n.° 5 da declaração do consignatário da subvenção, o beneficiário da subvenção compromete-se também «a conservar todos os documentos originais durante cinco anos para uma eventual fiscalização».

12.
    Por último, nos termos do n.° 7 da mesma declaração, o beneficiário da subvenção «declara-se disposto, caso a utilização de toda a subvenção não esteja justificada na lista das despesas, a reembolsar a Comissão, a seu pedido, das somas já pagas e não justificadas».

13.
    Em Janeiro de 1995, a Comissão pagou a contribuição financeira de 20 000 ecus à recorrente, com base numa factura emitida pela recorrente em 27 de Outubro de 1994.

14.
    Em 12 de Dezembro de 1996, o Sr. Grahl, encarregado dos desportos na recorrente, enviou uma carta à Comissão, referindo determinadas anomalias relativas aos pagamentos ligados à ISO 94 e aludindo a um excedente calculado em 40 000 marcos alemães (DEM).

15.
    Tendo também a recorrente obtido uma subvenção de 20 000 DEM do Kreis Neuss (distrito de Neuss), este último procedeu a um controlo das despesas da recorrente feitas por ocasião da ISO 94 e elaborou um relatório de fiscalização em 26 de Novembro de 1997 (a seguir «relatório de fiscalização do Kreis Neuss»), com base num relatório de fiscalização provisório do serviço de verificação das contas, de 25 de Julho de 1997. O relatório de fiscalização do Kreis Neuss concluiu pela existência de um excedente contabilístico de, pelo menos, 19 905,03 DEM. Após essa fiscalização, foi solicitado à recorrente, por decisão do Kreis Neuss de 19 de Março de 1998, que restituísse totalmente a subvenção do Kreis Neuss (a seguir «decisão de restituição do Kreis Neuss»).

16.
    Pelo aviso de débito n.° 3240010317 de 6 de Abril de 1999, a Comissão também pediu a restituição integral da sua contribuição financeira, em virtude de o seu pedido de 9 de Fevereiro de 1999, destinado a obter a totalidade dos documentos relativos às despesas e receitas ocasionadas pela ISO 94, ter ficado sem resposta e de, de qualquer modo, possuir informações segundo as quais a recorrente obtivera lucros do evento incompatíveis com as regras da participação financeira (a seguir «decisão de 6 de Abril de 1999»).

17.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Junho de 1999, registada sob o n.° T-154/99, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão de 6 de Abril de 1999.

18.
    Por decisão de 6 de Agosto de 1999 (a seguir «decisão de 6 de Agosto de 1999»), a Comissão retirou a sua decisão de 6 de Abril de 1999.

19.
    Em 11 de Agosto de 1999, G. Hüsch, advogado da recorrente, enviou à Comissão as «contas finais da ISO 94», elaboradas em Agosto de 1999. Segundo essas contas, o total das despesas foi de 242 070,94 DEM, enquanto o das receitas foi de 225 567,25 DEM, incluída a subvenção comunitária, e de 187 973,73 DEM, sem a subvenção comunitária.

20.
    Na sequência da decisão de 6 de Agosto de 1999, o Tribunal, por despacho de 20 de Outubro de 1999, declarou extinta a instância.

21.
    Em 13 de Abril de 2000, os representantes da Comissão efectuaram uma auditoria, à contabilidade da ISO 94, no escritório do advogado da recorrente.

22.
    Em 23 de Maio de 2000, G. Hüsch transmitiu à Comissão informações a fim de esclarecer determinadas transacções.

23.
    Em 15 de Junho de 2000, a Comissão elaborou um relatório relativo à auditoria de 13 de Abril de 2000 (a seguir «relatório de auditoria»). Este foi notificado a G. Hüsch, em língua alemã, em 27 de Outubro de 2000.

24.
    No relatório de auditoria, a Comissão conclui que:

«Tendo em consideração todas as anomalias verificadas, as contas finais apresentam-se do seguinte modo:

total corrigido das despesas elegíveis    149 291 DEM

total corrigido das receitas            181 202 DEM (incluída a subvenção comunitária)

                            143 609 DEM (sem a subvenção comunitária)

Com base nas despesas elegíveis, a subvenção comunitária máxima está limitada a 18,4%, o que corresponde a um montante máximo de 27 470 DEM. Em contrapartida, há que aplicar a cláusula contratual que prevê que a subvenção não pode, em caso algum, dar origem a lucros e limitar a subvenção a 5 682 DEM, para equilibrar as despesas e as receitas das contas finais.»

25.
    Em 3 de Abril de 2001, a Comissão enviou a G. Hüsch uma carta em resposta aos comentários da recorrente relativos ao relatório de auditoria (a seguir «carta de 3 de Abril de 2001»).

26.
    A carta de 3 de Abril de 2001 tem a seguinte redacção:

«[...] Por carta de 23 de Janeiro de 2001, o Sr. Pettinelli informou-o de que tinha enviado para o meu serviço, para lhe dar seguimento, o dossier em questão e a análise das informações e notas que figuram na carta de V.Ex.a de 28 de Novembro de 2000. Em anexo, encontrará o resumo das principais conclusões desse exame.

Infelizmente, sou obrigado a concluir que os novos elementos invocados de modo algum nos levam a afastar-nos das conclusões do relatório de auditoria que lhe foi enviado em 27 de Outubro de 2000.

Assim, vejo-me obrigado a convidar a sua cliente, a Stadtsportverband Neuss a reembolsar o montante de 31 911,11 DEM; ser-lhe-á enviada uma notificação nesse sentido. [...]»

27.
    Em 9 de Abril de 2001, a Comissão elaborou um novo aviso de débito sob o n.° 3240302372, num montante de 31 911,11 DEM, equivalentes a 16 315,89 euros (a seguir «decisão impugnada»).

28.
    A decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«[...]

215050/94 - ‘Encontro internacional de liceus 1994’

Reembolso de 31 911,11 DEM na sequência de uma auditoria que teve lugar em 13 de Abril de 2000 no escritório do vosso advogado, H. G. Hüsch, e confirmado numa carta dirigida ao vosso advogado em 3 de Abril de 2001, que agora aqui se junta.

[...]»

Tramitação processual e pedidos das partes

29.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Junho de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso.

30.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) deu início à fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, as partes foram convidadas a apresentar determinados documentos e a responder a certas questões escritas do Tribunal. As partes satisfizeram parcialmente esses pedidos.

31.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 9 de Janeiro de 2003.

32.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

33.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Fundamentos e argumentos das partes

34.
    A recorrente invoca essencialmente cinco fundamentos em apoio do seu recurso. O primeiro decorre da falta de base jurídica, o segundo de violação do dever de fundamentação, o terceiro de erro manifesto de apreciação, o quarto baseia-se na prescrição e o quinto em violação do princípio da boa administração e do dever de diligência. Na audiência, a recorrente renunciou ao fundamento relativo ao alegado erro de notificação da decisão impugnada.

Quanto ao primeiro fundamento, decorrente da falta de base jurídica

Argumentos das partes

35.
    A recorrente contesta a existência de uma obrigação efectiva de restituição. Em sua opinião, a decisão de concessão da subvenção não continha nenhum elemento concreto quanto a uma eventual restituição. Além disso, a declaração do consignatário da subvenção, assinada pelo Sr. Franssen, então presidente da recorrente, não podia vinculá-la, porque devia ter sido representada, segundo o regime previsto no § 26 do Bürgerliches Gesetzbuch (código civil alemão) e nos estatutos da recorrente, conjuntamente pelo seu presidente ou o seu adjunto e por outro membro da direcção. Assim, a assinatura do antigo presidente não era suficiente para criar uma obrigação a cargo da recorrente. Todavia, segundo a recorrente, a validade da decisão de concessão da subvenção não era nessa medida posta em causa pois destinava-se justamente, enquanto medida administrativa favorável, à recorrente.

36.
    A recorrente também contesta que o alegado excedente da ISO 94 constitua um lucro em sentido jurídico. Enquanto associação de utilidade pública, não realiza lucros. Quando liberta excedentes ao organizar diversas manifestações, esses excedentes são investidos no trabalho da associação de utilidade pública. Uma vez que não podia ter lucros, não existia base jurídica para uma decisão de restituição. Segundo a recorrente, a Comissão confunde os conceitos de lucro e de excedente.

37.
    A Comissão observa, quanto à alegada falta de poder de representação do Sr. Franssen, que se este não podia só por si comprometer juridicamente a recorrente, seria assim toda a prestação da Comissão que foi efectuada sem base jurídica, dado que a recorrente não preenchia, à partida, as condições necessárias à obtenção do auxílio. Assim, a restituição do auxílio na sua totalidade poderia ser pedida por força dos princípios relativos ao enriquecimento sem causa, não podendo a recorrente invocar a boa fé pois o presidente devia saber que por si só não tinha poderes de representação.

38.
    No que diz respeito aos conceitos de lucro e de excedente, a Comissão explicou na audiência que, no caso em apreço, entendia por lucro o excedente realizado quando as receitas de uma manifestação são mais elevadas do que as despesas efectuadas nessa ocasião.

Apreciação do Tribunal

39.
    Em primeiro lugar, há que notar que a decisão de concessão da subvenção faz expressamente referência à declaração do consignatário da subvenção, junta a essa decisão. Com efeito, a obtenção da subvenção estava sujeita à condição de o beneficiário preencher, assinar e remeter esse formulário à Comissão. Assim, essa declaração do consignatário da subvenção, que contém as regras que regem a concessão da subvenção, faz parte integrante da decisão de concessão da subvenção.

40.
    A este respeito, há que sublinhar que, segundo a declaração do consignatário da subvenção, a recorrente comprometia-se a só utilizar os meios comunitários para a realização do projecto descrito no pedido de subvenção de 28 de Fevereiro de 1994, quer dizer, a manifestação ISO 94.

41.
    Além disso, a declaração do consignatário da subvenção continha uma cláusula que previa que o auxílio financeiro não podia de modo algum dar origem a lucros.

42.
    A recorrente também exprimiu o seu acordo, em conformidade com o regulamento financeiro, de 21 de Dezembro de 1977, aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias, para que a utilização dos meios comunitários fosse objecto de uma fiscalização a posteriori pela Comissão e o Tribunal de Contas.

43.
    Além disso, a recorrente comprometia-se a enviar à Comissão um relatório relativo à utilização do auxílio financeiro, bem como uma lista certificada das despesas por ela elaborada ou uma informação financeira acompanhada de documentos certificados, onde estivessem inscritos o montante e a natureza das despesas, bem como as receitas correspondentes.

44.
    Por último, a recorrente comprometia-se a devolver à Comissão, a seu pedido, caso a utilização da subvenção não estivesse totalmente justificada na lista das despesas, as quantias já pagas e não justificadas.

45.
    Assim, a declaração do consignatário da subvenção conferia claramente à Comissão o direito de controlar a utilização da subvenção, bem como de, eventualmente, ordenar a sua restituição. A este respeito, há que recordar que a Comissão está vinculada, nos termos do artigo 274.° CE, à obrigação da boa e sã gestão financeira dos recursos comunitários. Portanto, no sistema de concessão das contribuições financeiras comunitárias, a utilização dessas contribuições está sujeita a regras que podem conduzir à restituição parcial ou total de uma contribuição já concedida.

46.
    Por conseguinte, a recorrente não podia sustentar que não existia nenhuma obrigação de restituição da sua parte. Em caso de incumprimento das regras contidas na declaração do consignatário da subvenção, a Comissão tinha o direito de lhe pedir a restituição parcial ou total da contribuição financeira concedida. Com efeito, segundo jurisprudência constante, o beneficiário de uma contribuição cujo pedido tenha sido aprovado pela Comissão não adquire, por esse facto, um direito definitivo ao pagamento integral da contribuição no caso de não respeitar as condições a que o apoio estava subordinado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1997, Interhotel/Comissão, T-81/95, Colect., p. II-1265, n.° 62, e de 29 de Setembro de 1999, Sonasa/Comissão, T-126/97, Colect., p. II-2793, n.° 59).

47.
    Em segundo lugar, no que diz respeito ao argumento da recorrente segundo o qual o facto de a declaração do consignatário da subvenção não estar assinada por uma pessoa competente para o efeito obstava à existência de uma qualquer obrigação da sua parte, basta referir que é desprovida de pertinência. Com efeito, a recepção e a utilização da contribuição financeira pela recorrente constituem a ratificação de todos os compromissos assumidos pelo seu presidente no que diz respeito às regras que regem a concessão dessa contribuição. Por outro lado, se assim não fosse, tinha-se de concluir que a recorrente deveria restituir a totalidade da contribuição financeira em causa.

48.
    Em terceiro lugar, em relação ao argumento da recorrente segundo o qual o alegado excedente da ISO 94 não constituía lucro na acepção jurídica do termo, há que examinar o que é necessário entender por lucro no caso em apreço. No âmbito de uma contribuição financeira comunitária, a contribuição deve ser limitada ao montante necessário ao equilíbrio contabilístico do projecto. Assim, o termo lucro, que figura na declaração do consignatário da subvenção, deve aqui ser interpretado no sentido de excedente, quer dizer, que as receitas são maiores do que as despesas. A recorrente, enquanto associação de utilidade pública, não pode, com efeito, realizar lucros enquanto tais. Todavia, esse facto não a impediu de libertar excedentes com a ISO 94, nomeadamente graças às diferentes subvenções que obteve, em especial, da Comissão. Como o Tribunal já observou supra, a recorrente aceitou a sua obrigação de reembolso caso obtivesse mais receitas do que despesas com a ISO 94. Não pode furtar-se a essa obrigação invocando simplesmente a antinomia entre o seu estatuto de associação de utilidade pública e a realização de lucros.

49.
    Por conseguinte, o primeiro fundamento não é procedente.

Quanto ao segundo fundamento, decorrente de violação do dever de fundamentação

Argumentos das partes

50.
    A recorrente alega que a decisão impugnada de modo algum revela os fundamentos do pedido de restituição. Em sua opinião, a fundamentação da decisão deveria estar incluída na própria decisão impugnada, não podendo, a este respeito, o relatório de auditoria que lhe foi enviado substituir a fundamentação, dado que esse relatório não é passível de constituir um acto susceptível de causar prejuízo, nem de substituir esse acto, nem de o justificar. Na audiência, a recorrente confirmou que, em sua opinião, a carta de 3 de Abril de 2001, anexa à decisão impugnada, não contém qualquer fundamentação, enquanto o «relatório de auditoria explica exactamente como [se] [...] chegou [...] [à] quantia» que é objecto do pedido de restituição. Apesar disso, a recorrente referiu na audiência que, se se considerar que o relatório de auditoria é a justificação da decisão impugnada, o aceitaria caso o Tribunal considerasse que a referida decisão está fundamentada pelo próprio relatório de auditoria.

51.
    A Comissão sustenta que o relatório de auditoria explica melhor do que qualquer fundamentação suplementar no aviso de débito as razões pelas quais pediu a restituição de uma parte da subvenção. Além disso, observa que na decisão impugnada se indica expressamente que o pedido de restituição se funda na existência de um excedente de receitas em relação às despesas.

Apreciação do Tribunal

52.
    Há que recordar que é jurisprudência constante que o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão é fundamentada ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade e que autorize o órgão jurisdicional comunitário a fiscalizar a legalidade da decisão. O alcance deste dever depende da natureza do acto em causa e do contexto em que tenha sido adoptado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94 a T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 140; de 3 de Fevereiro de 2000, CCRE/Comissão, T-46/98 e T-151/98, Colect., p. II-167, n.° 46, e de 14 de Maio de 2002, Associação Comercial de Aveiro/Comissão, T-80/00, Colect., p. II-2465, n.° 35).

53.
    Por força da jurisprudência, atendendo a que uma decisão que reduz o montante de uma contribuição financeira comunitária acarreta consequências graves para o beneficiário da contribuição, a sua fundamentação deve revelar claramente os motivos que justificam a redução da contribuição em relação ao montante inicialmente aprovado (acórdãos CCRE/Comissão, já referido, n.° 48, e Associação Comercial de Aveiro/Comissão, já referido, n.° 36).

54.
    A questão de saber se a fundamentação de uma decisão satisfaz essas exigências deve ser analisada à luz não apenas do seu texto mas também do seu contexto, bem como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão Associação Comercial de Aveiro/Comissão, já referido, n.° 37).

55.
    Em primeiro lugar, há que examinar o conteúdo da decisão impugnada. A este respeito, importa observar que a decisão impugnada faz referência à auditoria efectuada em 13 de Abril de 2000, no escritório do advogado da recorrente. Faz também referência a uma carta enviada ao advogado da recorrente em 3 de Abril de 2001, anexa à decisão impugnada.

56.
    Quanto à referência à auditoria de 13 de Abril de 2000 no texto da decisão impugnada, a jurisprudência permite que uma decisão possa ser considerada suficientemente fundamentada quando faz referência a um relatório de auditoria, enviado ao recorrente (v., neste sentido, acórdão Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, já referido, n.os 142 a 144). Ora, a recorrente reconhece ter recebido o relatório de auditoria, inicialmente em língua francesa e posteriormente, em 27 de Outubro de 2000, em língua alemã. Além disso, na carta de 27 de Outubro de 2000 que acompanhava esse relatório, a Comissão convidara expressamente a recorrente a dar a sua opinião sobre esse relatório no prazo de um mês. O relatório de auditoria contém, como a própria recorrente admitiu na audiência, informações suficientes, que lhe permitem conhecer as razões pelas quais lhe foi solicitada a restituição de uma parte da contribuição financeira. O facto de a decisão impugnada fazer referência à auditoria de 13 de Abril de 2000 e não ao relatório de auditoria enquanto tal é irrelevante para o desfecho do processo pois a recorrente está em condições de identificar o nexo entre a auditoria de 13 de Abril de 2000 e o relatório que a esta se seguiu.

57.
    Por outro lado, segundo a jurisprudência, quando se faz referência a um documento anexo a uma decisão e, portanto, nela contido, a obrigação de fundamentação pode ser cumprida através desse documento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T-65/96, Colect., p. II-1885, n.° 51). No caso em apreço, a carta de 3 de Abril de 2001, anexa à decisão impugnada, responde às observações da recorrente relativas ao relatório de auditoria e recorda igualmente as razões aduzidas pela Comissão para fundamentar o pedido de restituição. Cabe citar a conclusão final dessa carta, segundo a qual «[a]s declarações do advogado da contratante não encontram apoio em nenhum elemento novo. Não existe qualquer razão para fixar novamente o montante que, segundo o relatório de auditoria, deve ser restituído». Por intermédio dessa carta, a recorrente foi informada das razões pelas quais não havia, segundo a Comissão, que se afastar das conclusões do relatório de auditoria. Assim, essa carta contém uma fundamentação suplementar relativamente ao relatório de auditoria.

58.
    Por conseguinte, dado que a Comissão se refere, na decisão impugnada, à auditoria efectuada no escritório do advogado da recorrente, bem como à carta de 3 de Abril de 2001, anexa a essa decisão, importa declarar que, à luz da jurisprudência citada, a fundamentação da decisão impugnada é suficiente.

59.
    Nestas circunstâncias, o segundo fundamento não é procedente.

Quanto ao terceiro fundamento, decorrente de erro manifesto de apreciação

60.
    O terceiro fundamento divide-se em duas partes. A primeira é relativa à errada apreciação dos factos a que procedeu a Comissão e a segunda ao método de cálculo errado que adoptou.

Primeira parte: errada apreciação dos factos

- Argumentos das partes

61.
    A recorrente contesta a não elegibilidade de certos pagamentos alegando ser errada a apreciação da Comissão quanto a essas despesas.

62.
    Em primeiro lugar, o relatório de auditoria referia erradamente que a recorrente concedeu 20 000 DEM ao Kreis Neuss. Com efeito, essa operação era estranha à subvenção concedida pela Comissão. Além disso, a restituição ao Kreis Neuss verificara-se «com base numa má apreciação da operação no seu todo pela administração da recorrente», da qual a Comissão não pode tirar nenhuma consequência jurídica.

63.
    A recorrente alega também que a apreciação feita pela Comissão no relatório de auditoria é errada no que diz respeito ao pagamento de 15 000 DEM à cidade de Neuss, a partir das contas da recorrente afectas à ISO 94. Com efeito, essa receita de 15 000 DEM que figura nas contas da recorrente constituía uma subvenção de terceiros, destinada às actividades desportivas da juventude em Neuss, e fora por erro que a recorrente creditou essa quantia na conta ISO 94. Na realidade, tratava-se de uma contribuição geral concedida à recorrente sem motivo particular e sem qualquer ligação com a ISO 94. A recorrente não utilizou esse montante na ISO 94, mas, em primeiro lugar, como auxílio de liquidação e, em seguida, em proveito da cidade de Neuss num outro torneio de futebol para jovens. Todavia, essa operação, se tivesse de ser inscrita como subvenção nas contas finais da ISO 94, constituía uma receita própria da recorrente e não uma receita que devia ser contabilizada a título da ISO 94. A recorrente invoca, a este propósito, uma carta do município de Neuss, de 4 de Maio de 2000, para apoiar o seu argumento.

64.
    Em seguida, a recorrente alega que a ISO 94 não é uma manifestação dotada de personalidade jurídica diferente da sua. Por conseguinte, a inscrição em conta de recursos próprios da recorrente para a realização da ISO 94 não deveria ser considerada uma receita na acepção jurídica do termo. Assim, no que diz respeito à transferência de 10 000 DEM que a recorrente efectuou para a conta ISO 94, esta constituía um simples adiantamento de caixa, cujo montante lhe devia ser restituído, e não uma subvenção de um terceiro. Se, todavia, devesse ser considerada um pagamento destinado à ISO 94, tratava-se, nessa medida, da utilização de um recurso próprio da recorrente. Sublinha, a este propósito, que a decisão de concessão da subvenção não obriga a recorrente a utilizar recursos próprios.

65.
    Além disso, a recorrente contesta a apreciação feita pela Comissão no relatório de auditoria no que diz respeito às transacções relativas à ISO 93, isto é, receitas num montante de 24 364,96 DEM e despesas de 25 593,56 DEM, nos termos da qual a Comissão recusou tomá-las em consideração para fixar o montante da subvenção da ISO 94. A recorrente entende, pelo contrário, que são um elemento constitutivo da ISO 94 e explicam-se pela vontade, ligada à ISO 94, de adquirir conhecimentos sobre a manifestação, a sua organização e os seus imperativos.

66.
    A recorrente também alega que foi erradamente que o relatório de auditoria contestou a contabilização de uma despesa efectuada em proveito do Sr. Donalek, no montante de 1 584,57 DEM. Sustenta que o Kreis Neuss já a havia controlado.

67.
    Por outro lado, a recorrente opõe-se ao facto de a Comissão ter considerado não elegível uma despesa de 10 000 DEM. A recorrente sublinha que recebeu uma subvenção em espécie no valor de 10 000 DEM da agência de publicidade Hülser e Brüster. O direito fiscal alemão permitia esses donativos, na condição de se poder provar que a prestação em espécie foi efectuada e de lhe ter sido passado um certificado de donativo relativo a essas prestações, o que o gabinete do desporto da cidade de Neuss teria feito no caso em apreço. Com efeito, a agência Hülser e Brüster efectuou prestações em espécie, nomeadamente sob a forma de produtos impressos. Esse donativo em espécie também figurava no relatório de fiscalização do Kreis Neuss. A recorrente lamenta que não tenha sido emitida em seguida nenhuma factura, devido à falência da agência Hülser e Brüster. Na audiência, a recorrente precisou que há que distinguir essa factura de 10 000 DEM, cujo montante total foi pago, de uma outra de 6 799 DEM, que foi objecto, relativamente a 1 799 DEM, de um pagamento e, em relação aos 5 000 DEM restantes, de um donativo.

68.
    Além disso, a recorrente sustenta que a Comissão não tomou em consideração o facto de a cidade de Neuss ter igualmente efectuado importantes prestações em espécie para permitir a realização da ISO 94, que ocorreu principalmente em instalações da autarquia. Segundo a carta da cidade de Neuss de 11 de Maio de 2000, essas prestações em espécie teriam pelo menos o valor de 92 450 DEM. A recorrente alega que essas prestações em espécie poderiam ser consideradas despesas e ser inscritas na contabilidade na perspectiva dos donativos em espécie.

69.
    Em seguida, a recorrente contesta a não elegibilidade de várias despesas, relativamente às quais a Comissão invocou o facto de terem sido efectuadas sem documentos justificativos probatórios ou outras explicações, frequentemente mesmo sem que o seu fundamento seja conhecido. Em sua opinião, foi erradamente que a Comissão considerou que não tinha apresentado nenhum documento justificativo dessas despesas na carta de 23 de Maio de 2000 e as considerou por esse facto não elegíveis.

70.
    Em primeiro lugar, segundo a recorrente, a Comissão deveria aceitar a despesa que constitui a soma fixa de 4 000 DEM paga ao Sr. Franssen. Com efeito, essa soma corresponde aos gastos pessoais do Sr. Franssen relativos à preparação, realização e desenrolar da ISO 94, nomeadamente despesas de viagem, telefone, correio, bem como prestações efectuadas depois da ISO 94. Embora os justificativos pormenorizados correspondentes não estivessem disponíveis, o reembolso dessas despesas parecia, segundo a recorrente, proporcionado, atento o longo período de preparação, a importância e a duração da ISO 94. Segundo a recorrente, tinha o direito de conceder um reembolso fixo inferior às despesas totais.

71.
    Em seguida, a recorrente contesta o facto de a Comissão não ter aceite o pagamento de 1 300 DEM a um grupo de bailarinos, dirigido pela Sr.a Beyen. Esse pagamento fora efectuado em 2 de Agosto de 1994 a partir da conta da recorrente, não tendo a conta da ISO 94 sido utilizada, por erro, nessa operação. Contudo, a realidade do pagamento não era contestada, porque o grupo de bailarinos se apresentara em conformidade com os termos do contrato na festa de encerramento da ISO 94. Como a recorrente é a organizadora da ISO 94, um pagamento efectuado a partir da sua própria conta para a ISO 94 devia ser considerado uma despesa dedutível.

72.
    A recorrente alega também que foi erradamente que a Comissão não aceitou uma despesa no montante de 1 093,81 DEM, consistente num pagamento efectuado a favor da Gesellschaft zur Wahrung vor Urheberrechten (sociedade de protecção dos direitos de autor, a seguir «GEMA»). Refere que esse pagamento, relativo à música que foi tocada na festa de encerramento da ISO 94, que integra o domínio de intervenção da GEMA, foi efectuado a partir da sua conta corrente e em seguida reembolsado a partir da conta ISO 94 para a sua conta. Além disso, a recorrente alega que os dois fiscais da Comissão, encarregados do controlo da sua contabilidade, não dominavam suficientemente nem o sistema jurídico alemão nem a língua alemã para compreender o direito de autor alemão e a função da GEMA.

73.
    Além disso, a recorrente contesta o facto de a Comissão não ter aceite tomar em consideração reembolsos de despesas no montante de 5 117,82 DEM e de 4 430 DEM efectuados em favor do Sr. Grahl. Estes pagamentos teriam sido efectuados a partir da conta ISO 94 e os formulários de transferência foram apresentados à recorrida. Segundo a recorrente, essas transferências baseavam-se em despesas facturadas pelo Sr. Grahl para a ISO 94 e cujo montante tinha sido por ele adiantado.

74.
    A Comissão sustenta, quanto à contribuição de 15 000 DEM feita à cidade de Neuss, que, mesmo que se tratasse de uma contribuição geral concedida à recorrente por um terceiro, o seu montante tinha sido correctamente afectado à ISO 94 e não podia ser transmitido a posteriori a um terceiro (no caso concreto a cidade de Neuss) para evitar um excedente. Segundo a Comissão, trata-se, assim, de uma acção destinada a disfarçar a existência de um excedente. O elemento decisivo era, a este respeito, o facto de o montante em causa ter sido, em primeiro lugar, utilizado para a ISO 94. Além disso, a carta da cidade de Neuss, de 4 de Maio de 2000, que confirma a existência de um pagamento líquido verificado na sua conta quase três anos depois da ISO 94 e de modo manifestamente anónimo, era susceptível de provar que houve manipulação, tanto mais que não foi emitido qualquer recibo nessa ocasião.

75.
    Quanto às despesas referentes ao ISO 93, a Comissão contesta o argumento segundo o qual constituíam uma preparação da ISO 94, pois o Sr. Franssen tinha obtido um subsídio especial para as suas viagens e outras actividades com vista à ISO 94. Considera, deste ponto de vista, que os argumentos invocados pela recorrente não provam a existência de uma qualquer conexão entre essas despesas e a ISO 94.

76.
    No que diz respeito ao pagamento ao Sr. Donalek, a Comissão sustenta que não está provado e que a sua utilização continua obscura.

77.
    Quanto à subvenção da agência Hülser e Brüster, a Comissão responde que, se se tratasse de um donativo da sociedade, independentemente de ser em dinheiro ou em espécie, a recorrente não tinha o direito de declarar um pagamento do mesmo montante a favor dessa sociedade a título das despesas. Como o provam os certificados em causa, tratava-se efectivamente, no caso em apreço, de um donativo de 10 000 DEM, cujo reembolso ulterior não estava preconizado.

78.
    No que respeita à prestação em espécie da cidade de Neuss, a Comissão sustenta que, como essas prestações não foram facturadas, não podem ser contabilizadas a título das despesas.

79.
    Quanto ao pagamento de um subsídio fixo de 4 000 DEM ao Sr. Franssen, a Comissão precisa que não pôde ser considerado a título de despesas elegíveis, dado que não foi possível provar a utilização dos fundos.

80.
    No que diz respeito aos pagamentos efectuados ao grupo de bailarinos, bem como à GEMA, a Comissão sustenta que não puderam ser associados à ISO 94 e que, assim, não foi possível tomá-los em consideração. Incumbia à recorrente, a este respeito, proceder de forma a que fosse possível associá-las claramente à ISO 94. Quanto ao alegado desconhecimento da língua alemã e do sistema jurídico alemão pelos funcionários encarregados da fiscalização, a Comissão sublinha que a recorrente não conseguiu provar em que medida as alegadas dificuldades de expressão e de compreensão dos referidos funcionários foram fonte de erros, de mal-entendidos ou de inexactidões.

81.
    Relativamente aos pagamentos efectuados ao Sr. Grahl, a Comissão sustenta que a recorrente não apresentou os documentos bancários a que se refere nem forneceu qualquer explicação provando a natureza das despesas. Competia à recorrente, segundo a Comissão, fazer a prova de que as despesas em questão estavam ligadas à ISO 94 e demonstrar a sua natureza.

- Apreciação do Tribunal

82.
    Resulta da jurisprudência decorrente dos acórdãos Interhotel/Comissão, já referido, n.° 46, e CCRE/Comissão, já referido, n.° 68, que a concessão de uma contribuição financeira está subordinada ao respeito não apenas das condições enunciadas pela Comissão na decisão de aprovação da contribuição, mas também ao respeito dos termos do pedido de contribuição que foi objecto da referida decisão. O mesmo ocorre, no caso em apreço, no que respeita à declaração do consignatário da subvenção, sendo essa declaração parte integrante do conjunto das regras que regem a concessão da contribuição financeira comunitária.

83.
    Importa sublinhar que a Comissão era obrigada, nos termos do ponto 1 da declaração do consignatário da subvenção, a só utilizar o auxílio comunitário para a realização da ISO 94 e que aceitou, no ponto 3 dessa declaração, que a utilização da contribuição financeira comunitária podia ser objecto de uma fiscalização a posteriori pela Comissão e pelo Tribunal de Contas. Nos termos do ponto 4 da declaração, competia também à recorrente enviar à Comissão um relatório sobre a utilização do auxílio concedido, bem como uma lista certificada dos custos ou uma informação financeira acompanhada de documentos certificados, reveladores do montante e da natureza das despesas, bem como das receitas correspondentes. Por último, comprometeu-se, nos termos do ponto 7 da declaração, caso a utilização de toda a subvenção não estivesse justificada na lista das despesas, a reembolsar a Comissão das somas já pagas e não justificadas. Por conseguinte, competia à recorrente provar a elegibilidade de todas as despesas efectuadas.

84.
    Também resulta da jurisprudência resultante do acórdão Interhotel/Comissão, já referido, n.° 47, que incumbe ao beneficiário de uma contribuição financeira demonstrar a veracidade das despesas e a sua relação com a acção aprovada. É ele quem está em melhores condições de o fazer, devendo comprovar que se justifica a obtenção de meios provenientes de fundos públicos.

85.
    Há que salientar que, quando uma contribuição financeira comunitária não for utilizada nas condições fixadas pela decisão de aprovação, a Comissão pode suspender, reduzir ou suprimir essa contribuição, o que a pode levar a proceder a uma avaliação de situações de facto e contabilísticas complexas. No contexto dessa avaliação, a Comissão deve, portanto, poder dispor de um largo poder de apreciação. Em consequência, o Tribunal terá de limitar o seu controlo à verificação de que não foi cometido, pela Comissão, nenhum erro manifesto de apreciação dos dados em causa (acórdão Associação Comercial de Aveiro, já referido, n.° 50).

86.
    Assim, se a recorrente não estiver em condições de apresentar documentos justificativos ou qualquer outro elemento comprovativo de que as informações e verificações relativas à justificação das despesas, em que se baseou a Comissão, eram erradas, não se pode censurar a Comissão de ter cometido um erro manifesto de apreciação (v., neste sentido, acórdão Interhotel/Comissão, já referido, n.° 47).

87.
    Por conseguinte, há que examinar um a um os pagamentos em causa.

88.
    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a legalidade do acto individual impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data de adopção do acto (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect. 1979, p. 145, n.° 7, e de 17 de Maio de 2001, IECC/Comissão, C-449/98 P, Colect., p. I-3875, n.° 87; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, Altmann e o./Comissão, T-177/94 e T-377/94, Colect., p. II-2041, n.° 119). Com efeito, se o Tribunal tivesse de examinar os actos impugnados à luz de elementos de facto que não existiam na data em que o acto foi adoptado, substituir-se-ia à instituição donde emana o acto em causa. Ora, não compete ao Tribunal substituir-se às instituições (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1991, Von Hoessle/Tribunal de Contas, T-19/90, Colect., p. II-615, n.° 30). Por conseguinte, só os elementos que a Comissão podia conhecer no quadro do procedimento administrativo devem ser tomados em consideração.

89.
    Em primeiro lugar, no que diz respeito à subvenção de 20 000 DEM concedida pelo Kreis Neuss, cabe referir que, no relatório de auditoria, a Comissão salientou que tinha sido totalmente devolvida pela recorrente. Assim, a Comissão corrigiu as contas da recorrente de modo simétrico, diminuindo as despesas e as receitas em 20 000 DEM. A realidade do reembolso resulta claramente das «contas finais da ISO 94», tendo sido efectuados pela recorrente três transferências no montante de, respectivamente, 13 260,58 DEM, 3 500 DEM e 3 239,42 DEM, ou seja, um total de 20 000 DEM, em favor do Kreis Neuss. Resulta também da decisão de restituição do Kreis Neuss que esse reembolso tinha sido solicitado à recorrente a título da ISO 94.

90.
    Em seguida, há que considerar que, como a subvenção comunitária foi fixada com base nas despesas efectivas, a Comissão podia, legalmente, diminuir as despesas e as receitas em 20 000 DEM, dado que a subvenção do Kreis Neuss tinha sido totalmente reembolsada. Portanto, a recorrente, devido a esse facto, não pôde nem aumentar as suas despesas nem as suas receitas.

91.
    Em seguida, no que diz respeito ao pagamento de 15 000 DEM à cidade de Neuss, há que observar que a referida quantia foi inscrita nas «contas finais da ISO 94» como despesa. Ora, resulta do relatório de auditoria que o pagamento de 15 000 DEM à cidade de Neuss foi efectuado em Março de 1997, ou seja, cerca de três anos depois da ISO 94, que foi efectuado em dinheiro e coincidiu com o encerramento da conta bancária da recorrente aberta para o referido evento. Na sua carta de 23 de Maio de 2000, o advogado da recorrente, além disso, já indicara que o pagamento em causa não estava relacionado com a ISO 94.

92.
    Por outro lado, a recorrente não conseguiu demonstrar que o donativo de 15 000 DEM, quantia efectivamente creditada na conta da ISO 94, não tinha qualquer relação com esse evento.

93.
    Nestas condições, a Comissão pôde, legalmente, considerar que o pagamento de 15 000 DEM à cidade de Neuss não constituía uma despesa justificada a título da ISO 94 e, por conseguinte, neutralizar a verba contabilística da recorrente, diminuindo simetricamente do montante em causa as receitas e as despesas e inscrevendo em seguida novamente a título de receitas a quantia de 15 000 DEM.

94.
    Relativamente à transferência de 10 000 DEM efectuada pela recorrente para a conta ISO 94, há que referir que a recorrente não faz nenhuma crítica à decisão impugnada. Além disso, resulta do relatório de auditoria que a Comissão não corrigiu as contas finais a este respeito. Portanto, há que referir que este argumento da recorrente não tem fundamento.

95.
    Quanto às transacções relativas ao ISO 93, há que salientar que, como as partes confirmaram na audiência, o pedido da contribuição era respeitante à ISO 94. Portanto, a contribuição foi concedida unicamente para esse evento. Assim, há que considerar que as transacções relativas à ISO 93 não correspondem ao objectivo da decisão de concessão da subvenção, nem ao do pedido de subvenção. Com efeito, este último pedido é muito posterior à ISO 93 e a recorrente de modo algum provou que o pedido formulado a título da ISO 94 poderia incluir também despesas ligadas à efectuação do evento anterior. Assim, a Comissão tinha o direito de excluir essas transacções das contas finais da ISO 94.

96.
    No respeitante à despesa efectuada em benefício do Sr. Donalek, num montante de 1 584,57 DEM, a Comissão nota no relatório de auditoria, sem ser contestada quanto a esse aspecto, que esse pagamento, efectuado em Janeiro de 1995, também era respeitante ao reembolso de despesas relativas à ISO 93. Por conseguinte, e pelas razões expostas no n.° 95 supra, a Comissão tinha o direito de excluir essa operação das contas finais da ISO 94.

97.
    Quanto à despesa de 10 000 DEM, feita em benefício da agência de publicidade Hülser e Brüster, a Comissão referiu no relatório de auditoria que esse «pagamento tinha sido efectuado com base num documento intitulado ‘confirmação de encomenda’, sem que tivesse sido emitida factura conforme. Essa despesa figurava nas contas elaboradas em Outubro de 1994, mas era aí totalmente compensada por duas receitas de 5 000 DEM cada, recebidas dessa mesma sociedade. O relatório de auditoria [do Kreis Neuss] confirma que esses montantes foram recebidos, e a cidade de Neuss emitiu comprovativos em relação a eles [...]. O quadro de Agosto de 1999 apenas retoma a despesa de 10 000 DEM, deixando de ser mencionadas as receitas correspondentes [...] o Sr. Hüsch declara que os comprovativos [do donativo] foram emitidos com base em despesas adicionais suportadas pela sociedade e que não se tratava, assim, de entradas em dinheiro. Todavia, não apresentou nenhum documento comprovativo susceptível de justificar essa tese. Dado que a despesa não se baseia numa factura conforme e que há indicações claras de que o montante ingressou de novo (sob a forma de donativos) [para a recorrente], há que considerar a despesa de 10 000 DEM não elegível».

98.
    A este respeito, a recorrente reconhece a existência de dois comprovativos de donativo, de 5 000 DEM cada, mas sustenta, todavia, que a despesa em causa de 10 000 DEM deve ser considerada elegível para a subvenção. Ora, como a Comissão observou na audiência, contabilizou 10 000 DEM de receitas para as quais existiam os comprovativos de donativo, compensando-os com 10 000 DEM de despesas.

99.
    Há que observar que, se uma empresa faz um donativo, em dinheiro ou em espécie, não deve existir qualquer reembolso. Assim, a parte que obtém esse donativo não pode contabilizá-lo nas despesas.

100.
    No caso em apreço, é incontestável, por um lado, que se verificou um pagamento de 10 000 DEM em favor da agência Hülser e Brüster e, por outro, como a própria recorrente admite, que recebeu uma prestação em espécie de, pelo menos, 10 000 DEM da parte dessa agência. Nestas circunstâncias, há que considerar que a Comissão tinha o direito de invocar os 10 000 DEM de donativos para contestar a materialidade dos 10 000 DEM de despesas e, portanto, de considerar estas últimas não elegíveis. No que diz respeito à factura de 6 799 DEM, que a recorrente mencionou pela primeira vez na audiência, basta referir que, como essa factura não foi nem anteriormente examinada pela Comissão nem precedentemente invocada pela recorrente, esta não a pode invocar com utilidade.

101.
    Quanto às prestações em espécie da cidade de Neuss, há que observar que a própria recorrente as qualifica de «donativos em espécie». Tratava-se, neste caso, da disponibilização gratuita de instalações da autarquia. Basta referir, assim, que, de qualquer modo, essas prestações em espécie não podiam ser consideradas, do ponto de vista contabilístico, uma despesa.

102.
    Em seguida, no que diz respeito à não elegibilidade de várias despesas, relativamente às quais Comissão invocou o facto de terem sido efectuadas sem documentos justificativos probatórios ou outras explicações, frequentemente mesmo sem que o seu fundamento fosse conhecido, há que referir que a prova do pagamento não é suficiente para verificar a legalidade e a elegibilidade de uma despesa. O pagamento deve ser efectuado com base numa factura ou noutro documento justificativo revelador da razão do pagamento e do montante devido e esses documentos justificativos devem ser apresentados à Comissão. Em seguida, há que examinar todas essas despesas.

103.
    Quanto ao pagamento de uma quantia fixa de 4 000 DEM ao Sr. Franssen, a recorrente sustenta que foi apresentada uma factura de 6 750 DEM, onde estavam incluídas todas as despesas e todos os pagamentos que o Sr. Franssen efectuara em diferentes locais, relativamente a pequenos montantes. Todavia, a direcção decidiu apenas pagar-lhe a quantia fixa de 4 000 DEM para reembolso das suas despesas.

104.
    Há que considerar que, aquando de um dado evento, os organizadores desse evento podem ser levados a efectuar diversas despesas correntes. Todavia, quanto a essas despesas, o beneficiário de uma contribuição financeira deve poder apresentar uma explicação que demonstre a sua ligação com o projecto subvencionado. Ora, no caso em apreço, a recorrente não apresentou outras explicações para além das recordadas no n.° 103 relativas às diferentes despesas que compõem a quantia de 4 000 DEM. Assim, a Comissão não podia, vista a obrigação de boa e sã gestão financeira dos recursos comunitários, aceitar tomar em consideração uma quantia fixa, desprovida de indicações próprias às despesas em causa e sem documentos justificativos. Portanto, a Comissão podia recusar tomar em consideração a quantia fixa de 4 000 DEM.

105.
    Em seguida, no referente ao pagamento de 1 300 DEM a um grupo de bailarinos, dirigido pela Sr.a Beyen, há que observar que a recorrente invocou, na audiência, uma carta da referida Sr.a Beyen, carta essa que a Comissão declarou, sem ser contestada pela recorrente, nunca ter visto anteriormente. Há que referir, nestas condições, que essa carta foi apresentada tardiamente e que a recorrente não a pode invocar. Com efeito, como foi recordado no n.° 88 supra, o Tribunal não pode tomar em consideração documentos de que a Comissão não dispunha quando da adopção da decisão impugnada. Assim, há que considerar que a Comissão não estava na posse de informações suficientes, capazes de demonstrar o eventual nexo da quantia em causa com a ISO 94, no momento da adopção da decisão impugnada. Portanto, tinha o direito de não considerar a despesa de 1 300 DEM por não haverem justificativos suficientes.

106.
    Quanto ao pagamento, no montante de 1 093,81 DEM, alegadamente efectuado a favor da GEMA, basta referir que a recorrente não apresentou, a este respeito, nenhuma factura à Comissão, como ela própria reconheceu na audiência. O facto de apresentar um extracto de conta não pode ser considerado suficiente, dado que esse documento não menciona o acontecimento a que o pagamento está ligado. Os fiscais da Comissão também não podem, sob esse aspecto, ser criticados pelo seu alegado desconhecimento do sistema jurídico alemão ou da língua alemã, dado que a recorrente não apresentou documentos justificativos suficientes para demonstrar o nexo da despesa em causa com a ISO 94. Portanto, a Comissão tinha o direito de recusar tomar em consideração o pagamento efectuado à GEMA.

107.
    Por último, no que diz respeito, ao reembolso de despesas, no montante, respectivamente, de 5 117,82 DEM e de 4 430 DEM efectuados a favor do Sr. Grahl, há que observar que a recorrente não apresentou documentos justificativos que demonstrassem o respectivo nexo com a ISO 94. Assim, a Comissão tinha o direito de rejeitar essas despesas.

108.
    Nestas circunstâncias, a Comissão tinha o direito de recusar admitir a elegibilidade das despesas em causa.

109.
    Por conseguinte, e sem que seja necessário ao Tribunal ouvir testemunhas, a primeira parte do terceiro fundamento é improcedente.

Segunda parte: método de cálculo errado

- Argumentos das partes

110.
    A recorrente contesta o método de cálculo utilizado pela Comissão. Em sua opinião, a Comissão teria direito a 18,4% do excedente e não à totalidade do excedente.

111.
    A Comissão sustenta que, segundo as condições de concessão do auxílio, não devia haver qualquer excedente financeiro e que, por essa razão, foi solicitado o reembolso da totalidade do excedente realizado.

- Apreciação do Tribunal

112.
    Há que recordar que a Comissão concedeu à recorrente uma subvenção de 20 000 ecus, equivalentes a 37 593,52 DEM, excluídas as despesas bancárias. A este respeito, por força das regras que regem a concessão da subvenção, recordadas nos n.os 6 a 12 supra, a referida subvenção, em primeiro lugar, apenas pode ser utilizada na realização do projecto descrito no pedido de subvenção, em segundo, está limitada a 18,4% das despesas reais e, em terceiro, não pode, em caso algum, conduzir a lucros.

113.
    Depois de ter tomado conhecimento, através do relatório de fiscalização do Kreis Neuss, que as contas elaboradas em Outubro de 1994, que eram contas provisórias, pois 37% das despesas eram despesas previstas mas ainda não efectuadas, não correspondiam à realidade, a Comissão efectuou verificações com base nas «contas finais da ISO 94», elaboradas em Agosto de 1999 e descritas no n.° 19 supra.

114.
    No seu relatório de auditoria, a Comissão alega que várias despesas não eram elegíveis para efeitos da subvenção e que determinados pagamentos não podiam ser tomados em consideração no cálculo final das despesas e receitas.

115.
    A Comissão obteve um total corrigido das despesas elegíveis de 149 291 DEM e um total corrigido das receitas de 181 202 DEM, a subvenção comunitária incluída, e de 143 609 DEM, subvenção comunitária não incluída. Assim, as contas corrigidas revelavam um saldo positivo de 31 911 DEM (181 202 DEM - 149 291 DEM). Por outro lado, a subvenção comunitária incluída nas receitas era o montante, como se refere no n.° 112 supra, de 37 593,52 DEM. Todavia, como a declaração do consignatário da subvenção previa que esta última não podia em caso algum dar origem a lucros, a Comissão limitou a referida subvenção a 5 682 DEM (37 593 DEM - 31 911 DEM). Assim, pediu a restituição de 31 911 DEM, ou seja, a totalidade do excedente.

116.
    Resulta da declaração do consignatário da subvenção que essa subvenção pode, de facto, ser inferior a 18,4% das despesas reais, no caso de conduzir a um excedente e, particularmente, na eventualidade deste excedente ser utilizado para fins diferentes da realização do projecto ISO 94. Ora, como resulta dos factos examinados no âmbito da primeira parte do presente fundamento, e como o Tribunal declarou no n.° 108 supra, foi legalmente que a Comissão recusou admitir a elegibilidade das despesas em causa. Em consequência, a existência de um excedente, como determinado pela Comissão, não pode ser contestada no caso em apreço. Assim, a terceira condição mencionada no n.° 8 supra não está preenchida. Por outro lado, como resulta dos referidos factos, o excedente em questão foi utilizado para outros fins. Portanto, a primeira condição mencionada no n.° 6 supra também não está preenchida.

117.
    Em seguida, há que salientar que a subvenção comunitária tem carácter subsidiário, como salientou a Comissão na audiência. Assim, a Comissão apenas intervém no financiamento dos eventos quando os outros meios financeiros não forem suficientes para completar um financiamento.

118.
    Além disso, como afirmou a Comissão na audiência, no caso de subvenções múltiplas, a restituição deve ser efectuada prorata, quer dizer, cada entidade que concedeu uma subvenção só pode pedir a restituição até ao limite do seu pagamento. Ora, no caso em apreço, o Kreis Neuss já tinha recuperado a sua subvenção na totalidade. Portanto, tendo em primeiro lugar tido em consideração esse facto nos seus cálculos, a Comissão tinha o direito de solicitar o excedente na sua totalidade.

119.
    Nestas circunstâncias, a segunda parte do terceiro fundamento não é procedente.

Quanto ao quarto fundamento, baseado na prescrição

Argumentos das partes

120.
    A recorrente invoca a prescrição dos direitos da Comissão. Observa que, partindo do princípio que o direito de restituição nasceu em 1994, quando teve lugar a ISO 94, a decisão impugnada data de 9 de Abril de 2001, ou seja, mais de seis anos depois do surgimento do alegado crédito. A recorrente, que reconhece que o direito comunitário não contém uma disposição expressa relativa à prescrição em matéria de restituição de subvenções, alega, no entanto, que o Tribunal de Primeira Instância admitiu a aplicação de disposições que prevêem prazos de prescrição mais curtos do que aqueles que se podem considerar no caso em apreço. A recorrente invoca os artigos 48.° e seguintes da Verwaltungsverfahrensgesetz (lei alemã relativa ao procedimento administrativo), segundo os quais o poder da administração de anular um acto favorável prescreve um ano depois de a administração ter conhecimento das circunstâncias que justificam a restituição. Segundo a recorrente, a Comissão teve conhecimento dessas circunstâncias pela primeira vez aquando da intervenção do responsável dos desportos da recorrente, o Sr. Grahl, em 12 de Dezembro de 1996. Além disso, o relatório de fiscalização do serviço de verificação das contas do Kreis Neuss, no qual a Comissão se baseia, data de 25 de Julho de 1997 e foi recebido pela Comissão nesse ano. Na audiência, a recorrente, além disso, invocou a cláusula da declaração do consignatário da subvenção, segundo a qual só tinha a obrigação de conservar os documentos relacionados com a ISO 94 durante cinco anos.

121.
    A Comissão contesta a alegada prescrição, não sendo a Verwaltungsverfahrensgesetz aplicável aos actos jurídicos que adopta. De qualquer modo, alega que era necessário realizar cálculos para determinar o montante que deve, eventualmente, ser restituído e, ao não apresentar os documentos exigidos apesar do pedido apresentado pela Comissão, a recorrente impediu-a durante muito tempo de proceder a esses cálculos. Por outro lado, foi apenas no início de 1999 que a Comissão teve conhecimento de fonte fidedigna que tinha havido um excedente. Além disso, a decisão de restituição do Kreis Neuss só foi adoptada em 19 de Março de 1998 e não foi comunicada à Comissão, tendo sido levada ao seu conhecimento por um terceiro. Por último, sustenta que as acções baseadas no enriquecimento sem causa prescrevem, no direito alemão, no prazo de trinta anos.

Apreciação do Tribunal

122.
    Em primeiro lugar, no que diz respeito à aplicação do direito alemão, basta referir que a recorrente não podia invocar legalmente, em relação a um procedimento administrativo comunitário, a legislação alemã relativa à prescrição, não sendo essa legislação aplicável no âmbito de uma contribuição financeira concedida pela Comissão a partir de recursos comunitários, e cuja gestão está sujeita ao direito comunitário. Além disso, como a própria recorrente admite, não há no direito comunitário uma disposição expressa relativa à prescrição em matéria de restituição de subvenções.

123.
    Com efeito, há que recordar que, para que um prazo de prescrição preencha a sua função de garantir a segurança jurídica, deve, em princípio, ser antecipadamente fixado pelo legislador comunitário (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969-1970, p. 447, n.os 19 e 20, e de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.os 47 e 48; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Outubro de 1991, De Compte/Parlamento, T-26/89, Colect., p. II-781, n.° 68, e de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T-126/96 e T-127/96, Colect., p. II-3437, n.° 67). A fixação da duração e das regras de aplicação do prazo de prescrição é da competência do legislador comunitário (acórdão ACF Chemiefarma/Comissão, já referido, n.° 20). Por outro lado, em matéria de prescrição, não é possível nenhuma aplicação por analogia de disposições legislativas estranhas ao caso em apreço (acórdão BFM e EFIM/Comissão, já referido, n.° 68).

124.
    Neste contexto, há que referir que não existem disposições legislativas contendo um prazo de prescrição aplicáveis no caso em apreço. Em especial, embora o ponto 5 da declaração do consignatário da subvenção, invocado pela recorrente, preveja efectivamente a obrigação de o beneficiário da subvenção conservar todos os documentos originais durante cinco anos, tendo em vista uma eventual fiscalização, não fixa, no entanto, um prazo de prescrição para as acções da Comissão relativas à suspensão, redução ou supressão da subvenção.

125.
    Em segundo lugar, se o fundamento da recorrente for entendido no sentido da invocação do não respeito de um prazo razoável, há que recordar que o carácter razoável da duração de um procedimento administrativo se aprecia em função das circunstâncias próprias de cada processo, nomeadamente, do contexto em que se inscreve, das diferentes etapas processuais seguidas, da complexidade do processo, bem como da importância que reveste para as diferentes partes interessadas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect., p. II-1739, n.° 57).

126.
    Assim, há que determinar o prazo que deve ser tomado em consideração para apreciar o mérito deste fundamento. Esse prazo começa a correr, no caso em apreço, no momento em que a Comissão teve conhecimento das irregularidades que afectam a conta ISO 94.

127.
    A recorrente alega que se trata do momento em que a Comissão recebeu a carta do responsável dos desportos da recorrente, o Sr. Grahl, em 12 de Dezembro de 1996. Na verdade, resulta dessa carta que o Sr. Grahl comunicou à Comissão determinadas anomalias como, por exemplo, que a recorrente não efectuara certos pagamentos, embora esses pagamentos tivessem sido apresentados como despesas à Comissão. Além disso, o Sr. Grahl indica aí a existência de um excedente de 40 000 DEM.

128.
    No entanto, dado o carácter impreciso dessa carta, há que considerar que não permitia à Comissão, nessa fase, conhecer mais pormenorizadamente a existência das irregularidades que aí se denunciavam. Portanto, a recorrente não pode censurar a Comissão de não ter agido com base nessa carta.

129.
    Por conseguinte, o que importa é saber quando a Comissão teve conhecimento do relatório de fiscalização do Kreis Neuss, elaborado em 26 de Novembro de 1997, que concluiu pela existência de um excedente contabilístico e fazia referência ao relatório de fiscalização do serviço de verificação das contas de 25 de Julho de 1997, ou da decisão de restituição do Kreis Neuss, de 19 de Março de 1998. Na sua resposta a uma questão escrita do Tribunal, a Comissão confirma que foi informada da decisão de restituição do Kreis Neuss pela carta deste último de 11 de Agosto de 1998, recebida em 21 de Agosto de 1998, e que recebeu o relatório de fiscalização do Kreis Neuss com a carta deste último, datada de 17 de Fevereiro de 1999, em 25 de Fevereiro de 1999. Na audiência, a recorrente confirmou ao Tribunal que não contestava estas datas.

130.
    Assim, há que declarar que o prazo a tomar em consideração começou a correr em 21 de Agosto de 1998, data em que a Comissão foi informada da decisão da restituição do Kreis Neuss, com base na qual pode verificar, pela primeira vez de um modo sério, que havia irregularidades relativamente à conta ISO 94.

131.
    Resulta do despacho do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Outubro de 1999, mencionado no n.° 20 supra, que a Comissão começou por solicitar à recorrente, em 9 de Fevereiro de 1999, que lhe apresentasse a totalidade dos documentos relativos às despesas e receitas ocasionados pela ISO 94 e, em seguida, por decisão de 6 de Abril de 1999, ordenou a restituição integral da subvenção paga porque o pedido não obteve resposta e, de qualquer modo, dispunha de informações segundo as quais a recorrente teria obtido lucros com o evento, incompatíveis com as modalidades da contribuição financeira. Assim, revela-se que, pelo menos até 6 de Abril de 1999, a Comissão não dispunha de provas da utilização dos fundos em questão.

132.
    A Comissão retirou a primeira decisão de restituição, de 6 de Abril de 1999, em 6 de Agosto de 1999. Foi apenas em 11 de Agosto de 1999 que o Sr. Hüsch, advogado da recorrente, enviou à Comissão as «contas finais da ISO 94», elaboradas em Agosto de 1999. Os representantes da Comissão efectuaram uma auditoria no escritório do advogado da recorrente em 13 de Abril de 2000. Em 23 de Maio de 2000, o Sr. Hüsch transmitiu à Comissão determinadas informações a fim de esclarecer diversas transacções. Em 15 de Junho de 2000, a Comissão elaborou o relatório de auditoria e, em 9 de Abril de 2001, elaborou um novo aviso de débito, quer dizer, a decisão impugnada.

133.
    De acordo com todos estes factos, é evidente que a Comissão não ficou inactiva depois de ter tido conhecimento das irregularidades, em 21 de Agosto de 1998. A primeira decisão de restituição foi adoptada sete meses e meio depois dessa data. Em seguida, essa decisão foi retirada e a decisão impugnada foi adoptada em 9 de Abril de 2001, ou seja, vinte meses depois de a primeira decisão ter sido retirada. Portanto, há que concluir que estes períodos não excederam um prazo razoável.

134.
    Por conseguinte, nestas circunstâncias, o quarto fundamento não é procedente.

Quanto ao quinto fundamento, baseado em violação do princípio da boa administração e do dever de diligência

Argumentos das partes

135.
    Na sua réplica, a recorrente alega que a Comissão violou o princípio do inquérito oficioso. Segundo esse princípio, a Comissão era obrigada, em direito administrativo comunitário, a proceder a um exame concreto do caso em apreço e não se podia limitar a considerações ou apreciações abstractas (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., pp. 80, 124). A Comissão não apreciou os elementos de prova que lhe tinham sido apresentados, nem utilizou as provas que lhe haviam sido oferecidas. Em especial, deveriam ter sido ouvidas testemunhas a propósito das diferentes operações contabilísticas. Não tendo sido utilizadas as provas, o princípio do inquérito oficioso tinha sido, portanto, violado.

136.
    A Comissão sublinha que a recorrente ignora a obrigação, que resulta do ponto 7 da declaração do consignatário da subvenção, segundo a qual a requerente tem de certificar a utilização apropriada da subvenção e, se não o fizer, é obrigada a reembolsá-la. Segundo a Comissão, tinha amplamente explicado no relatório de auditoria porque razão considerava que essa certificação não tinha sido feita ou entendia que os documentos justificativos apresentados pela recorrente não eram pertinentes. De resto, a recorrente nunca tinha tomado, nem mesmo nessa fase, uma posição concreta sobre as objecções suscitadas pela Comissão.

Apreciação do Tribunal

137.
    Dado que a recorrente só suscitou este fundamento na réplica, há que observar que se trata de um fundamento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, cuja apresentação no decurso da instância é proibida. Por conseguinte, este fundamento deve ser declarado inadmissível.

138.
    Vistas todas as considerações precedentes há que negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

139.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida sido vencida, deverá suportar a totalidade das despesas, em conformidade com o pedido da recorrida.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente é condenada nas despesas.

Tiili

Mengozzi
Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Setembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: alemão.