Language of document : ECLI:EU:T:2003:233

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

17 de Setembro de 2003 (1)

«Liquidação a posteriori de direitos de importação - Condições - Artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 2193/92 - Erro detectável - Diligência - Regulamento (CE) n.° 774/94 - Nomenclatura Combinada - Contingentes pautais OMC»

Nos processos apensos T-309/01 e T-239/02,

Peter Biegi Nahrungsmittel GmbH, com sede em Francoforte sobre o Meno (Alemanha),

Commonfood Handelsgesellschaft für Agrar-Produkte mbH, com sede em Langen (Alemanha),

representadas por K. Landry e L. Harings, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J.-C. Schieferer, R. Tricot e X. Lewis, na qualidade de agentes, assistidos por M. Núñez-Müller, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto, por um lado, a anulação parcial da Decisão C (2001) 2533 da Comissão, de 14 de Agosto de 2001 (REC 4/00), que declara que se justifica proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação não exigidos à sociedade Peter Biegi Nahrungsmittel GmbH pelas importações de carne de aves de capoeira proveniente da Tailândia durante o período de 13 a 18 de Julho de 1995 e de 4 a 22 de Setembro de 1995 (processo T-309/01) e, por outro, a anulação da Decisão C (2002) 857 da Comissão, de 5 de Março de 2002 (REC 4/01), que declara que se justifica proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação não exigidos à sociedade Commonfood Handelsgesellschaft für Agrar-Produkte mbH pela importação de carne de aves de capoeira proveniente da Tailândia efectuada em 24 de Julho de 1995 (processo T-239/02),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: V. Tiili, presidente, P. Mengozzi e M. Vilaras, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 2 de Abril de 2003,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    O artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 774/94 do Conselho, de 29 de Março de 1994, relativo à abertura e modo de gestão de determinados contingentes pautais comunitários de carne de bovino de alta qualidade, carne de suíno, carne de aves de capoeira, trigo e mistura de trigo com centeio, sêmeas, farelos e outros resíduos (JO L 91, p. 1), abriu, a partir de 1 de Julho de 1994, um contingente pautal comunitário anual com um volume total de 15 500 toneladas de carne de galo ou de galinha dos códigos NC 0207 41 10, 0207 41 41 e 0207 41 71. No quadro deste volume do contingente, o direito da pauta aduaneira comum aplicável foi fixado em 0 %. Este mesmo volume do contingente comunitário anual com direitos nulos foi mantido pelo artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 2198/95 da Comissão, de 18 de Setembro de 1995, que altera o Regulamento (CE) n.° 774/94 (JO L 221, p. 3) que era aplicável, nos termos do seu artigo 2.°, a partir de 1 de Julho de 1995.

2.
    O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 1431/94 da Comissão, de 22 de Junho de 1994, que estabelece as normas de execução, no sector da carne de aves de capoeira, do regime de importação previsto no Regulamento n.° 774/94 (JO L 156, p. 9), que entrou em vigor, de acordo com o disposto no seu artigo 8.°, em 26 de Junho de 1994, tem o seguinte teor:

«Todas as importações na Comunidade, efectuadas no âmbito dos contingentes pautais abertos pelos artigos 3.° e 4.° do Regulamento [...] n.° 774/94, dos produtos dos grupos previstos no anexo I do presente regulamento estão sujeitas à apresentação de um certificado de importação.

As quantidades de produtos que beneficiam deste regime e a taxa do direito nivelador são indicadas, por grupo, no anexo I».

3.
    No Anexo I do Regulamento n.° 1431/94 foi aplicado um direito nivelador de 0% a uma quantidade que podia ir até 5 100 toneladas por ano de carne de frango dos códigos NC 0207 41 10, 0207 41 41, 0207 41 71 proveniente da Tailândia (grupo 2). O mesmo direito nivelador foi aplicado a uma quantidade anual de 7 100 toneladas de carne de frango, dos códigos NC acima indicados, proveniente do Brasil (grupo 1) e a uma quantidade anual de 3 300 toneladas proveniente de outros países terceiros (grupo 3).

4.
    O artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1), instituiu uma nova nomenclatura das mercadorias denominada «nomenclatura combinada» ou, abreviadamente, «NC». A Nomenclatura Combinada consta do Anexo I deste regulamento, no qual são igualmente fixadas as taxas dos direitos aplicáveis e os outros elementos a satisfazer.

5.
    O Regulamento (CE) n.° 1359/95 da Comissão, de 13 de Junho de 1995, modificou os anexos I e II do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 e revogou o Regulamento (CEE) n.° 802/80 (JO L 142, p. 1). Nos termos do disposto no seu artigo 3.°, o Regulamento n.° 1359/95 entrou em vigor a 1 de Julho de 1995.

6.
    Na sua nova redacção, esse mesmo Anexo I «Nomenclatura Combinada» continha, na sua terceira parte, «Anexos pautais», secção III «Contingentes», um Anexo 7 intitulado «Contingentes pautais OMC a abrir pelas autoridades comunitárias competentes». Consta do n.° 18 deste último anexo o seguinte:

N.° de ordem Código NC Designação Quantidade do contingente Taxa dos direitos Outras condições
1
2
3
4
5
6
...
...
...
...
...
...
18

0207 41 10

0207 41 41

0207 41 71

Pedaços de galos ou de galinhas, congelados:

Desossados

Metades ou quartos

Outros

15 500 t
0

7.
    O artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «CAC»), dispõe:

«2. [...] não se efectuará um registo de liquidação a posteriori quando:

[...];

b) o registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa-fé e observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira;

[...]»

Matéria de facto e tramitação processual

8.
    A Peter Biegi Nahrungsmittel GmbH e a Commonfood Handelsgesellschaft für Agrar-Produkte mbH (a seguir «Biegi» e «Commonfood», respectivamente, ou, em conjunto, «recorrentes») são sociedades de direito alemão, ligadas entre si, que operam no sector do comércio da carne de aves de capoeira. As recorrentes figuram entre os principais importadores de carne de frango na Alemanha.

9.
    Por um decreto de 29 de Junho de 1995 (dito «Eilverteiler»), o ministério federal das Finanças alemão modificou a pauta em uso nas alfândegas alemãs, inserindo nesta, designadamente, o contingente pautal K 4047 (carne de frango) com direitos nulos a partir de 1 de Julho de 1995. Este contingente corresponde aos já mencionados códigos NC 0207 41 10, 0207 41 41 e 0207 41 71. O Eilverteiler não continha qualquer indicação quanto à exigência de um certificado de importação para a importação de produtos abrangidos pelo referido contingente pautal.

10.
    No período de 13 a 18 de Julho de 1995 e de 4 a 22 de Setembro de 1995, a Biegi declarou para importação, em diferentes remessas, pedaços de frango congelados (código NC 0207 41 10) originários da Tailândia. Em 24 de Julho de 1995, a Commonfood declarou para importação, em diferentes remessas, pedaços de frango congelados abrangidos pelo mesmo código NC, originários da Tailândia. As recorrentes não juntaram certificados de importação às suas declarações aduaneiras.

11.
    Porém, na sequência da modificação da pauta em uso nas alfândegas alemãs pelo Eilverteiler, a estância aduaneira competente utilizou o contingente pautal comunitário acima referido e concedeu às recorrentes uma isenção de direitos aduaneiros.

12.
    Durante o mês de Agosto de 1995, as recorrentes, tendo dúvidas sobre os direitos aplicados às operações de desalfandegamento de Julho de 1995, contactaram telefonicamente, por intermédio do respectivo responsável pela gestão dos certificados de importação, o ministério federal das Finanças e o serviço central de fiscalização dos contingentes pautais, a fim de obterem esclarecimentos sobre o regime aplicável às importações dos produtos em causa. Num primeiro tempo, os serviços interrogados terão declarado, pelo telefone, que os direitos aplicados eram correctos, mesmo sem a apresentação do certificado de importação para comprovar as declarações aduaneiras. As recorrentes pediram então que lhes fosse enviada uma confirmação escrita desta informação.

13.
    A resposta escrita da administração aduaneira alemã, transmitida às recorrentes por carta de 22 de Agosto de 1995, indicava, porém, que a utilização do contingente exigia a apresentação de um certificado de importação para comprovar a declaração aduaneira. Na mesma data, o ministério federal das Finanças alterou, com efeitos retroactivos, a pauta em uso nas alfândegas alemãs. Esta modificação teve como consequência tornar necessária, a partir de 1 de Julho de 1995, a apresentação de um certificado de importação para utilização do contingente pautal em causa.

14.
    Através de duas decisões fiscais de alteração, adoptadas em 12 e 13 de Agosto de 1996, a estância aduaneira competente, ou seja, o Hauptzollamt Bremen-Freihafen começou então a proceder à recuperação a posteriori dos direitos de importação, sendo estes, no caso das importações da Commonfood, de um montante total de 222 116,06 marcos alemães (DEM) (decisão de 12 de Agosto de 1996) e, no caso das importações da Biegi, de um montante total de 259 270,23 DEM, dos quais 218 605,64 DEM referentes às importações de Julho de 1995 e 40 664,59 DEM às importações de Setembro de 1995 (decisão de 13 de Agosto de 1996).

15.
    Invocando a sua boa fé, o erro das autoridades alemãs e o facto de este não ser detectável, as recorrentes pediram que não fossem liquidados a posteriori os direitos de importação.

16.
    Tendo os seus pedidos sido indeferidos em 30 de Julho de 1997 pela estância aduaneira competente, as recorrentes interpuseram recurso para o Finanzgericht Bremen (Alemanha). Como se pode ver pela acta da audiência que teve lugar em 14 de Dezembro de 1999, depois de o processo ter sido instruído, este órgão jurisdicional entendeu que, no caso das declarações aduaneiras da Biegi do mês de Setembro de 1995, o recurso interposto por esta tinha poucas possibilidades de vencer, visto que esta sociedade tinha sido devidamente informada do quadro jurídico exacto aplicável, pela referida carta de 22 de Agosto de 1995 da administração aduaneira alemã. O Finanzgericht Bremen recomendou, portanto, à Biegi que considerasse a possibilidade de desistir do recurso quanto a estas declarações. Em contrapartida, em relação às declarações aduaneiras de Julho de 1995, este mesmo órgão jurisdicional entendia, a título provisório, que era possível conceder às recorrentes uma protecção da sua confiança legítima, na acepção do artigo 220.°, n.° 2, do CAC, e propôs à estância aduaneira competente que verificasse se era possível retirar as referidas decisões fiscais de alteração de 12 e 13 de Agosto de 1996, em relação a estas últimas declarações.

17.
    Nos termos do artigo 871.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 (JO L 253, p. 1), na sua actual redacção, a República Federal da Alemanha solicitou à Comissão, por cartas de 2 de Agosto de 2000 e de 17 de Abril de 2001, que decidisse, nos termos do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, se se justificava não proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação nos casos que opunham a administração à Biegi e à Commonfood.

18.
    Considerando que a matéria de facto dos processos em causa não revelava qualquer erro das próprias autoridades aduaneiras que não fosse detectável por um operador de boa fé, na acepção do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, a Comissão, por decisões adoptadas em 14 de Agosto de 2001 (processo T-309/01) e em 5 de Março de 2002 (processo T-239/02) [a seguir, em conjunto, «decisões impugnadas»] e notificadas, respectivamente, à Biegi em 5 de Outubro de 2001 e à Commonfood em 25 de Junho de 2002, considerou que os direitos de importação a que se referiam os pedidos em causa da República Federal da Alemanha deviam ser liquidados.

19.
    Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal em 12 de Dezembro de 2001 e em 8 de Agosto de 2002, as recorrentes interpuseram os presentes recursos registados, respectivamente, com os números T-309/01 e T-239/02.

20.
    No processo T-309/01, a fase escrita foi encerrada em 1 de Julho de 2002.

21.
    No processo T-239/02, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu, em 10 de Dezembro de 2002, nos termos do artigo 47.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal, na redacção que lhe foi dada em 6 de Dezembro de 2000 (JO L 322, p. 4), que não se justificava uma segunda troca de articulados, visto que constavam dos autos elementos suficientes para permitir às partes desenvolver os seus fundamentos e argumentos na fase oral. Não tendo a Commonfood apresentado qualquer requerimento para juntar novas peças ao processo, a fase escrita no processo T-239/02 foi encerrada em 17 de Dezembro de 2002.

22.
    Por despacho do presidente da Quarta Secção do Tribunal, de 17 de Janeiro de 2003, proferido ao abrigo do artigo 50.° do Regulamento de Processo do Tribunal, os processos T-309/01 e T-239/02 foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.

23.
    No quadro das medidas de organização do processo, a Comissão foi convidada a apresentar um documento e acedeu a esta solicitação no prazo fixado.

24.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo, tendo as partes apresentado as suas alegações orais e respondido às perguntas do Tribunal na audiência de 2 de Abril de 2003.

Pedidos das partes

25.
    No processo T-309/01, a Biegi conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular parcialmente a decisão da Comissão de 14 de Agosto de 2001 (REC 4/00), por ordenar a liquidação a posteriori dos direitos de importação num montante de 218 605,64 DEM;

-    condenar a Comissão nas despesas.

26.
    No processo T-239/02, a Commonfood conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão da Comissão de 5 de Março de 2002 (REC 4/01), que ordena que sejam liquidados a posteriori direitos de importação num montante de 222 116, 06 DEM;

-    condenar a Comissão nas despesas.

27.
    Em ambos os processos, T-309/01 e T-239/02, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

O direito

28.
    As recorrentes invocam três fundamentos para os seus recursos baseados, o primeiro, em violação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, o segundo, em violação do princípio da proporcionalidade e o terceiro, em violação dos princípios da boa administração e da igualdade de tratamento.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado em violação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC

Argumentos das partes

29.
    As recorrentes consideram que os pressupostos de aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC estão reunidos no presente caso relativamente às importações em causa efectuadas em Julho de 1995. Por conseguinte, não se justificaria proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação correspondentes e as decisões impugnadas deveriam ser consequentemente anuladas.

30.
    As recorrentes alegam a este propósito, em primeiro lugar, que o erro cometido pelas autoridades aduaneiras alemãs competentes não sofre contestação. Com efeito, o Eilverteiler, através do qual o ministério federal das Finanças alemão modificou a pauta em uso nas alfândegas alemãs que entrou em vigor em 1 de Julho de 1995, não fazia qualquer menção da necessidade de apresentar um certificado de importação para utilização do contingente pautal K 4047 nele referido. O mesmo erro teria sido igualmente cometido pelas autoridades alemãs responsáveis pelo desalfandegamento, como os Hauptzollamt Bremen-Freihafen, Bremerhaven e Hamburg-Ericus (actualmente «Hamburg-Freihafen»), e pelos serviços centrais de fiscalização dos contingentes pautais na Oberfinanzdirektion Köln que teriam sido de parecer que a utilização dos contingentes não estava sujeita à apresentação de certificados de importação.

31.
    Neste contexto, as recorrentes afirmam que o seu colaborador encarregado dos certificados de importação, o Sr. Steiner, tinha sido informado, pelo telefone, no início de Julho de 1995, por um funcionário competente do serviço central dos contingentes pautais de que o contingente pautal K 4047 do Eilverteiler constituía um contingente especial suplementar que não exigia a apresentação de certificados de importação. Esta mesma informação teria sido igualmente transmitida às recorrentes pelo ministério federal das Finanças e pelo serviço central de fiscalização dos contingentes pautais depois de terem sido efectuadas as importações em causa, através de uma comunicação telefónica em 18 de Agosto de 1995, o que levou as recorrentes a pedirem uma confirmação escrita desta informação. As recorrentes pedem ao Tribunal, neste contexto, que os seus colaboradores, Steiner e Paparatti, sejam ouvidos sobre estes factos.

32.
    Respondendo à argumentação da Comissão de que as informações telefónicas alegadamente comunicadas às recorrentes antes das importações em causa seriam simultaneamente não comprovadas, destituídas de pertinência e invocadas tardiamente pela primeira vez na petição de recurso, a Biegi remete para a carta de 2 de Junho de 2000, transmitida pelas autoridades aduaneiras alemãs à Comissão, e para a acta, acima referida, da audiência de 14 de Dezembro de 1999 no Finanzgericht Bremen, que confirmariam a veracidade destas informações.

33.
    Em segundo lugar, as recorrentes sustentam que não podiam detectar o referido erro das autoridades aduaneiras, apesar de exercerem actividade no domínio das importações.

34.
    Segundo as recorrentes, a natureza não detectável do erro em questão resulta, em primeiro lugar, da complexidade da regulamentação aplicável. Com efeito, segundo as recorrentes, se é certo que o Regulamento n.° 1431/94 da Comissão precisava que a utilização do contingente pautal preferencial aberto pelo Regulamento n.° 774/94 do Conselho estava dependente da apresentação de um certificado de importação, o contingente pautal constante do número de ordem 18, do anexo 7, da terceira parte do Anexo I do Regulamento n.° 2658/87, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 1359/95, que instituiu a nova Nomenclatura Combinada das mercadorias, não continha, na sexta coluna intitulada «Outras condições», qualquer menção nesse sentido. Tratava-se, portanto, de um novo contingente pautal, regulado pelo Regulamento n.° 1359/95 e dissociado dos Regulamentos n.° 774/94 e n.° 1431/94, o que implicava a impossibilidade, para as recorrentes, de estabelecerem o nexo necessário e de daí deduzirem as necessárias conclusões.

35.
    O carácter não detectável do erro decorreria, a seguir, do facto de a pauta em uso nas alfândegas alemãs, na redacção que lhe foi dada pelo Eilverteiler em 29 de Junho de 1995, não remeter para o Regulamento n.° 1431/94.

36.
    Finalmente, os vários erros cometidos, antes e depois das importações em causa, pelas diferentes autoridades alemãs competentes às quais o problema foi submetido confirmariam tanto a falta de clareza e transparência da situação jurídica como o carácter não detectável do erro pelas recorrentes.

37.
    Nestas circunstâncias, as recorrentes consideram que não podiam detectar o erro das autoridades aduaneiras competentes, apesar da experiência que têm no comércio de aves de capoeira. A Biegi acrescenta que, como não dispõe de um serviço jurídico, era impossível para ela lançar-se em considerações jurídicas sobre a relação que liga os diferentes regulamentos entre si. Em contrapartida, teria o direito de confiar nas indicações a este respeito que figuravam na pauta em uso das alfândegas alemãs e nas informações prestadas, ao mais alto nível, pela administração à qual a questão foi submetida.

38.
    Em terceiro lugar, as recorrentes sustentam que cumpriram o seu dever de diligência e que agiram de boa fé. A Biegi acrescenta que, ao solicitar por várias vezes informações às mais altas autoridades aduaneiras alemãs competentes, se comportou em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual compete ao operador económico, quando tem dúvidas sobre a aplicação do direito aduaneiro, procurar todos os esclarecimentos possíveis para verificar se as suas dúvidas são ou não justificadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1990, Deutsche Fernsprecher, C-64/89, Colect., p. I-2535, n.° 22).

39.
    Para prova da sua diligência, as recorrentes sublinham que não se fiaram unicamente na pauta em uso nas alfândegas alemãs mas que solicitaram também informações às autoridades nacionais competentes e isto indo até ao ministério federal das Finanças alemão. Ora, as informações telefónicas dadas por todas estas autoridades sobre a inexistência de uma obrigação de apresentação de um certificado de importação para o contingente pautal em causa teriam criado, na esfera jurídica das recorrentes, uma confiança legítima que as autorizava a agir. Por outro lado, as recorrentes teriam observado o seu dever de ler os jornais oficiais que não conteriam, só por si, qualquer indicação sobre a necessidade de um certificado de importação nem estabeleceriam qualquer nexo com os Regulamentos n.° 774/94 e n.° 1431/94. O seu caso distinguir-se-ia assim do contexto do acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1998, Covita (C-370/96, Colect., p. I-7711), erradamente invocado pela Comissão.

40.
    As recorrentes alegam igualmente que, atendendo ao facto de no sector da carne de aves de capoeira muitos contingentes funcionarem segundo a regra «primeiro a chegar - primeiro a ser servido», as decisões económicas respeitantes à importação destes produtos têm de ser tomadas rapidamente. Seria, pois, impossível, para as recorrentes, solicitarem previamente, por escrito, às diferentes autoridades que esclarecessem a situação. Uma solicitação deste tipo impossibilitá-las-ia de efectuarem importações devido ao tempo que transcorreria até obtenção de uma resposta.

41.
    Além disso, a Biegi considera que foi graças ao seu comportamento que a administração alemã das alfândegas tomou consciência do seu erro e modificou, em 22 de Agosto de 1995, a pauta em uso nas alfândegas alemãs e que a Comissão pôde evitar outras perdas de direitos de importação. Acrescenta que, ao contrário do que a Comissão sustenta, ela não estava sujeita a qualquer obrigação de solicitar informações à Comissão, uma vez que a aplicação do direito aduaneiro é da competência das autoridades aduaneiras nacionais, não beneficiando o interessado senão do direito a ser ouvido. A Biegi entende ainda que a Comissão não tem razão quando a critica por não ter apresentado um pedido por escrito ao Instituto da Agricultura e da Alimentação federal (Bundesanstalt für Landwirtschaft und Ernährung - BLE), porque as questões respeitantes ao tratamento de um contingente pautal OMC recém-introduzido não são da competência deste Instituto mas do serviço central para os contingentes pautais.

42.
    Por último, a Biegi alega que a sua boa fé não pode ser posta em causa pelo facto, invocado pela Comissão, de o seu gerente, Peter Biegi, possuir conhecimentos e experiência no sector da carne de aves de capoeira, na sua qualidade de presidente, desde há vários anos, da federação alemã do comércio por grosso e do comércio internacional de caça e aves de capoeira, conhecimentos e experiências estes que poderiam ser imputados à Biegi. Na verdade, a presidência desta federação constituiria uma actividade honorífica, sendo a administração e as actividades correntes desta federação asseguradas pelo seu dirigente profissional. Peter Biegi nunca teria participado nas reuniões dos diferentes «comités» em Bruxelas e não disporia, portanto, de quaisquer conhecimentos especiais ou concretos sobre o contingente pautal em causa ou sobre um eventual nexo entre os Regulamentos n.° 1431/94 e n.° 1359/95. A Biegi pede que Peter Biegi e Caspar von der Crone, secretário-geral da referida federação alemã, sejam ouvidos pelo Tribunal sobre esta questão.

43.
    Por último, as recorrentes afirmam que cumpriram todas as disposições em vigor sobre as declarações aduaneiras.

44.
    A Comissão riposta que os pressupostos de aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC não estão reunidos no presente caso e que se justifica, por conseguinte, a liquidação a posteriori dos direitos de importação.

45.
    Referindo-se em primeiro lugar aos erros cometidos pelos serviços aduaneiros alemães, a Comissão alega que os únicos erros relevantes, para efeitos do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, decorrem da errada versão da pauta em uso nas alfândegas alemãs redigida pelo ministério federal das Finanças e do desalfandegamento reiterado das mercadorias importadas pelas recorrentes em Julho de 1995 com benefício da preferência pautal sem apresentação de um certificado de importação.

46.
    Mas a Comissão refuta expressamente a afirmação das recorrentes, feita pela primeira vez nas petições de recurso, de que teriam recebido, por intermédio do seu colaborador Steiner, informações telefónicas erradas por parte do serviço central dos contingentes pautais da Oberfinanzdirektion Köln, antes das importações em causa.

47.
    Ao contrário do que as recorrentes afirmam, a Comissão sustenta que os documentos de 2 de Junho de 2000 e de 2 de Agosto de 2000 que lhe foram transmitidos pelas autoridades aduaneiras alemãs, as observações de 8 de Junho de 2001 enviadas pela Biegi à Comissão e as observações de 25 de Julho de 1997 que as recorrentes apresentaram ao Hauptzollamt Bremen-Freihafen não se referiam de modo nenhum a informações telefónicas anteriores às importações em causa mas apenas a chamadas telefónicas sobre a situação jurídica em 18 de Agosto de 1995, ou seja, já depois das importações em causa. O mesmo aconteceria com a acta da audiência de 14 de Dezembro de 1999 do Finanzgericht Bremen e com os depoimentos do Sr. Steiner e da Sr.a Paparatti perante este órgão jurisdicional. Nestas circunstâncias, a Comissão considera que o pedido das recorrentes para que o Sr. Steiner e a Sr.a Paparatti sejam ouvidos é supérfluo e deve ser indeferido.

48.
    De qualquer modo, segundo a Comissão, as alegadas comunicações telefónicas anteriores às importações em causa, invocadas extemporaneamente pelas recorrentes, mesmo admitindo que estivessem provadas, não produziriam efeitos nos presentes processos, visto que as recorrentes não as invocaram durante o processo administrativo. Quanto às informações telefónicas erradas dadas às recorrentes pelos serviços aduaneiros alemães em Agosto de 1995, a Comissão sustenta que estas são impertinentes no quadro dos presentes recursos, cujo objecto se limita às importações efectuadas em Julho de 1995.

49.
    Em segundo lugar, a Comissão afirma que os erros cometidos pelas autoridades aduaneiras alemãs eram facilmente detectáveis pelas recorrentes.

50.
    A este propósito, a Comissão começa por afirmar que o direito aplicável neste caso não é obscuro nem complexo. O Regulamento n.° 1359/95, mencionado pelas recorrentes, constituiria apenas um regulamento de alteração do regulamento geral n.° 2658/87, relativo à nomenclatura pautal e estatística, e teria um alcance meramente declarativo (conclusões do advogado-geral K. Roemer no processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1973, Schlüter, 9/73, Colect., pp. 423, 443). Este regulamento não teria manifestamente como objecto a abertura de um novo contingente pautal ou a não exigência de um certificado de importação, visto que esta exigência é regida pelo Regulamento n.° 774/94 e pelo Regulamento de execução n.° 1431/94, cujo artigo 1.° impunha desde Junho de 1994, ou seja, mais de um ano antes das importações em causa, a apresentação de um certificado de importação.

51.
    A Comissão alega, em segundo lugar, que as recorrentes não cumpriram o dever de diligência a que, segundo jurisprudência constante, estão adstritas, tendo-se baseado unicamente na pauta em uso nas alfândegas alemãs e nas informações telefónicas, geralmente não vinculativas, que lhes teriam sido alegadamente comunicadas pelas autoridades nacionais, sem nunca consultarem ou mandarem consultar os jornais oficiais pertinentes das Comunidades Europeias e os actos jurídicos aí publicados.

52.
    A Comissão sublinha a este propósito, primeiro, a grande experiência das recorrentes, que efectuam, desde há várias dezenas de anos, a comercialização e a importação das mercadorias em causa. As recorrentes estariam, portanto, particularmente bem colocadas para conhecer as regras jurídicas aplicáveis nesta matéria.

53.
    A Comissão considera, a seguir, que, tendo em conta que os Regulamentos n.° 1431/94 e n.° 1359/95 foram publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, em 22 de Junho de 1994 e 26 de Junho de 1995, respectivamente, as recorrentes dispunham de tempo largamente suficiente, antes das declarações de importação, para submeterem em tempo útil um pedido escrito aos serviços aduaneiros alemães ou à Comissão, a fim de dissiparem as dúvidas quanto à necessidade de um certificado de importação para as importações em causa.

54.
    Por último, a Comissão alega que as recorrentes não podem deduzir boa fé do desalfandegamento reiterado, apesar da falta dos certificados de importação, das mercadorias pelas estâncias aduaneiras. Com efeito, seria jurisprudência assente que um erro das autoridades aduaneiras não pode, regra geral, resultar da aceitação de uma declaração aduaneira no ponto de importação (acórdão de 14 de Maio de 1996, Faroe Seafood e o., C-153/94 e C-204/94, Colect., p. I-2465, n.° 93).

Apreciação do Tribunal

55.
    Nos termos do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, devem encontrar-se reunidos três pressupostos cumulativos para que as autoridades competentes possam não proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação. Primeiro, é necessário que os direitos não tenham sido cobrados devido a erro das próprias autoridades competentes, segundo, que o erro por estas cometido seja tal que não possa razoavelmente ser detectado por um contribuinte de boa fé e, finalmente, que este último tenha cumprido todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor em matéria de declaração alfandegária (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1989, Binder, 161/88, Colect., p. 2415, n.os 15 e 16; de 27 de Junho de 1991, Mecanarte, C-348/89, Colect., p. I-3277, n.° 12; de 4 de Maio de 1993, Weis, C-292/91, Colect., p. I-2219, n.° 14; e Faroe Seafood e o., já referido, n.° 83; despachos do Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 1999, CPL Imperial 2 e Unifrigo/Comissão, C-299/98 P, Colect., p. I-8683, n.° 22, e de 11 de Outubro de 2001, William Hinton & Sons, C-30/00, Colect., p. I-7511, n.os 68, 69, 71 e 72; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Junho de 1996, Günzler Aluminium/Comissão, T-75/95, Colect., p. II-497, n.° 42).

56.
    No que toca, em primeiro lugar, ao primeiro destes pressupostos, há que declarar que dois erros cometidos pelas autoridades aduaneiras alemãs, ou sejam, a versão errada do Eilverteiler e o desalfandegamento das mercadorias importadas pelas recorrentes em Julho de 1995 com o benefício da preferência pautal sem apresentação de um certificado de importação, estão provados no presente caso.

57.
    Quanto ao erro que teria consistido na comunicação telefónica pelo ministério federal das Finanças alemão e pelo serviço central de fiscalização dos contingentes pautais, a um colaborador das recorrentes, de informações erradas, durante o mês de Agosto de 1995, mais precisamente em 18 de Agosto de 1995, há que o rejeitar desde já, por impertinente no quadro dos presentes recursos, cujo objecto se circunscreve às importações efectuadas em Julho de 1995. Além disso, na sequência de um pedido escrito dirigido pelas recorrentes ao ministério federal das Finanças em 18 de Agosto de 1995, a administração aduaneira alemã, na sua resposta de 22 de Agosto de 1995, não confirmou essas informações telefónicas, indicando claramente que a utilização do contingente em questão exigia a apresentação de um certificado de importação a juntar à declaração aduaneira.

58.
    Nas petições de recurso, as recorrentes invocam outro erro consistente na alegada comunicação antes de 13 de Julho de 1995, quer dizer antes das importações em questão, ao seu colaborador Steiner, por um funcionário do serviço central dos contingentes pautais, de informações telefónicas erradas sobre a questão da exigência de um certificado de importação. Forçoso é constatar, porém, que, independentemente da sua apresentação tardia e da sua pertinência, contestada pela Comissão, estas informações telefónicas não são minimamente comprovadas por documentos constantes dos autos.

59.
    Com efeito, nos documentos para os quais as recorrentes remetem, ou sejam, as referidas cartas de idêntico teor de 2 de Junho de 2000 e de 2 de Agosto de 2000, transmitidas pelas autoridades aduaneiras alemãs à Comissão, só se faz referência à comunicação telefónica de 18 de Agosto de 1995. O mesmo acontece com as observações de 8 de Junho de 2001 enviadas pela Biegi à Comissão e com as observações, datadas de 25 de Julho de 1997, dirigidas pelas recorrentes à Alfândega principal de Bremen-Freihafen. Acresce que, como sublinha com razão a Comissão, estas alegações não são confirmadas nem pela acta da audiência de 14 de Dezembro de 1999 do Finanzgericht Bremen nem pelos depoimentos do Sr. Steiner e da Sr.a Paparatti nesse tribunal. Resulta da acta - que não foi, aliás, comunicada à Comissão na fase do procedimento administrativo - que o Sr. Steiner referiu os meses de «Julho/Agosto de 1995» como data aproximativa de uma comunicação telefónica com os serviços dos contingentes pautais em Düsseldorf e que a Sr.a Paparatti afirmou ter redigido uma nota em 21 de Agosto de 1995 «alguns dias depois das conversas telefónicas nela referidas». Nestas condições, não se justifica a medida de instrução solicitada pelas recorrentes, de audição, sobre este ponto, por este Tribunal, do Sr. Steiner e da Sr.a Paparatti.

60.
    Em segundo lugar, importa ter presente que, nas decisões impugnadas, a Comissão considerou que o segundo pressuposto de aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, referido no n.° 55 supra, não se encontrava satisfeito no presente caso. Há, portanto, que examinar se a Comissão teve razão ao considerar que os erros cometidos pelas autoridades aduaneiras alemãs podiam razoavelmente ser detectados pelas recorrentes.

61.
    Segundo jurisprudência constante, o carácter detectável de um erro cometido pelas autoridades aduaneiras competentes deve ser apreciado tendo em conta a natureza do erro, a experiência profissional dos operadores interessados e a diligência por estes manifestada (acórdãos, já referidos, Faroe Seafood e o., n.° 99, Covita, n.° 26; acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Abril de 1992, Beirafrio, C-371/90, Colect., p. I-2715, n.° 21; de 16 de Julho de 1992, Belovo, C-187/91, Colect., p. I-4937, n.° 17; de 1 de Abril de 1993, Hewlett Packard France, C-250/91, Colect., p. I-1819, n.° 22; de 19 de Outubro de 2000, Sommer, C-15/99, Colect., p. I-8989, n.° 37, e de 14 de Novembro de 2002, Ilumitrónica, C-251/00, Colect., p. I-10433, n.° 54).

62.
    No que toca à natureza do erro, há que apreciá-la tendo em conta a complexidade ou, inversamente, o carácter suficientemente simples da regulamentação em causa (v. acórdãos, já referidos, Deutsche Fernesprecher, n.° 20; Belovo, n.° 18; Hewlett Packard France, n.° 23; e Faroe Seafood e o., n.° 100) e o lapso de tempo durante o qual as autoridades persistiram no erro (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1996, Foods Import, C-38/95, Colect., p. I-6543, n.° 30, e Ilumitrónica, já referido, n.° 56).

63.
    Nos casos ora em apreço, as regras aplicáveis à utilização do contingente pautal comunitário em causa são definidas pelos diplomas relativos à abertura e modo de gestão desse contingente e que estabelecem o seu modo de aplicação, ou sejam, o Regulamento n.° 774/94, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 2198/95, e o Regulamento n.° 1431/94. O artigo 1.° deste último regulamento, cuja aplicação não foi limitada no tempo, prevê claramente que todas as importações na Comunidade, efectuadas no âmbito dos contingentes pautais plurianuais estão sujeitas à apresentação de um certificado de importação. Além disso, o artigo 2.° do mesmo regulamento regula o escalonamento da quantidade fixada para o ano de 1994 e para os anos seguintes e os seus artigos 3.° e 4.° definem os critérios a que está sujeito o pedido de certificados de importação. Este texto não parece, pois, complexo. Aliás, o carácter suficientemente simples desta regulamentação não foi contestado pelas recorrentes.

64.
    As recorrentes sustentam, contudo, que a complexidade da regulamentação aplicável resulta, na verdade, do Regulamento n.° 1359/95 da Comissão e, mais precisamente, do facto de este regulamento ter integrado no número de ordem 18 do seu Anexo 7, já referido, a partir de 1 de Julho de 1995, um novo contingente pautal OMC com direitos nulos de um volume de 15 500 toneladas de carne de frango sujeito aos mesmos códigos da NC, sem fazer referência ao Regulamento n.° 1431/94 e à obrigação de apresentar o certificado de importação instituído por este regulamento.

65.
    Note-se que o Regulamento n.° 1359/95, no qual a Comissão publicou uma nova versão da nomenclatura combinada de mercadorias aplicável a partir de 1 de Julho de 1995, faz, no seu Anexo 7, já referido, a lista dos contingentes pautais OMC a conceder pelas autoridades comunitárias competentes. Como foi realçado com razão pela Comissão nas decisões impugnadas, em nenhum caso, havia que fazer referência, nesta lista, aos regulamentos aplicáveis aos contingentes aí mencionados, não tendo, aliás, as referências a outras regras de direito aduaneiro constantes dos regulamentos relativos à nomenclatura combinada e à pauta aduaneira comum, senão valor declarativo, nem fazendo dessas regras objecto da pauta aduaneira comum (v., neste sentido, as conclusões do advogado-geral K. Roemer no processo Schlüter, já referido, p. 443).

66.
    Assim, ao contrário do que alegam as recorrentes, o Regulamento n.° 1359/95 não abriu, a partir de 1 de Julho de 1995, um novo contingente pautal preferencial pretensamente dissociado do do Regulamento n.° 774/94, na sua nova redacção, mas limitou-se a indicar, no referido Anexo 7, o contingente pautal com um volume de 15 500 toneladas, que figurava já em todas as versões linguísticas e, designadamente, na versão alemã deste regulamento, tal como no Anexo I do Regulamento n.° 1431/94, com excepção da versão francesa do Regulamento n.° 774/94, que menciona, por lapso, um volume de 15 000 toneladas. Este mesmo volume do contingente preferencial foi posteriormente mantido pelo Regulamento n.° 2198/95, na sequência de um acordo celebrado no quadro das negociações do ciclo do Uruguai (v. o segundo considerando deste regulamento), que entrou em vigor ao mesmo tempo que o Regulamento n.° 1359/95. Ora, é manifesto que este último regulamento não modificou nem, a fortiori, revogou os Regulamentos n.° 774/94, na sua nova redacção, e n.° 1431/94. Nestas condições, é difícil conceber que dois contingentes comunitários preferenciais, com o mesmo volume, pertencentes aos mesmos códigos NC e com a mesma proveniência tivessem sido abertos para vigorar na mesma data, ou seja, em 1 de Julho de 1995, estando o primeiro, o do Regulamento n.° 774/94, na sua nova redacção, sujeito à obrigação de apresentação de um certificado de importação, ao passo que o segundo, o do Regulamento n.° 1359/95, já não estaria sujeito a essa obrigação.

67.
    Para apreciar a natureza do erro, há igualmente que ter em conta o facto de as autoridades aduaneiras competentes não terem persistido no seu erro e de o terem corrigido, muito rapidamente, ou seja, um mês depois de o terem cometido. Este elemento permite, portanto, pensar que o problema em questão não era de difícil resolução (v., a contrario, acórdãos, já referidos, Belovo, n.° 18; Faroe Seafood e o., n.os 7 e 104; Foods Import, n.° 30, e Ilumitrónica, n.os 56 a 58).

68.
    De qualquer modo, mesmo admitindo que o Regulamento n.° 1359/95 possa ser considerado um indício de uma certa complexidade da regulamentação aplicável que teria induzido em erro as recorrentes quanto à necessidade de apresentar um certificado de importação para utilização do contingente em causa, há que examinar se este erro podia razoavelmente ser detectado pelas recorrentes, tendo em conta a sua experiência profissional e o dever de diligência que sobre elas recai nos termos da jurisprudência referida no n.° 61 supra.

69.
    Segundo jurisprudência constante, no que diz respeito à experiência profissional de um operador, deve apurar-se se se trata ou não de um operador económico profissional, cuja actividade consiste, no essencial, em operações de importação e de exportação, e se este tinha já uma certa experiência do comércio das mercadorias em causa (acórdãos, já referidos, Deutsche Fernsprecher, n.° 21; Belovo, n.° 19; Hewlett Packard France, n.° 26; e acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 1990, Behn Verpackungsbedarf, C-80/89, Colect., p. I-2659, n.° 14).

70.
    No presente caso, não há qualquer dúvida sobre o facto que as recorrentes pertencem à categoria dos operadores económicos experientes. Na verdade, figuram entre os principais importadores de carne de frango na Alemanha e afirmam ter experiência no comércio de aves de capoeira. De resto, não contestam a afirmação da Comissão de que são muito activas nesta área desde há várias dezenas de anos.

71.
    As recorrentes sustentam, porém, que apesar da sua experiência profissional, dispunham de conhecimentos limitados do regulamento sobre o contingente em causa que não lhes permitiam ligar entre si, por um lado, os Regulamentos n.° 774/94 e n.° 1431/94 e a nova versão da NC adoptada pelo Regulamento n.° 1359/95, por outro. Com esta afirmação, as recorrentes reconhecem, no entanto, que tinham conhecimento da regulamentação ligada ao contingente em causa. Além disso, como, por um lado, as recorrentes tinham já efectuado operações análogas e tinham, portanto, experiência na importação dessas mercadorias e como, por outro lado, a importação dessas mercadorias estava sujeita desde 1994 à apresentação de um certificado de importação, tem de se entender que as recorrentes tinham conhecimento da importância do certificado em causa para poderem obter o benefício do contingente pautal plurianual dessas mercadorias.

72.
    Esta conclusão, de que as recorrentes podiam não só ter estabelecido o nexo entre os Regulamentos n.° 774/94 e n.° 1431/94 e o Regulamento n.° 1359/95 mas de que o estabeleceram efectivamente é corroborada pelas dúvidas que tiveram a esse respeito e pelas diligências que efectuaram junto das diferentes autoridades aduaneiras alemãs, durante o mês de Agosto de 1995, a fim de dissipar essas dúvidas e de obterem esclarecimentos sobre o teor da referida regulamentação. Nestas condições, não é necessário ordenar a medida de instrução solicitada pelas recorrentes destinada a ouvir os depoimentos de Peter Biegi e Caspar von der Crone para prova dos conhecimentos alegadamente limitados das recorrentes sobre o assunto.

73.
    Quanto à diligência de um operador económico, resulta da jurisprudência que compete a este, quando tem dúvidas sobre a necessidade de um certificado de importação para poder beneficiar de um contingente pautal preferencial, informar-se e procurar todos os esclarecimentos possíveis para verificar se as suas dúvidas são ou não justificadas (v. acórdãos, já referidos, Deutsche Fernsprecher, n.° 22, e Hewlett Packard France, n.° 24).

74.
    No presente caso, as recorrentes afirmam, em primeiro lugar, que deram mostras de diligência ao consultarem a pauta em uso nas alfândegas alemãs, na redacção que lhe foi dada pelo Eilverteiler, que não continha qualquer indicação quanto à necessidade de um certificado de importação para utilização do contingente pautal em causa.

75.
    Recorde-se a este propósito que, segundo jurisprudência perfeitamente assente, as disposições pautais comunitárias aplicáveis constituem, a partir da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, o único direito positivo na matéria, que todos devem conhecer. Uma pauta de utilização como a pauta em uso nas alfândegas alemãs, redigida pelas autoridades nacionais, não constitui, portanto, senão um manual para as operações de desembaraço alfandegário de valor puramente indicativo. Daqui decorre que um operador económico cuja actividade consiste, no essencial, em operações de importação e de exportação, e que tem já uma certa experiência na matéria, deve assegurar-se, através da leitura dos jornais oficiais pertinentes, do direito comunitário aplicável às operações que efectua. Esse operador não pode, por conseguinte, a fim de determinar a taxa do direito aplicável, basear-se unicamente na indicação inserida numa pauta de utilização nacional (v. acórdãos, já referidos, Binder, n.° 19, Behn Verpackungsbedarf, n.os 13 e 14, e William Hinton & Sons, n.° 71).

76.
    As recorrentes alegam, a seguir, que deram mostras de diligência ao dirigirem-se aos diferentes serviços aduaneiros que lhes teriam comunicado telefonicamente informações erradas acerca da necessidade de um certificado de importação tanto antes como depois das importações em causa. Estas informações teriam criado, na esfera jurídica das recorrentes, uma confiança legítima que as teria autorizado a agir.

77.
    Este argumento não merece acolhimento, tendo em conta quanto foi dito nos n.os 57 a 59 supra. Acresce que, independentemente da sua veracidade e do seu valor probatório, as alegadas informações telefónicas ter-se-iam limitado a confirmar o Eilverteiler; além disso, essas informações não poderiam ser pertinentes em relação ao dever que incumbe às recorrentes de consultar atentamente os diplomas pertinentes publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e de procurar, em caso de dúvida quanto ao seu significado, obter todos os esclarecimentos possíveis para verificar o carácter fundado ou infundado dessas dúvidas.

78.
    Finalmente, há que rejeitar o argumento de que as recorrentes não dispunham do tempo necessário para pedir às autoridades competentes o esclarecimento, por escrito, da situação jurídica, atendendo aos prazos, longos, de resposta a esse tipo de pedidos e ao facto de muitos contingentes no sector das carnes de aves de capoeira funcionarem segundo a regra «primeiro a chegar - primeiro a ser servido».

79.
    Com efeito, primeiro, se o comportamento dos operadores em causa devesse guiar-se unicamente por considerações económicas do tipo das invocadas pelas recorrentes, o dever de diligência destas, tal como foi definido pela jurisprudência, ficaria esvaziado de conteúdo.

80.
    Em segundo lugar, as disposições pertinentes dos Regulamentos n.° 774/94 e n.° 1431/94 sobre o certificado de importação foram publicadas e eram aplicáveis um ano antes das importações em questão. O Regulamento n.° 1359/95 também foi publicado em 26 de Junho de 1995, ou seja, três semanas antes das importações de Julho de 1995 da Biegi e quatro semanas antes das importações da Commonfood. As recorrentes dispunham, portanto, de tempo suficiente, antes dessas importações, para se dirigirem, por escrito, aos serviços aduaneiros alemães competentes ou à Comissão, a fim de dissiparem as suas dúvidas e de obterem esclarecimentos sobre a regulamentação aplicável. Ora, é facto assente que as recorrentes não efectuaram essas diligências em tempo útil.

81.
    Em terceiro lugar, a afirmação das recorrentes de que a resposta a um pedido escrito levaria necessariamente muito tempo, impedindo-as assim de observarem os prazos decorrentes do sistema ‘primeiro a chegar - primeiro a ser servido’, é destituída de pertinência para a apreciação da diligência de que as recorrentes, enquanto operadores económicos experientes, deviam ter feito prova neste caso. Além disso, esta mesma afirmação das recorrentes quanto à lentidão do prazo de resposta a um pedido escrito não se verificou no presente caso. Na verdade, está provado que o pedido escrito dirigido pelas recorrentes ao ministério federal das Finanças alemão depois das importações em questão, ou seja, em 18 de Agosto de 1995, obteve uma resposta escrita no prazo de quatro dias através da já referida carta de 22 de Agosto de 1995.

82.
    Nestas condições, deve entender-se que as recorrentes não provaram a diligência que lhes competia enquanto operadores experientes na área da importação das mercadorias em questão.

83.
    Resulta de quanto precede que a Comissão teve razão ao considerar que o segundo dos pressupostos cumulativos previstos no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC não se verificava no presente caso e que se justificava proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação em relação às importações em questão.

84.
    Consequentemente, o primeiro fundamento é improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do princípio da proporcionalidade

Argumentos das partes

85.
    As recorrentes alegam que as decisões impugnadas infringem o princípio da proporcionalidade, pelo facto de a Comissão impor obrigações excessivas de diligência aos operadores económicos, quando ela própria negligenciou a clarificação da situação jurídica através de uma simples remissão, no Regulamento n.° 1359/95, para os Regulamentos n.° 774/94 e n.° 1431/94.

86.
    A Comissão responde que a argumentação das recorrentes coincide com a desenvolvida a propósito do carácter alegadamente obscuro do Regulamento n.° 1359/95, já avançada no quadro do primeiro fundamento. Em qualquer dos casos, segundo a Comissão, quando os pressupostos de aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC não estão reunidos como no presente caso, o facto de se proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação não pode ser constitutivo de uma violação do princípio da proporcionalidade.

Apreciação do Tribunal

87.
    Quando os pressupostos de aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC não estão reunidos, o facto de se proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação não constitui uma violação do princípio da proporcionalidade (acórdão Faroe Seafood e o., já referido, n.° 114).

88.
    Como no presente caso, os pressupostos de aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC não estão reunidos, a liquidação a posteriori pelas decisões impugnadas, dos direitos de importação controvertidos não pode, por si só, constituir uma violação do princípio da proporcionalidade.

89.
    De onde se conclui que o segundo fundamento não merece acolhimento.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado nos princípios da boa administração e da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

90.
    As recorrentes sustentam que, ao adoptar as decisões impugnadas, a Comissão infringiu os princípios da boa administração e da igualdade de tratamento consagrados pelo direito comunitário. Com efeito, as decisões impugnadas afastar-se-iam, em detrimento das recorrentes, de uma decisão anterior datada de 24 de Março de 2000 adoptada num caso semelhante (REC 11/98).

91.
    A Comissão alega que a pretensa violação do princípio da boa administração não é fundamentada pelas recorrentes e que é, por isso, impertinente.

92.
    No que diz respeito à violação do princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação, a Comissão afirma que o processo REC 11/98 e os processos ora em causa (REC 4/00 e 4/01) não são comparáveis. O erro dos serviços aduaneiros no processo REC 11/98 não teria consistido unicamente na publicação de uma pauta aduaneira nacional errada, mas também e sobretudo no facto de as autoridades aduaneiras francesas terem aceitado durante dois anos um número extremamente elevado de declarações de importação com uma taxa de direitos incorrecta. Por conseguinte, nem a natureza nem a duração do erro nem o número das importações em causa seriam comparáveis aos dos processos aqui em questão.

Apreciação do Tribunal

93.
    Importa constatar, em primeiro lugar, que a alegação baseada numa pretensa violação do princípio da boa administração não é sustentada por qualquer elemento de prova e deve, por conseguinte, ser rejeitada.

94.
    Em segundo lugar, quanto à alegação baseada em violação do princípio da igualdade de tratamento, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente, salvo se a diferenciação for objectivamente justificada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1984, Racke, 283/83, Recueil, p. 3791, n.° 7, e de 12 de Dezembro de 2002, Fogasa, C-442/00, ainda não publicado na Colectânea, n.° 32).

95.
    No presente caso, as recorrentes pretendem que as decisões impugnadas se afastam de uma decisão anterior da Comissão adoptada em 24 de Março de 2000 no processo REC 11/98 - semelhante, segundo elas - no qual a Comissão considerou que não se justificava proceder à liquidação a posteriori dos direitos de importação.

96.
    Porém, como a Comissão observou, sem ser contestada pelas recorrentes na fase escrita e na audiência, o processo REC 11/98 não é comparável aos presentes processos. Por conseguinte, esta alegação deve ser rejeitada, por impertinente.

97.
    Por conseguinte, o terceiro fundamento não merece acolhimento.

98.
    Tendo em conta quanto precede, os presentes recursos não merecem provimento.

Quanto às despesas

99.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená-las nas despesas, nos termos do pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

decide:

1.
    Negar provimento aos recursos.

2.
    Condenar as recorrentes nas despesas.

Tiili
Mengozzi
Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Setembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: alemão.