Language of document : ECLI:EU:T:2010:154

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

22 de Abril de 2010 (*)

«FEAGA – Apuramento das contas dos organismos pagadores dos Estados‑Membros referentes às despesas financiadas pelo FEAGA – Montantes recuperáveis da República Italiana, na ausência de recuperação nos prazos previstos – Conceito de consequências financeiras – Tomada em conta dos juros – Artigo 32.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 1290/2005»

Nos processos T‑274/08 e T‑275/08,

República Italiana, representada por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Jimeno Fernández e P. Rossi, na qualidade de agentes,

recorrida,

que têm por objecto, no processo T‑274/08, um pedido de anulação parcial da Decisão 2008/396/CE da Comissão, de 30 de Abril de 2008, relativa ao apuramento das contas dos organismos pagadores dos Estados‑Membros, referentes às despesas financiadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), no que respeita ao exercício financeiro de 2007 (JO L 139, p. 33), na medida em que inclui juros sobre os montantes a suportar pelo orçamento do Estado italiano por força do artigo 32.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de Junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 209, p. 1), e, no processo T‑275/08, um pedido de anulação parcial da Decisão 2008/394/CE da Comissão, de 30 de Abril de 2008, relativa ao apuramento das contas de determinados organismos pagadores da Alemanha, da Itália e da Eslováquia referentes às despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), Secção «Garantia», no que respeita ao exercício financeiro de 2006 (JO L 139, p. 22), na medida em que inclui juros sobre os montantes a suportar pelo orçamento do Estado italiano por força do artigo 32.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1290/2005,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. Prek (relator) e V. M. Ciucă, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após as audiências de 25 de Novembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Regulamentação relativa ao financiamento da política agrícola comum

1        A regulamentação de base relativa ao financiamento da política agrícola comum é constituída, no que respeita às despesas efectuadas a partir de 1 de Janeiro de 2007, pelo Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de Junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 209, p. 1, a seguir «regulamento de base»).

2        Por força do artigo 49.° do regulamento de base:

«O [regulamento de base] é aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2007 […]

No entanto, as disposições seguintes são aplicáveis a partir de 16 de Outubro de 2006:

–        […]

–        o artigo 32.°, no que diz respeito aos casos comunicados nos termos do artigo 3.° do Regulamento (CEE) n.° 595/91 e relativamente aos quais a recuperação total não tenha ainda ocorrido em 16 de Outubro de 2006,

–        […]»

3        O considerando 25 do regulamento de base está redigido como se segue:

«Com vista a proteger os interesses financeiros do orçamento comunitário, é necessário que os Estados‑Membros tomem medidas para se assegurarem de que as operações financiadas pelos Fundos são efectivamente realizadas e correctamente executadas. É igualmente necessário que os Estados‑Membros previnam e tratem eficazmente qualquer irregularidade cometida pelos beneficiários.»

4        O considerando 26 do regulamento de base enuncia o que se segue:

«Em caso de recuperação de montantes pagos pelo FEAGA, as somas recuperadas deverão ser reembolsadas ao Fundo sempre que se trate de despesas não conformes com a legislação comunitária e, por conseguinte, pagas indevidamente. Convém prever um sistema de responsabilidade financeira para os casos em que sejam cometidas irregularidades e o montante total não seja recuperado. Para esse efeito, convém estabelecer um procedimento que permita à Comissão proteger os interesses do orçamento comunitário através de uma decisão de imputação ao Estado‑Membro em causa de uma parte dos montantes perdidos devido a irregularidades e que não foram recuperados num prazo razoável. Em determinados casos de negligência por parte do Estado‑Membro, deverá ser justificável imputar a totalidade do montante ao Estado‑Membro em causa. No entanto, sob reserva do respeito das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros ao abrigo dos seus procedimentos internos, é conveniente ter a possibilidade de repartir o encargo financeiro de forma equitativa entre a Comunidade e o Estado‑Membro.»

5        O artigo 30.°, n.° 1, do regulamento de base prevê que, «[a]té 30 de Abril do ano seguinte ao do exercício em causa, a Comissão decide do apuramento das contas dos organismos pagadores acreditados […] com base nas informações comunicadas nos termos do artigo 8.°, n.° 1, alínea c), subalínea iii)».

6        Por força do artigo 8.°, n.° 1, alínea c), iii), do regulamento de base, os Estados‑Membros transmitem à Comissão Europeia, no que diz respeito às acções relacionadas com operações financiadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), «as contas anuais dos organismos pagadores acreditados, completadas por uma declaração de fiabilidade assinada pelo responsável do organismo pagador acreditado, acompanhadas das informações necessárias ao seu apuramento e de um relatório de certificação elaborado pelo organismo de certificação».

7        Segundo o artigo 32.°, n.° 1, do regulamento de base, «[o]s montantes recuperados na sequência de irregularidades ou negligências e os respectivos juros são pagos aos organismos pagadores e inscritos por estes como receitas afectadas ao FEAGA no mês do seu recebimento efectivo».

8        Nos termos do artigo 32.°, n.° 3, do regulamento de base, os Estados‑Membros submetem à Comissão, aquando da transmissão das contas anuais prevista no artigo 8.°, n.° 1, alínea c), iii), um mapa recapitulativo dos processos de recuperação iniciados na sequência de irregularidades, fornecendo uma discriminação dos montantes ainda não recuperados, por processo administrativo e/ou judicial e por ano correspondente ao primeiro auto administrativo ou judicial da irregularidade.

9        Em conformidade com o disposto no artigo 32.°, n.° 4, do regulamento de base:

«[A] Comissão pode decidir imputar ao Estado‑Membro os montantes a recuperar:

a)      Caso este não tenha dado início a todos os processos administrativos ou judiciais previstos na legislação nacional e comunitária, com vista à recuperação no ano seguinte ao do primeiro auto administrativo ou judicial;

b)      Caso o primeiro auto administrativo ou judicial não tenha sido lavrado ou tenha sido lavrado com um atraso susceptível de pôr em risco a recuperação, ou caso a irregularidade não tenha sido incluída no mapa recapitulativo […] no ano do primeiro auto administrativo ou judicial.»

10      O artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base prevê:

«Se a recuperação não se tiver realizado no prazo de quatro anos após a data do primeiro auto administrativo ou judicial ou no prazo de oito anos, caso a recuperação seja objecto de uma acção perante as jurisdições nacionais, as consequências financeiras da ausência de recuperação são assumidas em 50% pelo Estado‑Membro em causa e em 50% pelo orçamento comunitário.

O Estado‑Membro em causa indica separadamente, no mapa recapitulativo referido no primeiro parágrafo do n.° 3, os montantes que não foram objecto de recuperação nos prazos previstos no primeiro parágrafo do presente número.

A repartição do encargo financeiro decorrente da ausência de recuperação, em conformidade com o primeiro parágrafo, efectua‑se sem prejuízo da obrigação a que está sujeito o Estado‑Membro em causa de aplicar procedimentos de recuperação nos termos do n.° 1 do artigo 9.° Os montantes assim recuperados são creditados ao FEAGA à razão de 50%, após aplicação da retenção prevista no n.° 2 do presente artigo.

Quando, no âmbito do procedimento de recuperação, a ausência de irregularidade é constatada por um acto administrativo ou judicial com carácter definitivo, o Estado‑Membro em causa declara ao FEAGA como despesa o encargo financeiro por si assumido nos termos do primeiro parágrafo.

Contudo, se, por motivos não imputáveis ao Estado‑Membro em causa, a recuperação não puder ser efectuada dentro dos prazos especificados no primeiro parágrafo e se o montante a ser recuperado for superior a um milhão de euros, a Comissão pode, a pedido do Estado‑Membro, prorrogar os prazos até 50% dos prazos iniciais, no máximo.»

11      Em conformidade com o disposto no artigo 6.° do Regulamento (CE) n.° 885/2006 da Comissão, de 21 de Junho de 2006, que estabelece as regras de execução do [regulamento de base] no respeitante à acreditação dos organismos pagadores e de outros organismos e ao apuramento das contas do FEAGA e do FEADER (JO L 171, p. 90), «[a]s contas anuais referidas no n.° 1, subalínea iii) da alínea c), do artigo 8.° do [regulamento de base] incluirão […] o quadro dos montantes a recuperar até ao final do exercício, em conformidade com o modelo estabelecido no anexo III».

 Regulamentação relativa ao orçamento geral da Comunidade Europeia

12      Em conformidade com o disposto no artigo 71.°, n.° 4, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1, a seguir «regulamento financeiro»), «[a]s condições em que são devidos juros de mora [às] Comunidades são especificadas nas normas de execução».

13      Em virtude do disposto no artigo 86.°, n.° 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução [do regulamento financeiro] (JO L 357, p. 1), «[s]em prejuízo das disposições específicas decorrentes da aplicação da legislação sectorial, qualquer crédito não reembolsado […] produzirá juros».

 Antecedentes dos litígios

14      Com vista à certificação dos exercícios financeiros de 2006 e 2007 de alguns organismos pagadores italianos, em particular a Agenzia per le erogazioni in agricoltura (AGEA, Agência para a Concessão de Ajudas no Sector Agrícola), em conformidade com o disposto no artigo 30.° do regulamento de base e a fim de preparar a comunicação, à Comissão, das informações que lhes são pedidas, os agentes da Direcção-Geral (DG) «Agricultura» da Comissão efectuaram uma missão de controlo, em Itália, de 27 a 30 de Novembro de 2007. Essa missão tinha por objectivo determinar as informações, a enviar à Comissão, sobre os montantes relativos às irregularidades em relação às quais tinha sido iniciado o processo de recuperação.

15      Por cartas de 1 de Fevereiro de 2008, a AGEA enviou à Comissão os mapas recapitulativos dos processos de recuperação iniciados na sequência de irregularidades, acompanhados de notas explicativas onde afirmava que «se reservava o direito de tomar todas as iniciativas destinadas a proteger os interesses financeiros do Estado italiano quanto à compensação dos montantes que se afigurarem indevidos na sequência da aplicação dos critérios fixados para o cálculo dos juros, tal como reclamados pela Comunidade».

16      Em 28 de Março (processo T‑274/08) e 22 de Abril (processo T‑275/08) de 2008, a Comissão enviou à República Italiana uma nota em que indicava as contas dos organismos pagadores que seriam propostas para o apuramento e precisava que os montantes fixados a título das consequências financeiras resultantes da ausência de recuperação dos montantes devidos na sequência de irregularidades tinham sido determinados com base nas informações enviadas pela AGEA.

17      Em 30 de Abril de 2008, a Comissão adoptou, com base nas informações fornecidas pelos organismos pagadores dos Estados‑Membros, a Decisão 2008/396/CE, relativa ao apuramento das contas dos organismos pagadores dos Estados‑Membros, referentes às despesas financiadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), no que respeita ao exercício financeiro de 2007 (JO L 139, p. 33) (processo T‑274/08), bem como a Decisão 2008/394/CE, relativa ao apuramento das contas de determinados organismos pagadores da Alemanha, da Itália e da Eslováquia, referentes às despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), Secção «Garantia», no que respeita ao exercício financeiro de 2006 (JO L 139, p. 22) (processo T‑275/08).

18      As Decisões 2008/396 e 2008/394 indicam os montantes que devem ser recuperados de cada Estado‑Membro, ou que lhes devem ser pagos, incluindo os resultantes da aplicação do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base.

19      No tocante à República Italiana, as Decisões 2008/396 e 2008/394 prevêem deduções sobre os adiantamentos, respectivamente, de 114 581 208,51 euros e de 99 839 568,22 euros que lhe foram concedidos a título de montantes recuperáveis devido a irregularidades ou negligências. Esses montantes compreendem montantes correspondentes às consequências financeiras a suportar pela República Italiana em aplicação do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, quando a recuperação dos montantes devidos na sequência de irregularidades ou negligências não tiver ocorrido num prazo de quatro anos, a partir da data do primeiro auto administrativo ou judicial, ou no prazo de oito anos, caso a recuperação tenha sido objecto de uma acção perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

 Tramitação processual e pedidos das partes

20      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de Julho de 2008 e registadas sob os números de processo T‑274/08 e T‑275/08, a República Italiana interpôs os presentes recursos.

21      Com base nos relatórios do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu abrir a fase oral do processo nas duas causas.

22      As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal Geral nas audiências de 25 de Novembro de 2009.

23      Tendo as partes sido ouvidas sobre a questão nas audiências, o Tribunal Geral (Quinta Secção) considera que há que apensar os dois processos para efeitos de acórdão, em conformidade com o disposto no artigo 50.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo.

24      No processo T‑274/08, a República Italiana conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular a Decisão 2008/396, na parte em que procede ao cálculo de juros sobre os montantes a suportar pelo orçamento do Estado italiano, no que respeita ao exercício financeiro de 2007, a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base.

25      No processo T‑275/08, a República Italiana conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular a Decisão 2008/394, na parte em que procede ao cálculo de juros sobre os montantes a suportar pelo orçamento do Estado italiano, no que respeita ao exercício financeiro de 2006, a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base.

26      Nos processos T‑274/08 e T‑275/08, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Italiana nas despesas.

 Questão de direito

27      Em apoio dos seus recursos, a República Italiana invoca um único argumento, relativo à violação do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base.

 Argumentos das partes

28      A República Italiana sustenta que a Comissão fez uma interpretação errada do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base. Em substância, censura a Comissão por lhe ter pedido que pagasse certos montantes, a título dessa disposição, incluindo juros, quando não é possível, em direito italiano, contabilizar juros se não houver uma decisão judicial.

29      Em primeiro lugar, a República Italiana considera que o artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base deve ser interpretado como dizendo respeito apenas aos montantes e não aos eventuais juros que esses montantes poderiam ter produzido. Sublinha, a esse propósito, que essa disposição não visa a produção de juros, ao passo que o primeiro parágrafo do referido artigo os menciona explicitamente. Daí deduz que o legislador pretendeu regular no n.° 1 e no n.° 5 do artigo 32.° do regulamento de base duas situações diferentes. O n.° 1 desse artigo faz referência às situações em que o processo de recuperação chegou ao seu termo e os juros já foram cobrados aos beneficiários. Seria, por isso, inoportuno que o Estado os pudesse «entesourar». Em contrapartida, o artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base reporta‑se aos processos pendentes, em que tanto a inclusão de juros como a data a partir da qual começam a correr são incertos.

30      Além disso, a República Italiana sustenta que, na medida em que o artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base tem carácter excepcional e se apresenta como uma derrogação ao princípio geral enunciado no n.° 1 desse artigo, deve ser interpretado restritivamente, tendo em consideração que o termo «juros» não vem expressamente mencionado nele.

31      Em segundo lugar, a República Italiana considera que esta interpretação tem em conta a impossibilidade jurídica de um Estado‑Membro determinar o montante dos juros enquanto o crédito sobre o beneficiário dos fundos não tiver sido apurado por via judicial, na medida em que, em aplicação do artigo 2033.° do codice civile (Código Civil italiano), cabe ao juiz determinar o ponto de partida dos juros, consoante o beneficiário dos fundos esteja de boa ou de má fé. Além disso, a República Italiana considera que o facto de só tomar em conta os juros quando os montantes devidos forem definitivamente imputáveis corresponde melhor à lógica do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, cuja leitura, em particular do terceiro, quarto e quinto parágrafos, demonstra que se trata de um apuramento forfetário provisório, susceptível de compensações posteriores.

32      Em terceiro lugar, a República Italiana alega que nunca admitiu, mesmo tacitamente, os critérios de cálculo impostos pela Comissão. Com efeito, por um lado, o organismo pagador italiano sempre afirmou que, quando os processos de recuperação forem contestados perante os órgãos jurisdicionais nacionais, os montantes devidos pelo Estado‑Membro, a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, não devem incluir os juros e, por outro lado, informou desse facto explicitamente a Comissão na fase pré‑contenciosa, reservando‑se o direito de solicitar a intervenção dos órgãos jurisdicionais comunitários. Por conseguinte, o facto de o organismo pagador ter, na altura da transmissão, à Comissão, dos documentos necessários ao apuramento das contas, incluído os juros nos montantes devidos a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base é desprovido de pertinência.

33      A Comissão contesta os argumentos da República Italiana e considera que não procedeu a uma interpretação errada do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base.

 Apreciação do Tribunal Geral

34      A título preliminar, deve observar‑se que, no quadro do seu fundamento único, a República Italiana procura demonstrar que as Decisões 2008/396 e 2008/394 devem ser anuladas na medida em que a Comissão, ao tomar em conta os juros a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, fez uma interpretação errada desta disposição. Tendo a Comissão aplicado à República Italiana deduções sobre os adiantamentos, a título do artigo 32.° do regulamento de base, de 114 581 208,51 euros (processo T‑274/08) e de 99 839 568,22 euros (processo T‑275/08), deduções que compreendem montantes a título do n.° 5 desse artigo, a República Italiana censura a Comissão por ter calculado esses últimos montantes tomando em conta os juros.

35      O artigo 32.° do regulamento de base diz respeito às obrigações dos Estados‑Membros no tocante à recuperação de montantes junto de beneficiários que cometeram irregularidades ou deram provas de negligência.

36      O artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base visa as situações particulares em que o Estado‑Membro não recuperou os montantes, seja num prazo de quatro anos após a data do primeiro auto administrativo ou judicial, seja num prazo de oito anos se a recuperação for objecto de uma acção perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Em tais situações, é então especificado que «as consequências financeiras da ausência de recuperação são assumidas em 50% pelo Estado‑Membro em causa e em 50% pelo orçamento comunitário».

37      Em virtude de jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta não apenas os seus termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, Colect., p. I‑4983, n.° 41 e jurisprudência citada, e acórdão do Tribunal Geral de 6 de Outubro de 2005, Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, T‑22/02 e T‑23/02, Colect., p. II‑4065, n.° 47).

38      É à luz desses princípios que há que examinar se a expressão «consequências financeiras», que figura no artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, deve ser compreendida no sentido de se referir apenas aos montantes que não foram objecto de recuperação ou de se referir tanto a esses montantes como aos juros que a eles dizem respeito.

39      Em primeiro lugar, afigura‑se que a resposta a esta questão pode ser deduzida de uma interpretação literal do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, face ao sentido claro da expressão «consequências financeiras». A esse propósito, deve salientar‑se que essa expressão tem um âmbito amplo, porquanto é de molde a englobar todas as incidências de natureza financeira ligadas à ausência de recuperação dos montantes irregularmente pagos. Ora, entre estes figuram necessariamente os juros que deveriam ter sido pagos a título do artigo 32.°, n.° 1, do regulamento de base.

40      Em segundo lugar, essa interpretação literal é corroborada pelo artigo 34.°, n.° 1, alínea a), do regulamento de base, segundo o qual «[s]ão consideradas receitas afectadas, na acepção do artigo 18.° do [regulamento financeiro] […] [o]s montantes que, nos termos dos artigos 31.°, 32.° e 33.° do presente regulamento, devem ser transferidos para o orçamento comunitário, incluindo os respectivos juros».

41      A interpretação evocada no n.° 39, supra, está igualmente conforme com a economia geral do processo de apuramento das contas. Com efeito, o artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base deve ler‑se à luz do artigo 32.°, n.° 1, do referido regulamento, que constitui o quadro geral em matéria de reembolso, à Comunidade, dos montantes devidos na sequência de irregularidades ou de negligências na utilização dos fundos. Na medida em que o n.° 5 desse artigo em nada altera o princípio da contabilização dos juros, limitando‑se a partilhar a responsabilidade financeira entre o Estado‑Membro e o orçamento comunitário em caso de ausência de recuperação, em prazos razoáveis, dos montantes devidos, dele decorre seguramente que as «consequências financeiras» evocadas no artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base compreendem, nomeadamente, tanto os montantes principais como os juros a eles respeitantes.

42      Por outro lado, deve também ser rejeitado o argumento extraído da alegação de que a falta da palavra «juros», no n.° 5 do artigo 32.°, demonstra a vontade do legislador de cobrir uma situação diferente da contemplada no n.° 1 do mesmo artigo, por esse n.° 5 visar um apuramento apenas forfetário e provisório. É certamente exacto que, em aplicação do terceiro parágrafo do referido n.° 5, o Estado‑Membro é obrigado a prosseguir os procedimentos de recuperação. Daí resulta necessariamente que o montante das consequências financeiras pode eventualmente ser objecto de correcções posteriores. Todavia, essa possibilidade de correcções posteriores diz respeito ao conjunto das consequências financeiras calculadas a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, incluindo os juros respeitantes aos montantes principais. Não há contradição, portanto, entre a tomada em conta de juros a título das consequências financeiras visadas pelo artigo 32.°, n.° 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base e o carácter provisório desse apuramento.

43      Há, portanto, que rejeitar os diferentes argumentos da República Italiana, extraídos, por um lado, da circunstância de só o artigo 32.°, n.° 1, do regulamento de base se referir explicitamente à contabilização de juros, e, por outro, do facto de o artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base se apresentar como uma derrogação ao artigo 32.°, n.° 1, e dever, por isso, ser interpretado estritamente, tomando em conta o facto de o termo «juros» não vir aí expressamente mencionado.

44      Em terceiro lugar, resulta do preâmbulo do regulamento de base, e nomeadamente dos considerandos 25 e 26 deste, que o sistema de co-responsabilidade financeira instituído pelo artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base visa proteger os interesses financeiros do orçamento comunitário, imputando ao Estado‑Membro em causa uma parte dos montantes devidos em razão de irregularidades e que não foram recuperados num prazo razoável. Como sublinha com razão a Comissão, a obrigação de recuperar os juros vencidos entre o auto de verificação da irregularidade e a recuperação efectiva dos montantes em questão é de natureza compensatória, na medida em que os juros se reportam ao prejuízo temporariamente suportado pelo orçamento comunitário devido à ausência de cobrança de uma dotação contabilizada a seu favor. Assim, a exclusão desses juros do montante a recuperar, e, portanto, a redução do montante a suportar pelo Estado‑Membro em causa, seria incompatível com a protecção dos interesses financeiros do orçamento comunitário, uma vez que este suportaria, então, a maior parte das consequências financeiras da ausência de recuperação, em prazos razoáveis, de montantes devidos na sequência de irregularidades.

45      Em quarto lugar, deve sublinhar‑se que o princípio segundo o qual os juros são acessórios do montante principal e seguem o seu regime contabilístico tem um valor geral no quadro da regulamentação relativa ao orçamento comunitário, como é atestado pelo artigo 86.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2342/2002, adoptado em aplicação do artigo 71.°, n.° 4, do Regulamento Financeiro, que especifica que, «[s]em prejuízo das disposições específicas decorrentes da aplicação da legislação sectorial, qualquer crédito não reembolsado […] produzirá juros».

46      Tendo em conta o que precede, há que concluir que a República Italiana não tem razão quando sustenta que a Comissão fez uma interpretação errada do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, ao incluir juros nos montantes devidos a título dessa disposição.

47      Essa conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da República Italiana segundo o qual lhe é impossível aplicar o artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base devido ao artigo 2033.° do codice civile, que impede que seja fixado com precisão um ponto de partida para o cálculo dos juros, enquanto um crédito não tiver sido apurado por via judicial.

48      Em primeiro lugar, tal remissão para o direito nacional não é pertinente no tocante à única questão em causa nos presentes recursos, a saber, a interpretação do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, mais precisamente, a questão de saber se os juros devem ser tidos em conta a título dessa disposição.

49      Em segundo lugar, é certo que os litígios relativos à recuperação de montantes indevidamente pagos por força do direito comunitário devem, na ausência de disposições comunitárias, ser resolvidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais, aplicando o seu direito nacional com respeito pelos limites que o direito comunitário impõe, no sentido de que as regras previstas pelo direito nacional não podem redundar em tornar impossível, na prática, a execução da regulamentação comunitária e que a aplicação da legislação nacional deve ser feita de forma não discriminatória, por comparação com os processos que visem resolver litígios nacionais do mesmo tipo (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2008, Vereniging Nationaal Overlegorgaan Sociale Werkvoorziening e o., C‑383/06 a C‑385/06, Colect., p. I‑1561, n.os 48 a 50 e jurisprudência citada). Se bem que daqui resulte necessariamente que qualquer questão acessória que diga respeito à recuperação, pela República Italiana, dos montantes indevidamente pagos pelo orçamento comunitário, não regulada por disposições comunitárias, deve ser regulada pelas regras de direito nacional pertinentes, tal aplicação não poderá pôr em causa o princípio da tomada em conta de juros a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base.

50      Finalmente, em terceiro lugar, a Comissão sublinha com razão que o facto de o organismo pagador ter incluído os juros nos montantes que lhe comunicou para que ela calculasse os montantes visados nas Decisões 2008/396 e 2008/394 demonstra que não é impossível incluir esses juros nos montantes que os Estados‑Membros devem reembolsar a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base. Além disso, há que reconhecer que a República Italiana não comunicou à Comissão a soma dos montantes devidos, a título do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, sem a capitalização de juros.

51      Resulta de tudo o que precede que a Comissão não cometeu nenhum erro de direito na interpretação do artigo 32.°, n.° 5, do regulamento de base, ao considerar que deviam ser tomados em conta os juros nos montantes devidos pelo Estado‑Membro a título dessa disposição.

52      Deve, portanto, ser negado provimento aos recursos na sua totalidade.

 Quanto às despesas

53      Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

54      Tendo a República Italiana sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      Os processos T‑274/08 e T‑275/08 são apensos para efeitos do acórdão.

2)      É negado provimento aos recursos.

3)      A República Italiana é condenada nas despesas.

Vilaras

Prek

Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de Abril de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.