Language of document : ECLI:EU:C:2020:679

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 9 de setembro de 2020 (1)

Processos apensos C225/19 e C226/19

R.N.N.S. (C225/19),

K.A. (C226/19)

contra

Minister van Buitenlandse Zaken

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats Haarlem (Tribunal de Primeira Instância de Haia, juízo de Haarlem, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Regulamento (CE) n.o 810/2009 — Artigo 32.o — Código Comunitário de Vistos — Decisão de recusa de visto — Direito de o requerente interpor recurso da referida decisão — Direito a um recurso jurisdicional — Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Boa administração»






I.      Introdução

1.        Os dois pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats Haarlem (Tribunal de Primeira Instância de Haia, juízo de Haarlem, Países Baixos), nos termos do artigo 267.o TFUE, têm por objeto a interpretação do artigo 32.o do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (Código de Vistos) (2), lido à luz dos artigos 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2.        Estes pedidos têm lugar no âmbito de dois litígios que opõem os recorrentes nos processos principais às autoridades neerlandesas competentes a respeito do indeferimento por estas dos pedidos de visto apresentados pelos respetivos recorrentes. O objeto das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça consiste, em substância, em saber se um Estado‑Membro, que toma a decisão final de indeferir um pedido de visto nos termos do artigo 32.o, n.o 1, do Código de Vistos, depois de outro Estado‑Membro ter apresentado objeções à emissão de um visto devido a uma ameaça iminente para a ordem pública, a segurança interna ou a saúde pública, ou para as relações internacionais de um Estado‑Membro, está obrigado a comunicar, na sua decisão de indeferimento ou na pendência do processo de recurso subsequente, a identidade do Estado‑Membro que apresentou as objeções e os fundamentos invocados para o efeito por esse Estado‑Membro. Outra questão subjacente aos litígios nos processos principais diz respeito às vias de recurso disponíveis para contestar as referidas objeções à emissão de um visto.

3.        Os presentes processos oferecem uma nova ocasião para o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre o direito a um recurso efetivo, como decorre do artigo 47.o da Carta, no domínio da política comum de vistos, caracterizado por uma harmonização legislativa parcial (3), em que a autonomia processual dos Estados‑Membros desempenha ainda um papel não negligenciável, e isto apesar de o Código de Vistos, enquanto instrumento que rege as condições de emissão, de anulação ou de revogação dos vistos uniformes, exigir, em princípio, uma aplicação uniforme (4) por todas as autoridades dos Estados‑Membros — quer pertençam ao poder executivo ou ao poder judiciário — a fim de garantir uma implementação coerente desta política.

4.        O legislador da União deixou aos Estados‑Membros o cuidado de assegurar a aplicação das disposições do Código de Vistos em conformidade com as respetivas regras processuais, impondo, no entanto, a obrigação de respeitar determinadas garantias processuais reconhecidas na ordem jurídica da União e que constituem uma expressão do Estado de direito, a saber, o dever de fundamentação e o direito de recurso. Caberá ao Tribunal de Justiça a tarefa de elucidar o alcance destas garantias processuais e explicar a forma como devem ser implementadas no âmbito da aplicação das regras processuais nacionais quando é interposto recurso de uma recusa de visto, tendo em conta as especificidades do domínio da política comum de vistos. Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça não só defenderá o Estado de direito como contribuirá também para alcançar os objetivos desta política.

II.    Quadro jurídico

A.      Carta

5.        O artigo 41.o da Carta tem a seguinte redação:

«1.      Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.

2.      Este direito compreende, nomeadamente:

a)      O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente;

b)      O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;

c)      A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.

[…]»

6.        O artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta dispõe:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.»

7.        O artigo 51.o, n.o 1, da Carta tem a seguinte redação:

«As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respetivas competências […].»

8.        O artigo 52.o, n.o 1, da Carta enuncia:

«Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

B.      Código de Vistos

9.        Os considerandos 28 e 29 do Código de Vistos enunciam:

«(28)      Atendendo a que o objetivo do presente regulamento, a saber o estabelecimento de procedimentos e condições para a emissão de vistos de trânsito ou estadas previstas no território dos Estados‑Membros não superiores a três meses por período de seis meses, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros e pode, pois, ser mais bem alcançado ao nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, o presente regulamento não excede o necessário para alcançar o referido objetivo.

(29)      O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, designadamente, na Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»

10.      O artigo 1.o, n.o 1, do Código de Vistos tem a seguinte redação:

«O presente regulamento estabelece os procedimentos e condições para a emissão de vistos de trânsito ou de estada prevista no território dos Estados‑Membros não superior a três meses por cada período de seis meses.»

11.      O artigo 2.o do Código de Vistos tem o seguinte teor:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

2)      “Visto”, uma autorização emitida por um Estado‑Membro para efeitos de:

a)      Trânsito ou estada prevista no território dos Estados‑Membros de duração não superior a três meses por cada período de seis meses a contar da primeira data de entrada no território dos Estados‑Membros;

[…]

3)      “Visto uniforme”, um visto válido para a totalidade do território dos Estados‑Membros;

[…]»

12.      O artigo 22.o do Código de Vistos prevê:

«1.      Um Estado‑Membro pode exigir que as autoridades centrais de outros Estados‑Membros consultem as suas autoridades centrais durante a análise dos pedidos apresentados por nacionais de países terceiros específicos ou por categorias específicas destes nacionais. Essa consulta não é aplicável aos pedidos de vistos de escala aeroportuária.

2.      As autoridades centrais consultadas devem dar uma resposta definitiva no prazo de sete dias de calendário a contar da consulta. A falta de resposta dentro do referido prazo significa que não existe qualquer motivo que impeça a emissão do visto.

3.      Os Estados‑Membros devem notificar à Comissão a introdução e a supressão do requisito de consulta prévia antes de este se tornar aplicável. Essa informação deve igualmente ser prestada no âmbito da cooperação Schengen local na jurisdição em causa.

4.      A Comissão informa os Estados‑Membros das referidas notificações.

5.      A partir da data da substituição da Rede de Consulta Schengen, tal como referido no artigo 46.o do Regulamento VIS, a consulta prévia deve processar‑se nos termos do n.o 2 do artigo 16.o desse regulamento.»

13.      O artigo 32.o, n.os 1 a 3, do Código de Vistos dispõe:

«1.      Sem prejuízo do n.o 1 do artigo 25.o, o visto é recusado:

a)      Se o requerente:

[…]

vi)      for considerado uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna, a saúde pública na aceção do ponto 19 do artigo 2.o do Código das Fronteiras Schengen, ou as relações internacionais de qualquer dos Estados‑Membros e, em especial, se for objeto de uma indicação nas bases de dados nacionais dos Estados‑Membros para efeitos de recusa de entrada, pelos mesmos motivos […].

[…]

2.      A decisão de recusa com os respetivos fundamentos é notificada ao requerente por meio do modelo de formulário constante do anexo VI.

3.      Os requerentes a quem seja recusado um visto têm direito de recurso. Os recursos são instaurados contra o Estado‑Membro que tomou a decisão final sobre o pedido e nos termos do direito interno desse Estado‑Membro. Os Estados‑Membros informam os requerentes sobre o procedimento a seguir em caso de recurso, tal como especificado no anexo VI.»

14.      O anexo VI do Código de Vistos inclui um formulário‑tipo a utilizar no âmbito das decisões sobre os pedidos de visto. Quanto à fundamentação da decisão, prevê uma lista de motivos de recusa, que importa assinalar. O motivo de recusa n.o 5 tem a seguinte redação:

«O requerente foi objeto de uma indicação no Sistema de Informação Schengen (SIS) para efeitos de não admissão, por _______ (indicação do Estado‑Membro).»

15.      O motivo de recusa n.o 6 tem a seguinte redação:

«[u]m ou mais Estados‑Membros consideram que o requerente constitui uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna, a saúde pública na aceção do ponto 19 do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 562/2006 (Código das Fronteiras Schengen), ou para as relações internacionais de um ou mais Estados‑Membros.»

C.      O Regulamento VIS

16.      O artigo 38.o do Regulamento (CE) n.o 767/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho de 2008, relativo ao Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) e ao intercâmbio de dados entre os Estados‑Membros sobre os vistos de curta duração («Regulamento VIS») (5), prevê:

«1.      Sem prejuízo da obrigação de fornecer outras informações em conformidade com a alínea a) do artigo 12.o da Diretiva 95/46/CE, qualquer pessoa tem o direito de obter comunicação dos dados que lhe digam respeito registados no VIS, bem como da identidade do Estado‑Membro que os transmitiu ao VIS. Esse acesso aos dados só pode ser concedido por um Estado‑Membro. Os Estados‑Membros devem registar todos esses pedidos de acesso.

2.      Qualquer pessoa pode solicitar que dados inexatos que lhe digam respeito sejam retificados e que os dados registados ilegalmente sejam apagados. A retificação e o apagamento devem ser efetuados imediatamente pelo Estado‑Membro responsável, em conformidade com as suas leis, regulamentações e procedimentos.

3.      Se o pedido referido no n.o 2 for feito a um Estado‑Membro que não o Estado‑Membro responsável, as autoridades do Estado‑Membro às quais foi apresentado o pedido contactam as autoridades do Estado‑Membro responsável dentro de um prazo de 14 dias. O Estado‑Membro responsável verifica a exatidão dos dados e a legalidade do seu tratamento no VIS no prazo de um mês.

4.      Se se verificar que os dados registados no VIS são inexatos ou foram registados ilegalmente, o Estado‑Membro responsável procede à sua retificação ou apagamento, nos termos do n.o 3 do artigo 24.o O Estado‑Membro responsável confirma por escrito e sem demora à pessoa em causa que tomou as medidas necessárias para proceder à retificação ou ao apagamento dos dados que lhe dizem respeito.

5.      Se o Estado‑Membro responsável não considerar que os dados registados no VIS são inexatos ou foram registados ilegalmente, comunica por escrito e sem demora à pessoa em causa as razões pelas quais não está disposto a retificar ou a apagar os dados que lhe dizem respeito.

6.      O Estado‑Membro responsável fornece igualmente à pessoa em causa informações quanto às medidas que esta pode tomar caso não aceite a explicação fornecida, incluindo informações sobre a forma de propor uma ação ou de apresentar reclamação às autoridades competentes ou aos tribunais desse Estado‑Membro, bem como sobre a eventual assistência, nomeadamente por parte das autoridades nacionais de controlo referidas no n.o 1 do artigo 41.o, de que pode beneficiar em conformidade com as leis, regulamentações e procedimentos desse Estado‑Membro.»

17.      O artigo 40.o, n.o 1, do Regulamento VIS dispõe:

«Em cada Estado‑Membro, qualquer pessoa tem o direito de propor uma ação ou apresentar uma reclamação junto das autoridades ou tribunais competentes do Estado‑Membro que lhe recusou o direito de acesso ou o direito de retificação ou apagamento dos dados que lhe dizem respeito, previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 38.o»

III. Factos na origem dos litígios, processos principais e questões prejudiciais

18.      O órgão jurisdicional de reenvio fundamenta a necessidade de submeter pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça de forma idêntica para ambos os processos, salvo no que diz respeito à situação individual dos recorrentes.

19.      O recorrente no processo C‑225/19, R.N.N.S., é um cidadão egípcio que reside no seu país de origem. Em 28 de agosto de 2017, casou‑se com uma cidadã neerlandesa.

20.      Em 7 de junho de 2017, pediu um visto Schengen ao Minister van Buitenlandse Zaken (Ministro dos Negócios Estrangeiros, Países Baixos), para visitar os seus futuros sogros, residentes nos Países Baixos.

21.      Por Decisão de 19 de junho de 2017, o ministro recusou a emissão do visto. A decisão de recusa foi fundamentada pelo facto de um ou vários Estados‑Membros, no caso vertente a Hungria, considerarem R.N.N.S. como uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna ou a saúde pública, na aceção do artigo 2.o, ponto 19, do Código das Fronteiras Schengen, ou para as relações internacionais de um dos Estados‑Membros.

22.      Em 31 de outubro de 2017, o Ministro dos Negócios Estrangeiros indeferiu, por falta de fundamento, a reclamação apresentada por R.N.N.S. contra esta decisão.

23.      Em 22 de novembro de 2017, R.N.N.S interpôs recurso desta última decisão perante o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que não pode ser considerado uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna ou a saúde pública ou para as relações internacionais de um dos Estados‑Membros. O recorrente invoca, designadamente, a inexistência de uma tutela jurisdicional efetiva, dado que não tem a possibilidade de contestar a decisão de recusa do Ministro dos Negócios Estrangeiros quanto ao mérito. Segundo o referido ministro, o motivo de recusa da Hungria não pode ser objeto de fiscalização quanto ao mérito nos Países Baixos, razão pela qual R.N.N.S deveria recorrer aos órgãos jurisdicionais húngaros para esse efeito.

24.      A recorrente no processo C‑226/19, K.A., é uma nacional síria residente na Arábia Saudita. É viúva e tem filhos maiores, um deles residente na Suécia e três residentes nos Países Baixos.

25.      Em 2 de janeiro de 2018, K.A. pediu ao Ministro dos Negócios Estrangeiros um visto Schengen para visitar o seu filho residente nos Países Baixos.

26.      Por Decisão de 15 de janeiro de 2018, o referido ministro recusou a emissão do visto. A decisão de recusa foi fundamentada pelo facto de um ou vários Estados‑Membros, no caso vertente a República Federal da Alemanha, considerarem K.A. uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna ou a saúde pública, na aceção do artigo 2.o, ponto 19, do Código das Fronteiras Schengen, ou para as relações internacionais de um dos Estados‑Membros.

27.      Em 14 de maio de 2018, o Ministro dos Negócios Estrangeiros indeferiu a reclamação apresentada por K.A. contra esta decisão. No âmbito deste processo de reclamação, a recorrente requereu ao ministro que solicitasse informações mais amplas às autoridades alemãs sobre as razões pelas quais consideram que a recorrente constitui tal ameaça. Todavia, segundo o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Código de Vistos não contém nenhuma obrigação de o Reino dos Países Baixos solicitar essas informações às autoridades alemãs.

28.      Em 28 de maio de 2018, K.A. interpôs recurso desta última decisão perante o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que não pode ser considerada uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna ou a saúde pública ou para as relações internacionais de um dos Estados‑Membros. K.A. invoca, designadamente, a inexistência de uma tutela jurisdicional efetiva, dado que não tem a possibilidade de contestar o motivo de recusa, uma vez que este é formulado em termos demasiado genéricos. Segundo K.A., que faz referência, designadamente, ao artigo 41.o da Carta, o Ministro dos Negócios Estrangeiros devia ter pedido as razões substanciais subjacentes à decisão das autoridades alemãs.

29.      O órgão jurisdicional de reenvio assinala que, nos dois processos, os recorrentes não são objeto de indicação para efeitos de recusa de visto no Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) nem de indicação para efeitos de recusa de admissão no Espaço Schengen no Sistema de Informação Schengen (SIS).

30.      Nos dois processos principais, coloca‑se a questão de saber se e como pode ser fiscalizado o motivo de recusa previsto no artigo 32.o, n.o 1, alínea a), vi), do Código de Vistos no âmbito de um recurso interposto da decisão definitiva de recusa de visto e se este tipo de fiscalização constitui um recurso efetivo.

31.      Foi nestas condições que o rechtbank Den Haag, zittingsplaats Haarlem (Tribunal de Primeira Instância de Haia, juízo de Haarlem) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, em ambos os litígios que lhe foram submetidos, as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Em caso de interposição de um recurso nos termos do artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos contra uma decisão definitiva de recusa de um visto baseada no motivo indicado no artigo 32.o, n.o 1, proémio e alínea a), vi), do Código de Vistos, pode considerar‑se que existe tutela jurisdicional efetiva, na aceção do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, nas seguintes circunstâncias:

–        na fundamentação da sua decisão, o Estado‑Membro limitou‑se a referir: “o Sr. é considerado, por um ou mais Estados‑Membros, uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna e a saúde pública, na aceção do n.o 10, ou eventualmente do n.o 21 do artigo 2.o do Código das Fronteiras Schengen, ou para as relações internacionais de um ou mais Estados‑Membros”;

–        o Estado‑Membro não indicou, nem na decisão nem no recurso, qual o motivo ou motivos concretamente invocados, de entre os quatro motivos indicados no artigo 32.o, n.o 1, proémio e alínea a), vi), do Código de Vistos;

–        no recurso, o Estado‑Membro não facultou mais informações substanciais nem uma fundamentação mais detalhada da razão ou razões que estão na base da invocação do motivo de oposição pelo outro ou outros Estados‑Membros?

2.      Nas circunstâncias referidas na questão 1, pode considerar‑se que existe uma “boa administração”, na aceção do artigo 41.o da Carta da UE, nomeadamente tendo em conta o dever de os serviços em questão fundamentarem as suas decisões?

3.      a)      Devem as questões 1 e 2 ser respondidas de forma diferente se o Estado‑Membro, na decisão final sobre o visto, remeter para uma possibilidade de recurso, efetivamente existente e claramente especificada, no outro Estado‑Membro, contra a autoridade competente, expressamente identificada, do outro ou outros Estados‑Membros que invocaram o motivo de oposição referido no artigo 32.o, n.o 1, proémio e alínea a), vi), do Código de Vistos, e em cujo âmbito possa ser atacado o motivo de recusa?

3.      b)      Para se poder dar uma resposta afirmativa à questão 1, no contexto da questão 3.a., é necessário que a decisão do recurso interposto no Estado‑Membro que tomou a decisão definitiva contra esse Estado‑Membro fique suspensa até que o requerente tenha a possibilidade de exercer o direito de recurso no outro ou outros Estados‑Membros e, se o requerente exercer esse direito, até que seja proferida uma decisão (definitiva) nesse recurso?

4.      É relevante para a resposta a dar às questões colocadas a questão de saber se a autoridade competente do ou dos Estados‑Membros que invocaram o motivo de oposição à concessão do visto tem a possibilidade de ser parte no recurso interposto contra a decisão definitiva sobre o visto e, nessa qualidade, tem a possibilidade de apresentar a justificação das razões que estão na base da sua oposição?»

IV.    Tramitação no Tribunal de Justiça

32.      As decisões de reenvio, datadas de 5 de março de 2019, deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de março de 2019.

33.      As partes no processo principal, os Governos neerlandês, checo, alemão, italiano, lituano e polaco, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas no prazo fixado nos termos do artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

34.      Através de uma medida de organização do processo de 30 de abril de 2020, o Tribunal de Justiça colocou perguntas para resposta escrita a todas as partes interessadas. As observações escritas sobre estas questões foram apresentadas no prazo fixado.

V.      Análise jurídica

A.      Observações preliminares

1.      Necessidade de uma aplicação uniforme do Código de Vistos, apesar da falta de harmonização integral

35.      Antes de iniciar a análise das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça, importa recordar a importância de que se reveste o Código de Vistos, bem como o objetivo legislativo deste instrumento jurídico. Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, o Código de Vistos estabelece os procedimentos e as condições de emissão de vistos de trânsito ou de estada prevista no território dos Estados‑Membros não superior a três meses num período de seis meses. Foi adotado com o objetivo de pôr termo às disposições díspares anteriormente existentes, particularmente no que diz respeito às condições essenciais de entrada e às garantias processuais, tais como o dever de fundamentação e o direito de recurso das decisões de recusa. O legislador da União pretendeu harmonizar estas condições a fim de evitar o «visa shopping» e de assegurar um tratamento igual dos requerentes de visto, como resulta do considerando 18 do Código de Vistos.

36.      No entanto, é evidente que, na falta de harmonização integral na matéria, determinados aspetos mais ou menos ligados à emissão de vistos são da competência legislativa dos Estados‑Membros. Isso resulta, em primeiro lugar, do facto de a União não ter exercido a competência que partilha com estes últimos no domínio do espaço de liberdade, segurança e justiça, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, alínea j), TFUE. Em seguida, a competência dos Estados‑Membros pode provir de uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros. Além disso, pode ser conferida a estes últimos uma margem de apreciação ou discricionária no que respeita ao cumprimento de tarefas específicas. As competências respetivas da União e dos Estados‑Membros em matéria legislativa ou executiva devem, portanto, ser deduzidas caso a caso das disposições pertinentes por via interpretativa.

2.      Caráter politicamente sensível de certos aspetos

37.      Como qualquer ato legislativo resultante de um compromisso político, o Código de Vistos permite entrever aspetos considerados sensíveis que os próprios Estados‑Membros preferiram regulamentar. A génese do Código de Vistos fornece indícios sobre o caráter sensível de certos aspetos, entre os quais figuram a fundamentação de uma decisão que indefere um pedido de visto, bem como o direito de o requerente interpor recurso, que constituem precisamente o objeto dos processos principais (6).

38.      Ora, como já referi na introdução das presentes conclusões, isso não significa que os Estados‑Membros devam ser isentos da obrigação de respeitar as garantias processuais previstas no artigo 47.o da Carta quando aplicam o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Por outro lado, afigura‑se necessário ter em conta as especificidades do domínio da política comum de vistos e as considerações de segurança invocadas pelos Estados‑Membros, suscetíveis de justificar restrições proporcionadas às referidas garantias processuais.

B.      Quanto à primeira questão

1.      Aspetos gerais

a)      Acusações que os recorrentes no processo principal fazem aos EstadosMembros

39.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se uma decisão de recusa de visto tomada pela autoridade nacional competente devido à existência de um motivo de recusa nos termos do artigo 32.o, n.o 1, alínea a), vi), do Código de Vistos, respeita o direito a um recurso efetivo, conforme garantido no artigo 47.o da Carta, se a referida decisão for comunicada ao requerente de visto através do formulário‑tipo constante do anexo VI, em conformidade com o artigo 32.o, n.o 2, do mesmo código. Como indica o órgão jurisdicional de reenvio, este formulário‑tipo não permite distinguir entre as diferentes categorias de ameaças previstas no artigo 32.o, n.o 1, alínea a), vi), do Código de Vistos, aplicáveis aos diferentes casos, nem obter informações específicas quanto ao teor ou ao fundamento do ou dos motivos que estão na base de uma objeção de outro Estado‑Membro, dado que o Estado‑Membro encarregado de tomar a decisão final pode, em princípio, limitar‑se a assinalar o quadrado 6 do formulário‑tipo.

40.      O pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, destinado a verificar a compatibilidade das disposições pertinentes do Código de Vistos e da correspondente prática administrativa com o artigo 47.o da Carta, explica‑se pelo facto de os recorrentes no processo principal censurarem as autoridades nacionais, em primeiro lugar, por não fundamentarem suficientemente as suas decisões de recusa e, em segundo lugar, por impedirem o exercício do seu direito de interpor recurso dessas decisões. A alegada insuficiência de fundamentação das decisões de recusa parece violar os direitos dos recorrentes no processo principal em vários aspetos, o que não se pode excluir a priori, tanto mais que o artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, lido à luz do artigo 47.o da Carta, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de prever, contra as decisões de recusa de vistos, um processo de recurso que deve garantir, numa determinada fase do processo, um recurso judicial (7).

41.      Para poder exercer utilmente as vias de recurso instituídas pelos Estados‑Membros, o requerente deve ser informado dos fundamentos em que se baseia a decisão de recusa. Só nesta condição pode decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente. O juiz, por sua vez, deve ter conhecimento dos fundamentos a fim de poder exercer a fiscalização da legalidade da decisão nacional em causa (8). Por conseguinte, o dever de fundamentação prossegue um duplo objetivo que deve ser tido em conta a fim de assegurar um recurso efetivo. Por razões de clareza, importa analisar estes dois aspetos separadamente — por um lado, a forma como uma recusa de visto é comunicada ao requerente e, por outro, a fiscalização da legalidade a que essa decisão está sujeita.

b)      Âmbito de aplicação do direito a um recurso efetivo e restrições previstas pela Carta

42.      O estatuto de nacionais de Estados terceiros dos recorrentes nos processos principais não obsta à aplicação do artigo 47.o da Carta aos casos em apreço. Como o Tribunal de Justiça confirmou no Acórdão El Hassani (9), o direito a uma fiscalização da legalidade de uma decisão de recusa de visto por um tribunal numa determinada fase do procedimento está garantido a qualquer requerente. Na medida em que o exercício desta fiscalização da legalidade exige uma fundamentação da decisão de recusa de visto para que seja eficaz, como foi acima explicado (10), há que reconhecer ao requerente o direito de ser informado dos fundamentos em que se baseia a decisão de recusa. Neste espírito, há que constatar que os nacionais de Estados terceiros estão igualmente abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 47.o da Carta e podem, portanto, invocar o direito a um recurso efetivo perante as autoridades nacionais (11).

43.      Todavia, há que considerar que, como o Tribunal de Justiça recordou no Acórdão ZZ (12), o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admite limitações ao exercício dos direitos por ela consagrados, incluindo o direito a um recurso efetivo, sob certas condições. Esta disposição exige que qualquer limitação respeite o conteúdo essencial do direito fundamental em causa e requer, além disso, que, no respeito do princípio da proporcionalidade, essa limitação seja necessária e responda efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União. No caso em apreço, parece‑me que o legislador da União, ao adotar o Código de Vistos, efetuou uma ponderação dos interesses entre, por um lado, a garantia do Estado de direito e, por outro, a salvaguarda da segurança pública, que se reflete perfeitamente na legislação. As garantias do Estado de direito, mais precisamente o dever de fundamentar os atos administrativos, bem como as possibilidades de recurso contra esses atos podem, como será exposto mais adiante, ser restringidas no interesse da segurança pública (13).

44.      Para dar uma resposta útil às questões prejudiciais, é necessário determinar por via de interpretação das disposições pertinentes qual o valor que o legislador da União atribuiu aos referidos interesses e em que medida os quis proteger. Esta interpretação revelará a atual fase de evolução do direito da União no domínio da política comum de vistos. Como indiquei acima, a análise do direito a um recurso efetivo, tal como foi implementado pelo direito derivado, centrar‑se‑á em dois aspetos, a saber, o modo como a recusa de visto é comunicada ao requerente e a fiscalização da legalidade a que essa decisão administrativa está sujeita.

2.      Modo como a recusa de visto é comunicada ao requerente

45.      Observe‑se, desde já, que o Tribunal de Justiça se pronunciou em termos muito gerais quanto ao modo como o interessado deve ser informado dos fundamentos em que se baseia uma decisão administrativa tomada a seu respeito, exigindo unicamente que este possa conhecê‑los «quer através da leitura da própria decisão, quer através da comunicação dos seus fundamentos, feita a seu pedido, sem prejuízo do poder do juiz competente de exigir à autoridade em causa que comunique esses fundamentos» (14). Daqui resulta que a comunicação dos fundamentos pode efetuar‑se, em princípio, de três maneiras distintas.

46.      Para analisar mais especificamente determinadas disposições do Código de Vistos, o artigo 32.o, n.o 1, do referido código dispõe que o visto é recusado se o requerente for considerado uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna ou a saúde pública, na aceção do artigo 2.o, ponto 19, do Código das Fronteiras Schengen, ou para as relações internacionais de qualquer dos Estados‑Membros e, em especial, se tiver sido objeto, pelos mesmos motivos, de uma indicação nas bases de dados nacionais dos Estados‑Membros para efeitos de não admissão. Nos termos do artigo 32.o, n.o 2, deste código, a decisão de recusa com os respetivos fundamentos é notificada ao requerente através do formulário‑tipo constante do anexo VI. Esta decisão de recusa reflete as conclusões do exame efetuado pelo Estado‑Membro encarregado de adotar a decisão final, bem como o resultado do procedimento de consulta previsto no artigo 22.o do Código de Vistos. Assim sendo, há que observar que o formulário‑tipo em questão permite, em princípio, aos Estados‑Membros assinalar unicamente o quadro n.o 6, que enumera os motivos de recusa, sem prestar outras informações ao interessado. Por conseguinte, o formulário‑tipo não faz distinção entre os motivos de recusa específicos referidos no artigo 32.o, n.o 1, do Código de Vistos.

47.      Daqui resulta que o requerente é informado de forma muito geral e sucinta dos motivos da recusa de visto. É verdade que, como acertadamente indica a Comissão nas suas observações, isso não impede os Estados‑Membros de mencionarem essas informações no formulário, por exemplo completando o campo «observações». Com efeito, este espaço oferece, em princípio, a possibilidade de prestar informações úteis ao requerente a fim de o ajudar a compreender melhor os motivos de recusa, a identificar eventuais erros e a pedir retificações à autoridade nacional competente. Importa sublinhar a este respeito que, ainda que não se possa deduzir das disposições acima referidas nenhuma obrigação de incluir informações mais pormenorizadas, esta possibilidade está, no entanto, prevista no formulário‑tipo, que faz ele próprio parte integrante do Código de Vistos. Por conseguinte, há que partir do pressuposto de que o formulário‑tipo que indica a existência de um ou vários motivos de recusa, incluindo eventuais observações dos Estados‑Membros, constitui um «mínimo de informação» que o legislador da União considerou suficiente para respeitar o dever de fundamentação de qualquer decisão de recusa de visto enquanto expressão do Estado de Direito.

48.      Além disso, resulta dos autos que foi a pedido dos recorrentes junto das autoridades neerlandesas que estes souberam quais eram os Estados‑Membros que apresentaram objeções à emissão dos vistos no âmbito do procedimento de consulta previsto no artigo 22.o do Código de Vistos. Por conseguinte, há que observar que o procedimento administrativo nacional pode prever a possibilidade de facultar informações complementares, úteis para o requerente, completando assim a fundamentação de uma decisão de recusa. Partilho da opinião do Governo alemão segundo a qual a identidade dos Estados‑Membros que apresentaram objeções deve ser revelada a pedido expresso do requerente, a fim de garantir a possibilidade de contestar a apreciação destes Estados‑Membros no que respeita à ameaça que este representa.

49.      Deduzo das observações precedentes que, na falta de uma regulamentação expressa na União sobre o grau de precisão da fundamentação que deve figurar na decisão de recusa, o legislador da União quis deixar aos Estados‑Membros o cuidado de determinar quais as informações que pretendem comunicar ao requerente. Esta interpretação parece‑me tanto mais coerente quanto podem existir razões objetivas que justifiquem uma fundamentação menos detalhada da referida decisão, como exporei nas presentes conclusões.

a)      Razões relacionadas com os diferentes contextos na ordem jurídica da União

1)      Limitação do âmbito do direito protegido no artigo 47.o da Carta

50.      Em primeiro lugar, razões objetivas relacionadas com as especificidades de um determinado contexto normativo podem exigir um menor grau de precisão da fundamentação de um ato administrativo. Esta limitação do direito do indivíduo de obter uma decisão administrativa fundamentada responde frequentemente a considerações práticas que o legislador tem em conta, como por exemplo a carga de trabalho da administração (15). De um ponto de vista teórico, é atribuído ao direito consagrado no artigo 47.o da Carta, que permite a fiscalização da legalidade da atividade administrativa, um alcance mais limitado em determinados domínios do direito da União do que noutros, sem que tal constitua uma violação do seu conteúdo essencial.

51.      Neste contexto, importa recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o dever de fundamentação pode conhecer um menor grau de precisão em função do domínio de direito administrativo em causa. Parece‑me igualmente pertinente a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o interesse que o destinatário do ato pode ter em obter explicações determina se a fundamentação de uma decisão administrativa pode ser considerada suficiente (16). Ora, manifestamente, este interesse é, em grande parte, determinado pelo próprio legislador, na medida em que este último define o estatuto jurídico do destinatário no domínio em causa.

52.      O Tribunal de Justiça parece reconhecer esta prerrogativa do legislador quando esclarece, na sua jurisprudência, que não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes. Segundo o Tribunal de Justiça, a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do direito da União deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (17). Por conseguinte, há que analisar o estatuto jurídico que o direito da União confere ao requerente de visto.

2)      O direito da União não confere um direito de entrada no território dos EstadosMembros nem um direito subjetivo à obtenção de um visto

53.      A este respeito, devo salientar, antes de mais, que o direito da União não confere aos nacionais de países terceiros um direito de entrada no território dos Estados‑Membros nem um direito subjetivo à obtenção de um visto. Subscrevo plenamente a posição dos advogados‑gerais P. Mengozzi, M. Bobek e M. Szpunar, que rejeitaram de forma unânime a existência de tais direitos, baseando‑se numa análise aprofundada do Código de Vistos, tendo em conta, designadamente, o seu objetivo legislativo, o conteúdo normativo das suas disposições e as especificidades da política comum de vistos. Para evitar repetições, permito‑me remeter para as respetivas conclusões apresentadas nos processos em causa, reservando‑me, no entanto, o direito de evocar algumas das suas observações que me parecem mais pertinentes para os presentes processos.

54.      Como salientou corretamente o advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (18), o visto não é concebido como um direito, mas como uma obrigação imposta a quem pretende permanecer por curta duração no território de um Estado‑Membro, ou seja, como um pré‑requisito da entrada no território da União. O visto constitui uma ferramenta de controlo das entradas e, portanto, dos fluxos migratórios (19). O advogado‑geral P. Mengozzi observou igualmente que a ação empreendida na União no domínio dos vistos prossegue claramente um objetivo de tipo mais defensivo, a saber lutar contra a imigração clandestina e evitar o «visa shopping», ou seja, evitar que um Estado‑Membro adote uma política de vistos notoriamente mais favorável aos requerentes, e que esta política venha a representar um potencial risco de destabilização do espaço Schengen devido à inexistência de controlo nas fronteiras internas (20). É precisamente por esta razão que o Código de Vistos estabelece uma obrigação de recusa de um visto quando as condições exigidas ao requerente não estejam preenchidas. (21). Por conseguinte, é evidente que, na medida em que a harmonização parcial prevista pelo Código de Vistos visa a aplicação uniforme das regras, designadamente dos motivos de recusa, isso não implica que os Estados‑Membros devam emitir um visto em todas as circunstâncias (22).

55.      O advogado‑geral M. Bobek, por sua vez, chegou à mesma conclusão no processo El Hassani (23), assinalando que a simples exigência de um visto já se opõe, per se, à ideia de um direito subjetivo de entrada no território dos Estados‑Membros (24). Fez referência ao artigo 2.o, n.o 2, alínea a), do Código de Vistos, do qual resulta que um visto é «uma autorização emitida por um Estado‑Membro para efeitos de trânsito ou estada prevista no território dos Estados‑Membros de duração não superior a três meses […]». Há que observar que a obrigação de obter uma autorização — ou seja, um consentimento prévio na aceção do direito administrativo — que condiciona o acesso dos nacionais de países terceiros ao território dos Estados‑Membros pressupõe logicamente a inexistência de qualquer automatismo no procedimento de emissão dos vistos. Por conseguinte, foi com razão que os advogados‑gerais P. Mengozzi e M. Bobek se opuseram a uma interpretação do Código de Vistos segundo a qual existe um direito subjetivo à obtenção de um visto. Além disso, devo sublinhar que resulta claramente da redação do artigo 30.o do Código de Vistos que o facto de estar na posse de um visto uniforme ou de um visto com validade territorial limitada não basta para conferir um direito de entrada irrevogável.

56.      Na minha opinião, também não se pode deduzir nenhum direito subjetivo das disposições da Carta, uma vez que as mesmas disposições apenas conferem a nacionais de países terceiros direitos em matéria de liberdade de circulação em duas situações específicas. Em primeiro lugar, o artigo 15.o, n.o 3, da Carta dispõe que os nacionais de países terceiros autorizados a trabalhar no território dos Estados‑Membros têm direito a condições de trabalho equivalentes às de que beneficiam os cidadãos da União. Em segundo lugar, o artigo 45.o, n.o 2, da Carta dispõe que «[a] liberdade de circulação e de residência pode ser concedida, nos termos dos Tratados, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado‑Membro». Como salientou o advogado‑geral M. Szpunar nas suas Conclusões no processo Fahimian (25), a Carta pressupõe, portanto, o requisito prévio de ter ocorrido uma entrada legal na União e não cria esse direito (26).

57.      À luz das considerações precedentes, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o interesse que o destinatário de uma decisão administrativa pode ter determina se a fundamentação que nela figura deve ser considerada suficiente, e visto que o requerente não pode invocar nenhum direito subjetivo relativamente à administração, não me parece que não seja razoável aceitar um menor grau de precisão da fundamentação de uma decisão de recusa de visto.

3)      Emissão de um visto como exercício de um poder soberano

58.      A inexistência de um direito subjetivo, ou seja, de um «interesse legítimo protegido pelo direito» da União (27), «obrigando [esta última] a empreender uma determinada ação para o titular desse direito subjetivo» (28), é reveladora de uma posição do requerente de visto relativamente ao Estado que se pode qualificar de frágil. Todavia, parece‑me que foi isso que o legislador quis quando da adoção do Código de Vistos, sobretudo se considerarmos que a emissão de um visto ao nacional de um Estado terceiro constitui o exercício de um poder soberano, como observou o advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki. Mais precisamente, recordou que o direito dos Estados de controlarem a entrada dos não‑nacionais no seu território está abrangido pela soberania do Estado enquanto princípio de direito internacional (29).

59.      O advogado‑geral M. Szpunar desenvolveu este argumento nas suas Conclusões no processo Fahimian, explicando que, ao abrigo do atual direito internacional público, a primeira entrada para efeitos de migração legal é uma área na qual os Estados‑Membros gozam de uma margem de apreciação quase ilimitada (30). Segundo as observações do advogado‑geral M. Szpunar, esta soberania não é posta em causa pelas obrigações internacionais dos Estados‑Membros decorrentes dos Tratados em matéria de direitos humanos (31), que, em todo o caso, também não foram invocados pelos recorrentes nos processos principais para obter o acesso ao território do Reino dos Países Baixos. Do mesmo modo, o facto de os Estados‑Membros terem voluntariamente assumido obrigações no que respeita à proteção internacional dos refugiados, por mais importantes que sejam, não basta, por si só, para pôr em causa o seu pleno poder de decidir se os nacionais de países terceiros podem aceder ao seu território. Dito isto, importa, por uma questão de clareza, especificar que o regime de asilo da União, incluindo o princípio da «não repulsão», não é aplicável ao caso em apreço, uma vez que os recorrentes nos processos principais não pretendem obter o estatuto de refugiados ao abrigo das regras e procedimentos de direito internacional.

60.      Por uma questão de exaustividade, importa salientar que não parece que os recorrentes no processo principal possam invocar disposições do direito da União em matéria de imigração, que autorizam uma residência legal a certos membros da família de um nacional de um país terceiro no território dos Estados‑Membros. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (32), «impõe aos Estados‑Membros obrigações positivas precisas, às quais correspondem direitos subjetivos claramente definidos, uma vez que lhes exige, nas hipóteses determinadas pela diretiva, que autorizem o reagrupamento familiar de certos membros da família do requerente do reagrupamento sem que possam exercer a sua margem de apreciação» (33). Ora, na falta de qualquer indicação concreta nesse sentido nas decisões de reenvio, há que considerar que os recorrentes nos processos principais não apresentaram nenhum pedido de reagrupamento familiar. Também não é evidente que preencham os critérios de membros da família especificados nesta diretiva. Por conseguinte, há que partir do princípio de que esta norma não é aplicável ao caso em apreço.

4)      Regime de vistos como instrumento de política externa e de segurança

61.      Outro argumento que me parece confirmar o estatuto jurídico bastante frágil do requerente face ao Estado no âmbito de um procedimento de emissão de visto está relacionado com a natureza do regime dos vistos como instrumento de política externa e de segurança(34); este argumento foi igualmente invocado pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (35) e desenvolvido pelo advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani (36). Com efeito, o domínio da política externa e de segurança comum da União é caracterizado por uma influência decisiva dos Estados‑Membros no processo de decisão no Conselho da União Europeia, que dá origem a ações e posições comuns, mantendo os Estados‑Membros um amplo poder discricionário nos seus votos, o que demonstra claramente o modo como exercem a sua soberania (37). A unanimidade exigida para a tomada de tais decisões nos termos do artigo 24.o, n.o 2, TUE e do artigo 31.o TUE, bem como o papel secundário atribuído ao Parlamento no artigo 36.o TUE, evidenciam igualmente a preocupação de salvaguardar a sua soberania, na medida em que estes dois elementos têm o efeito de impedir a adoção de uma política externa e de segurança específica, sem o seu acordo (38). É de notar que os Tratados da União reconhecem expressamente as responsabilidades dos Estados‑Membros na elaboração e condução da sua política externa e na sua representação nacional em países terceiros e em organizações internacionais (39). Todos estes fatores influenciam a política da União em matéria de vistos, embora as decisões nesta matéria tenham sido sujeitas a votação por maioria qualificada no contexto da revisão dos Tratados. Na prática, os Estados‑Membros desempenham um papel determinante (40).

62.      A este propósito, observar‑se‑á que vários acordos celebrados pela União e pelos seus Estados‑Membros com países terceiros, bem como outros atos jurídicos, preveem uma liberalização do regime de vistos que facilite as deslocações, a atividade económica e os contactos entre as pessoas. Estes acordos e atos jurídicos fazem parte de uma estratégia que reflete os interesses da União e dos seus Estados‑Membros no domínio da política externa e de segurança comum(41). Esta estratégia pode variar em função das relações internacionais, mas também de acordo com os vários grupos de países terceiros. Podem conceder‑se privilégios, tais como a isenção da obrigação de visto, aos nacionais de certos países terceiros com base no princípio da reciprocidade e subordinar‑se a condições específicas sujeitas a fiscalização por parte da União e dos seus Estados‑Membros (42). Por conseguinte, podem igualmente ser revogados quando as condições para a sua concessão deixarem de estar preenchidas. Da mesma forma, devem poder ser revogados quando a reciprocidade da concessão deixar de estar assegurada, como o advogado‑geral P. Mengozzi salientou corretamente no processo Koushkaki (43). Quando tomam decisões sobre a conveniência de celebrar tais acordos, a União e os Estados‑Membros exercem os seus poderes soberanos e asseguram que essas decisões satisfazem as necessidades que identificaram; assumem assim as suas responsabilidades relativamente aos cidadãos da União.

63.      É à luz das considerações precedentes que o Código de Vistos deve, na minha opinião, ser interpretado. Não se pode esquecer que, na medida em que o Código de Vistos confere um certo estatuto jurídico aos nacionais de países terceiros, este estatuto jurídico é determinado pela União e pelos seus Estados‑Membros no exercício da sua vontade soberana. Por conseguinte, há que concluir que, no estado atual do desenvolvimento do direito da União em matéria de vistos, o indivíduo é apenas um «beneficiário» com direitos limitados, devendo o seu estatuto jurídico obedecer aos objetivos definidos pela União e pelos seus Estados‑Membros no âmbito da política externa e de segurança.

5)      Ampla margem de apreciação das autoridades nacionais quanto à determinação da elegibilidade de uma pessoa para obter um visto

64.      Outro aspeto, relacionado com o exercício da soberania e que me parece pertinente para efeitos da presente análise, suscita algumas observações, a saber, o papel das autoridades nacionais na análise dos pedidos de visto.

65.      Antes de mais, observe‑se que, nos termos do artigo 32.o, n.o 1, alínea a), vi), do Código de Vistos, o visto é recusado se o requerente for «considerado uma ameaça» na aceção do artigo 2.o, ponto 19, do Código das Fronteiras Schengen, o que pressupõe, em primeiro lugar, uma avaliação dos riscos pelas autoridades competentes, prevista no artigo 21.o do Código de Vistos e, em segundo lugar, que não é necessária uma certeza absoluta quanto à existência de uma verdadeira ameaça. Pelo contrário, parece que basta, em princípio, que se verifiquem determinados indícios que sugerem riscos para os interesses legítimos em questão na aplicação desta disposição (44). Com efeito, essa interpretação poderá ser explicada pelo caráter preventivo do regime dos vistos, concebido com o objetivo de proteger a segurança, em todo o Espaço Schengen, de riscos externos como a migração clandestina e o tráfico de seres humanos (45). Por conseguinte, é possível, em princípio, defender que as autoridades nacionais podem basear‑se nos indícios de que dispõem para se opor à emissão de um visto, sem serem obrigados a obter a certeza absoluta de que o requerente constitui efetivamente uma ameaça. Por uma questão de coerência, convém impor exigências menos estritas à fundamentação de uma decisão de recusa.

66.      Observe‑se também que, no Acórdão proferido no processo Koushkaki (46), o Tribunal de Justiça salientou a ampla margem de apreciação de que dispõem as autoridades nacionais para determinar a elegibilidade de uma pessoa para obter um visto. Resulta deste acórdão que a apreciação da situação individual de um requerente de visto, para determinar se ao seu pedido não se opõe um motivo de recusa, implica avaliações complexas baseadas, nomeadamente, na personalidade do requerente, na sua inserção no país onde reside, na situação política, social e económica deste último, bem como na eventual ameaça que a chegada desse requerente represente para a ordem pública, a segurança interna, a saúde pública ou as relações internacionais de um dos Estados‑Membros (47). Segundo o Tribunal de Justiça, essas avaliações complexas implicam a elaboração de prognósticos sobre o comportamento previsível do referido requerente e devem, nomeadamente, assentar num vasto conhecimento do país de residência deste último e no exame de vários documentos, cuja autenticidade e veracidade do conteúdo deve ser verificada, e das declarações do requerente, cuja fiabilidade deverá ser apreciada, como previsto no artigo 21.o, n.o 7, do Código de Vistos (48).

67.      No seu acórdão proferido no processo El Hassani, o Tribunal de Justiça reiterou a ampla margem de apreciação de que beneficiam as autoridades nacionais no que diz respeito às condições de aplicação dos motivos de recusa previstos no Código de Vistos e à avaliação dos factos pertinentes (49).

68.      É importante salientar que o Tribunal de Justiça se baseou no mesmo raciocínio no Acórdão Fahimian, que dizia respeito à interpretação da Diretiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado (50), ou seja, a um ato jurídico diferente do Código de Vistos, mas também do domínio da política de imigração. Assim, o Tribunal de Justiça sublinhou a ampla margem de apreciação reconhecida às autoridades nacionais na avaliação dos factos pertinentes destinada a determinar se os motivos enunciados no artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/114 relacionados com a existência de uma ameaça, designadamente, para a segurança pública, se opõem à admissão do nacional do país terceiro (51). O Tribunal de Justiça declarou que cabe a estas autoridades nacionais, a fim de determinar se o requerente de visto representa uma ameaça, ainda que potencial, para a segurança pública, efetuar uma apreciação global de todos os elementos que caracterizam a situação dessa pessoa (52). Parece‑me pertinente sublinhar que o Tribunal de Justiça se baseou numa aplicação análoga da sua jurisprudência no processo Koushkaki (53), acima referido.

69.      Na minha opinião, essa margem de apreciação conferida às autoridades nacionais quanto à determinação da elegibilidade de uma pessoa para obter um visto confirma o frágil estatuto jurídico que o Código de Vistos concede ao requerente.

6)      O quadro jurídico aplicável à cidadania da União e ao mercado interno não é transponível para a situação de um requerente de visto

i)      Os recorrentes no processo principal não beneficiam de nenhum estatuto privilegiado

70.      Resulta das decisões de reenvio que alguns membros da família dos recorrentes nos processos principais residem nos Países Baixos. A questão que se coloca é, portanto, a de saber se os recorrentes nos processos principais beneficiam, de alguma forma, de um estatuto privilegiado pelo facto de esses familiares residirem no território de um Estado‑Membro da União. Poderá conceber‑se, pelo menos em teoria, uma certa relação com as liberdades fundamentais do mercado interno da União.

71.      Na minha opinião, esta questão exige claramente uma resposta negativa. O quadro jurídico aplicável ao mercado interno da União não é transponível para a situação do requerente de visto, o que constitui uma outra razão importante pela qual não pode ser concedida a esse requerente uma proteção análoga à de uma pessoa que exerce o direito de livre circulação e de residência. Penso, em especial, nas regras relativas ao tratamento dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro.

72.      Como o Tribunal de Justiça declarou na sua jurisprudência, o legislador da União alargou consideravelmente a aplicação do direito da União em matéria de entrada e de residência no território dos Estados‑Membros aos nacionais de Estados terceiros, cônjuges de nacionais de Estados‑Membros (54). Mais concretamente, a Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (55), confere a qualquer nacional de um país terceiro, que seja membro da família de um cidadão da União na aceção do artigo 2.o, ponto 2, desta diretiva e que acompanhe ou se reúna a esse cidadão da União num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro de que tem a nacionalidade, direitos de entrada e de residência no Estado‑Membro de acolhimento.

73.      A esse respeito, importa todavia recordar que as regras aplicáveis a esta categoria de pessoas visam, na realidade, assegurar a livre circulação do cidadão da União. O legislador da União reconheceu a importância de assegurar a proteção da vida familiar dos nacionais dos Estados‑Membros, a fim de eliminar os obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelos Tratados (56). Se os cidadãos da União não fossem autorizados a ter uma vida familiar normal no Estado‑Membro de acolhimento, o exercício das liberdades que o Tratado lhes garante ficaria seriamente comprometido (57). O artigo 21.o, n.o 1, TFUE e as disposições da Diretiva 2004/38 não conferem qualquer direito autónomo aos nacionais de Estados terceiros. Os eventuais direitos conferidos a esses nacionais pelas disposições do direito da União respeitantes à cidadania da União são direitos derivados do exercício da liberdade de circulação por parte de um cidadão da União (58).

74.      Por conseguinte, além de ser improvável que estas disposições sejam aplicáveis aos processos em questão, uma vez que os recorrentes nos processos principais não parecem constituir membros da família na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2004/38, parece‑me evidente que a intenção do legislador da União não era alargar o círculo dos beneficiários a outras pessoas não expressamente previstas nesta diretiva. Como foi explicado no número anterior, a decisão de alargar os direitos de entrada e de residência a certos membros da família do cidadão da União obedece a uma certa lógica estritamente ligada ao direito do mercado interno e aos direitos fundamentais. Os Estados‑Membros representados no Conselho enquanto órgãos colegisladores concordaram voluntariamente, com base numa decisão soberana, em conferir direitos a um círculo específico de beneficiários a fim de desenvolver o conceito de cidadania da União e de consolidar o mercado interno, o que exclui, por conseguinte, qualquer aplicação análoga do artigo 21.o, n.o 1, TFUE e das disposições da Diretiva 2004/38 a outras categorias de nacionais de países terceiros.

ii)    Proteção da segurança pública no direito do mercado interno

75.      O mesmo se aplica aos conceitos jurídicos relacionados com a cidadania da União ou abrangidos pelo domínio do mercado interno, como o conceito de motivos de «segurança pública» enquanto exceção à regra geral da livre circulação. Como já referi anteriormente nas presentes conclusões (59), as garantias do Estado de direito, designadamente o dever de fundamentar os atos administrativos, podem ser restringidas no interesse da segurança pública. Embora esta afirmação geral seja, em princípio, correta, é, no entanto, necessário fazer algumas precisões importantes. O facto de o Código de Vistos e as disposições que aplicam as liberdades do mercado interno fazerem referência à «segurança pública» não implica que se trate do mesmo conceito jurídico e que este deva ser interpretado da mesma forma. Em conformidade com o que já foi dito anteriormente (60), o contexto de uma disposição na ordem jurídica da União influencia de forma decisiva a sua interpretação.

76.      Foi por esta razão que o advogado‑geral M. Szpunar recusou, corretamente, transpor a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às exceções à regra geral da livre circulação para o regime de vistos, em causa nos processos principais. Como observou no processo Fahimian, é compreensível que estas exceções sejam objeto de uma interpretação restritiva (61), na medida em que importa assegurar o funcionamento do mercado interno. O advogado‑geral M. Szpunar invocou outros argumentos relevantes para afastar a transposição dos conceitos jurídicos do domínio do mercado interno para o regime dos vistos, como por exemplo a diferença de estrutura normativa (62). O facto de não ser considerado uma ameaça para a segurança pública não constitui uma exceção a um direito de entrada interpretado de forma ampla, mas apenas uma condição negativa aplicável a um direito de entrada. Como salientou o advogado‑geral M. Szpunar, o contexto é simplesmente diferente do do mercado interno, e esse contexto é um elemento relevante. O domínio específico do direito da imigração da União implica que um nacional de um país terceiro não beneficie dos mesmos direitos que um nacional de um Estado‑Membro, isto é, um cidadão da União. Além disso, o advogado‑geral M. Szpunar salientou, depois de ter indicado que a Diretiva 2004/114 tem por base o artigo 79.o TFUE, que consta da parte 3, título V, do Tratado FUE, que a conceção da ordem pública e da segurança pública no âmbito do direito de livre circulação não é a mesma que no âmbito do direito de imigração (63). Neste contexto, fez referência ao artigo 72.o TFUE, que estabelece uma reserva relativamente à responsabilidade que incumbe aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e da garantia da segurança interna, e sobre o qual voltarei a debruçar‑me mais adiante na minha análise.

77.      Decorre das considerações precedentes que o estatuto jurídico de um requerente de visto não pode ser equiparado ao de um cidadão da União ou de um membro da sua família nacional de um país terceiro. Por conseguinte, há que excluir qualquer aplicação por analogia, ao regime de vistos, dos conceitos jurídicos relativos à cidadania da União e ao mercado interno.

iii) Os princípios desenvolvidos no processo ZZ não são integralmente transponíveis para o caso em apreço

78.      Tenho algumas hesitações em concordar com a proposta da Comissão que visa aplicar por analogia os princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no processo ZZ (64) ao caso em apreço. Como a própria Comissão admitiu nas suas observações escritas, o contexto factual distingue‑se daquele dos processos examinados no caso em apreço, caracterizando‑se por uma menor intensidade da ingerência das autoridades. No processo ZZ, foi recusado a um cidadão da União o acesso ao Estado‑Membro onde viviam a sua mulher e os seus filhos e onde ele próprio tinha residido durante anos com o fundamento de que a sua presença no Estado‑Membro de acolhimento era prejudicial para a segurança pública. Em contrapartida, nos processos principais, os recorrentes são nacionais de países terceiros sem qualquer vínculo com um Estado‑Membro, aos quais foi recusada a emissão de um visto. Consequentemente, os processos situam‑se em contextos jurídicos muito diferentes, uma vez que, no processo ZZ, o Tribunal de Justiça foi chamado a interpretar as disposições da Diretiva 2004/38 e não, como nos processos principais, as do Código de Vistos.

79.      Tendo em conta as diferenças significativas nos planos factual e jurídico, e tendo em conta as considerações precedentes, considero que é necessário ser prudente no que diz respeito à aplicação sem reservas dos princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no processo ZZ, ainda que os presentes processos abordem uma problemática semelhante. Esta semelhança não deve permitir ocultar o facto de o legislador da União ter efetuado uma ponderação de interesses entre, por um lado, o dever de fundamentar uma decisão administrativa e, por outro, a salvaguarda da segurança pública, tendo em conta um contexto jurídico muito diferente daquele do mercado interno, no qual a proteção da segurança pública desempenha um papel central, como explicarei nos números seguintes.

b)      Razões relacionadas com a proteção da segurança pública

80.      Como já foi acima referido (65), o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admite limitações ao exercício dos direitos consagrados por esta, incluindo a um recurso efetivo, sob certas condições. De um ponto de vista teórico, as restrições ao exercício dos direitos podem ser justificadas por objetivos de interesse geral reconhecidos pela União. Observe‑se, a este respeito, que todos os Estados‑Membros que apresentaram observações nos presentes processos invocaram a proteção da ordem pública e da segurança nacional como razão para não divulgar informações consideradas confidenciais. A proteção da segurança pública, sobretudo no que diz respeito à gestão de dados sensíveis, constitui tal objetivo de interesse geral, como confirmam várias disposições que garantem a confidencialidade das informações por razões de segurança.

81.      Ao abrigo do artigo 346.o, n.o 1, TFUE, um Estado‑Membro que tenha levantado objeções não é obrigado a fornecer informações sobre os motivos pelos quais o requerente é qualificado de ameaça para a segurança interna na aceção do artigo 32.o, n.o 1, alínea a), vi), do Código de Vistos, uma vez que a comunicação de informações relativas à segurança constitui um domínio particularmente sensível.

82.      Além disso, o artigo 72.o TFUE prevê que a política comum em matéria de imigração e de controlo das fronteiras externas não prejudica o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna (66). Esta competência abrange igualmente a introdução e a aplicação de disposições em matéria de conservação sob controlo oficial de documentos confidenciais e de divulgação desses documentos a terceiros. Este princípio da responsabilidade dos Estados‑Membros foi igualmente retomado pela União no âmbito do disposto no artigo 8.o, n.o 3, do Código de Vistos, relativo aos acordos de representação, que prevê que devem ser observadas as regras aplicáveis em matéria de proteção de dados e de segurança.

83.      O Tribunal de Justiça, por sua vez, reconheceu na sua jurisprudência que «considerações imperiosas respeitantes à segurança da União ou dos seus Estados‑Membros ou à condução das suas relações internacionais se podem opor à comunicação de determinadas informações ou de determinados elementos de prova à pessoa em causa» (67). Consequentemente, em casos excecionais e, em especial, por razões de segurança do Estado, é possível privar os interessados de determinadas informações. Isto é válido para um procedimento administrativo como o da concessão de vistos, mas também no âmbito de um processo judicial na sequência da interposição de um recurso, como explicarei posteriormente.

c)      Conclusão intercalar

84.      À luz das observações precedentes, chego a uma conclusão intercalar que pode ser resumida da seguinte forma.

85.      O formulário‑tipo constante do anexo VI do Código de Vistos permite aos Estados‑Membros fornecer ao requerente uma fundamentação com um grau de pormenor suficiente, que toma em consideração o estatuto jurídico deste último.

86.      Ainda que, no estádio atual de evolução do direito da União, os Estados‑Membros não estejam obrigados a fornecer uma fundamentação detalhada, nada os impede de incluir «observações» no formulário‑tipo a fim de facilitar uma fiscalização da legalidade.

87.      O legislador da União pode igualmente rever a forma como a recusa de emissão de um visto é comunicada ao requerente, após ter procedido a uma nova ponderação dos interesses em jogo. Com efeito, é o que o legislador acaba de fazer com a adoção do Regulamento (UE) 2019/1155 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, que altera o Código de Vistos (68). Esta revisão legislativa efetua alterações importantes, na medida em que o novo formulário‑tipo passa separa agora, por um lado, a categoria de «ameaça para a ordem pública ou a segurança interna» e, por outro, a de «ameaça para a saúde pública». Os três motivos de recusa são, portanto, agora repartidos em três quadros distintos. Importa salientar igualmente o considerando 15 do novo regulamento, do qual resulta que «[a] notificação de recusa deverá fornecer informações pormenorizadas sobre os motivos de recusa e as vias de recurso contra as decisões de recusa de um visto. Durante os procedimentos de recurso, deverá ser dado aos requerentes acesso a todas as informações pertinentes para o seu caso, de acordo com o direito nacional». Verifica‑se, assim, a vontade do legislador de ajustar gradualmente o estatuto jurídico do requerente de visto a fim de melhor responder às exigências de transparência impostas pelo direito a um recurso efetivo.

3.      Fiscalização da legalidade a que a decisão de recusa está sujeita

88.      As constatações precedentes relativas ao estatuto jurídico do requerente de visto e ao modo como os motivos de recusa são comunicados ao requerente têm consequências importantes para a análise do alcance da fiscalização jurisdicional no âmbito do recurso previsto no artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta, como se demonstrará nas presentes conclusões.

a)      As modalidades da fiscalização da legalidade fazem parte do direito nacional

89.      O legislador da União conferiu ao requerente o direito a um recurso em conformidade com a ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, o que tem por consequência que os procedimentos de fiscalização da legalidade podem variar de um Estado‑Membro para outro. São, em princípio, possíveis procedimentos de natureza administrativa, jurisdicional ou mesmo mista (69). A este respeito, o Tribunal de Justiça prestou esclarecimentos úteis para a interpretação das disposições acima referidas, afirmando no seu acórdão proferido no processo El Hassani que, embora «as modalidades do processo de recurso das decisões de recusa de vistos façam parte da ordem jurídica de cada Estado‑Membro no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, [e]ste processo deve garantir, numa determinada fase do processo, um recurso jurisdicional» (70).

90.      Cumpre, aliás, reiterar também no presente contexto que, na medida em que a ordem jurídica interna prevê «procedimentos mistos», por exemplo, a possibilidade de apresentar uma queixa junto da autoridade que emitiu a decisão de recusa (ou junto da autoridade administrativa superior encarregada da supervisão jurídica), nada impede os Estados‑Membros de fornecerem, na medida do possível, informações mais pormenorizadas. Dito isto, observe‑se que, contrariamente ao que sugere a redação da primeira questão prejudicial, parece que os recorrentes no processo principal obtiveram legalmente informações mais detalhadas das autoridades neerlandesas, nomeadamente sobre os Estados‑Membros que emitiram objeções contra a emissão de visto. Por conseguinte, como foi anteriormente indicado na análise (71), o procedimento em vigor nos Países Baixos parece garantir um mínimo de transparência.

91.      A importância dessa fiscalização da legalidade não deve ser subestimada. Como indicou o advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki, o objetivo do regime de vistos consiste, em substância, em implementar um procedimento em condições «mais visíveis e mais legíveis para o requerente, de modo a garantir‑lhe um tratamento digno e que respeite a sua humanidade» (72). O advogado‑geral M. Bobek, por sua vez, recordou que «existe o direito a que o pedido [de visto] seja adequada e legalmente tratado e esse direito pode constituir a base para a revisão judicial da decisão sobre o pedido» (73). Contudo, uma questão importante que deve ser analisada nas presentes conclusões a fim de responder à primeira questão prejudicial diz respeito ao rigor com que deve ser efetuada a fiscalização jurisdicional das decisões de recusa de vistos.

b)      Uma fiscalização jurisdicional menos profunda como consequência das prerrogativas do Conselho no domínio da política externa e de segurança comum

92.      Enquanto instrumento da política externa e de segurança da União (74), o regime de vistos depende das prerrogativas atribuídas ao Conselho neste domínio, o que permite a este último adaptá‑lo em função da situação das relações internacionais e das exigências de segurança. Apoiado pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, o Conselho é o melhor colocado para definir esta política e aplicá‑la a nível regulamentar, incluindo no que respeita ao acesso de nacionais de países terceiros ao território da União. Pode avaliar se é oportuno manter ou alterar a política de vistos com base em informações recolhidas pelos diferentes serviços da União e dos seus Estados‑Membros (75). Por conseguinte, exerce as suas competências neste domínio no interesse da realização efetiva dos objetivos estabelecidos pelos Tratados (76).

93.      Nos termos do artigo 13.o, n.o 2, TUE, «[c]ada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem». Esta disposição traduz o princípio do equilíbrio institucional, característica da estrutura institucional da União, que implica que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas das outras (77). A repartição de competências no seio da União e as prerrogativas do Conselho no domínio da política externa e de segurança comum implicam necessariamente que às outras instituições deve ser atribuído um papel menos preponderante (78). O mesmo se aplica em relação à fiscalização jurisdicional dos atos adotados pelo Conselho, como demonstram o artigo 24.o, n.o 1, TUE e o artigo 275.o TFUE, que excluem expressamente a competência do Tribunal de Justiça neste domínio, à exceção dos aspetos abrangidos pelo artigo 40.o TUE, relativos aos procedimentos e ao alcance das respetivas atribuições das instituições, e da fiscalização da legalidade das medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas (79). Como explicarei nas presentes conclusões, estas considerações são relevantes para especificar qual é o alcance da fiscalização jurisdicional a nível nacional no que diz respeito às decisões tomadas no domínio dos vistos.

94.      A ordem constitucional dos Estados‑Membros prevê uma repartição de competências semelhante à descrita nos números anteriores, conferindo tradicionalmente ao poder executivo prerrogativas no domínio da política externa e de segurança, e isto pelos mesmos motivos que mencionei. Em geral, incumbe ao poder executivo de um Estado formular a política externa e assumir a representação diplomática e consular no estrangeiro (80). De acordo com o raciocínio exposto nas presentes conclusões, parece‑me que a fiscalização jurisdicional de atos intrinsecamente ligados a este domínio, como as decisões em matéria de vistos, deveria ser mais restrita.

95.      A este respeito, devo recordar que o juiz nacional é competente para aplicar o direito aos processos que lhe são submetidos, pelo que é chamado a apreciar os factos e a decidir as questões jurídicas que possam surgir. Em contrapartida, o juiz nacional não dispõe geralmente de nenhuma competência ou perícia em matéria de política externa e de segurança. Além disso, não dispõe da legitimidade necessária, na sua ordem constitucional, para tomar decisões neste domínio particularmente sensível. Por outro lado, não se pode excluir que as suas ações prejudiquem mesmo os objetivos prosseguidos pelos órgãos do Estado designados para exercer essa função. Por conseguinte, querer atribuir ao juiz nacional uma função que este não consegue cumprir não me parece ser uma abordagem realista. Todavia, parece‑me que é precisamente a isso que conduziria uma fiscalização jurisdicional ilimitada, suscetível de obrigar o juiz a verificar, de cada vez, a totalidade dos motivos subjacentes a uma decisão de recusa de visto para responder às exigências do direito da União.

96.      Após ter tido em conta todos os aspetos acima referidos no âmbito da interpretação do artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, estou convencido de que, nos casos em apreço, se impõe uma fiscalização jurisdicional menos profunda pelo juiz nacional. Saliento, a este respeito, que não sou o único advogado‑geral do Tribunal de Justiça a apoiar esta tese, como demonstrarei nos números seguintes.

c)      Os EstadosMembros podem prever uma fiscalização jurisdicional menos profunda

97.      Com efeito, partilho sem reservas da opinião dos advogados‑gerais M. Bobek e M. Szpunar, que se pronunciam a favor de uma fiscalização jurisdicional menos profunda, apoiando‑se a sua argumentação na ampla margem de apreciação de que dispõem as autoridades decisoras quanto à elegibilidade de uma pessoa para obter um visto.

98.      Como observou corretamente o advogado‑geral M. Bobek, «a margem de apreciação ampla das autoridades dos Estados‑Membros implica, logicamente, um nível mais ligeiro da revisão judicial a ser desempenhada pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros» (81). O advogado‑geral M. Szpunar, por sua vez, observa que «uma ampla margem de apreciação implica uma fiscalização jurisdicional limitada Se assim não fosse, a margem de apreciação ficaria esvaziada de sentido e o poder judiciário estaria a desempenhar as tarefas do executivo» (82). Este argumento parece‑me particularmente convincente num contexto como o do domínio dos vistos, em que, como já expliquei, as autoridades competentes têm de efetuar avaliações complexas a fim de proteger a segurança em todo o espaço Schengen contra riscos externos, sem terem de ter a certeza absoluta de que existe uma ameaça concreta (83). Um tribunal nacional não pode tomar o lugar das autoridades competentes, que, aliás, dispõem da competência e dos meios para levar a cabo esta tarefa.

99.      Além disso, parece‑me que a argumentação do advogado‑geral P. Mengozzi vai no mesmo sentido quando escreve que o processo de recurso foi concebido para evitar decisões arbitrárias (84). Uma fiscalização destinada a combater a arbitrariedade implica, por definição, a existência de um limiar relativamente elevado para determinar a ilegalidade de uma decisão administrativa (85).

100. Esta interpretação foi confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no acórdão proferido no processo Fahimian, declarou que o órgão jurisdicional nacional devia ter competência para apreciar todas as questões pertinentes, sendo, no entanto, a fiscalização limitada à apreciação da «inexistência de erro manifesto» (86).

101. Esta conclusão significa, na minha opinião, que o próprio órgão nacional chamado a exercer a fiscalização jurisdicional de uma decisão de recusa de visto tomada pela Administração pelo facto de a pessoa em causa ser considerada uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna ou a saúde pública, ou para as relações internacionais de um Estado‑Membro, na aceção do artigo 32.o, n.o 1, alínea a), vi), do Código de Vistos, deve ter a possibilidade de verificar se o procedimento de consulta das autoridades centrais dos outros Estados‑Membros, descrito no artigo 22.o do Código de Vistos, foi aplicado corretamente e se as garantias processuais foram respeitadas no caso em apreço.

102. No que diz respeito ao mérito da decisão de recusa, a fiscalização jurisdicional deve prever a possibilidade de o referido órgão nacional verificar se os limites da margem de apreciação exercida pela administração para determinar a elegibilidade do requerente para obter um visto não foram ultrapassados. Para o efeito, o órgão jurisdicional deverá examinar se os elementos pertinentes de que depende o exercício do poder de apreciação estavam reunidos. Na falta de erro manifesto de apreciação por parte da administração, o órgão jurisdicional deve concluir pela legalidade da decisão de recusa de visto.

103. A fim de examinar se há erro manifesto de apreciação, o órgão jurisdicional deve basear‑se nas informações contidas no processo judicial, o que inclui o formulário‑tipo devidamente preenchido, eventuais «observações» que sustentem a decisão de recusa, bem como outras informações eventualmente fornecidas pela administração no âmbito do procedimento administrativo e pré‑contencioso. O órgão jurisdicional deve ter em conta as circunstâncias específicas de cada caso individual, em especial as preocupações legítimas de segurança quanto à natureza e às fontes de informação.

d)      Como conciliar as preocupações legítimas de segurança dos EstadosMembros com as garantias processuais exigidas pelo Estado de direito?

104. No exercício da fiscalização jurisdicional, as autoridades são ocasionalmente levadas a gerir dados confidenciais, o que suscita a questão de saber como conciliar as preocupações legítimas dos Estados‑Membros com as garantias processuais exigidas pelo Estado de direito.

105. Em princípio, a resposta a esta questão decorre das observações precedentes, que têm em conta o estatuto jurídico do requerente de visto e as preocupações de segurança dos Estados‑Membros. No estado atual de evolução do direito da União, os Estados‑Membros não estão obrigados a fornecer uma apresentação exaustiva dos fundamentos da decisão de recusa, que poderia levá‑los a divulgar ou a permitir a divulgação de informações sensíveis que possam representar um risco grave para os seus interesses nacionais. Podem limitar‑se a pôr à disposição do órgão jurisdicional a informação contida no formulário‑tipo constante do anexo VI do Código de Vistos, incluindo as «observações», bem como outras informações fornecidas pela administração, por exemplo na sequência de uma queixa, a fim de facilitar a fiscalização da legalidade.

106. Na medida em que o direito da União prevê garantias mínimas, deixando aos Estados‑Membros a tarefa de determinar as modalidades do processo de recurso no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, nada os impede de pôr igualmente, sob certas condições, a informação qualificada de confidencial à disposição do órgão jurisdicional. Sendo caso disso, como reconheceu o Tribunal de Justiça na sua jurisprudência (87), os Estados‑Membros podem, a fim de proteger os seus interesses nacionais, solicitar ao órgão jurisdicional a aplicação de «técnicas que permitam conciliar, por um lado, as considerações legítimas de segurança quanto à natureza e às fontes de informação que foram tidas em conta para a adoção [da decisão de recusa] em causa e, por outro, a necessidade de garantir suficientemente ao litigante o respeito dos seus direitos processuais, como o direito de ser ouvido e o princípio do contraditório».

e)      Conclusão intercalar

107. Tendo em conta as considerações precedentes, chego à conclusão intercalar seguinte.

108. O direito da União prevê uma fiscalização jurisdicional limitada que tem em conta a natureza específica do procedimento de emissão de vistos.

4.      Resposta à primeira questão

109. Com base nesta análise, há que responder à primeira questão prejudicial que a decisão de recusa que o requerente de um visto recebe das autoridades nacionais, a saber, o formulário‑tipo com eventuais observações, responde, em princípio, às exigências do direito a um recurso efetivo nos termos do artigo 47.o da Carta. Ainda que, no estado atual de evolução do direito da União, os Estados‑Membros não estejam obrigados a fornecer uma fundamentação detalhada, nada os impede de incluir «observações» no formulário‑tipo, bem como outras informações fornecidas pela administração, por exemplo na sequência de uma queixa, a fim de facilitar a fiscalização da legalidade.

110. Na medida em que o direito da União prevê garantias mínimas, deixando aos Estados‑Membros a tarefa de determinar as modalidades do processo de recurso no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, nada os impede de disponibilizar igualmente, sob certas condições, informações qualificadas de confidenciais ao órgão jurisdicional. Sendo caso disso, os Estados‑Membros podem, a fim de proteger os seus interesses nacionais, solicitar ao órgão jurisdicional a aplicação de técnicas que permitam conciliar, por um lado, as preocupações legítimas de segurança quanto à natureza e às fontes de informação que foram tidas em conta para a adoção da decisão de recusa em causa e, por outro, a necessidade de garantir suficientemente ao litigante o respeito dos seus direitos processuais, como o direito de ser ouvido e o princípio do contraditório.

C.      Quanto à segunda questão

111. Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 41.o da Carta, que consagra o direito a uma boa administração, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática como a descrita na primeira questão prejudicial.

112. O artigo 41.o, n.o 1, da Carta prevê que todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. Resulta assim da redação do artigo 41.o da Carta que este não se dirige aos Estados‑Membros, mas unicamente às instituições, órgãos e organismos da União (88).

113. Por conseguinte, uma pessoa que contesta uma decisão de recusa de visto não se pode basear no artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta, relativa à obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões em qualquer processo relacionado com o seu pedido (89).

114. Contudo, importa referir que o direito a uma boa administração é inerente ao disposto no artigo 47.o da Carta, relativo ao direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo (90). O Tribunal de Justiça reconheceu que o direito a uma boa administração reflete um princípio geral do direito da União: o direito a um recurso efetivo (91). Este princípio encontra‑se atualmente consagrado no artigo 47.o da Carta (92).

115. Tendo em conta estas considerações, entendo que, nos processos principais, há que considerar que, nas circunstâncias mencionadas na primeira questão, o direito a uma boa administração é assegurado pelas mesmas razões que as expressas na resposta à primeira questão prejudicial, relativas à conformidade da situação analisada nos processos em causa com o artigo 47.o da Carta.

D.      Quanto à terceira e quarta questões

116. Proponho que seja dada uma resposta comum à terceira e quarta questões, uma vez que dizem respeito à possibilidade de interpor recurso da oposição à emissão de um visto deduzida por outro Estado‑Membro no âmbito do procedimento de consulta previsto no artigo 22.o do Código de Vistos.

1.      Limites da autonomia processual dos EstadosMembros

117. A este respeito, há que recordar que o Código de Vistos apenas concretiza uma harmonização legislativa parcial (93). Daqui resulta que este código não prevê nenhum procedimento específico que permita impugnar a apreciação do Estado‑Membro que levantou objeções à emissão de um visto com base no artigo 22.o, n.o 2, do Código de Vistos.

118. Além disso, há que salientar que o procedimento previsto no artigo 8.o, n.os 1 e 2, do Regulamento VIS não é aplicável ao caso em apreço, uma vez que os recorrentes no processo principal não são objeto de uma indicação para efeitos de recusa de visto no VIS nem de uma indicação para efeitos de recusa de entrada no espaço Schengen no SIS (94).

119. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer as modalidades processuais de recurso à justiça para salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (95). Posto isto, os Estados‑Membros não podem subtrair‑se às exigências impostas pelo direito consagrado no artigo 47.o da Carta no que diz respeito à tutela jurisdicional efetiva (96). Por conseguinte, são obrigados a prever vias de recurso adequadas nas suas ordens jurídicas (97). Como demonstrarei mais adiante, podem ser concebidas diversas opções, sem contudo favorecer um determinado modelo (98).

2.      Obrigação de informar os requerentes sobre as vias de recurso disponíveis

120. Neste contexto, coloca‑se a questão de saber se os Estados‑Membros estão obrigados a informar os requerentes sobre as vias de recurso disponíveis. A este respeito, observe‑se que não existe nenhuma disposição no Código de Vistos que regule expressamente este aspeto. No entanto, o artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos prevê a obrigação de fornecer aos requerentes as informações sobre as vias de recurso disponíveis contra a decisão de recusa de visto. Sou favorável a uma aplicação análoga desta disposição, pelas razões que exporei nas presentes conclusões.

121. Como foi acima explicado (99), a decisão de recusa reflete as conclusões do exame efetuado pelo Estado‑Membro encarregado de adotar a decisão final, bem como o resultado do procedimento de consulta previsto no artigo 22.o do Código de Vistos. Por conseguinte, pode supor‑se que a oposição deduzida por um ou vários Estados‑Membros corresponde a um elemento constitutivo da decisão administrativa. Na medida em que o artigo 32.o, n.o 2, do Código de Vistos prevê que o requerente deve ser informado do motivo de recusa através do formulário‑tipo constante do anexo VI do referido código, parece‑me coerente alargar esta obrigação de informação às vias de recurso disponíveis contra a oposição deduzida por um ou vários Estados‑Membros.

122. Impõe‑se uma aplicação, pelo menos análoga, do artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos a fim de assegurar a coerência e a eficácia da tutela jurisdicional no âmbito do recurso garantido pelo Código de Vistos. A aplicação do direito da União pelos órgãos administrativos nacionais obriga‑os inevitavelmente a numerosas interações, o que dá lugar a sobreposições e elementos de conexão. Numa situação como a dos casos em apreço, que implica a aplicação das normas de diversas ordens jurídicas, bem como a participação de várias entidades administrativas, a defesa dos direitos do litigante pode revelar‑se complexa. Para não a tornar ilusória, os Estados‑Membros deveriam, na minha opinião, ser obrigados a fornecer aos requerentes informações sobre as vias de recurso, a pedido ou na sequência de uma queixa (100).

123. Resulta do Despacho do Tribunal de Justiça no processo Guérin automobiles/Comissão(101) que, na maior parte dos Estados‑Membros, a administração tem essa obrigação de informação. Como afirmou corretamente o Tribunal de Justiça, «em regra, trata‑se de uma intervenção do legislador que a impôs e regulamentou» (102). Dito isto, o legislador da União previu expressamente essa obrigação de informação no artigo 32.o, n.o 3, do Código dos Vistos a fim de facilitar a fiscalização jurisdicional. A aplicação desta disposição às vias de recurso disponíveis contra a oposição deduzida por um ou vários Estados‑Membros, que proponho, apenas torna a tutela jurisdicional garantida pelo legislador mais coerente e eficaz.

124. Para concluir, devo chamar a atenção para o facto de o Código Europeu de Boa Conduta Administrativa, desenvolvido pelo Provedor de Justiça Europeu, prever, no seu artigo 19.o, n.o 1, a obrigação de indicar as vias de recurso existentes para impugnar qualquer decisão das instituições da União que possa lesar os direitos ou os interesses de uma pessoa singular. O mesmo se aplica ao código desenvolvido pela Comissão, que impõe esta obrigação «sempre que o direito da União o preveja». Embora não sejam diretamente aplicáveis aos casos em apreço porque são os Estados‑Membros que aplicam o Código de Vistos, aqueles códigos permitem tirar conclusões sobre a importância dessa informação para a defesa dos direitos no âmbito de um procedimento administrativo (103).

3.      Elementos de reflexão: opções concebíveis para as vias de recurso a desenvolver pelos EstadosMembros

125. Como acima referido, a defesa dos direitos do litigante pode revelar‑se complexa em função dos dados do caso concreto, tanto mais que as ordens jurídicas dos Estados‑Membros podem prever vias de recurso diferentes. As informações relativas às vias de recurso deverão ter em conta a forma como as diferentes entidades administrativas cooperam no âmbito da análise de um pedido de visto.

126. Dito isto, e sem prejuízo da autonomia processual dos Estados‑Membros para decidir as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos dos litigantes, parece‑me que, teoricamente, podem ser consideradas diversas opções. Por um lado, é possível prever uma via de recurso exclusivamente no Estado‑Membro que adota a decisão final, opção que se melhor se aproxima da ideia de «balcão único» evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Por outro lado, é possível conceber uma via de recurso no Estado‑Membro que deduziu a objeção. As considerações que se seguem têm por objeto fornecer alguns elementos de reflexão a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

a)      Via de recurso no EstadoMembro que adota a decisão final?

127. Conforme enuncia o artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, o recurso de uma decisão de recusa de visto deve ser interposto «contra o EstadoMembro que tomou a decisão final sobre o pedido e nos termos do direito interno desse Estado‑Membro».

128. Na falta de disposições mais detalhadas, isso não implica forçosamente que a contestação de uma objeção deduzida por outro Estado‑Membro deva também ser efetuada perante as autoridades do Estado‑Membro que tomou a decisão final. Todavia, considero que a redação do artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos deve ser interpretada como um forte indício dado pelo legislador a favor da ideia do «balcão único», consagrada no considerando 7 do Código de Vistos, que permite ao requerente ter um único interlocutor e cumprir todas as suas formalidades administrativas num único local. As vantagens para a salvaguarda dos seus interesses são evidentes, tanto mais que isso lhe poupa o esforço de efetuar diligências junto de várias administrações nacionais, operando cada uma delas segundo regras diferentes. Com efeito, o conceito de procedimento administrativo que decorre em várias fases e que prevê a participação de diversas entidades especializadas não é desconhecido no direito administrativo, tanto na União como nos Estados‑Membros. Por conseguinte, nada impede os Estados‑Membros de criarem mecanismos adequados de comum acordo, pelo menos enquanto não forem adotadas eventuais alterações ao Código de Vistos.

129. As disposições do Código de Vistos não se opõem a tal abordagem, desde que o direito processual nacional e os acordos entre os Estados‑Membros em causa, celebrados no exercício dos seus direitos soberanos, a prevejam. Importa recordar, a este respeito, a opção de que os Estados‑Membros dispõem ao abrigo do artigo 8.o do Código de Vistos, que lhes permite fazer‑se representar por outros Estados‑Membros para analisar os pedidos e emitir vistos. Embora esta disposição apenas diga respeito a uma situação específica, a saber, a da representação, demonstra que um Estado‑Membro pode atribuir competências às autoridades de outro Estado‑Membro para apreciar os pedidos de visto.

130. Contrariamente ao que parece pressupor o órgão jurisdicional de reenvio, não me parece que a intervenção do Estado‑Membro que deduziu uma objeção no âmbito do próprio processo judicial (104) seja a única opção possível. Poder‑se‑ia igualmente prever uma transmissão de informações entre os Estados‑Membros em causa, num espírito de cooperação leal e de confiança mútua — princípios em que a União se baseia, como enuncia o artigo 4.o, n.o 3, TUE — (105), sendo encarregado de adotar a decisão final o Estado‑Membro que coloca as informações obtidas à disposição do juiz nacional. A fim de proteger a confidencialidade das informações fornecidas, este Estado‑Membro pode comprometer‑se a solicitar ao órgão jurisdicional a aplicação das técnicas mencionadas no n.o 106 das presentes conclusões.

b)      Via de recurso no EstadoMembro que deduziu a objeção?

131. Poder‑se‑ia eventualmente criar uma via de recurso no Estado‑Membro que deduziu uma objeção à emissão de um visto.

132. Contudo, é de notar que, embora o direito da União não se oponha a esta abordagem, a mesma exige do requerente de um visto um esforço especial, no sentido de ser obrigado a interpor recurso perante as autoridades de um Estado‑Membro com o qual não tem qualquer ligação e que pode nem ser o seu destino (106). Deste ponto de vista, exigir que o requerente interponha recurso no Estado‑Membro que deduziu a objeção à emissão de visto não parece a opção adequada para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva.

133. No caso de estar prevista uma via de recurso «incidental» noutro Estado‑Membro, seria razoável prever a suspensão do processo «principal» até à conclusão da mesma, no interesse da coerência e da eficácia da tutela jurisdicional.

c)      Resposta à terceira e à quarta questões

134. Com base nos argumentos expostos, proponho que se responda como se segue à terceira e à quarta questões.

135. É da competência dos Estados‑Membros decidir da natureza e das modalidades concretas das vias de recurso de que dispõem os requerentes de visto para contestar as objeções deduzidas à emissão de um visto no âmbito do procedimento de consulta previsto no artigo 22.o do Código de Vistos.

136. À semelhança do que prevê o artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, os Estados‑Membros deverão fornecer aos requerentes, a pedido destes ou na sequência de uma queixa, informações sobre as vias de recurso.

VI.    Conclusão

137. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats Haarlem (Tribunal de Primeira Instância de Haia, juízo de Haarlem, Países Baixos) do seguinte modo:

1)      A decisão de recusa que o requerente de um visto recebe das autoridades nacionais, a saber, o formulário‑tipo que figura no anexo VI do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (Código de Vistos), com eventuais observações, responde, em princípio, às exigências do direito a um recurso efetivo nos termos do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Ainda que, no estado atual de evolução do direito da União, os Estados‑Membros não estejam obrigados a fornecer uma fundamentação detalhada, nada os impede de incluir «observações» no formulário‑tipo, bem como outras informações fornecidas pela administração, por exemplo na sequência de uma queixa, a fim de facilitar a fiscalização da legalidade.

2)      Na medida em que o direito da União prevê garantias mínimas, deixando aos Estados‑Membros a tarefa de determinar as modalidades do processo de recurso no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, nada os impede de disponibilizar igualmente, sob certas condições, informações qualificadas de confidenciais ao órgão jurisdicional. Sendo caso disso, os Estados‑Membros podem, a fim de proteger os seus interesses nacionais, solicitar ao órgão jurisdicional a aplicação de técnicas que permitam conciliar, por um lado, as preocupações legítimas de segurança quanto à natureza e às fontes de informação que foram tidas em conta para a adoção da decisão de recusa em causa e, por outro, a necessidade de garantir suficientemente ao litigante o respeito dos seus direitos processuais, como o direito de ser ouvido e o princípio do contraditório.

3)      É da competência dos Estados‑Membros decidir da natureza e das modalidades concretas das vias de recurso de que dispõem os requerentes de visto para contestar as objeções deduzidas à emissão de um visto no âmbito do procedimento de consulta previsto no artigo 22.o do Código de Vistos.

4)      Os Estados‑Membros devem fornecer aos requerentes, a pedido destes ou na sequência de uma queixa, informações sobre as vias de recurso.


1      Língua original: francês.


2       JO 2009, L 243, p. 1.


3       V. Tomada de Posição da advogada‑geral E. Sharpston no processo Vo (C‑83/12 PPU, EU:C:2012:170, n.o 42), bem como as suas Conclusões no processo Vethanayagam e o. (C‑680/17, EU:C:2019:278, n.o 37).


4       V., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862, n.os 44 a 55).


5       JO 2008, L 218, p. 60.


6       Meloni, A., «The Community Code on Visas: harmonisation at last?», European Law Review, 2009, vol. 34, p. 671, explica que a introdução de uma obrigação de fundamentar a recusa de visto e de um direito de recurso era um ponto de bloqueio não negociável para o Parlamento Europeu, apoiado pela Comissão e por determinados Estados‑Membros, que consideravam estas disposições uma «pedra angular» das garantias para os requerentes de vistos. Em contrapartida, a grande maioria dos Estados‑Membros pronunciou‑se a favor da não fundamentação das recusas de visto e opôs‑se à introdução de um direito de recurso, receando o risco de saturação das suas jurisdições internas. Ao estabelecer estas obrigações, o Código de Vistos sanou uma fraqueza do antigo regime, a saber, a falta de uma abordagem uniforme no que diz respeito aos direitos e recursos disponíveis para os requerentes de vistos que pretendem impugnar uma recusa.


7       Acórdão de 13 de dezembro de 2017, El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:960, n.o 42).


8       Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ (C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 53 e jurisprudência aí referida).


9       Acórdão de 13 de dezembro de 2017, El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:960, n.o 42).


10       V. n.o 41 das presentes conclusões.


11       Jarass, H., Charta der Grundrechte der Europäischen Union, 3.a edição, Munique 2016, artigo 47.o da Carta, n.os 5, 48 e 49, indica que o artigo 47.o da Carta só se aplica, em princípio, ao processo jurisdicional, ao passo que o artigo 41.o, n.o 2, da Carta estabelece direitos no âmbito do procedimento pré‑contencioso administrativo. Não obstante, o artigo 47.o da Carta pode ser invocado se o artigo 41.o da Carta não for aplicável, o que sucede quando os Estados‑Membros aplicam o direito da União. Segundo o autor, decorre do artigo 47.o da Carta a obrigação de fundamentar suficientemente a posição do interessado. A autoridade pode dispensar tal fundamentação por razões de segurança do Estado. V. também Lemke, S., Europäisches Unionsrecht, 7.a edição, Baden‑Baden 2015, artigo 47.o da Carta, n.o 4, p. 807, que se pronuncia a favor da aplicabilidade do artigo 47.o da Carta quando os Estados‑Membros aplicam o direito da União. Brouwer, E. R., «Wanneer een staat een visum weigert namens een andere staat — Vertegenwoordigingsafspraken in het EU‑visumbeleid en het recht op effectieve rechtsbescherming», SEW Tijdschrift voor Europees en Economisch recht, 2015 (abril), p. 165, analisa a falta de fundamentação de uma decisão de recusa de visto à luz do artigo 47.o da Carta. Hoffmann, H., The EU Charter of Fundamental Rights, Oxford 2014, n.o 47.67, p. 1219, analisa o direito de obter a fundamentação de um ato administrativo na perspetiva da tutela jurisdicional efetiva ao abrigo do artigo 47.o da Carta.


12       Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ (C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 51).


13       V. Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, J.N (C‑601/15 PPU, ECLI:EU:C:2016:84, n.o 53). V., neste sentido, Van Drooghenbroeck, S./Rizcallah, C., Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne — Commentaire article par article, Bruylant, Bruxelas 2018, p. 1099 e 1103.


14       Acórdão de 17 de novembro de 2011, Gaydarov (C‑430/10, EU:C:2011:749, n.o 41). V., igualmente, Acórdãos de 17 de março de 2011, Peñarroja Fa (C‑372/09 e C‑373/09, EU:C:2011:156, n.o 63); e de 4 de junho de 2013, ZZ (C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 53).


15       V. Acórdão de 12 de julho de 1989, Belardinelli e o./Tribunal de Justiça (225/87, EU:C:1989:309, n.o 7), no qual o Tribunal de Justiça recorda a sua jurisprudência constante, segundo a qual, em virtude das dificuldades práticas que se apresentam num concurso com participação numerosa, o júri desse concurso pode, numa primeira fase, comunicar aos candidatos apenas os critérios e o resultado da seleção, desde que posteriormente forneça explicações individuais aos candidatos que expressamente o solicitem.


16       V., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France (C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63); de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 166); de 16 de novembro de 2011, Bank Melli Iran/Conselho (C‑548/09 P, EU:C:2011:735, n.o 93); de 15 de novembro de 2012, Al‑Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al‑Aqsa (C‑539/10 P e C‑550/10 P, EU:C:2012:711, n.o 139); de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão (C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 120); e de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 122).


17       V., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France (C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63); de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão (C‑42/01, EU:C:2004:379, n.o 66); de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 166); de 15 de novembro de 2012, Al‑Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al‑Aqsa (C‑539/10 P e C‑550/10 P, EU:C:2012:711, n.o 140); de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão (C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 120); e de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 122).


18       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232).


19       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 51).


20       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 51).


21       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 52).


22       Como indica o Governo checo na sua resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, referindo‑se às bases jurídicas dos Tratados que permitiram a adoção do Código de Vistos, estas apenas se destinam a uniformizar os procedimentos dos Estados‑Membros no domínio específico, e não a instaurar um direito geral de entrada no território dos Estados‑Membros.


23       Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659).


24       Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.o 98).


25       Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908).


26       Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 29).


27       Segundo a definição de Von Jhering, R., «Der Geist des römischen Rechts auf verschiedenen Stufen seiner Entwicklung», parte III, primeira secção, Leipzig 1865, p. 316, citada por Hacker, P, Verhaltensökonomik und Normativität, Tübingen 2017, p. 234.


28       Alexy, R., «Grundrechte als subjektive Rechte und als objektive Normen», Der Staat, 1990, n.o 29, p. 53.


29       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 47).


30       Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 27).


31       Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 28).


32       JO 2003, L 251, p. 12.


33       V., neste sentido, Acórdãos de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 60); e de 4 de março de 2010, Chakroun (C‑578/08, EU:C:2010:117, n.o 41).


34       Meloni, A., «EU visa policy: What kind of solidarity?», Maastricht Journal of European and Comparative Law, 10/2017, vol. 24, n.o 5, p. 652.


35       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 51).


36       Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.o 99).


37       Palosaari, T., «From “Thin” to “Thick” foreign policy europeanization: Common Foreign and Security Policy and Finland», European Foreign Affairs Review, 12/2016, Volume 21, n.o 4, p. 583, salienta o caráter intergovernamental da política externa e de segurança comum da União, bem como a relação tradicional deste domínio com a soberania do Estado; Koutrakos, P., «Judicial review in the EU's common foreign and security policy», International and Comparative Law Quarterly, 01/2018, vol. 67, n.o 1, p. 1, afirma que é convencional considerar a política externa e de segurança como um domínio de vontades soberanas e de interesses nacionais por excelência.


38       Carli, E., La politica di sicurezza e di difesa comune dell’Unione europea, Torino 2019, p. 16 e 393, salienta a exigência de unanimidade para a tomada de decisões no seio do Conselho, o que, no entender do autor, demonstra a natureza intergovernamental da política externa e de segurança comum.


39       V. «Declaração n.o 13 sobre a política externa e de segurança comum», anexa à Ata Final da Conferência Intergovernamental que aprovou o Tratado de Lisboa.


40       Dumas, P., L'accès des ressortissants des pays tiers au territoire des États membres de l'Union européenne, Bruxelas 2013, p. 146; Balleix, C., La politique migratoire de l’Union européenne, Paris 2013, p. 47.


41       Meloni, A., «EU visa policy: What kind of solidarity?», Maastricht Journal of European and Comparative Law, 10/2017, vol. 24, n.o 5, p. 653.


42       Dumas, P., L'accès des ressortissants des pays tiers au territoire des États membres de l'Union européenne, Bruxelas 2013, p. 144; Delcour, L., «The EU’s visa liberalisation policy — What kind of transformative power in neighbouring regions?», The Routledge Handbook of the Politics of Migration in Europe, capítulo 32, Londres 2019, p. 410.


43       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 49).


44       V. observações semelhantes do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 58).


45       Mungianu, R., «Frontex: Towards a Common Policy on External Border Control», European Journal of Migration and Law, vol. 15, n.o 4, 2013, p. 360; García Andrade, P., «EU external competences in the field of migration: How to act externally when thinking internally», Common Market Law Review, 02/2018, vol. 55, n.o 1, p. 163; Mazille, C., «L'accès des étrangers au territoire de l'Union e l'exigence de sécurité publique», Revue française de droit administratif, 11/2017, n.o 5, p. 929.


46       Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862).


47       Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862, n.o 56).


48       Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862, n.o 57).


49       Acórdão de 13 de dezembro de 2017, El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:960, n.o 36).


50       JO 2004, L 375, p. 12.


51       Acórdão de 4 de abril de 2017, Fahimian (C‑544/15, EU:C:2017:255, n.o 42). É de referir também o Acórdão de 10 de setembro de 2014, Ben Alaya (C‑491/13, EU:C:2014:2187, n.o 33), que diz igualmente respeito à interpretação da Diretiva 2004/114.


52       Acórdão de 4 de abril de 2017, Fahimian (C‑544/15, EU:C:2017:255, n.o 43).


53       Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862, n.o 60).


54       Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 57).


55       JO 2004, L 158, p. 77.


56       Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 56).


57       Acórdão de 25 de julho de 2008, Metock e o. (C‑127/08, EU:C:2008:449, n.o 62).


58       Acórdãos de 8 de maio de 2013, Ymeraga e o. (C‑87/12, EU:C:2013:291, n.o 34); de 12 de março de 2014, O. e B. (C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 36), e de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 34).


59       V. n.o 43 das presentes conclusões.


60       V. n.o 50 das presentes conclusões.


61       Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 56).


62       Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 59).


63       Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 61).


64       Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ (C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 51).


65       V. n.o 43 das presentes conclusões.


66       Caniard, H., «Pouvoirs e moyens de l’Agence européenne de garde‑frontières e de garde‑côtes: Le règlement (UE) 2016/1624 traduit‑il un renforcement des moyens e capacités?», De Frontex à Frontex — Vers l’émergence d’un service européen des gardecôtes e gardefrontières, Bruxelas 2019, p. 43, recorda que, apesar da atribuição de competências à União no domínio do espaço de liberdade, segurança e justiça, os Tratados contêm cláusulas de reserva de competência a favor dos Estados‑Membros.


67       Acórdãos de 4 de junho de 2013, ZZ (C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 54); e de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi (C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 125).


68       JO 2019, L 188, p. 25.


69       Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.o 119).


70       Acórdão de 13 de dezembro de 2017, El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:960, n.o 42).


71       V. n.o 48 das presentes conclusões.


72       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 56).


73       Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.o 105).


74       V. n.os 61 a 63 das presentes conclusões.


75       V. n.o 62 das presentes conclusões.


76       Eeckhout, P., EU External Relations Law, 2.a edição, Oxford 2012, p. 486, indica que o Conselho é a instituição mais importante no domínio da política externa e de segurança comum. Enquanto a tomada de decisões no âmbito da aplicação do Tratado FUE se caracteriza por uma clara repartição de competências entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão, o que exige uma cooperação constante entre estas instituições, o Conselho «controla» claramente a política externa e de segurança comum. O autor explica que as funções desempenhadas pelo Conselho neste domínio são principalmente de natureza «executiva».


77       Acórdãos de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 64); e de 28 de julho de 2016, Conselho/Comissão (C‑660/13, EU:C:2016:616, n.os 31 e 32).


78       V. n.o 61 das presentes conclusões relativamente ao papel secundário atribuído ao Parlamento no domínio da política externa e de segurança comum.


79       Acórdãos de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 39); e de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 60).


80       V., designadamente, o direito constitucional dos Estados Unidos da América, que conhece a doutrina do «executive power», que atribui ao presidente uma competência significativa no domínio da política externa e de defesa em comparação com o Congresso (neste sentido, Prakash, S., e Ramsey, M., «The Executive Power over Foreign Affairs», Yale Law Journal, 11/2001, vol. 111, n.o 2, novembro de 2001, p. 233); o papel do Governo federal de acordo com o direito constitucional alemão (Röben, V., Außenverfassungsrecht, Tübingen 2007, p. 91), e as prerrogativas do poder executivo no direito constitucional francês (Martin, V., «Les relations extérieures, “domaine réservé” du pouvoir exécutif?», Giornale di Storia Costituzionale, 2014, n.o 28, p. 77).


81       Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.o 109).


82       Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Fahimian (C‑544/15, EU:C:2016:908, n.o 72).


83       V. n.o 65 das presentes conclusões.


84       Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:232, n.o 63). V. também Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.o 109), em que este expressa a sua opinião de que «é suficiente que os órgãos jurisdicionais nacionais assegurem que a recusa de visto não foi arbitrariamente decidida».


85       Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma decisão administrativa que autoriza uma diligência de instrução reveste caráter arbitrário quando foi adotada na inexistência de qualquer circunstância de facto suscetível de justificar a referida diligência de instrução. V., neste sentido, Acórdãos de 18 de junho de 2002, HI (C‑92/00, EU:C:2002:379, n.os 56 a 64); e de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères (C‑94/00, EU:C:2002:603, n.o 55).


86       Acórdão de 4 de abril de 2017, Fahimian (C‑544/15, EU:C:2017:255, n.o 46).


87       Acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 344); e de 4 de junho de 2013, ZZ (C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 57).


88       Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Cicala (C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 28); de 17 de julho de 2014, YS e o. (C‑141/12 e C‑372/12, EU:C:2014:2081 n.o 67); e de 5 de novembro de 2014, Mukarubega (C‑166/13, EU:C:2014:2336, n.o 44).


89       V. Lemke, S., Europäisches Unionsrecht (von der Groeben/Schwarze/Hatje), Artigo 47.o, 7.a edição, Baden‑Baden 2015, p. 807, que alega que o artigo 41.o da Carta não é aplicável ao direito processual administrativo dos Estados‑Membros, nem mesmo quando estes aplicam o direito da União.


90       Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston nos processos apensos YS e o. (C‑141/12 e C‑372/12, EU:C:2013:838, n.o 36).


91       Acórdão de 8 de maio de 2014, H.N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.o 49).


92       Acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB (C‑279/09, EU:C:2010:811, n.os 30 e 31), Despacho de 1 de março de 2011, Chartry (C‑457/09, EU:C:2011:101, n.o 25), e Acórdão de 28 de julho de 2011, Samba Diouf (C‑69/10, EU:C:2011:524, n.o 49).


93       V. n.o 3 das presentes conclusões.


94       V. n.o 29 das presentes conclusões.


95       Acórdãos de 15 de março de 2017, Aquino (C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 48), de 13 de dezembro de 2017, El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:960, n.os 25 e 26); e de 19 de março de 2020, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (C‑406/18, EU:C:2020:216, n.o 26).


96       Acórdãos de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 47); de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o. (C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 46); e de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 65).


97       V., neste sentido, Von Danwitz, T., Europäisches Verwaltungsrecht, Cologne 2008, p. 277.


98       Segundo Alber, S., Europäische GrundrechteCharta — Kommentar (Stern/Sachs), Munich 2016, artigo 47.o, n.os 55 e 56, p. 711, o artigo 47.o da Carta não especifica quais são as vias de recurso que os Estados‑Membros devem prever. Por conseguinte, podem variar de um Estado‑Membro para outro. Esta disposição não exige nem a sua harmonização nem a sua adaptação ao padrão mais elevado.


99       V. n.o 46 das presentes conclusões.


100       Schmidt‑Assmann, E., Kohärenz und Konsistenz des Verwaltungsrechtsschutzes, Tübingen 2015, p. 55, pronuncia‑se a favor de uma obrigação de prestar informações relativas às vias de recurso de que o destinatário de uma decisão administrativa pode dispor, pelo menos em situações administrativas complexas.


101       Despacho de 5 de março de 1999, Guérin automobiles/Comissão (C‑153/98 P, EU:C:1999:123).


102       Despacho de 5 de março de 1999, Guérin automobiles/Comissão (C‑153/98 P, EU:C:1999:123, n.o 14).


103       Sander, P., Charta der Grundrechte der Europäischen Union — GRCKommentar (Holoubek/Lienbacher), Viena 2014, artigo 41.o, n.o 21, Viena 2014, p. 543, e Jarass, H., Charta der Grundrechte der Europäischen Union, 3.a edição, Munique 2016, artigo 47.o, n.o 49, são da opinião de que não se pode deduzir claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça a obrigação de informar o destinatário de uma decisão administrativa sobre as vias de recurso. Realçam, porém, a importância dos códigos de boa conduta administrativa do Provedor de Justiça Europeu e da Comissão.


104      Nas suas respostas às questões do Tribunal de Justiça, os Governos alemão e polaco fizeram referência às disposições do seu direito nacional em matéria de procedimento administrativo que permitem, em princípio, a participação de terceiros num processo judicial com base no seu interesse legal. No entanto, vários Estados‑Membros exprimiram reservas quanto a essa possibilidade à luz do princípio da igualdade soberana dos Estados, que exclui que um Estado se submeta à jurisdição de outro Estado [«par in parem non habet imperium»; v. Acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 3 de fevereiro de 2012, Alemanha c. Itália, Grécia (interveniente), no processo das imunidades jurisdicionais do Estado].


105      Dito isto, devo observar que os Governos alemão e polaco assinalaram nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça que tal troca de informações entre as autoridades dos Estados‑Membros pode efetivamente ter lugar. O Governo polaco considera que um Estado‑Membro que deduza uma objeção à emissão de um visto ao abrigo do artigo 22.o, n.o 2, do Código de Vistos deve fundamentar a sua objeção. Na falta dessa fundamentação, o Estado‑Membro que analisa o pedido de visto pode colocar uma questão a fim de obter informações adicionais (incluindo documentos adicionais relevantes, se existirem). Segundo o Governo polaco, as respostas às questões e os eventuais documentos podem ser transmitidos no âmbito da troca de informações em complemento da consulta sobre vistos, desde que não constituam informações confidenciais, para as quais seria necessário aplicar exigências em matéria de informações confidenciais e utilizar meios de transmissão segura adequados. As respostas às questões que complementam a consulta sobre vistos devem ser fornecidas sem demora injustificada.


106      V. raciocínio análogo da advogada‑geral E. Sharpston nas suas Conclusões no processo Vethanayagam e o. (C‑680/17, EU:C:2019:278, n.o 81) relativamente ao mecanismo de representação previsto no artigo 8.o do Código de Vistos.