Language of document : ECLI:EU:T:2006:109

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)

6 de Abril de 2006 (*)

«Auxílios de Estado − Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação de empresas em dificuldade – Necessidade dos auxílios»

No processo T‑17/03,

Schmitz‑Gotha Fahrzeugwerke GmbH, com sede em Gotha (Alemanha), representada por M. Matzat, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz e V. Di Bucci, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2003/194/CE da Comissão, de 30 de Outubro de 2002, relativa a auxílios estatais concedidos pela Alemanha a favor da Schmitz‑Gotha Fahrzeugwerke GmbH (JO 2003, L 77, p. 41),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção alargada),

composto por: H. Legal, presidente, P. Lindh, P. Mengozzi, I. Wiszniewska‑Białecka e V. Vadapalas, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Janeiro de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 87.° CE dispõe:

«1.      Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

[…]

3.      Podem ser considerados compatíveis com o mercado comum:

[…]

c)      Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;

[…]»

2        O artigo 88.° CE estabelece:

«[…]

2.      Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.

[…]»

3        O ponto 2.4 das Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, na sua versão aplicável aos factos do caso em apreço (JO 1994, C 368, p. 12, a seguir «orientações»), refere:

«Os n.os 2 e 3 do artigo [87.°] do Tratado prevêem a possibilidade de ser concedida uma derrogação para os auxílios abrangidos pelo disposto no n.° 1 do artigo [87.°]:

[…]

A Comissão considera que os auxílios de emergência e à reestruturação podem contribuir para o desenvolvimento de actividades económicas sem afectar as trocas comerciais numa medida contrária ao interesse comunitário quando estiverem preenchidas as condições definidas na secção 3 infra e autorizará por conseguinte estes auxílios nessas condições [...]»

4        O ponto 3.2.2 das orientações expõe:

«Sob reserva das disposições especiais relativas às zonas assistidas e às PME, a seguir indicadas, para que a Comissão aprove um auxílio é preciso que o plano de reestruturação preencha as seguintes condições gerais:

[…]

iii) Auxílio proporcional aos custos e benefícios da reestruturação

O montante e a intensidade do auxílio devem ser limitados ao mínimo rigorosamente necessário para permitir a reestruturação e devem ser proporcionais aos benefícios previstos do ponto de vista comunitário. Por tais razões, os beneficiários do auxílio devem normalmente contribuir de maneira significativa para o plano de reestruturação com recursos próprios ou através de um financiamento externo obtido em condições de mercado. Para limitar as distorções de concorrência, convém evitar que o auxílio seja concedido de forma que permita à empresa dispor de meios de liquidez excedentários, susceptíveis de ser utilizados em actividades agressivas que possam provocar distorções no mercado e não estejam ligadas ao processo de reestruturação. O auxílio também não deve servir para financiar novos investimentos que não sejam necessários à reestruturação. O auxílio destinado à reestruturação financeira não deve reduzir de forma exagerada os encargos financeiros da empresa.

[…]»

 Antecedentes do litígio

5        Em 1994, a Gothaer Fahrzeugwerke GmbH (a seguir «GFW»), uma antiga empresa estatal, foi cedida, com oito outras sociedades da Alemanha de Leste, ao grupo dirigido pela Lintra Beteiligungholding GmbH com vista à sua privatização. Tendo a privatização fracassado, em 1996, o Bundesanstalt für vereinigungsbedingte Sonderaufgaben, organismo estatal, reassumiu o controlo da GFW com o objectivo de a preparar para a sua revenda.

6        Após ter reconhecido que a venda da GFW não era possível, esse organismo decidiu desfazer‑se dos activos da referida sociedade. Essa operação desenrolou‑se seguindo um procedimento cujas etapas são descritas nos n.os 7 a 9, infra.

7        Por contrato de 3 de Setembro de 1997, a GFW adquiriu a totalidade das participações da sociedade Widahvogel Vermögensverwaltung (a seguir «Widahvogel»), cujo director era Josef Koch, pelo preço de 54 000 marcos alemães (DEM).

8        Por contrato de 10 de Setembro de 1997, os elementos dos activos e as encomendas respeitantes ao sector «construção automóvel» da GFW foram transferidos para a Widahvogel. Através de outro contrato do mesmo dia, a totalidade das participações da GFW foi cedida à Weißstorch GmbH (30% das acções), que se tornou a seguir na Josef Koch GmbH, e à Schmitz‑Anhänger Einkaufs‑ und Beteiligungs Gesellschaft GmbH & Co. KG (70% das acções), detida pela Schmitz Cargobull AG. Os investidores pagaram 1 DEM pelos activos. Além disso, J. Koch foi nomeado gerente único da Widahvogel, cuja denominação passou a ser Schmitz‑Gotha Fahrzeugwerke GmbH (a seguir «Schmitz‑Gotha» ou «recorrente»).

9        Em 9 de Outubro de 1997, a recorrente adquiriu, por cerca de 3 700 000 DEM a totalidade do capital de um dos seus fornecedores de sistemas electrónicos, Trailer System Engineering (a seguir «TSE»), uma sociedade criada e dirigida por J. Koch, seu accionista maioritário.

10      Por carta de 18 de Maio de 1998, a República Federal da Alemanha notificou à Comissão as medidas de auxílio com vista à reestruturação da Schmitz‑Gotha, implementadas desde o mês de Janeiro de 1997 (a seguir «carta de notificação de 18 de Maio de 1998»).

11      Por cartas de 12 de Junho de 1998, 21 de Dezembro de 1999 e 17 de Maio de 2000, a Comissão pediu informações complementares às autoridades alemãs. Estas responderam por cartas de 15 de Outubro de 1998, 21 de Julho de 1999, 27 de Abril de 2000, 1 de Dezembro de 2000 e 8 de Janeiro de 2001.

12      Por carta de 23 de Maio de 2001, a Comissão informou a República Federal da Alemanha da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (JO C 211, p. 15). No quadro desse procedimento, a Comissão examinou as medidas tomadas a favor da Schmitz‑Gotha enquanto auxílio novo, concedido sem notificação prévia, à luz das orientações.

13      Nessa decisão, a Comissão suscitava dúvidas, em particular, quanto ao carácter proporcionado do auxílio em causa à luz da condição prevista no ponto 3.2.2, iii), das orientações. Com base nas informações de que dispunha, a Comissão considerou, nomeadamente, não poder apreciar a necessidade da compra da TSE para efeitos da reestruturação da Schmitz‑Gotha. Por conseguinte, a Comissão ordenou às autoridades alemãs que lhe comunicassem todas as informações respeitantes à participação da Schmitz‑Gotha na TSE e, em particular, a necessidade dessa operação à luz da reestruturação da empresa. Além disso, a Comissão convidou a República Federal da Alemanha a transmitir a sua carta de 23 de Maio de 2001 ao beneficiário do auxílio e sublinhou que tomaria a sua decisão com base nas informações de que dispunha.

14      A Comissão recebeu as observações da República Federal da Alemanha por cartas de 10 de Agosto e 14 de Dezembro de 2001. Em contrapartida, nenhum interessado dirigiu observações à Comissão.

15      Por carta de 4 de Março de 2002, a Comissão pediu novamente às autoridades alemãs que demonstrassem a necessidade da aquisição da TSE para efeitos da reestruturação da Schmitz‑Gotha.

16      A Comissão recebeu as observações da República Federal da Alemanha, por cartas de 16 de Maio, 28 de Maio e 3 de Julho de 2002.

17      No termo desse procedimento, a Comissão adoptou a Decisão 2003/194/CE, de 30 de Outubro de 2002, relativa a auxílios estatais concedidos pela Alemanha a favor da Schmitz‑Gotha Fahrzeugwerke GmbH (JO 2003, L 77, p. 41; a seguir «decisão impugnada»). Lembrou que, nos termos do ponto 3.2.2, iii), das orientações o critério da proporcionalidade exigia a limitação do auxílio ao mínimo rigorosamente necessário para permitir a reestruturação, a fim de reduzir os seus efeitos de distorção da concorrência. Além disso, especificou que o auxílio não devia servir ao beneficiário para financiar novos investimentos não necessários para a reestruturação. No caso em apreço, segundo a Comissão, a compra da TSE, financiada pelo auxílio, devia ser qualificada de novo investimento cuja necessidade para efeitos da reestruturação não tinha sido demonstrada pelas autoridades alemãs. Por essa razão, a Comissão considerou que o auxílio não satisfazia os critérios das orientações e era, por conseguinte, incompatível com o mercado comum. No entanto, segundo a decisão impugnada, do preço de compra da TSE, só 2 200 000 DEM não se limitaram ao mínimo rigorosamente necessário para permitir a reestruturação da Schmitz‑Gotha, na medida em que o saldo, 1 500 000 DEM, estava subordinado a condições suja superveniência era, na altura da aquisição da TSE, incerta. Por isso, nos termos do artigo 1.° da decisão impugnada o auxílio era incompatível com o mercado comum relativamente a um montante de 2 200 000 DEM (1 120 000 euros). Por força do artigo 2.° da decisão impugnada, a República Federal da Alemanha era obrigada a recuperar esse montante à Schmitz‑Gotha.

 Tramitação processual e pedidos das partes

18      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Janeiro de 2003, a recorrente interpôs o presente recurso.

19      Com base em relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quarta Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo.

20      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal, na audiência de 12 de Janeiro de 2006.

21      O Tribunal tomou nota, na acta da audiência, do facto de o carácter confidencial da denominação social da TSE, que tinha sido preservado na decisão impugnada e no relatório para audiência, poder ser levantado para efeitos da fase oral do processo e do acórdão.

22      A recorrente conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        a título principal, anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular a decisão na medida em que considera o montante de auxílio a restituir demasiado elevado;

–        condenar a Comissão nas despesas.

23      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

24      A recorrente invoca três fundamentos em apoio do seu recurso. O primeiro fundamento é relativo a um erro de apreciação quanto à necessidade do auxílio, cuja restituição é pedida, à luz do ponto 3.2.2, iii), das Orientações. O segundo fundamento é extraído de um desvio de poder na altura da adopção da decisão impugnada. Pelo seu terceiro fundamento, invocado a título subsidiário, a recorrente alega um erro da Comissão quanto ao montante do auxílio que deve ser restituído.

 Quanto ao primeiro fundamento relativo a um erro de apreciação quanto à necessidade do auxílio

 Argumentos das partes

25      A recorrente contesta a apreciação da Comissão segundo a qual o auxílio controvertido é incompatível com o mercado comum relativamente a uma parte do montante utilizado para a aquisição da TSE (2 200 000 DEM), em razão da sua desconformidade com as condições estabelecidas pelas Orientações.

26      Em primeiro lugar, a recorrente alega que a participação na TSE constituía, desde o início, uma parte essencial e integrante do projecto de reestruturação, e que a Comissão tinha sido disso informada.

27      A esse propósito, contesta a afirmação da Comissão de que o projecto de reestruturação previa o restabelecimento da viabilidade da Schmitz‑Gotha no espaço de quatro exercícios sem adquirir a TSE, de forma que essa compra foi, portanto, quando muito, útil para a reestruturação contribuindo para encurtar a sua duração em um ano. Afirma, com efeito, que o projecto de empresa de 2 de Setembro de 1997 e seus anexos, tais como o «Plano de desenvolvimento – Perdas e lucros», o plano de gestão financeira, o plano de desenvolvimento dos activos corpóreos da Schmitz‑Gotha, que tinha apresentado às autoridades alemãs, baseavam a totalidade das previsões respeitantes à reestruturação da Schmitz‑Gotha na fusão desta com a TSE. Além disso, a recorrente sublinha que o «Plano de desenvolvimento – Perdas e lucros», antes citado, foi enviado à Comissão no anexo da carta de notificação de 18 de Maio de 1998. Nota ainda que os investidores estavam dispostos a realizar a reestruturação da Schmitz‑Gotha unicamente no quadro das condições previstas pelo projecto de empresa, entre as quais figurava a aquisição da TSE.

28      A recorrente acrescenta que existe uma contradição na posição da Comissão a propósito do conhecimento que ela tinha da identidade dos investidores. Observa que, nos seus escritos, a Comissão nega ter tido conhecimento do facto de J. Koch ser um dos sócios da TSE, quando realmente informações detalhadas lhe haviam sido transmitidas no que respeita a essa pessoa antes da adopção da decisão impugnada. A esse propósito, a recorrente refere‑se à carta de notificação de 18 de Maio de 1998, bem como às cartas enviadas à Comissão em 16 de Maio e 3 de Julho de 2002. Além disso, lembra que, na decisão impugnada, a própria Comissão afirma que J. Koch era o sócio da TSE.

29      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a Comissão considerou, sem razão, no considerando 64 da decisão impugnada, que a participação na TSE não era necessária para efeitos da reestruturação. A recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, dado que os factos essenciais, de que a Comissão tinha conhecimento, não foram tomados em consideração o momento da avaliação do carácter proporcionado do auxílio.

30      A recorrente afirma que, para garantir o êxito da reestruturação, a Schmitz‑Gotha devia desenvolver os seus próprios produtos, a fim de se tornar independente das encomendas internas do grupo e competitiva no mercado. Ora, a participação na TSE permitia integrar directamente na Schmitz‑Gotha o saber‑fazer necessário para desenvolver os seus próprios produtos, dado que os sócios da TSE se encarregaram, por um lado, da direcção e, por outro, do serviço responsável pela construção e pelo desenvolvimento na Schmitz‑Gotha. Por consequência, a recorrente contesta a tese da Comissão de que o único motivo da aquisição da TSE era a redução dos custos de produção da Schmitz‑Gotha.

31      A recorrente acrescenta que a simples aquisição da TSE podia garantir a integração do saber‑fazer necessário à reestruturação. Em apoio da sua alegação, refere‑se aos custos excessivos de uma proposta da TSE relativa a operações de desenvolvimento do saber‑fazer por prestadores externos.

32      Referindo‑se às informações juntas ao anexo da petição que expõem, em forma de quadro, a evolução do volume de negócios da Schmitz‑Gotha resultante das suas vendas a empresas terceiras (documento intitulado «Desenvolvimento do volume de negócios da Schmitz‑Gotha»), a recorrente afirma que o aumento significativo do seu volume de negócios demonstra os efeitos da integração directa de um serviço de desenvolvimento autónomo, que foi realizado graças à aquisição da TSE, no sucesso da reestruturação.

33      A recorrente alega também que a Comissão podia apreciar o carácter necessário da participação na TSE para efeitos da reestruturação, com base nas informações de que dispunha, e concluir, por conseguinte, pela conformidade do auxílio com o critério do «mínimo rigorosamente necessário», na acepção do ponto 3.2.2, iii), das Orientações. Em particular, isso resulta claramente da carta das autoridades alemãs de 3 de Julho de 2002, segundo a qual a parte dos fornecimentos nos custos de produção da Schmitz‑Gotha tinha diminuído e só a tomada de participação na TSE tinha permitido à Schmitz‑Gotha remediar a sua falta de saber‑fazer.

34      A Comissão lembra, em primeiro lugar, que dispõe de um amplo poder de apreciação no exame da compatibilidade de um auxílio estatal com o mercado comum, à luz do disposto no artigo 87.°, n.° 3, CE. A Comissão alega que os argumentos da recorrente não demonstram a existência de um erro manifesto de apreciação no caso em apreço e acrescenta que a recorrente tenta sobrepor a sua apreciação à da Comissão.

35      A Comissão sublinha, em segundo lugar, que, por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça e das disposições do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] do Tratado CE (JO L 83, p. 1), ela tem o poder de pôr termo ao procedimento e tomar uma decisão com base nos elementos de que dispõe, quando um Estado‑Membro, não obstante a injunção que lhe foi dirigida, não fornece as informações solicitadas.

36      A esse propósito, a Comissão observa que a recorrente baseia a alegada necessidade da aquisição da TSE, que permitiu o sucesso da reestruturação da Schmitz‑Gotha, essencialmente em informações de que ela não tinha conhecimento na altura da adopção da decisão impugnada e que não podem, por conseguinte, ser tomadas em consideração pelo Tribunal.

37      Ela especifica que, apesar da injunção dirigida à República Federal da Alemanha para fornecer informações a propósito da identidade dos proprietários da TSE e da necessidade do investimento em causa, contida na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, e a despeito da carta dirigida às autoridades alemãs em 4 de Março de 2002, os contratos relativos à aquisição da TSE, anexados à petição, não lhe foram comunicados antes da adopção da decisão impugnada. Foi igualmente o caso do projecto de empresa, do projecto de desenvolvimento do saber‑fazer da recorrente elaborado pela TSE, ambos anexados à petição, bem como das observações detalhadas a esse respeito contidas na própria petição. Além disso, sustenta que nunca afirmou não conhecer o sócio J. Koch. Todavia, observa que, nas informações fornecidas pelas autoridades alemãs no decurso do procedimento administrativo, J. Koch fora referido de maneira claramente acessória enquanto sócio da TSE. Por outro lado, a Comissão alega que nunca foi informada da identidade dos outros sócios da TSE.

38      A Comissão considera que, com base nas informações de que dispunha na altura da adopção da decisão impugnada, podia simplesmente apreciar a utilidade da aquisição da TSE, mas que a necessidade desse investimento financiado pelo auxílio controvertido não foi de forma alguma demonstrada. Em sua opinião, as informações respeitantes à aquisição da TSE, contidas na carta da notificação de 18 de Maio de 1998, bem como nas cartas de 10 de Agosto de 2001, 16 de Maio, 28 de Maio e 3 de Julho de 2002, anexadas à contestação, não permitiam concluir que o referido investimento constituía uma parte necessária da reestruturação, na acepção das Orientações.

39      A Comissão declara igualmente que as informações de que dispunha justificavam essencialmente a aquisição da TSE pelas economias realizadas devido ao desaparecimento de um fornecedor intermediário e à margem de lucro correspondente, quando, na petição, esse aspecto foi relativizado. Partindo do princípio que resulta dessas informações que a aquisição da TSE tinha permitido, além disso, adquirir o saber‑fazer técnico com vista a desenvolver novos tipos de produtos, a Comissão observa que essa afirmação não tinha sido fundamentada nem explicitada. Alega que foi unicamente na petição que a Schmitz‑Gotha expôs e fundamentou de maneira aprofundada a necessidade da aquisição da TSE com vista à obtenção do saber‑fazer necessário à sua reestruturação. Refere que, durante todo o período do procedimento administrativo, as autoridades alemãs não especificaram, no entanto, a necessidade da referida operação para efeitos da elegibilidade para os auxílios à reestruturação.

40      Em terceiro lugar, a Comissão considera que os objectivos desse investimento, isto é, a redução dos custos de produção e a aquisição do saber‑fazer necessário para desenvolver novos produtos, podiam ser alcançados independentemente da aquisição da TSE, dado que o director da Schmitz‑Gotha era igualmente o director e o accionista maioritário da TSE e, por conseguinte, poderia ter estabelecido uma cooperação especial entre as duas empresas.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–       Observações preliminares

41      A Comissão goza, quanto à aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE, de um amplo poder de apreciação cujo exercício implica avaliações complexas de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário. A fiscalização jurisdicional aplicada ao exercício desse poder de apreciação limita‑se à verificação do respeito das regras de processo e de fundamentação, bem como ao controlo da exactidão material dos factos considerados e à inexistência de erro de direito, de erro manifesto na apreciação dos factos ou de desvio de poder (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑372/97, Colect., p. I‑3679, n.° 83 e a jurisprudência citada).

42      Por outro lado, a Comissão pode impor a si própria orientações para o exercício dos seus poderes de apreciação por actos, como as directrizes em questão, na medida em que elas contenham critérios indicativos sobre a orientação a seguir por essa instituição e não se afastem das normas do Tratado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaamse Gewest/Comissão, T‑214/95, Colect., p. II‑717, n.° 79). Tais medidas correspondem à vontade da Comissão de tornar públicos critérios indicativos sobre a orientação que pretende seguir, tal como se infere das suas decisões individuais no domínio em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 2001, Agrana Zucker und Stärke/Comissão, T‑187/99, Colect., p. II‑1587, n.° 56).

43      Para poder ser declarado compatível com o mercado comum em aplicação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE, um projecto de auxílio à reestruturação de uma empresa em dificuldade deve estar ligado a um plano de reestruturação que tenha em vista reduzir ou reorientar as suas actividades (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C‑278/92 a C‑280/92, Colect., p. I‑4103, n.° 67, e de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., p. I‑2481, n.° 45).

44      O ponto 3.2.2 das orientações, que especifica essa exigência, refere nomeadamente que o plano de reestruturação deve respeitar três requisitos materiais. É imperativo, em primeiro lugar, que permita a restauração da viabilidade da empresa beneficiária num prazo razoável e com base em hipóteses realistas [ponto 3.2.2, i)], em segundo lugar, que evite as distorções indevidas da concorrência [ponto 3.2.2, ii)] e, em terceiro lugar, que seja proporcional aos custos e aos benefícios da reestruturação [ponto 3.2.2, iii)].

45      Sendo esses requisitos cumulativos, basta que falte um deles para que um projecto de auxílio à reestruturação deva ser declarado incompatível pela Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, Colect., p. II‑2123, n.° 128; v. também, neste sentido, acórdão, França/Comissão, já referido, n.os 49 e 50).

46      No caso em apreço, a decisão impugnada foi adoptada com fundamento nas orientações e, mais particularmente, no ponto 3.2.2, iii).

47      Resulta dessa disposição que o auxílio em causa deve ser estritamente necessário ao restabelecimento da viabilidade do beneficiário, isto é, ele deve não só corresponder ao objectivo visado da reestruturação da empresa em causa, mas também ser proporcionado a esse objectivo, isto é, qualquer montante do auxílio que ultrapasse a estrita restauração da viabilidade do beneficiário não pode, em princípio, ser elegível com base nas orientações.

48      Além disso, importa recordar que incumbe ao Estado‑Membro em causa, para cumprir o seu dever de cooperação para com a Comissão, fornecer todos os elementos susceptíveis de permitir a esta instituição verificar que as condições da derrogação por ele pedida estão preenchidas (v. acórdão Regione autonoma della Sardegna/Comissão, já referido, n.° 129, e jurisprudência citada).

49      É à luz destas considerações que deve ser examinada a decisão impugnada, na medida em que esteja, segundo a recorrente, afectada por um erro manifesto de apreciação.

–        Quanto ao erro manifesto de apreciação alegado pela recorrente

50      Nos considerandos 62 a 64 da decisão impugnada, a Comissão expôs o que se segue:

«(62) […]Um dos investidores [na Schmitz‑Gotha], o Sr. Koch, era igualmente o fundador e o administrador da TSE, bem como o futuro gerente das duas empresas. A Comissão lembra que, apesar da injunção para apresentação de informações, a Alemanha não comunicou o contrato de cessão nem informações mais pormenorizadas por escrito quanto à composição anterior do capital da TSE. Por conseguinte, tendo em conta as outras circunstâncias e as informações comunicadas verbalmente, a Comissão não pode excluir que, antes da compra, uma parte substancial do capital da TSE tinha sido directa ou indirectamente detida pelo Sr. Koch ou pela sua família. A Alemanha declarou que a Schmitz‑Gotha não podia fabricar as peças que comprava à TSE, nem podia melhorar sensivelmente as condições de venda, e que o objectivo principal da compra consistia, por conseguinte, na redução dos custos de produção. A Comissão não pode excluir que, com base na compra da TSE, uma soma substancial, que devia ter sido afectada ao financiamento da reestruturação, foi efectivamente paga a um dos novos investidores. De qualquer modo, a compra da TSE não era necessária para assegurar uma boa cooperação com esta empresa. Como o Sr. Koch era fundador e administrador da TSE, tendo‑se tornado seguidamente o gerente da Schmitz‑Gotha, afigurava‑se pouco provável que tivessem sido acordadas com a TSE melhores condições de compra. Por outro lado, uma empresa competitiva deverá, em princípio, ser capaz de financiar os seus fornecimentos a preços de mercado, sem para tal ter de incorrer em dificuldades financeiras.

(63) As informações comunicadas pela Alemanha demonstram que a compra da TSE foi um investimento útil para a empresa, dado ter permitido substanciais reduções de custos que contribuíram para reduzir num ano a duração da reestruturação. No entanto, tal não significa forçosamente que o investimento tenha sido necessário para a realização da reestruturação. Em princípio, caso a empresa receba auxílios para o financiamento da sua reestruturação, os investimentos que aumentam a sua eficácia não podem ser autorizados, dado reduzirem simultaneamente a capacidade do beneficiário do auxílio de financiar a reestruturação com base nos seus recursos próprios. Só podem ser autorizados se o êxito da reestruturação estiver globalmente comprometido ou indevidamente atrasado, devido à ausência do investimento considerado necessário para efeitos de reestruturação, dado o objecto do auxílio se limitar ao restabelecimento da viabilidade da empresa num prazo razoável. Qualquer investimento que ultrapasse o que é necessário para o restabelecimento da viabilidade num prazo razoável consome obrigatoriamente meios financeiros, que teriam sido afectados aos custos de reestruturação efectivamente necessários, tendo assim sido reduzido o montante do auxílio necessário para a reestruturação. Daqui decorre que os investimentos que não foram necessários para a reestruturação produzem uma intensidade de auxílio que excede o mínimo estritamente necessário para permitir a reestruturação, de acordo com o critério da proporcionalidade.

(64) A redução dos custos dos fornecimentos não pode, por si só, justificar a necessidade da compra da TSE para efeitos de reestruturação. Além disso, a Comissão verifica que a Alemanha nunca indicou que, sem esta compra, o êxito da reestruturação estivesse comprometido ou indevidamente atrasado. Mesmo sem ter em conta a compra da TSE, o plano inicial previa a realização de um resultado de exploração positivo no espaço de quatro exercícios. De acordo com as informações mais recentes, esta duração seria encurtada num ano graças à compra. No entanto, uma duração de quatro anos para alcançar o limite de rendibilidade não seria considerado desproporcionado para efeitos de reestruturação. Ao contrário, o plano inicial já previa um restabelecimento relativamente rápido da viabilidade. Deve verificar‑se que, mesmo sem a compra da TSE, a reestruturação poderia ter sido realizada num prazo razoável e que esta aquisição não seria assim necessária para o êxito da reestruturação. Por conseguinte, a Comissão verifica que a compra da TSE não era indispensável para realizar os objectivos do plano, mas que os fundos que lhe foram afectados deveriam ter contribuído para o financiamento da reestruturação a fim de reduzir o montante do auxílio necessário para a mencionada reestruturação.»

51      Em apoio do seu primeiro fundamento, a recorrente alega, em primeiro lugar, no essencial, que a decisão impugnada está baseada numa premissa factual errada, segundo a qual a aquisição da TSE permitira simplesmente encurtar num ano a duração da reestruturação. Em apoio da sua tese, a recorrente invoca o projecto de empresa e os seus anexos, entre os quais, nomeadamente, o «Plano de desenvolvimento – Perdas e lucros», o plano de gestão financeira e o plano de desenvolvimento de activos corpóreos da Schmitz‑Gotha, que tinham sido apresentados às autoridades alemãs e que figuram no anexo da petição. Além disso, a recorrente alega o carácter contraditório das afirmações da Comissão respeitantes às informações de que ela dispunha sobre a identidade dos accionistas da TSE. Em apoio das suas alegações, a recorrente refere‑se à carta de notificação de 18 de Maio de 1998, bem como às cartas dirigidas à Comissão em 16 e 3 de Julho de 2002, anexadas aos escritos das partes.

52      Esta argumentação não pode ser acolhida.

53      A título preliminar, deve reconhecer‑se que, no momento de adoptar a decisão impugnada, a Comissão não dispunha do projecto de empresa de que se prevalece a recorrente, à excepção do «Plano de desenvolvimento –Perdas e lucros» que tinha sido anexado à carta de notificação de 18 de Maio de 1998.

54      Ora, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que o acto foi adoptado e que as apreciações efectuadas pela Comissão só devem ser examinadas em função exclusivamente de elementos de que esta dispunha no momento em que as efectuou (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, n.° 16; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, Colect., p. II‑2405, n.° 81, de 6 de Outubro de 1999, Salomon/Comissão, T‑123/97, Colect., p. II‑2925, n.° 48, e de 14 de Maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão, T‑126/99, Colect., p. II‑2427, n.° 33). Por conseguinte, para contestar a legalidade da decisão impugnada, a recorrente não pode prevalecer‑se dos elementos de que a Comissão não teve conhecimento durante o procedimento administrativo (v., neste sentido, acórdão Espanha/Comissão, já referido, n.° 31). Acontece o mesmo quando, como no caso em apreço, a recorrente não participou no procedimento administrativo, mesmo que tivesse sido nominalmente designada durante esse procedimento como sendo o beneficiário do auxílio em causa e a Comissão tivesse convidado as autoridades alemãs e os eventuais interessados a carrear a prova da necessidade da compra da empresa TSE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Maio de 2005, Saxonia Edelmetalle/Comissão, T‑111/01 e T‑133/01, Colect., p. II‑1579, n.os 67 a 70). Com efeito, uma vez que a Comissão permitiu aos interessados apresentarem utilmente as suas observações, não pode ser acusada de não ter tido em conta eventuais elementos de facto que lhe poderiam ter sido apresentados durante o procedimento administrativo, mas que não o foram, pois a Comissão não tem obrigação de examinar oficiosamente e por estimativa quais são os elementos que lhe poderiam ter sido submetidos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Janeiro de 2004, Fleuren Compost/Comissão, T‑109/01, Colect., p. II‑127, n.os 48 e 49). Portanto, a recorrente não poderá prevalecer‑se, em apoio do seu motivo de acusação, do projecto de empresa junto ao anexo da petição.

55      Feita esta especificação, importa salientar que, embora a TSE tenha sido mencionada em duas ocasiões na carta de notificação de 18 de Maio de 1998, essas menções eram claramente acessórias às relativas à operação de reestruturação da recorrente e não indicavam que a compra da TSE seria financiada pelas medidas de auxílio notificadas. Assim, era indicado que J. Koch era o director da TSE de que era fundador. Por outro lado, esse documento, na secção relativa à produção da Schmitz‑Gotha, especificava que «além disso, a produção de veículos seria organizada de maneira particularmente racional graças à aquisição do fornecedor TSE e à separação dos módulos de construção [dos veículos] e da pré‑montagem» e que «os sócios da nova empresa traziam um saber‑fazer em matéria de produção e de ‘reengineering’». Interrogada especificamente sobre este ponto na audiência, a recorrente não conseguiu explicar a razão pela qual, a despeito do seu argumento relativo ao carácter necessário da aquisição da TSE para efeitos da reestruturação da Schmitz‑Gotha, só essas duas menções acessórias figuravam na carta de notificação de 18 de Maio de 1998. Por outro lado, resulta dos próprios termos da referida carta, repetidos na decisão de dar início ao procedimento, que a reestruturação da Schmitz‑Gotha, começada em 1997, devia estar concluída no decorrer do ano 2000. O Tribunal salienta, à semelhança da Comissão na decisão impugnada, que essa indicação é totalmente independente da compra da TSE pela Schmitz‑Gotha.

56      Quanto ao motivo de acusação da recorrente relativo à posição alegadamente contraditória da Comissão a propósito do seu conhecimento da identidade de J. Koch, há que reconhecer que, tal como referiu no considerando 62 da decisão impugnada, a Comissão conhecia os laços pessoais que uniam J. Koch à TSE. É um facto, na verdade que, nos seus escritos, a Comissão matizou o seu grau de conhecimento dos referidos laços. Todavia, e de qualquer forma, esses reparos, efectuados no decurso da instância, não podem afectar o conteúdo e a legalidade da decisão impugnada quanto a esse aspecto. As críticas da recorrente a esse propósito são, portanto, inoperantes.

57      Em segundo lugar, baseando‑se em vários documentos anexados à petição, isto é, os dois contratos de 9 de Outubro de 1997, o projecto de empresa, a carta de notificação de 18 de Maio de 1998, o documento intitulado «Desenvolvimento do volume de negócios da Schmitz‑Gotha», o projecto da TSE relativo ao desenvolvimento do saber‑fazer por prestadores externos, bem como nas cartas anexadas à contestação e dirigidas, pela República Federal da Alemanha, à Comissão em 10 de Agosto de 2001, 16 de Maio, 28 de Maio e 3 de Julho de 2002, a recorrente afirma, no essencial, que a aquisição da TSE, financiada pelo auxílio controvertido, era conforme ao critério do «mínimo rigorosamente necessário», porque a integração desta na Schmitz‑Gotha era indispensável para lhe permitir desenvolver os seus próprios produtos e tornar‑se, por consequência, independente e competitiva no mercado. A recorrente afirma que a Comissão se limitou, na sua apreciação, a considerar apenas os efeitos, em termos de redução dos custos, da compra da TSE pela Schmitz‑Gotha, sem de modo algum tomar em consideração a integração do saber‑fazer, que, segundo a recorrente, podia ser unicamente realizada por meio dessa aquisição.

58      Essa argumentação também não pode vingar.

59      Em primeiro lugar, à semelhança do que foi concluído no n.° 54, supra, a propósito do projecto de empresa, que, sendo apresentado pela primeira vez no decurso da instância, não pode ser tomado em consideração pelo Tribunal para examinar a legalidade da decisão impugnada, os dois contratos de 9 de Outubro de 1997 e o projecto da TSE relativo ao desenvolvimento do saber‑fazer por prestadores externos não poderão ser tomados em conta, pois resulta claro que esses elementos não foram comunicados à Comissão antes da adopção da decisão impugnada.

60      Segue‑se que a alegação deduzida de um erro manifesto de apreciação da Comissão, exposta nos considerandos 62 a 64 da decisão impugnada, deve ser examinada tomando unicamente em consideração os documentos de que dispunha a Comissão no momento da adopção dessa decisão, isto é, a carta de notificação de 18 de Maio de 1998 (incluindo o «Plano de desenvolvimento – Perdas e lucros» da Schmitz‑Gotha que a ela estava anexado), o documento intitulado «Desenvolvimento do volume de negócios da Schmitz‑Gotha», bem como as cartas dirigidas pela República Federal da Alemanha à Comissão em 10 de Agosto de 2001, bem como em 16 de Maio, 28 de Maio e 3 de Julho de 2002.

61      Em seguida, no tocante a esses documentos, importa recordar que, na carta de notificação de 18 de Maio de 1998, a República Federal da Alemanha observou, por um lado, que a produção de veículos na Schmitz‑Gotha estava organizada de maneira particularmente racional graças à aquisição do fornecedor TSE e à separação dos módulos de construção dos veículos e da pré‑montagem e, por outro, que os sócios da nova empresa entravam com um saber‑fazer em matéria de produção e de «reengineering».

62      Na sua carta de 10 de Agosto de 2001, as autoridades alemãs expuseram duas consequências da compra da TSE. Em primeiro lugar, mencionaram que essa compra permitia «a redução dos custos de produção graças à supressão de um fornecedor intermediário e da margem de lucro que lhe cabe». Em segundo lugar, afirmaram que essa compra conduzia à «aquisição de um saber‑fazer técnico […] que [permitia] a complementação da produção propriamente dita com as capacidades de desenvolvimento técnicas, a fim de chegar à competitividade».

63      Por outro lado, na sua carta de 16 de Maio de 2002, a propósito do interesse da compra da TSE, as autoridades alemãs sublinharam que «para a Schmitz‑Gotha, a aquisição da TSE tinha […], em primeiro lugar, no plano dos custos um interesse considerável». Além disso, no respeitante ao saber‑fazer, reafirmaram que: «a Schmitz‑Gotha não tinha qualquer outro meio de obter a tecnologia aperfeiçoada pela TSE no fabrico dos componentes. O custo de um desenvolvimento interno dos componentes e do seu fabrico para a própria produção da empresa seria demasiado elevado em dinheiro e em tempo para preservar a rentabilidade da Schmitz‑Gotha, tanto mais que esta não dispunha quase de nenhum saber‑fazer na matéria».

64      Na sua carta de 28 de Maio de 2002, a República Federal da Alemanha afirmou igualmente que o carácter necessário da compra da TSE se baseava, por um lado, na necessidade de obter componentes automóveis de alto nível tecnológico e qualitativo que «a Schmitz‑Gotha não podia […] comprar em quantidade suficiente para beneficiar das condições de preço indispensáveis a uma redução de custos, que permitisse uma política de preços mais concorrencial», e, por outro, no facto de que a Schmitz‑Gotha «não tinha qualquer outro meio de obter a tecnologia aperfeiçoada pela TSE no fabrico dos componentes».

65      Na carta de 3 de Julho de 2002, invocada novamente na audiência pela recorrente, a República Federal da Alemanha completou as indicações expostas supra. Assim, especificou que, graças à participação na TSE, a parte dos fornecimentos nos custos de produção da Schmitz‑Gotha tinha diminuído, que a compra representava um potencial de economias, no período compreendido entre 1998 e 2002, de pouco menos de 5 000 000 de DEM e que a rentabilidade da Schmitz‑Gotha tinha sido atingida um ano antes do termo projectado do período de reestruturação. As autoridades alemãs concluíam, nomeadamente, que a aquisição da TSE era indispensável para reduzir os custos de fornecimento da recorrente, que a simples participação na TSE tinha permitido à Schmitz‑Gotha remediar a falta de saber‑fazer e que a Schmitz‑Gotha não estava em posição de negociar descontos da amplitude dos concedidos a outras empresas.

66      O documento intitulado «Desenvolvimento do volume de negócios da Schmitz‑Gotha», junto ao anexo da petição, expõe, sob a forma de quadro, o volume de negócios da Schmitz‑Gotha resultante das suas vendas a empresas terceiras entre 1997 e 2000.

67      Resulta do conjunto das cartas já referidas que as autoridades alemãs insistiram essencialmente, por um lado, nas economias de custos de produção que geraria, para a Schmitz‑Gotha, a aquisição da TSE, ao suprimir a interposição de um fornecedor, e, por outro, afirmaram que essa operação trouxe o saber‑fazer necessário à recorrente para desenvolver os seus produtos.

68      Ora, quanto à primeira explicação, o Tribunal salienta, tal como a Comissão referiu com razão, que tais economias de custos não demonstram que a reestruturação da Schmitz‑Gotha não teria êxito nos prazos inicialmente previstos, na falta de aquisição da TSE, isto é, no fim de contas, através de investimentos menos dispendiosos em recursos estatais. Em particular, a circunstância, destacada na carta de 3 de Julho de 2002, já citada, de que se prevalece a recorrente, segundo a qual a Schmitz‑Gotha pôde realizar tais economias entre 1998 e 2002, isto é, posteriormente ao pagamento do auxílio controvertido, não constitui a prova de que a compra da TSE pela recorrente era estritamente necessária à reestruturação da Schmitz‑Gotha e de que, assim, essa operação podia ser financiada por auxílios estatais.

69      Quanto à integração do saber‑fazer da TSE nas actividades da recorrente, resulta das cartas antes referidas que as autoridades alemãs se limitaram a afirmar o carácter necessário da compra da TSE, sem todavia explicar porque é que a aquisição da TSE era estritamente necessária para chegar a tal resultado, em conformidade com o ponto 3.2.2, iii), das Orientações. Com efeito, as autoridades alemãs não chegaram a explicar por que razão é que o meio mais económico em termos de utilização de fundos públicos para a aquisição do saber‑fazer necessário ao desenvolvimento dos componentes automóveis da Schmitz‑Gotha consistia em financiar a aquisição da TSE na sua totalidade.

70      É um facto, na verdade, tal como sugere a recorrente, que, nos motivos da decisão impugnada, a Comissão analisa de maneira sucinta o argumento das autoridades alemãs segundo o qual a aquisição da TSE era necessária para permitir à Schmitz‑Gotha obter o saber‑fazer relativo ao desenvolvimento de componentes automóveis.

71      Todavia, além do facto de essa questão não fazer parte da análise de um alegado erro manifesto de apreciação mas de uma eventual insuficiência de fundamentação, há que recordar que, no considerando 62 da decisão impugnada, a Comissão referiu, no essencial, que, de qualquer forma, a compra da TSE não era necessária para assegurar uma boa cooperação com essa empresa, nomeadamente, na medida em que J. Koch, enquanto gerente comum da Schmitz‑Gotha e da TSE e accionista maioritário desta, poderia provavelmente ter obtido melhores condições de compra da TSE.

72      Por outro lado, não pode ser acolhida a afirmação da recorrente segundo a qual ela estava na impossibilidade de adquirir o saber‑fazer necessário sob a forma de prestações externas de serviços, em razão dos custos excessivos que tais serviços gerariam e que o projecto da TSE, de 17 de Agosto de 1997, relativo ao desenvolvimento do saber‑fazer por prestadores externos, que figura no anexo à petição, demonstra.

73      Com efeito, há que recordar que, no quadro da fiscalização da legalidade da decisão impugnada, o elemento que figura nesse anexo não pode ser tomado em consideração pelo Tribunal (v. n.° 59, supra). Por outro lado, mesmo partindo do princípio de que esse documento pudesse ser tomado em consideração, não é, todavia, por si só, suficiente para demonstrar que a aquisição da TSE na sua totalidade era estritamente necessária para permitir à recorrente obter o saber‑fazer para efeitos da sua reestruturação, na acepção do ponto 3.2.2, iii), das Orientações.

74      Finalmente, quanto ao documento intitulado «Desenvolvimento do volume de negócios da Schmitz‑Gotha», igualmente anexado à petição, embora esse documento indique, na verdade, que esse volume de negócios aumentou significativamente durante o período de 1997/2000, não demonstra, no entanto, por si só, o nexo entre esse crescimento e a aquisição da TSE nem a fortiori a necessidade da compra da TSE para efeitos da reestruturação da recorrente, na acepção do ponto 3.2.2, iii), das Orientações. Conclui‑se que, mesmo não analisando especificamente esse documento na decisão impugnada, a Comissão não cometeu na sua apreciação um erro manifesto.

75      Para ser exaustivo, o Tribunal salienta que, no conjunto dos documentos já referidos disponíveis na altura da adopção da decisão impugnada, as autoridades alemãs não descreveram, em momento algum, de maneira precisa, a natureza do saber‑fazer de que pôde beneficiar a Schmitz‑Gotha graças à aquisição da TSE.

76      Segue‑se que, com fundamento nas observações de que a Comissão dispunha no momento da adopção da decisão impugnada, a recorrente não conseguiu demonstrar que essa decisão, na medida em que considerou que as autoridades alemãs não tinham carreado a prova da necessidade da compra da TSE para efeitos da reestruturação da Schmitz‑Gotha, na acepção do ponto 3.2.2, iii), das Orientações, estava afectada por um erro manifesto de apreciação.

77      O primeiro fundamento deve, por conseguinte, ser rejeitado.

 Quanto ao segundo fundamento relativo a um desvio de poder

 Argumentos das partes

78      A recorrente sustenta, em substância, que a decisão impugnada revela um desvio de poder na medida em que, ao adoptar essa decisão, a Comissão se baseou em considerações subjectivas.

79      Mais precisamente, considera que a decisão impugnada foi adoptada com a finalidade de aplicar uma sanção a um alegado enriquecimento de J. Koch, que teria agido em seu próprio proveito, utilizando fundos públicos para comprar uma empresa que já lhe pertencia. Alega que, no momento da adopção da decisão impugnada, a Comissão não tomou em conta as considerações de facto relativas à necessidade da aquisição da TSE para o sucesso da reestruturação da Schmitz‑Gotha.

80      A Comissão responde que essa alegação é desprovida de fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

81      Segundo a jurisprudência, uma decisão só está afectada de desvio de poder se resultar, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir objectivos diferentes dos invocados (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 1990, Pitrone/Comissão, T‑46/89, Colect., p. II‑577, n.° 71, e de 6 de Março de 2002, Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑92/00 e T‑103/00, Colect. p. II‑1385, n.° 84).

82      Ora, há que considerar que, em apoio da sua alegação, a recorrente não avança qualquer indício objectivo que permita concluir que a verdadeira finalidade prosseguida pela Comissão, ao adoptar a decisão impugnada, era a de aplicar uma sanção a um alegado enriquecimento do director da Schmitz‑Gotha.

83      Na verdade, no considerando 62 da decisão impugnada, a Comissão lembrou a particularidade da operação em causa, salientando, no essencial, que J. Koch, enquanto accionista da recorrente e seu único director, lhe vendera uma empresa que ele dirigia e que já lhe pertencia e que fizera pagar o preço de venda à República Federal da Alemanha, por intermédio do auxílio controvertido.

84      Todavia, tal como foi exposto, supra, no quadro da apreciação do primeiro fundamento invocado pela recorrente, resulta claramente dos considerandos 63 e 64 da decisão impugnada que a Comissão se baseou em elementos objectivos para declarar que os requisitos previstos pelo ponto 3.2.2, iii), das Orientações não estavam reunidos no caso em apreço.

85      Por conseguinte, o segundo fundamento invocado pela recorrente deve ser rejeitado.

 Quanto ao terceiro fundamento, invocado a título subsidiário, relativo a um erro da Comissão quanto ao montante do auxílio que deve ser restituído

 Argumentos das partes

86      Segundo a recorrente, mesmo que o Tribunal tenha de considerar a compra da TSE incompatível com o mercado comum, só 1 500 000 DEM poderão ser objecto de recuperação. A recorrente alega que uma parte do preço de compra, que ascende a cerca de 700 000 DEM, não infringe as regras relativas aos auxílios estatais, dada a ausência de risco de perda. Trata‑se, em particular, em sua opinião, dos elementos do activo presentes na tesouraria da Schmitz‑Gotha, tais como o capital, os reportes de lucros disponíveis e o excedente anual acumulado de que dispunha e que ela poderia levantar imediatamente.

87      A Comissão conclui pela improcedência dos pedidos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

88      Tal como foi então referido, a apreciação da compatibilidade do auxílio controvertido baseia‑se na sua eventual necessidade para efeitos da reestruturação da empresa em causa. Contrariamente ao que sustenta a recorrente, o risco que comporta o investimento em causa constitui um elemento estranho a essa questão. A circunstância de o auxílio controvertido ter podido financiar um investimento que se afigurou desprovido de risco não é, portanto, pertinente no caso em apreço.

89      Além disso, importa recordar que, nos termos do ponto 3.2.2, iii), das Orientações, «[p]ara limitar as distorções de concorrência, convém evitar que o auxílio seja concedido de forma que permita à empresa dispor de meios de liquidez excedentários, susceptíveis de ser utilizados em actividades agressivas que possam provocar distorções no mercado e não estejam ligadas ao processo de reestruturação». Ora, nas circunstâncias do caso concreto, qualquer recuperação parcial do auxílio incompatível comportaria o risco de a Schmitz‑Gotha dispor de meios de liquidez excedentários, na acepção do ponto 3.2.2 das Orientações. Foi, portanto, com razão que a Comissão exigiu, no artigo 2.° da decisão impugnada, a recuperação de 2 200 000 DEM.

90      Por conseguinte, a terceiro fundamento deve ser rejeitado, e deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

91      Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com as conclusões da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Legal

Lindh

Mengozzi

Wiszniewska‑Białecka

 

      Vadapalas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Abril de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: alemão.