Language of document : ECLI:EU:T:2006:84

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

15 de Março de 2006 (*)

«Marca comunitária – Marca tridimensional – Forma de uma garrafa de plástico – Recusa de registo – Motivo absoluto de recusa – Inexistência de carácter distintivo – Marca nacional anterior – Convenção de Paris – Acordo ADPIC – Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T‑129/04,

Develey Holding GmbH & Co. Beteiligungs KG, com sede em Unterhaching (Alemanha), representada por R. Kunz‑Hallstein e H. Kunz‑Hallstein, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por G. Schneider, na qualidade de agente,

recorrido,

que tem por objecto um recurso de anulação da decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI de 20 de Janeiro de 2004 (processo R 367/2003‑2), que recusa o pedido de registo como marca comunitária de um sinal tridimensional que se apresenta sob a forma de uma garrafa,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, A. W. H. Meij e I. Pelikánová, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Abril de 2004,

vista a contestação entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Julho de 2004,

vistas as questões escritas do Tribunal de Primeira Instância às partes, de 23 de Maio de 2005,

após a audiência de 12 de Julho de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 14 de Fevereiro de 2002, a recorrente apresentou um pedido de registo de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), com as alterações posteriores, reivindicando a prioridade de uma apresentação inicial na Alemanha em 16 de Agosto de 2001.

2        O pedido dizia respeito ao registo de um sinal tridimensional que se apresenta sob a forma de uma garrafa e que é a seguir reproduzido (a seguir «marca pedida»):


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3        Os produtos para os quais o registo da marca foi pedido são abrangidos pelas classes 29, 30 e 32 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e alterado, e correspondem, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

–        Classe 29: «Pimentos, concentrado de tomate, leite e lacticínios, iogurte, natas, óleos e gorduras comestíveis»;

–        Classe 30: «Especiarias; temperos; mostarda, produtos à base de mostarda; maionese, produtos à base de maionese; vinagre, produtos à base de vinagre; bebidas produzidas à base de vinagre; unguentos; relish; aromas e essências alimentares; ácido cítrico, ácido málico, ácido tartárico enquanto aromas para a confecção de alimentos; rábano preparado; ketchup e preparados à base de ketchup, molhos de frutos; molhos para saladas, cremes para saladas»;

–        Classe 32: «Bebidas de fruta e sumo de sumos de fruta; xaropes e outras preparações para bebidas».

4        Por decisão de 1 de Abril de 2003, o examinador recusou o pedido de registo nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. O examinador concluiu que, por um lado, o IHMI não está vinculado pelos registos nacionais anteriores e, por outro, a forma da marca pedida não apresenta nenhum elemento invulgar e facilmente identificável que lhe permita ser distinguida das formas habituais disponíveis no mercado e lhe confira uma função indicadora da origem comercial.

5        A Segunda Câmara de Recurso negou provimento ao recurso interposto pela recorrente, que se baseava, designadamente, no carácter invulgar e especial da garrafa em questão, por decisão de 20 de Janeiro de 2004 (a seguir «decisão impugnada»). A Câmara de Recurso acolheu a argumentação do examinador. Acrescentou que, no que respeita a uma marca constituída pela forma da embalagem, era necessário ter em consideração o facto de que a percepção do público‑alvo não era necessariamente a mesma que no caso de uma marca nominativa, figurativa ou tridimensional, independente do aspecto do produto que designa. Com efeito, o consumidor final em causa presta habitualmente mais atenção à etiqueta colocada na garrafa do que à simples forma do recipiente nu e incolor.

6        A Câmara de Recurso observou que a marca pedida não apresenta nenhuma característica suplementar que lhe confira a capacidade de ser distinguida claramente das formas correntes disponíveis e de permanecer gravada na memória do consumidor como indicação de origem. Com efeito, considerou, a concepção especial invocada pela recorrente só se revela após um exame analítico prolongado, que o consumidor médio em causa não efectua.

7        Por último, a Câmara de Recurso observou que a recorrente não podia invocar o registo da marca pedida no registo de marcas alemão, uma vez que tal registo nacional, embora possa ser tomado em consideração, não é, no entanto, decisivo. Além disso, segundo a Câmara de Recurso, os documentos de registo apresentados pela recorrente não precisam os fundamentos com base nos quais o registo do sinal em causa tinha sido aceite.

 Pedidos das partes

8        A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o IHMI nas despesas.

9        O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

10      A recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, respectivamente, à violação das regras do ónus da prova pelo IHMI, o que constitui uma violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 (primeiro fundamento), à violação do artigo 6.° quinquies, ponto A, n.° 1, da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, de 20 de Março de 1883, revista em último lugar em Estocolmo em 14 de Julho de 1967 e alterada em 28 de Setembro de 1979 (recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.° 11847, p. 108, a seguir «Convenção de Paris»), na medida em que o IHMI privou o registo nacional anterior de protecção (segundo fundamento), à violação do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, do artigo 6.° quinquies da Convenção de Paris e do artigo 2.°, n.° 1, do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio, incluindo o comércio de mercadorias contrafeitas, de 15 de Abril de 1994 (a seguir «acordo ADPIC»), na medida em que o IHMI não examinou suficientemente o registo nacional anterior (terceiro fundamento) e à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, na medida em que o IHMI não teve em consideração o carácter distintivo da marca pedida e o facto de que as características desta última não têm qualquer função técnica (quarto fundamento).

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

11      A recorrente considera que a Câmara de Recurso violou a obrigação de provar a inexistência de carácter distintivo que lhe incumbe por força do Regulamento n.° 40/94, quando observou que a forma em questão seria apreendida como a forma de uma garrafa corrente e não como um indicador da origem comercial, sem basear a sua conclusão em exemplos concretos. A recorrente alega que incumbe ao IHMI, ao qual compete conhecer oficiosamente os factos para apreciar se existem motivos absolutos de recusa, demonstrar a inexistência de carácter distintivo. Só no caso de o IHMI conseguir provar a inexistência de carácter distintivo intrínseco da marca pedida é que o requerente poderá em seguida demonstrar que o carácter distintivo foi adquirido através da utilização.

12      Na audiência, a recorrente acrescentou que o facto de o ónus da prova incumbir ao IHMI resulta igualmente do artigo 6.° quinquies da Convenção de Paris. Na opinião da recorrente, este último artigo dispõe, com efeito, que a protecção de uma marca registada num Estado signatário da Convenção de Paris deve ser a regra, sendo a recusa de protecção uma excepção que deve ser interpretada restritivamente.

13      O IHMI contesta a argumentação da recorrente, salientando que o exame oficioso dos factos não diz respeito ao ónus da prova. Acrescenta que não pode ser obrigado a produzir uma prova negativa, ou seja, a da inexistência de carácter distintivo. Por último, referindo‑se à jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, o IHMI refere que só está sujeito, relativamente à inexistência de carácter distintivo, ao dever de fundamentação. Do mesmo modo, o IHMI considera que resulta da jurisprudência que se pode basear em informações gerais resultantes da experiência, como foi o caso no presente processo, e que compete ao requerente, sendo caso disso, fornecer indicações concretas e baseadas na percepção dos consumidores em causa de determinados sinais como indicadores da origem comercial.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

14      Em primeiro lugar, há que observar que a referência à Convenção de Paris feita pela recorrente na audiência não é pertinente. Com efeito, o artigo 6.° quinquies desta convenção, que diz respeito à protecção e ao registo das marcas apresentadas noutro Estado signatário da Convenção de Paris, não contém disposições que regulem a repartição do ónus da prova nos processos de registo de marcas comunitárias.

15      Em segundo lugar, há que observar que, ao examinar a existência de motivos absolutos de recusa previstos no artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, o papel do IHMI é decidir, após ter apreciado objectiva e imparcialmente as circunstâncias do caso concreto à luz das disposições aplicáveis do Regulamento n.° 40/94 e da sua interpretação efectuada pelo órgão jurisdicional comunitário, e, ao mesmo tempo, permitindo que o requerente apresente as suas observações e conheça os fundamentos da decisão adoptada, se o pedido de marca está ferido de um motivo absoluto de recusa. Esta decisão decorre de uma apreciação de ordem jurídica que, pela sua própria natureza, não pode estar sujeita a uma obrigação de prova, podendo, além disso, a justeza desta apreciação ser contestada em sede de recurso para o Tribunal de Primeira Instância (v. n.° 18, infra).

16      Por força do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, no exame dos motivos absolutos de recusa, o IHMI tem de examinar oficiosamente os factos relevantes que poderão conduzir à aplicação de um motivo absoluto de recusa.

17      Se o IHMI verificar a existência de factos que justifiquem a aplicação de um motivo absoluto de recusa, tem a obrigação de informar o requerente desse facto e permitir que este último retire ou modifique o seu pedido ou apresente as suas observações ao abrigo do disposto no artigo 38.°, n.° 3, do referido regulamento.

18      Por último, se desejar recusar o pedido de marca com fundamento na existência de um motivo absoluto de recusa, o IHMI tem a obrigação de fundamentar a sua decisão por força do artigo 73.°, primeiro período, do referido regulamento. Esta fundamentação tem o duplo objectivo de, por um lado, permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adoptada para defenderem os seus direitos e, por outro, permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 2004, Sunrider/IHMI – Vitakraft‑Werke Wührmann e Friesland Brands (VITATASTE e METABALANCE 44), T‑124/02 e T‑156/02, Colect., p. II‑1149, n.os 72 e 73, e a jurisprudência aí referida).

19      Em terceiro lugar, há que referir que, quando a Câmara de Recurso conclui pela inexistência de carácter distintivo intrínseco da marca pedida, pode basear o seu exame em factos resultantes da experiência prática geralmente adquirida da comercialização de produtos de consumo geral, factos esses que são susceptíveis de ser conhecidos por qualquer pessoa e são, designadamente, conhecidos pelos consumidores desses produtos [v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Junho de 2004, Ruiz‑Picasso e o./IHMI – DaimlerChrysler (PICARO), T‑185/02, Colect., p. II‑1739, n.° 29]. Em tal caso, a Câmara de Recurso não é obrigada a dar exemplos de tal experiência prática.

20      Foi nessa experiência adquirida que a Câmara de Recurso se baseou quando referiu, no n.° 52 da decisão impugnada, que o consumidor em questão apreendia a marca pedida como a forma de uma garrafa corrente destinada a conter bebidas, condimentos e alimentos líquidos e não como a marca de um fabricante determinado.

21      Na medida em que a recorrente invoca o carácter distintivo da marca pedida, não obstante o exame da Câmara de Recurso baseado na experiência acima referida, é a ela que compete fornecer indicações concretas e fundadas que demonstrem que a marca pedida é dotada de carácter distintivo intrínseco ou de carácter distintivo adquirido através da utilização, dado que a recorrente está em melhores condições de o fazer devido ao seu conhecimento profundo do mercado [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 2003, Unilever/IHMI (Pastilha oval), T‑194/01, Colect., p. II‑383, n.° 48].

22      Daqui resulta que a recorrente não tem razão quando alega que, ao não fornecer tais indicações, a Câmara de Recurso violou o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94. Por consequência, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 6.° quinquies, ponto A, n.° 1, da Convenção de Paris

 Argumentos das partes

23      A recorrente alega que, ao decidir que a marca pedida era desprovida de carácter distintivo no território da Comunidade, o IHMI considerou efectivamente inválida, e, portanto, desprovida de protecção no território alemão, a marca alemã anterior que protegia o mesmo sinal, registado no Deutsches Patent‑ und Markenamt (Instituto alemão das patentes e das marcas). A recorrente considera que este comportamento do IHMI constitui uma violação do artigo 6.° quinquies, ponto A, n.° 1, da Convenção de Paris, que proíbe o IHMI de declarar que a marca não pode ser protegida no território do Estado signatário da Convenção de Paris em que foi registada.

24      O IHMI alega que o artigo 6.° quinquies, ponto A, n.° 1, da Convenção de Paris dispõe que a marca registada no país de origem é protegida tal qual, ou seja, como foi registada, no estrangeiro, com as reservas indicadas no mesmo artigo. Ora, o artigo 6.° quinquies, ponto B, alínea ii), estabelece expressamente uma recusa de registo em caso de inexistência de carácter distintivo. Acrescenta que a recusa de registo de uma marca comunitária não implica a anulação de um registo nacional que protege o mesmo sinal.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

25      Mesmo supondo que o artigo 6.° quinquies da Convenção de Paris se impõe ao IHMI, há que observar, em primeiro lugar, que a recorrente parte de uma premissa errada quando afirma que o IHMI declarou inválido um registo existente num Estado signatário da Convenção de Paris. Com efeito, por força do quinto considerando do Regulamento n.° 40/94, o direito de marcas comunitário não se substitui aos direitos de marcas dos Estados‑Membros. Por conseguinte, a decisão impugnada, através da qual o registo da marca pedida como marca comunitária foi recusado, não afecta a validade nem a protecção em território alemão do registo nacional anterior. Daqui resulta que, contrariamente às afirmações da recorrente, o IHMI não privou o registo nacional anterior de protecção no território alemão ao adoptar a decisão impugnada e, portanto, não violou por esse facto o artigo 6.° quinquies da Convenção de Paris.

26      Em segundo lugar, na medida em que, através do presente fundamento, a recorrente censura o IHMI por não ter admitido o registo da marca pedida por força do artigo 6.° quinquies, ponto A, n.° 1, da Convenção de Paris, há que observar, tal como o IHMI, que o ponto B, alínea ii), desse mesmo artigo prevê a possibilidade de recusar o registo no caso de a marca pedida ser desprovida de carácter distintivo. Daqui resulta que o IHMI não violou o artigo 6.° quinquies, ponto A, n.° 1, da Convenção de Paris pelo simples facto de ter oposto ao registo de marca pedido o motivo absoluto de recusa previsto no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, que proíbe o registo dos sinais desprovidos de carácter distintivo. Uma vez que a justeza da conclusão da Câmara de Recurso quanto à inexistência de carácter distintivo da marca pedida é objecto do quarto fundamento, não há que a analisar no âmbito do presente fundamento.

27      Daqui resulta que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, do artigo 6.° quinquies da Convenção de Paris e do artigo 2.° do acordo ADPIC

 Argumentos das partes

28      A recorrente considera que o IHMI não examinou suficientemente o registo anterior efectuado pelo Deutsches Patent‑ und Markenamt, relativo a um sinal idêntico ao que era objecto da marca pedida. Na sua opinião, a marca comunitária e os registos nacionais estão relacionados devido à possibilidade de reivindicar a antiguidade destes últimos. Daqui, a recorrente conclui que o IHMI deve ter em consideração os registos nacionais anteriores. Subsidiariamente, considera que resulta da concordância da base jurídica constituída pela Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), e pelo Regulamento n.° 40/94, que o IHMI e a administração nacional em causa devem aplicar os mesmos critérios previstos nos dois diplomas e que o IHMI deve, por consequência, explicar por que razão aplica esses critérios de forma diferente da administração nacional, decorrendo aquela obrigação do Regulamento n.° 40/94, da Convenção de Paris e do acordo ADPIC.

29      O IHMI alega que as referências à Convenção de Paris e ao acordo ADPIC não são pertinentes, uma vez que estes diplomas não dizem respeito ao dever de fundamentação. Em seguida, salienta que a fundamentação de uma decisão deve exprimir de forma clara e unívoca as considerações acolhidas pela autoridade competente. Segundo o IHMI, a decisão impugnada respeitou estas exigências, uma vez que a Câmara de Recurso salientou que o registo nacional anterior não tinha carácter vinculativo no regime das marcas comunitárias.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

30      Antes de mais, há que afastar a referência à Convenção de Paris e ao acordo ADPIC efectuada pela recorrente. Com efeito, ao contrário do Regulamento n.° 40/94, estes dois tratados não prevêem o dever de fundamentação das decisões e são, por este facto, desprovidos de pertinência no âmbito do presente fundamento.

31      Há igualmente que julgar improcedente o argumento da recorrente de que o titular de uma marca nacional pode reivindicar a antiguidade desta última em relação a um pedido de registo comunitário ou a uma marca comunitária que tenha por objecto o mesmo sinal e produtos ou serviços idênticos. É verdade que, como a recorrente alegou, por força dos artigos 34.° e 35.° do Regulamento n.° 40/94, quando o titular de uma marca comunitária que reivindicou a antiguidade de uma marca nacional anterior idêntica renunciar a esta última ou a deixar caducar, se considera que continua a beneficiar dos mesmos direitos que teria se essa marca anterior continuasse registada. No entanto, as referidas disposições não podem ter por objecto ou por efeito garantir ao titular de uma marca nacional o registo da mesma como marca comunitária, independentemente da existência de um motivo absoluto ou relativo de recusa.

32      Em seguida, no que respeita à alegada deficiência de exame do registo alemão anterior, há que observar que o regime comunitário de marcas é um sistema autónomo, constituído por um conjunto de normas e prosseguindo objectivos que lhe são específicos, sendo a sua aplicação independente de qualquer sistema nacional. Por consequência, a susceptibilidade de um sinal ser registado como marca comunitária deve ser apreciada apenas com base na regulamentação comunitária relevante, de modo que o IHMI e, se for caso disso, o juiz comunitário não estão vinculados por uma decisão adoptada ao nível de um Estado‑Membro, que admita a susceptibilidade de esse mesmo sinal ser registado como marca nacional. Tal é o caso mesmo que tal decisão tenha sido adoptada em aplicação de uma legislação nacional harmonizada com a Directiva 89/104 [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Streamserve/IHMI (STREAMSERVE), T‑106/00, Colect., p. II‑723, n.° 47].

33      Contudo, os registos já efectuados nos Estados‑Membros constituem um elemento que, sem ser decisivo, pode ser tomado em consideração para efeitos de registo de uma marca comunitária [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Fevereiro de 2000, Procter & Gamble/IHMI (Forma de um sabão), T‑122/99, Colect., p. II‑265, n.° 61; de 31 de Janeiro de 2001, Sunrider/IHMI (VITALITE), T‑24/00, Colect., p. II‑449, n.° 33; e de 19 de Setembro de 2001, Henkel/IHMI (Pastilha redonda vermelha e branca), T‑337/99, Colect., p. II‑2597, n.° 58]. Assim, os referidos registos podem oferecer um suporte de análise para a apreciação de um pedido de registo de uma marca comunitária [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Novembro de 2003, HERON Robotunits/IHMI (ROBOTUNITS), T‑222/02, Colect., p. II‑4995, n.° 52].

34      Ora, há que observar que a Câmara de Recurso declarou no n.° 55 da decisão impugnada o seguinte:

«[…] o registo da marca pedida no registo das marcas alemão […] não é vinculativo para o regime comunitário das marcas que é um instituto jurídico autónomo e independente dos regimes das marcas nacionais. De resto, os registos que existem nos Estados‑Membros constituem um facto que pode apenas ser tomado em consideração no contexto do registo de uma marca comunitária, sem ser decisivo. Além disso, os documentos de registo apresentados pela requerente não indicam os fundamentos com base nos quais o registo do sinal em causa foi aceite […]».

35      Assim, a Câmara de Recurso teve devidamente em consideração a existência do registo nacional, sem poder, apesar disso, examinar os fundamentos precisos que levaram o Deutsches Patent‑ und Markenamt a admitir o registo da marca nacional. Ora, uma vez a Câmara de Recurso desconhecia estes fundamentos, estes não lhe podiam servir de base para o exame.

36      Por último, no que respeita ao dever de fundamentação, cujo alcance foi acima recordado no n.° 18, há que observar que o n.° 55 da decisão impugnada, acima referido no n.° 34, explica de forma clara e unívoca os fundamentos que levaram a Câmara de Recurso a não seguir a decisão do Deutsches Patent‑ und Markenamt. Há que acrescentar que esta fundamentação permitiu à recorrente, por um lado, reconhecer os fundamentos da decisão impugnada para defender os seus direitos, de que são testemunhas as censuras apresentadas pela recorrente nos segundo e terceiro fundamentos do presente recurso e, por outro, permitiu ao Tribunal de Primeira Instância efectuar a fiscalização da legalidade da decisão impugnada.

37      Resulta do exposto que há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

38      A recorrente considera que, no caso vertente, a marca pedida tem o grau mínimo de carácter distintivo exigido pela jurisprudência. A este respeito, salienta que a impressão de conjunto produzida pela marca pedida se caracteriza por um gargalo fino, uma parte central achatada e larga, cuja maior parte da perspectiva frente e verso é convexa, uma parte baixa que termina num rebordo e por concavidades dispostas de forma simétrica nos lados do corpo da garrafa.

39      A recorrente contesta em seguida a observação do IHMI de que a marca pedida é apenas uma variação, mínima e discreta, das formas típicas e que essa marca não apresenta características suplementares que possam ser consideradas surpreendentes, especiais ou originais. Recorda que nem o facto de ser especial ou de ser original constituem critérios do carácter distintivo de uma marca. Pelo contrário, basta um mínimo de carácter distintivo para que a marca possa ser objecto de registo. A recorrente acrescenta que não há que aplicar um critério mais estrito para apreciar o carácter distintivo de uma marca tridimensional.

40      A recorrente contesta também a asserção segundo a qual o consumidor, quando efectua a sua escolha, se orienta em função da etiqueta ou do logótipo colocado no produto e não em função da forma da garrafa. Considera que, no momento da compra, o consumidor orienta a sua escolha em função da forma da garrafa e, apenas depois de ter identificado o produto desejado, comprovará a sua escolha com a ajuda da etiqueta. Acrescenta a este respeito que o consumidor médio está plenamente apto a apreender a forma da embalagem dos produtos em causa como uma indicação da origem comercial dos mesmos.

41      A título subsidiário, a recorrente alega que nenhuma das características da marca pedida tem uma função técnica.

42      O IHMI alega que o consumidor não estabelece geralmente uma correlação entre a forma ou a embalagem do produto e a origem deste último, mas refere‑se habitualmente, para reconhecer a origem comercial, às etiquetas colocadas na embalagem.

43      Acrescenta que as características da marca pedida invocadas pela recorrente constituem apenas características de concepção usual ou que só podem ser apreendidas pelo consumidor‑alvo após um exame analítico que o referido consumidor não efectuará. Daqui conclui que a marca pedida será apreendida como uma variante da forma da embalagem habitual do produto correspondente e não como uma indicação da sua origem comercial.

44      Por último, o IHMI salienta que a questão de saber se as características de concepção, consideradas de forma isolada, cumprem funções técnicas ou ergonómicas não tem importância no âmbito do exame do carácter distintivo.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

45      Antes de mais, há que recordar que o carácter distintivo de uma marca deve ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou aos serviços para os quais é pedido o registo e, por outro, em relação à percepção que deles tem o público‑alvo [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Dezembro de 2003, Nestlé Waters France/IHMI (Forma de uma garrafa), T‑305/02, Colect., p. II‑5207, n.° 29, e de 29 de Abril de 2004, Eurocermex/IHMI (Forma de uma garrafa de cerveja), T‑399/02, Colect., p. II‑1391, n.° 19]. Os critérios de apreciação do carácter distintivo de marcas tridimensionais constituídas pela forma de um produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas (acórdãos Forma de uma garrafa, já referido, n.° 35, e Forma de uma garrafa de cerveja, já referido, n.° 22). Além disso, ao examinar‑se o carácter distintivo de uma marca, há que apreciar a impressão de conjunto por ela produzida (v. acórdão Forma de uma garrafa, já referido, n.° 39, e a jurisprudência aí referida).

46      No caso vertente, os produtos visados pela marca pedida são produtos alimentares de consumo corrente. Por conseguinte, o público‑alvo é constituído por todos os consumidores. Portanto, há que apreciar o carácter distintivo da marca pedida tendo em consideração a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (acórdãos Forma de uma garrafa, já referido, n.° 33, e Forma de uma garrafa de cerveja, já referido, n.os 19 e 20).

47      Em primeiro lugar, no que respeita à tese da recorrente de que, no caso de produtos como os que estão em causa, o consumidor efectua a sua escolha mais em função da forma da embalagem do que pela etiqueta, há que observar que os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos baseando‑se na sua forma ou no seu acondicionamento, na falta de qualquer elemento gráfico ou textual (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 2004, Mag Instrument/IHMI, C‑136/02 P, Colect., p. I‑9165, n.° 30, e a jurisprudência aí referida). Do mesmo modo, esses consumidores atribuem, em primeiro lugar, uma simples função de acondicionamento às garrafas em que tais produtos são contidos [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Janeiro de 2004, Deutsche SiSi‑Werke/IHMI (Bolsa que se mantém na vertical), T‑146/02 a T‑153/02, Colect., p. II‑447, n.° 38]. Uma vez que a recorrente não apresentou elementos de prova que contrariem a aplicação desta jurisprudência ao caso vertente, há que julgar improcedente a sua tese.

48      Há que acrescentar que a conclusão contestada do IHMI não é incompatível com a circunstância, invocada pela recorrente, de que o consumidor médio está plenamente apto a apreender a forma da embalagem dos produtos de consumo corrente como uma indicação da sua origem comercial (acórdão Forma de uma garrafa, já referido, n.° 34). Mesmo se tal for o caso, esta conclusão geral não significa que todo e qualquer acondicionamento de um tal produto possui o carácter distintivo exigido para o seu registo como marca comunitária. Com efeito, a existência de carácter distintivo de um sinal deve ser apreciada em cada caso específico à luz dos critérios acima expostos nos n.os 45 e 46.

49      Em segundo lugar, no que respeita às quatro características que, segundo a recorrente, contribuem para o carácter distintivo da garrafa, há que observar, antes de mais, que o simples facto de uma forma ser uma variante de uma das formas habituais de um dado tipo de produtos não basta para demonstrar que a marca que consiste nesta forma não é desprovida de carácter distintivo. Deve verificar‑se sempre se essa marca permite ao consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, distinguir, sem proceder a uma análise e sem demonstrar particular atenção, o produto em questão dos de outras empresas (acórdão Mag Instrument/IHMI, já referido, n.° 32). Com efeito, quanto mais a forma cujo registo como marca é pedido se aproxima da forma mais provável que terá o produto em causa, mais provável é que a referida forma seja desprovida de carácter distintivo (acórdão Mag Instrument/IHMI, já referido, n.° 31).

50      No que respeita ao gargalo estreito e ao corpo achatado, há que considerar que os parâmetros da marca pedida não se afastam da forma habitual de uma garrafa que contém produtos como os que são objecto da marca pedida. Com efeito, nem a extensão do gargalo e o seu diâmetro nem a proporção entre a largura e a espessura da garrafa se distinguem de qualquer forma.

51      A mesma conclusão é válida para o canudo. Com efeito, trata‑se de um traço de concepção habitual das garrafas comercializadas no sector em questão.

52      A única característica que afasta a marca pedida da forma habitual é constituída pelas concavidades laterais. Com efeito, ao contrário dos exemplos apresentados pelo IHMI, a marca pedida apresenta curvas estreitas que dão quase a impressão de semicírculos.

53      Ora, mesmo que essa característica pudesse ser considerada invulgar, não é suficiente, por si só, para influenciar a impressão de conjunto produzida pela marca pedida numa medida tal que esta última divirja de forma significativa da regra ou dos hábitos do sector e, por isso, seja susceptível de cumprir a sua função essencial de origem (acórdão Mag Instrument/IHMI, já referido, n.° 31).

54      Por conseguinte, tomadas no seu conjunto, as quatro características acima referidas não criam uma impressão global que possa pôr em causa essa conclusão. Daqui resulta que, apreciada relativamente à impressão de conjunto que produz, a marca pedida é desprovida de carácter distintivo.

55      Esta conclusão não está em contradição com a circunstância, invocada pela recorrente, de que a particularidade e a originalidade não são critérios do carácter distintivo de uma marca. Com efeito, mesmo se a existência de características especiais ou originais não constitui uma condição sine qua non do registo, também é verdade que a sua presença pode, pelo contrário, conferir o grau necessário de carácter distintivo a uma marca que de outra forma estaria desprovida dele. É por isso que, após ter examinado a impressão produzida pela garrafa e declarado no n.° 45 da decisão impugnada que «[o] cliente não retira da garrafa em si, na forma em que se apresenta concretamente, nenhuma indicação da origem comercial», a Câmara de Recurso examinou se a marca pedida possuía características específicas que lhe conferissem o mínimo de carácter distintivo necessário. Ora, tendo verificado no n.° 49 da decisão impugnada que tal não era o caso, concluiu, com razão, pela inexistência de carácter distintivo da marca pedida.

56      Em terceiro lugar, no que respeita à circunstância, invocada pela recorrente, de que as características da marca pedida não têm função técnica ou ergonómica, há que observar que, mesmo supondo‑a demonstrada, esta circunstância não pode influir na inexistência de carácter distintivo da marca pedida. Com efeito, na medida em que o público relevante apreende o sinal como uma indicação da origem comercial do produto ou do serviço, o facto de esse sinal desempenhar ou não, em simultâneo, uma função diferente da de indicador de origem comercial, por exemplo, uma função técnica, é irrelevante para o seu carácter distintivo [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Outubro de 2002, KWS Saat/IHMI (Tom de laranja), T‑173/00, Colect., p. II‑3843, n.° 30].

57      Daqui resulta que há igualmente que julgar improcedente o quarto fundamento e, portanto, que se deve negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

58      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Pirrung

Meij

Pelikánová

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Março de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Pirrung


* Língua do processo: alemão.