Language of document : ECLI:EU:T:1999:246

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

7 de Outubro de 1999 (1)

«Artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE) - Posição dominante e posição dominante colectiva - Abuso - Coimas»

No processo T-228/97,

Irish Sugar plc, sociedade de direito irlandês, com sede em Carlow (Irlanda), representada por Alexander Böhlke, advogado em Bruxelas e em Frankfurt-am-Main, e Scott Crosby, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Victor Elvinger, 31, rue d'Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Klaus Wiedner, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Conor Quigley, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão 97/624/CE da Comissão, de 14 de Maio de 1997, relativa a um processo nos termos do artigo 86.° do Tratado CE (IV/34.621, 35.059/F-3 - Irish Sugar plc) (JO L 258, p. 1) e, a título subsidiário, um pedido destinado, por um lado, à anulação do artigo 3.°, terceiro e quarto parágrafos, da mesma decisão, por conterem injunções que saem fora do quadro dos abusos descritos no seu artigo 1.°, n.os 5 e 6, e, por outro, à redução da coima aplicada à recorrente pelo artigo 2.° da mesma decisão.

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, K. Lenaerts e J. Azizi, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Janeiro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Factos subjacentes ao recurso

1.
    O presente recurso tem por objecto a Decisão 97/624/CE da Comissão, de 14 de Maio de 1997, relativa a um processo nos termos do artigo 86.° do Tratado CE (IV/34.621, 35.059/F-3 - Irish Sugar plc) (JO L 258, p. 1, a seguir «decisão impugnada») pela qual foi aplicada à recorrente, único produtor de açúcar de beterraba na Irlanda e principal fornecedor de açúcar no território deste Estado-Membro, designadamente uma coima por violação do artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE). O produto em causa na decisão impugnada é o açúcar branco cristalizado, tanto no mercado do açúcar industrial como no do açúcar destinado à venda a retalho.

2.
    Em 25 e 26 de Setembro de 1990, a Comissão fez uma inspecção na sede da recorrente, em Dublim. Em 7 e 8 de Fevereiro de 1991, procedeu a outra inspecção nos escritórios da sociedade Sugar Distributors Ltd, em Dublim (a seguir «SDL»), que tem a seu cargo a distribuição do açúcar fornecido pela recorrente.Em 13 de Fevereiro de 1991, inspeccionou os escritórios da sociedade William McKinney Ltd, em Belfaste (a seguir «McKinney»), filial da recorrente que tem a seu cargo a distribuição, na Irlanda do Norte, do açúcar por esta fornecido.

3.
    No quadro de um primeiro processo administrativo relativo à existência de um acordo de partilha do mercado entre a recorrente e dois concorrentes do Reino Unido (processo IV/33.705), a Comissão enviou à recorrente, em 4 de Maio de 1992, uma comunicação das acusações, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir «Regulamento n.° 99/63»). A recorrente respondeu a esta comunicação em 11 de Setembro de 1992. Neste primeiro processo teve igualmente lugar, em 6 de Outubro de 1992, uma audição, na acepção do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17»). Em 2 de Agosto de 1995, a recorrente foi avisada do arquivamento deste processo.

4.
    Em 22 de Abril de 1993, a Comissão deu início a um segundo procedimento administrativo (IV/34.621) respeitante a infracções tanto do artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) como do artigo 86.° do Tratado e enviou nova comunicação das acusações à recorrente e a alguns outros. A recorrente respondeu a esta comunicação em 1 de Setembro de 1993. Participou numa audição em 21 e 22 de Setembro de 1993. Em 28 de Junho de 1995, a Comissão comunicou à recorrente que desistia das acusações relativas ao artigo 85.° do Tratado. Em 19 de Julho de 1995, a Comissão aprovou, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, uma decisão ordenando à recorrente que lhe fornecesse determinadas informações.

5.
    Em 16 de Janeiro de 1995, a Comissão inspeccionou os escritórios da sociedade Greencore plc em Dublim (a seguir «Greencore»), uma holding que detém o capital da recorrente desde Abril de 1991. Na mesma data, fez também uma inspecção nos escritórios da recorrente em Carlow (Irlanda).

6.
    Em 25 de Março de 1996, a Comissão enviou nova comunicação das acusações reformulada à recorrente, que substituía a anterior na íntegra e que abria deste modo um terceiro procedimento administrativo (IV/34.621, 35.059). A recorrente respondeu a esta comunicação em 12 de Julho de 1996.

7.
    Em 14 de Maio de 1997, a Comissão adoptou a decisão impugnada, em que declara verificada a existência de infracções ao artigo 86.° do Tratado durante o período de 1985 a 1995, consistentes, mais precisamente, em sete comportamentos abusivos específicos da recorrente (e/ou da SDL relativamente ao período anterior a Fevereiro de 1990) no mercado do açúcar cristalizado destinado à venda aretalho e à indústria na Irlanda. Por este motivo, a decisão impugnada aplica à recorrente uma coima de 8 800 000 ecus.

Tramitação processual

8.
    A decisão impugnada foi notificada à recorrente em 23 de Maio de 1997.

9.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Agosto de 1997, a recorrente interpôs o presente recurso.

10.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral e tomou medidas de organização do processo, convidando as partes a responderem a certas perguntas escritas. As partes deram satisfação a estes pedidos.

11.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 14 de Janeiro de 1999.

Pedidos das partes

12.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    a título subsidiário, reduzir a coima aplicada pelo artigo 2.° e anular os terceiro e quarto parágrafos do artigo 3.°, por exorbitarem do quadro dos abusos declarados verificados nos n.os 5 e 6 do artigo 1.°;

-    condenar a Comissão nas despesas.

13.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    rejeitar o recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas da instância.

Quanto aos pedidos principais

14.
    Em apoio dos seus pedidos principais de anulação da decisão impugnada, a recorrente invoca quatro fundamentos. No quadro do primeiro fundamento, baseado em violação dos artigos 86.° CE e 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE), em violação do princípio da segurança jurídica e em violação do artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63, a recorrente sustenta que não ocupava em conjunto com a SDL uma posição dominante colectiva. No quadro do segundo fundamento, baseado em violação do artigo 86.° CE, alega que não ocupava uma posição dominante no mercado do açúcar industrial. No quadro dos terceiro e quartofundamentos que examinaremos em conjunto, baseados em violação do artigo 86.° do Tratado, afirma que não abusou da sua alegada posição dominante nem no mercado do açúcar industrial nem no mercado do açúcar destinado à venda a retalho.

1. Quanto à existência de uma posição dominante colectiva da recorrente e da SDL

15.
    No quadro deste primeiro fundamento, a recorrente alega, primeiro, que a decisão impugnada é incompleta e contraditória, em segundo lugar, que a afirmação constante da decisão impugnada da existência de dois mercados distintos altera a natureza intrínseca das infracções que lhe são imputadas e contesta, em terceiro lugar, a qualificação de posição dominante colectiva feita pela decisão impugnada.

Quanto ao carácter incompleto e contraditório da decisão impugnada

16.
    A recorrente sublinha, primeiro, que não consta da decisão propriamente dita nenhuma constatação formal de existência de uma posição dominante e de uma posição dominante colectiva. Reconhecendo que esta questão é examinada noutros pontos da decisão impugnada, sublinha, porém, que uma constatação, para ser válida, não pode apenas ser deduzida da parte da decisão que se ocupa da apreciação jurídica. Lembra que a apreciação jurídica não reveste qualquer carácter decisório em relação ao destinatário da decisão, visto que a função desta é expor os fundamentos da decisão adoptada e, portanto, explicar as conclusões enunciadas na decisão propriamente dita. Uma infracção só pode ser punida se a sua existência tiver sido devidamente verificada, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica, princípio fundamental da ordem jurídica comunitária.

17.
    Deve recordar-se que a parte decisória de um acto deve ser lida à luz dos seus fundamentos, visto que um acto constitui um todo (v. designadamente os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Baustahlgewebe/Comissão, T-145/89, Colect., p. II-987, n.° 146, de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect., p. II-1739, n.° 104). Ora, no presente caso, a recorrente não contesta que consta dos fundamentos da decisão impugnada a constatação de que ela ocupava uma posição dominante por ela própria e uma posição dominante colectiva com a SDL. Os pontos 99 a 113 dos considerandos da decisão impugnada, concluem-se, no ponto 113, em termos perfeitamente inequívocos neste aspecto:

«Conclui-se por conseguinte que, durante o período relevante, a [recorrente] detinha uma posição dominante no mercado do açúcar granulado, a título individual ou, pelo menos até Fevereiro de 1990, em conjunto com outra empresa, tanto para vendas de retalho como para vendas industriais na Irlanda.»

18.
    No artigo 1.° da decisão impugnada, a Comissão declara que a recorrente infringiu o artigo 86.° do Tratado «como parte de uma política global e sustentada destinadaa proteger a sua posição no mercado do açúcar na Irlanda». Ora, como bem observa a Comissão, para infringir o disposto no artigo 86.° do Tratado, uma empresa tem que ocupar uma posição dominante. A conclusão formal exigida pela recorrente está, pois, de modo implícito mas nem por isso menos seguramente, presente no dispositivo da decisão impugnada, através da afirmação da infracção ao artigo 86.° do Tratado.

19.
    De onde resulta que o argumento da recorrente, baseado na inexistência de uma constatação formal de uma posição dominante e de uma posição dominante colectiva não se prova e deve ser rejeitado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T-65/89, Colect., p. II-389, n.° 98).

20.
    Em segundo lugar, a recorrente denuncia uma contradição entre o dispositivo e os fundamentos da decisão impugnada na definição do mercado em causa. Explica, assim, que a Comissão se refere, no dispositivo da decisão impugnada ao «mercado do açúcar na Irlanda», ao passo que, nos fundamentos da decisão impugnada, reconhece que o mercado do açúcar destinado à venda a retalho e o mercado do açúcar para fins industriais são distintos (pontos 90, 99 e 118 dos considerandos). A definição constante do dispositivo da decisão impugnada corresponderia, com efeito, à que tinha sido utilizada nas duas últimas comunicações das acusações dirigidas à recorrente (processos IV/34.621 e IV/34.621, 31.059). Considera, portanto, que a eventual constatação da existência de uma posição dominante e de uma posição dominante colectiva no dispositivo da decisão impugnada se refere a um mercado, o do açúcar na Irlanda, que não está definido nos fundamentos da decisão impugnada.

21.
    A contradição alegada não foi provada. Com efeito, se o dispositivo da decisão impugnada for lido à luz da sua fundamentação, em conformidade com as exigências consagradas pela jurisprudência referida no n.° 17 supra, a utilização da expressão «mercado do açúcar na Irlanda» no artigo 1.° do dispositivo da decisão impugnada não é susceptível de induzir em erro nem a recorrente nem o Tribunal sobre a natureza dos actos que lhe são imputados.

22.
    Com efeito, os termos utilizados nos pontos 90 e 98 dos considerandos da decisão impugnada demonstram que, na sequência das explicações dadas pela recorrente em resposta à comunicação das acusações, a Comissão considerou que existiam neste caso dois mercados distintos. Assim, no ponto 90, a Comissão declara: «No entanto, a Comissão aceita, tal como alegado pela [recorrente] [nota de pé de página n.° 71, cujo texto é o seguinte: Na sua resposta à comunicação de acusações de 12 de Julho de 1996, pontos 3.2.1.-3.2.7.], que o mercado do açúcar branco granulado se subdivide noutros dois mercados, o do açúcar para fins industriais e o do açúcar de retalho. Estes dois mercados têm características comuns [...].No entanto, os mercados são diferentes, embora haja uma certa possibilidade de substituição no lado da oferta, em termos da utilização dada aos produtos, dos volumes vendidos e dos tipos de clientes.» No ponto 98, a Comissão explica: «Combase nas características acima referidas, a Comissão conclui que os mercados relevantes são os do açúcar granulado para fins industriais e do açúcar de retalho na Irlanda. Conclui igualmente que tal corresponde a uma parte substancial do mercado comum na acepção do artigo 86.° do Tratado, com base nos volumes de produção e consumo de açúcar.»

23.
    Além disso, resulta claramente da leitura integral do artigo 1.° da decisão impugnada que este artigo, tal como os fundamentos da decisão em causa, distingue entre o mercado do açúcar cristalizado destinado à venda a retalho e o mercado do açúcar cristalizado para fins industriais na Irlanda. De onde se conclui que o argumento da recorrente, baseado numa contradição entre os fundamentos e o dispositivo da decisão impugnada não se prova e deve, por conseguinte, ser igualmente rejeitado.

24.
    Em terceiro lugar, a recorrente insurge-se contra a interpretação do artigo 1.° da decisão impugnada proposta pela Comissão pela primeira vez na contestação, segundo a qual a Comissão teria formalmente declarado a existência de uma posição dominante exclusiva da recorrente durante todo o período em causa e, a título subsidiário, a existência de uma posição dominante colectiva da recorrente e da SDL no período anterior a Fevereiro de 1990. Faz notar que nem os fundamentos (pontos 111, 112, 113, 117, 135 e 167 dos considerandos) nem o dispositivo da decisão impugnada confirmam as alegações extemporâneas da Comissão. Sustenta que, em qualquer caso, se esta leitura da decisão impugnada viesse a ser acolhida, haveria violação dos seus direitos de defesa, visto que a posição adoptada pela Comissão na decisão impugnada diferiria da adoptada na comunicação das acusações (n.os 106, 108 e 150). Acrescenta que os factos que a decisão impugnada reteve como prova da existência de uma posição dominante colectiva de 1985 a Fevereiro de 1990 dizem respeito à sociedade Sugar Distribution (Holding) Ltd (a seguir «SDH») e a SDL.

25.
    Forçoso é constatar que a recorrente tem razão ao contestar a interpretação da decisão impugnada neste ponto defendida pela Comissão no quadro do presente processo. Com efeito, se a leitura proposta pela Comissão pode parecer corresponder à apreciação jurídica, por um lado, da existência de uma posição dominante e, por outro, da exploração abusiva dessa posição dominante, exposta tanto nos considerandos da decisão impugnada como na comunicação das acusações, essa leitura não é, no entanto, conciliável com os outros extractos da decisão impugnada e da comunicação das acusações mencionados pela recorrente. A distinção entre a verificação do facto de a recorrente deter uma posição dominante e a constatação dos abusos cometidos nessa qualidade, que a Comissão invoca no quadro do presente processo para justificar essa variação das fórmulas escolhidas não é pertinente. Vários extractos da apreciação jurídica da decisão impugnada relativa aos abusos referem explicitamente a exploração abusiva, pela recorrente e pela SDL, da respectiva «posição dominante colectiva».

26.
    Resulta assim dos pontos 99 a 113 dos considerandos da decisão impugnada, encabeçados pelo título «B. Posição dominante», que a Comissão considerou que a recorrente ocupou, durante todo o período em causa, isto é, de 1985 a 1995, uma posição dominante individual, mas que teve em conta o argumento da recorrente de que não exercia o controlo da SDL antes da compra de todas as acções da sociedade-mãe desta, a SDH, em Fevereiro de 1990. Esta análise não difere da que a Comissão desenvolveu nos n.os 95 a 106 da comunicação das acusações respeitantes à existência de uma posição dominante. Os pontos 114 e 116 dos considerandos da decisão impugnada encabeçados pelo título «C. Abuso da posição dominante» vão no mesmo sentido. O n.° 110 da comunicação das acusações confirma igualmente esta posição da Comissão.

27.
    Porém, vários considerandos da decisão impugnada sobre as práticas abusivas, bem como a letra do dispositivo indicam que, até 1990, a recorrente e a SDL exploraram abusivamente uma posição dominante colectiva, quer através de comportamentos individuais quer através de comportamentos comuns. Assim, no ponto 117, precisa-se: «Os comportamentos adoptados pela [recorrente] antes de 1990 relativamente à restrição quanto ao transporte, por ambas as empresas quanto aos descontos fronteiriços, aos descontos de exportação e ao desconto de fidelidade e pela SDL quanto à substituição de produtos e à fixação selectiva de preços, verificaram-se no âmbito de uma posição dominante conjunta.» No ponto 135 in fine explica-se: «Por conseguinte, conclui-se que a [recorrente] e a SDL, ao adoptarem estas práticas, abusaram de uma posição dominante conjunta.» No ponto 167 precisa-se igualmente: «Os outros comportamentos abusivos da [recorrente] e/ou da SDL [...] não se encontram sujeitos a considerações temporais para efeitos da aplicação de coimas. Como consequência deste comportamento, a [recorrente] procurou manter ou reforçar a sua posição dominante e, no período anterior a Fevereiro de 1990, a [recorrente] e a SDL procuraram, como consequência do seu comportamento, manter uma posição dominante conjunta [...] Por conseguinte, a Comissão considera que a [recorrente] abusou de forma intencional ou, pelo menos, por negligência da sua posição dominante e que, até Fevereiro de 1990, a [recorrente] e a SDL abusaram de forma intencional ou, pelo menos, por negligência da sua posição dominante conjunta. Por conseguinte, a Comissão tenciona impor uma coima à Irish Sugar pelas suas próprias infracções e, se for caso disso, enquanto sucessora, pelas infracções da SDL [...]». No artigo 1.° da decisão impugnada afirma-se: «Para o efeito, a [recorrente] (e/ou a Sugar Distributors Ltd no período anterior a Fevereiro de 1990) adoptou o seguinte comportamento abusivo no mercado do açúcar granulado para venda a retalho e para fins industriais na Irlanda [...]». Estes excertos demonstram que a recorrente tem razão na leitura que defende da decisão impugnada. O mesmo se passa em relação ao n.° 150 da comunicação das acusações citado pela recorrente, no qual pode ler-se, tal como no ponto 167 dos considerandos da decisão impugnada: «[A recorrente] procurou, com o seu comportamento, manter ou reforçar a sua posição dominante e, no período anterior a Fevereiro de 1990, a recorrente e a SDL tentaram, com o seu comportamento, manter uma posição dominante colectiva [...]. A Comissão considera, portanto, que a recorrente abusou de forma intencional ou,pelo menos, por negligência da sua posição dominante e que, até Fevereiro de 1990, a [recorrente] e a SDL abusaram de forma intencional ou, pelo menos, por negligência da sua posição dominante conjunta. Por conseguinte, a Comissão tenciona impor uma coima à [recorrente] pelas suas próprias infracções e, enquanto sucessora, pelas infracções da SDL até Fevereiro de 1990 [...]».

28.
    As diferentes fórmulas que descrevem, na decisão impugnada, a posição da recorrente no mercado até Fevereiro de 1990 decorrem da natureza especial dos laços que a uniam à SDL até então. A Comissão afirma, com efeito, que verificou a existência de infracções ao artigo 86.° do Tratado no período compreendido entre 1985 e Fevereiro de 1990, cometidas quer só pela recorrente, quer só pela SDL, quer por ambas. Ora, como teve em consideração a alegação da recorrente de que não tinha o controlo da gestão da SDL, apesar de deter 51% do capital da SDH, a Comissão entendeu que, embora não fosse possível encarar a recorrente e a SDL como uma entidade económica única, tinham detido, pelo menos em conjunto, uma posição dominante no mercado em causa.. O n.° 110 da comunicação das acusações confirma esta posição da Comissão: «Para defender o seu mercado, a recorrente serviu-se de diversas formas de comportamento abusivo que foram utilizadas alternadamente ou de forma combinada quando tal se revelava necessário, ao longo de todo o período transcorrido desde 1985. Algumas dessas práticas foram executadas pela própria recorrente e outras, no mercado do açúcar destinado à venda a retalho, pela SDL, filial comercial da recorrente.»

29.
    Os traços característicos das relações entre a recorrente e a SDL até Fevereiro de 1990 não autorizam, porém, a Comissão a sustentar que comprovou, a partir dos mesmos dados de facto, que, até Fevereiro de 1990, a recorrente ocupava simultaneamente uma posição dominante individual e uma posição dominante colectiva com a SDL. Também não pode deixar no ar dúvidas sobre a natureza da posição dominante em causa, sob pena de afectar o carácter preciso das acusações que faz à recorrente e de a impedir de preparar utilmente a sua defesa, cuja protecção é garantida pelo artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63. Deve assim entender-se, como sublinha a recorrente, que a decisão impugnada constata, em consonância com a comunicação das acusações, a existência de uma posição dominante colectiva da recorrente e da SDL até 1990 e uma posição dominante individual da recorrente entre Fevereiro de 1990 e 1995.

30.
    As alegações da Comissão no quadro do presente processo quanto à natureza da posição dominante entre 1985 e Fevereiro de 1990, afirmada na decisão impugnada, podendo embora ser falsas, não implicam violação dos direitos de defesa da recorrente nem violação do dever de fundamentação, visto que dizem respeito à interpretação da decisão impugnada, interpretação essa que incumbe finalmente ao Tribunal efectuar, como decorre do número precedente.

31.
    Em consequência, há que rejeitar a primeira parte do primeiro fundamento avançado pela recorrente em apoio dos seus pedidos principais.

Quanto à modificação da natureza intrínseca das infracções imputadas à recorrente

32.
    A recorrente sustenta que a distinção entre o mercado do açúcar destinado à venda a retalho e o mercado do açúcar destinado à indústria efectuada pela decisão impugnada atenta contra os seus direitos de defesa, violando desse modo o artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63. Considera que esta distinção, que altera a natureza intrínseca das infracções que lhe foram imputadas na comunicação das acusações devia ter-lhe sido comunicada antes da adopção da decisão impugnada.

33.
    Forçoso é constatar que a recorrente não demonstrou em que é que os seus direitos de defesa foram afectados pela tomada em consideração de um dos argumentos por ela avançados no decurso do procedimento administrativo (v. supra, n.° 23). A recorrente não pode contentar-se em invocar uma modificação da natureza das acusações resultante da distinção efectuada entre o mercado do açúcar destinado à venda a retalho e o mercado do açúcar industrial, sem apresentar o mínimo dado preciso a este respeito.

34.
    O facto de ser tomado em consideração um argumento avançado por uma empresa no decurso do procedimento administrativo, sem que essa empresa tenha podido exprimir-se a esse respeito antes da adopção da decisão final não pode constituir, como tal, uma violação dos direitos da defesa, a fortiori quando essa tomada em consideração não altera a natureza das acusações que lhe são feitas. Com efeito, a recorrente teve oportunidade de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre a definição do mercado dos produtos utilizada pela Comissão na comunicação das acusações e podia, por conseguinte, esperar que as suas próprias explicações levassem a Comissão a modificar a sua opinião (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 437 e 438).

35.
    Além disso, o respeito pelos direitos da defesa exige que seja dada a possibilidade à empresa em causa, desde a fase do procedimento administrativo, de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias invocados pela Comissão (acórdãos, do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect. 1979/Parte I, p. 217, n.° 11, e do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T-10/92, T-11/92, T-12/92 e T-15/92, Colect., p. II-2667, n.° 39, e de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T-398/92 e T-40/92, Colect., p. II-49, n.° 48), de modo que a comunicação das acusações deve incluir todos os elementos necessários à empresa para que esta possa assegurar efectivamente a sua defesa antes da adopção pela Comissão de uma decisão definitiva (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, Boehringer Mannheim/Comissão, 45/69, Recueil, p. 769, n.° 9; Colect. 1969-1970, p. 505; de 14 de Julho de 1972, Geigy/Comissão, 52/69, Recueil, p. 787, n.° 11; Colect., p. 293; de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.os 274 e 277; Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 10; e de 31 de Março de 1993, AhlströmOsakeyhtiö e o./Comissão, dito «Pasta de papel», C-89/95, C-104/85, C-114/85, C-116/85, C-117/85 e C-125/85 a C-129/85, Colect., p. I-1307, n.° 42). A comunicação das acusações deve indicar claramente todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nesta fase do processo. Esta indicação pode ser feita em termos sumários e a decisão não tem necessariamente que ser uma cópia da comunicação das acusações (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80, 101/80, 102/80 e 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 14).

36.
    Não tendo a distinção entre o mercado do açúcar destinado à venda a retalho e o mercado do açúcar industrial modificado as acusações feitas à recorrente e tendo estas sido expostas de modo suficientemente claro e preciso na comunicação das acusações de modo a permitir à recorrente delas tomar conhecimento e assegurar eficazmente a sua defesa ou, pelo menos, não tendo a recorrente comprovado em que é que essas acusações foram modificadas, não pode ser declarada verificada nenhuma violação dos seus direitos de defesa.

37.
    Deve, assim, julgar-se improcedente a segunda parte do fundamento invocado pela recorrente em apoio dos seus pedidos principais.

Quanto à qualificação como posição dominante colectiva

38.
    A recorrente contesta ter ocupado, em conjunto com a SDL, uma posição dominante colectiva entre 1985 e Fevereiro de 1990.

39.
    Descreve, a este propósito, a evolução das suas relações com a SDH, que detinha, na altura, todas as acções da SDL. Sublinha, assim, que, embora possuísse 51% das acções da SDH antes de adquirir a totalidade dessas acções em Fevereiro de 1990, não controlava a gestão. A partir de 1982, por razões práticas, as responsabilidades teriam sido repartidas entre ela e as suas filiais de venda, de modo que era responsável dos serviços técnicos e da comercialização, incluindo em matéria de promoções e descontos a clientes, e que as suas filiais de vendas eram responsáveis pelas operações e pelo financiamento em matéria de vendas, de promoções comerciais, de merchandising, e de distribuição de produtos. Este acordo não teria, no entanto, privado a SDL do direito de comercializar produtos concorrentes, ao contrário do que alega a Comissão na decisão impugnada (ponto 30 dos considerandos). Refere a este propósito as transacções da SDL destinadas à compra e venda de açúcar de um fornecedor britânico na Irlanda do Norte, por intermédio de McKinney, até 1991. A recorrente afirma, por outro lado, que as responsabilidades que lhe incumbiam nesta repartição foram objecto de um acordo de serviços de gestão, nos termos do qual a SDL lhe pagou custos de gestão entre 1982 e 1989, cujo montante variava anualmente e que era calculado pelo director financeiro da SDL. Acrescenta que, na prática, a fixação dos preços do açúcar era essencialmente uma questão da competência da SDL. Como prova da autonomia de gestão da SDL, cita igualmente excertos de um relatório redigido por doisperitos designados pela High Court em 1992 e de um relatório redigido pela sociedade Arthur Andersen.

40.
    A recorrente alega ainda que, uma vez que os laços económicos que a uniam à SDH não podem ser havidos como união, não eram susceptíveis de permitir concluir pela existência de uma posição dominante colectiva nos mercados do açúcar destinados à venda a retalho e à venda à indústria na Irlanda. Afirma que a Comissão se serviu, na decisão impugnada, de um critério inadequado (ponto 112 dos considerandos), a convergência de interesses das duas sociedades em relação a terceiros, para concluir que ocupavam uma posição dominante colectiva. Sustenta igualmente que é ilógico referir-se a este propósito ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão (T-68/89, T-77/89 e T-78/89, Colect., p. II-1403, n.° 358).

41.
    A recorrente salienta que os laços que a uniam à SDH garantiam a independência do conselho de administração e da direcção desta última. Ora, o critério elaborado pela jurisprudência para apurar a existência de uma posição dominante colectiva ocupada por empresas ligadas entre si seria a adopção de um mesmo comportamento no mercado em questão (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 1994, Almelo, C-393/92, Colect., p. I-1477, n.° 42, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, T-24/93, T-25/93, T-26/93 e T-28/93, Colect., p. II-1201, n.os 62 a 68). A adopção de um mesmo comportamento no mercado seria mais do que uma mera convergência de interesses, sendo esta aliás a regra nas relações entre produtores e comerciantes, a fortiori quando existe uma situação de sobreabastecimento estrutural, como no presente caso. Na comunicação das acusações, a Comissão não teria, aliás, abordado a questão da existência de uma relação entre as duas empresas sob o ângulo da adopção de um mesmo comportamento no mercado, tendo-se limitado a constatar a existência de laços estruturais entre a recorrente e SDH/SDL (comunicação das acusações, n.os 102, 103, 104 e seguintes).

42.
    A recorrente faz notar igualmente que, se a inexistência de concorrência no quadro de uma relação comercial vertical entre um produtor e um comerciante pode constituir um traço característico de uma posição dominante colectiva, nem por isso se trata de um critério suficiente. Duvida, com efeito, da pertinência do conceito de posição dominante colectiva no quadro de uma relação comercial vertical. Salienta, por outro lado, que todos os processos de posição dominante colectiva decididos até à presente data pelo órgão jurisdicional comunitário diziam respeito a relações comerciais horizontais. Na réplica, acrescenta que uma relação comercial vertical se caracteriza pela inexistência de concorrência.

43.
    A recorrente critica ainda o carácter alegadamente colectivo da maior parte dos abusos cometidos no quadro da pretensa posição dominante colectiva. Salienta a este propósito que a Comissão, tendo embora verificado que a troca de produtos foi exclusivamente organizada pela SDL (ponto 48 dos considerandos da decisãoimpugnada) e que a recorrente só foi informada em 18 de Julho de 1998 (ponto 52 dos considerandos da decisão impugnada) considera ainda assim que se trata de uma exploração abusiva de uma posição dominante colectiva. Acusa, por último, a Comissão de ter «reciclado» na decisão impugnada alguns factos, utilizando-os simultaneamente para prova da existência de uma posição dominante colectiva (ponto 112 dos considerandos) e da exploração abusiva dessa posição dominante colectiva (pontos 117, 127 e 128 dos considerandos), contrariando o princípio elaborado pela jurisprudência a este propósito (acórdão Compagnie maritime belge de transports e o./Comissão, já referido, n.° 67). Esta «reciclagem» constituiria também uma violação dos seus direitos de defesa e, por isso, do artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63, dado que o financiamento pela recorrente dos descontos efectuados pela SDL, distinto da sua concessão, não foi considerado constitutivo de abuso na comunicação das acusações.

44.
    Forçoso é constatar que, se a recorrente refuta o carácter colectivo da posição dominante que teria detido em conjunto com a SDH/SDL entre 1985 e Fevereiro de 1990 no mercado do açúcar destinado à venda a retalho, não contesta, porém, de modo nenhum, no recurso, que realizou mais de 88% das vendas registadas no mercado ao longo do período considerado (ponto 159 dos considerandos da decisão impugnada). Assim, embora formalmente conteste ter ocupado uma posição dominante individual ou colectiva no mercado do açúcar industrial (v. infra a análise do segundo fundamento dos pedidos principais), não aduziu argumentos específicos susceptíveis de pôr em causa a afirmação de que ocupava uma posição dominante no mercado do açúcar destinado à venda a retalho.

45.
    Além disso, embora a recorrente denuncie o carácter inadequado do critério que a Comissão teria utilizado, no ponto 112 dos considerandos da decisão impugnada, para concluir pela existência de uma posição dominante colectiva, as partes estão de acordo, no entanto, sobre várias condições requeridas pela jurisprudência para se poder concluir pela detenção de uma posição dominante colectiva. Sublinham, assim, que segundo a jurisprudência, duas entidades económicas independentes podem deter uma posição dominante colectiva num mercado (acórdão SIV e o./Comissão, já referido, n.° 358, citado no ponto 112 dos considerandos da decisão impugnada). Também partilham o ponto de vista de que devem existir laços estreitos entre as duas entidades e que esses laços devem ser tais que sejam susceptíveis de levar à adopção de um mesmo comportamento, uma mesma linha de acção, no mercado em causa. As duas partes referem-se, a este respeito, aos acórdãos Almelo e Compagnie maritime belge de transports e o./Comissão, já referidos.

46.
    Tem que se concordar com a análise que fazem do estado da jurisprudência. Com efeito, em plena consonância com a sua jurisprudência anterior e com a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (acórdãos do Tribunal de Justiça, Almelo, já referido, n.° 42, de 5 de Outubro de 1995, Centro Servizi Spediporto, C-96/94, Colect., p. I-2883, n.os 32 e 33, de 17 de Outubro de 1995, DIP e o.,C-140/94, C-141/94 e C-142/94, Colect., p. I-3257, n.° 26, de 17 de Junho de 1997, Sodemare e o., C-70/95, Colect., p. I-3395, n.os 45 e 46, e do Tribunal de Primeira Instância, SIV e o./Comissão, já referido, n.° 358, e Compagnie maritime belge de transports e o./Comissão, já referido, n.° 62), o Tribunal de Justiça declarou que uma posição dominante colectiva consiste no facto de várias empresas terem, em conjunto, e designadamente em função dos factores de correlação que existam entre elas, o poder de adoptar a mesma linha de acção no mercado e de actuar, em termos significativos, de modo independente dos outros concorrentes, da clientela e, finalmente, dos consumidores (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375, n.° 221).

47.
    No caso em apreço, há que verificar se, devido aos factores de correlação existentes entre elas, a recorrente e a SDL tinham, de 1985 a Fevereiro de 1990, o poder de adoptar a mesma linha de acção no mercado.

48.
    A recorrente invoca a natureza das suas relações com a SDL até 1990 para contestar a existência de uma posição dominante colectiva. Insiste na independência das duas entidades, que seria, em si mesma, incompatível com a existência de laços do tipo alegado pela Comissão.

49.
    Por um lado, a tese da recorrente baseia-se na premissa, errada, de que a independência económica das duas entidades em causa obsta à detenção de uma posição dominante colectiva. Com efeito, resulta da jurisprudência invocada pela recorrente e recordada no n.° 46 supra que a independência das entidades económicas em causa não basta só por si para afastar a possibilidade de ocuparem uma posição dominante colectiva.

50.
    Por outro lado, os factores de correlação existentes entre a recorrente e a SDL identificados na decisão impugnada demonstram que estas duas entidades económicas dispunham, entre 1985 e Fevereiro de 1990, do poder de adoptar uma mesma linha de acção no mercado.

51.
    Na decisão impugnada (ponto 112 dos considerandos), a Comissão identifica assim, como factores de correlação, a participação da recorrente no capital da SDH, a sua representação nos conselhos de administração da SDH e da SDL, o processo de decisão nestas sociedades e os procedimentos de comunicação destinados a facilitá-lo, bem como os laços económicos directos constituídos pelo compromisso da SDL de se abastecer exclusivamente junto da recorrente e o financiamento, pela recorrente, de todas as operações de promoção a favor dos compradores e dos descontos concedidos pela SDL aos seus clientes. Estes factos são descritos em pormenor nos pontos 29, 30 e 111 dos considerandos da decisão impugnada.

52.
    Os argumentos usados pela recorrente para contestar a veracidade destes factos são pouco abundantes e, em grande parte, improcedentes. Assim, a recorrente não contesta que detinha 51% das acções da SDH que por sua vez detinha a totalidadedas acções da SDL; que metade dos membros do conselho de administração eram seus representantes; que o seu director-geral e vários administradores eram membros do conselho de administração da SDL; que, entre Julho de 1982 e Fevereiro de 1990, era responsável, com base numa repartição de funções decidida em conjunto em Julho de 1982, dos serviços técnicos e do marketing, da estratégia comercial, das promoções a favor dos clientes e dos descontos; que a SDL assegurava a distribuição do açúcar produzido pela recorrente na Irlanda; que a SDL se tinha comprometido a satisfazer a sua procura de açúcar exclusivamente junto da recorrente dentro dos limites das disponibilidades de fornecimento desta última e a não participar ou ter interesses em operações de compra, venda, revenda ou promoção de produtos de natureza idêntica ou análoga à dos produtos susceptíveis de serem obtidos junto da recorrente; que a recorrente e a SDL estavam obrigadas a comunicar-se mutuamente uma série de informações respeitantes à comercialização, às vendas, à publicidade, às promoções destinadas aos consumidores e às questões financeiras; e, finalmente, que reuniões mensais juntavam os representantes da SDL e da recorrente.

53.
    Sustenta, em contrapartida, que o compromisso de abastecimento exclusivo da SDL não impediu esta de comercializar produtos concorrentes, designadamente na Irlanda do Norte por intermédio de McKinney; que os custos de gestão pagos pela SDL à recorrente o eram em execução de um contrato, que o respectivo montante variava anualmente e que era calculado pelo director financeiro da SDL (carta de 23 de Outubro de 1991 dirigida aos accionistas da Greencore); que estes custos de gestão não constituíam um financiamento da política comercial da SDL; que a presidência das reuniões mensais entre as duas empresas foi assumida rotativamente por um representante da recorrente e da SDL e não exclusivamente pelo director-geral da divisão «açúcar» da recorrente e, finalmente, que a fixação dos preços do açúcar tinha sido, no essencial, uma questão da competência da SDL.

54.
    Estes argumentos não são porém susceptíveis de afectar o valor probatório dos documentos utilizados pela Comissão para fundamentar a sua análise das relações entre a recorrente e a SDL. Para prova de que assim é basta analisar a acta da reunião do conselho de administração da SDL de 1 de Julho de 1982 que consta como anexo 3 da comunicação das acusações:

«PROPOSTAS DA IRISH SUGAR DE MARKETING/VENDAS/DISTRIBUIÇÃO

Actualmente os produtos do açúcar são vendidos em três mercados:

    Mercado interno;

    Mercado da Irlanda do Norte;

    Mercado do Reino Unido;

A responsabilidade geral da actividade da Irish Sugar incumbe à C.S.E.T. [trata-se da sigla da denominação sob a qual a recorrente foi fundada em 1933 pelo Governo irlandês, isto é 'Comhlucht Siúcra Éireann, Teoranta‘] e as políticas definidas pelo conselho de administração da C.S.E.T. em relação ao conjunto dos interesses da C.S.E.T. são executadas pela C.S.E.T. e pelas suas filiais ou associadas às quais foram confiadas algumas destas funções.

Para melhorar a organização e eliminar as áreas em que as responsabilidades não estão claramente definidas, é necessário:

a)    clarificar tanto as funções do pessoal afecto à Divisão do açúcar da C.S.E.T. e da S.D.L. em matéria de vendas e distribuição como a co-responsabilidade em áreas de interesse comum, com claro reconhecimento da posição da C.S.E.T. como sociedade-mãe, na sua qualidade de grande empresa pública nacional.

b)    clarificar o quadro de cooperação e de comunicações dentro da qual as duas sociedades devem operar.

c)    clarificar o quadro de comunicações entre as funções acima mencionadas e as unidades de produção.

Para atingir estes objectivos, propõe-se que a S.D.L. fique com a responsabilidade das vendas, das promoções comerciais, do merchandising e da distribuição de todos os produtos do açúcar da C.S.E.T. nos mercados internos da Irlanda e da Irlanda do Norte e que a C.S.E.T. fique com a responsabilidade do marketing e dos serviços técnicos nestes mercados. Mais precisamente, as funções do pessoal das duas sociedades serão repartidos do seguinte modo:

Responsabilidades da C.S.E.T.

A)    Irlanda e Irlanda do Norte

    1.     Estratégia de marketing.

    2.    Publicidade (geral e de marca) (tal como delineado em matéria de co-responsabilidade).

    3.    Embalagem e apresentação.

    4.    Programação do produto.

    5.    Novos produtos.

    6.    Qualidade.

    7.    Tratamento das reclamações dos clientes resp. à qualidade e à embalagem ambas quando recebidas directamente ou transmitidas pela S.D.L., J.C. Cole Ltd ou William McKinney (1975) Ltd.

    8.    Promoções de consumo.

    9.    Apoio técnico (incluindo I & D) e serviços técnicos.

    10.    Disponibilidade dos produtos.

    11.    Redução dos preços em função das necessidades para garantir que se atingem os níveis óptimos máximos dos preços e do volume [de vendas] nos mercados da Irlanda e da Irlanda do Norte.

B)    Mercado do Reino Unido - vendas, marketing e distribuição

    Responsabilidades da S.D.L.

    1.    Execução e financiamento das vendas, promoções comerciais, merchandising e distribuição dos produtos do açúcar da C.S.E.T. nos mercados do Sul e do Norte. Estas responsabilidades repartidas nas áreas designadas entre S.D.L., J.C. Cole Ltd e William McKinney (1975) Ltd.

    2.    Responsabilidade da S.D.L. quanto às decisões de venda, incluindo as decisões de tarifas para as três empresas de vendas e distribuição acima. Estas decisões tomadas em conformidade com a política definida pelo director-geral da divisão açúcar.

    3.    A Sugar Distributors Ltd abastecer-se-á, dentro dos limites das disponibilidades de fornecimento, unicamente junto da C.S.E.T. e não se envolverá nem participará na compra, venda, revenda ou promoção de quaisquer produtos de natureza idêntica ou semelhante aos que pode adquirir junto da C.S.E.T.

    4.    A S.D.L. e a J.C. Cole Ltd, distribuirão açúcar a partir da fábrica como indicado pela C.S.E.T. Os custos de distribuição a serem suportados como parte da margem de vendas.

    5.    Facturação/gestão das vendas de açúcar no R.U. sem custos administrativos adicionais para a C.S.E.T.

    Co-responsabilidade - em áreas de interesse comum

    1)    Notificação e controlo de políticas de preços e de promoção para garantir a manutenção dos mercados com níveis de preço e de volume óptimos;

    2)    Comunicação recíproca de informações quando necessário sobre todos os aspectos da comercialização do açúcar, vendas, publicidade, promoções de consumo e financeiros;

    3)    Publicidade de marca e de consumo relativamente à Irlanda do Norte em colaboração com o conselho de administração da William McKinney (1975) Ltd;

    4)    Análise em conjunto de mercados e quaisquer outros estudos necessários à actualização da informação sobre o mercado.

    Para garantir que todos os aspectos do negócio do açúcar tal como acima delineados serão efectivamente objecto de comunicação entre a C.S.E.T. e a S.D.L. e que as áreas de co-responsabilidade serão correctamente cobertas, propõe-se a realização de uma reunião mensal para discutir todos os aspectos do comércio do açúcar tal como foram acima delineados, entre a divisão do açúcar da C.S.E.T. e a S.D.L., devendo participar nessas reuniões:

    Pela C.S.E.T.

    Director-Geral - Divisão do Açúcar

    Director-Geral, Marketing

    Director regional, Carlow

    Auditor financeiro - ... (?)

    Pela S.D.L.

    Director-Geral

    Chefe de Vendas

    Director dos Serviços Financeiros

    As reuniões serão presididas pelo director-geral da divisão do açúcar. As outras pessoas devem nelas participar nos termos propostos.»

55.
    Tendo em atenção o teor deste documento e os elementos avançados na decisão impugnada, a alegação da recorrente de que a SDL teria comercializado produtos concorrentes na Irlanda do Norte, por intermédio da McKinney, não põe de modo nenhum em causa a apreciação da Comissão sobre a cláusula de abastecimento exclusivo da SDL junto da recorrente. Em primeiro lugar, porque se trata de uma afirmação que não é sustentada por nenhuma prova específica. Em segundo lugar, porque a McKinney, em princípio, não estava juridicamente vinculada pelasobrigações assumidas pela SDL em relação à recorrente. O mesmo acontece relativamente às explicações avançadas por esta última na resposta a uma pergunta escrita do Tribunal a respeito das vendas de açúcar alemão e francês por intermédio da sociedade Trilby Trading Ltd, na qual a recorrente afirma ter adquirido 51% do capital social em Agosto de 1987. Ao contrário do que a recorrente alega, os únicos exemplos que sugere para tentar minimizar a importância da cláusula de abastecimento exclusivo acordada em 1982, isto é, as vendas da McKinney na Irlanda do Norte e as vendas da Trilby Trading Ltd depois de Agosto de 1984 tendem, ao invés, a demonstrar que a SDL se manteve fiel ao compromisso assumido. Com efeito, a acta da reunião do conselho de administração da SDL de 1 de Julho de 1982 refere igualmente a McKinney quando é caso dela. Ora, a McKinney não é expressamente visada pela cláusula de abastecimento exclusivo, tal como esta foi formulada na acta. Finalmente, o exemplo da McKinney diz respeito à Irlanda do Norte que não se enquadra no mercado geográfico em causa no presente processo.

56.
    A descrição da recorrente das características de financiamento dos descontos concedidos pela SDL aos seus clientes está cheia de contradições. Assim, no ponto 28, último parágrafo, da sua petição de recurso, reconhece que assumia à sua conta todos os descontos concedidos pela SDL, bem como os custos de promoção e publicidade, para negar a seguir, na réplica, o financiamento dos descontos concedidos pela SDL. Nestas condições, há que concluir que a Comissão apreciou correctamente a natureza dos serviços financeiros organizados entre a recorrente e a SDL. O teor da carta, datada de 23 de Outubro de 1991, do presidente da Greencore aos seus accionistas, não pode, neste contexto, vir em seu socorro, dado que não contém quaisquer indicações relativas à repartição propriamente dita dos papéis respectivos da recorrente e da SDL.

57.
    Do mesmo modo, a afirmação de que as «reuniões mensais de comunicação» entre a recorrente e a SDL eram presididas rotativamente pelos seus representantes respectivos não só não se baseia em nenhuma prova como é, além disso, irrelevante. Com efeito, pouco importa precisar quem presidia rotativamente as reuniões, visto que só a sua realização é que é determinante para demonstrar que essas reuniões constituíam um factor de correlação na acepção da jurisprudência (v. supra, n.° 46). Além disso, forçoso é constatar que o texto da acta do conselho de administração da SDL de 1 de Julho de 1982 está isento de qualquer equívoco posto que aí se afirma: «As reuniões serão presididas pelo director-geral da divisão do açúcar».

58.
    As alegações da recorrente a respeito da política de fixação dos preços, segundo as quais esta política seria essencialmente da competência da SDL, também não correspondem ao conteúdo da acta da reunião do conselho de administração da SDL de 1 de Julho de 1982 que precisa, no n.° 2 do título consagrado às responsabilidades a cargo da SDL: «Responsabilidade da S.D.L. quanto às decisões de venda, incluindo as decisões de tarifas para as três empresas de vendas edistribuição acima. Estas decisões tomadas em conformidade com a política definida pelo director-geral da divisão açúcar.» Acresce que, mais uma vez, estas alegações não assentam em qualquer elemento de prova específico. A carta do presidente do conselho de administração da Greencore aos seus accionistas, datada de 23 de Outubro de 1991, não contém qualquer indicação a respeito da repartição de responsabilidades em matéria de fixação dos preços.

59.
    Há, portanto, que concluir que a recorrente não conseguiu demonstrar que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar que os factores de correlação mencionados na decisão impugnada demonstravam que a recorrente e a SDL tinham, entre 1985 e Fevereiro de 1990, o poder de adoptar uma mesma linha de acção no mercado (v. supra, n.° 46).

60.
    Acresce que os outros operadores no mercado consideravam que a recorrente e a SDL formavam uma entidade económica única. Assim, a ASI International Foods, ex-ASI International Trading Ltd, o importador de açúcar francês no mercado irlandês (a seguir «ASI»), enviou à recorrente, em 18 de Julho de 1988, uma carta na qual se queixava do seu comportamento e do comportamento da SDL no mercado. O autor desta carta, dirigida ao director-geral da recorrente, afirma: «Escrevo-lhe para chamar a sua atenção para as práticas desleais que são levadas a cabo directamente pela sua empresa ou pela SDL que é controlada por vós em relação aos nossos esforços de venda a retalho do nosso açúcar Eurolux em pacotes de um quilo na Irlanda.»

61.
    O facto de a relação entre a recorrente e a SDL ser uma relação comercial vertical não afecta esta conclusão.

62.
    Em primeiro lugar, resulta dos documentos escritos da recorrente que as duas sociedades eram activas no mesmo mercado, entre 1985 e 1990, o que contradiz a existência de uma relação comercial exclusivamente vertical. Com efeito, no ponto 27 da sua petição de recurso, a recorrente cita um excerto de um acordo celebrado entre os accionistas da SDH em 1975, que precisa que a «SDL e a Sugar Company desenvolvem a sua actividade enquanto empresas independentes e concorrentes». Além disso, numa resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, a recorrente insiste no facto de a SDL só ter distribuído toda a oferta da recorrente no mercado do açúcar destinado à venda a retalho a partir de 1988. A recorrente presta, além disso, esclarecimentos que indicam que, no mercado do açúcar industrial, a SDL e a recorrente repartiam o mercado com uma terceira empresa, a Harcourt Agency Ltd, até ao início dos anos 80. Em contrapartida, embora afirme que deixou de estar presente no mercado do açúcar industrial entre 1985 e 1989, não indica qualquer prova que sustente esta alegação. Nestas circunstâncias, o argumento que a recorrente retira da inexistência de concorrência entre ela e a SDL pode, desde já, ser rejeitado.

63.
    Não consta da jurisprudência qualquer indicação da qual se possa deduzir que o conceito de posição dominante colectiva não é aplicável a duas ou mais empresasque se encontrem entre si numa relação comercial vertical. Como bem sublinha a Comissão, a menos que se entenda que o artigo 86.° do Tratado padece de uma lacuna, não se pode admitir que empresas que se encontrem numa relação comercial vertical, não estando no entanto integradas ao ponto de constituírem uma só e única empresa, não possam explorar abusivamente uma posição dominante colectiva.

64.
    Por outro lado, tendo todos os elementos de facto de que se serve a decisão impugnada para prova da detenção de uma posição dominante colectiva pela recorrente e pela SDL sido referidos na comunicação das acusações, a recorrente não pode vir agora criticar a Comissão por não ter abordado as relações entre as duas empresas sob o ângulo de um mesmo comportamento no mercado, na comunicação das acusações. Como salienta a Comissão, no quadro das discussões a propósito da fixação do montante da coima, a recorrente estava perfeitamente consciente da natureza dos seus laços com a SDL e da utilização que deles podia ser feita no mercado. Uma nota, intitulada «Notas relativas à reunião com a SDL de 21 de Novembro de 1988» (anexo 3 à comunicação das acusações) precisa, com efeito, no ponto 6, que: «A detenção de 51% do capital da SDL deveria evitar qualquer procedimento contra nós nos termos do artigo 85.° Deveremos utilizar a nossa presença influente na SDL para evitar qualquer violação do artigo 86.°»

65.
    A recorrente também não pode tirar partido da pretensa falta de carácter colectivo dos abusos de posição dominante descritos na decisão impugnada.

66.
    Com efeito, se a existência de uma posição dominante colectiva se deduz da posição que detêm conjuntamente as entidades económicas em questão no mercado em causa, o abuso não tem necessariamente que ser obra de todas essas empresas. Tem apenas que ser identificado como uma das manifestações da detenção dessa posição dominante colectiva. Em consequência, as empresas que ocupam uma posição dominante colectiva podem ter comportamentos abusivos comuns ou individuais. Basta que os comportamentos abusivos estejam ligados à exploração da posição dominante colectiva que as empresas detêm no mercado. No presente caso, a Comissão sustenta que a exploração desta posição dominante colectiva se inscrevia numa política constante e global de manutenção e reforço dessa posição e que os comportamentos adoptados tanto pela SDL como pela recorrente no período de 1985 a 1990 eram expressão dessa política. O ponto 117 dos considerandos da decisão impugnada precisa assim que: «Os comportamentos adoptados pela [recorrente] antes de 1990 relativamente à restrição quanto ao transporte, por ambas as empresas quanto aos descontos fronteiriços, aos descontos de exportação e ao desconto de fidelidade e pela SDL quanto à substituição de produtos e à fixação selectiva de preços, verificaram-se no âmbito de uma posição dominante conjunta.» A Comissão tinha, pois, o direito de considerar que comportamentos individuais de uma das empresas co-detentoras de uma posição dominante colectiva constituíam uma exploração abusiva dessa posição.

67.
    A recorrente também não pode criticar a «reciclagem» de alguns factos na decisão impugnada, no sentido atribuído pela jurisprudência a este termo (v. acórdãos SIV e o./Comissão, já referido, n.° 360, e Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, n.° 67). A Comissão não utilizou os mesmos factos para verificar a existência de uma posição dominante colectiva e para dar por provada a exploração abusiva dessa posição. Assim, se o financiamento pela recorrente dos descontos concedidos pela SDL foi efectivamente retido pela Comissão como um dos factores de correlação entre as duas entidades (v. supra, n.° 51), não foi de modo nenhum considerado como um comportamento abusivo em si mesmo. O comportamento abusivo consistiu no facto de ter concedido alguns descontos nas circunstâncias particulares do mercado nessa altura. A recorrente não pode assim pretender ter demonstrado a violação dos seus direitos de defesa e do artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63.

68.
    Resulta do que acaba de ser dito que a terceira parte do primeiro fundamento dos pedidos principais deve ser rejeitada, bem como, consequentemente, este fundamento na íntegra.

2. Quanto à existência de uma posição dominante da recorrente no mercado do açúcar industrial

69.
    A recorrente alega, com este segundo fundamento, que a decisão impugnada, ao afirmar que a recorrente ocupava uma posição dominante no mercado do açúcar industrial, padece de erros manifestos de apreciação dos factos e de direito.

70.
    Ter-se-á que constatar, porém, que a recorrente não contestou de modo nenhum que deteve, no decurso de todo o período em causa (1985 a 1995), uma parte do mercado do açúcar industrial na Irlanda superior a 90% (ponto 108 dos considerandos da decisão impugnada). Ora, como a Comissão sublinhou na decisão impugnada (ponto 100 dos considerandos), posição dominante diz respeito a uma situação de poder económico detida por uma empresa que lhe dá o poder de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em questão, ao possibilitar-lhe a adopção de comportamentos independentes, numa medida apreciável, relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por fim, relativamente aos consumidores (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 38). A existência de uma posição dominante pode resultar de vários factores que, considerados isoladamente, não são necessariamente determinantes. Porém, entre esses factores, a posse de partes de mercado extremamente importantes constitui por si só, salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante altamente significativa (acórdãos do Tribunal de Justiça, Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 41, e de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, 62/86, Colect., p. I-3359, n.° 60; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect., p. II-1439, n.° 91, de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Commissão, T-83/91, Colect., p. II-755, n.° 109, e Compagnie maritime belge transports e o./Commissão, já referido, n.° 76). Resulta, pois, da jurisprudência que uma parte de mercadosuperior a 50% constitui, por si só, uma prova da existência de uma posição dominante no mercado em causa (acórdão AKZO/Comissão, já referido, n.° 60).

71.
    A posição dominante da recorrente no mercado do açúcar industrial na Irlanda, de 1985 a 1995, podia, portanto, em princípio, ser deduzida do simples facto de, durante esse período, ela ter realizado mais de 90% das vendas registadas no mercado do açúcar industrial na Irlanda.

72.
    A recorrente entende, porém, que a Comissão cometeu um erro ao não tomar correctamente em consideração quatro factos que, segundo a recorrente, constituem circunstâncias excepcionais na acepção da referida jurisprudência, consistentes, por um lado, na sua falta de independência em relação aos concorrentes (pretensa inacessibilidade do mercado irlandês e não tomada em consideração da concorrência potencial) e, por outro, na sua falta de independência em relação aos clientes (falta de independência em relação aos seus maiores clientes e prejuízos financeiros).

Quanto à alegada falta de independência da recorrente em relação aos concorrentes

73.
    Em primeiro lugar, a recorrente contesta que o mercado irlandês tenha sido inacessível aos produtores de açúcar estabelecidos noutros Estados-Membros (ponto 107 dos considerandos da decisão impugnada). Sustenta que o custo do transporte não entravou de modo nenhum as importações de açúcar industrial na Irlanda durante o período em causa. Uma correcta compreensão da organização comum do mercado do açúcar em geral e da fixação dos preços do açúcar em especial demonstraria a improcedência dessa alegação. Lembrando os objectivos desta organização comum, sublinha que a regionalização do preço de intervenção já não reflecte tanto o custo do transporte e que a probabilidade de sucesso nas exportações para a Irlanda depende designadamente da diferença de preços do açúcar entre a Irlanda e os outros Estados-Membros (nota de pé de página n.° 11 ao ponto 22 dos considerandos da decisão impugnada).

74.
    A recorrente afirma igualmente que, na decisão impugnada, a Comissão admite que os preços médios à saída da fábrica do açúcar cristalizado a granel na Irlanda têm sido dos mais elevados da Comunidade e que foram sempre mais elevados do que os preços médios no Reino Unido (ponto 108 dos considerandos), e também que o transporte marítimo do açúcar entre o Reino Unido e a Irlanda do Norte está isento de obstáculos (ponto 96 dos considerandos). Deduz daqui que a Comissão não considera o custo do transporte como um entrave importante às importações na Irlanda do Norte, apesar da dimensão reduzida deste mercado. Não haveria, por conseguinte, nenhum motivo para apreciar de modo diferente a incidência sobre as importações dos custos de transporte para a Irlanda.

75.
    Acrescenta que houve sempre importações de açúcar industrial na Irlanda, designadamente do açúcar em sacos proveniente de França (ponto 102 dosconsiderandos da decisão impugnada). A sociedade Gem Pack Ltd (a seguir «Gem Pack»), que acondiciona açúcar concorrente do da recorrente no mercado do açúcar destinado à venda a retalho, e a sociedade Irish Biscuits Ltd (a seguir «Irish Biscuits»), um dos seus clientes mais importantes, também importariam actualmente respectivamente 75 e 30% das suas necessidades em açúcar industrial. A Comissão teria admitido que a necessidade de contentores especiais e o custo suplementar correspondente já não são obstáculo à importação de açúcar a granel (ponto 95 dos considerandos da decisão impugnada). A recorrente faz ainda notar que existem igualmente riscos de importações de quantidades excedentárias de açúcar criadas pela organização comum do mercado do açúcar, tendo em conta o preço menos elevado deste açúcar excedentário. Refere, a este propósito, os excedentes comunitários nos anos de 1990-1991 e 1995, que se elevariam respectivamente a 4 200 000 toneladas e a 3 100 000 toneladas.

76.
    A recorrente conclui que, ainda que a concorrência gerada pelas importações seja relativamente fraca em termos de volume, teve uma incidência mais do que marginal na sua própria posição concorrencial, ao contrário do que alega a Comissão na decisão impugnada (ponto 105 dos considerandos).

77.
    Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro de direito ao fazer uma apreciação inadequada sobre a concorrência potencial. Lembra que, segundo a jurisprudência, para verificar a existência ou inexistência de concorrência potencial num mercado, há que tomar em conta eventuais capacidades de produção não utilizadas susceptíveis de criar, entre os produtores estabelecidos nesse mercado, uma situação de concorrência potencial (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 48). Pelas mesmas razões, a recorrente sustenta que, no presente caso, existia uma concorrência potencial no mercado do açúcar industrial na Irlanda, uma vez que este podia ser armazenado em quantidades que excediam largamente as necessidades devido aos excedentes de produção no mercado comunitário criados pela organização comum do mercado do açúcar, sem que os seus concorrentes se encontrem perante dificuldades económicas e financeiras especiais.

78.
    Acrescenta que, na sua decisão de 30 de Julho de 1991, que declarou a compatibilidade com o mercado comum de uma operação de concentração (Processo N IV/M.062 - Eridania/ISI) com base no Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho (JO C 204, p. 1), relativa a uma concentração no mercado do açúcar em Itália, a Comissão adoptou um conceito diferente do mercado de açúcar industrial, porque considerou que a entidade resultante da fusão não arriscava ocupar uma posição dominante no seu mercado, devido ao risco de importações de açúcar a preços baixos das regiões vizinhas e ao baixo custo do transporte. A Comissão cometeria um erro de direito ao tratar de modo tão diferente a Irlanda e a República Italiana, quando estes dois Estados-Membros são ambos considerados como regiões deficitárias na organização comum do mercado do açúcar.

79.
    De qualquer modo, a recorrente considera que a decisão impugnada padece de um erro de direito, por não incluir qualquer apreciação sobre a concorrência potencial no mercado do açúcar industrial na Irlanda. Afirma além disso que, mesmo que a Comissão continue a escamotear a questão da existência de uma concorrência potencial no quadro do presente processo, os comentários a respeito dos descontos por via de um factor periférico (a seguir «DFP») implicam o reconhecimento da existência e da influência da concorrência potencial resultante da possibilidade de abastecimento em açúcar industrial mais barato noutros Estados-Membros.

80.
    O argumento da recorrente de que a Comissão não teria tido em conta a concorrência potencial no mercado do açúcar industrial não merece acolhimento. Basta salientar que a Comissão identificou nomeadamente os concorrentes da recorrente neste mercado (ponto 102 dos considerandos da decisão impugnada) e que teve em conta a existência de uma concorrência resultante da importação de açúcar (ponto 107 dos considerandos). Nos seus articulados, a Comissão sublinha, aliás, que reconheceu a existência de uma concorrência residual e de uma concorrência potencial das importações, mas que foi levada a concluir que, na prática, só a ASI tinha efectivamente procurado, enquanto concorrente da recorrente, importar açúcar industrial na Irlanda, o que não foi contestado pela recorrente. Portanto, longe de afectar a conclusão da Comissão, o facto de, entre os seus clientes no mercado industrial, só a Gem Pack e a British Biscuits terem importado açúcar industrial confirma, ao contrário, a debilidade da concorrência residual existente no mercado irlandês. E a existência dos DFP, como a própria recorrente o faz aliás notar, verificada pela decisão impugnada (pontos 70 a 72 e 136 a 144 dos considerandos), demonstra igualmente que a Comissão detectou a existência de uma concorrência residual e potencial das importações.

81.
    Além disso, os argumentos da recorrente no quadro do presente processo, tanto nos articulados como na resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, não são susceptíveis de demonstrar que a Comissão cometeu um erro de apreciação do efeito dos custos de transporte sobre as importações de açúcar industrial na Irlanda.

82.
    Na decisão impugnada (ponto 95 dos considerandos), a Comissão tomou em consideração os argumentos da recorrente, segundo os quais as especificidades da organização comum do mercado do açúcar e a existência de excedentes importantes noutros Estados-Membros demonstram a existência de uma concorrência potencial através das importações. Longe de contestar estas afirmações da recorrente, a Comissão salienta que «as importações de açúcar na Irlanda têm até ao momento representado apenas uma pequena parte do consumo total de açúcar granulado da Irlanda». A recorrente não contestou a veracidade desta afirmação.

83.
    A Comissão prossegue declarando que «um obstáculo considerável à importação de açúcar do Continente é o custo do transporte, especialmente no caso de não haver carga transportada no sentido inverso» (ponto 95 dos considerandos).

84.
    O que significa que a Comissão, na decisão impugnada, só analisou o impacto do custo do transporte sobre as importações do continente, a partir dos Estados-Membros que dispunham, segundo as próprias declarações da recorrente, de importantes excedentes, ou sejam, a França, a Alemanha, a Dinamarca, a Bélgica e os Países Baixos. A recorrente não pode portanto vir invocar, no quadro do presente processo, a comparação com os custos de transporte entre a Grã Bretanha e a Irlanda do Norte para refutar a resposta que a Comissão deu ao seu argumento baseado na existência de excedentes nos Estados-Membros acima referidos. Convém realçar ainda que a Grã Bretanha e a Irlanda do Norte fazem parte do território do mesmo Estado-Membro.

85.
    Na decisão impugnada (ponto 95 dos considerandos), a Comissão baseou, de facto, a sua resposta num excerto de um plano de empresa da Greencore, de Junho de 1994, empresa esta proprietária da recorrente desde 1991 (ponto 18 dos considerandos da decisão impugnada), segundo o qual:

«[...] a grande maioria das importações se faz em sacos de 50 quilos, visto que o transporte de açúcar em bruto é relativamente oneroso devido à necessidade de contentores especiais. Incentivamos os clientes a passarem para as instalações de tratamento de açúcar em bruto logo que possível, sublinhando as economias que podem ser feitas e partilhadas pelas duas partes. A proporção de açúcar em bruto nas nossas vendas industriais continua a aumentar e ascende actualmente a 83%».

86.
    Decorre do excerto que acabamos de citar, por um lado, que até 1994, as importações de açúcar industrial se faziam principalmente em sacos de 50 kg devido ao custo mais elevado do transporte de açúcar em bruto e, por outro, que a recorrente promoveu, com sucesso, junto dos seus clientes, a utilização de instalações de tratamento de açúcar em bruto.

87.
    A contestação da recorrente, já alegada na sua resposta à comunicação das acusações (ponto 95 dos considerandos da decisão impugnada), incide portanto apenas na apreciação do custo do transporte de açúcar em bruto a partir de 1994. Não é, em contrapartida, de modo nenhum, susceptível de pôr em causa as conclusões da Comissão respeitantes ao período anterior a 1994. Os complementos de informação apresentados pela recorrente em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal indicam mesmo que o seu argumento diz na realidade respeito ao fim do período durante o qual teriam sido cometidas as infracções a que se refere o artigo 1.° do dispositivo da decisão impugnada, ou mesmo a um período posterior a esta. Na sua resposta, a recorrente precisou, com efeito, que «até 1995, e parcialmente no início de 1996, as importações de açúcar se faziam quase exclusivamente em sacos. A partir de 1996, o transporte a granel ganhou importância graças à técnica menos onerosa e mais sofisticada consistente nacolocação de uma protecção no interior dos contentores». A Comissão podia, portanto, considerar com razão que, «independentemente da situação prevalecente, a própria afirmação da recorrente demonstra que o custo do transporte constitui um obstáculo às importações de açúcar bruto praticamente em relação a todo o período em consideração» (ponto 95 dos considerandos da decisão impugnada).

88.
    Há que sublinhar igualmente que a recorrente não contestou que os seus clientes no mercado do açúcar industrial foram, ao longo dos anos, adquirindo silos para armazenamento de açúcar, o que levou a um declínio constante do transporte em sacos (ponto 95 dos considerandos da decisão impugnada).

89.
    Criticando embora a apreciação da estrutura concorrencial do mercado em causa efectuada pela Comissão na decisão impugnada, a recorrente não demonstra, no entanto, que, nos factos, as importações de açúcar industrial na Irlanda tiveram uma incidência mais que marginal sobre a sua parte de mercado e a sua posição concorrencial (ponto 105 dos considerandos da decisão impugnada). Forçoso é constatar a este respeito que os números por ela apresentados para dar conta da proporção de importações de açúcar industrial nas compras dos seus clientes Gem Pack e British Biscuits não assentam em qualquer elemento de prova específico.

90.
    Do mesmo modo, embora sustente que os excedentes de produção nos outros Estados-Membros podiam ser exportados para a Irlanda (v. igualmente ponto 95 dos considerandos da decisão impugnada), a recorrente não contesta em nenhum momento que a dimensão reduzida do mercado irlandês constituía um entrave a essas importações, tendo em conta as exigências de rentabilidade particulares que a importação de açúcar industrial neste mercado implicava (ponto 107 dos considerandos da decisão impugnada).

91.
    Finalmente, a referência ao processo Eridania/ISI é destituída de pertinência, dado que a conclusão da Comissão assenta, nesse caso, no custo pouco elevado do transporte e nos consequentes riscos de importação das regiões vizinhas. Ora, a recorrente não fez qualquer prova de que os custos de transporte eram pouco elevados e de que existiam riscos credíveis de importações dessa natureza.

92.
    A recorrente não conseguiu, portanto, demonstrar que a Comissão cometeu um erro ao não considerar que a sua alegada falta de independência em relação aos concorrentes constituía uma circunstância excepcional na acepção da jurisprudência acima citada no n.° 70.

Quanto à pretensa falta de independência da recorrente face aos seus clientes

93.
    A recorrente realça a pequena parte do mercado comunitário que detém (1,4%) e o poder de mercado dos grupos industriais internacionais aos quais pertencemalguns dos seus clientes e, mais precisamente, dois deles, [...] (2). O facto de estes pertencerem a esses grupos permitir-lhes-ia encontrar facilmente outras fontes de abastecimento nos outros Estados-Membros. A recorrente insurge-se a este propósito contra a distinção aparentemente efectuada pela Comissão entre, por um lado, os clientes presentes na Irlanda do Norte e que fazem parte de grupos estabelecidos igualmente na Grã Bretanha, que poderiam comprar o açúcar de que necessitam a outros produtores britânicos (ponto 96 dos considerandos da decisão impugnada) e, por outro, os clientes da recorrente na Irlanda.

94.
    Esse poder de mercado, aliás reconhecido pela Comissão na decisão impugnada (ponto 107 dos considerandos), limitaria, portanto, a capacidade da recorrente de influenciar os preços do açúcar industrial. A recorrente pretende, aliás, que os seus dois principais clientes podem fixar e fixam efectivamente o preço de compra do açúcar industrial, influenciando desse modo o preço proposto aos outros clientes. A recorrente cita a este propósito vários excertos de correspondência dos seus clientes. A Comissão teria, pois, cometido um erro ao declarar, na decisão impugnada, que o volume de vendas representado pelos seus dois principais clientes não contrabalançava a sua posição dominante (ponto 108 dos considerandos). Sustenta que a Comissão, para poder concluir que a recorrente ocupava uma posição dominante, devia ter comparado os dois grupos de forças opostas (acórdão SIV e o./Comissão, já referido, n.° 366).

95.
    A posição real da recorrente no mercado, que não corresponderia aliás a uma posição dominante, seria particularmente evidente através da comparação entre os preços líquidos médios respectivos do açúcar industrial na Irlanda do Norte e na Irlanda. Esta comparação demonstraria que os preços líquidos médios são menos elevados na Irlanda do que na Irlanda do Norte, quando os preços de venda a retalho são mais elevados na Irlanda do que na Irlanda do Norte.

96.
    Em qualquer caso, a recorrente afirma que não detinha uma posição dominante no mercado do açúcar industrial na Irlanda antes de 1990, devido às dificuldades financeiras a que teve de fazer face durante os anos 80. Estas tê-la-iam tornado extremamente dependente dos seus clientes industriais que, informados da existência dessas dificuldades, lhe teriam imposto os seus próprios preços. Pretende mesmo que, nessa altura, vendeu açúcar industrial a um preço inferior ao preço de intervenção garantido pela organização comum do mercado do açúcar. Critica a Comissão por entender que estas dificuldades são irrelevantes (pontos 103 e 108 dos considerandos). Considera que a Comissão devia ter-se perguntado se o comportamento da recorrente podia ter sido diferente caso não se tivesse defrontado com tais dificuldades financeiras nessa altura.

97.
    Se a Comissão reconheceu em parte, na decisão impugnada (ponto 107 dos considerandos), o poder comercial dos dois clientes da recorrente citados por esta,considerou, porém, que esse poder não era susceptível de afectar a posição dominante da recorrente, e isto por duas razões. Por um lado, os outros clientes da recorrente, que representavam ainda [...]% do seu volume de vendas, não dispunham desse poder comercial. Por outro lado, considerou que as especificidades do regime comunitário aplicável ao açúcar impediam esses dois clientes da recorrente de encontrar a curto prazo outras fontes de abastecimento (ponto 107 dos considerandos).

98.
    Forçoso é constatar que os argumentos da recorrente não põem em causa a conclusão tirada pela Comissão na decisão impugnada ((ponto 107 dos considerandos). Em primeiro lugar, a recorrente não contesta que os seus outros clientes absorviam [...]% da sua produção industrial, o que representava ainda uma parte do mercado do açúcar industrial na Irlanda superior a [...]% A recorrente pode dificilmente pretender a partir daí que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao declarar que, «apesar da presença de dois grandes clientes, a procura é constituída por um conjunto de compradores de dimensões diferentes, não sendo susceptíveis de ser agregados para se poder concluir que podem restringir o poder de mercado de um fornecedor com mais de 90 % do mercado» (ponto 108 dos considerandos). O mesmo se diga da sua afirmação de que «O volume de vendas representado por estes dois grandes clientes não contrabalança a posição dominante da Irish Sugar» (ponto 108 dos considerandos). Além disso, o conteúdo dos pontos 107 e 108 dos considerandos demonstra que a Comissão procedeu a uma análise das forças em presença. A recorrente também não pode invocar em apoio da sua tese uma contradição entre a análise da Comissão sobre os clientes britânicos na Irlanda do Norte e a análise dos clientes da recorrente na Irlanda, dado que a Irlanda do Norte é uma parte integrante do Reino Unido, e a Irlanda não, visto que esta é, ela própria, um Estado-Membro.

99.
    Apesar de a recorrente ter insistido várias vezes na reduzida importância do mercado irlandês em relação aos outros mercados nacionais da Comunidade, realçando a pequena parte do mercado comunitário que teria detido durante o período em causa (1,4%), não pode, porém, contestar que o mercado geográfico em causa constituía uma parte substancial do mercado comum ((ponto 97 dos considerandos da decisão impugnada), visto que corresponde ao território de um Estado-Membro, facto este que reconheceu aliás na audiência.

100.
    Por outro lado, ainda que resulte da correspondência invocada pela recorrente para demonstrar o poder comercial dos seus dois principais clientes que o preço de venda que lhes era aplicado se alinhava pelo preço de venda do açúcar industrial que adquiriam no Reino Unido, não se pode daí deduzir que a fixação desses preços influenciava a fixação dos preços que aplicava aos seus outros clientes industriais.

101.
    A recorrente também não pode tirar argumentos da comparação entre os preços líquidos médios na Irlanda do Norte e no Reino Unido para contestar que ocupavauma posição dominante no mercado do açúcar industrial na Irlanda. Com efeito, o facto de os preços praticados pela recorrente não serem mais elevados do que os que estavam em vigor no Irlanda do Norte, ou serem mesmo inferiores, não permite concluir que não detinha uma posição dominante no mercado do açúcar industrial na Irlanda (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 59). Em qualquer caso, essa comparação não é determinante, dado que estão em causa médias que retomam designadamente os preços praticados em relação aos dois principais clientes da recorrente, cujo poder comercial é por ela sublinhado. A inclusão de dados respeitantes a estes dois clientes, que representam [...]% das suas vendas, altera com efeito a análise da média dos preços efectivamente aplicados aos seus outros clientes.

102.
    Finalmente, apesar do facto de a recorrente se ter abstido de apresentar a mínima prova susceptível de ilustrar a utilização da sua situação financeira difícil pelos seus clientes nessa altura ao nível da fixação dos preços, forçoso é constatar que a Comissão não ignorou o argumento da recorrente baseado na existência desses prejuízos financeiros. Pelo contrário, precisou, no ponto 103 dos considerandos da decisão impugnada, que «O facto de a [recorrente] ter tido perdas na primeira metade da década de 80 não é incoerente com a existência de uma posição dominante», referindo-se, a este propósito ao acórdão Michelin/Comissão, já referido, no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma rentabilidade temporariamente nula e mesmo prejuízos não são incompatíveis com uma posição dominante (n.° 59).

103.
    Como bem sublinha a Comissão, os prejuízos registados por uma empresa em posição dominante não constituem, por si só, um facto mais relevante do que os lucros recolhidos por uma empresa que jogue perfeitamente o jogo da concorrência num mercado aberto. A recorrente não alegou aliás nem provou de qualquer modo que esses prejuízos financeiros resultavam da existência de uma concorrência particular no mercado do açúcar industrial ou do desabar da sua posição concorrencial nesse mercado. Como o faz realçar a Comissão, esses prejuízos podem ter decorrido do modo de gestão estatal dessa empresa no decurso dos anos 80.

104.
    A recorrente não conseguiu, pois, provar que a Comissão cometeu um erro, ao não considerar que a sua alegada falta de independência face aos seus clientes constituía uma circunstância excepcional na acepção da jurisprudência acima citada no n.° 70. De onde se conclui que a Comissão não cometeu os erros de apreciação e de direito alegados pela recorrente quando concluiu que esta ocupava uma posição dominante no mercado do açúcar industrial na Irlanda entre 1985 e 1995. O segundo fundamento deve, portanto, ser rejeitado.

3. Quanto aos abusos de posição dominante da recorrente nos mercados do açúcar industrial e do açúcar destinado à venda a retalho

105.
    No quadro dos terceiro e quarto fundamentos, a recorrente critica a análise dos seis comportamentos abusivos que lhe são imputados e que teria adoptado tanto no mercado do açúcar industrial na Irlanda (aplicação de preços selectivamente baixos aos clientes potenciais da ASI, DFP e aplicação de preços discriminatórios em relação às empresas de embalagem de açúcar concorrentes) como no mercado do açúcar destinado à venda a retalho (descontos fronteiriços, trocas de produtos e prémios de fidelidade, bonificação por objectivos e preços selectivos).

106.
    As críticas formuladas pela recorrente no quadro do terceiro fundamento referem-se às práticas descritas nos pontos 45 e 70 a 77 dos considerandos da decisão impugnada, analisadas nos pontos 123, 136 a 150 e dadas como provadas no artigo 1.°, n.os 1, 4 e 5 da decisão; as críticas formuladas no quadro do quarto fundamento referem-se à práticas descritas nos pontos 46 a 69 e 78 a 84, analisadas nos pontos 123 a 135 e 151 a 154 e julgadas provadas no artigo 1.°, n.os 1, 2, 3 e 6, alínea i) e alínea ii), da decisão.

107.
    Na decisão impugnada, a Comissão deduz a existência de abusos de posições dominantes da análise dos factos comprovados por provas documentais que demonstram, segundo a Comissão, que «o elemento fundamental da política comercial da [recorrente] foi a protecção do seu mercado na Irlanda das importações de outros Estados-Membros, por um lado, e de empresas concorrentes de embalagem de açúcar na Irlanda, por outro. Além disso, nos últimos dez anos, pelo menos, a política comercial da [recorrente] envolveu a imposição de uma política discriminatória em matéria de preços no seu mercado nacional» (ponto 114 dos considerandos). A Comissão acusa assim a recorrente de ter «recorr[ido] a métodos diferentes dos que regem a concorrência normal no mercado dos produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, tendo como resultado impedir a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência» (ponto 114 dos considerandos). Precisa igualmente que «com o objectivo de defender o seu mercado, a [recorrente] recorreu a diferentes formas de comportamento abusivo, utilizadas alternativamente ou em combinação, sempre que se revelou necessário, a partir de 1985» (ponto 116 dos considerandos).

108.
A Comissão examina, a seguir, cada um destas práticas ilegais, que seriam integrantes de «uma política global e sustentada destinada a proteger os mercados nacionais da [recorrente] relativamente ao açúcar de retalho e ao açúcar para fins industriais» (ponto 118 dos considerandos). Por um lado, analisa «as medidas destinadas a proteger o mercado nacional contra a concorrência exercida pelas importações com origem noutros Estados-Membros», distinguindo entre as que visavam as importações de França das que visavam as importações da Irlanda do Norte (pontos 119 a 135 dos considerandos). Por outro lado, examina o «comportamento discriminatório em matéria de preços em relação a categorias específicas de clientes», distinguindo entre os descontos sobre o açúcar exportado e a discriminação activa em relação a empresas de embalagem concorrentes(pontos 136 a 154 dos considerandos). No artigo 1.° do dispositivo da decisão impugnada, a Comissão insiste no facto de os comportamentos em causa se inscreverem no quadro de uma política constante e global destinada a proteger a posição da recorrente no mercado do açúcar na Irlanda.

109.
    A recorrente contesta ter violado as disposições do artigo 86.° do Tratado pondo em prática uma política constante e global de protecção abusiva da sua posição no mercado do açúcar na Irlanda. As suas críticas visam demonstrar ou que não participou nas práticas abusivas que lhe são imputadas pela decisão impugnada ou que essas práticas não infringem o preceituado no artigo 86.° do Tratado.

110.
    Antes de examinar os argumentos das partes relativos a cada uma das práticas a que se refere o artigo 1.° da decisão impugnada e punidas no artigo 2.°, há que recordar os princípios que regem a verificação do carácter abusivo das práticas de uma empresa em posição dominante.

111.
    Segundo jurisprudência constante, o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (acórdãos Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 91, e Akzo/Comissão, já referido, n.° 69). De onde resulta que o artigo 86.° do Tratado proíbe a uma empresa dominante a eliminação de um concorrente e o reforço da sua posição recorrendo a outros meios que não os que resultem de uma concorrência pelo mérito. Nesta perspectiva, qualquer concorrência pelos preços não pode ser havida como legítima (acórdão Akzo/Comissão, já referido, n.° 70). A proibição constante do artigo 86.° do Tratado justifica-se igualmente pela preocupação de não prejudicar os consumidores (v., neste sentido, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 26, e Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 526 e 527).

112.
    Por conseguinte, se a verificação da existência de uma posição dominante não acarreta por si mesma nenhuma censura em relação à empresa em causa, impõe-lhe porém, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não atentar, pelo seu comportamento, contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão Michelin/Comissão, já referido, n.° 57). Do mesmo modo, se a existência de uma posição dominante não priva uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estes estiverem ameaçados, e, se essa empresa tem a faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses, esses comportamentos já não são, porém, admissíveis quando têm como objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdãos UnitedBrands/Comissão, já referido, n.° 189, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido, n.° 69, Tetra Pak/Comissão, já referido, n.° 147, e Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, n.° 107).

113.
    No caso em apreço, a Comissão acusa a recorrente de ter adoptado, no quadro de uma política global e constante, dois tipos de comportamentos abusivos diferentes. Refere, por um lado, um certo número de práticas ligadas à fixação de preços discriminatórios pela recorrente, tanto no mercado do açúcar industrial (preços selectivos para clientes potenciais da ASI, DFP e preços discriminatórios em relação a empresas de embalagem de açúcar concorrentes) como no do açúcar destinado à venda a retalho (descontos fronteiriços, trocas de produtos e descontos de fidelidade, bonificação por objectivos e preços selectivos). Por outro lado, a Comissão identifica, no mercado do açúcar destinado à venda a retalho, trocas de produtos constitutivos de uma exploração abusiva de uma posição dominante.

114.
    Relativamente às práticas mais especificamente ligadas à fixação dos preços pela recorrente, resulta da jurisprudência que, para apreciar o eventual carácter abusivo de uma prática de preços, se devem analisar todas as circunstâncias e nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos e apurar se esses descontos têm por objectivo, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (acórdãos Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 90, e Michelin/Comissão, já referido, n.° 73). O carácter falseado da concorrência resulta do facto de a vantagem financeira concedida pela empresa em posição dominante não assentar numa contrapartida económicamente justificada, tendendo antes a impedir o abastecimento dos clientes dessa empresa dominante na concorrência (v. acórdão Michelin/Comissão, já referido, n.° 71). Uma dessas circunstâncias pode assim consistir no facto de a prática em causa ter lugar no quadro de um plano que tem como finalidade eliminar um concorrente (acórdãos Akzo/Comissão, já referido, n.° 72, e Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, n.os 147 e 148).

115.
    Importa recordar, finalmente, que o artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado estabelece expressamente que práticas abusivas podem consistir designadamente na aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência.

116.
    É à luz destes princípios que se deve apreciar a veracidade e a legitimidade das práticas julgadas provadas e punidas na decisão impugnada e recordadas no n.° 113, supra.

Quanto às práticas ligadas à fixação dos preços pela recorrente

No mercado do açúcar industrial

- Aplicação de preços selectivamente baixos aos clientes potenciais da ASI

117.
    Segundo a decisão impugnada, resulta de uma nota de 8 de Março de 1988 do director comercial da SDL (ponto 45 dos considerandos), que define uma política de preços baixos a aplicar selectivamente aos clientes potenciais da ASI (ponto 123 dos considerandos) que «No período 1986-1988, [a recorrente...] aplicou preços selectivamente reduzidos a clientes de um importador de açúcar francês» (artigo 1.°, n.° 1).

118.
    A recorrente nega ter aplicado esses preços e contesta, de qualquer modo, o carácter abusivo de uma política de preços destinada simplesmente a defender a posição que ocupava no mercado.

119.
    A Comissão sublinha que, ao tentar justificar a legalidade desses preços selectivos, a recorrente reconhece a sua realidade. Sustenta, ainda, que esta nota de 8 de Março de 1988 é prova bastante da realidade do comportamento adoptado pela recorrente no mercado do açúcar industrial em relação aos potenciais clientes da ASI.

120.
    Porém, os elementos avançados pela Comissão na decisão impugnada não permitem verificar que a infracção foi realmente cometida tal como é dada por provada no artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada.

121.
    Além de a recorrente negar ter aplicado tais preços aos clientes potenciais da ASI no mercado do açúcar industrial, tem que se constatar que o conteúdo da nota do director comercial da SDL não indica que a recorrente adoptou efectivamente esse comportamento entre 1986 e 1988. Se é certo que essa nota de 8 de Março de 1988 explica a política de preços que o director comercial da SDL pretendia pôr em prática, não dá conta, no entanto, da aplicação dessa política entre 1986 e 1988, posto que tem precisamente como objectivo delinear a política a levar a cabo no futuro.

122.
    Acresce que na passagem relativa à atitude adoptada pela SDL antes da redacção dessa nota, não se afirma que houve qualquer aplicação de preços selectivos aos clientes da ASI, posto que aí se precisa: «Entretanto, temos mantido uma atitude de maior vigilância ao nível dos clientes de açúcar para fins industriais com vista a determinar qualquer eventual aumento de actividade da ASI.» (ponto 45 dos considerandos da decisão impugnada). Não se pode, unicamente com base nisto imputar à recorrente e à SDL um abuso de posição dominante colectiva no mercado do açúcar industrial, por aplicação de preços selectivamente baixos aos clientes da ASI antes de 8 de Março de 1988. O que é dito traduz apenas a apreciação, pelas empresas em posição dominante, da actividade de um dos seusconcorrentes, o que, em si mesmo, não constitui uma prática abusiva na acepção do artigo 86.° do Tratado.

123.
    Por outro lado, como salienta a recorrente, é forçoso constatar que a análise da nota do director comercial da SDL de 8 de Março de 1988 se insere na decisão impugnada (pontos 45 e 123 dos considerandos) entre os pontos consagrados às práticas relativas ao mercado do açúcar destinado à venda a retalho.

124.
    Nestas condições, há que anular o artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada, na parte em que afirma que a recorrente infringiu o artigo 86.° do Tratado ao conceder, entre 1986 e 1988, preços selectivamente baixos aos clientes da ASI.

- DFP

125.
    Segundo a decisão impugnada, «Desde pelo menos 1985, [a recorrente] aplicou um sistema de 'descontos ao açúcar de exportação‘, isto é, descontos concedidos sobre o açúcar que é exportado sob forma transformada para outros Estados-Membros, o que constitui uma discriminação contra os clientes de açúcar para fins industriais que abastecem o mercado irlandês» (artigo 1.°, n.° 4). A Comissão explica que a recorrente concedeu, durante todo o período em causa, descontos sobre o açúcar para exportação a clientes industriais que exportam os seus produtos finais principalmente para outros Estados-Membros. Estes clientes teriam assim indicado à recorrente o volume das suas exportações para obterem essa bonificação (ponto 70 dos considerandos). O nível deste desconto teria, além disso, variado em função do cliente, do momento ou do Estado-Membro de exportação, sem correspondência com o volume exportado (pontos 71 e 72 dos considerandos). A Comissão deduziu daqui que a recorrente aplicava condições desiguais para prestações equivalentes, na acepção do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado, tanto entre os clientes exportadores (ponto 137 dos considerandos) como entre estes últimos e os clientes que reservavam a sua produção para o mercado irlandês (ponto 138 dos considerandos), colocando, por isso, certos clientes em desvantagem na concorrência (ponto 136 dos considerandos). Essa desvantagem criada em relação aos clientes não exportadores teria sido tanto mais importante quanto, como a própria recorrente alega, houve um aumento significativo do nível da concorrência no mercado irlandês dos produtos alimentares (ponto 139 dos considerandos). O sistema dos DFP teria assim colocado as outras empresas de embalagem de açúcar em situação de desigualdade relativamente à recorrente no mercado do açúcar destinado à venda a retalho (ponto 143 dos considerandos). Finalmente, «a natureza discriminatória do sistema de descontos de exportação [teria sido] realçada pelo facto de não estar de acordo com os objectivos do regime comum do açúcar» (ponto 144 dos considerandos).

126.
    A recorrente contesta a análise constante da decisão impugnada e defende a legitimidade dos DFP.

127.
    Recorda, em primeiro lugar, que a finalidade destes DFP era subsidiar as exportações de produtos transformados à base de açúcar, em conformidade com a preocupação do Governo irlandês de apoiar o sector nacional, economicamente importante, de fabrico de produtos alimentares e de bebidas (v. pontos 20 e 97 dos considerandos da decisão impugnada). Devido à opção feita pelo Governo irlandês a favor de uma política de desvalorização da libra verde, que se traduziu por preços agrícolas mais elevados na Irlanda do que no Reino Unido, teria sido extremamente difícil para os produtores irlandeses de produtos transformados com açúcar competir no mercado do Reino Unido e nos outros mercados de exportação. Apesar da concessão dos DFP, nem todos os clientes em causa teriam aliás sobrevivido, tendo alguns outros sido obrigados a transferir as suas actividades de produção para fora da Irlanda. A recorrente explica, assim, que o custo da redução de preços suportado pela indústria de transformação era, em parte, compensado pelo aumento do preço de venda a retalho que, nos anos 70 e numa grande parte dos anos 80, era controlado por disposições legais. Considera que o incentivo oficial à concessão destes DFP a põe parcial ou totalmente fora de causa.

128.
    Há que constatar, em primeiro lugar, que a recorrente não refuta os factos julgados provados pela Comissão nos pontos 70 a 72 dos considerandos da decisão impugnada, que comprovam a realidade e as condições particulares da concessão desses DFP entre 1985 e 1995. A sua argumentação visa apenas defender a sua legalidade à luz do artigo 86.° do Tratado. Trata-se, aliás, de uma argumentação em grande parte idêntica à apresentada no quadro do procedimento administrativo e à qual a Comissão respondeu precisamente na decisão impugnada (pontos 140 a 142 dos considerandos).

129.
    O argumento baseado no incentivo governamental à subvenção das exportações de açúcar irlandês também não é, nas circunstâncias do presente caso, de qualquer utilidade para a defesa da recorrente. Com efeito, como bem diz a Comissão, a recorrente não conseguiu demonstrar que esse pretenso incentivo era de tal ordem que a privava, nos factos, de qualquer autonomia na escolha da sua política comercial.

130.
    Ora, no acórdão de 11 de Novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing (C-359/95 P e C-379/95 P, Colect., p. I-6265, n.os 33 e 34), o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 85.° e 86.° do Tratado se referem apenas a comportamentos contrários à concorrência adoptados pelas empresas por sua própria iniciativa (v., neste sentido, no que se refere ao artigo 86.° do Tratado, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873, n.os 18 a 20; de 19 de Março de 1991, França/Comissão, dito «Terminais», C-202/88, Colect., p. I-1223, n.° 55, e de 13 de Dezembro de 1991, GB-Inno-BM, C-18/88, Colect., p. I-5941, n.° 20). Se é imposto por uma legislação nacional às empresas um comportamento contrário à concorrência, ou se esta legislação cria um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, os artigos 85.° e 86.° não são aplicáveis. Numa situação deste tipo, a limitação da concorrência não é causada, comoimplicam esses artigos, por comportamentos autónomos das empresas (v., igualmente, acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 36 a 72 e, em especial, n.os 65 e 66 e 71 e 72). Pelo contrário, os artigos 85.° e 86.° do Tratado podem ser aplicados se se revelar que a legislação nacional deixa subsistir a possibilidade de existência de concorrência susceptível de ser entravada, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125; de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, 240/82, 241/82, 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, e de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C-219/95 P, Colect., p. I-4411).

131.
    Não tendo a recorrente invocado no caso ora em apreço nenhuma legislação ou medida do Governo irlandês que lhe tenha sido imposta ou que tenha traçado um quadro jurídico que lhe impusesse a adopção de medidas de subvenção à exportação, há que considerar que, qualquer que fosse a posição do Governo irlandês a esse respeito, a recorrente conservou toda a sua autonomia de comportamento. De onde se conclui que o artigo 86.° do Tratado podia ser-lhe aplicado.

132.
    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a análise dos DFP efectuada pela Comissão assenta numa premissa errada, isto é, a de que os DFP não seriam conformes aos objectivos da organização comum do mercado do açúcar (ponto 144 dos considerandos da decisão impugnada) e do mercado comum (ponto 167, terceiro parágrafo, terceiro travessão, dos considerandos da decisão impugnada). A concessão dos DFP teria tido, com efeito, um duplo objectivo: por um lado, permitir à sua clientela continuar a exportar, atenuando a dificuldade estrutural criada pela organização comum do mercado do açúcar e, por outro, incentivar a clientela a continuar a abastecer-se na Irlanda e a apoiar a indústria local, apesar dos custos de produção mais elevados.

133.
    A apreciação da legalidade dos DFP pela Comissão não repousa, porém, em nenhuma premissa errada. Por um lado, a Comissão, na decisão impugnada, não apresenta a compatibilidade dos DFP com a organização comum do mercado do açúcar como uma condição de legalidade desses DFP. A apreciação da sua conformidade com a organização comum do mercado do açúcar (ponto 144 dos considerandos) é, com efeito, independente da verificação do seu carácter discriminatório. O eventual carácter errado desta apreciação não afecta, pois, o raciocínio que levou a Comissão a concluir pela violação do artigo 86.° do Tratado.

134.
    Por outro lado, a recorrente não pode pretender que o sistema dos DFP é conforme aos princípios que regem o mercado comum. Com efeito, como se afirma no ponto 157 dos considerandos da decisão impugnada, «A prática da [recorrente] de conceder descontos de exportação sobre o açúcar exportado, após a transformação, para outros Estados-Membros, é susceptível de falsear o comérciode açúcar para fins industriais e de produtos alimentares com uma proporção significativa de açúcar, afectando assim o comércio entre Estados-Membros». A Comissão podia, pois, legitimamente considerar que essa prática, aplicada sem interrupção de 1985 a 1995, teve como efeito falsear a concorrência e o comércio no mercado comum (ponto 167, terceiro parágrafo, dos considerandos da decisão impugnada).

135.
    Em terceiro lugar, a recorrente alega que os DFP são conformes ao protocolo n.° 30 respeitante à Irlanda (JO 1972, L 73, p. 182, a seguir «Protocolo n.° 30»), anexo ao acto relativo às condições de adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda, e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte às Comunidades Europeias e às adaptações dos Tratados (JO 1972, L 73, p. 14), e que, desde a entrada em vigor do Acto Único Europeu, se enquadram nas disposições do Tratado relativas à coesão económica e social, e concretamente no artigo 130.°-A do Tratado CE (que, passou, após alteração, a artigo 158.° CE). Acrescenta que os DFP se situam no cruzamento dos campos de aplicação respectivos das disposições do Tratado relativas à coesão económica e social e do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 86.°, n.° 2, CE).

136.
    Porém, os DFP são medidas adoptadas por uma empresa activa no sector do açúcar e não resultam da iniciativa de um Estado-Membro agindo nessa qualidade. Por outro lado, como sublinha a Comissão, o artigo 1.° do Regulamento n.° 26 do Conselho, de 4 de Abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (JO 1962, 30, p. 993; EE 08 F1 p. 29) precisa que o artigo 86.° do Tratado é aplicável no domínio da produção e do comércio dos produtos agrícolas enumerados no Anexo II do Tratado CE (v. ponto 115 dos considerandos da decisão impugnada). Finalmente, a recorrente nunca pretendeu ser uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tinha a natureza de monopólio fiscal, na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado. Este argumento não merece, pois, acolhimento.

137.
    Em quarto lugar, a recorrente alega que os DFP não implicavam discriminação em detrimento dos seus clientes de açúcar industrial que abasteciam unicamente o mercado irlandês, não sendo a situação destes comparável com a da indústria de transformação do açúcar que exporta. Longe de constituírem um entrave às importações, os DFP teriam, pelo contrário, reforçado a integração do mercado por facilitarem as exportações. O raciocínio da Comissão assentaria, com efeito, na premissa incorrecta de que o mercado irlandês estava já isolado. Critica igualmente o facto de a Comissão não ter tido em conta a realidade do mercado em que a recorrente operava e os imperativos a que estava sujeita. Com efeito, a Comissão só teria tomado em consideração os DFP ao nível dos seus efeitos sobre a concorrência na Irlanda, sem apreciar o seu efeito benéfico sobre as exportações para fora da Irlanda.

138.
    Na decisão impugnada, a Comissão sublinhou que as modalidades de aplicação dos DFP pela recorrente, entre 1985 e 1995, comportavam uma dupla discriminação (v. supra, n.° 125) entre os clientes da recorrente no mercado do açúcar industrial na Irlanda, que exportavam uma parte dos seus produtos transformados para fora da lrlanda, por um lado, e entre estes e os clientes da recorrente no mercado do açúcar industrial na Irlanda que destinavam a sua produção unicamente ao território irlandês, por outro. Estabeleceu igualmente que a aplicação destes descontos à exportação implicavam uma desvantagem concorrencial economicamente injustificada para os concorrentes da recorrente estabelecidos fora da Irlanda e para as empresas de embalagem de açúcar concorrentes da recorrente no mercado do açúcar destinado à venda a retalho na Irlanda, dado que estas últimas exerciam a sua actividade unicamente no mercado irlandês.

139.
    A recorrente não contestou o duplo efeito discriminatório denunciado na decisão impugnada, tentando apenas justificá-los em termos económicos. Também não contestou que esses descontos visavam impedir os seus clientes expostos à concorrência estrangeira de se abastecerem junto desta. Pelo contrário, sublinhou que a concessão dos DFP não tinha impedido uma parte da indústria irlandesa em causa de transferir as suas actividades para fora da Irlanda. Sustentou igualmente que estes descontos favoreciam as exportações e eram, portanto, conformes aos princípios que regem o mercado comum (v. supra, n.os 132 e 134). Por outro lado, a recorrente, no âmbito da impugnação da legalidade do artigo 1.°, n.° 5, da decisão impugnada (infra, n.os 150 a 172), contestou a existência de uma discriminação injustificada em relação às empresas de embalagem de açúcar concorrentes no mercado do açúcar destinado à venda a retalho.

140.
    Ao conceder estes descontos à exportação nos termos expostos nos pontos 71 e 72 dos considerandos da decisão impugnada, a recorrente aplicou, efectivamente, condições desiguais a prestações equivalentes, em violação do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado, impondo desse modo aos seus concorrentes uma desvantagem na concorrência. Este comportamento, com efeitos discriminatórios múltiplos, constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante, na acepção do artigo 86.° do Tratado.

141.
    Os mecanismos do mercado foram, com efeito, alterados dado que a recorrente não fixou o preço do açúcar industrial tomando em consideração a lei da oferta e da procura no mercado do açúcar industrial na Irlanda, mas sim os compradores potenciais e actuais dos seus clientes em função da sua localização (v. neste sentido o acórdão United Brands/Comissão, já referido, n.os 229 e 230).

142.
    A discriminação assim efectuada pela recorrente entre os seus clientes, em função de estes exportarem ou não a sua própria produção, não pode ser justificada, como ela pretende, pelas situações concorrenciais respectivas.

143.
    Por um lado, esta justificação não cobre todos os aspectos da discriminação denunciada na decisão impugnada. Com efeito, a Comissão sublinhou, sem ser contestada quanto a este ponto, que, como os DFP eram aplicados em certos casos à totalidade das compras de um cliente sem verificação pela recorrente do volume de açúcar incorporado nos produtos transformados finalmente exportados por esse cliente, este beneficiava igualmente desse desconto para as suas vendas no mercado irlandês (ponto 141 dos considerandos da decisão impugnada).

144.
    Por outro lado, como a Comissão precisou no ponto 140 dos considerandos da decisão impugnada, o cliente não exportador da recorrente está igualmente sujeito à concorrência dos operadores estabelecidos noutros Estados-Membros, tendo em conta a presença crescente de produtos estrangeiros no mercado irlandês dos produtos em cuja confecção intervem o açúcar.

145.
    Embora a recorrente não lhe preste nenhuma atenção no seu recurso, deve igualmente sublinhar-se que a Comissão não se contentou com estabelecer a natureza discriminatória dos DFP para considerar que estes eram contrários ao artigo 86.° do Tratado. Demonstrou também que a sua concessão impunha uma desvantagem concorrencial aos concorrentes da recorrente no mercado do açúcar industrial estabelecidos fora da Irlanda. Indicou, assim, com razão, que esta prática «de conceder descontos de exportação sobre o açúcar exportado, após a transformação, para outros Estados-Membros, [era] susceptível de falsear o comércio de açúcar para fins industriais e de produtos alimentares com uma proporção significativa de açúcar, afectando assim o comércio entre Estados-Membros» (ponto 157 dos considerandos da decisão impugnada).

146.
    A recorrente também não pode criticar a Comissão por ter apreciado erradamente os efeitos dos DFP sobre o isolamento do mercado irlandês, nem pretender que a análise da Comissão pressupõe a inexistência, ao nível dos preços, de barreiras à importação de açúcar na Irlanda.

147.
    Por um lado, tem que se constatar que, com menos de 5% do açúcar industrial importado no mercado irlandês, se pode dificilmente criticar a Comissão por ter apreciado mal a estrutura deste mercado ao considerá-lo isolado. Recorde-se a este propósito que a recorrente não contestou de modo nenhum a apresentação das partes de mercado dos diferentes operadores activos no mercado do açúcar industrial na Irlanda no período em causa. Ao fidelizar os seus clientes exportadores para os abastecimentos em açúcar industrial, a recorrente evitou que alguns deles mais abertos ao comércio interestadual fossem fornecer-se junto de concorrentes estabelecidos noutros Estados-Membros. Um dos efeitos da concessão de DFP foi, portanto, a manutenção, ou mesmo o reforço, do isolamento do mercado do açúcar industrial na Irlanda.

148.
    Por outro lado, dado que a Comissão teve razão ao tomar em consideração o efeitos dos DFP sobre a concorrência na Irlanda, relativamente ao mercado em que a recorrente detinha uma posição dominante, esta última não pode vir invocarum qualquer efeito benéfico dos DFP sobre a concorrência no mercado comum devido às exportações para fora da Irlanda que permitem. Com efeito, tanto em relação aos clientes da recorrente que não exportam produtos transformados à base de açúcar para fora da Irlanda como em relação aos outros fornecedores potenciais de açúcar industrial para os clientes exportadores da recorrente, a concessão de DFP falseia o jogo normal da concorrência (ponto 157 dos considerandos da decisão impugnada). Relativamente a estes últimos, a concessão desses DFP não permite aos outros fornecedores potenciais competirem, numa base justa, com as prestações oferecidas pela recorrente aos seus clientes exportadores. Em qualquer caso, a Comissão demonstrou que os DFP constituíam um entrave às importações de açúcar industrial na Irlanda, dado que estes DFP reforçavam o isolamento do mercado irlandês (ponto 144 dos considerandos da decisão impugnada).

149.
    A recorrente não conseguiu, pois, identificar um qualquer erro, mesmo mínimo, que afecte a apreciação da legalidade dos DFP na decisão impugnada. Há, assim, que rejeitar os argumentos por ela avançados para contestar a legalidade do artigo 1.°, n.° 4, do dispositivo da decisão impugnada.

- Aplicação de preços discriminatórios às empresas de embalagem de açúcar concorrentes

150.
    Segundo a decisão impugnada, «Desde 1993, [a recorrente] procedeu a uma discriminação de preços relativamente a empresas concorrentes de embalagem de açúcar que se abasteciam... [junto dela] de açúcar para fins industriais» (artigo 1.°, n.° 5). No ponto 73 dos considerandos, a Comissão relata o lançamento de novas marcas de açúcar no mercado destinado à venda a retalho, por quatro empresas de embalagem de açúcar, sendo as mais importantes destas a Gem Pack e a Burcom Ltd (a seguir «Burcom»). Ora, a tabela dos preços de açúcar bruto industrial da recorrente em 30 de Junho de 1994 demonstraria que só os clientes da recorrente que eram, além disso, empresas de embalagem concorrentes não beneficiaram de qualquer desconto nos preços do açúcar industrial para o seu comércio na Irlanda (ponto 74 dos considerandos), ao passo que a Gem Pack teve direito a esses descontos em 1993 quando ainda não lhe fazia concorrência (ponto 75 dos considerandos). A Comissão sublinha igualmente a falta de transparência destes descontos «nacionais», cujos critérios de concessão não são função nem do volume de vendas nem da distância a que o cliente se encontra da recorrente (ponto 77 dos considerandos). No ponto 143 dos considerandos, a Comissão sublinhou o efeito anticoncorrencial dos DFP em relação às empresas de embalagem de açúcar concorrentes relativamente ao seu abastecimento em açúcar industrial junto da recorrente. A Comissão deduz do conjunto destas constatações que «Embora o sistema de descontos de exportação da [recorrente] possa não ter tido como seu objectivo principal a discriminação contra empresas concorrentes de embalagem de açúcar, o sistema de descontos adicionais revela uma orientação mais activa contra essas empresas. A [recorrente] não só aplica condições desiguaisa operações equivalentes, mas é igualmente incapaz de fornecer qualquer razão que não pareça ser uma tentativa a posteriori de justificar a discriminação contra as empresas de embalagem de açúcar. As explicações fornecidas pela [recorrente] quanto aos descontos de 'arranque‘ e de 'rápido crescimento‘ aplicar-se-iam igualmente a, pelo menos, duas das empresas de embalagem de açúcar» (ponto 145 dos considerandos). A Comissão insiste também na falta de transparência deste sistema de descontos e no seu carácter discriminatório (ponto 150 dos considerandos).

151.
    Embora não tenha contestado especificadamente o efeito discriminatório da concessão dos DFP para as empresas de embalagem de açúcar concorrentes a que se refere o ponto 143 dos considerandos da decisão impugnada (v. supra, n.° 139), a recorrente sustenta, em contrapartida, que o seu sistema de fixação dos preços no mercado do açúcar industrial não tinha como objectivo tratar de modo discriminatório as empresas de embalagem que competiam com ela no mercado do açúcar destinado à venda a retalho e que se abasteciam junto dela em açúcar industrial.

152.
    Em primeiro lugar, a Comissão cometeria um erro ao assimilar, no ponto 147 dos considerandos da decisão impugnada, a fixação dos preços do açúcar industrial a um comportamento semelhante ao visado pela sua Decisão 88/518/CEE, de 18 de Julho de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/30.178 - Napier Brown - British Sugar) (JO L 284, p. 41, a seguir «decisão Napier Brown - British Sugar»), dado que ela não teria levado a cabo uma política destinada a acelerar a eliminação das empresas de embalagem concorrentes do mercado do açúcar destinado à venda a retalho (ponto 158 dos considerandos da decisão impugnada). A Comissão não teria aliás comprovado no presente caso a realidade dessa política.

153.
    A recorrente critica igualmente a Comissão por se basear exclusivamente na sua tabela de preços do açúcar bruto industrial em 30 de Junho de 1994 (v. ponto 74 dos considerandos da decisão impugnada). Explica que o número de empresas de embalagem no mercado do açúcar destinado à venda a retalho aumentou desde 1993. A parte do mercado destas empresas teria passado de 5% em 1993 para 12% em 1996. Sublinha ainda que concedeu descontos a empresas de embalagem concorrentes, designadamente a duas, a Gem Pack e a Burcom, descontos estes que não foram concedidos em função das quantidades adquiridas.

154.
    A recorrente alega igualmente que, mesmo que as práticas de fixação de preços tivessem tido como objectivo tratar de maneira discriminatória as empresas de embalagem de açúcar concorrentes no mercado do açúcar destinado à venda a retalho que se abasteciam junto dela em açúcar industrial, essa discriminação seria justificada pela diferença fundamental existente entre as empresas de embalagem de açúcar, por um lado, e a indústria transformadora, por outro, na sua qualidade de compradores de açúcar industrial. Com efeito, só o consumo desta última reduziria o sobreabastecimento estrutural da recorrente, prestando-lhe, portanto,um serviço que não lhe é prestado pelas empresas de embalagem. A recorrente sustenta a este propósito que, para efeitos de aplicação do artigo 86.° do Tratado, o facto de a prestação ser equivalente não é determinado unicamente pela natureza do produto vendido ou pelos custos de abastecimento suportados pelo fornecedor.

155.
    A recorrente contesta, em segundo lugar, a aplicabilidade da proibição de qualquer discriminação, na acepção do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado a casos como o ora em apreço, em que os parceiros comerciais da empresa alegadamente dominante concluem transacções de natureza diferente e operam em mercados de produtos distintos. As empresas de embalagem não teriam sido, pois, colocadas numa situação concorrencial desvantajosa em relação à indústria transformadora de produtos alimentares e bebidas. Não existindo uma desvantagem concorrencial da parte contratante desfavorecida, um tratamento diferenciado dos parceiros comerciais não afectaria a concorrência e seria irrelevante a este nível.

156.
    Em terceiro lugar, a recorrente acusa a Comissão de alterar o conteúdo das acusações contra ela formuladas na decisão impugnada. Por um lado, depois de considerar que as empresas de embalagem de açúcar tinham sido colocadas numa posição concorrencial desfavorável relativamente à recorrente, a Comissão afirmaria agora que o são em relação aos seus outros clientes. Por outro lado, a Comissão apreenderia o comportamento da recorrente não já do ponto de vista dos seus efeitos, mas do ponto de vista do seu objectivo. Ora, não sendo o objectivo e o efeito de um comportamento condições cumulativas de aplicação do artigo 86.° do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1966, Société technique minière, 56/65, Colect. 1965-1968, p. 381), os fundamentos de uma decisão que os analisa não podem ser nem idênticos nem intermutáveis. Daí conclui que, admitindo que as novas alegações da Comissão se provam - o que a recorrente não admite - constituiriam, em qualquer caso, fundamentos novos e, por isso mesmo, inadmissíveis.

157.
    Ao contrário do que alega a recorrente, a Comissão demonstrou, por um lado, que ela tinha aplicado às empresas de embalagem de açúcar que eram suas concorrentes no mercado destinado à venda a retalho preços discriminatórios para o açúcar industrial, não só com base na sua tabela de preços do açúcar industrial de 30 de Junho de 1994 (ponto 74 dos considerandos), mas igualmente nos documentos da recorrente em que esta anunciava a sua mudança de atitude em relação a dois dos seus clientes, a Gem Pack e a Burcom, antes e depois de estes terem comercializado a sua própria marca de açúcar no mercado do açúcar destinado à venda a retalho (ponto 75 dos considerandos da decisão impugnada), e, por outro lado, que tinha concedido DFP aos seus clientes que exportavam os seus produtos transformados à base de açúcar para fora da Irlanda.

158.
    Em qualquer caso, a recorrente não demonstrou que a sua tabela de preços de 30 de Junho de 1994 não correspondia à realidade dos preços efectivamente impostosno mercado do açúcar industrial (ponto 75 dos considerandos). Os argumentos e exemplos que apresentou no quadro do presente processo não são, pois, enquanto tais, susceptíveis de alterar o valor probatório dessa tabela.

159.
    Por um lado, a referência ao aumento da parte de mercado das empresas de embalagem de açúcar concorrentes no mercado do açúcar destinado à venda a retalho entre 1993 e 1996 é impertinente tendo em conta a prova da realidade dos factos decorrente da leitura da tabela de 30 de Junho de 1994. Pouco importa, com efeito, saber se a sua parte de mercado aumentou ou não depois de 1993, visto que o que está em causa é apurar se a Comissão provou efectivamente que a recorrente lhes aplicou um regime de preços discriminatório para o açúcar industrial.

160.
    Resulta, além disso, das indicações fornecidas pela recorrente em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, que ela não consegue provar o aumento da parte de mercado das empresas de embalagem de açúcar concorrentes por ela alegado no quadro do presente recurso. A recorrente apresentou um quadro elaborado pela sociedade Nielsen, que retoma as partes de mercado respectivas da Gem Pack e da Gold Seal para os anos de 1995, 1996, 1997 e 1998. Este quadro não está, porém, datado e não precisa de que mercado se trata. Da folha de rosto respectiva, que também não está datada, e que tem por título «A quem de direito», consta apenas: «A AC Nielsen é a empresa de estudos de mercado mais importante no mundo com um volume de negócios de 1,4 mil milhões de USD e escritórios em mais de 100 países. Os dados relativos às partes de mercado que se seguem foram extraídos dos resultados de análises da AC Nielsen sobre o comércio a retalho na Irlanda. Essas análises foram efectuadas nas alturas indicadas no documento junto.» A recorrente refere-se ainda, nessa resposta, às suas próprias vendas, sem no entanto apresentar o mínimo elemento de prova a seu respeito. Além do fraco valor probatório que se pode atribuir aos elementos apresentados pela recorrente, forçoso é constatar que os números constantes do quadro elaborado pela sociedade AC Nielsen não correspondem aos que a recorrente avançou na sua petição de recurso, segundo os quais a parte de mercado das empresas de embalagem de açúcar concorrentes no mercado do açúcar destinado à venda a retalho teria passado de 3% em 1993 a 11% em 1996. Este quadro não só não indica qual a parte de mercado em 1993, como refere uma parte de mercado de 9,4%. em 1996.

161.
    Por outro lado, os descontos que a recorrente teria concedido à Gem Pack e à Burcom também não são corroborados pelos documentos que a recorrente apresenta. Com efeito, trata-se de correspondência trocada entre a recorrente e a SDL num momento anterior ao lançamento na actividade como empresas de embalagem de açúcar da Gem Pack e da Burcom, de outra correspondência do mesmo tipo que não confirma de maneira nenhuma a concessão de descontos comparáveis aos concedidos aos outros clientes da recorrente no mercado do açúcar industrial, visto que se referem apenas ao montante do desconto em causa ou se limitam a dar conta de negociações, ou ainda de explicações confusas em quea recorrente assinala que descontos, qualificados como DFP na lista dos clientes da SDL, não o são (v. petição inicial, pontos 94 a 96).

162.
    Nestas circunstâncias, deve entender-se que foi feita prova bastante, de facto e de direito, na decisão impugnada, de que a concessão de descontos de preços discriminatórios aos clientes da recorrente no mercado do açúcar industrial a partir de 1993, em função do facto de os clientes serem ou não empresas de embalagem de açúcar concorrentes desta no mercado do açúcar destinado à venda a retalho (pontos 74 a 76, 143, 145 a 150, 158 dos considerandos e artigo 1.°, n.° 5).

163.
    A recorrente também não pode pretender que esta fixação dos preços não é uma prática abusiva na acepção do artigo 86.° do Tratado, e, mais especificamente, do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado.

164.
    Por um lado, há que rejeitar a distinção efectuada pela recorrente entre as prestações oferecidas aos seus clientes em função do efeito que estas têm na sua própria posição no mercado. Este raciocínio implica efectivamente que prestações idênticas a nível comercial, todas as condições consideradas, não são equivalentes na acepção do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado, consoante participem ou não, qualquer que seja o motivo, nos objectivos económicos que se fixou a empresa que detém uma posição dominante. Esta definição não é compatível com a consagrada pela jurisprudência para dar conta das prestações equivalentes a que se refere o artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado, visto que dois compradores da mesma quantidade do mesmo produto pagam um preço diferente consoante sejam ou não concorrentes do respectivo fornecedor num outro mercado (v., neste sentido, o acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 90). De qualquer modo, a recorrente não demonstrou que as compras dos clientes que não eram empresas de embalagem de açúcar eram mais capazes de reduzir a sua sobrecapacidade estrutural, salvo se se entender que as compras das empresas de embalagem de açúcar concorrentes a impedem a ela de escoar as suas próprias quantidades de açúcar no mercado do açúcar a retalho - o que demonstraria que ela explora a sua posição dominante no mercado do açúcar industrial para aplicar uma desvantagem a concorrentes num mercado derivado. Deve insistir-se no facto de que a recorrente não contesta que as prestações oferecidas aos seus clientes que são empresas de embalagem de açúcar e aos seus outros clientes são, quanto ao resto, perfeitamente semelhantes a nível comercial, todas as condições consideradas.

165.
    Por outro lado, se a originalidade da prática em causa é a de ter sido executada no mercado do açúcar industrial e de produzir os seus efeitos anticoncorrenciais no mercado do açúcar destinado à venda a retalho, no qual a recorrente e os seus clientes empresas de embalagem de açúcar são concorrentes, esta particularidade não exclui a aplicação do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado.

166.
    Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que uma empresa em posição dominante num mercado de matérias-primas não podia abusar dessa posição dominante no mercado para facilitar a sua entrada num mercado de produtos derivados integrando essas matérias-primas, afectando a posição concorrencial dos outros operadores neste último mercado, por exemplo pela recusa de lhes fornecer as matérias-primas necessárias às suas actividades neste segundo mercado (acórdão de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73, Colect., p. 119, n.° 25). Se a não concessão aos outros compradores de açúcar industrial de descontos semelhantes não corresponde a uma recusa de fornecimento, forçoso é constatar que o princípio da exploração abusiva de uma posição dominante num mercado para atingir a concorrência noutro mercado já foi consagrado. No presente caso, verifica-se, além disso, que a empresa em causa detinha uma posição dominante nos dois mercados em causa.

167.
    É jurisprudência assente que o facto de uma empresa que detém uma posição dominante num dado mercado reservar para si, sem necessidade objectiva, uma actividade auxiliar ou derivada num mercado vizinho, mas distinto, no qual não ocupe uma posição dominante, criando o risco de eliminar qualquer concorrência nesse mercado, está abrangido na previsão do artigo 86.° do Tratado (acórdão Tetra Pak/Comissão, já referido, n.os 115 e 186, e acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C-333/94 P, Colect., p. I-5951, n.os 24 e seguintes). Dois factores justificam a aplicação desta jurisprudência no presente caso. Em primeiro lugar existe uma conexão inegável entre o mercado do açúcar industrial e o do açúcar destinado à venda a retalho. Em segundo lugar, a recorrente detém igualmente uma posição dominante no mercado do açúcar destinado à venda a retalho, facto que nem sequer contestou no quadro do presente processo. A eventual inexistência de concorrência entre os clientes da recorrente que beneficiavam dos descontos e as empresas de embalagem de açúcar concorrentes não exclui a aplicação do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado, dado que a prática discriminatória denunciada produz efeitos anticoncorrenciais em relação às empresas de embalagem de açúcar concorrentes no mercado do açúcar destinado à venda a retalho.

168.
    A recorrente também não pode pretender que a Comissão modificou agora as acusações que lhe faz na decisão impugnada, ao assinalar que as empresas de embalagem de açúcar estavam em concorrência com ela no mercado do açúcar destinado à venda a retalho. Com efeito, tal como foi referido supra, no n.° 125, no quadro da sua apreciação da legalidade dos DFP, a Comissão salientou o efeito discriminatório dos descontos de preços no mercado do açúcar industrial em relação à posição concorrencial das empresas de embalagem de açúcar concorrentes da recorrente no mercado açúcar destinado à venda a retalho, pronunciando-se directamente sobre a relação de concorrência existente entre a recorrente e estas últimas (ponto 143 dos considerandos da decisão impugnada). Está, assim, fora de questão uma modificação das acusações retomadas na decisão impugnada.

169.
    O facto de esta relação de concorrência só ser explicitamente referida no ponto 143 dos considerandos da decisão impugnada relativo aos DFP em nada pode alterar esta posição. Com efeito, esta conclusão aplica-se igualmente aos descontos nacionais de que não foram beneficiárias as empresas de embalagem de açúcar concorrentes e que são tratados nos pontos 145 e seguintes dos considerandos da decisão impugnada. A Comissão precisa, aliás, expressamente, no ponto 145 dos considerandos da decisão, que «Embora o sistema de descontos de exportação [isto é, os DFP] da [recorrente] possa não ter tido como seu objectivo principal a discriminação contra empresas concorrentes de embalagem de açúcar, o sistema de descontos adicionais revela uma orientação mais activa contra essas empresas». A referência no ponto 147 dos considerandos da decisão impugnada ao processo no qual foi proferida a decisão Napier Brown - British Sugar, pela qual a Comissão puniu o mesmo tipo de prática abusiva levada a cabo num mercado e com efeitos anticoncorrenciais noutro mercado também mostrava à recorrente qual a natureza da posição anticoncorrencial desfavorável das empresas de embalagem de açúcar concorrentes criada por essa prática de discriminação pelos preços no mercado do açúcar industrial. Finalmente, no ponto 158 dos considerandos da decisão impugnada precisa-se que «Os esforços desenvolvidos pela [recorrente] para limitar a concorrência exercida por empresas concorrentes de embalagem de açúcar tiveram igualmente efeito sobre o comércio entre Estados-Membros. Das empresas de embalagem de açúcar que começaram a concorrer com a [recorrente] em meados de 1993, uma (a ASI) utilizava unicamente açúcar importado, outra (a Burcom) utilizava tanto açúcar importado como açúcar irlandês e as outras utilizavam unicamente açúcar irlandês. Os esforços conjugados da [recorrente] para impedir o crescimento da concorrência no mercado de retalho da Irlanda, com a intenção (tal como no processo Napier Brown/British Sugar) ou o resultado previsível de eliminar os concorrentes do mercado, têm consequentemente um efeito potencial sobre a estrutura da concorrência e do comércio no mercado comum e, assim, sobre o comércio entre Estados-Membros na acepção do artigo 86.°»

170.
    Por outro lado, os argumentos que a recorrente tira da confusão entre objectivo e efeito da prática em causa devem ser rejeitados, dado que, como bem sublinha a Comissão, o artigo 86.° não distingue entre objectivo e efeito, e que, na decisão impugnada, é referido tanto o objectivo anticoncorrencial como o efeito anticoncorrencial dessa prática (ponto 158 dos considerandos). Há que lembrar igualmente que, para ser susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, não é necessário demonstrar que o comportamento condenado tenha efectivamente afectado o comércio entre Estados-Membros de maneira sensível; basta provar que este comportamento é de molde a produzir tal efeito. Relativamente às práticas abusivas a que se refere o artigo 86.°, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, para apreciar se o comércio entre Estados-Membros é susceptível de ser significativamente afectado pelo abuso de uma posição dominante, se devem tomar em consideração as consequências que daí resultam para a estrutura da concorrência efectiva no mercado comum (v. o acórdão Compagnie maritime belgetransports e o./Comissão, já referido, n.os 201 e 203 e jurisprudência aí citada). Foi precisamente este o caminho seguido pela Comissão no ponto 158 dos considerandos da decisão impugnada (v. supra, n.° 169).

171.
    Por conseguinte, a Comissão tinha o direito de comparar a prática discriminatória da recorrente em relação às empresas de embalagem de açúcar concorrentes com a prática da British Sugar punida pela Comissão na sua decisão Napier Brown - British Sugar.

172.
    Terão, assim, que ser rejeitados os argumentos da recorrente baseados em ilegalidade do artigo 1.°, n.° 5, da decisão impugnada.

Quanto ao mercado do açúcar destinado à venda a retalho

- Descontos fronteiriços

173.
    Segundo a decisão impugnada, a recorrente, entre 1986 e 1988, concedeu um desconto especial a certos retalhistas na região da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte (artigo 1.°, n.° 1). A Comissão explica, assim, sob o título «Importações provenientes da Irlanda do Norte» que a recorrente, para fazer face à concorrência das importações de açúcar produzido na Irlanda do Norte ou do seu próprio açúcar reimportado (ponto 54 dos considerandos), restringiu a sua oferta na zona fronteiriça (pontos 55 e 56 dos considerandos) e concedeu descontos a retalhistas estabelecidos na zona fronteiriça (pontos 57 a 69 dos considerandos). A Comissão refere a este respeito vários documentos datados de 1986, 1987, 1988 e 1990. Deduz daí que «a [recorrente] e a SDL tomaram medidas para restringir as importações da Irlanda do Norte, especialmente no período 1985-1988, ao prosseguirem uma política de fixação selectiva ou discriminatória de preços no mercado do açúcar da Irlanda. Esta política incluía a concessão de prémios especiais a clientes seleccionados. Nomeadamente, foi concedido um desconto especial a certos clientes estabelecidos na zona fronteiriça com a Irlanda do Norte ('desconto fronteiriço‘). Este desconto foi discutido abertamente entre a [recorrente] e a SDL, tendo sido financiado pela [recorrente]. O objectivo deste desconto consistia na redução das importações de embalagens de açúcar a retalho mais baratas da Irlanda do Norte para a Irlanda. O desconto fronteiriço não estava relacionado com factores económicos objectivos, como o volume de vendas dos clientes. Foi utilizado e ajustado sempre que se considerou que a diferença de preços entre a Irlanda do Norte e a Irlanda poderia... estimula[r] as vendas transfronteiras» (ponto 128 dos considerandos). A Comissão deduziu igualmente daí que «A aplicação do desconto fronteiriço constitui um abuso da posição dominante conjunta da [recorrente] e da SDL, de acordo com o disposto no artigo 86.° Na verdade, significa que a [recorrente e a] SDL aplicaram condições desiguais a operações equivalentes com outros parceiros comerciais, colocando assim os operadores que não podiam beneficiar do desconto numa posição concorrencial desvantajosa. Além disso, este desconto destinava-se, o que aconteceu efectivamente, a desencorajar as importações de açúcar da Irlanda do Norte, tantoas importações efectuadas por concorrentes da [recorrente], como as reimportações do seu próprio açúcar, limitando assim os mercados em detrimento dos [consumidores]. Por conseguinte, o desconto fronteiriço faz[ia] parte de uma política de divisão de mercados e de exclusão de concorrentes. O desconto não tinha uma justificação económica objectiva, tal como as quantidades compradas pelo cliente, os custos de transporte ou de comercialização ou qualquer função de promoção, de armazenamento, de serviço pós-venda ou qualquer outra que o cliente em questão pudesse ter efectuado. Foi concedido unicamente com base no local de estabelecimento do retalhista, isto é, se o cliente em questão estava ou não estabelecido na zona fronteiriça com a Irlanda do Norte. Esta prática de fixação selectiva ou discriminatória de preços tem sido condenada pela Comissão e pelo Tribunal de Justiça em processos anteriores» (ponto 129 dos considerandos).

174.
    A recorrente critica a Comissão por ter tomado sumariamente em conta o facto de os descontos fronteiriços terem sido suprimidos em Julho de 1987 (ponto 66 dos considerandos da decisão impugnada), de a concorrência pelos preços ter aumentado consideravelmente no Reino Unido a diferença dos preços praticados na Irlanda do Norte e na Irlanda (ponto 130 dos considerandos da decisão impugnada) e de uma parte do comércio transfronteiriço ser ilegal, bem como o facto de, nessa altura, a recorrente registar perdas importantes.

175.
    A recorrente explica, a seguir, que optou, sob pena de perder uma parte da sua clientela e do seu volume de negócios, por fazer face à concorrência onde esta se manifestava, usando os meios limitados de que dispunha nessa altura devido às suas dificuldades financeiras. Alega, assim, que lhe era financeiramente impossível praticar uma redução de preços à escala nacional. Salienta que os preços em questão não eram, aliás, predatórios. O seu sistema de fixação de preços não seria, portanto, distinto do que a Comissão aprovou na sua Decisão 89/22/CEE, de 5 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/31.900, BPB Industries PLC) (JO 1989 L 10, p. 50), à qual a decisão impugnada faz referência (ponto 132 dos considerandos). Afirma que a legalidade de um sistema deste tipo não pode estar dependente da percentagem da redução efectuada nos preços. O que estaria em causa, com efeito, seria o apuramento da questão de saber se os preços eram ou não predatórios. Condenar mecanicamente a aplicação de preços selectivos por uma empresa em posição dominante, mesmo quando estes não são predatórios, constituiria uma manifestação de falta de flexibilidade na aplicação do artigo 86.° do Tratado, que seria contrária ao espírito deste artigo tal como a jurisprudência o tem interpretado.

176.
    A recorrente sustenta, finalmente, que é contraditório afirmar, por um lado, que uma empresa em posição dominante tem indubitavelmente o direito de defender a sua posição competindo com outras empresas no seu mercado (ponto 134 dos considerandos da decisão impugnada) e, por outro, considerar como abusivo o facto de uma empresa em posição dominante defender com sucesso essa posição. A recorrente alega que a responsabilidade particular que recai sobre qualquerempresa em posição dominante num mercado de não restringir o grau de concorrência no mercado e de não ter um comportamento destinado a reforçar a sua posição dominante e a abusar dela implica que tem que fazer face à concorrência dos outros. O facto de um concorrente se retirar do mercado na sequência de uma reacção legítima da empresa em posição dominante exercida em termos favoráveis à concorrência não pode ser constitutivo de um abuso. Tratar-se-ia muito simplesmente do resultado do processo concorrencial.

177.
    A recorrente refuta ainda a afirmação da Comissão na contestação, de que, no ponto 55 dos considerandos da decisão impugnada, teria constatado que a recorrente tinha decidido praticar uma política de descontos fronteiriços. Este ponto 55 incidiria de facto sobre a decisão da recorrente de suprimir o desconto regional fronteiriço em vigor. A restrição de fornecimentos, que seria igualmente evocada neste ponto 55, não poderia ser confundida com os descontos fronteiriços e não teria sido aliás objecto de nenhuma conclusão formal de abuso no dispositivo da decisão impugnada.

178.
    Como salienta a recorrente, há que constatar que nenhuma menção da restrição da oferta a que se referem os pontos 55 e 56 dos considerandos da decisão impugnada figura no dispositivo desta. Na audiência, a Comissão confirmou que não tinha considerado esta prática como uma infracção ao artigo 86.° do Tratado, precisando aliás que também não tinha sido objecto de apreciação jurídica da sua parte. É, portanto, inútil examinar os argumentos das partes a respeito dos factos referidos nos pontos 55 e 56 dos considerandos da decisão impugnada. Com efeito, eventuais irregularidades de que padecessem estes pontos não podem levar à anulação, mesmo parcial, de um elemento do dispositivo da decisão impugnada (acórdão Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, n.° 150 e jurisprudência aí citada).

179.
    Por outro lado, a recorrente não contesta, como o faz notar a Comissão na decisão impugnada (ponto 130 dos considerandos), ter concedido um desconto especial a determinados retalhistas estabelecidos ao longo da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, pelo menos até Julho de 1987, para fazer concorrência às importações a preços baixos de açúcar proveniente da Irlanda do Norte destinado à venda a retalho. Não negou que o desconto fronteiriço, cuja existência é comprovada pelos documentos a que se referem os pontos 57 a 69 dos considerandos da decisão impugnada, tinha sido concedido unicamente em função da localização geográfica dos retalhistas. À parte a contestação da data em que a concessão desses descontos teria acabado, a recorrente só tenta, com efeito, justificar a sua legitimidade à luz do artigo 86.° do Tratado.

180.
    Por um lado, sustenta que os descontos fronteiriços foram definitivamente abolidos em Julho de 1987. Ora, na passagem da acta da reunião do conselho de administração da SDH de 18 de Novembro de 1987 que foi parcialmente reproduzida no ponto 66 dos considerandos da decisão impugnada, regista-se o seguinte: «Os descontos na zona fronteiriça foram eliminados em Julho de 1987,mas poderão ter de ser reintroduzidos no início de 1988. A Round Tower parece ter adoptado ultimamente uma política mais racional [...]». A interpretação da Comissão de que os descontos foram abolidos em Julho de 1987 devido ao sucesso da política assim conduzida, sem, no entanto, se afastar o recurso a esses descontos em caso de necessidade no futuro é, portanto, conforme ao conteúdo desta acta de 18 de Novembro de 1987. É igualmente corroborada pelas afirmações do director comercial da SDL, Keleghan, numa reunião de direcção de 27 de Junho de 1990 entre a recorrente e a SDL: «O Sr. T. G. Keleghan afirmou que havia uma ameaça potencial para o mercado nacional proveniente das importações transfronteiras da Irlanda do Norte. Afirmou que caso esta ameaça se materializasse, era importante uma reacção rápida com contramedidas adequadas. Estas incluiriam a inscrição do preço no açúcar da McKinney e actividades de promoção adequadas no mercado nacional [...]» (ponto 69 dos considerandos da decisão impugnada).

181.
    Ter-se-á que apreciar, por outro lado, o carácter abusivo desses descontos fronteiriços à luz do artigo 86.° do Tratado. Tanto no quadro do procedimento administrativo como nos articulados e na audiência, a recorrente tentou justificar a legitimidade desta prática, afirmando que se tratava simplesmente para ela de responder, no contexto específico do seu mercado, aos ataques de que era alvo por parte dos concorrentes, designadamente estrangeiros. Não contestou, porém, que detinha entre 1985 e 1995 um posição dominante no mercado do açúcar destinado à venda a retalho, no qual realizou mais de 88% das vendas ao longo de todo esse período (ponto 159 dos considerandos da decisão impugnada).

182.
    Se as partes estão de acordo quanto ao facto de que incumbe a uma empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial em relação à concorrência no seu mercado (v. jurisprudência citada supra no n.° 112), já divergem quanto à resposta a dar à questão de saber se a concessão de descontos especiais aos clientes expostos à concorrência constitui ou não uma reacção compatível com essa responsabilidade especial, quando os preços em causa não são preços predatórios, na acepção em que a jurisprudência interpreta este conceito (acórdãos AKZO/Comissão, já referido, n.os 70 e seguintes, e de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referido n.os 41 a 44).

183.
    Como a Comissão explicou na decisão impugnada, a recorrente, ao conceder esse desconto fronteiriço, aplicou aos seus parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes, infligindo-lhes, por isso, uma desvantagem na concorrência (ponto 129 dos considerandos). Resulta, aliás, dos documentos citados nos pontos 57 a 69 dos considerandos da decisão impugnada que a recorrente não só optou deliberadamente por oferecer de modo selectivo um desconto especial a certos retalhistas mas também que pressupunha que a prática em causa era ilícita. Assim, numa nota manuscrita não datada apreendida no escritório do Sr. Keleghan, relativa à comercialização de açúcar concorrente, afirma-se: «Recomendações e implicações relativamente ao açúcar Gold Seal: I R [recomendação] continuar tal como actualmente, isto é, procedendo a descontos na medida do necessário.Concedemos descontos actualmente a: [...] Através da [...], concedemos descontos a muitos estabelecimentos independentes, sendo os maiores [...] Imp. [implicação]. Este método é extremamente perigoso, tanto do ponto de vista jurídico como comercial. Juridicamente, devido à fixação selectiva de preços. Comercialmente, devido à mesma razão, excepto que a selectividade é a favor dos nossos clientes mais pequenos [...]» (ponto 58 dos considerandos). Esta prática constitui uma exploração abusiva de posição dominante, na acepção do artigo 86.° segundo parágrafo, alínea c), do Tratado.

184.
    Nas circunstâncias específicas do presente caso, a recorrente não pode efectivamente invocar, para demonstrar a legalidade da concessão, entre 1986 e 1988, de descontos especiais a alguns retalhistas com estabelecimentos perto da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, nem a política de preços dos operadores no mercado britânico, nem a sua situação financeira, nem o carácter defensivo do seu comportamento ou a pretensa existência de um comércio ilegal.

185.
    Em primeiro lugar, a influência da política de preços de operadores principalmente activos num mercado limítrofe, no caso, o mercado britânico e da Irlanda do Norte sobre a política dos operadores activos noutro mercado nacional é a própria essência do mercado comum. Os entraves a essa influência devem, pois, ser considerados obstáculos à realização desse mercado comum, nefastos para uma concorrência efectiva e não falseada, designadamente em relação aos consumidores. Em consequência, quando esses obstáculos são obra de uma empresa que detém uma posição dominante em termos comparáveis aos da recorrente, há que entender que se trata de um abuso contrário ao disposto no artigo 86.° do Tratado. A recorrente não alegou de modo nenhum, aliás, que os preços praticados pelos seus concorrentes estabelecidos ao longo da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte eram inferiores aos preços de custo do produto, nem apresentou qualquer espécie de prova neste sentido.

186.
    A seguir, a recorrente não pode invocar a insuficiência de meios financeiros de que dispunha na altura para justificar o carácter selectivo e discriminatório da concessão desses descontos fronteiriços e evitar, desse modo, a aplicação do artigo 86.° do Tratado, sob pena de reduzir a proibição decretada por este artigo a uma proibição puramente formal. As circunstâncias em que uma empresa em posição dominante pode ser levada a reagir à concorrência limitada que subsiste no mercado, a fortiori quando essa empresa detém mais de 88% do mercado, como acontece no presente caso, são parte do processo concorrencial que o artigo 86.° do Tratado tem precisamente por função proteger. Além disso, a recorrente sublinhou por várias vezes o nível elevado do preço de venda a retalho na Irlanda, explicando-o pela influência do nível elevado do preço de intervenção garantido no quadro da organização comum do mercado do açúcar.

187.
    Finalmente, o carácter defensivo da prática denunciada neste caso não pode alterar o seu carácter abusivo à luz do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado.

188.
    No presente caso, a recorrente não conseguiu demonstrar que os descontos em questão tinham uma justificação económica objectiva. Com efeito, foram concedidos a certos clientes no mercado do açúcar destinado à venda a retalho em função unicamente do facto de se encontrarem expostos à concorrência resultante das importações a preços baixo provenientes de outro Estado-Membro e em função de os respectivos estabelecimentos estarem situados ao longo da fronteira com a Irlanda do Norte. Acresce que, segundo as próprias declarações da recorrente, ela pôde praticar esses descontos devido à posição particular por ela ocupada no mercado irlandês. Afirma, assim, que não teria podido praticar tais descontos na totalidade do território irlandês, por causa dos prejuízos financeiros com que se debatia nessa época. De onde resulta que, segundo confessa a própria recorrente, a sua capacidade económica para oferecer descontos na região ao longo da fronteira com a Irlanda do Norte implicava a estabilidade dos seus preços nas outras regiões, o que equivale a reconhecer que financiava esses descontos com o produto das vendas no resto do território da Irlanda. Ao comportar-se desse modo, a recorrente abusou, pois, da sua posição dominante no mercado do açúcar destinado à venda a retalho na Irlanda, impedindo o desenvolvimento do livre jogo da concorrência no mercado e falseando as estruturas, tanto em relação aos compradores como aos consumidores. Estes últimos não puderam, com efeito, fora da região que se situa ao longo da fronteira com a Irlanda do Norte, beneficiar das reduções de preços provocadas pelas importações de açúcar provenientes da Irlanda do Norte.

189.
    Em consequência, se é certo que a existência de uma posição dominante não priva uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus próprios interesses comerciais quando estes são ameaçados (v. supra, n.° 112), a protecção da posição concorrencial de uma empresa em posição dominante com as características da recorrente na altura da ocorrência dos factos em causa deve, para ser legítima, no mínimo, assentar em critérios de eficácia económica e apresentar um interesse para os consumidores. Ora, no presente caso, é forçoso constatar que a recorrente não demonstrou que essas condições estavam reunidas.

190.
    A recorrente também não pode pretender que a sua política de descontos selectivos se aproxima da que a Comissão autorizou na sua Decisão 89/22, de 5 de Dezembro de 1988, já referida. Além do facto de o montante dos descontos neste último processo ser duas vezes inferior ao dos concedidos no presente processo, o que constitui uma diferença de peso, esses descontos também não eram parte de uma política de alinhamento sistemático (pontos 132 e 133 dos considerandos da decisão impugnada). Ao invés, os documentos juntos pela Comissão no presente processo (pontos 57 a 59 dos considerandos) demonstram que as reduções em causa tinham como objectivo desencorajar as importações de açúcar da Irlanda do Norte e restringir a concorrência no mercado do açúcar destinado à venda a retalho. Na referida Decisão 82/22, de 5 de Dezembro de 1988, a Comissão verificou também que uma parte dos descontos concedidos era objectivamente justificada (ponto 132 dos considerandos). Importa realçar que a recorrente nãocontesta nem o montante dos descontos concedidos, nem o facto de estes terem por objectivo «fazer face» à concorrência do açúcar importado da Irlanda do Norte. Tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, tal equivale a reconhecer que esses descontos tinham como objectivo impedir essa concorrência de se desenvolver no seu mercado.

191.
    Cabe ainda acrescentar que, ao contrário do que sugere a recorrente, a Comissão não invocou apenas a retirada do mercado de um concorrente como prova do carácter abusivo da concessão desses descontos fronteiriços. Aliás, quando uma empresa em posição dominante leva efectivamente a cabo uma prática cujo objectivo é afastar um concorrente, o facto de o resultado esperado não ser conseguido não pode bastar para afastar a qualificação de abuso de posição dominante na acepção do artigo 86.° do Tratado (acórdão Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, n.° 149). Como a concessão de descontos fronteiriços tinha por finalidade fidelizar os compradores expostos às ofertas dos concorrentes, sem no entanto fazer beneficiar o conjunto dos clientes da recorrente do impacto da concorrência sobre os preços de venda dos seus produtos, a evicção de um concorrente devido a essa prática ilustra, a fortiori, o seu carácter abusivo na acepção do artigo 86.° do Tratado.

192.
    Há que recordar, por outro lado, que a recorrente não pode tirar quaisquer argumentos de factos, admitindo mesmo que estivessem provados, que demonstrem de qualquer modo que a concorrência a que estava obrigada a fazer face nesta região era contrária ao Tratado ou ilegal por outras razões. Deve recordar-se a este propósito que é às autoridades públicas e não a entidades privadas que incumbe assegurar o respeito das disposições legais (acórdãos Hilti/Comissão, já referido, n.° 118, e SCK e FNK/Comissão, já referido, n.° 194).

193.
    Resulta do que precede que os argumentos de que a recorrente se serve para contestar a legalidade do artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada, por este declarar como infracção os descontos fronteiriços concedidos entre 1986 e 1988 não procedem.

- Desconto de fidelidade

194.
    Segundo a decisão impugnada, «Em 1988, [a recorrente] concedeu a um cliente potencial de um concorrente um desconto de fidelidade, isto é, um desconto dependente do facto de o cliente adquirir a totalidade ou uma grande percentagem das suas necessidades de açúcar de retalho à [recorrente]» (artigo 1.°, n.° 3). A Comissão explica assim que «o acordo entre a SDL e a ADM, que garantia à ADM um preço vantajoso caso respeitasse um certo nível predeterminado de compras (isto é, o preço para [3x] toneladas se comprasse [x] toneladas), não consistia obviamente num desconto de quantidade normal, representando um desconto ligado a objectivos ou um desconto de fidelidade que tinha como efeito a vinculação de um cliente ao fornecedor em posição dominante. Por conseguinte,consistia numa infracção ao artigo 86.° [do Tratado] aceite pela SDL e financiada pela [recorrente]» (ponto 127 dos considerandos).

195.
    A recorrente afirma que o desconto de fidelidade concedido à ADM não tinha de modo nenhum como consequência ligar este grupo ao seu fornecedor. Alega, assim, que a ADM se abastecia junto da SDL antes de ser contactada pela ASI (ponto 49 dos considerandos da decisão impugnada).Alega, portanto, que esse desconto de fidelidade não entravou as importações francesas nem afectou o volume das importações de açúcar francês (ponto 156 dos considerandos da decisão impugnada), tendo este volume sido determinado por factores independentes da sua vontade.

196.
    Tem assim que se constatar que a recorrente não contesta a concessão, em Abril de 1988, de um desconto especial à ADM, desconto este que não era justificado pelo volume de vendas da ADM, mas que era determinado em função de objectivos de venda. Apenas contesta que se trate de um desconto de fidelidade destinado a ligar a ADM à SDL. Também não negou que era a recorrente que assegurava o financiamento desse desconto à ADM.

197.
    Ora, resulta de jurisprudência constante que os descontos de fidelidade concedidos por uma empresa em posição dominante constituem um abuso na acepção do artigo 86.° do Tratado, quando têm como objectivo impedir, através da concessão de vantagens financeiras, que os seus clientes se abasteçam junto de produtores concorrentes (acórdãos Michelin/Comissão, já referido, n.° 71, e jurisprudência aí citada e BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido, n.° 120). Segundo a jurisprudência acima referida no n.° 111, deve, portanto, apreciar-se o conjunto de circunstâncias, nomeadamente os critérios e modalidades de concessão dos descontos, e examinar se tendem, por meio de uma vantagem que não seja baseada em nenhuma prestação económica que a justifique, a retirar ao comprador ou a restringir a possibilidade de escolha deste das suas fontes de abastecimento, a fechar o acesso do mercado aos concorrentes, a aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada.

198.
    No presente caso, os elementos recolhidos pela Comissão e expostos na decisão impugnada demonstram que a abordagem da ADM pela SDL se fazia no quadro de uma estratégia definida conjuntamente pela recorrente e pela SDL para impedir o desenvolvimento da marca Eurolux no mercado irlandês destinado à venda a retalho (v. pontos 125 e 126 dos considerandos) garantindo a fidelidade dos seus clientes, se necessário fosse através da troca dos produtos concorrentes por estes adquiridos (v. infra n.os 226 a 234). Longe de demonstrar a inexistência de um efeito de fidelização do desconto em causa, como pretende a recorrente, o facto de a ADM se abastecer junto da SDL antes de ser contactada pela ASI confirma que a concessão deste desconto, não contestado ao nível dos factos, teve como efeito ligar este cliente ao fornecedor em posição dominante (ponto 127 dosconsiderandos da decisão impugnada) ou, dito de outro modo, recuperar um cliente que estava tentado a passar para a concorrência. Esta prática é, pois, contrária ao artigo 86.° do Tratado.

199.
    O carácter conjunto da prática em causa resulta, por um lado, da carta da ASI de 18 de Julho de 1988 à direcção da recorrente (ponto 52 dos considerandos), que foi enviada pouco tempo depois das trocas de produtos examinadas aliás na decisão impugnada e, por outro, da passagem da acta da reunião do conselho de administração da SDH, de 28 de Junho de 1988 (ponto 47 dos considerandos), em que o director-geral da recorrente se declara muito satisfeito com a resposta dada até então ao desafio que representava a entrada no mercado de uma nova marca de açúcar irlandês.

200.
    A recorrente também não pode retirar argumentos do volume de açúcar abrangido pelo desconto de fidelidade em causa para sustentar que este desconto não pode ter constituído um entrave ao comércio entre Estados-Membros.

201.
    Segundo uma jurisprudência constante, citada supra no n.° 170, esta prática é susceptível de «com base num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto, permitir considerar, com um grau suficiente de probabilidade, que pode exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre o desenrolar das trocas entre os Estados-Membros, de modo a fazer recear a criação de entraves à realização de um mercado único entre os Estados-Membros» (ponto 155 dos considerandos da decisão impugnada). Além disso, o desconto de fidelidade enquadrava-se numa estratégia da recorrente destinada a proteger o seu mercado interno e a sua posição neste mercado contra a concorrência do açúcar importado (ponto 156 dos considerandos), como o demonstra designadamente a declaração do director-geral da recorrente na reunião do conselho de administração da SDH, de 28 de Junho de 1988.

202.
    Resulta de quanto precede que os argumentos da recorrente quanto à ilegalidade do artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada não merecem acolhimento.

- Descontos ligados a objectivos e preços selectivos

203.
    Segundo a decisão impugnada, «Desde 1993, [a recorrente] praticou uma política que afecta negativamente a posição concorrencial de outras empresas irlandesas de embalagem de açúcar no mercado retalhista do açúcar, em especial devido a:     i) conceder, em determinados períodos em 1994, descontos a grupos grossistas na Irlanda sujeitos a aumentos das suas compras de açúcar de retalho à [recorrente], tendo tais descontos o efeito de as vincular à [recorrente] em detrimento de empresas concorrentes de embalagem de açúcar; ii) conceder, em Dezembro de 1994 e Fevereiro de 1995, descontos selectivos a certos clientes de empresas concorrentes de embalagem de açúcar, estando tais descontos dependentes de esses clientes aumentarem as suas compras de açúcar de retalho à [recorrente] num período de 12 meses, tendo assim como objectivo restringir a concorrência exercidapelas empresas concorrentes de embalagem de açúcar» [artigo 1.°, n.° 6, alíneas i) e ii)]. Nos pontos 78 a 84 dos considerandos da decisão impugnada, a Comissão explica que, em paralelo com a concessão de descontos de quantidades, a recorrente, na Primavera de 1994 e em Outubro de 1994, oferecia aos seus clientes no mercado do açúcar destinado à venda a retalho descontos por objectivos, tomando como referência o período de Abril a Setembro de 1993 (pontos 78 a 81). Acrescenta, com base em documentos emanados da recorrente ou em declarações desta, que esses descontos por objectivos foram, além disso, oferecidos de modo selectivo, designadamente em Dezembro de 1994 a uma cadeia importante de distribuição que se abastecia, em parte, junto de uma empresa de embalagem de açúcar concorrente da recorrente, a Burcom (pontos 82 e 83) e, em Fevereiro de 1995, a um grupo de grossistas que se abastecia em parte junto de uma outra empresa de embalagem de açúcar concorrente da recorrente, a Gem Pack (ponto 84). A Comissão sustenta que a recorrente pretendia, por essa via, vincular a si os clientes. Declara que «não há quaisquer elementos de prova que sugiram que a [recorrente] tenha desde então cessado a prática de oferecer descontos ligados a objectivos» (ponto 151). A Comissão realça, a seguir, que, «dado que cinco concorrentes nacionais lançaram novas marcas de retalho no Verão de 1993 (isto é, após o início do período de referência para as promoções de 1994 destinadas aos grossistas), os descontos relacionados com o volume que a [recorrente] concedeu na Primavera de 1994 e em Outubro de 1994 baseados nas compras efectuadas durante o Verão precedente devem ter sido relacionados directamente com as necessidades totais do cliente de açúcar a retalho» (ponto 152). Portanto, a constituição de stocks importantes pelos seus clientes, na sequência da concessão desses descontos, de que a recorrente teria dado conta (ponto 80) «deve ter afectado de forma negativa as compras a empresas concorrentes de embalagem» (ponto 152). A Comissão sublinha ainda que esses descontos por objectivos se distinguiam dos simples descontos de quantidade e que são reveladores de um comportamento contrário ao artigo 86.° do Tratado (ponto 153). Acrescenta que implicavam não só uma discriminação pelos preços entre os clientes da recorrente, visto que a sua concessão estava dependente dos aumentos das compras em percentagem mais do que em volume, mas igualmente preços selectivos e discriminatórios em relação a certos clientes de empresas de embalagem de açúcar concorrentes (ponto 154).

204.
    Em primeiro lugar, relativamente aos descontos por objectivos concedidos na Primavera de 1994 e em Outubro de 1994, a recorrente reconhece que foram oferecidos aos grossistas descontos por objectivos de [...]% (ponto 79 dos considerandos da decisão impugnada), mas contesta, em contrapartida, que vários clientes tenham beneficiado de um desconto a uma taxa mais elevada. Nenhum dos elementos de prova avançados pela Comissão o demonstraria. A decisão impugnada só mencionaria dois clientes, a National Wholesalers Grocers Alliance Ltd (a seguir «NWGA») e o grupo Musgraves (a seguir «Musgraves»). Ora, o desconto de [...]% concedido à NWGA era composto por um desconto de objectivo de [...]% e por uma acção de promoção correspondente aos outros [...]% Arecorrente sublinha, por outro lado, que os factos descritos no ponto 79 dos considerandos da decisão impugnada não são retomados nem nos pontos 151 a 154 desses mesmos considerandos nem no dispositivo da decisão impugnada.

205.
    A recorrente critica igualmente a Comissão por nada ter dito quanto às explicações que precisavam que as acções de promoção em causa eram compatíveis com a legislação irlandesa aplicável e eram conhecidas das autoridades competentes que não teriam levantado qualquer objecção. Não contestando o primado do direito comunitário, a recorrente censura a Comissão por não se ter familiarizado com os usos e expectativas do comércio local, designadamente as disposições regulamentares em matéria de artigos de mercearia. Um dos objectivos destas últimas disposições seria precisamente o de reduzir o poder de compra dos grossistas, a fim de evitar que os lucros resultantes de acções de promoção fossem guardados por estes sob a forma de uma margem de lucro acrescida e não repercutidos sobre os consumidores.

206.
    A recorrente considera igualmente que a Comissão errou ao presumir, sem apresentar qualquer elemento de prova a esse respeito, que as condições e a duração das acções de promoção em causa tinham por efeito vincular os seus clientes e afectar, de modo desfavorável, as compras das empresas de embalagem de açúcar concorrentes.

207.
    Tem que se começar por constatar que, se a recorrente contesta o montante dos descontos por objectivos em causa, reconhece, no entanto, a sua existência no montante de [...]%. Ora, no artigo 1.°, n.° 6, alíneas i) e ii), da decisão impugnada, a Comissão critica-a por ter concedido esses descontos, sem indicar o seu montante preciso. A determinação do montante exacto desses descontos é, em consequência, destituída de pertinência para efeitos de apreciação da legalidade das conclusões tiradas nesta disposição da decisão impugnada.

208.
    Além disso, respondendo a uma pergunta escrita do Tribunal, a Comissão precisou que tinha determinado o montante dos descontos por objectivos em causa nos pontos 81 e 84 dos considerandos da decisão impugnada, com base, por um lado, numa resposta escrita da recorrente a um pedido de informação de 6 de Fevereiro de 1995, junta como anexo 9 à comunicação das acusações e, por outro, na correspondência que lhe foi endereçada pela [...] em 29 de Junho de 1995, na acta de uma reunião entre representantes seus e representantes da recorrente em 20 de Outubro de 1995, junta como anexo 9 à comunicação das acusações, bem como numa resposta da recorrente de 8 de Agosto de 1995 a um outro pedido de informação.

209.
    Tem assim que se entender que a Comissão fez prova bastante de que os descontos por objectivos concedidos à NWGA e à Musgraves (ponto 79 dos considerandos da decisão impugnada) foram superiores a [...]% do preço.

210.
    Em qualquer caso, a recorrente não pode contentar-se em alegar que, dos [...]% de desconto oferecidos à NWGA, [...]% eram constituídos por um desconto promocional, sem qualquer espécie de demonstração e prova. A simples qualificação como desconto promocional de uma parte dos descontos concedidos, no quadro de uma negociação na qual ficou acordado que a NWGA aumentaria as suas compras de açúcar à recorrente (ponto 79 dos considerandos), não é susceptível, sem outra prova, de comprovar a alegada distinção e, por aí mesmo, de justificar a concessão desse desconto à luz do artigo 86.° do Tratado.

211.
    Não é relevante, no presente contexto, que a concessão desses descontos por objectivos seja conforme ao direito irlandês, tendo em conta o primado do direito comunitário na matéria e o efeito directo reconhecido às disposições do artigo 86.° do Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1974, BRT e o., 127/73, Colect., p. 33, n.os 15 e 16, e de 11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed Flugreisen e o., 66/86, Colect., p. 803, n.° 23). A recorrente também não pode prevalecer-se da não tomada em conta da legislação irlandesa relativa aos artigos de mercearia. Em primeiro lugar, a Comissão menciona expressamente essa legislação na decisão impugnada (ponto 83 dos considerandos). Cabe recordar, a seguir, que a eventual conformidade de uma prática de uma empresa a uma legislação nacional não pode retirar-lhe o seu carácter de infracção, se essa empresa gozava plenamente da sua autonomia no momento dos factos. A recorrente não pode, pois, tirar qualquer partido de uma conformidade da concessão desses descontos com o direito nacional, na ausência de disposições deste que lhe imponham essa conduta (v. acórdão Comissão e França/Ladbroke Racing, já referido, n.os 33 e 34).

212.
    Contrariamente ao que afirma a recorrente, os factos expostos no ponto 79 dos considerandos da decisão impugnada são analisados nos pontos 151 a 154 dos mesmos considerandos e sancionados no dispositivo desta. Com efeito, no ponto 79, a Comissão explica que a recorrente ofereceu a grossistas descontos por objectivos na Primavera de 1994, precisando qual o período de referência escolhido para o cálculo dos objectivos de compra a realizar para os obter e que concedeu descontos mais importantes, como teria sido confirmado por dois clientes da recorrente interrogados a este propósito. Ora, no ponto 151, a Comissão afirma: «Na Primavera de 1994, a [recorrente] ofereceu aos principais grossistas de produtos alimentares da Irlanda descontos baseados em certos aumentos das suas compras de açúcar da marca Siucra de um quilograma num período de três meses. O período de referência utilizado para calcular o aumento foi Abril-Setembro de 1993 [...]». Na alínea i) do n.° 6 do artigo 1.° da decisão impugnada, a Comissão precisa que «Desde 1993, praticou uma política que afecta negativamente a posição concorrencial de outras empresas irlandesas de embalagem de açúcar no mercado retalhista do açúcar, em especial devido a: i) conceder, em determinados períodos em 1994, descontos a grupos grossistas na Irlanda sujeitos a aumentos das suas compras de açúcar de retalho à [recorrente], tendo tais descontos o efeito de as vincular à [recorrente] em detrimento de empresas concorrentes de embalagem deaçúcar». Além disso, se o argumento da recorrente se destinava a demonstrar que a Comissão não reteve no artigo 1.°, n.° 6 o montante mais elevado dos descontos concedidos à NWGA e à Musgraves como elemento constitutivo da infracção, comprova nesse caso a correcção da interpretação da decisão impugnada segundo a qual é a concessão desses descontos por objectivos que constitui em si mesmo, qualquer que seja o seu montante, uma infracção e perderia, se assim fosse, qualquer pertinência para efeitos de apreciação da legalidade da decisão impugnada (v. supra, n.° 207).

213.
    Por último, a Comissão não cometeu nenhum erro de apreciação ao entender que um desconto concedido por uma empresa que detém uma posição dominante, em função do aumento das compras realizadas durante um certo período, sem que esse desconto possa ser considerado como um desconto de quantidade normal (ponto 153 dos considerandos da decisão impugnada) - o que a recorrente não contesta - constitui uma exploração abusiva dessa posição dominante, visto que essa prática só pode ter como objectivo vincular os clientes aos quais tal desconto é concedido e colocar os concorrentes numa posição concorrencial desfavorável. A este propósito deve ainda assinalar-se que o período de referência considerado para o cálculo dos descontos por objectivos em causa, ou seja, de Abril a Setembro de 1993, começou antes do lançamento, no Verão de 1993, de novas marcas de açúcar pelas empresas de embalagem de açúcar concorrentes da recorrente (ponto 152 dos considerandos). Como bem salienta a Comissão, a escolha desse período de referência implicava que «os descontos relacionados com [a quantidade] que a [recorrente] concedeu na Primavera de 1994 e em Outubro de 1994 [...] devem ter sido relacionados directamente com as necessidades totais do cliente de açúcar a retalho» (ponto 152 dos considerandos).

214.
    Nestas circunstâncias, a concessão por uma empresa em posição dominante de descontos por objectivos, dos quais um dos efeitos imediatos foi, segundo a sua própria análise, a constituição de stocks e a concomitante redução das compras (ponto 80 dos considerandos da decisão impugnada), equivale a entravar o desenvolvimento normal da concorrência [ponto 152 dos considerandos e artigo 1.°, n.° 6, alínea i), da decisão impugnada] e é incompatível com o objectivo de uma concorrência não falseada no mercado comum. Não se baseia numa prestação económica que justifique essa vantagem, mas tende a retirar ou a restringir, para o comprador, a sua possibilidade de escolha das suas fontes de abastecimento e a impedir o acesso ao mercado de outros fornecedores (v. jurisprudência citada supra no n.° 114).

215.
    Em segundo lugar, no que diz respeito aos descontos por objectivos concedidos selectivamente, a recorrente explica que os descontos concedidos à grande cadeia de distribuição [...] consistiam num incentivo ao aumento sob a forma de um desconto de [...]% sobre as compras, em 1995, dependente de um aumento de 300 toneladas do volume anual das compras daquela (ponto 82 dos considerandos da decisão impugnada). A recorrente pretende que este desconto não tinha por efeito a vinculação da [...] nem levava à redução das suas compras de açúcar [...] àBurcom. O documento da Greencore de Junho de 1994 utilizado na decisão impugnada como prova a este respeito, não comprovaria em nenhum caso que o desconto concedido à [...] teve como efeito a diminuição das compras de [...] à Burcom. Com efeito, esse desconto não podia ter qualquer influência nas vendas da Burcom à [...], visto que a Burcom tinha cessado a actividade antes da concessão desse desconto. Acrescenta que a [...] não alterou a sua política destinada a abastecer-se nas mesmas proporções em açúcar Siucra e [...]. A [...] teria, efectivamente, optado por seguir uma estratégia de aumento global das suas vendas de açúcar, mantendo a sua política de abastecimento em açúcar Siucra e [...].

216.
    A recorrente sustenta ainda que a alegação de que o grupo de grossistas [...] seria um cliente importante da Gem Pack (ponto 151 dos considerandos da decisão impugnada) não é apoiada por nenhuma prova. Por conseguinte, a afirmação de que os descontos por objectivos oferecidos a alguns clientes de empresas de embalagem de açúcar concorrentes em 1994 e 1995 eram parte de uma política destinada a refrear o desenvolvimento da concorrência das empresas de embalagem de açúcar nacionais (ponto 154 dos considerandos da decisão impugnada) seria destituída de pertinência em relação à Gem Pack. O mesmo aconteceria com o artigo 1.°, n.° 6, alínea ii), da decisão impugnada.

217.
    Forçoso é constatar, em primeiro lugar, que a recorrente não contesta de modo nenhum o carácter discriminatório e selectivo dos descontos por objectivos concedidos na Primavera de 1994 e em Outubro de 1994 aos grossistas que lhe compravam açúcar no mercado do açúcar destinado à venda a retalho, como o sublinha a Comissão nos pontos 82 e 154 dos considerandos da decisão impugnada.

218.
    Verifica-se, depois, que, relativamente ao carácter discriminatório e selectivo dos descontos por objectivos concedidos a certos clientes de empresas de embalagem de açúcar concorrentes, por um lado, que a recorrente também não contesta a concessão em Dezembro de 1994 de um desconto de [...]% à [...] para 1995 em função do volume de compras desta. Nega ter pretendido vincular desse modo a [...], salientando que a política desta última visava aumentar as suas vendas de açúcar em geral, conservando a mesma repartição do abastecimento em açúcar Siucra e em [...]. Assim, a recorrente não demonstra de modo nenhum que a concessão deste desconto assenta numa justificação económica objectiva. Com efeito, tenta justificar a sua iniciativa por referência às alegadas particularidades da política do seu cliente.

219.
    Ora, resulta do plano de empresa da Greencore de Junho de 1994, citado no ponto 82 dos considerandos da decisão impugnada, que a [...] comprava à recorrente tanto açúcar da marca Siucra como açúcar sem marca que expunha a seguir nas suas lojas sob a marca [...]. No entanto, metade dos pacotes de [...] vendidos por [...] eram compostos por açúcar da recorrente, sendo a outra metade do açúcar fornecida pela Burcom. O documento refere, além disso, que, na altura em que foi redigido, a [...] concedia o mesmo espaço nos escaparates das suas lojas ao açúcarSiucra e ao [...]. Precisa-se assim (p. 19 do documento junto como anexo 4 à comunicação das acusações) que:

«Em Novembro de 1993, a [...] lançou uma marca [...], alimentada pela Burcom, mas retirou-a na mesma semana. Em Abril relançaram a marca [...], alimentada em 50% pela Burcom e nos outros 50% por nós próprios [...]. A [...] está determinada a impor [...]; os outros parecem apenas reagir à [...]. A [...] distribui um espaço nos seus escaparates equivalente às marcas [...] e Siucra e aplica, por ora, uma diferença de preço de [...] por quilo».

220.
    A recorrente não precisou em que documentos baseava a sua alegação de que a política da [...] visava aumentar o volume global das suas vendas de açúcar, mantendo a repartição do seu abastecimento entre a Burcom e a recorrente. Esta afirmação não é corroborada pelo plano de empresa da Greencore de Junho de 1994 de que citámos o extracto mais significativo no número anterior. Convém realçar, aliás, que este documento é anterior à concessão do desconto de Dezembro de 1994 a que se refere a nota interna de 15 de Dezembro de 1994 (ponto 82 dos considerandos da decisão impugnada).

221.
    Nestas condições, a recorrente não pode acusar a Comissão de ter cometido um erro de apreciação e de interpretação dos elementos de prova considerados na decisão impugnada quando declarou que «quaisquer aumentos nos volumes de Siucra comprados pela [...] conduziriam provavelmente a uma redução das compras de [...] de um quilograma, o produto relativamente ao qual a Burcom se encontrava em concorrência como fornecedora» (ponto 82, in fine, dos considerandos da decisão impugnada) e que «o efeito provável do desconto consistiria em vincular a [...] à [recorrente]» (ponto 151, in fine, dos considerandos). Ora, resulta da jurisprudência (v. supra, n.° 114) que esse tipo de prática é abusivo na acepção do artigo 86.° do Tratado, porque visa impedir, por via da concessão de uma vantagem financeira, o abastecimento dos clientes na concorrência.

222.
    O facto de a Burcom ter cessado as suas actividades antes da concessão do desconto de [...]% à [...] em Dezembro de 1994 - facto pacífico entre as partes - não altera a conclusão a que chegámos no número anterior. Com efeito, a Comissão demonstrou, com base no próprio registo dos descontos da recorrente, que a concessão do desconto tinha sido decidida o mais tardar em 8 de Dezembro de 1994, numa data anterior à cessação das actividades da Burcom em 14 de Dezembro de 1994 (pontos 83 e 151 in fine dos considerandos da decisão impugnada), numa altura em que a Burcom e a recorrente ainda estavam em concorrência. É de realçar que a recorrente não contestou de modo nenhum a referência ao seu registo de descontos na decisão impugnada.

223.
    Por outro lado, a recorrente também não contesta a concessão de um desconto de objectivo à [...] em 1995, tal como este foi descrito na decisão impugnada (pontos 84 e 151 dos considerandos). Limita-se a emitir dúvidas sobre os elementos que permitem à Comissão afirmar que a [...] é um cliente importante da Gem Pack(ponto 151 in fine dos considerandos), empresa de embalagem de açúcar concorrente da recorrente.

224.
    Respondendo a uma pergunta escrita do Tribunal, a Comissão juntou aos autos uma cópia de uma carta que lhe foi enviada pelo advogado da Gem Pack em 16 de Março de 1995, na qual este insiste, por várias vezes, na importância que [...] revestia aos olhos da Gem Pack como cliente. A recorrente não se opôs à junção aos autos deste documento e não contestou o seu conteúdo na audiência. Em consequência, há que considerar que, na decisão impugnada, a Comissão tinha o direito de afirmar que a [...] era um cliente importante da Gem Pack e de daí deduzir que a concessão de um desconto de objectivo à [...] pela recorrente tinha como efeito colocar em desvantagem os seus outros fornecedores de açúcar, entre os quais a Gem Pack, o que constitui uma prática abusiva nos termos do artigo 86.° do Tratado (v. jurisprudência citada supra no n.° 114).

225.
    Resulta do que precede que os argumentos da recorrente relativos aos descontos por objectivos e aos preços selectivos a que se refere o artigo 1.°, n.° 6, alíneas i) e ii), da decisão impugnada não merecem acolhimento.

Quanto às trocas de produtos no mercado do açúcar destinado à venda a retalho

226.
    Segundo a decisão impugnada, a [recorrente] «acordou em 1988 com um grossista e com um retalhista na substituição de produtos concorrentes de açúcar de retalho, isto é, o açúcar em embalagens de um quilograma Eurolux da Compagnie française de sucrerie, pelo seu próprio» (artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada). A Comissão explica que, na sequência do lançamento, em 1998, pela ASI de pacotes de açúcar de um quilo da marca Eurolux no mercado irlandês para venda a retalho, a SDL reagiu propondo à ADM, sob pena de lhe retirar os descontos preferenciais que até então lhe tinham sido concedidos pela recorrente, a retoma das quantidades ainda não vendidas de açúcar Eurolux apenas alguns dias depois de este ter sido posto à disposição na rede comercial da ADM, em Abril de 1988 (pontos 46 a 49 dos considerandos). Sustenta que medidas idênticas foram tomadas em relação ao retalhista Kelly dos supermercados SPAR, num prazo ainda mais rápido, em Maio de 1988 (pontos 46, 47, 48, 50 e 51 dos considerandos). A Comissão precisa que «embora... [as] medidas relativamente à substituição do produto tenham sido tomadas pela SDL, a [recorrente] foi devidamente informada pela ASI das dificuldades encontradas» (ponto 52 dos considerandos) e remete para o teor de uma correspondência que o director da ASI enviou ao director da recorrente em 18 de Julho de 1988. Faz notar que estas práticas foram impugnadas no Supremo Tribunal irlandês pelo director da administração do consumo e do comércio (pontos 48 e 53 dos considerandos). A Comissão conclui nestes termos:

«A substituição de produtos realizada por uma empresa dominante constitui um abuso na acepção do artigo 86.° sempre que tenha como objectivo ou efeito a restrição ou eliminação da concorrência exercida por um novo operador nomercado. Foi o que aconteceu no processo em apreço. Na verdade, a substituição de produtos resultou numa consolidação da posição conjunta da [recorrente] e da SDL, que corresponde quase a um monopólio como fornecedores de açúcar no mercado» (ponto 126 dos considerandos).

227.
    A recorrente pretende que o falhanço da comercialização do açúcar da marca Eurolux na Irlanda decorre da sua rejeição pelos consumidores. O retalhista Kelly teria assim explicado que, apesar do seu melhor preço, o açúcar Eurolux se vendia mal. A recorrente sublinha igualmente que a ASI precisou de mais de um ano para escoar o seu stock de 500 toneladas de açúcar em pacotes destinado à venda a retalho. Contesta igualmente ter ameaçado os seus clientes de sanções financeiras em caso de venda de açúcar Eurolux. Observa ainda que o volume de açúcar em causa nas ditas trocas implica que estas não tiveram qualquer influência no comércio entre Estados.

228.
    A explicação avançada pela recorrente para o falhanço da comercialização do açúcar da marca Eurolux no mercado irlandês não pode ser aceite, como afirma a Comissão na decisão impugnada (ponto 125 dos considerandos). Há que insistir, quanto a este aspecto, no conteúdo da conversa do director comercial da SDL e do director-geral da ADM, de que dá conta o depoimento do funcionário da administração irlandesa do consumo e do comércio no Supremo Tribunal irlandês e ao qual a Comissão se refere no ponto 49 dos considerandos da decisão impugnada. A SDL informou a ADM que, caso a quantidade de açúcar que lhe era comprada fosse reduzida, suprimiria os descontos preferenciais sobre o açúcar e ofereceu-se para retomar as quantidades de açúcar Eurolux ainda na posse da ADM, depois de ter sido informada que uma grande quantidade continuava ainda por vender nos seus armazéns. É de realçar igualmente os prazos extremamente curtos em que o açúcar Eurolux foi trocado nos dois casos concretos referidos na decisão impugnada, quer a iniciativa da troca tenha partido da SDL (no caso da ADM), quer do próprio retalhista, segundo a recorrente (no caso de Kelly), isto é, no primeiro caso, em menos de sete dias (entre 15 e 22 de Abril de 1988) e em menos de duas horas, no segundo. É irrelevante para este efeito determinar se a recorrente ou a SDL tomaram efectivamente a iniciativa da troca de produtos com o retalhista Kelly, uma vez que a Comissão acusa unicamente a recorrente de ter «acord[ado] com um grossista e com um retalhista substituir o açúcar Eurolux pelo seu próprio açúcar» (ponto 124 dos considerandos da decisão impugnada) e não de ter tomado a iniciativa dessas trocas.

229.
    Por razões idênticas às que acima foram expostas nos n.os 200 a 201, a recorrente também não pode concluir do argumento sobre o volume de açúcar envolvido nas duas trocas a que se refere a decisão impugnada que essas trocas não puderam constituir um entrave ao comércio entre Estados-Membros.

230.
    Além disso, a Comissão teve em conta, ao fixar o montante da coima, o reduzido volume do açúcar envolvido nas trocas (ponto 167, segundo parágrafo, primeiro travessão, dos considerandos da decisão impugnada).

231.
    Por outro lado, a recorrente não contestou de modo nenhum a referência à Decisão 92/163/CEE da Comissão, de 24 de Julho de 1991, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/31.043 - Tetra Pak II) (JO 1992 L 72, p. 1, ponto 165 dos considerandos), constante da nota de pé de página n.° 88 ao ponto 126 dos considerandos da decisão impugnada, segundo a qual a troca de produtos por uma empresa em posição dominante constitui uma prática abusiva na acepção do artigo 86.° do Tratado, sempre que se destine ou seja susceptível de restringir ou eliminar a concorrência de uma nova empresa no mercado.

232.
    O Tribunal de Justiça também precisou que, ao proibir a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, o artigo 86.° visa não apenas as práticas susceptíveis de causar um prejuízo directo aos consumidores, mas também as que lhes causam um prejuízo indirecto ao atentarem contra uma estrutura de concorrência efectiva (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 125).

233.
    No caso ora em apreço, a recorrente atentou contra a estrutura da concorrência que teria podido adquirir o mercado irlandês do açúcar destinado à venda a retalho através da entrada de um novo produto, o açúcar da marca Eurolux, ao proceder nas circunstâncias acima descritas à troca dos produtos concorrentes num mercado no qual detinha mais de 80% do volume de vendas.

234.
    Resulta do que precede que os argumentos da recorrente a respeito das trocas de açúcar da marca Eurolux a que se refere o artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada não podem ser acolhidos.

235.
    Há, por conseguinte, que rejeitar os terceiro e quarto fundamentos dos pedidos principais tal como estes mesmos pedidos, salvo na parte em que se pede a anulação do artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada na parte em que declara que a recorrente infringiu o artigo 86.° do Tratado, ao oferecer, entre 1986 e 1988, preços selectivamente baixos aos clientes da ASI ((v. supra, n.° 124).

Quanto aos pedidos a título subsidiário

236.
    Em apoio dos seus pedidos a título subsidiário, destinados, por um lado, a obter a redução da coima que lhe foi aplicada pelo artigo 2.° da decisão impugnada e, por outro, a anulação dos terceiro e quarto parágrafos do artigo 3.°, a recorrente invoca dois fundamentos, o primeiro, baseado em violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o segundo, em violação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17.

1. Quanto ao primeiro fundamento, baseado em violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

237.
    No âmbito do primeiro fundamento, baseado em violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a recorrente alega, em primeiro lugar, que a coima que é aplicada pelo artigo 2.° da decisão impugnada é excessiva, em segundo lugar, que pune infracções que não ficaram devidamente provadas, em terceiro lugar, que não levou a cabo uma política de práticas abusivas constante e global desde 1985, em quarto lugar, que a Comissão não cumpriu o seu dever de diligência, ao não tratar o presente caso num prazo razoável e, finalmente, em quinto lugar, que a Comissão não teve em conta o carácter inédito do conceito de abuso de posição dominante colectiva em causa na altura.

Quanto ao carácter excessivo da coima aplicada

238.
    O artigo 2.° da decisão impugnada aplica à recorrente uma coima de 8 800 000 ecus pelas infracções descritas no artigo 1.° Nos pontos 163 e 167 dos considerandos, a Comissão explica quais os critérios em que se baseou para fixar o montante da coima, em aplicação do preceituado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

239.
    A recorrente alega que o montante da coima, que corresponde a 6,8% do seu volume de negócios respeitante às vendas na Irlanda não é conforme nem à prática no domínio agrícola nem à prática no sector industrial.

240.
    A recorrente sustenta, por um lado, que as decisões da Comissão que aplicam coimas no domínio agrícola se caracterizam geralmente por uma certa moderação [v. as Decisões 86/596/CEE, de 26 de Novembro de 1986, relativa a um processo em aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.204 - MELDOC) (JO L 348, p. 50), Napier Brown - British Sugar, já referida, e 88/587/CEE, de 28 de Outubro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/B-2/31.424, Hudson's Bay - Dansk Pelsdyravlerforening) (JO L 316, p. 43)]. Esta moderação seria inspirada e confirmada pela jurisprudência, nos termos da qual a Comissão estaria obrigada, ao fixar o montante das sanções pecuniárias, a tomar especialmente em consideração o contexto legal e económico em que se insere o comportamento incriminado e a não o apreciar com a severidade habitual, tendo em conta a organização comum do mercado do açúcar, o comportamento das empresas (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 612, 613, 619 e 620). No presente caso, a recorrente constata que a Comissão não considerou a organização comum do mercado do açúcar como um factor a ter em conta para efeitos da fixação do montante da coima (ponto 167 dos considerandos da decisão impugnada). Na réplica, acrescenta que, se a Comissão pretendia demarcar-se desta jurisprudência, devia tê-lo fundamentado especificadamente. A recorrente defende igualmente que a solução adoptada no acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, se mantém válida, visto que foi confirmada pelo acórdão Comissão e França/Ladbroke Racing, já referido (n.os 32 e seguintes). Esta solução não teria sido posta em causa pelo advogado-geral G. Cosmas nas suas conclusões de 15 de Julho de 1997 apresentadas no processo Montecatini e Montedipe/Comissão, emque ainda não foi proferido acórdão (C-235/92 P, ainda não publicadas na Colectânea de Jurisprudência).

241.
    A recorrente sublinha, por outro lado, que, no sector industrial, a existência de uma sobrecapacidade estrutural constitui geralmente uma circunstância atenuante aos olhos da Comissão, que a leva a fixar o nível da coima em cerca de 2,5% do volume de negócios em causa [Decisões da Comissão 89/191/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.866, LdPE) (JO L 74, p. 21), 89/515/CEE, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (processo IV/31.553 - rede electrossoldada para betão) (JO L 260, p. 1), e 94/599/CE, de 27 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/31.865 - PVC) (JO L 239, p. 14); acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfileurope/Comissão, T-141/89, Colect., p. II-791, n.os 180 e 185].

242.
    Na réplica, a recorrente alega que, se não se pretender cair na arbitrariedade, não existe melhor critério do que a prática anterior ou uma tabela geral para apreciar a legalidade da margem de manobra deixada à Comissão, pelo quadro regulamentar, para a fixação das coimas. Afirma, a este propósito, que a Comissão faz pouco caso das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3), recentemente por ela apresentadas ao público.

243.
    Recorde-se, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão pode aplicar coimas de 1 000 ecus, no mínimo, e de 1 000 000 ecus, no máximo, podendo este último montante atingir 10% do volume de negócios realizado durante o exercício social precedente por cada uma das empresas que participaram na infracção. Para determinar o montante da coima dentro destes limites, a referida disposição prevê que sejam tidas em conta a gravidade e a duração da infracção (acórdão Tréfileurope/Comissão, já referido, n.° 183). Para apreciar a gravidade de uma infracção devem ser tidos em conta, designadamente, o contexto regulamentar e económico do comportamento incriminado, a natureza das restrições ocasionadas na concorrência, assim como a importância da empresa em causa (v. acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.° 612).

244.
    No presente caso, a recorrente não contesta que a Comissão respeitou os limites impostos pelo n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, mas a sua apreciação da gravidade das infracções, descrita designadamente no ponto 167, segundo parágrafo, primeiro a quarto travessões dos considerandos da decisão impugnada. A Comissão refere neste ponto os quatro elementos que tomou em consideração para apreciar a gravidade das infracções: o facto de se tratar de um abuso que visava comprometer gravemente ou eliminar qualquer forma de concorrência, o facto de o açúcar ser um ingrediente importante tanto para a indústria como parao consumo dos particulares, o facto de a recorrente ter protegido vigorosamente o seu mercado nacional e o facto de ter podido manter os seus preços à saída da fábrica e os preços a retalho a um nível particularmente elevado.

245.
    Importa sublinhar, a seguir, que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções, não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n.° 17, se tal for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 109). O poder de aplicar coimas é um dos meios atribuídos à Comissão para lhe permitir cumprir a missão de vigilância que lhe confere o direito comunitário. Segundo o Tribunal de Justiça, essa missão compreende sem qualquer dúvida a tarefa de investigar e reprimir infracções individuais, mas tem igualmente ínsito o dever de prosseguir uma política geral destinada a aplicar em matéria de concorrência os princípios fixados pelo Tratado e a orientar nesse sentido o comportamento das empresas. De onde resulta que, para apreciar a gravidade de uma infracção com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve tomar em consideração não só as circunstâncias especiais do caso mas igualmente o contexto em que a infracção foi cometida e velar pelo carácter dissuasor da sua acção, sobretudo em relação aos tipos de infracção particularmente nocivos para a realização dos objectivos da Comunidade (acórdão Musique Diffusion française/Comissão, já referido, n.os 105 e 106).

246.
    Há que insistir, por último, no facto de que, como as coimas constituem um instrumento da política da concorrência da Comissão, esta deve poder dispor de uma margem de apreciação na fixação do seu montante, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das regras de concorrência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T-49/95, Colect., p. II-1799, n.° 53).

247.
    Os argumentos que a recorrente tira da sua análise da prática decisória da Comissão não são, portanto, em si mesmos, susceptíveis de afectar a legalidade do artigo 2.° da decisão impugnada.

248.
    Além disso, ao contrário do que sustenta a recorrente, não resulta da jurisprudência que, no presente caso, a organização comum do mercado do açúcar constitua um contexto regulamentar e económico especial a ser tido em consideração como circunstância atenuante na fixação do montante da coima.

249.
    Se é inegável que o contexto regulamentar e económico em que foram cometidas as infracções imputadas à recorrente se caracteriza pela incidência da organização comum do mercado do açúcar, as práticas abusivas da recorrente não constituem, no presente caso, ao contrário do que acontecia no caso a que se referia o acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 613 a 621, consequências praticamente inelutáveis do funcionamento dessa organização comum do mercado do açúcar.

250.
    Na decisão impugnada, a Comissão realçou, por um lado, práticas que visavam reagir a importações ou tentativas de importações no mercado dominado pela recorrente e, por outro, práticas através das quais a recorrente utilizava a sua posição de produtor único de açúcar na Irlanda para restringir a concorrência de outros operadores, a fim de manter um preço final de venda elevado. Ao assim proceder, a recorrente esforçou-se, portanto, por diminuir a pouca concorrência residual existente ainda nos mercados em causa. Acresce que a recorrente tirou benefícios do seu estatuto de único produtor de açúcar na Irlanda e do facto de beneficiar da integralidade da quota de produção de açúcar atribuída à Irlanda no quadro da organização comum do mercado do açúcar. No entanto, este estatuto particular não deriva da organização comum do mercado, mas da situação específica da Irlanda. Todos estes factos distinguem a situação da recorrente da das empresas em causa no acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido. A organização comum do mercado do açúcar não pode, pois, ter a mesma incidência no presente caso sobre a apreciação da gravidade dos comportamentos infraccionais da recorrente.

251.
    A Comissão sublinha ainda, com razão, que o estatuto privilegiado da Irlanda, no quadro dessa organização comum do mercado do açúcar, tem por finalidade facilitar as transferências de açúcar para a Irlanda considerada com ou sem razão como uma região deficitária (ponto 144 dos considerandos da decisão impugnada). O comportamento da recorrente constitui, portanto, um obstáculo à realização dos objectivos desta organização comum do mercado do açúcar, em que os produtores de açúcar beneficiam já de certas vantagens, como a concessão de um preço de intervenção garantido ou de restituições à exportação quando exportam para fora da Comunidade a preços inferiores a esse preço de intervenção garantido.

252.
    Não entrando a organização comum do mercado do açúcar em linha de conta para apreciar a gravidade das infracções, segundo a Comissão, o facto de não ser mencionada entre os elementos retomados a esse título no ponto 167, segundo parágrafo, dos considerandos da decisão impugnada, não pode ser apresentado como a ilustração de uma insuficiência de fundamentação da decisão quanto a esse aspecto. Com efeito, a recorrente não demonstrou de maneira nenhuma que, quando aplica uma coima por violação das regras da concorrência no mercado do açúcar, a Comissão tem necessariamente o dever de fundamentar a sua apreciação da gravidade da infracção à luz da solução adoptada pelo acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido.

253.
    Há que constatar, além disso, que a Comissão sublinhou expressamente o facto de que o comportamento adoptado pela recorrente no seu mercado teve como efeito falsear o mercado comum (ponto 167, terceiro parágrafo, terceiro travessão, dos considerandos da decisão impugnada). A Comissão, na passagem consagrada à apreciação da gravidade da infracção, referiu, aliás, as diferentes características do mercado e do produto em causa, situando desse modo as infracções cometidas pela recorrente no seu contexto económico e jurídico, tirando as consequênciasmanifestamente contrárias aos objectivos do mercado comum e tendo em consideração o facto de o açúcar ser um ingrediente industrial importante e um produto de grande consumo (v., neste sentido, o acórdão United Brands/Comissão, já referido, n.° 290).

254.
    Por outro lado, ao contrário do que sugere a recorrente, as passagens do acórdão Tréfileurope/Comissão, já referido, que ela cita para prova da existência de uma severidade menor na aplicação de coimas a empresas do sector agrícola, não consagram de maneira nenhuma uma regra desse tipo. Nenhuma circunstância atenuante pode, pois, ser deduzida do mero facto de as actividades da recorrente pertencerem ao sector agrícola.

255.
    Finalmente, a recorrente também não pode pretender, como o fez na audiência, que foi tratada de modo discriminatório na fixação do montante da coima, em comparação com o tratamento dado à empresa destinatária da Decisão 98/538/CE da Comissão, de 17 de Junho de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CE (IV/36.010-F3 - Amministrazione Autonoma dei Monopoli di Stato) (JO L 252, p. 47). Invocou a fixação neste processo do montante de base da coima à taxa mínima, devido a uma pretensa pouca gravidade da infracção em causa e do seu alcance reduzido ao mercado de um único Estado-Membro. Ora, resulta dos considerandos desta decisão consagrados à apreciação da gravidade da infracção (pontos 63 a 71 dos considerandos) que, como a natureza da infracção e o seu objecto eram particularmente anticoncorrenciais, apesar de o seu impacto concreto no mercado ter sido particularmente reduzido e limitado a um único Estado-Membro, se devia ainda assim concluir que se tratava de uma infracção grave. Unicamente com base na apreciação da gravidade da infracção, o montante da coima foi fixado, neste processo, em 3 000 000 de ecus. Este montante foi posteriormente duplicado e elevado a 6 000 000 de ecus, devido à duração da infracção, correspondente a sete anos. Há que salientar, além disso, que as indicações constantes desta decisão não permitem determinar a que percentagem do volume de negócios da empresa em causa corresponde a multa que lhe foi aplicada. Sem estas informações, nenhuma comparação pode ser feita entre os montantes das coimas aplicadas nesse caso e neste processo.

256.
    A primeira parte deste primeiro fundamento dos pedidos a título subsidiário deve, por conseguinte, ser rejeitada.

Quanto à alegada sanção de infracções não devidamente provadas

257.
    No quadro da segunda parte deste primeiro fundamento, a recorrente contesta mais uma vez a existência de algumas infracções, neste caso, os preços selectivamente baixos, os descontos fronteiriços, a troca de produtos e o desconto de fidelidade e, portanto, entende que a sanção não é justificada.

258.
    A recorrente começa por sublinhar que, ao contrário do dispositivo da decisão impugnada (artigo 1.°), nem a comunicação das acusações, nem os fundamentos da decisão impugnada mencionam a concessão de preços selectivamente baixos aos clientes de um importador francês em 1986 como uma das práticas a sancionar por uma coima. Pretende que a eventual imposição de uma coima pela fixação de preços selectivos só visava o período a partir de 1993, facto que teria registado na sua resposta à comunicação das acusações, sem ser contestada, quanto a este ponto, pela Comissão no decurso do procedimento administrativo.

259.
    Recorde-se (v. supra, n.° 124) que a Comissão não provou que, entre 1986 e 1988, a recorrente tenha concedido preços selectivamente baixos aos clientes de um importador de açúcar francês (artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada).

260.
    Ora, o Tribunal decide com plena jurisdição, na acepção do artigo 172.° do Tratado (actual artigo 229.° CE), os recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada uma multa ou uma adstrição e pode designadamente suprimir ou reduzir uma multa, nos termos do disposto no artigo 17.° do Regulamento n.° 17 (v. acórdãos, de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, já referido, n.° 235, e Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, n.° 230).

261.
    Há, portanto, que reduzir o montante da coima aplicado à recorrente.

262.
    A recorrente sustenta, em segundo lugar, que a decisão impugnada lhe aplica uma coima por descontos fronteiriços que teriam sido por ela concedidos entre 1986 e 1988, quando os elementos de prova avançados na comunicação das acusações dizem respeito a um período compreendido entre Abril de 1986 e Julho de 1987. Segundo os termos da decisão impugnada, esses descontos teriam todos sido concedidos em momentos bem determinados entre 1986 e 1988 (ponto 167 dos considerandos). Estariam, pois, todos, com excepção dos concedidos durante algumas semanas entre 23 de Maio de 1987 e Julho de 1987, prescritos, por força do n.° 3 do artigo 2.° do Regulamento n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41).

263.
    Já foi dito que as provas citadas na decisão impugnada estabelecem que os descontos fronteiriços foram concedidos até Julho de 1987 e que a sua utilização continuava prevista para o futuro, se tal se revelasse necessário (v. supra, n.os 173 a 193). De qualquer modo, o argumento da recorrente não merece acolhimento dado que os descontos fronteiriços em causa constituem uma infracção contínua de 1986 a 1988. A recorrente não pode, com efeito, tentar distinguir os descontos fronteiriços concedidos antes e depois de 23 de Maio de 1987 para efeitos de prescrição do procedimento. A data a tomar em consideração para a aplicação das disposições do Regulamento n.° 2988/74, de 26 de Novembro de 1974, é a data de 27 de Setembro de 1985. Trata-se, com efeito, da data de início do período decinco anos que precede o primeiro acto de instrução da Comissão neste processo (ponto 165 dos considerandos da decisão impugnada). Ora, a Comissão não imputou à recorrente nenhum acto anterior a essa data no artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada.

264.
    Em terceiro lugar, a recorrente repete a argumentação que desenvolveu no quadro do quarto fundamento dos seus pedidos principais para contestar a coima aplicada pela troca de produtos e pelos descontos de fidelidade.

265.
    Basta recordar a este propósito que já foi declarado que os argumentos apresentados pela recorrente não são susceptíveis de pôr em causa a legalidade do artigo 1.°, n.os 2 e 3, da decisão impugnada, de modo que, não podem, por si só, afectar a legalidade do artigo 2.°

Quanto à condução, pela recorrente, de uma política de práticas abusivas constante e global desde 1985

266.
    A recorrente alega, em primeiro lugar, que se as suas actividades na Irlanda poderão ser consideradas como destinadas a proteger a sua posição (ponto 156 dos considerandos e artigo 1.° da decisão impugnada), tendo em conta a sua situação no quadro da organização comum do mercado do açúcar, não podem, porém, ser apresentadas como decorrentes de uma política que tivesse por objectivo comprometer gravemente ou eliminar qualquer forma de concorrência nos mercados em causa (ponto 167 dos considerandos). Ao apreciar deste modo o comportamento da recorrente, a Comissão também não teria tido em conta o efeito provocado pela sua privatização em 1991, designadamente na sequência dos inquéritos aprofundados de que tinha sido alvo, dos processos judiciais contra ela movidos, e da renovação dos seus quadros superiores. A ruptura ocorrida deste modo na sua gestão impediria que se considerasse que ela teve a intenção, durante o período em causa, de abusar de modo constante e global da sua posição dominante.

267.
    Sublinha, a seguir, que decisões de correcção foram adoptadas em 1991, antes mesmo de a Comissão ter formulado as suas primeiras acusações no quadro do procedimento administrativo IV/33.705, decisões essas constantes designadamente de um prospecto de 6 de Abril de 1991. A recorrente critica a Comissão por afirmar, na decisão impugnada (ponto 167 dos considerandos), que a publicação deste documento não impediu os abusos em matéria de preços. Sublinha, com efeito, que a Comissão tinha conhecimento do sistema de descontos à exportação desde a sua inspecção efectuada em Dublim em 1991 e que não lhe explicou, nessa altura, que devia pôr-lhes cobro.

268.
    Finalmente, rejeita a alegação da Comissão de que só teria tido conhecimento da existência dos DFP durante o Verão de 1994. Refere-se, a este propósito, ao conteúdo de vários documentos apreendidos nas suas instalações pela Comissão durante o procedimento administrativo e juntos à comunicação das acusações de22 de Abril de 1993 (documentos IV/33705/1221, 1335, 1410, 1459, 1757 e 1762). Além disso, os inspectores da Comissão teriam pedido explicações orais.

269.
    Os alegados efeitos da privatização da recorrente não são susceptíveis de demonstrar que a Comissão cometeu um erro ao considerar que os diferentes abusos cometidos e descritos no artigo 1.° da decisão impugnada eram manifestação de uma política constante e global por ela conduzida ao longo de toda a duração da infracção.

270.
    Além do facto de vários desses abusos, cometidos após a privatização da recorrente em 1991, terem o mesmo objectivo que os anteriores a essa privatização, isto é, proteger o seu mercado nacional e reduzir a concorrência nele existente, tem que se constatar que a recorrente continuou a aplicar o seu sistema de DFP ao longo de todo o período em causa e isso até à adopção da decisão impugnada ((v. supra, n.os 125 a 149). Não pode, nestas circunstâncias, pretender que essa continuidade se justifica parcialmente pela falta de reacção da Comissão, depois de ter tomado conhecimento da existência do sistema em 1991. Apesar da denúncia dessas práticas na comunicação das acusações de 25 de Março de 1996, a recorrente continuava a não lhes ter posto termo na data da adopção da decisão impugnada. É irrelevante, a partir daí, determinar com precisão a data em que a Comissão tomou efectivamente conhecimento da existência dos DFP.

271.
    Por outro lado, como salienta a Comissão, as decisões de correcção tomadas pela recorrente em 1991 a seguir à sua privatização não a impediram de violar, a seguir, por várias vezes, o artigo 86.° do Tratado, não só ao prosseguir a aplicação do seu sistema de DFP mas também ao impor preços discriminatórios para o açúcar industrial fornecido às empresas de embalagem de açúcar concorrentes (artigo 1.°, n.° 5, da decisão impugnada) e ao conceder descontos por objectivo e descontos selectivos a certos clientes no mercado do açúcar destinado à venda a retalho (artigo 1.°, n.° 6, da decisão impugnada).

272.
    Esta terceira parte do primeiro fundamento dos pedidos a títulos subsidiário deve, pois, ser rejeitada.

Quanto à falta de diligência da Comissão no tratamento do caso

273.
    A recorrente sustenta que a dissociação do procedimento administrativo efectuada pela Comissão, o número de funcionários que tiveram o dossier a seu cargo e a considerável duração deste procedimento administrativo constituem outras tantas circunstâncias atenuantes que deviam ter sido tomadas em conta aquando da fixação do montante da coima, a título de reconhecimento da falta de diligência com que a Comissão procedeu aos seus inquéritos (acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, já referido, n.° 51). A recorrente contesta especialmente o facto de a Comissão ter concentrado excessivamente as suas investigações nas acusações ao abrigo do artigo 85.° doTratado que se revelaram infundadas o mais tardar nas audições de Outubro de 1992 e Setembro de 1993, e de ter esperado demasiado para a avisar das acusações ao abrigo do artigo 86.° do Tratado, quando tinha conhecimento dos factos em causa desde Fevereiro de 1991, data da segunda inspecção.

274.
    A recorrente sublinha que, segundo um princípio geral de direito comunitário, a Comissão tem o dever de agir num prazo razoável quando toma uma decisão na sequência de um procedimento administrativo em matéria de política da concorrência. Ora, no presente caso, nem a complexidade do caso nem o comportamento da recorrente impunham um procedimento de tão longa duração. Na audiência, a recorrente referiu-se ainda aos princípio consagrados pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C-185/95 P, Colect., p. I-8417).

275.
    A recorrente rejeita, por outro lado, a alegação da Comissão de que ela própria teria contribuído para a adopção, durante o procedimento administrativo, de uma decisão ao abrigo do artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17 [decisão C (95) 1837 final, de 19 de Julho de 1995]. Esta decisão retomaria literalmente questões anteriores às quais a recorrente pretende ter respondido numa carta datada de 18 de Maio de 1995 (anexo 5 à petição de recurso). A insuficiência desta primeira resposta, resultante da falta de exactidão de algumas informações provenientes de terceiros, de que a recorrente não teria conhecimento nessa altura não pode ser-lhe imputada. Refere, com efeito, que a Comissão, em vez de verificar a fiabilidade das suas fontes, acreditou cegamente nessas informações e solicitou-lhe - necessariamente em vão - que completasse a sua resposta de 18 de Maio de 1995, o que a recorrente afirma ter procurado fazer em 8 de Agosto e 20 de Outubro de 1995.

276.
    O respeito, por parte da Comissão, de um prazo razoável, aquando da tomada de decisões no termo dos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência, constitui, com efeito, um princípio geral de direito comunitário (acórdão SCK e FNK/Comissão, já referido, n.° 56). Há que examinar, portanto, se, no caso em apreço, a Comissão violou o princípio geral de respeito de um prazo razoável na tramitação do processo que precedeu a adopção da decisão impugnada.

277.
    Para avaliar a duração total do procedimento administrativo que culminou na adopção da decisão impugnada, tem, em primeiro lugar, que se determinar quais os períodos que, desde o primeiro inquérito da Comissão, devem ser tomados em conta. Com efeito, a Comissão instaurou vários procedimentos contra a recorrente, dos quais só o terceiro e último (v. supra, n.os 3 a 7) levou à adopção de uma decisão de condenação por certas infracções. A primeira inspecção realizada pela Comissão na sede da recorrente em Dublim data de 25 de Setembro de 1990 (ponto 165 dos considerandos da decisão impugnada). O procedimento administrativo que precedeu o presente processo desenvolveu-se, portanto, entre25 de Setembro de 1990 e 14 de Maio de 1997, data de adopção da decisão impugnada, o que corresponde a uma duração de cerca de 80 meses.

278.
    A razoabilidade da duração de um procedimento administrativo aprecia-se em função das circunstâncias próprias de cada processo, nomeadamente, do contexto em que se inscreve, das diferentes fases processuais seguidas pela Comissão, da conduta das partes ao longo do processo e da complexidade do caso (acórdão SCK e FNK/Comissão, já referido, n.° 57).

279.
    No presente caso, o procedimento comportou numerosas fases que foram ritmadas pela apresentação de denúncias (v., a este respeito, os pontos 1 a 5 da petição inicial) e pela análise dos argumentos apresentados pela recorrente em sua defesa. As primeiras inspecções efectuadas pela Comissão na sede da recorrente e da sua filial McKinney em 1990 e 1991, no âmbito de um inquérito mais vasto abrangendo comportamentos contrários ao artigo 85.° do Tratado de várias refinarias, levaram a Comissão a endereçar-lhe uma primeira comunicação das acusações em 4 de Maio de 1992. Este primeiro procedimento foi arquivado em 2 de Agosto de 1995 (v. supra, n.° 3). O segundo procedimento foi instaurado em 22 de Abril de 1993, com o envio de uma segunda comunicação das acusações relativa a comportamentos contrários aos artigos 85.° e 86.° do Tratado. Em 28 de Junho de 1995, a Comissão notificou a recorrente do arquivamento da parte deste segundo processo relativa ao artigo 85.° do Tratado (v. supra, n.° 4). Em 19 de Julho de 1995, a Comissão adoptou uma decisão com base no artigo 11.° do Regulamento n.° 17 (v. supra, n.° 4). Em Janeiro de 1995, a Comissão prosseguiu as suas inspecções locais ((v. supra, n.° 5). Finalmente, em 25 de Março de 1996, a Comissão enviou à recorrente a comunicação das acusações.

280.
    Em consequência, embora o número de meses transcorridos entre o início do procedimento administrativo e o seu encerramento seja elevado, tem que se constatar que a Comissão praticou uma série de actos ao longo desse período. A recorrente não alega aliás que a Comissão não agiu durante esse período, sustentando antes que consagrou demasiado tempo às acusações ao abrigo do artigo 85.° do Tratado. Ora, os dois procedimentos instaurados contra os comportamentos contrários ao artigo 86.° do Tratado (os segundo e terceiro procedimentos) não tiveram início antes de 22 de Abril de 1993, data do envio da segunda comunicação das acusações. Menos de metade da duração total do processo administrativo foi, pois, exclusivamente consagrada ao artigo 85.° do Tratado.

281.
    Acresce que, como bem sublinha a Comissão, a recorrente não pode pretender que a atenção dada pela Comissão à análise das acusações baseadas em violação do artigo 85.° do Tratado a prejudicou, dado que todas essas acusações foram abandonadas. A recorrente teve igualmente oportunidade de se pronunciar de cada uma das vezes sobre as acusações que lhe eram feitas ao abrigo do artigo 85.° do Tratado. Em resposta a uma pergunta do Tribunal, a recorrente precisou que tinharespondido às duas primeiras comunicações das acusações em 11 de Setembro de 1992 e 1 de Setembro de 1993 e que tinha participado nas audições de 6 de Outubro de 1992 e 21 e 22 de Setembro de 1993.

282.
    No que respeita às acusações ao abrigo do artigo 86.° do Tratado, o primeiro período a ter em consideração é, assim, o que decorreu entre o envio da segunda comunicação das acusações, em 22 de Abril de 1993, e o envio da terceira comunicação das acusações, em 25 de Março de 1996, isto é, um período de 35 meses. Saliente-se, no entanto, que, no decurso deste segundo período, a recorrente teve oportunidade de responder à segunda comunicação das acusações em 1 de Setembro de 1993. Depois de ter tomado conhecimento dos argumentos da recorrente em resposta à segunda comunicação das acusações, a Comissão comunicou-lhe o arquivamento dos dois processos instaurados ao abrigo do artigo 85.° do Tratado em 28 de Junho e 2 de Agosto de 1995, e intimou-a a responder a um pedido de informação, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, em 19 de Julho de 1995. Embora as partes não estejam de acordo quanto ao interesse desta intimação, tem que se constatar que as explicações avançadas pela recorrente no quadro do presente processo não permitem concluir que a sua adopção resultou de um erro cometido pela Comissão no tratamento do caso. Deve, além disso, insistir-se, a este propósito, na complexidade factual do caso e das várias denúncias apresentadas à Comissão, facto que a recorrente não contestou. O prazo de 35 meses transcorrido entre a segunda e a terceira comunicação das acusações não é, assim, desrazoável.

283.
    O último prazo a ter em consideração é o transcorrido entre a adopção da terceira comunicação das acusações, em 25 de Março de 1996, e a adopção da decisão impugnada em 14 de Maio de 1997. Ora, no decurso deste período, em 12 de Julho de 1996, a recorrente enviou a sua resposta à comunicação das acusações (v. supra, n.° 6). Dez meses para a elaboração de uma decisão final em todas as línguas da Comunidade não constitui uma violação do princípio da observância de um prazo razoável num procedimento administrativo em matéria de política da concorrência (v. acórdão SCK e FNK/Comissão, já referido, n.° 66).

284.
    A recorrente também não pode invocar o seu próprio comportamento no decurso do procedimento administrativo para aumentar a importância da duração deste. Basta, com efeito, notar que, embora tendo reagido, de cada uma das vezes, dentro do prazo que lhe tinha sido para tal concedido, ainda não tinha posto termo, no momento em que foi adoptada a decisão impugnada, a alguns dos abusos que já tinham sido identificados na comunicação das acusações (os referidos no artigo 1.°, n.os 4, 5 e 6).

285.
    Por conseguinte, apesar da duração total do procedimento administrativo que precedeu a sua adopção, a decisão impugnada não está viciada, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso, por violação do princípio da observância de um prazo razoável. Em qualquer caso, a recorrente não pode tirar argumentos do acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido, dado que os prazos em causa nesteprocesso se referiam à duração do processo no tribunal comunitário e não apenas à duração do procedimento administrativo.

286.
    Resulta do que precede que a quarta parte do primeiro fundamento dos pedidos a título subsidiário deve ser rejeitada.

Quanto ao carácter inédito do conceito de abuso de posição dominante colectiva

287.
    A recorrente sustenta que o conceito de posição dominante colectiva ainda não tinha sido aplicado no momento em que foram adoptados os comportamentos em causa no presente processo. Os abusos a que se referem os n.os 1 a 3 do artigo 1.° da decisão impugnada teriam, com efeito, sido todos cometidos antes da adopção da Decisão 89/93/CEE da Comissão, de 7 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE (IV/31.906, vidro plano) (JO L 33, p. 44). O carácter inédito deste conceito de posição dominante colectiva devia, portanto, ter sido tomado em consideração para efeitos de fixação do montante da coima (acórdão AKZO/Comissão, já referido, n.° 163).

288.
    A recorrente acrescenta que o único ensinamento pertinente que se deve tirar do acórdão Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, é que um argumento baseado na novidade não pode ser aceite se não houver novidade. Ora, no projecto de comunicação da Comissão [COM(96)649 final], de 10 de Dezembro de 1996, sobre a aplicação das regras da concorrência aos acordos de acesso no sector das telecomunicações, esta última afirmou que «As circunstâncias em que se verifica uma posição dominante conjunta e em que se regista um abuso da mesma não foram ainda plenamente clarificadas pela jurisprudência dos tribunais comunitários ou pela prática da Comissão, estando o direito ainda em plena evolução neste domínio».

289.
    A Comissão rejeita o argumento da recorrente, alegando, nomeadamente, que a decisão impugnada assenta, a título principal, na constatação de uma posição dominante individual da recorrente e, só a título subsidiário, na constatação de uma posição dominante colectiva.

290.
    Deve recordar-se liminarmente que a leitura da decisão impugnada proposta pela Comissão na contestação não pode ser aceite ((v. supra, n.os 25 a 31).

291.
    A seguir, é jurisprudência constante que, se se pode ter em conta, na fixação do montante da coima, o facto de as infracções relevarem de um domínio do direito em que as regras da concorrência nunca foram explicitadas (acórdão AKZO/Comissão, já referido, n.° 163), vários elementos indicam, no entanto, que a recorrente não pode, no presente caso, invocar um pretenso carácter inédito do conceito de posição dominante colectiva.

292.
    Com efeito, se no momento em que a recorrente e a SDL adoptaram os vários comportamentos constitutivos de exploração abusiva da sua posição dominante colectiva, ou seja, entre 1986 e 1988 (artigo 1.°, n.os 1 a 3), esse conceito ainda não tinha sido consagrado em direito da concorrência - a Decisão 89/93, já referida, data de 7 de Dezembro de 1993 e o projecto de comunicação da Comissão [COM(96)649 final], já referido, de que a recorrente cita um extracto, data de 10 de Dezembro de 1996 - forçoso é constatar, porém, que o objectivo das práticas abusivas imputadas à recorrente e à SDL relativamente ao período anterior a Fevereiro de 1990, isto é, proteger a sua posição no mercado e impedir as importações de açúcar na Irlanda, não apresenta qualquer carácter de novidade em direito da concorrência (v., neste sentido, o acórdão Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, já referido, n.° 248).

293.
    Além disso, como bem observa a Comissão, o conteúdo da nota de 21 de Novembro de 1988 ((v. supra, n.° 64) indica claramente que, além de a recorrente conhecer a dimensão da sua posição e da da SDL nos dois mercados em causa, tanto a recorrente como a SDL estavam conscientes dos laços económicos estreitos que as ligavam e da possibilidade de coordenarem o respectivo comportamento no mercado.

294.
    Nestas circunstâncias, há que considerar que a Comissão não infringiu o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, ao não ter em conta o pretenso carácter inédito do conceito de posição dominante colectiva como circunstância atenuante no momento da fixação do montante da coima. Deve, pois, ser rejeitada a quinta parte deste primeiro fundamento dos pedidos a título subsidiário.

2. Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17

295.
    No artigo 3.° da decisão impugnada, a Comissão ordena à recorrente que ponha termo às infracções descritas no artigo 1.°, n.os 4, 5 e 6, se ainda o não tiver feito, e que se abstenha, de futuro, de qualquer acto ou comportamento dessa natureza.

296.
    A recorrente alega, por um lado, que a imposição de abstenção de concessão de descontos ligados a objectivos aos compradores de açúcar a retalho, tal como foi formulada no artigo 3.°, quarto parágrafo, primeiro período, da decisão impugnada, infringe o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, posto que tem um alcance maior do que o da infracção a que se liga e que é descrita no artigo 1.°, n.° 6, alínea i), da decisão impugnada. Com efeito, a Comissão ter-se-ia abstido de fazer referência ao efeito vinculante desses descontos e o artigo 1.°, n.° 6, alínea i), só visaria os descontos por objectivos que tinham tido precisamente como efeito vincular à recorrente os agrupamentos de grossistas. As explicações dadas pela Comissão basear-se-iam numa errónea interpretação do artigo 3.°, segundo parágrafo, da decisão impugnada.

297.
    Por outro lado, a recorrente afirma que a imposição de abolição de outros descontos, tal como é formulada no artigo 3.°, terceiro parágrafo, primeiro período, infringe igualmente o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, visto que incide, na realidade sobre o sistema dos descontos suplementares cujo carácter abusivo não foi declarado formalmente na parte em causa da decisão impugnada, ou seja, no artigo 1.°, n.° 5, que se limita a condenar a aplicação efectiva de preços discriminatórios em relação às empresas de embalagem de açúcar concorrentes da recorrente no mercado do açúcar destinado à venda a retalho. Seria pouco relevante, a este propósito, que esta passagem do dispositivo da decisão se baseie no ponto 145 ou 149 dos considerandos da decisão impugnada. A Comissão imporia à recorrente que renunciasse a todos os outros descontos, ainda que não sejam discriminatórios, pelo facto de não serem função da quantidade de açúcar ou do custo da operação, o que iria além do descrito no n.° 5 do artigo 1.° da decisão impugnada.

298.
    Deve recordar-se que a aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 deve ser feita em função da natureza da infracção verificada e pode igualmente compreender a obrigação de efectuar determinadas acções ou prestações, ilicitamente omitidas, para além da proibição de continuar determinadas actividades, práticas ou situações, contrárias ao Tratado (acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, já referido, n.° 45). A proibição só pode referir-se a práticas incompatíveis com o disposto no Tratado CE (acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 8 de Junho de 1995, Schöller/Comissão, T-9/93, Colect., p. II-1611, n.° 159).

299.
    Ora, o artigo 3.° da decisão impugnada comporta uma sequência lógica de injunções destinadas a impedir a reprodução de actos incompatíveis com o artigo 86.° do Tratado, que vão do geral ao particular e do presente ao futuro.

300.
    Assim, o primeiro parágrafo impõe à recorrente que ponha imediatamente termo a todas as infracções ainda em curso no momento em que é tomada a decisão impugnada, ou sejam, as descritas nos n.os 4, 5 e 6 do artigo 1.° É perfeitamente conforme às exigências impostas, nesta matéria, pela jurisprudência, facto que a recorrente não contesta.

301.
    O segundo parágrafo proíbe à recorrente que persevere em todas essas infracções de futuro ou que adopte medidas de efeito equivalente. É igualmente conforme às imposições da jurisprudência, porque só diz respeito a comportamentos incompatíveis com o Tratado.

302.
    O terceiro parágrafo explicita, para o futuro, a injunção constante do segundo parágrafo, no que diz mais particularmente respeito aos descontos discriminatórios, ou seja, aos descontos à exportação e aos descontos discriminatórios em relação às empresas de embalagem de açúcar concorrentes. Esta explicitação da injunção geral para o futuro, formulada no segundo parágrafo, visa, portanto,especificamente as infracções descritas nos n.os 4 e 5 do artigo 1.° Também só diz respeito ao mercado industrial.

303.
    O quarto parágrafo explicita a injunção geral, para o futuro, formulada no segundo parágrafo, no que se refere mais especificamente aos descontos selectivos aos clientes das empresas de embalagem de açúcar concorrentes e à concessão de descontos por objectivos aos compradores de açúcar destinado à venda a retalho. Esta explicitação da injunção geral para o futuro visa, pois, especificamente a infracção descrita no artigo 1.°, n.° 6, cujas alíneas i) e ii) se referem aos casos concretos examinados na decisão impugnada. Além disso, só diz respeito ao mercado do açúcar destinado à venda a retalho, ao contrário do que acontece com a explicitação constante do terceiro parágrafo.

304.
    Este encadeamento lógico dos segundo, terceiro e quarto parágrafos do artigo 3.° da decisão impugnada resulta da utilização dos termos «Em especial» no início do terceiro parágrafo e «igualmente» no início do quarto parágrafo. A legalidade do segundo parágrafo estende-se logicamente aos terceiro e quarto parágrafos, visto que estes últimos são uma mera explicitação dessa injunção geral.

305.
    Do exposto resulta que a pretensa falta de concordância alegada pela recorrente, entre o artigo 1.°, n.os 4, 5 e 6 e o artigo 3.° da decisão impugnada não se prova de facto. Não se verifica, pois, qualquer violação do disposto no n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 17.

306.
    Resulta do que precede que o segundo fundamento dos pedidos a título subsidiário deve igualmente ser rejeitado.

307.
    Como só a segunda parte do primeiro fundamento dos pedidos a título subsidiário do recurso merece acolhimento ((v. supra, n.os 258 a 261), o Tribunal, no exercício da sua competência de plena jurisdição, reduzirá o montante da coima, formulado em euros, por aplicação do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1103/97 do Conselho, de 17 de Junho de 1997, relativo a certas disposições respeitantes à introdução do euro (JO L 162, p. 1), a 7 883 326 euros.

Quanto às despesas

308.
    Por força do disposto no n.° 3 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Dado que o recurso só foi acolhido parcialmente, o Tribunal, fará uma justa apreciação das circunstâncias da causa, decidindo que a recorrente suporte as suas próprias despesas e dois terços das despesas da Comissão e que esta deve suportar o terço restante das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),

decide:

1.
    O artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada é anulado, na parte em que declara que, entre 1986 e 1988, a recorrente concedeu preços selectivamente baixos aos clientes de um importador de açúcar francês.

2.
    O montante da coima aplicada à recorrente pelo artigo 2.° da decisão impugnada é reduzido para 7 883 326 euros.

3.
    Nega-se provimento ao recurso quanto ao mais.

4.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas e dois terços das despesas da Comissão.

5.
    A Comissão suportará um terço das suas próprias despesas.

Jaeger
Lenaerts
Azizi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Outubro de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts

Índice

     Factos subjacentes ao recurso

II - 2

     Tramitação processual

II - 3

     Pedidos das partes

II - 4

     Quanto aos pedidos principais

II - 4

         1. Quanto à existência de uma posição dominante colectiva da recorrente e da SDL

II - 4

             Quanto ao carácter incompleto e contraditório da decisão impugnada

II - 5

             Quanto à modificação da natureza intrínseca das infracções imputadas à recorrente

II - 9

             Quanto à qualificação como posição dominante colectiva

II - 11

         2. Quanto à existência de uma posição dominante da recorrente no mercado do açúcar industrial

II - 22

             Quanto à alegada falta de independência da recorrente em relação aos concorrentes

II - 23

             Quanto à pretensa falta de independência da recorrente face aos seus clientes

II - 27

         3. Quanto aos abusos de posição dominante da recorrente nos mercados do açúcar industrial e do açúcar destinado à venda a retalho

II - 30

             Quanto às práticas ligadas à fixação dos preços pela recorrente

II - 33

                 No mercado do açúcar industrial

II - 33

                     - Aplicação de preços selectivamente baixos aos clientes potenciais da ASI

II - 34

                     - DFP

II - 35

                     - Aplicação de preços discriminatórios às empresas de embalagem de açúcar concorrentes

II - 41

                 Quanto ao mercado do açúcar destinado à venda a retalho

II - 48

                     - Descontos fronteiriços

II - 48

                     - Desconto de fidelidade

II - 54

                     - Descontos ligados a objectivos e preços selectivos

II - 56

             Quanto às trocas de produtos no mercado do açúcar destinado à venda a retalho

II - 63

     Quanto aos pedidos a título subsidiário

II - 65

         1. Quanto ao primeiro fundamento, baseado em violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

II - 65

             Quanto ao carácter excessivo da coima aplicada

II - 66

             Quanto à alegada sanção de infracções não devidamente provadas

II - 70

             Quanto à condução, pela recorrente, de uma política de práticas abusivas constante e global desde 1985

II - 72

             Quanto à falta de diligência da Comissão no tratamento do caso

II - 73

             Quanto ao carácter inédito do conceito de abuso de posição dominante colectiva

II - 76

         2. Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17

II - 78


1: Língua do processo: inglês.


2: -     Dados confidenciais, não divulgados.