Language of document : ECLI:EU:C:2023:1030

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu — Artigo 4.o‑A, n.o 1 — Procedimentos de entrega entre os Estados‑Membros — Requisitos de execução — Motivos de não execução facultativa — Exceções — Execução obrigatória — Pena proferida à revelia — Conceito de “julgamento que conduziu à decisão” — Interessado que não esteve presente no julgamento nem em primeira instância nem em sede de recurso — Regulamentação nacional que prevê uma proibição absoluta de entrega do interessado quando uma decisão seja proferida à revelia — Obrigação de interpretação conforme»

No processo C‑397/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha), por Decisão de 14 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de junho de 2022, no processo relativo à execução do mandado de detenção europeu emitido contra

LM

sendo interveniente:

Generalstaatsanwaltschaft Berlin,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: F. Biltgen (relator), presidente de secção, N. Wahl e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller, P. Busche, M. Hellmann e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e H. Leupold, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo relativo à execução, na Alemanha, de um mandado de detenção europeu emitido contra um nacional polaco com vista à execução, na Polónia, de uma pena privativa de liberdade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.o da Decisão‑Quadro 2002/584, sob a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro [de uma] pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [UE].»

4        O artigo 4.o‑A, n.o 1, desta decisão‑quadro, sob a epígrafe «Decisões proferidas na sequência de um julgamento no qual o arguido não tenha estado presente», tem a seguinte redação:

«A autoridade judiciária de execução pode também recusar a execução do mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão, a menos que do mandado de detenção europeu conste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos no direito nacional do Estado‑Membro de emissão:

a)      Foi atempadamente

i)      notificada pessoalmente e desse modo informada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto,

e

ii)      informada de que essa decisão podia ser proferida mesmo não estando presente no julgamento;

[…]»

 Direito alemão

5        O § 83, n.o 1, ponto 3, da Gesetz über die internationale Rechtshilfe in Strafsachen (Lei relativa à Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), de 23 de dezembro de 1982 (BGBl.1982 I, p. 2071), na sua versão publicada em 27 de junho de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 1537) (a seguir «IRG»), prevê:

«A extradição é excluída quando:

[…]

3.      no caso de pedido para efeitos de execução de uma pena, o condenado não tiver estado presente na audiência de julgamento que conduziu à condenação […]»

 Direito polaco

6        O artigo 139.o, n.o 1, do Kodeks postępowania karnego (Código de Processo Penal) prevê, em substância, a possibilidade de efetuar uma notificação para o endereço conhecido da pessoa que não comunicou o seu novo endereço.

7        Por força do artigo 75.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, a pessoa em causa é obrigada a comunicar o seu novo endereço em caso de alteração do domicílio no decurso de um processo penal.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        Foi submetido ao Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha), órgão jurisdicional de reenvio, pelas autoridades polacas, um pedido destinado à execução de um mandado de detenção europeu emitido em 26 de julho de 2021 contra um nacional polaco pelo Sąd Okręgowy w Poznaniu (Tribunal Regional de Poznań, Polónia). Esse mandado de detenção europeu é relativo à detenção e entrega do interessado às referidas autoridades para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade de seis meses proferida pelo Sąd Rejonowy w Pile (Tribunal de Primeira Instância de Piła, Polónia), por Sentença de 25 de fevereiro de 2020, dos quais 5 meses e 29 dias restam por executar.

9        Por Acórdão de 16 de junho de 2020, o Sąd Okręgowy w Poznaniu (Tribunal Regional de Poznań) negou provimento ao recurso interposto pelo interessado desse acórdão sem proceder a um exame quanto ao mérito do processo.

10      É facto assente que o interessado não compareceu no processo contra si instaurado, nem em primeira instância nem em sede de recurso, e deixou de ser representado por um advogado.

11      O interessado recebeu a citação para comparecer em primeira instância e os fundamentos do acórdão de primeira instância no endereço que tinha indicado como sendo a sua morada permanente às autoridades polacas competentes aquando da sua detenção. Em contrapartida, a citação para comparecer em sede de recurso, enviada para o mesmo endereço, foi recebida não pelo interessado, que tinha interposto recurso, mas pela sua companheira, que reside também no referido endereço. As autoridades polacas não conseguiram provar que esta tinha sido efetivamente entregue ao interessado.

12      Em 25 de agosto de 2021, o interessado foi detido em Berlim (Alemanha) e colocado em prisão preventiva com base no mandado de detenção europeu em causa no processo principal. Declarou então às autoridades polacas não consentir num processo de entrega simplificado.

13      Em 1 de setembro de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio ordenou que o interessado fosse detido com vista à sua entrega às autoridades polacas.

14      Depois de ter obtido, junto da autoridade judiciária de emissão em causa, precisões sobre as circunstâncias exatas em que o interessado tinha sido convocado, a Generalstaatsanwaltschaft Berlin (Procuradoria‑Geral de Berlim, Alemanha) libertou o interessado e pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que anulasse o mandado de detenção emitido para efeitos da extradição e declarasse ilícita a entrega do interessado pelo facto de o § 83, n.o 1, ponto 3, da IRG, que transpõe para o direito alemão o artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, constituir um obstáculo a tal entrega.

15      Por Despacho de 24 de setembro de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio revogou o mandado de detenção europeu emitido para efeitos de extradição do interessado, que já tinha sido libertado. Embora considerasse que o requisito da dupla incriminação do ato, ao qual está subordinada tal entrega e que consiste em verificar se os factos imputados constituem uma infração em ambos os Estados‑Membros que cooperam, estava preenchido no caso em apreço, decidiu suspender a decisão quanto ao pedido de que a entrega do interessado fosse declarada ilícita.

16      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se o facto de a citação para comparecer em sede de recurso, dirigida ao interessado, ter sido recebida pela companheira deste cumpre os requisitos previstos no artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea a), i), da Decisão‑Quadro 2002/584.

17      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que é demasiado restritiva a jurisprudência do Tribunal de Justiça decorrente do Acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki (C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346), segundo a qual a entrega de uma citação para comparecer efetuada a um adulto que coabita com o interessado só é suficiente se for possível o mandado de detenção europeu emitido permitir garantir que e, em caso afirmativo, quando esse coabitante adulto entregou efetivamente a notificação ao interessado. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, há que ao invés presumir que, regra geral, os membros adultos de um mesmo agregado entregam entre si o que lhes é respetivamente destinado e que as autoridades responsáveis pela aplicação da lei, que ignoram os acontecimentos internos do agregado em questão, não podem, deste modo, provar que a citação para comparecer foi efetivamente entregue ao interessado. Não efetuando esta presunção, o obstáculo a tal entrega, que constitui uma condenação à revelia, seria «inultrapassável».

18      O órgão jurisdicional de reenvio considera assim que se deve considerar que foi feita prova de que o interessado tomou efetivamente conhecimento da citação para comparecer que lhe foi notificada quando esta citação tenha sido entregue a um adulto que coabita com o interessado, a menos que este último demonstre o contrário de forma plausível.

19      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o conceito de «julgamento que conduziu à decisão», que figura no artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, deve ser interpretado no sentido de que visa o processo anterior à decisão de primeira instância se for negado provimento ao recurso interposto pelo interessado sem que tenha sido efetuado um exame quanto ao mérito.

20      O órgão jurisdicional de reenvio recorda a jurisprudência do Tribunal de Justiça decorrente do Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas (C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628), segundo a qual, em caso de processo penal de várias instâncias, este conceito visa o processo no âmbito do qual foi proferida decisão definitiva sobre a culpabilidade do interessado e sobre a condenação deste último numa pena na sequência de um novo exame, de facto e de direito, do processo quanto ao mérito, ou seja, da última instância quanto ao mérito.

21      O órgão jurisdicional de reenvio deduz daqui que, no caso em apreço, é o processo no órgão jurisdicional que decide em sede de recurso, no qual o interessado não participou, que é determinante para efeitos da aplicação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 e que, na medida em que o interessado não compareceu no âmbito deste último processo, há que declarar ilícita a sua entrega e recusar a execução do mandado de detenção europeu em causa no processo principal.

22      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à aplicabilidade da jurisprudência decorrente desse acórdão numa situação como a que está em causa no processo principal, na qual o interessado não compareceu na audiência no âmbito do processo de recurso.

23      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera, por um lado, que o conceito de «julgamento», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, só abrange os processos que dão lugar a um exame do processo quanto ao mérito. Ora, existem divergências na organização processual do recurso nos diferentes Estados‑Membros, nomeadamente quanto à obrigação, para o juiz nacional, de proceder a esse exame em caso de não comparência do interessado.

24      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, embora tenha sido negado provimento ao recurso sem que tivesse sido feito um exame quanto ao mérito, a sentença proferida em primeira instância adquire força de caso julgado e é, por conseguinte, executória, o que implica que a entrega do interessado é, na verdade, pedida para efeitos da execução dessa sentença. Daqui deduz que o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «julgamento», na aceção desta disposição, visa a decisão a executar.

25      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se o princípio do primado do direito da União se opõe a uma regulamentação nacional, como a do § 83, n.o 1, ponto 3, da IRG, que estabelece a condenação à revelia como «obstáculo absoluto» à entrega de pessoa objeto de um mandado de detenção europeu quando o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, que esta regulamentação nacional transpõe para o direito alemão, só prevê, a este respeito, um motivo facultativo de recusa.

26      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta última disposição não foi plenamente transposta para o direito alemão, uma vez que o § 83, n.o 1, ponto 3, da IRG não prevê a possibilidade de uma autoridade judiciária de execução exercer um poder de apreciação em caso de condenação à revelia.

27      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 69, 72, 73 e 76), o Tribunal de Justiça declarou que, embora a aplicação direta da Decisão‑Quadro 2002/584 esteja excluída, sendo esta última desprovida de efeito direto, não é menos verdade que uma autoridade judiciária de execução é obrigada a interpretar o direito nacional em conformidade com a referida decisão‑quadro a fim de alcançar o resultado prosseguido pela mesma, não sendo, no entanto, possível uma interpretação contra legem deste direito.

28      O órgão jurisdicional de reenvio considera que não está em condições de interpretar o § 83, n.o 1, ponto 3, da IRG no sentido de que lhe confere, no âmbito do exame do obstáculo à entrega do interessado, uma margem de apreciação que lhe permite declarar lícita esta entrega apesar das exceções previstas nos n.os 2 e 4 deste artigo. Entende que, em aplicação do artigo 4.o‑A, n.o 1, alíneas a) a d), da Decisão‑Quadro 2002/584 e da margem de apreciação que supostamente dispõe a este respeito, deve poder considerar que, atendendo às circunstâncias do presente processo, o direito de ser ouvido do interessado foi devidamente cumprido ainda que não tenha comparecido no âmbito do processo de recurso e que a entrega deste último é, por conseguinte, lícita.

29      Nestas circunstâncias, o Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve considerar‑se que, em caso de notificação da citação a um cidadão maior que coabita com o interessado, o artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea a), i), da [Decisão‑Quadro 2002/584], deve ser interpretado no sentido de que a autoridade judiciária de emissão deve fazer prova de que o interessado recebeu efetivamente a citação, ou deve [esta disposição] ser interpretad[a] no sentido de que a notificação da citação ao cidadão maior que coabita com o interessado faz prova de que este foi efetivamente notificado, se não demonstrar de modo plausível que não teve conhecimento da citação e a razão dessa falta de conhecimento?

2.      Nos processos de recurso, deve o conceito de “julgamento”, na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da [Decisão‑Quadro 2002/584], ser interpretado no sentido de que abrange o julgamento que precede a decisão em primeira instância se só o arguido tiver interposto recurso e tiver sido negado provimento a este [sem que tenha sido efetuado um exame quanto ao mérito]?

3.      É compatível com o [princípio do] primado do direito da União que o legislador alemão, no § 83, n.o 1, ponto 3, da [IRG], tenha previsto que a condenação [à revelia] constitui um obstáculo absoluto à entrega, apesar de o artigo 4.o‑A, n.o 1, da [Decisão‑Quadro 2002/584], prever que nesse caso apenas se verifica um motivo facultativo de recusa?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

30      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea a), i), da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma citação para comparecer seja notificada ao interessado através da entrega desta a um adulto que com aquele coabita, se deve considerar que o interessado teve efetivamente conhecimento desta citação, a menos que este demonstre de modo plausível o contrário, ou se cabe à autoridade judiciária de emissão em causa fazer prova de que o interessado recebeu efetivamente a referida citação para comparecer.

31      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de uma citação para comparecer ter sido entregue a um terceiro que se compromete a entregá‑la ao interessado não permite demonstrar de forma inequívoca que o interessado recebeu efetivamente a informação relativa à data e ao local do seu julgamento nem, sendo caso disso, o momento preciso dessa receção (Acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 47).

32      Assim, não preenche, por si só, os requisitos enunciados no artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea a), i), da Decisão‑Quadro 2002/584 uma citação para comparecer que não foi efetuada diretamente ao interessado, mas entregue, no endereço deste último, a um adulto membro do seu agregado familiar, que se comprometeu a entregar‑lha, sem que o mandado de detenção europeu emitido permita garantir se e, em caso afirmativo, quando esse adulto entregou efetivamente a notificação ao interessado (Acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 54).

33      O órgão jurisdicional de reenvio entende ser adequado afastar‑se da jurisprudência resultante deste último acórdão, que considera demasiado restritiva. Alega que será antes necessário instituir uma presunção, relativa ao facto de o adulto pertencente ao agregado familiar do interessado ter efetivamente entregado a este último a citação para comparecer que lhe é dirigida, que pode ser ilidida caso o interessado demonstre que, na verdade, não foi o caso. Não efetuando esta presunção, o obstáculo a tal entrega ao interessado, que constitui uma condenação à revelia, seria, na sua opinião, «inultrapassável».

34      Importa observar que esta presunção é contrária ao objetivo do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, que é o de proteger o citado a comparecer assegurando que este dispõe da informação relativa à data e ao local do seu julgamento. Ora, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que, para alcançar esse objetivo, deve provar‑se de forma inequívoca que esse terceiro entregou efetivamente a notificação ao interessado (Acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.os 46 e 48).

35      Em todo o caso, a jurisprudência decorrente do referido acórdão não pode ser considerada demasiado restritiva.

36      Com efeito, resulta desta jurisprudência que uma citação para comparecer entregue a um adulto que é membro do agregado familiar do interessado, que se compromete a entregar essa notificação a este último, só cumpre os requisitos indicados no artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea a), i), da Decisão‑Quadro 2002/584 quando o mandado de detenção europeu emitido permite garantir se e, em caso afirmativo, quando esse adulto entregou efetivamente a referida notificação ao interessado.

37      Assim, cabe à autoridade judiciária de emissão indicar, no mandado de detenção europeu emitido, os elementos com base nos quais concluiu que o interessado recebeu oficial e efetivamente as informações relativas à data e ao local do seu julgamento (Acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.os 46 e 49).

38      Além disso, o Tribunal de Justiça admitiu que, quando uma autoridade judiciária de execução garanta que estão preenchidos os requisitos do artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea a), da Decisão‑Quadro 2002/584, também se pode basear noutras circunstâncias que lhe permitam assegurar‑se de que a entrega da citação para comparecer ao interessado não implica uma violação dos seus direitos de defesa, nomeadamente o comportamento demonstrado pelo interessado. Com efeito, é nessa fase do processo de entrega que pode ser prestada especial atenção a uma eventual falta manifesta de diligência por parte do interessado, designadamente quando se verifica que procurou escapar à notificação da informação que lhe era dirigida (Acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.os 50 e 51).

39      Daqui decorre que a circunstância de o interessado não ter recebido pessoalmente a citação para comparecer não constitui um «obstáculo absoluto» à execução do mandado de detenção europeu emitido contra si. Aliás, não se pode excluir que uma autoridade judiciária de execução chegue, com base nas informações fornecidas pela autoridade judiciária de emissão em causa no mandado de detenção europeu emitido contra o interessado, à conclusão de que essa citação cumpre, em todo o caso, os requisitos previstos no artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 ou ainda que, tendo em conta as circunstâncias que caracterizam o respetivo processo, os direitos de defesa do interessado tenham, apesar deste facto, sido devidamente respeitados e que a entrega do interessado seja, por isso, lícita.

40      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea a), i), da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma citação para comparecer seja notificada ao interessado através da entrega desta a um adulto que com aquele coabita, cabe à autoridade judiciária de emissão em causa fazer prova de que o interessado recebeu efetivamente a referida citação para comparecer.

 Quanto à segunda questão

41      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «julgamento que conduziu à decisão» que figura nesta disposição visa o julgamento que conduziu à decisão de primeira instância quando tenha sido negado provimento ao recurso interposto pelo interessado sem que tenha sido realizado um exame quanto ao mérito.

42      Por outras palavras, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, quando, como no presente processo, o interessado não compareceu no âmbito do processo de recurso que resultou numa sentença que confirma a decisão proferida em primeira instância, sem que o processo tenha sido reapreciado quanto ao mérito, esse julgamento é abrangido pelo conceito de «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584.

43      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, deve ser entendido como um conceito autónomo do direito da União e interpretado de maneira uniforme no seu território, independentemente das qualificações nos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 67, e de 22 de dezembro de 2017, Ardic, C‑571/17 PPU, EU:C:2017:1026, n.o 63).

44      Este conceito de julgamento que conduziu à decisão deve ser entendido no sentido de que designa o processo que condenou definitivamente a pessoa cuja entrega é solicitada no quadro da execução de um mandado de detenção europeu [Acórdãos de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 74, e de 23 de março de 2023, Minister for Justice and Equality (Revogação da suspensão), C‑514/21 e C‑515/21, EU:C:2023:235, n.o 52].

45      Com efeito, é a decisão judicial que se pronuncia definitivamente sobre o mérito da causa, no sentido de que já não é suscetível de recurso ordinário, que é determinante para o interessado, uma vez que afeta diretamente a sua situação pessoal atendendo à declaração de culpabilidade, bem como, eventualmente, à fixação da pena privativa de liberdade que deverá cumprir (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 83).

46      Por conseguinte, é ao nível desta etapa processual que a pessoa em causa deve poder exercer plenamente os seus direitos de defesa a fim de fazer valer, de maneira efetiva, o seu ponto de vista e de influenciar assim a decisão final que é suscetível de o privar da sua liberdade individual. O resultado a que esse processo conduz é desprovido de pertinência neste contexto (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 84).

47      No que se refere, mais concretamente, a uma situação, como a que está em causa no processo principal, em que o processo decorreu em duas instâncias sucessivas, a saber, uma primeira instância seguida de um processo de recurso, o Tribunal de Justiça declarou que só a instância que conduziu à decisão proferida na fase de recurso é, deste modo, pertinente para efeitos da aplicação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, desde que tal instância tenha conduzido a uma decisão que já não é suscetível de recurso ordinário e que, portanto, conhece definitivamente do mérito (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 90).

48      Daqui decorre que o elemento determinante para efeitos da qualificação de um processo no sentido de ser abrangido pelo conceito de «julgamento que conduziu à decisão», na aceção do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, é o facto de esse processo resultar numa sentença que constitui uma condenação definitiva e que, por consequência, resolve definitivamente o processo quanto ao mérito.

49      Há que constatar que um processo de recurso como o que está em causa no processo principal, que deu lugar a uma sentença que confirma a decisão proferida em primeira instância, sem que tenha sido realizado um exame quanto ao mérito, é abrangido por este conceito na medida em que resolve definitivamente o processo em causa, o que cabe, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

50      Com efeito, o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 visa garantir um nível de proteção elevado e permitir à autoridade judiciária de execução em causa proceder à entrega do interessado apesar de não ter estado presente no julgamento que conduziu à sua condenação, respeitando plenamente os seus direitos de defesa (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 58).

51      Ora, se um processo de recurso, que se desenrolou na ausência do interessado, devesse escapar ao âmbito de aplicação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, pelo facto de não incluir um exame quanto ao mérito do processo, tal teria como consequência que o processo relevante para efeitos da aplicação desta disposição fosse o processo de primeira instância e o respeito dos direitos de defesa do interessado apenas poderia ser verificado à luz desse processo.

52      Essa situação não pode ser admitida, uma vez que, como declarou o Tribunal de Justiça, quando estão previstas duas instâncias, a circunstância de o interessado ter podido efetivamente exercer os seus direitos de defesa em primeira instância não permite concluir que o tenha podido fazer em sede de recurso, quando este decorreu na sua ausência (v., neste sentido, Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 80). Além disso, a circunstância de um condenado em primeira instância interpor recurso para defender os seus direitos não pode ter como efeito reduzir a proteção que lhe é conferida pela Decisão‑Quadro 2002/584.

53      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «julgamento que conduziu à decisão», que figura nesta disposição, visa um processo de recurso que deu lugar a um acórdão que confirma a decisão proferida em primeira instância e resolve assim definitivamente o processo. A circunstância de esse processo de recurso ter decorrido sem que fosse realizado um exame quanto ao mérito não é a este respeito pertinente.

 Quanto à terceira questão

54      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se o princípio do primado do direito da União se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que transpôs o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, que, no geral, exclui a possibilidade de uma autoridade judiciária de execução executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena quando o interessado não tenha comparecido pessoalmente no âmbito do processo que levou à decisão em causa.

55      A este respeito, importa recordar que a Decisão‑Quadro 2002/584 consagra, no seu artigo 1.o, n.o 2, a regra segundo a qual os Estados‑Membros são obrigados a executar todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro. Salvo em circunstâncias excecionais, as autoridades judiciárias de execução só podem, deste modo, recusar a execução de tal mandado nas situações, taxativamente indicadas, previstas na referida decisão‑quadro. A execução de um mandado de detenção europeu apenas pode estar subordinada a uma das condições taxativamente aí previstas. Consequentemente, enquanto a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa da sua execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 50).

56      Assim, a Decisão‑Quadro 2002/584 enuncia explicitamente, por um lado, os motivos obrigatórios (artigo 3.o desta decisão‑quadro) e, por outro, os motivos facultativos (artigos 4.o e 4.o‑A da referida decisão‑quadro) de não execução do mandado de detenção europeu. Em particular, o 4.o‑A da mesma decisão‑quadro limita a possibilidade de recusar executar um mandado de detenção europeu enumerando, de maneira precisa e uniforme, as condições em que o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida na sequência de um julgamento em que a pessoa em causa não tenha estado presente não podem ser recusados (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 53).

57      Resulta da redação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 que esta disposição prevê um motivo facultativo de não execução do mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que resultou na sua condenação. Não obstante, esta faculdade tem quatro exceções, enunciadas, respetivamente, nas alíneas a) a d) desta disposição, que privam a autoridade judiciária de execução em causa da possibilidade de recusar a execução do mandado de detenção europeu que lhe foi dirigido (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 40).

58      Por conseguinte, a autoridade judiciária de execução dispõe da faculdade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão em causa, salvo se o mandado de detenção europeu indicar que as condições enunciadas, respetivamente, nas alíneas a) a d) do artigo 4.o‑A, n.o 1, estão preenchidas (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 54).

59      Daqui resulta que a autoridade judiciária de execução tem de proceder à execução de um mandado de detenção europeu, não obstante a ausência do interessado no processo que conduziu à decisão em causa, quando a existência de uma das circunstâncias referidas, respetivamente, nas alíneas a) a d) do artigo 4.o‑A, n.o 1, desta decisão‑quadro tiver sido demonstrada (Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas, C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 55).

60      O Tribunal de Justiça teve ocasião de especificar que, na medida em que este artigo 4.o‑A prevê um caso de não execução facultativa de um mandado de detenção europeu, uma autoridade judiciária de execução pode, em todo o caso, mesmo depois de ter constatado que as circunstâncias referidas no número anterior do presente acórdão não abrangem a situação da pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu, ter em conta outras circunstâncias que lhe permitam garantir que a entrega do interessado não implica uma violação dos direitos de defesa deste último (v., neste sentido, Acórdão de 10 de agosto de 2017, Zdziaszek, C‑271/17 PPU, EU:C:2017:629, n.o 107, e de 17 de dezembro de 2020, Generalstaatsanwaltschaft Hamburg, C‑416/20 PPU, EU:C:2020:1042, n.o 51 e jurisprudência referida).

61      No âmbito dessa apreciação, a autoridade judiciária de execução poderá, assim, tomar em consideração o comportamento demonstrado pelo interessado. Com efeito, é nessa fase do procedimento de entrega que pode ser prestada especial atenção, nomeadamente, ao facto de o interessado ter procurado escapar à notificação da informação que lhe foi dirigida (Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Generalstaatsanwaltschaft Hamburg, C‑416/20 PPU, EU:C:2020:1042, n.o 52 e jurisprudência referida).

62      Daqui decorre que, quando verifica que uma das condições previstas no artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 está preenchida, uma autoridade judiciária de execução não pode ser impedida de se certificar de que os direitos de defesa da pessoa em causa foram respeitados, tomando devidamente em consideração, a este respeito, todas as circunstâncias que caracterizam o processo que lhe cabe apreciar, incluindo as informações de que ela própria eventualmente disponha.

63      No caso em apreço, decorre das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a regulamentação alemã em causa no processo principal obriga, de forma geral, a autoridade judiciária de execução em causa a recusar executar o mandado de detenção europeu em caso de condenação à revelia. Esta regulamentação não deixa à referida autoridade judiciária de execução nenhuma margem de apreciação para efeitos da verificação da existência de uma das situações indicadas, respetivamente, nas alíneas a) a d) do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, com base nas circunstâncias do presente processo, se se puder considerar que os direitos de defesa do interessado foram respeitados e, por conseguinte, para decidir executar o mandado de detenção europeu em causa.

64      Nestas condições, há que observar que tal regulamentação nacional é contrária ao artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584.

65      Há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que o princípio do primado do direito da União deve ser interpretado no sentido de que não impõe a um órgão jurisdicional nacional que não aplique uma disposição do direito nacional incompatível com as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584, sendo esta desprovida de efeito direto. No entanto, as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais, estão obrigadas a proceder, tanto quanto possível, a uma interpretação conforme do seu direito nacional que lhes permita assegurar um resultado compatível com a finalidade prosseguida por esta decisão‑quadro (Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 109).

66      Efetivamente, embora as decisões‑quadro não possam produzir efeito direto, o seu caráter vinculativo cria, não obstante, para as autoridades nacionais uma obrigação de interpretação conforme do seu direito interno a partir do termo do prazo de transposição destas decisões‑quadro. Quando aplicam o direito nacional, essas autoridades estão, deste modo, obrigadas a interpretá‑lo, tanto quanto possível, à luz da letra e da finalidade da decisão‑quadro em causa, a fim de alcançar o resultado por ela prosseguido, excluindo‑se, contudo, uma interpretação contra legem do direito nacional. Assim, o princípio da interpretação conforme exige que se tome em consideração o direito interno no seu todo e se apliquem métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da decisão‑quadro em causa e alcançar uma solução conforme com o objetivo por ela prosseguido (Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 72 a 77).

67      Daqui decorre que incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio, tomando em consideração todo o seu direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, interpretar a regulamentação nacional em causa no processo principal, tanto quanto possível, à luz da letra e da finalidade da Decisão‑Quadro 2002/584.

68      Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que transpôs esta disposição que, de forma geral, exclui a possibilidade de uma autoridade judiciária de execução executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena quando a pessoa não tiver comparecido pessoalmente no julgamento que conduziu à decisão em causa é contrária à referida disposição. Um órgão jurisdicional nacional está obrigado, tomando em consideração todo o seu direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a interpretar esta regulamentação nacional, tanto quanto possível, à luz da letra e da finalidade da referida decisão‑quadro.

 Quanto às despesas

69      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      O artigo 4.oA, n.o 1, alínea a), i), da DecisãoQuadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os EstadosMembros, conforme alterada pela DecisãoQuadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que, quando uma citação para comparecer seja notificada ao interessado através da entrega desta a um adulto que com aquele coabita, cabe à autoridade judiciária de emissão em causa fazer prova de que o interessado recebeu efetivamente a referida citação para comparecer.

2)      O artigo 4.oA, n.o 1, da DecisãoQuadro 2002/584, conforme alterada pela DecisãoQuadro 2009/299, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «julgamento que conduziu à decisão», que figura nesta disposição, visa um processo de recurso que deu lugar a um acórdão que confirma a decisão proferida em primeira instância e resolve assim definitivamente o processo. A circunstância de esse processo de recurso ter decorrido sem que fosse realizado um exame quanto ao mérito não é a este respeito pertinente.

3)      O artigo 4.oA, n.o 1, da DecisãoQuadro 2002/584, conforme alterada pela DecisãoQuadro 2009/299, deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que transpôs esta disposição que, de forma geral, exclui a possibilidade de uma autoridade judiciária de execução executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena quando a pessoa não tiver comparecido pessoalmente no julgamento que conduziu à decisão em causa é contrária à referida disposição. Um órgão jurisdicional nacional está obrigado, tomando em consideração todo o seu direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a interpretar esta regulamentação nacional, tanto quanto possível, à luz da letra e da finalidade da referida decisãoquadro.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.