Language of document : ECLI:EU:C:2023:1021

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias — Artigo 27.o, n.o 2 — Regulamento Geral das Escolas Europeias — Artigos 62.o, 66.o e 67.o — Contestação da decisão de um Conselho de Turma de não autorizar a passagem de um aluno para a classe seguinte do ciclo secundário — Falta de competência dos órgãos jurisdicionais nacionais — Competência exclusiva da Instância de Recurso das Escolas Europeias — Proteção jurisdicional efetiva»

No processo C‑431/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por Decisão de 6 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2022, no processo

Scuola europea di Varese

contra

PD, na qualidade de titular das responsabilidades parentais relativas a NG,

LC, na qualidade de titular das responsabilidade parentais relativas a NG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de maio de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de la Scuola europea di Varese, por A. De Peri Lozito, R. Invernizzi e M. Luciani, avvocati,

–        em representação de PD e LC, por M. L. De Margheriti e R. Massaro, avvocati,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Bruti Liberati, I. Melo Sampaio, A. Spina e L. Vernier, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 27.o, n.o 2, da Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias, celebrada no Luxemburgo em 21 de junho de 1994, entre os Estados‑Membros e as Comunidades Europeias (JO 1994, L 212, p. 3, a seguir «CEEE»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Scuola europea di Varese (Escola Europeia de Varese, Itália), a PD e LC, que atuam na qualidade de titulares das responsabilidades parentais relativas a NG, a respeito da competência dos órgãos jurisdicionais italianos para conhecer um recurso de anulação de uma decisão de um Conselho de Turma de não autorizar a passagem de NG, aluno do quinto ano do ciclo secundário desta escola, para a classe seguinte.

 Quadro jurídico

 Convenção de Viena

3        Nos termos do artigo 1.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331, a seguir «Convenção de Viena»), sob a epígrafe «Âmbito da presente Convenção», esta aplica‑se «aos Tratados concluídos entre Estados».

4        O artigo 3.o desta Convenção, sob a epígrafe «Acordos internacionais não compreendidos no âmbito da presente Convenção», dispõe:

«O facto de a presente Convenção não se aplicar aos acordos internacionais concluídos entre Estados e outros sujeitos de direito internacional ou entre estes outros sujeitos de direito internacional, nem aos acordos internacionais em forma não escrita, não prejudica:

[…]

b)      A aplicação aos mesmos de quaisquer normas enunciadas na presente Convenção às quais estejam submetidos por força do direito internacional, independentemente desta Convenção;

[…]»

5        Nos termos do artigo 31.o da Convenção de Viena, sob a epígrafe «Regra geral de interpretação»:

«1.      Um Tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do Tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim.

[…]

3.      Ter‑se‑á em consideração, simultaneamente com o contexto:

a)      Todo o acordo posterior entre as Partes sobre a interpretação do Tratado ou a aplicação das suas disposições;

b)      Toda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das Partes sobre a interpretação do Tratado;

c)      Toda a norma pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as Partes.

[…]»

 CEEE

6        A criação das Escolas Europeias assentava originariamente em dois instrumentos, a saber, por um lado, o Estatuto da Escola Europeia, assinado no Luxemburgo, em 12 de abril de 1957 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 443, p. 129), e, por outro, o Protocolo relativo à Criação das Escolas Europeias, estabelecido por referência ao Estatuto da Escola Europeia, assinado no Luxemburgo em 13 de abril de 1962 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 752, p. 267). Estes instrumentos foram substituídos pela CEEE, que entrou em vigor em 1 de outubro de 2002.

7        O terceiro e quarto considerandos da Decisão 94/557/CE, Euratom do Conselho, de 17 de junho de 1994, que autoriza a Comunidade Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica a assinar e a celebrar a Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias (JO 1994, L 212, p. 1), e o terceiro e quarto considerandos da Decisão 94/558/CECA da Comissão, de 17 de junho de 1994, respeitante à conclusão da Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias (JO 1994, L 212, p. 15), enunciam:

«Considerando que a participação das Comunidades na aplicação da [CEEE] é necessária para atingir os objetivos [das Comunidades];

Considerando que [as Comunidades] participarão na aplicação da Convenção exercendo as competências que lhes são conferidas pelas normas estabelecidas pela [CEEE] e por futuros atos adotados em conformidade com as disposições da referida Convenção».

8        Os considerandos primeiro a quarto da CEEE têm a seguinte redação:

«Considerando que, para ministrar uma educação em comum aos filhos do pessoal das Comunidades Europeias tendo em vista assegurar o bom funcionamento das instituições europeias, têm vindo a ser criados, desde 1957, estabelecimentos designados por “Escolas Europeias”;

Considerando o empenho das Comunidades Europeias em assegurar a educação em comum dessas crianças, bem como a contribuição que para o efeito concedem ao orçamento das Escolas Europeias;

Considerando que o sistema das Escolas Europeias é um sistema sui generis; que este sistema constitui uma forma de cooperação entre os Estados‑Membros e entre estes e as Comunidades Europeias respeitando inteiramente a responsabilidade dos mesmos no que toca ao conteúdo do ensino e à organização dos respetivos sistemas educativos, bem como a respetiva diversidade cultural e linguística;

Considerando que:

–        convém consolidar o Estatuto da Escola Europeia adotado em 1957 para ter em conta todos os textos relativos a esses estatutos adotados pelas Partes Contratantes,

–        convém adaptar o referido estatuto por forma a ter em consideração a evolução das Comunidades Europeias,

–        convém alterar a forma de tomada de decisão nos órgãos das escolas,

–        convém ter em conta a experiência adquirida com o funcionamento das escolas,

–        convém garantir uma proteção legal adequada ao corpo docente e às outras pessoas referidas no presente estatuto contra os atos do Conselho Superior ou do Conselho de Administração; que é conveniente criar, para o efeito, uma Instância de Recurso com competências rigorosamente definidas,

–        as competências jurisdicionais da Instância de Recurso não constituirão impedimento às competências dos tribunais nacionais relativamente à responsabilidade criminal e civil».

9        O artigo 1.o, segundo parágrafo, da CEEE estabelece:

«As escolas têm por missão a educação em comum dos filhos do pessoal das Comunidades Europeias. […]»

10      O artigo 6.o da CEEE enuncia:

«Cada escola é dotada da personalidade jurídica necessária para a realização da sua missão, tal como definida no artigo 1.o […] Cada escola tem capacidade para estar em juízo […].

No que se refere aos seus direitos e obrigações, as escolas são consideradas em todos os Estados‑Membros, sob reserva das disposições específicas da presente Convenção, como estabelecimentos escolares regidos pelo direito público.»

11      O artigo 7.o da CEEE dispõe:

«Os órgãos comuns ao conjunto das escolas são:

1.      O Conselho Superior;

2.      O Secretário‑Geral;

3.      Os Conselhos de Inspeção;

4.      A Instância de Recurso.

Cada escola é administrada por um Conselho de Administração e gerida por um diretor.»

12      O artigo 8.o, n.o 1, da CEEE tem a seguinte redação:

«[…] o Conselho Superior é constituído pelos seguintes membros:

a)      O representante ou representantes de nível ministerial de cada Estado‑Membro das Comunidades Europeias, autorizado a vincular o Governo desse Estado‑Membro, no pressuposto de que cada Estado‑Membro apenas dispõe de um voto;

b)      Um membro da Comissão das Comunidades Europeias;

c)      Um representante designado pelo Comité de Pessoal (pertencente ao corpo docente) […]

d)      Um representante designado pelas associações dos pais dos alunos […]»

13      O artigo 9.o, n.o 1, da CEEE prevê:

«Exceto nos casos em que, por força da presente Convenção, for requerida a unanimidade, as decisões do Conselho Superior são adotadas por maioria de dois terços dos membros que o compõem […]»

14      O artigo 10.o da CEEE estipula:

«O Conselho Superior assegurará a aplicação da presente Convenção; dispõe, para o efeito, dos poderes de decisão necessários em matéria pedagógica, orçamental e administrativa […]

O Conselho Superior elabora o Regulamento Geral das escolas.

[…]»

15      Nos termos do artigo 11.o da CEEE:

«Em matéria pedagógica, o Conselho Superior define a orientação dos estudos e adota a sua organização. Designadamente, sob parecer do Conselho de Inspeção competente:

[…]

3)      […] define as regras que autorizam a passagem dos alunos para a classe seguinte ou para o ciclo secundário […]

4)      Cria exames destinados a sancionar o trabalho feito na escola; elabora o regulamento desses exames, determina a composição dos júris e emite os respetivos diplomas; fixa igualmente as provas desses exames […]»

16      O artigo 12.o da CEEE prevê:

«Em matéria administrativa, o Conselho Superior:

[…]

2.      Designa o Secretário‑Geral […]

[…]»

17      O artigo 14.o da CEEE dispõe:

«O Secretário‑Geral representa o Conselho Superior […] O Secretário‑Geral representa as escolas em juízo. O Secretário‑Geral é responsável, perante o Conselho Superior.»

18      O artigo 26.o da CEEE enuncia:

«O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem competência exclusiva para decidir sobre qualquer litígio entre as Partes Contratantes respeitante à interpretação e aplicação da presente Convenção que não tenha podido ser sanado no Conselho Superior.»

19      O artigo 27.o da CEEE estipula:

«1.      É instituída uma Instância de Recurso.

2.      A Instância de Recurso tem competência exclusiva em primeira e em última instância para decidir, após ter sido esgotada a via administrativa, sobre qualquer litígio relativo à aplicação da presente Convenção às pessoas nela referidas, com exclusão do pessoal administrativo e auxiliar, relativo à legalidade de um ato, baseado na Convenção ou em regras definidas ao abrigo da mesma, prejudicial a essas pessoas praticado pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola no exercício das atribuições que lhes são conferidas pela presente Convenção. Sempre que esses litígios tenham caráter pecuniário, a Instância de Recurso tem jurisdição plena.

As condições e as regras de execução desses procedimentos serão definidas, segundo os casos, pelo Estatuto do pessoal docente, pelo regime aplicável aos diretores de curso ou pelo Regulamento Geral das Escolas Europeias.

3.      A Instância de Recurso é composta por personalidades que ofereçam todas as garantias de independência e possuam competência jurídica notória.

Só podem ser nomeados membros da Instância de Recurso as pessoas constantes da lista elaborada para o efeito pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

4.      O Estatuto da Instância de Recurso será adotado pelo Conselho Superior, deliberando por unanimidade.

O Estatuto da Instância de Recurso definirá o número dos seus membros, o processo da sua nomeação pelo Conselho Superior, a duração do mandato e o regime pecuniário que lhes é aplicável. O estatuto organizará o funcionamento da instância.

5.      A Instância de Recurso adotará o respetivo regulamento processual, do qual constarão todas as disposições necessárias para a aplicação do estatuto.

Esse regulamento deverá ser aprovado por unanimidade pelo Conselho Superior.

6.      As decisões da Instância de Recurso são obrigatórias para as Partes e, caso não sejam respeitadas, serão tornadas executórias pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros em conformidade com as respetivas legislações nacionais.

7.      Os outros litígios em que as escolas sejam parte são da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Em especial, as competências jurisdicionais dos tribunais nacionais no respeitante a questões de responsabilidade criminal e civil não são afetadas pelo presente artigo.»

20      Nos termos do artigo 31.o, n.o 4, da CEEE:

«Qualquer das Partes Contratantes pode solicitar a alteração da presente Convenção. Para o efeito, notificará o seu pedido ao Governo luxemburguês, o qual, juntamente com a parte contratante que assegurar a presidência do Conselho das Comunidades Europeias, procederá às diligências necessárias para a convocação de uma conferência intergovernamental.»

 Regulamento Geral das Escolas Europeias

21      O artigo 61.o, A, n.o 1, do Regulamento Geral das Escolas Europeias, na sua versão n.o 2014‑03‑D‑14‑fr‑11, aplicável aos factos do litígio no processo principal (a seguir «RGEE de 2014») prevê que, no ciclo secundário, as decisões relativas à passagem para a classe seguinte são tomadas no final do ano letivo pelo Conselho de Turma competente.

22      Nos termos do artigo 62.o do RGEE de 2014, sob a epígrafe «Recurso das decisões de retenção:

«1.      As decisões dos Conselhos de Turma não admitem recurso por parte dos representantes legais dos alunos exceto com fundamento em vício de forma ou em factos novos, reconhecidos como tais pelo Secretário‑Geral com base no dossier apresentado pela escola e pelos representantes legais do aluno.

Entende‑se por vício de forma qualquer violação de uma regra do direito relativa ao processo a adotar para a passagem para a classe seguinte que, caso não tivesse sido praticada, levaria a que a decisão do Conselho de Turma fosse diferente.

A falta de assistência sob a forma de integração do aluno nos programas de apoio educativo não constitui um vício de forma, exceto se se demonstrar que o aluno ou os seus representantes legais requereram esta assistência e que a mesma foi indevidamente recusada pela escola.

As modalidades de organização prática dos exames pertencem às escolas e não podem ser consideradas como um vício de forma.

Deve entender‑se por facto novo qualquer elemento que não tenha sido levado ao conhecimento do Conselho de Turma por ser desconhecido de todos — professores, pais, aluno — no momento da sua deliberação e que seria suscetível de influenciar o sentido da sua decisão. Um facto conhecido dos pais, mas não levado ao conhecimento do Conselho de Turma não pode ser classificado como elemento novo na aceção da presente disposição.

As apreciações relativas às capacidades dos alunos, a atribuição de uma nota por uma composição ou um trabalho durante o ano letivo e a apreciação das circunstâncias particulares referidas no artigo 61.o B‑5 são abrangidas pelo âmbito do poder de apreciação exclusivo do Conselho de Turma. Não admitem recurso.

2.      O prazo fixado para a apresentação de um recurso junto do Secretário‑Geral é de sete dias de calendário após o fim do ano letivo. […]

[…]

O Secretário‑Geral (ou por via de delegação, o Secretário‑Geral adjunto) deve proferir uma decisão sobre este recurso antes de 31 de agosto. Os artigos 66.o e 67.o, do presente regulamento são aplicáveis. Se o recurso for julgado admissível e procedente, o Conselho de Turma profere nova decisão sobre o caso.

A nova decisão admite igualmente recurso administrativo para o Secretário‑Geral […]»

23      O artigo 66.o do RGEE de 2014, sob a epígrafe «Recursos administrativos», enuncia:

«1.      As decisões mencionadas no artigo 62.o podem ser objeto de recurso administrativo nas condições previstas no referido artigo. […]

[…]

5.      A decisão do Secretário‑Geral que se pronuncie sobre um recurso administrativo é notificada ao(s) requerente(s) […]»

24      O artigo 67.o do RGEE de 2014, sob a epígrafe «Recurso contencioso», dispõe:

«1.      As decisões administrativas, expressas ou tácitas, tomadas em relação aos recursos referidos no artigo anterior podem ser objeto de recurso contencioso interposto pelos representantes legais dos alunos, diretamente afetados pela decisão controvertida, perante a Instância de Recurso prevista no artigo 27.o, da [CEEE].

[…]

4.      Os recursos contenciosos devem ser interpostos no prazo de duas semanas a contar da notificação ou da publicação da decisão recorrida, sob pena de inadmissibilidade […]

5.      Os recursos previstos no presente artigo são instruídos e julgados nas condições previstas pelo regulamento de processo da Instância de Recurso.

6.      A Instância de Recurso deve decidir no prazo de seis meses a contar da receção do recurso, sem prejuízo da aplicação dos artigos 16.o, 34.o e 35.o, do regulamento de processo da Instância de Recurso das Escolas Europeias, que preveem a possibilidade de interposição de um pedido de medidas cautelares.»

25      A possibilidade de interpor recurso na Instância de Recurso da decisão do Secretário‑Geral que se pronuncia sobre um recurso da decisão de retenção do Conselho de Turma foi instaurada pelo Regulamento Geral das Escolas Europeias, na sua versão n.o 2004‑D‑6010‑fr‑5 que entrou em vigor em 2 de fevereiro de 2005 (a seguir «RGEE de 2005»). Antes disso, o Regulamento Geral das Escolas Europeias não previa esse recurso para a Instância de Recurso, dispondo os representantes legais do aluno apenas da possibilidade de interpor um recurso administrativo.

 Direito italiano

26      Nos termos do artigo 41.o do codice di procedura civile (Código de Processo Civil):

«Enquanto o processo não for julgado em primeira instância quanto ao mérito, qualquer parte pode pedir às secções unidas da [Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália)] que aprecie as questões de competência […]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

27      Em 25 de junho de 2020, PD e LC, pais de NG, que era na altura aluno do quinto ano do ciclo secundário da Escola Europeia de Varese, foram notificados da decisão do Conselho de Turma competente de recusa da passagem de NG para a classe seguinte.

28      Em 20 de julho de 2020, PD e LC interpuseram no Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia, Itália) um recurso de anulação da referida decisão.

29      Por Despacho de 9 de setembro de 2020, este órgão jurisdicional declarou‑se competente para conhecer este recurso, deferiu o pedido de medidas provisórias que lhe foram requeridas «para efeitos da admissão condicional na classe seguinte» de NG e remeteu a análise do mérito do processo para a audiência de 19 de outubro de 2021.

30      Em 13 de outubro de 2021, a Escola Europeia de Varese apresentou nas secções unidas da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), ao abrigo do artigo 41.o, do Código de Processo Civil, um pedido de apreciação provisória da questão da competência jurisdicional, a fim de que fosse declarada a incompetência dos órgãos jurisdicionais italianos para conhecer do litígio em causa. Segundo esta escola, esse litígio é da competência exclusiva da Instância de Recurso, por força das disposições conjugadas do artigo 27.o da CEEE e do artigo 67.o, n.o 1, do RGEE de 2014.

31      Em contrapartida, PD e LC, bem como o Ministério Público, consideram que os órgãos jurisdicionais italianos têm competência para conhecer do litígio em causa, uma vez que, nomeadamente, nos termos do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE, a competência jurisdicional exclusiva da Instância de Recurso se limita aos atos prejudiciais praticados pelo Conselho Superior das Escolas Europeias (a seguir «Conselho Superior») ou pelo Conselho de Administração da escola. Segundo eles, uma extensão da competência desta instância aos atos adotados por um Conselho de Turma constituiria uma alteração da CEEE que só pode ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 31.o, n.o 4, desta Convenção.

32      Além disso, PD e LC entendem que o artigo 62.o, n.o 1, o artigo 66.o, n.o 1, e o artigo 67.o, n.o 1, do RGEE de 2014, consagram, na esfera jurídica dos representantes legais do aluno, uma simples faculdade de interporem um recurso da decisão do Conselho de Turma para o Secretário‑Geral seguido de um eventual recurso contencioso para a Instância de Recurso. Estes representantes legais continuam a poder optar por outra via de recurso, impugnando a decisão do Conselho de Turma diretamente perante o órgão jurisdicional nacional competente.

33      Chamado a pronunciar‑se sobre esta questão prévia relativa à competência dos órgãos jurisdicionais italianos, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) refere que, num Acórdão de 15 de março de 1999 (IT:CASS:1999:138CIV), se pronunciou a favor dessa competência em circunstâncias análogas às do litígio mencionado no n.o 28 do presente acórdão. Nesse acórdão, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) declarou, com efeito, que nos termos das disposições conjugadas do artigo 6.o, segundo parágrafo, e do artigo 27.o, n.os 1, 2 e 7, da CEEE, a competência exclusiva da Instância de Recurso abrangia os atos prejudiciais praticados pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma Escola Europeia, mas não os atos praticados por um Conselho de Turma dessa escola.

34      A Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) salienta, contudo, que à época em que se pronunciou nesse sentido, o Regulamento Geral das Escolas Europeias então em vigor só previa um recurso limitado, interno às Escolas Europeias e de natureza meramente administrativa, contra as decisões de um Conselho de Turma que não autorizassem a passagem de um aluno para a classe seguinte e não consagrava ainda a possibilidade de recorrer para a Instância de Recurso, a título contencioso, no que respeita a essas decisões.

35      Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a circunstância de a possibilidade desse recurso judicial ter, entretanto, sido consagrada no RGEE de 2005 e, subsequentemente, confirmada no artigo 67.o do RGEE de 2014, pode ser suscetível de justificar que se passe a reconhecer a competência exclusiva da Instância de Recurso para conhecer deste tipo de contenciosos.

36      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tal solução parece poder encontrar um apoio determinante, por um lado, nos ensinamentos decorrentes do Acórdão de 11 de março de 2015, Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, a seguir «Acórdão Oberto e O’Leary», EU:C:2015:163), no qual o Tribunal de Justiça já admitiu, baseando‑se nas regras da Convenção de Viena, que pode validamente ser conferida à Instância de Recurso competência exclusiva para apreciar recursos dirigidos contra um ato do diretor de uma Escola Europeia prejudicial a um docente da mesma.

37      Podem igualmente revelar‑se pertinentes, a este respeito, o Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 18 de junho de 2020, JT/Secrétaire général des écoles européennes e Chambre de recours des écoles européennes (T‑42/20, EU:T:2020:278), bem como diversos documentos apresentados pela Escola Europeia de Varese e, em particular, as várias decisões ao abrigo das quais a Instância de Recurso se pronunciou sobre litígios relativos a decisões de Conselhos de Turma que recusaram a passagem de um aluno para a classe seguinte, desenvolvendo desse modo uma prática jurisdicional constante desde que lhe foi atribuída, pelo RGEE de 2005, competência para conhecer de tais litígios.

38      Salientado, todavia, que o Acórdão Oberto e O’Leary dizia respeito a um ato adotado pelo diretor de uma Escola Europeia relativo à limitação da duração da relação de trabalho prevista no contrato de trabalho celebrado entre uma Escola Europeia e um docente com horário reduzido e que, nesse processo, a competência da Instância de Recurso, a esse título, não resultava do Regulamento Geral das Escolas Europeias, mas do estatuto dos docentes com horário reduzido, o órgão jurisdicional de reenvio entende que as diferenças de ordem factual existentes entre esse processo Oberto e O’Leary e o presente processo impedem que se considere que a interpretação do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE se impõe, no presente caso, com tal evidência que não suscita nenhuma dúvida razoável.

39      Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, primeiro período, da [CEEE], ser interpretado no sentido de que a Instância de Recurso prevista no referido estatuto tem competência exclusiva, em primeira e em última instância, para decidir, após ter esgotado a via administrativa prevista no [RGEE], sobre os litígios relativos à decisão de retenção adotada pelo Conselho de Turma em relação a um estudante do ciclo secundário?»

 Quanto ao pedido de aplicação da tramitação acelerada

40      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido a tramitação acelerada ao abrigo do artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido, este órgão jurisdicional alegou que a aplicação desta tramitação se justificava à luz tanto da necessidade de clarificar tão rapidamente quanto possível a situação escolar do aluno como da importância para todas as Partes Contratantes na CEEE de ver esclarecido o alcance da competência da Instância de Recurso no que respeita a litígios como o que está em causa no processo principal.

41      O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada.

42      Importa recordar que tal tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia, C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 37 e jurisprudência referida).

43      No caso em apreço, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 21 de julho de 2022, que não havia que deferir o pedido referido no n.o 40 do presente acórdão.

44      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o mero interesse dos particulares, certamente legítimo, em determinar o mais rapidamente possível o alcance dos direitos que lhes são conferidos pelo direito da União não é suscetível de demonstrar a existência de uma circunstância excecional, na aceção do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 28 de novembro de 2013, Sähköalojen ammattiliitto, C‑396/13, EU:C:2013:811, n.o 16 e jurisprudência referida).

45      No caso em apreço, no que respeita, mais especificamente, à situação do aluno em causa, importa salientar, por um lado, que resulta do enunciado na decisão de reenvio que o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia) ordenou, em 9 de setembro de 2020, que este aluno fosse admitido condicionalmente na classe seguinte durante o ano letivo de 2020/2021. Por outro lado, o Tribunal de Justiça só foi chamado a pronunciar‑se sobre o presente pedido de decisão prejudicial em 28 de junho de 2022, pelo que a resposta esperada do Tribunal de Justiça só poderia, em todo o caso, ter tido eventuais consequências concretas no que respeita ao percurso escolar do referido aluno, quando muito, no decurso do ano letivo de 2022/2023. Nestas circunstâncias, não se pode concluir pela existência de uma situação de urgência extraordinária na aceção da jurisprudência referida no n.o 42 do presente acórdão.

46      Por outro lado, por mais legítimo que ele seja, o alegado interesse das Partes Contratantes na CEEE em ver clarificada tão rapidamente quanto possível a questão de interpretação suscitada no presente pedido prejudicial também não parece ser suscetível de demonstrar a existência de uma circunstância excecional, na aceção do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

 Quanto à questão prejudicial

47      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições conjugadas do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE, e dos artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o do RGEE de 2014 devem ser interpretadas no sentido de que a Instância de Recurso tem competência exclusiva, em primeira e segunda instância, para decidir, após ter esgotado a via administrativa prevista neste regulamento geral, sobre os litígios relativos à legalidade da decisão de um Conselho de Turma de uma Escola Europeia de não autorizar a passagem de um aluno para uma classe seguinte do ciclo secundário.

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

48      Na audiência, PD e LC manifestaram dúvidas quanto à competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar a título prejudicial no âmbito do presente processo, alegando, em substância, que, nos termos do artigo 26.o da CEEE, o Tribunal de Justiça só tem competência para se pronunciar sobre questões relativas à interpretação desta Convenção quando é chamado a decidir sobre qualquer litígio entre as Partes Contratantes respeitante à interpretação e aplicação da referida Convenção que não tenha podido ser sanado no Conselho Superior.

49      No entanto, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 33 e 34 das suas conclusões, o facto de este mecanismo específico ter assim sido instituído para permitir que esses litígios entre Partes Contratantes na CEEE sejam submetidos ao Tribunal de Justiça não é suscetível de poder afetar o alcance da competência que este último tem, por outro lado, por força dos próprios Tratados, para decidir, em conformidade com as disposições do artigo 267.o TFUE, sobre a interpretação desses Tratados e dos atos adotados pelas instituições, quando essa questão é, como no processo principal, suscitada perante um órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros e este considera que uma decisão sobre esse aspeto é necessária para proferir a sua decisão e pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre essa questão.

50      A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu, de resto, que um acordo internacional como a CEEE, que foi celebrada com base no artigo 235.o do Tratado CE (que passou a artigo 308.o CE, que, por sua vez, é atualmente o artigo 352.o TFUE) pelas Comunidades Europeias, que foram habilitadas para este efeito pelas Decisões 94/557 e 94/558, constitui, no que respeita à União Europeia, um ato adotado por uma das suas instituições, na aceção do artigo 267.o, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE. As disposições de tal acordo fazem, portanto, parte integrante, a partir da sua entrada em vigor, da ordem jurídica da União, pelo que o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do referido acordo, bem como dos atos adotados com base neste (v., neste sentido, Acórdão Oberto e O’Leary, n.os 29 a 31 e jurisprudência referida), atos entre os quais figura, nomeadamente, o RGEE de 2014.

51      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação desta Convenção e dos atos adotados com base na mesma.

 Quanto ao mérito

52      A título preliminar, há que recordar que o sistema das Escolas Europeias é um sistema sui generis, que realiza, mediante um acordo internacional, uma forma de cooperação entre os Estados‑Membros e entre estes e a União (Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 32 e jurisprudência referida).

53      Decorre igualmente da jurisprudência que as Escolas Europeias constituem uma organização internacional que, apesar dos laços funcionais que a ligam à União, continua a ser formalmente distinta desta e dos seus Estados‑Membros (Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 33 e jurisprudência referida).

54      Por conseguinte, mesmo que a Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias constitua, no que diz respeito à União, um ato adotado por uma instituição da União na aceção do artigo 267.o, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE, é também regulada pelo direito internacional e, especialmente, do ponto de vista da sua interpretação, pelo direito internacional dos Tratados (Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 34 e jurisprudência referida).

55      O direito internacional dos Tratados foi codificado, no essencial, pela Convenção de Viena. Segundo o artigo 1.o desta Convenção, a mesma aplica‑se aos Tratados concluídos entre Estados. Contudo, em conformidade com o artigo 3.o, alínea b), da referida Convenção, o facto de a mesma não se aplicar aos acordos internacionais concluídos entre Estados e outros sujeitos de direito internacional não prejudica a aplicação a esses acordos de todas as normas enunciadas na Convenção de Viena às quais estejam submetidos por força do direito internacional independentemente desta mesma Convenção (Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 35).

56      Daqui resulta que as normas contidas na Convenção de Viena são aplicáveis a um acordo concluído entre os Estados‑Membros e uma organização internacional, como a Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias, na medida em que essas normas são a expressão do direito internacional geral de natureza consuetudinária. Esta última Convenção deve, consequentemente, ser interpretada em consonância com essas normas e especialmente em conformidade com as normas contidas no artigo 31.o da Convenção de Viena, que exprime o direito consuetudinário internacional (v., neste sentido, Acórdão Oberto e O’Leary, n.os 36 e 37 e jurisprudência referida).

57      No caso em apreço, há que recordar, por um lado, que, nos termos do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE, a Instância de Recurso tem competência exclusiva em primeira e em última instância para decidir, após ter sido esgotada a via administrativa, sobre qualquer litígio relativo à aplicação desta Convenção às pessoas nela referidas, com exclusão do pessoal administrativo e auxiliar, relativo à legalidade de um ato, baseado na referida Convenção ou em regras definidas ao abrigo da mesma, prejudicial a essas pessoas praticado pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola no exercício das atribuições que lhes são conferidas pela mesma Convenção. A este respeito, o artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, da CEEE precisa, de resto, que as condições e as regras de execução desses procedimentos serão definidas, segundo os casos, pelo Estatuto do pessoal docente, pelo regime aplicável aos diretores de curso ou pelo Regulamento Geral das Escolas Europeias.

58      Por outro lado, resulta das disposições conjugadas do artigo 61.o, A, n.o 1, do artigo 62.o, n.os 1 e 2, do artigo 66.o, n.os 1 e 5, e do artigo 67.o, n.o 1, do RGEE de 2014 que as decisões relativas à passagem para a classe seguinte do ciclo secundário adotadas pelo Conselho de Turma competente de uma Escola Europeia não admitem recurso administrativo por parte dos representantes legais dos alunos exceto com fundamento em vício de forma ou em factos novos, reconhecidos como tais pelo Secretário‑Geral, e que, em caso de decisão desfavorável desse recurso por este último, essa decisão desfavorável pode ser objeto de recurso contencioso perante a Instância de Recurso.

59      No que respeita ao alcance destas disposições do RGEE de 2014, importa começar por precisar que, contrariamente ao que alegam PD e LC, as referidas disposições não podem ser entendidas no sentido de que o recurso administrativo, eventualmente seguido de um recurso contencioso perante a Instância de Recurso, que elas preveem assim, coexistem com uma outra via de recurso disponível e que consiste na possibilidade de os representantes legais do aluno em causa submeterem diretamente aos órgãos jurisdicionais nacionais um recurso contra a decisão de um Conselho de Turma que não autoriza a passagem deste aluna para uma classe seguinte do ciclo secundário.

60      Com efeito, segundo os próprios termos do artigo 62.o, n.o 1, do RGEE de 2014, as decisões em causa «não admitem recurso» «exceto com fundamento em vício de forma ou em factos novos, reconhecidos como tais pelo Secretário‑Geral», o que confirma que a única maneira de os representantes legais de um aluno contestarem uma decisão dessas consiste, num primeiro momento, em interpor perante o Secretário‑Geral o recurso administrativo assim previsto, com exclusão, nessa fase, de qualquer recurso judicial diretamente dirigido contra a referida decisão.

61      Como resulta, por outro lado, das disposições conjugadas do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE, do artigo 66.o, n.os 1 e 5, e do artigo 67.o, n.o 1, do RGEE de 2014, a decisão adotada pelo Secretário‑Geral na sequência de um recurso administrativo só é, por seu turno, suscetível de recurso contencioso perante a Instância de Recurso, que tem competência jurisdicional exclusiva em primeira e em última instância no que respeita à fiscalização da legalidade desta decisão e da decisão do Conselho de Turma que recusa a passagem do aluno em causa para a classe seguinte. A este respeito, importa igualmente salientar que o artigo 27.o, n.o 6, da CEEE precisa que as decisões da Instância de Recurso são obrigatórias para as Partes e, caso não sejam respeitadas, serão tornadas executórias pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, o que confirma igualmente que as referidas autoridades não podem infringir o âmbito das competências, por natureza exclusivas, conferidas à Instância de Recurso.

62      Sem prejuízo destas precisões preliminares, e no que respeita à questão de saber se o artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que se confira à Instância de Recurso competência exclusiva como a que decorre assim das disposições do RGEE de 2014 mencionadas no n.o 58 do presente acórdão, importa, antes de mais, salientar que o requisito previsto no referido artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, segundo o qual os litígios submetidos à Instância de Recurso devem ser relativos à aplicação da CEEE às «pessoas nela referidas» se encontra preenchido no caso em apreço.

63      Com efeito, não se duvida que estejam, nomeadamente, abrangidos nessa categoria de pessoas os alunos das Escolas Europeias, que são os principais beneficiários do sistema e das estruturas de ensino implementadas por força da CEEE. O primeiro considerando desta Convenção sublinha, a este respeito, que as Escolas Europeias são criadas para assegurar a educação em comum do pessoal das Comunidades Europeias com vista ao bom funcionamento das instituições europeias. Estes alunos são, de resto, expressamente referidos em várias disposições da CEEE e, nomeadamente, no artigo 11.o, ponto 3, desta Convenção, nos termos do qual incumbe ao Conselho Superior definir as regras que autorizam a passagem dos alunos para a classe seguinte ou para o ciclo secundário.

64      Em seguida, no que respeita ao requisito igualmente previsto no artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE, segundo o qual o recurso deve ser relativo a «um ato [prejudicial], baseado na Convenção ou em regras definidas ao abrigo da mesma», resulta, por um lado, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este conceito de «ato prejudicial» deve ser objeto de uma interpretação lata e ser entendido como qualquer ato suscetível de afetar diretamente uma situação jurídica determinada (v., neste sentido, Acórdão Oberto e O’Leary, n.os 49 e 53). Ora, é esse manifestamente o caso de uma decisão que recusa a um aluno o direito de aceder à classe seguinte.

65      Por outro lado, é pacífico que as decisões relativas à passagem para a classe seguinte do ciclo secundário são adotadas pelo Conselho de Turma competente com base no artigo 61.o, A, n.o 1, do RGEE de 2014, a saber uma disposição adotada pelo Conselho Superior em aplicação conjugada das disposições do artigo 10.o, primeiro e segundo parágrafos, e do artigo 11.o, pontos 3 e 4, da CEEE. Uma decisão de um Conselho de Turma que não autorize essa passagem constitui, portanto, um ato «baseado na [CEEE] ou em regras definidas ao abrigo da mesma», na aceção do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, desta Convenção.

66      Por último, no que respeita ao requisito constante deste artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, segundo o qual os atos prejudiciais contra os quais seja interposto recurso perante a Instância de Recurso devem ser praticados em relação a essas pessoas «pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola», o Tribunal de Justiça, com base nas regras de interpretação contidas no artigo 31.o da Convenção de Viena, já precisou, no n.o 58 do Acórdão Oberto e O’Leary, que o simples facto de os atos do diretor de uma Escola Europeia não estarem, por seu lado, expressamente mencionados nesta disposição não pode ter por efeito a exclusão destes atos do âmbito de aplicação da referida disposição.

67      No caso em apreço, importa verificar se, de maneira análoga ao declarado assim pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Oberto e O’Leary a propósito de decisões do diretor de uma Escola Europeia, as regras enunciadas no artigo 31.o da Convenção de Viena permitem interpretar o artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE no sentido de que não se opõe a que a Instância de Recurso tenha, por força das disposições do RGEE de 2014 referidas no n.o 58 do presente acórdão, competência exclusiva para conhecer das decisões de não autorizar a passagem de um aluno da Escola Europeia para a classe seguinte, embora essas decisões não provenham do Conselho Superior ou do Conselho de Administração dessa escola, mas sim de um Conselho de Turma.

68      A este respeito, no tocante ao artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Viena, importa recordar que, segundo esta disposição, um Tratado deve ser interpretado de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do Tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim.

69      Ora, no que se refere, em primeiro lugar, ao contexto normativo em que se inscrevem os termos «ato […] praticado pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola», que constam do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE, importa, primeiro, ter em conta que, por força do artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, desta Convenção, as condições e as regras de execução desses procedimentos encetados perante a Instância de Recurso são definidas, segundo os casos, nomeadamente pelo Regulamento Geral das Escolas Europeias (v., neste sentido, Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 59). No caso em apreço, as regras que conferem à Instância de Recurso competência jurisdicional exclusiva para decidir, após ter sido esgotada a via administrativa, os recursos contenciosos relativos às decisões de um Conselho de Turma de não autorizar a passagem de um aluno para a classe seguinte e as regras que precisam a execução desses recursos estão, efetivamente, contidas nesse regulamento geral, a saber o RGEE de 2014.

70      Segundo, conforme já foi salientado no n.o 65 do presente acórdão, as regras que conferem ao Conselho de Turma o poder de se pronunciar sobre a passagem de alunos para a classe seguinte e que regulam essa passagem estão, elas próprias, contidas no RGEE de 2014 e foram, assim, adotadas pelo Conselho Superior em virtude de poderes de que este se encontra investido por força das disposições do artigo 10.o, primeiro e segundo parágrafos, e do artigo 11.o, pontos 3 e 4, da CEEE. Assim, embora o ato em causa, ao provir do Conselho de Turma, não tenha, é certo, sido diretamente praticado pelo Conselho Superior, não deixou de ser praticado por este Conselho de Turma nos termos dos poderes de que se encontra investido por força de um ato praticado pelo Conselho Superior.

71      Terceiro, a competência exclusiva que assiste à Instância de Recurso por força do artigo 67.o do RGEE de 2014 diz respeito, a título principal, à decisão que o Secretário‑Geral tomou em relação ao recurso interposto pelos representantes legais do aluno em causa contra a decisão do Conselho de Turma de não autorizar a passagem deste último para a classe seguinte. Ora, conforme resulta do artigo 7.o, primeiro parágrafo, ponto 2, do artigo 12.o, ponto 2, e do artigo 14.o da CEEE, o Secretário‑Geral é um órgão comum ao conjunto das Escolas Europeias designado pelo Conselho Superior, habilitado a representar este último e responsável perante esse Conselho. Daqui resulta que os atos desse Secretário‑Geral podem, em última instância, ser imputados ao referido Conselho. É o que sucede especialmente quando estes são praticados pelo Secretário‑Geral com fundamento numa habilitação do mesmo Conselho como a que resulta do artigo 62.o do RGEE de 2014.

72      No que respeita, em segundo lugar, aos objetivos prosseguidos pela CEEE, conforme resulta do primeiro considerando desta Convenção, as Escolas Europeias foram criadas para assegurar «uma educação em comum aos filhos do pessoal» da União, tendo em vista o «bom funcionamento das instituições» desta última.

73      Ora, como salientou o advogado‑geral nos n.os 73 e 75 das suas conclusões, o facto de concentrar nas mãos de um único órgão jurisdicional de competência especializada, integrado na organização internacional que constituem as Escolas Europeias, a fiscalização jurisdicional dos atos dos Conselhos de Turma relativos à passagem para a classe seguinte dos alunos dessas escolas é suscetível de poder contribuir para uma uniformidade de abordagem processual e jurisprudencial e para alcançar esse objetivo de educação em comum e de mesmo nível, em condições de igualdade no conjunto das referidas escolas.

74      Por conseguinte, decorre das considerações expostas nos n.os 69 a 73 do presente acórdão que, embora esses atos do Conselho de Turma não sejam expressamente mencionados no artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da CEEE, o contexto normativo em que se inscreve esta disposição e os objetivos prosseguidos pela CEEE permitem considerar que a extensão da competência operada em favor da Instância de Recurso através das disposições do RGEE de 2014 referidas no n.o 58 do presente acórdão não viola esta disposição da CEEE.

75      Quanto ao artigo 31.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Convenção de Viena, importa recordar que, para efeitos da interpretação de um Tratado, se deverá ter em conta, simultaneamente com o contexto, por um lado, todos os acordos posteriores entre as Partes sobre a interpretação ou a aplicação das suas disposições e, por outro, todas as práticas seguidas posteriormente na aplicação do Tratado pelas quais se estabeleça o acordo das Partes sobre a interpretação do referido Tratado.

76      A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de sublinhar que, em direito internacional, não é proibido nem inabitual prever‑se a possibilidade de as Partes num acordo internacional precisarem a sua interpretação à medida que a sua vontade comum relativa ao alcance desse acordo evolui. Tais precisões podem ser introduzidas pelas próprias Partes ou por um órgão instituído pelas Partes e por elas investido de um poder decisório que as vincule. Estes atos interpretativos têm os efeitos jurídicos decorrentes do artigo 31.o, n.o 3, alínea a), da Convenção de Viena [v., neste sentido, Parecer 1/17 (Acordo ECG EU‑Canadá), de 30 de abril 2019, EU:C:2019:341, n.os 233 e 234].

77      De resto, o Tribunal de Justiça já declarou que, para determinar o alcance dos termos «ato […] praticado pelo Conselho Superior ou pelo Conselho de Administração de uma escola», que consta do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, primeiro período, da CEEE, importava, em conformidade com o artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Viena, ter, nomeadamente, em consideração toda a prática seguida posteriormente na aplicação desta Convenção (v., neste sentido, Acórdão Oberto e O’Leary, n.os 60 e 62).

78      Ora, no caso em apreço, há que sublinhar, primeiro, que, conforme resulta do artigo 8.o, n.o 1, da CEEE, o Conselho Superior é constituído, nomeadamente, pelo «representante ou representantes de nível ministerial de cada Estado‑Membro [da União], autorizado(s) a vincular o Governo desse Estado‑Membro», bem como de um membro da Comissão Europeia.

79      Daqui decorre que as disposições do RGEE de 2014 e, nomeadamente, os seus artigos 62.o, 66.o e 67.o que, por um lado, instauraram a possibilidade de interpor um recurso administrativo junto do Secretário‑Geral das decisões de um Conselho de Turma que recusa a passagem para a classe seguinte de um aluno do ciclo secundário e, por outro, conferiram à Instância de Recurso competência jurisdicional exclusiva para decidir um recurso contencioso da decisão adotada pelo Secretário‑Geral na sequência desse recurso administrativo, foram adotadas por representantes devidamente autorizados dos referidos Estados‑Membros e da União habilitados a vinculá‑los.

80      Segundo, enquanto o artigo 26.o da CEEE confere ao Tribunal de Justiça competência para decidir sobre qualquer litígio entre as Partes Contratantes respeitante à interpretação e aplicação desta Convenção que não tenha podido ser sanado no Conselho Superior, os artigos 62.o, 66.o e 67.o do RGEE de 2014 e, antes disso, a aprovação das disposições correspondentes do RGEE de 2005, não levaram a interpor nenhum recurso no Tribunal de Justiça por essas Partes Contratantes a fim de prevenir ou pôr em causa tais aprovações. Assim, a própria aprovação destas disposições do RGEE de 2014 pelas Partes Contratantes na CEEE reunidas no âmbito do Conselho Superior parece revelar um consenso entre essas Partes quanto à aplicação e à interpretação que foram feitas das disposições da CEEE quando da aprovação das referidas disposições do RGEE de 2014.

81      Além disso, as referidas Partes Contratantes também não contestaram nem puseram em causa, sendo esse o caso através do recurso ao mecanismo assim previsto no artigo 26.o da CEEE, a aplicação sistemática que foi feita posteriormente das disposições dos artigos 62.o, 66.o e 67.o do RGEE de 2014, e das disposições análogas anteriormente contidas no RGEE de 2005, por um lado, pelo Secretário‑Geral que apreciou os recursos administrativos interpostos de decisões de Conselhos de Turma que não autorizaram a passagem de um aluno à classe seguinte do ciclo secundário e, por outro, pela Instância de Recurso que foi chamada a conhecer recursos contenciosos dirigidos contra as decisões do Secretário‑Geral e exerceu sistematicamente a competência jurisdicional de que se encontra investida pelo artigo 67.o do RGEE de 2014.

82      Nestas condições, a aprovação pelo Conselho Superior dos artigos 62.o, 66.o e 67.o do RGEE de 2014 e, antes disso, das disposições análogas que figuram no RGEE de 2005, bem como a aplicação destas disposições, sem interrupção desde então, tanto pelo Secretário‑Geral como pela Instância de Recurso, sem que as Partes Contratantes na CEEE tenham contestado essa aprovação e essa aplicação, são suscetíveis de atestar a existência senão de um acordo posterior entre essas Partes a propósito da interpretação desta Convenção e da aplicação das suas disposições na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea a), da Convenção de Viena, pelo menos de uma prática que estabelece o acordo das Partes sobre essa interpretação na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea b), desta última Convenção. Com efeito, a não contestação pelas Partes na CEEE dessa aplicação ininterrupta deve ser considerada uma conduta das Partes que traduz o seu consentimento tácito à referida aplicação e, portanto, uma prática dessa natureza.

83      Ora, esse acordo e/ou essa prática são suscetíveis de prevalecer sobre a redação do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, primeiro período, da CEEE. Daqui decorre que esta disposição deve ser lida no sentido de que não se opõe a que as decisões dos Conselhos de Turma das Escolas Europeias que não autorizam a passagem de um aluno para a classe seguinte sejam, em princípio, entendidas como abrangidas pela referida disposição (v., neste sentido, Acórdão Oberto e O’Leary, n.os 65 a 67).

84      Resulta do que precede que a Instância de Recurso tem, por força do artigo 67.o, n.o 1, do RGEE de 2014, competência exclusiva em primeira e em última instância para decidir, após ter sido esgotada a via administrativa instituída pelo artigo 62.o, n.o 1, deste regulamento, sobre qualquer litígio relativo à decisão do Conselho de Turma de uma Escola Europeia de não autorizar a passagem de um aluno para a classe seguinte do ciclo secundário e que essa competência exclusiva não viola o artigo 27.o, n.o 2, da CEEE.

85      Importa ainda precisar que, contrariamente ao alegado por PD e LC, esta interpretação das disposições pertinentes da CEEE e do RGEE de 2014 não afeta o direito dos interessados a uma proteção jurisdicional efetiva.

86      A este respeito, resulta dos n.os 52 e 72 do presente acórdão que o sistema das Escolas Europeias é um sistema sui generis, implementado mediante um acordo internacional, fruto de compromissos assumidos entre a União e os seus Estados‑Membros, cuja razão de ser assenta numa vontade dessas Partes de assegurar o bom funcionamento das instituições da União. Embora constitua uma organização internacional distinta da União, o sistema das Escolas Europeias está, assim, estreitamente ligado à União no plano funcional, como foi recordado no n.o 53 do presente acórdão. O terceiro e quarto considerandos das Decisões 94/557 e 94/558 sublinham, aliás, que a celebração pela União da CEEE foi, nomeadamente, motivada pelo facto de a participação da União na aplicação desta Convenção, exercendo as competências que lhe são conferidas pelas normas estabelecidas por esta e por futuros atos adotados em conformidade com as suas disposições, se evidenciou necessária para atingir os objetivos da União.

87      Como observou a Comissão na audiência e o advogado‑geral salientou no n.o 97 das suas conclusões, a ordem jurídica implementada pelos Tratados que instituem a União encarna assim um conjunto de normas de direito internacional convencional que se podem revelar pertinentes para efeitos da interpretação da CEEE, como resulta do artigo 31.o, n.o 3, alínea c), da Convenção de Viena. Com efeito, esta última disposição, que consagra o direito internacional consuetudinário, prevê que, na interpretação de um Tratado, ter‑se‑á em consideração, simultaneamente com o contexto, toda a norma pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as Partes, entre as quais figuram nomeadamente os outros Tratados celebrados pelas Partes Contratantes no Tratado objeto dessa interpretação [v. CIJ, processo relativo a certas questões relacionadas com o auxílio judiciário mútuo em matéria penal (Djibouti c. França), Acórdão de 4 de junho de 2008, Colet., de 2008, p. 219, § 112 à 114]. Ora, no caso em apreço, a CEEE foi celebrada pelos Estados‑Membros da União e a própria União, sendo os primeiros Partes nos Tratados que instituem a segunda e retirando esta a sua existência, a sua personalidade jurídica e as suas competências destes Tratados.

88      A este respeito, há igualmente que recordar que os acordos internacionais celebrados pela União devem ser plenamente compatíveis com os Tratados e com os princípios constitucionais deles decorrentes, entre os quais figuram, nomeadamente, as garantias consagradas pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») [v., neste sentido, Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canada), de 30 de abril de 2019, EU:C:2019:341, n.os 165 e 167 e jurisprudência referida].

89      No que respeita à CEEE, resulta nomeadamente das considerações expostas nos n.os 86 a 88 do presente acórdão que os princípios gerais de direito da União devem simultaneamente presidir à interpretação desta Convenção e ser devidamente tidos em consideração e respeitados pelos órgãos instituídos pela referida Convenção quando esses órgãos exercem as competências que resultam das regras por esta estabelecidas e adotam atos em conformidade com as suas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2011, Miles e o., C‑196/09, EU:C:2011:388, n.o 43, e Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 74).

90      No que respeita, mais particularmente, ao princípio da proteção jurisdicional efetiva dos direitos em causa no caso em apreço, nos termos de jurisprudência constante, este princípio constitui um princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado pelos artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e que é atualmente afirmado no artigo 47.o da Carta (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 190 e jurisprudência aí referida).

91      Por outro lado, resulta do quarto considerando, quinto travessão, da CEEE que, entre os seus objetivos, figura o de garantir uma proteção legal adequada contra os atos do Conselho Superior ou do Conselho de Administração das Escolas Europeias e que esse objetivo presidiu à criação da Instância de Recurso (v., neste, sentido, Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 48).

92      A este respeito, no que toca, desde logo, à Instância de Recurso enquanto tal, o Tribunal de Justiça já declarou que esta reúne todos os elementos que permitem qualificá‑la de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, nomeadamente, a origem legal deste organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo referido organismo, das normas de direito, bem como a sua independência, com exceção do facto de pertencer a um dos Estados‑Membros (Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 72, e jurisprudência referida).

93      Em seguida, quanto à circunstância de a Instância de Recurso decidir em primeira e segunda instância, há que recordar que, por força do artigo 47.o da Carta, o princípio da proteção jurisdicional efetiva confere um direito de acesso a um único tribunal e não a um duplo grau de jurisdição (Acórdão Oberto e O’Leary, n.o 72 e jurisprudência referida).

94      Por último, no que toca ao alcance da competência jurisdicional conferida à Instância de Recurso no que respeita às decisões de um Conselho de Turma de uma Escola Europeia de não autorizar a passagem de um aluno para a classe seguinte, resulta do artigo 62.o, n.o 1, do RGEE de 2014 que essas decisões de um Conselho de Turma não admitem recurso por parte dos representantes legais dos alunos exceto com fundamento em vício de forma ou em factos novos, reconhecidos como tais pelo Secretário‑Geral com base no dossier apresentado pela escola e pelos representantes legais do aluno.

95      Esta disposição prevê que, por «vício de forma» se entende qualquer violação de uma regra do direito relativa ao processo a adotar para a passagem para a classe seguinte que, caso não tivesse sido praticada, levaria a que a decisão do Conselho de Turma fosse diferente, precisando, nomeadamente, a este respeito, que as modalidades de organização prática dos exames pertencem às escolas e não podem ser consideradas como um vício de forma. Deve entender‑se por «facto novo» qualquer elemento que não tenha sido levado ao conhecimento do Conselho de Turma por ser desconhecido de todos — professores, pais, aluno — no momento da sua deliberação e que seria suscetível de influenciar o sentido da sua decisão. Um facto conhecido dos pais, mas não levado ao conhecimento do Conselho de Turma não pode ser classificado como elemento novo na aceção da referida disposição.

96      O artigo 62.o, n.o 1, do RGEE de 2014 precisa, além disso, no seu último parágrafo, que as apreciações relativas às capacidades dos alunos e a atribuição de uma nota por uma composição ou um trabalho durante o ano letivo são abrangidas pelo âmbito do poder de apreciação exclusivo do Conselho de Turma e não admitem recurso.

97      Conforme resulta das decisões proferidas pela Instância de Recurso apresentadas pela Escola Europeia de Varese, as disposições do artigo 62.o, n.o 1, do RGEE de 2014, embora consagradas ao recurso administrativo interposto perante o Secretário‑Geral, condicionam, em consequência, igualmente também o alcance da competência jurisdicional desta Instância de Recurso em caso de recurso interposto pelos representantes legais do aluno contra uma decisão do Secretário‑Geral que decidiu desfavoravelmente o recurso administrativo inicialmente interposto perante este último.

98      Ora, um recurso judicial, mesmo que assim delimitado, nomeadamente, para preservar a margem de apreciação de ordem pedagógica que deve necessariamente assistir ao coletivo dos docentes que deram aulas ao aluno cuja passagem para a classe seguinte é objeto de um exame e de uma decisão por parte desse coletivo, não afeta o princípio da proteção jurisdicional efetiva, desde que por «violação de uma regra do direito relativa ao processo a adotar para a passagem para a classe seguinte», na aceção do artigo 62.o, n.o 1, do RGEE de 2014, se entenda, em sentido amplo, a violação de qualquer regra tanto estritamente processual como substantiva que deva necessariamente ser observada nas deliberações dos Conselhos de Turma. Conforme resulta do n.o 89 do presente acórdão, entre essas regras figuram, nomeadamente, os princípios gerais do direito da União aplicáveis cujo respeito deve ser assegurado pela Instância de Recurso quando é chamada a apreciar um recurso de uma decisão do Conselho de Turma de não autorizar a passagem de um aluno para a classe seguinte.

99      Quanto ao alcance da fiscalização exercida por esta Instância de Recurso no que toca à fundamentação dessa decisão do Conselho de Turma, o princípio da proteção jurisdicional efetiva exige, assim nomeadamente, que, sem prejuízo da ampla margem de apreciação supramencionada inerente à função deliberativa atribuída ao Conselho de Turma, essa fiscalização incida, pelo menos, sobre a verificação da ausência de excesso ou desvio de poder, erro de direito ou erro manifesto de apreciação [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 145), e de 15 de abril de 2021, FV/Conselho, C‑875/19 P, EU:C:2021:283, n.o 65 e jurisprudência referida].

100    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial submetida que as disposições conjugadas do artigo 27.o, n.o 2, da CEEE, e dos artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o do RGEE de 2014 devem ser interpretadas no sentido de que a Instância de Recurso tem competência exclusiva, em primeira e segunda instância, para decidir, após ter esgotado a via administrativa prevista nesse regulamento geral, sobre os litígios relativos à legalidade da decisão de um Conselho de Turma de uma Escola Europeia de não autorizar a passagem de um aluno para uma classe seguinte do ciclo secundário.

 Quanto às despesas

101    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

As disposições conjugadas do artigo 27.o, n.o 2, da Convenção relativa ao Estatuto das Escolas Europeias, celebrada no Luxemburgo em 21 de junho de 1994, entre os EstadosMembros e as Comunidades Europeias, e dos artigos 61.o, 62.o, 66.o e 67.o do Regulamento Geral das Escolas Europeias, na sua versão n.o 201403D14fr11, devem ser interpretadas no sentido de que a Instância de Recurso tem competência exclusiva, em primeira e segunda instância, para decidir, após ter esgotado a via administrativa prevista neste regulamento geral, sobre os litígios relativos à legalidade da decisão de um Conselho de Turma de uma Escola Europeia de não autorizar a passagem de um aluno para uma classe seguinte do ciclo secundário.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.