Language of document : ECLI:EU:T:2012:215

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

4 de maio de 2012 (*)

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Parecer do Serviço Jurídico do Conselho sobre uma recomendação da Comissão no sentido de autorizar o início de negociações com vista à celebração de um acordo internacional — Recusa parcial de acesso — Exceção relativa à proteção do interesse público no domínio das relações internacionais — Exceção relativa à proteção dos pareceres jurídicos — Violação concreta e previsível do interesse em causa — Interesse público superior»

No processo T‑529/09,

Sophie in ’t Veld, residente em Bruxelas (Bélgica), representada por O. Brouwer e J. Blockx, advogados,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por M. Bauer, C. Fekete e o. Petersen, e em seguida por M. Bauer e C. Fekete, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

Comissão Europeia, representada por C. O’Reilly e P. Costa de Oliveira, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto um pedido de anulação da decisão do Conselho de 29 de outubro de 2009 que recusa o acesso integral ao documento n.° 11897/09, de 9 de julho de 2009, que contém o parecer do Serviço Jurídico do Conselho intitulado «Recomendação da Comissão ao Conselho no sentido de autorizar o início de negociações entre a União Europeia e os Estados Unidos da América com vista à celebração de um acordo internacional para colocar à disposição do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos (United States Treasury Department) dados relativos a mensagens de natureza financeira a fim de combater o terrorismo e o financiamento do terrorismo — Base jurídica»,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: S. Papasavvas, presidente, V. Vadapalas (relator) e K. O’Higgins, juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de setembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Sophie in ’t Veld, é membro do Parlamento Europeu.

2        Em 28 de julho de 2009, requereu, ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), o acesso ao parecer do Serviço Jurídico do Conselho sobre uma recomendação da Comissão ao Conselho no sentido de autorizar o início de negociações entre a União Europeia e os Estados Unidos da América com vista à celebração de um acordo internacional para colocar à disposição do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos dados relativos a mensagens de natureza financeira a fim de combater o terrorismo e o financiamento do terrorismo (a seguir «documento n.° 11897/09»).

3        Em 8 de setembro de 2009, O Conselho da União Europeia recusou o acesso ao documento n.° 11897/09 invocando fundamentos baseados no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, e no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

4        Em 28 de setembro de 2009, a recorrente dirigiu ao Conselho um pedido confirmativo no sentido de este rever a sua posição.

5        Por decisão de 23 de outubro de 2009, comunicada à recorrente por carta de 29 de outubro de 2009, o Conselho autorizou o acesso parcial ao documento n.° 11897/09, mantendo a sua resposta negativa relativamente ao acesso integral ao referido documento, invocando as exceções previstas no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, e no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 (a seguir «decisão impugnada»).

6        Na decisão impugnada, o Conselho indicou, por um lado, que «a divulgação do documento [n.° 11897/09] revelaria ao público informações relativas a determinadas disposições do acordo previsto […], e teria, por conseguinte, uma influência negativa na posição negocial da [União] e prejudicaria o clima de confiança nas negociações em curso». O Conselho acrescentou que «a divulgação do documento revelaria à outra parte […] elementos relativos à posição que deverá ser tomada pela [União] nas negociações que — no caso de o parecer do Serviço Jurídico ser crítico — poderiam ser explorados de forma a enfraquecer a posição negocial da [União]» (n.° 6 da decisão impugnada).

7        Por outro lado, o Conselho indicou que o documento n.° 11897/09 continha «um parecer jurídico relativo à base jurídica e às competências respetivas da [União] e da Comunidade Europeia para celebrar o acordo» e que este «assunto sensível, que tem incidência nos poderes do Parlamento Europeu na celebração do acordo, foi objeto de posições divergentes entre as instituições». Nestas condições, «[a] divulgação do conteúdo do documento requerido poderia prejudicar a proteção dos pareceres jurídicos na medida em que tornaria público um parecer interno do Serviço Jurídico, destinado unicamente aos membros do Conselho no contexto de debates preliminares no Conselho sobre o acordo previsto» (n.° 10 da decisão impugnada). Além disso, o Conselho «concluiu que a proteção do parecer jurídico interno relativo a um projeto de acordo internacional […] se sobrepunha ao interesse público da divulgação» (n.° 15 da decisão impugnada).

8        Por último, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001, o Conselho concedeu «um acesso parcial […] à introdução que figura na página 1, aos n.os 1 a 4 e à primeira frase do n.° 5 do documento, que não faz[iam] parte das exceções previstas no Regulamento [n.°] 1049/2001» (n.° 16 da decisão impugnada).

 Tramitação processual e pedidos das partes

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de dezembro de 2009, a recorrente interpôs o presente recurso.

10      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de maio de 2010, a Comissão Europeia requereu que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos do Conselho. Este requerimento foi deferido por despacho do presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral de 7 de julho de 2010.

11      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afetado à Quinta Secção, à qual, por conseguinte, foi atribuído o processo.

12      No âmbito das medidas de instrução previstas no artigo 65.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral, por despacho de 7 de julho de 2011, ordenou ao Conselho que apresentasse o documento n.° 11897/09, sem que o mesmo fosse comunicado à recorrente e à Comissão. O Conselho deu cumprimento a esta medida de instrução no prazo fixado.

13      No âmbito das medidas de organização do processo, em 13 de julho de 2011, o Tribunal colocou questões escritas às partes, às quais estas responderam dentro do prazo fixado.

14      Na audiência de 7 de setembro de 2011, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal.

15      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada;

¾        condenar o Conselho nas despesas, incluindo as despesas dos eventuais intervenientes.

16      O Conselho e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas, incluindo as da Comissão.

 Questão de direito

17      A título preliminar, deve recordar‑se que o Regulamento n.° 1049/2001 tem por objetivo, como decorre do seu artigo 1.°, lido à luz do quarto considerando, permitir um direito de acesso o mais amplo possível do público aos documentos das instituições.

18      Uma vez que as exceções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001 derrogam esse princípio, devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de julho de 2011, Suécia/MyTravel e Comissão, C‑506/08 P, Colet., p. I‑6237, n.° 75 e jurisprudência referida).

19      Assim, quando a instituição em causa decide recusar o acesso a um documento cuja comunicação lhe tinha sido solicitada, incumbe‑lhe, em princípio, explicar as razões pelas quais o acesso a esse documento poderia prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido por uma exceção prevista no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, que essa instituição invoca (v. acórdão Suécia/MyTravel e Comissão, referido no n.° 18 supra, n.° 76 e jurisprudência referida).

20      A este respeito, por um lado, a simples circunstância de um documento respeitar a um interesse protegido por uma exceção não basta para justificar a aplicação desta última. Semelhante aplicação só pode, em princípio, ser justificada na hipótese de a instituição ter previamente apreciado, em primeiro lugar, se o acesso ao documento é concreta e efetivamente suscetível de prejudicar um interesse protegido e, em segundo lugar, nas hipóteses referidas no artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001, se não existe um interesse público superior que justifique a divulgação do documento em causa. Por outro lado, o risco de ser prejudicado um interesse protegido deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético (v. acórdão do Tribunal Geral de 12 de setembro de 2007, API/Comissão, T‑36/04, Colet., p. II‑3201, n.° 54 e jurisprudência referida).

21      O facto de o documento ter a classificação de «RESTREINT UE», nos termos da Decisão 2001/264/CE do Conselho, de 19 de março de 2001, que aprova as regras de segurança do Conselho (JO L 101, p. 1), embora possa ser uma indicação do conteúdo sensível do documento assim classificado, não pode ser suficiente para justificar a aplicação das exceções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 26 de abril de 2005, Sison/Conselho, T‑110/03, T‑150/03 e T‑405/03, Colet., p. II‑1429, n.° 73).

22      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, o segundo, à violação do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do referido regulamento, o terceiro, à violação do artigo 4.°, n.° 6, deste mesmo regulamento e, o quarto, à violação do dever de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001

23      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, as instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção do interesse público no domínio das relações internacionais.

24      Cumpre recordar que a decisão que deve ser tomada pela instituição ao abrigo dessa disposição tem um caráter complexo e delicado que obriga a um especial grau de prudência, nomeadamente no que diz respeito à natureza particularmente sensível e fundamental do interesse protegido.

25      Dado que essa decisão exige uma ampla margem de apreciação, a fiscalização da legalidade efetuada pelo Tribunal Geral deve limitar‑se à verificação do respeito pelas regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de fevereiro de 2007, Sison/Conselho, C‑266/05 P, Colet., p. I‑1233, n.° 34).

26      No caso em apreço, decorre da decisão impugnada que o documento n.° 11897/09, cujo acesso foi solicitado pela recorrente, constitui um parecer do Serviço Jurídico do Conselho, emitido com vista à adoção da decisão do Conselho que autoriza o início de negociações, em nome da União, entre a União Europeia e os Estados Unidos da América com vista à celebração de um acordo internacional para colocar à disposição do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos dados relativos a mensagens de natureza financeira a fim de combater o terrorismo e o financiamento do terrorismo. Além disso, é pacífico que o parecer tem por objeto, no essencial, a base jurídica dessa decisão e, portanto, as competências respetivas da União e da Comunidade (n.os 5 e 10 da decisão impugnada).

27      A recorrente alega que o documento em causa não é suscetível de estar abrangido pelo âmbito de aplicação da exceção relativa à proteção do interesse público no domínio das relações internacionais, tendo em conta o assunto de que trata. Em seu entender, a base jurídica de uma decisão que autoriza o início de negociações é uma questão de direito interno da União que não é suscetível de ter consequências no conteúdo das negociações e, consequentemente, nas relações internacionais da União.

28      Importa observar que, contrariamente ao que a recorrente sustenta, o documento n.° 11897/09, tendo em conta o seu conteúdo e o contexto em que foi elaborado, é suscetível de estar abrangido pela exceção em causa.

29      Com efeito, esse documento foi redigido especificamente com vista ao início de negociações que devem conduzir à celebração de um acordo internacional. Assim, embora diga respeito à questão da base jurídica, que é uma questão de direito interno da União, a análise efetuada pelo Serviço Jurídico do Conselho está necessariamente associada ao contexto específico do acordo internacional previsto.

30      Nestas condições, há que examinar se o Conselho demonstrou que o acesso aos elementos não divulgados do documento n.° 11897/09 podia prejudicar concreta e efetivamente o interesse público em causa.

31      O Conselho indica que a divulgação do documento n.° 11897/09 é suscetível de prejudicar o interesse público no domínio das relações internacionais, na medida em que essa divulgação, por um lado, revelaria ao público informações relativas a determinadas disposições do acordo previsto, o que prejudicaria o clima de confiança das negociações em curso, e, por outro, revelaria à outra parte elementos relativos à posição que deve ser adotada pela União nas referidas negociações que poderiam ser explorados de forma a enfraquecer a sua posição (n.° 6 da decisão impugnada).

32      Assim, há que separar o exame da aplicação da exceção em causa relativamente aos dois fundamentos invocados pelo Conselho na decisão impugnada.

33      Em primeiro lugar, no que se refere ao risco de divulgação ao público de informações relativas a determinadas disposições do acordo previsto, a recorrente sustenta que, ainda que o documento em causa contivesse essas informações, estas só poderiam consistir numa descrição objetiva dos factos, com um conteúdo que provavelmente não vai além das informações já divulgadas nos documentos públicos. Em seu entender, em qualquer caso, a análise dos objetivos estratégicos prosseguidos pela União nas negociações em causa deve representar apenas uma pequena parte do documento, devendo o restante do referido documento ser divulgado.

34      O Conselho alega que o documento contém informações sobre o conteúdo do acordo previsto cuja divulgação poderia ter revelado determinados aspetos dos objetivos estratégicos prosseguidos pela União.

35      A este respeito, deve observar‑se que o Tribunal Geral, ao ter tido conhecimento do documento em causa no âmbito das medidas de instrução, pôde constatar que a análise jurídica feita nesse documento continha determinadas passagens relacionadas com os objetivos prosseguidos pela União nas negociações, em especial, na parte em que aborda o conteúdo específico do acordo previsto.

36      Assim, como refere acertadamente o Conselho no n.° 6 da decisão impugnada (v. n.° 6 supra), a divulgação desses elementos prejudicaria o clima de confiança das negociações que decorriam no momento da adoção da decisão impugnada.

37      A este respeito, a recorrente não pode validamente invocar o facto, referido na audiência, de que um determinado número de informações relativas ao conteúdo do acordo previsto foram tornadas públicas, tanto pelo próprio Conselho como no âmbito dos debates no Parlamento.

38      Com efeito, o risco de ser prejudicado o interesse em causa invocado pelo Conselho resulta da divulgação da apreciação especial desses elementos feita pelo seu Serviço Jurídico e, portanto, o simples facto de os referidos elementos serem eles próprios do conhecimento do público não infirma esta consideração.

39      Consequentemente, há que observar que o Conselho pôde, em toda a legalidade, invocar o risco de ser prejudicado o interesse protegido no âmbito da exceção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 para recusar a divulgação das passagens do documento solicitado que contêm a análise do conteúdo específico do acordo previsto suscetível de revelar os objetivos estratégicos prosseguidos pela União nas negociações.

40      Em segundo lugar, importa examinar o fundamento relativo ao risco de revelar «à outra parte nas negociações […] elementos relativos à posição que deve ser tomada pela [União] nas negociações que — no caso de o parecer jurídico ser crítico — poderiam ser explorados de forma a enfraquecer a posição negocial da [União]» (n.° 6 da decisão impugnada).

41      O Conselho considera que o fundamento em causa faz referência ao risco de divulgar elementos da análise relativa à base jurídica do futuro acordo, ainda que se deva observar que esta consideração não decorre explicitamente do n.° 6 da decisão impugnada.

42      Nos seus articulados e na audiência, o Conselho indicou que, por essa razão, fez referência ao facto de o parecer do seu Serviço Jurídico conter a análise da base jurídica do futuro acordo e, deste modo, da ação a desenvolver pelo Conselho com vista à assinatura do acordo. Segundo o Conselho, independentemente da questão de saber se a base jurídica escolhida para as negociações era correta, qualquer divulgação de informações a esse respeito teria afetado a posição negocial da União e poderia ter tido um efeito negativo quanto ao conteúdo das negociações. O Conselho observa que, ainda que nem todas as passagens do documento solicitado estejam abrangidas pelo fundamento relativo ao risco de divulgação das informações sobre o acordo previsto, toda a parte não divulgada do documento estaria coberta por este segundo fundamento.

43      A recorrente alega que é difícil saber como é que uma discussão sobre a base jurídica de um acordo pode prejudicar as relações internacionais da União. Sustenta, a este respeito, que a transparência quanto à base jurídica contribui para conferir uma maior legitimidade ao Conselho enquanto parceiro na negociação. Em seu entender, é a falta de transparência que prejudica, a longo prazo, as relações internacionais, tanto mais que, no caso em apreço, o Conselho reconheceu que o assunto discutido tinha «incidência nos poderes do Parlamento Europeu na celebração do acordo» e «foi objeto de posições divergentes entre as instituições» (n.° 10 da decisão impugnada).

44      O Conselho alega que, no que diz respeito às negociações em curso, a divulgação de uma eventual «controvérsia» quanto à base jurídica do futuro acordo poderia originar uma confusão quanto à competência da União e, assim, enfraquecer a sua posição nas negociações internacionais. Precisa que, na eventualidade de o Serviço Jurídico do Conselho ter emitido um parecer negativo sobre determinados pontos da negociação, isso poderia ter sido explorado pela outra parte nas negociações.

45      A Comissão sustenta que, no contexto das relações internacionais, quando existem dúvidas expressas em público quanto à base jurídica das negociações, isso não confere maior legitimidade às instituições, podendo, pelo contrário, prejudicar essa legitimidade aos olhos do parceiro internacional, e isso em detrimento das negociações em curso.

46      Importa observar que, contrariamente ao que o Conselho e a Comissão sustentam, o risco de divulgar posições tomadas nas instituições quanto à base jurídica para a celebração de um futuro acordo não demonstra, só por si, a existência de um risco de ser prejudicado o interesse da União em matéria de relações internacionais.

47      A este respeito, há, antes de mais, que salientar que a escolha da base jurídica adequada, para uma ação interna ou internacional da União, se reveste de uma importância de natureza constitucional. Com efeito, dispondo apenas das competências que lhe são atribuídas, a União deve necessariamente associar o ato que deseja adotar a uma disposição do Tratado que a habilite a aprovar esse ato (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07, Colet., p. I‑8917, n.° 47).

48      Além disso, a escolha da base jurídica de um ato, incluindo de um ato adotado com vista à celebração de um acordo internacional, não resulta apenas da convicção do seu autor, antes devendo assentar em elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional, como, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do ato (v. parecer do Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2001, 2/00, Colet., p. I‑9713, n.° 22 e jurisprudência referida).

49      Assim, uma vez que a escolha da base jurídica de um ato se baseia em elementos objetivos e não decorre da margem de apreciação da instituição, a eventual divergência de opiniões sobre esta matéria não pode ser equiparada a uma divergência entre as instituições quanto aos elementos relativos ao conteúdo do acordo.

50      Consequentemente, o mero receio de divulgar uma eventual posição divergente das instituições quanto à base jurídica de uma decisão que autoriza o início das negociações em nome da União não é suficiente para daí se poder inferir um risco de ser prejudicado o interesse público protegido em matéria de relações internacionais.

51      Em seguida, a Comissão invoca, fazendo referência ao acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de maio de 2006, Parlamento/Conselho e Comissão (C‑317/04 e C‑318/04, Colet., p. I‑4721, n.os 67 a 70), o risco, para a credibilidade da União durante as negociações, decorrente da divulgação de um documento que atesta a existência de uma dúvida quanto à escolha da base jurídica. Recorda que o recurso a uma base jurídica errada é suscetível de invalidar o próprio ato de celebração e, portanto, de viciar o consentimento da União para se vincular pelo acordo.

52      Cumpre, no entanto, salientar que esse risco não se presume da existência de um debate jurídico sobre o alcance das competências institucionais relativas à ação internacional da União.

53      Com efeito, uma confusão sobre a natureza da competência da União, suscetível de a prejudicar na defesa da sua posição nas negociações internacionais, que pode resultar da omissão da referência à base jurídica (v., neste sentido, acórdão Comissão/Conselho, referido no n.° 47 supra, n.° 49), só pode ser agravado pela inexistência de debate prévio e objetivo entre as instituições em causa sobre a base jurídica da ação prevista.

54      Além disso, o direito da União conhece um procedimento previsto, à época dos factos, no artigo 300.°, n.° 6, CE, que tem precisamente por objeto evitar complicações, tanto ao nível da União como da ordem jurídica internacional, suscetíveis de ocorrerem devido à escolha errada da base jurídica (v. parecer do Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 1975, 1/75, Colet., pp. 457, 460 e 461).

55      Estas considerações ainda se justificam mais no caso em apreço porque no momento da adoção da decisão impugnada a existência de divergências quanto à base jurídica do acordo previsto era do domínio público.

56      Em especial, a existência de opiniões divergentes nas instituições foi declarada na Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de setembro de 2009, sobre o acordo internacional previsto para disponibilizar ao Departamento do Tesouro dos Estados Unidos dados relativos a mensagens de natureza financeira a fim de prevenir e combater o terrorismo e o financiamento do terrorismo.

57      Por outro lado, na medida em que, ao invocar o fundamento em causa, o Conselho se refere também ao facto de o parecer do seu Serviço Jurídico abordar determinados pontos do projeto das orientações de negociação cujo conhecimento poderia ser explorado pela outra parte nas negociações, há que observar que esta consideração, que é seguramente suficiente para demonstrar um risco de ser prejudicado o interesse da União em matéria de relações internacionais, só diz respeito aos elementos do documento solicitado relacionados com o conteúdo das orientações de negociação.

58      Resultas destas considerações que, com exceção dos elementos do documento solicitado relativos ao conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação, suscetíveis de revelar os objetivos estratégicos prosseguidos pela União nas negociações, o Conselho não demonstrou como é que, concreta e efetivamente, o acesso mais amplo a esse documento teria prejudicado o interesse público em matéria de relações internacionais.

59      À luz do exposto, o primeiro fundamento é parcialmente procedente, na medida em que o Conselho não demonstrou o risco de ser prejudicado o interesse público no domínio das relações internacionais no que diz respeito às partes não divulgadas do documento solicitado relativas à base jurídica do futuro acordo, tendo esse risco sido unicamente demonstrado relativamente aos elementos relacionados com o conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação suscetíveis de revelar os objetivos estratégicos prosseguidos pela União nas negociações.

60      A decisão impugnada é, por conseguinte, parcialmente anulada, na parte em que recusa o acesso às partes não divulgadas do documento solicitado, que não sejam as relacionadas com o conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação, suscetíveis de revelar os objetivos estratégicos prosseguidos pela União nas negociações.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001

61      Em face da conclusão decorrente do exame do primeiro fundamento, há que limitar o exame do presente fundamento às partes não divulgadas do documento solicitado, com exceção das relacionadas com o conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação, estando estas últimas claramente abrangidas pela exceção relativa à proteção do interesse público em matéria de relações internacionais.

62      Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, as instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de pareceres jurídicos exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação do referido documento.

63      Se o Conselho pretender invocar as disposições do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, deve proceder a um exame em três momentos que correspondem aos três critérios que constam das referidas disposições.

64      Num primeiro momento, o Conselho deve assegurar que o documento cuja divulgação é pedida diz realmente respeito a um parecer jurídico e, se for este o caso, determinar quais as partes deste último efetivamente em causa e, portanto, suscetíveis de serem abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida exceção. Num segundo momento, o Conselho deve examinar se a divulgação das partes do documento em questão identificadas como sendo relativas a pareceres jurídicos pode prejudicar a proteção destes últimos. Num terceiro momento, se o Conselho considerar que a divulgação prejudica a proteção de pareceres jurídicos, incumbe‑lhe verificar se não existe um interesse público superior que justifique essa divulgação, pese embora o prejuízo que daí poderia resultar para a sua aptidão em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, Colet., p. I‑4723, n.os 37 a 44).

65      No caso em apreço, no que diz respeito, antes de mais, ao primeiro critério, é pacífico que o documento n.° 11897/09 constitui efetivamente um parecer jurídico sobre a base jurídica no direito da União de uma ação internacional prevista, como resulta do seu título, e que, relativamente a toda a sua parte não divulgada, pode estar abrangido pelo âmbito de aplicação da exceção em causa.

66      Em seguida, no que diz respeito a um risco de ser prejudicado o interesse da instituição em solicitar pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos, o Conselho indica, em primeiro lugar, que a divulgação solicitada teria por efeito tornar público «um parecer interno do Serviço Jurídico destinado apenas aos membros do Conselho no contexto dos debates preliminares no [seu] seio sobre o acordo previsto», o que poderia «dissuadir o Conselho de convidar o seu Serviço Jurídico a emitir um parecer escrito» (n.° 10 da decisão impugnada). Em segundo lugar, o Conselho salienta o risco de o próprio Serviço Jurídico «[se abster] de emitir pareceres escritos que pudessem levar o Conselho a correr um risco no futuro[, o que] teria uma incidência no [seu] conteúdo» (n.° 11 da decisão impugnada). Em terceiro lugar, o Conselho alega que «a divulgação do parecer interno do Serviço Jurídico […] prejudicaria gravemente a capacidade do [referido] serviço [de] apresentar e defender […] a posição do Conselho nos processos jurisdicionais, posição que poderia ser diferente da recomendada previamente pelo Serviço Jurídico» (n.° 12 da decisão impugnada).

67      A recorrente sustenta, no essencial, que essas considerações não são suficientes para justificar o risco de ser prejudicado o interesse relativo à proteção dos pareceres jurídicos.

68      O Conselho, apoiado pela Comissão, afirma que aplicou corretamente o artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 para recusar o acesso do público ao documento solicitado precisando, nomeadamente, que a questão analisada no documento era sensível e que lhe teria sido impossível fornecer elementos suplementares sobre a maneira como a divulgação do documento n.° 11897/09 teria podido prejudicar, individual e concretamente, a proteção dos pareceres jurídicos, sem revelar o conteúdo do documento e, portanto, privar a exceção da sua finalidade essencial.

69      Deve recordar‑se que o risco de a divulgação do documento ser suscetível de prejudicar efetivamente o interesse da instituição em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético (acórdão Suécia e Turco/Conselho, referido no n.° 64 supra, n.os 40, 42 e 43).

70      Ora, os fundamentos invocados pelo Conselho para recusar o acesso ao documento n.° 11897/09 não permitem demonstrar, mediante uma argumentação circunstanciada, esse risco. Com efeito, os fundamentos da decisão impugnada, segundo os quais o Conselho e o seu Serviço Jurídico podiam ser dissuadidos de, respetivamente, pedir e dar pareceres escritos relativos a questões sensíveis, não são comprovados por nenhum elemento concreto e circunstanciado, suscetível de estabelecer a existência de um risco razoavelmente previsível, e não puramente hipotético, relativamente ao interesse do Conselho em receber pareceres francos, objetivos e completos.

71      Além disso, na medida em que a possibilidade de prejudicar o interesse público em matéria de relações internacionais está consagrada numa exceção diferente, prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, o simples facto de o parecer jurídico contido no documento n.° 11897/09 ter por objeto o domínio das relações internacionais da União não é por si só suficiente para aplicar a exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do referido regulamento.

72      É verdade que, na audiência, o Conselho recordou que as negociações relativas ao acordo previsto ainda estavam a decorrer no momento em que proferiu a decisão impugnada.

73      No entanto, embora se possa admitir que nessa situação se justifique uma proteção reforçada dos documentos da instituição para excluir qualquer prejuízo ao interesse da União no desenvolvimento de negociações internacionais, este argumento já foi tido em conta pelo reconhecimento da ampla margem de apreciação de que as instituições gozam no âmbito da aplicação da exceção prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

74      Ora, relativamente à exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do referido regulamento, o Conselho não pode validamente invocar o argumento geral segundo o qual um prejuízo ao interesse público protegido se podia presumir num domínio sensível, nomeadamente, no que se refere a pareceres jurídicos dados no âmbito do processo de negociação de um acordo internacional.

75      Um prejuízo concreto e previsível ao interesse em causa também não é demonstrado pelo simples receio de divulgar aos cidadãos as divergências de pontos de vista entre as instituições quanto à base jurídica da ação internacional da União e, assim, criar uma dúvida quanto à legalidade dessa ação.

76      Com efeito, a consideração segundo a qual o risco de que divulgação dos pareceres jurídicos relativos a um processo legislativo possa suscitar dúvidas quanto à legalidade de atos legislativos não pode bastar para caracterizar um prejuízo para a proteção de pareceres jurídicos (acórdãos Suécia e Turco/Conselho, referido no n.° 64 supra, n.° 60, e Suécia/MyTravel e Comissão, referido no n.° 18 supra, n.° 113) é, em princípio, transponível para o domínio da ação internacional da União, dado que o processo decisório nesse domínio não está excluído da aplicação do princípio da transparência. Basta recordar a este respeito que o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001 precisa que o mesmo é aplicável a todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de atividade da União.

77      Ora, o Conselho não invoca nenhum argumento concreto que justifique a não aplicação desta consideração ao caso em apreço.

78      Quanto ao argumento do Conselho relativo ao risco de ser prejudicada a capacidade do seu Serviço Jurídico defender, nos processos jurisdicionais, uma posição sobre a qual exprimiu um parecer negativo, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça já declarou diversas vezes, um argumento de ordem tão genérica não pode justificar uma exceção à transparência prevista pelo Regulamento n.° 1049/2001 (v., neste sentido, acórdãos Suécia e Turco/Conselho, referido no n.° 64 supra, n.° 65, e Suécia/MyTravel e Comissão, referido no n.° 18 supra, n.° 116).

79      Daqui resulta que, devido ao seu caráter genérico e hipotético, os fundamentos invocados na decisão impugnada não são suficientes para demonstrar o risco de ser prejudicado o interesse geral relativo à proteção dos pareceres jurídicos.

80      Por outro lado, o caráter genérico dos fundamentos em causa não pode ser justificado, contrariamente ao que o Conselho pretende, pela impossibilidade de fornecer elementos suplementares, tendo em conta o conteúdo sensível do documento solicitado. Com efeito, para além do facto de que a existência de um risco de ser prejudicado o interesse invocado não resulta do contexto em que o documento n.° 11897/09 é produzido nem dos assuntos tratados, o Conselho não apresentou nenhum indício quanto aos elementos suplementares que devia ter apresentado baseando‑se no conteúdo do documento.

81      Por último, no que diz respeito ao terceiro critério do exame previsto no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, incumbia ao Conselho ponderar o interesse específico que deve ser protegido pela não divulgação do documento em causa com um eventual interesse público superior que justificasse essa divulgação.

82      Há que ter em conta, nomeadamente, o interesse geral em que esse documento seja tornado público, tendo em conta as vantagens que decorrem, como assinala o segundo considerando do Regulamento n.° 1049/2001, de uma transparência mais ampla, a saber, uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático (acórdão Suécia e Turco/Conselho, referido no n.° 64 supra, n.° 45).

83      Estas considerações são, sem dúvida, particularmente pertinentes quando o Conselho age na qualidade de legislador, como resulta do sexto considerando do Regulamento n.° 1049/2001, segundo o qual deverá ser concedido maior acesso aos documentos precisamente nesse caso (acórdão Suécia e Turco/Conselho, referido no n.° 64 supra, n.° 46).

84      A este respeito, as partes divergem sobre a questão de saber se, no processo que conduz à adoção de um acordo internacional que tem por objeto um domínio legislativo da União, o Conselho age na sua qualidade de legislador.

85      A recorrente sustenta que o acordo visado pelo documento n.° 11897/09 é de natureza legislativa, nomeadamente na aceção do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001, na medida em que esse acordo teria efeitos vinculativos nos Estados‑Membros no que diz respeito à transmissão de dados relativos a mensagens de natureza financeira às autoridades de um país terceiro.

86      O Conselho sustenta que não agiu na sua qualidade de legislador. Invoca, a este propósito, o artigo 7.° da sua Decisão 2006/683/CE, Euratom, de 15 de setembro de 2006, que adota o Regulamento Interno do Conselho (JO L 285, p. 47). Esta disposição enumera os casos em que o Conselho age na qualidade de legislador ao abrigo do artigo 207.°, n.° 3, segundo parágrafo, CE, dos quais estão excluídas as deliberações que conduzem à adoção de atos relativos às relações internacionais.

87      Importa referir que as disposições invocadas, que visam essencialmente definir os casos em que os documentos devem, em princípio, ser diretamente acessíveis ao público, têm apenas um valor indicativo para determinar se o Conselho agiu ou não na sua qualidade de legislador para efeitos da aplicação das exceções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001.

88      Há que observar que a iniciativa e a condução das negociações com vista à celebração de um acordo internacional são, em princípio, da competência do executivo. Além disso, a participação do público no processo relativo à negociação e à celebração de um acordo internacional é necessariamente restrita, tendo em conta o interesse legítimo de não revelar os elementos estratégicos das negociações. Portanto, no âmbito desse processo, há que considerar que o Conselho não age na sua qualidade de legislador.

89      No entanto, a aplicação das considerações relacionadas com o princípio da transparência do processo decisório da União, acima referidas no n.° 82, não pode ser excluída relativamente à ação internacional, em especial, quando uma decisão que autoriza o início das negociações visa um acordo internacional que pode ter consequências num domínio da atividade legislativa da União.

90      No caso em apreço, o acordo previsto entre a União e os Estados Unidos da América é um acordo que afeta, essencialmente, o domínio do tratamento e da troca de informações no quadro da cooperação policial, que pode também afetar a proteção de dados pessoais.

91      A este respeito, há que recordar que a proteção de dados pessoais constitui um direito fundamental, consagrado no artigo 8.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2007, C 303, p. 1), e aplicado, nomeadamente, pela Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31), e pelo Regulamento (CE) n.° 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1).

92      Assim, o Conselho devia ter tido em conta o domínio abrangido pelo acordo em causa, verificando, em conformidade com o princípio do acesso o mais amplo possível do público aos documentos, se o interesse geral associado a uma transparência acrescida no procedimento em causa não justificava a divulgação completa ou mais ampla do documento solicitado não obstante o risco de prejudicar a proteção dos pareceres jurídicos.

93      A este respeito, como refere a recorrente, existia um interesse público superior na divulgação do documento n.° 11897/09, na medida em que este documento contribuiria para conferir uma maior legitimidade às instituições e aumentaria a confiança dos cidadãos europeus nessas instituições ao tornar possível um debate aberto quanto aos pontos sobre os quais existia uma divergência de opinião, tratando‑se, de resto, do documento que discute a base jurídica de um acordo que, depois de celebrado, terá influência no direito fundamental à proteção de dados pessoais.

94      No n.° 15 da decisão impugnada, o Conselho constata, depois de «ter cuidadosamente ponderado o interesse do Conselho na proteção do parecer jurídico interno elaborado pelo seu Serviço Jurídico e o interesse público na divulgação do documento», que «a proteção do parecer jurídico interno relativo a um projeto de acordo internacional que está atualmente a ser negociado prevalecia sobre o interesse público na divulgação». A este respeito, o Conselho rejeita o argumento da recorrente baseado no facto de que «o conteúdo eventual do acordo previsto e os pareceres quanto à base jurídica e a competência da Comunidade para celebrar esse acordo internacional que vinculará a Comunidade e afetará os cidadãos europeus» possam constituir um interesse público superior que deve ser tido em conta.

95      Há que observar que, ao excluir, por esses motivos, qualquer possibilidade de ter em conta o domínio abrangido pelo acordo previsto para determinar se existia, eventualmente, um interesse público superior que justificasse a divulgação do documento solicitado, o Conselho não ponderou os interesses em presença nos termos da exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

96      Esta consideração não pode ser posta em causa pelo argumento do Conselho de que o interesse público relacionado com a proteção dos pareceres jurídicos no contexto de negociações internacionais em curso apresenta semelhanças com o relacionado com a proteção do parecer jurídico que se inscreve no âmbito das funções puramente administrativas da Comissão, tal como referido no acórdão do Tribunal Geral de 9 de setembro de 2008, MyTravel/Comissão (T‑403/05, Colet., p. II‑2027, n.os 49, 125 e 126).

97      Com efeito, por um lado, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão Suécia/MyTravel e Comissão, referido no n.° 18 supra, anulou o acórdão do Tribunal Geral invocado pelo Conselho. Por outro, é precisamente a transparência no domínio dos pareceres jurídicos que, ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, contribui para conferir às instituições uma maior legitimidade aos olhos dos cidadãos da União e para aumentar a confiança dos mesmos. De facto, é sobretudo a falta de informação e de debate que é suscetível de fazer nascer dúvidas no espírito dos cidadãos não só quanto à legalidade de um ato isolado mas também quanto à legitimidade de todo o processo decisório (acórdão Suécia/MyTravel e Comissão, referido no n.° 18 supra, n.° 113).

98      Na audiência, a Comissão explicou por que é que, na sua opinião, o acórdão Suécia/MyTravel e Comissão, referido no n.° 18 supra, era diferente do caso em apreço e, por isso, não podia ser invocado validamente. Em seu entender, em primeiro lugar, foi invocada no caso vertente uma exceção obrigatória, relativa ao interesse público protegido no domínio das relações internacionais, o que não aconteceu no caso do referido acórdão. Em segundo lugar, o parecer jurídico contido no documento n.° 11897/09 tem por objeto um domínio sensível, o das relações internacionais, e, em terceiro lugar, o processo de celebração do acordo internacional ainda estava em curso quando o Conselho recusou a divulgação do referido documento, ao passo que o processo de adoção da decisão em causa no acórdão Suécia/MyTravel e Comissão, referido no n.° 18 supra, já tinha terminado.

99      Estes argumentos não são convincentes. Com efeito, por um lado, o facto de o documento em causa se referir a um domínio potencialmente abrangido pela exceção prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativa à proteção do interesse público no domínio das relações internacionais, não é pertinente para apreciar a aplicação da exceção diferente, relativa à proteção dos pareceres jurídicos, prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do referido regulamento.

100    Por outro lado, é verdade que o facto de o processo de celebração do acordo internacional ainda decorrer no momento da adoção da decisão impugnada pode ser invocado no âmbito do exame de um risco de ser prejudicado o interesse público relativo à proteção dos pareceres jurídicos. No entanto, este argumento não é decisivo no quadro da verificação da existência eventual de um interesse público superior que justifique a divulgação, não obstante esse risco de prejuízo.

101    Com efeito, o interesse público relativo à transparência do processo decisório ficaria desprovido de conteúdo se a sua tomada em consideração ficasse, como propõe a Comissão, limitada ao caso em que o processo decisório já estivesse concluído.

102    Resulta do exposto que os elementos invocados na decisão impugnada não permitem demonstrar que a divulgação do documento em causa prejudicaria a proteção dos pareceres jurídicos e que, em qualquer caso, o Conselho não verificou se existia um interesse público superior que justificasse a divulgação mais ampla do documento n.° 11897/09, em violação do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

103    Por conseguinte, há que declarar procedente o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001

104    Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001, quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das exceções, as restantes partes do documento serão divulgadas.

105    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o exame do acesso parcial a um documento das instituições da União deve ser realizado à luz do princípio da proporcionalidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2001, Conselho/Hautala, C‑353/99 P, Colet., p. I‑9565, n.os 27 e 28).

106    Resulta dos próprios termos do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001 que uma instituição é obrigada a examinar se é de conceder acesso parcial aos documentos em causa num pedido de acesso, limitando uma eventual recusa apenas aos dados abrangidos pelas exceções visadas no referido artigo. A instituição deve conceder esse acesso parcial se a finalidade prosseguida por essa instituição, ao recusar o acesso ao documento em causa, pode ser atingida no caso de a instituição se limitar a ocultar as passagens que possam causar prejuízo ao interesse público protegido (v. acórdão do Tribunal Geral de 25 de abril de 2007, WWF European Policy Programme/Conselho, T‑264/04, Colet., p. II‑911, n.° 50, e, neste sentido, acórdão Conselho/Hautala, referido no n.° 105 supra, n.° 29).

107    No caso em apreço, resulta do n.° 16 da decisão impugnada que o Conselho examinou a possibilidade de conceder à recorrente acesso parcial ao documento solicitado, ao decidir divulgar determinadas partes do referido documento, a saber, a introdução constante da página 1, os n.os 1 a 4 e a primeira frase do n.° 5 da análise contida no parecer jurídico.

108    Importa referir, como invoca a recorrente, que o acesso parcial é muito limitado, dado que a versão divulgada do documento em causa se limitou, no essencial, à sua introdução.

109    Há, contudo, que examinar se o caráter restrito do acesso parcial concedido no caso em apreço se justifica tendo em conta as exceções invocadas, à luz do princípio da proporcionalidade.

110    A este respeito, por um lado, no que se refere à exceção prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, importa recordar que o Conselho dispõe de um amplo poder de apreciação quando aprecia se a divulgação de um documento pode prejudicar o interesse público no domínio das relações internacionais, tendo em conta a natureza sensível e essencial do interesse protegido (v. n.° 25 supra).

111    No caso em apreço, resulta do exame do primeiro fundamento que o Conselho só demonstrou o risco de ser prejudicado o interesse público no domínio das relações internacionais relativamente aos elementos relacionados com o conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação suscetíveis de revelar os objetivos estratégicos prosseguidos pela União nas negociações (v. n.° 59 supra).

112    A este propósito, há que observar que este último fundamento é apenas aplicável a uma parte das passagens ocultadas do documento em causa. Com efeito, essas passagens contêm também considerações jurídicas relativas às regras de direito da União aplicáveis na matéria ou, de uma forma geral, à aplicação dessas regras no domínio abrangido pelo acordo previsto, que, de resto, não podem, sem mais, ser consideradas como estando relacionadas com o conteúdo específico do acordo ou das orientações de negociação.

113    Nestas condições, o erro constatado no âmbito da aplicação do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 conduz à ilegalidade da análise efetuada na decisão impugnada, relativamente à extensão do acesso parcial.

114    Por outro lado, no que diz respeito à exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, resulta do exame do segundo fundamento supra que o Conselho não demonstrou a existência de um prejuízo ao interesse público em causa, pelo que a invocação desse interesse não pode justificar a limitação da divulgação no quadro da decisão impugnada.

115    Resulta do conjunto destas considerações que, no âmbito do acesso parcial ao documento, o Conselho não respeitou a sua obrigação de limitar a recusa apenas às informações abrangidas pelas exceções invocadas.

116    O exame do terceiro fundamento conduz, portanto, à anulação parcial da decisão impugnada, na parte em que recusa o acesso às partes não divulgadas do documento solicitado, diferentes das relacionadas com o conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação, suscetíveis de revelar os objetivos estratégicos prosseguidos pela União nas negociações.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

117    Em face das conclusões a que se chegou na sequência do exame dos três primeiros fundamentos, há ainda que examinar se o Conselho respeitou o seu dever de fundamentação, no que diz respeito à recusa de divulgar as partes do documento solicitado relacionadas com o conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação, relativamente às quais a exceção respeitante à proteção do interesse público no domínio das relações internacionais foi validamente invocada.

118    Compete à instituição que recusou o acesso a um documento fornecer uma fundamentação que permita compreender e verificar, por um lado, se o documento pedido está efetivamente abrangido pelo domínio objeto da exceção invocada e, por outro, se a necessidade de proteção relativa a essa exceção é real (acórdão de 26 de abril de 2005, Sison/Conselho, referido no n.° 21 supra, n.° 61).

119    O Conselho recorda, no n.° 5 da decisão impugnada, que as negociações internacionais sobre a assinatura do acordo em causa entre a União e os Estados Unidos da América decorriam no momento em que o documento n.° 11897/09 foi redigido. No n.° 6 da referida decisão, refere que o documento solicitado «aborda aspetos jurídicos do projeto de orientações de negociação com vista à celebração de um acordo internacional entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre um assunto sensível relacionado com o combate ao terrorismo e com o seu financiamento». Acrescenta que «[esse] documento contém uma análise da base jurídica do acordo proposto, tendo o Serviço Jurídico abordado o conteúdo do acordo previsto tal como recomendado pela Comissão», e que a sua divulgação «revelaria ao público informações relativas a determinadas disposições do acordo previsto […], teria, por conseguinte, uma influência negativa na posição negocial da [União] e prejudicaria também o clima de confiança nas negociações em curso».

120    Importa observar que, por essas razões, o Conselho desenvolveu um raciocínio claro e coerente relativamente à recusa de divulgar as partes do documento solicitado relacionadas com o conteúdo específico do acordo ou das orientações de negociação.

121    Além disso, o caráter geral dessa fundamentação, na medida em que o Conselho não identifica o conteúdo sensível que pode ser revelado pela divulgação, justifica‑se pela preocupação de não desvendar informações cuja proteção é visada pela exceção invocada, relativa à proteção do interesse público no domínio das relações internacionais (v., neste sentido, acórdão de 1 de fevereiro de 2007, Sison/Conselho, referido no n.° 25 supra, n.° 82).

122    Consequentemente, há que observar que o Conselho fundamentou corretamente a sua decisão quando recusou o acesso às partes do documento solicitado relacionadas com o conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação.

123    Em face do exposto, há que anular parcialmente a decisão impugnada, na parte em que recusa, em violação das disposições do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, e do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001, o acesso às partes não divulgadas do documento solicitado, diferentes das relativas ao conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação, suscetíveis de revelar os objetivos estratégicos prosseguidos pela União nas negociações.

124    A este respeito, há que referir que, embora a ilegalidade constatada não vicie a apreciação do Conselho relativa a estas últimas partes do documento solicitado, não cabe ao Tribunal substituir o Conselho e indicar os documentos a que devia ter sido permitido um acesso, sendo a instituição obrigada, na execução do presente acórdão, a tomar em consideração os fundamentos que a este respeito nele figuram (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 6 de julho de 2006, Franchet e Byk/Comissão, T‑391/03 e T‑70/04, Colet., p. II‑2023, n.° 133).

125    Daqui resulta que caberá ao Conselho apreciar, tendo em conta os fundamentos expostos no presente acórdão, em que medida o acesso aos elementos não divulgados do documento em causa é suscetível de prejudicar concreta e efetivamente os interesses protegidos no quadro das exceções do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001.

 Quanto às despesas

126    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, segundo o n.° 3 do mesmo artigo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal Geral pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Por outro lado, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, as instituições que intervieram no processo suportam as respetivas despesas.

127    Tendo a recorrente e o Conselho sido parcialmente vencidos, há que condená‑los a suportar as respetivas despesas. A Comissão suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      A decisão do Conselho de 29 de outubro de 2009 é anulada na parte em que recusa o acesso às partes não divulgadas do documento n.° 11897/09, diferentes das relacionadas com o conteúdo específico do acordo previsto ou das orientações de negociação.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Papasavvas

Vadapalas

O’Higgins

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de maio de 2012.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.