Language of document : ECLI:EU:C:2011:211

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 5 de Abril de 2011 (1)

Processo C‑108/10

Ivana Scattolon

contra

Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale ordinario di Venezia (Itália)]

«Política social – Directiva 77/187/CEE – Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos – Transferência do pessoal de uma entidade pública para outra entidade pública – Reconhecimento pela legislação de um Estado‑Membro, como interpretada pelo órgão jurisdicional supremo do referido Estado, da antiguidade adquirida antes da referida transferência como direito a manter – Adopção de uma lei retroactiva que exclui esta interpretação – Proibição de os Estados‑Membros de, através da adopção de leis retroactivas, interferirem com acções judiciais em curso – Princípio de protecção jurisdicional efectiva – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigo 47.°»





1.        O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (2), bem como à interpretação do princípio de protecção jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (3).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre I. Scattolon e o Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca (Ministério do Ensino, da Universidade e da Investigação), a propósito do não reconhecimento, por ocasião da transferência de I. Scattolon para o serviço deste, da integralidade da antiguidade de serviço que ela adquiriu no município de Scorzé (Itália), a sua entidade patronal de origem.

3.        Neste processo o Tribunal de Justiça é chamado a precisar a sua jurisprudência no que respeita, por um lado, ao âmbito de aplicação da Directiva 77/187 em caso de transferência de empresa entre entidades públicas e, por outro, ao reconhecimento pelo cessionário da antiguidade adquirida pelo pessoal transferido junto do serviço do cedente.

4.        O referido processo proporciona igualmente ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar sobre o âmbito do direito a um recurso efectivo tendo em conta uma disposição legislativa que, indo contra uma jurisprudência nacional favorável a que o cessionário tenha em conta a integralidade da antiguidade adquirida pelo pessoal transferido junto do cedente, produz efeito imediato numa série de processos judiciais em curso, entre os quais o intentado por I. Scattolon, e isto em favor da posição oposta, defendida pelo Estado italiano.

5.        Nas presentes conclusões, apresento as razões pelas quais, em minha opinião, a Directiva 77/187 deve ser interpretada no sentido de que é aplicável a uma transferência como a que está em causa no processo principal, a saber, a transferência do pessoal encarregado de serviços auxiliares de limpeza, de manutenção e de vigilância de edifícios escolares estatais, de colectividades públicas locais (municípios e províncias) para o Estado.

6.        Depois, explico que, em minha opinião, numa situação como a do processo principal, em que, por um lado, as condições de remuneração previstas pela convenção colectiva em vigor relativamente ao cedente não se baseiam, a título principal, no critério da antiguidade adquirida junto do serviço deste empregador e, por outro, a convenção colectiva em vigor para o cessionário substitui a que estava em vigor para o cedente, o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Directiva 77/187 deve ser interpretado no sentido de que não exige que o cessionário tome em conta a antiguidade obtida pelo pessoal transferido junto do cedente para efeitos do cálculo da remuneração deste mesmo pessoal, mesmo que a convenção colectiva em vigor para o cessionário disponha que o cálculo da remuneração é baseado, a título principal, no critério da antiguidade.

7.        Finalmente, proponho ao Tribunal de Justiça que considere que o artigo 47.° da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição legislativa como a que é contestada no processo principal, desde que seja demonstrado, designadamente com base em elementos numéricos, que a adopção da mesma teve efectivamente por objectivo garantir a neutralidade orçamental da operação de transferência do pessoal administrativo, técnico e auxiliar (ATA) das colectividades locais para o Estado, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

8.        Dado que a transferência em causa no processo principal teve lugar em 1 de Janeiro de 2000, isto é, antes da data de termo do prazo de transposição da Directiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de Junho de 1998, que altera a Directiva 77/187 (4), ou seja, 17 de Julho de 2001, este processo rege‑se pela versão inicial da Directiva 11/187 (5).

9.        O artigo 1.°, n.° 1, desta directiva, dispõe:

«A presente directiva é aplicável às transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que resultem de uma cessão convencional ou de fusão que impliquem mudança de empresário.»

10.      O artigo 2.° da referida directiva prevê:

«Para efeitos do disposto na presente directiva entende‑se por:

a)      ‘Cedente’, qualquer pessoa singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, na acepção do n.° 1 do artigo 1.° perca a qualidade de empresário em relação à empresa, estabelecimento, ou parte do estabelecimento;

b)      ‘Cessionário’, qualquer pessoa singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência na acepção do n.° 1 do artigo 1.°, adquira a qualidade de empresário em relação à empresa, estabelecimento;

[…]».

11.      Nos termos do artigo 3.° da Directiva 77/187:

«1.      Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência na acepção do n.° 1 do artigo 1.° são, por este facto, transferidos para o cessionário.

[…]

2.      Após a transferência, na acepção do n.° 1 do artigo 1.°, o cessionário mantém as condições de trabalho acordadas por convenção colectiva nos mesmos termos em que esta as previa para o cedente, até à data da rescisão ou do termo da convenção colectiva ou da entrada em vigor ou aplicação de outra convenção colectiva.

Os Estados‑Membros podem limitar o período de manutenção das condições de trabalho desde que este não seja inferior a um ano.

[…]».

12.      O artigo 4.° da mesma directiva prevê:

«1.      A transferência de uma empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. […]

2.      Se o contrato de trabalho ou de relação de trabalho forem rescindidos pelo facto de a transferência, na acepção do n.° 1 do artigo 1.°, implicar uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador, a rescisão do contrato de trabalho ou de relação de trabalho considera‑se como sendo da responsabilidade do empregador».

13.      O artigo 7.° da referida directiva especifica que esta «não prejudica a faculdade que os Estados‑Membros têm aplicar ou introduzir disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores».

B –    Direito nacional

1.      Artigo 2112.° do Código Civil e artigo 34.° do Decreto‑Lei n.° 29/93

14.      Em Itália, a aplicação da Directiva 77/187 e, em seguida, a da Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (6), é assegurada, designadamente, pelo artigo 2112.° do Código Civil italiano segundo o qual «[e]m caso de transferência de empresa, a relação laboral prossegue com o cessionário e o trabalhador mantém todos os direitos dela decorrentes […]. O cessionário deve aplicar as […] convenções colectivas que estavam em vigor na data da transferência, até ao termo das mesmas, salvo se forem substituídas por outras convenções colectivas aplicáveis à empresa do cessionário».

15.      O artigo 34.° do Decreto‑Lei n.° 29/93, relativo à racionalização da organização das administrações públicas e à revisão da legislação em matéria de emprego público (decreto legislativo n.° 29, razionalizzazione della organizzazione delle Amministrazioni pubbliche e revisione della disciplina in materia di pubblico impiego) (7), de 3 de Fevereiro de 1993, na versão em vigor na época dos factos do processo principal, dispõe que, «em caso de transferência […] de actividades asseguradas por administrações públicas, entidades públicas ou pelos seus estabelecimentos ou estruturas para outros sujeitos de direito, públicos ou privados, o artigo 2112.° do Código Civil é aplicável às pessoas transferidas para estes últimos».

2.      Artigo 8.° da Lei n.° 124/99, decretos ministeriais que a aplicam e jurisprudência relativa aos mesmos

16.      Até 1999, os serviços auxiliares das escolas públicas italianas, como limpeza, manutenção e vigilância, eram assegurados e financiados pelo Estado. Este último delegava, em parte, a gestão destes serviços a colectividades locais, como os municípios. Os referidos serviços eram efectuados, em parte, através do pessoal ATA do Estado e, em parte, pelas colectividades locais.

17.      As colectividades locais asseguravam os serviços através do seu pessoal ATA (a seguir «pessoal ATA das colectividades locais») ou através da celebração de contratos públicos com empresas privadas. O pessoal ATA das colectividades locais era remunerado por estas últimas, contra o reembolso integral de todas as despesas pelo Estado.

18.      O pessoal ATA das colectividades locais era remunerado com base na convenção colectiva do sector das regiões e das autonomias locais (Contratto Collettivo Nazionale di Lavoro – Regioni Autonomie Locali, a seguir «CCNL do pessoal das colectividades locais»). Em contrapartida, o pessoal ATA do Estado que trabalhava nas escolas públicas era remunerado com base na convenção colectiva do sector da escola (Contratto Collettivo Nazionale di Lavoro della Scuola, a seguir «CCNL da escola»). Segundo as disposições do CCNL da escola, a remuneração baseia‑se em larga medida na antiguidade, enquanto o CCNL do pessoal das colectividades locais previa uma estrutura de remuneração diferente, ligada às funções exercidas e que integrava elementos de salário acessórios.

19.      A Lei n.° 124/99 relativa à adopção das disposições urgentes em matéria de pessoal escolar (legge n.° 124/99, disposizioni urgenti in materia di personale scolastico) (8), de 3 de Maio de 1999, previu a transferência, a partir de 1 de Janeiro de 2000, para as listas do pessoal ATA do Estado, do pessoal ATA das colectividades locais.

20.      A este respeito, o artigo 8.° da Lei n.° 124/99 refere:

«1.      O pessoal ATA dos estabelecimentos e escolas do Estado, seja qual for a sua qualificação e grau, está a cargo do Estado. São revogadas as disposições que previam a disponibilização deste pessoal pelos municípios e províncias.

2.      O pessoal referido no n.° 1, ao serviço das colectividades locais e nos postos em estabelecimentos escolares do Estado na data de entrada em vigor da presente lei, é transferido para os quadros de pessoal ATA do Estado, sendo integrado segundo as qualificações profissionais e os perfis profissionais correspondentes ao exercício das funções próprias desses perfis. Os membros do pessoal cujas qualificações e perfis não tiverem correspondência nos quadros do pessoal ATA do Estado são autorizados a optar pela sua colectividade local de origem, nos três meses seguintes à entrada em vigor da presente lei. Sob os planos jurídico e económico, será reconhecida a este pessoal a antiguidade obtida na colectividade local de origem, bem como o direito à manutenção do local de exercício das suas funções, numa primeira fase, caso exista um posto de trabalho disponível.

[…]

4.      A transferência de pessoal referida nos n.os 2 e 3 é realizada gradualmente, nos prazos e segundo as regras a estabelecer por decreto do Ministro do Ensino Público […]

5.      A partir do ano em que o disposto nos n.os 2, 3 e 4 produz efeitos, as transferências [financeiras] do Estado para as colectividades locais são progressivamente reduzidas na mesma medida das despesas apresentadas por estas no ano orçamental anterior àquele em que a transferência efectiva do pessoal tiver lugar […]».

21.      À Lei n.° 124/99 seguiu‑se o decreto ministerial relativo à transferência do pessoal ATA das colectividades locais para o Estado, na acepção do artigo 8.° da Lei n.° 124/99, de 3 de Maio de 1999 (decreto – trasferimento del personale ATA dagli enti locali allo Stato, ai sensi dell’art. 8 della legge 3 maggio 1999, n.° 124), de 23 de Julho de 1999 (9). Este decreto tinha a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

O pessoal ATA das colectividades locais, em funções em 25 de Maio de 1999 nos estabelecimentos escolares do Estado para desempenhar funções e tarefas impostas por lei às colectividades locais, é transferido para as listas do pessoal ATA do Estado.

Artigo 2.°

A transferência do pessoal ATA das colectividades locais para o Estado, referida no artigo 1.°, tem lugar de acordo com os prazos e regras previstos nos artigos seguintes.

Artigo 3.°

As colectividades locais asseguram, até ao termo do exercício orçamental de 1999, a remuneração e a aplicação do [CCNL do pessoal das colectividades locais] ao pessoal que transita para o Estado nos termos do artigo 8.° da [Lei n.° 124/99]. […] [O] pessoal transferido receberá, transitoriamente, a partir de 1 de Janeiro de 2000, a remuneração que recebia antes da transferência.

Por decreto do Ministro do Ensino Público […], serão estabelecidos os critérios de incorporação, no sector escolar, destinados a equiparar o vencimento do pessoal em questão com o deste sector, por referência à remuneração, aos elementos salariais acessórios e ao reconhecimento, nos planos jurídico e económico, bem como à incidência sobre a gestão previsional, da antiguidade obtida ao serviço das colectividades locais, após a celebração de uma convenção colectiva a negociar […] entre a [Agenzia per la rappresentanza negoziale delle pubbliche amministrazioni (Agência de representação das administrações púbicas, a seguir «ARAN»)] e as organizações sindicais representativas dos sectores «Escola» e «colectividades locais», na acepção do artigo 34.° do Decreto‑Lei n.° 29/93 […].

[…]

Artigo 5.°

A partir de 1 de Janeiro de 2000, o pessoal ATA das colectividades locais que, em 25 de Maio de 1999, esteja em funções nos estabelecimentos escolares do Estado e seja transferido para as listas do pessoal do Estado, é incorporado com as qualificações e perfis profissionais correspondentes aos quadros do pessoal do Estado […].

[…]

Artigo 7.°

O pessoal que transita das colectividades locais para o Estado nos termos do presente decreto desempenhará todas as funções que lhe estavam atribuídas, desde que as mesmas estejam previstas nos perfis profissionais do Estado.

Artigo 8.°

Ao pessoal das colectividades locais que é transferido para o Estado é reconhecido o direito a permanecer no local em que exercia as suas funções durante o ano lectivo 1998/1999. Caso esse posto de trabalho não esteja disponível, para o ano lectivo 2000/2001, serão afectados em função dos contratos descentralizados em vigor.

Artigo 9.°

A partir de 24 de Maio de 1999, o Estado sucederá às colectividades locais nos contratos que estas celebraram e, eventualmente, renovaram, na parte em que assegura as funções ATA em benefício das escolas do Estado, em vez e no local da contratação de pessoal assalariado. […] Sem prejuízo da prossecução das actividades de terceiros contratados […] nos termos das disposições legais em vigor, o Estado sucederá nos contratos celebrados pelas colectividades locais com as empresas […] para as funções ATA que a lei impõe que as colectividades locais efectuem em vez e no local do Estado. […].

[…]»

22.      O acordo entre a ARAN e as organizações sindicais previsto no artigo 3.° do decreto ministerial de 23 de Julho de 1999 foi assinado em 20 de Julho de 2000 e aprovado pelo decreto ministerial que aprova o acordo de 20 de Julho de 2000 entre a ARAN e os representantes das organizações e das confederações sindicais relativo aos critérios de integração do antigo pessoal das colectividades locais transferido para o sector escolar (decreto interministeriale – recepimento dell’accordo ARAN ‑ Rappresentanti delle organizzazioni e confederazioni sindacali in data 20 luglio 2000, sui criteri di inquadramento del personale già dipendente degli enti locali e transitato nel comparto scuola), de 5 de Abril de 2001 (10).

23.      O referido acordo dispõe:

«Artigo 1.° ‑ Âmbito de aplicação

O presente acordo é aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2000 ao pessoal assalariado das colectividades locais transferido para o sector ‘Escola’, ao abrigo do artigo 8.° da [Lei n.° 124/99] e […] do decreto ministerial […] de 23 de Julho de 1999 […], com exclusão do pessoal cujas funções ou tarefas continuem a recair no âmbito de competência da colectividade local.

Artigo 2.° ‑ Regime contratual

1.      A partir de 1 de Janeiro de 2000, o [CCNL do pessoal das colectividades locais] deixa de ser aplicável ao pessoal abrangido pelo presente acordo […]; a partir da mesma data, é aplicável a este pessoal o [CCNL da escola], incluindo no que respeita a todos os elementos relativos à remuneração adicional, excepto as disposições contrárias dos artigos seguinte.

[…]

Artigo 3.° ‑ Classificação e remuneração

1.      Os trabalhadores referidos no artigo 1.° do presente acordo são classificados, na escala das remunerações, no nível salarial correspondente às qualificações profissionais do sector escolar, […] de acordo com as modalidades seguintes. É reconhecido a estes trabalhadores […] o nível salarial correspondente a um montante igual ou imediatamente inferior à remuneração anual que auferiam em 31 de Dezembro de 1999, constituído pelo salário e pelas remunerações individuais ligadas à antiguidade, bem como, para os que delas beneficiam, [dos subsídios previstos pelo CCNL do pessoal das colectividades locais]. A eventual diferença entre o montante da remuneração devida em função da posição contratual e a remuneração que o trabalhador recebia em 31 de Dezembro de 1999, como anteriormente referido, é‑lhe paga a título individual e produz os seus efeitos, de forma temporária, para fins da passagem para o nível remuneratório seguinte. O pessoal abrangido pelo presente acordo recebe o subsídio complementar especial do montante aplicável em 31 de Dezembro de 1999 se este for mais elevado do que o atribuído a uma qualificação correspondente do sector escolar. A classificação definitiva do pessoal objecto do presente acordo nos perfis profissionais da escola será efectuada em função do quadro comparativo […].

[…]

Artigo 9.° ‑ Remuneração de base e remuneração acessória

1.      A partir de 1 de Janeiro de 2000, todas as disposições de natureza pecuniária do [CCNL da escola] são aplicáveis ao pessoal abrangido pelo presente acordo, segundo as modalidades previstas pelo referido CCNL.

2.      A partir de 1 de Janeiro de 2000, é atribuída, a título provisório, ao pessoal abrangido pelo presente acordo, a remuneração individual acessória em conformidade com os montantes brutos que figuram no quadro […] anexo ao [CCNL da escola]. […]

[…]».

24.      A interpretação destas normas deu lugar a acções judiciais intentadas pelos membros do pessoal ATA transferido, que pediram o reconhecimento integral da sua antiguidade adquirida ao serviço das colectividades locais, sem que fossem tidos em conta critérios de alinhamento adoptados no âmbito do acordo entre a ARAN e as organizações sindicais e aprovados pelo decreto ministerial de 5 de Abril de 2001. A este respeito, argumentavam que o efeito dos critérios adoptados no âmbito deste acordo era que, a partir da sua integração no pessoal ATA do Estado, eram classificados e remunerados do mesmo modo que os membros do pessoal ATA do Estado que tinham menor antiguidade. Segundo a sua argumentação, o artigo 8.° da Lei n.° 124/99 impõe, para todos os membros do pessoal transferido, a manutenção da antiguidade adquirida em colectividades locais de modo que cada um destes membros deve receber, a partir de 1 de Janeiro de 2000, a remuneração que recebe um membro do pessoal ATA do Estado que tem a mesma antiguidade.

25.      Este contencioso deu lugar a vários acórdãos da Corte suprema di cassazione, nos quais esta, no essencial, acolheu a referida argumentação.

3.      Lei n.° 266/2005 e jurisprudência relativa à mesma

26.      O legislador italiano, através da aprovação de uma «super‑revisão» (revisão que emanou do Governo e foi aprovada através de um voto de confiança), incluiu no artigo 1.° da Lei n.° 266/2005 que estabelece regras relativas à determinação do orçamento anual e plurianual do Estado (lei de finanças para 2006) [legge n.° 266/2005 – disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge finanziaria 2006)], de 23 de Dezembro de 2005 (11), um n.° 218, que contém uma norma interpretativa de alcance retroactivo que tem por objecto o artigo 8.° da Lei n.° 124/99.

27.      O referido artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 124/99, dispõe:

«O artigo 8.°, n.° 2, da [Lei n.° 124/99] deve ser entendido no sentido de que o pessoal das colectividades locais transferido para o corpo do [pessoal ATA] do Estado é integrado nas qualificações profissionais e nos perfis profissionais do serviço do Estado correspondentes, com base na prestação económica global que auferia no momento da transferência, com a atribuição da posição salarial de montante igual ou imediatamente inferior ao vencimento anual que auferia em 31 de Dezembro de 1999, constituído pelo salário, pelo subsídio individual de antiguidade, bem como por eventuais subsídios, se a eles houver lugar, previstos pelo [CCNL do pessoal das colectividades locais] em vigor na data da integração na administração do Estado. A eventual diferença entre o montante da posição salarial de entrada e a remuneração anual que o pessoal em causa auferia em 31 de Dezembro de 1999 […] é paga ad personam e considerada como devendo servir, após contabilização do tempo, para alcançar a posição salarial superior, sob reserva da execução das decisões judiciais proferidas na data de entrada em vigor da presente lei».

28.      Diversos órgãos jurisdicionais submeteram à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) questões de compatibilidade entre o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 e a Constituição italiana. Segundo estes órgãos jurisdicionais, esta disposição interpretativa impunha‑lhes, no quadro de processos já pendentes em que o Estado é parte, uma interpretação favorável a este, aliás incompatível com o teor do artigo 8.°, n.° 2, da Lei n.° 124/99 e oposta à interpretação desta disposição feita pela Corte suprema di cassazione. O artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 reintroduzia o sistema previsto no acordo de 20 de Julho de 2000 e no decreto ministerial de 5 de Abril de 2001, que a Corte suprema di cassazione considerou contrário à Lei n.° 124/99. Portanto, o legislador ingeriu‑se na função de interpretação uniforme da lei que, em Itália, está reservada à Corte suprema di cassazione, violando assim a autonomia do poder judicial, bem como os princípios de segurança jurídica e de protecção da confiança legítima.

29.      Através do acórdão n.° 234, de 18 de Junho de 2007 (12), bem como pelos despachos posteriores, a Corte costituzionale declarou que o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 não está ferido das alegadas violações dos princípios gerais do direito.

30.      Depois desta apreciação da Corte costituzionale, a Corte suprema di cassazione, através do acórdão n.° 677, de 16 de Janeiro de 2008, invertendo a sua jurisprudência anterior, afirmou que a interpretação do artigo 8.°, n.° 2, da Lei n.° 124/99 dada pelo legislador italiano no artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 é plausível.

31.      No entanto, a Corte suprema di cassazione, através da decisão n.° 22260, de 3 de Junho de 2008, convidou a Corte costituzionale a reapreciar a sua posição, tendo em conta os princípios enunciados no artigo 6.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

32.      Através do acórdão n.° 311, de 26 de Novembro de 2009 (13), a Corte costituzionale entendeu que o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 é compatível com os direitos fundamentais enunciados no artigo 6.° da CEDH.

II – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

33.      I. Scattolon, funcionária do município de Scorzé desde 16 de Maio de 1980 como bedel em escolas do Estado, trabalhou até 31 de Dezembro de 1999 como membro do pessoal ATA das colectividades locais. Este pessoal executa actividades de limpeza, manutenção e vigilância das escolas públicas italianas.

34.      A partir de 1 de Janeiro de 2000, foi transferida para a lista do pessoal ATA do Estado, ao abrigo do artigo 8.° da Lei n.° 124/99.

35.      Em aplicação do decreto ministerial de 5 de Abril de 2001, I. Scattalon foi classificada num escalão salarial que, na referida lista, corresponde a nove anos de antiguidade.

36.      Não tendo, deste modo, obtido o reconhecimento dos quase 20 anos de antiguidade adquiridos no município de Scorzé e tendo, além disso, perdido os complementos salariais previstos pelo CCNL do pessoal das colectividades locais, estima que sofreu uma redução de remuneração de 790 euros.

37.      Por petição apresentada em 27 de Abril de 2005, I. Scattalon intentou uma acção no Tribunale ordinario di Venezia com o objectivo de obter o reconhecimento da integralidade da antiguidade adquirida junto do serviço do município de Scorzé e de, em consequência, ser colocada no escalão correspondente a quinze a vinte anos de antiguidade. Deste modo, reclamava o direito a ser integrada nas mesmas categorias remuneratórias que o pessoal ATA que, desde o início, trabalhava para o Estado e tinha a mesma antiguidade que ela. Em apoio desta acção, invocou, especialmente, o artigo 2112.° do Código Civil, o artigo 8.° da Lei n.° 124/99 e os acórdãos da Corte suprema di cassazione que reconhecem o direito do pessoal ATA transferido a manter a sua antiguidade.

38.      Na sequência da adopção do artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005, o Tribunale ordinario di Venezia suspendeu a acção intentada por I. Scattolon e remeteu à Corte costituzionale a questão da compatibilidade desta disposição com os princípios da segurança jurídica, de protecção da confiança legítima, da igualdade de armas no processo bem como do direito a uma protecção jurisdicional efectiva, a um tribunal independente e a um processo equitativo. O legislador italiano, ao adoptar a referida disposição com vista à interpretação de uma lei adoptada mais de cinco anos antes e já interpretada pela Corte suprema di cassazione, pretendia fixar um resultado diferente, desta vez favorável ao Estado, nos numerosos litígios ainda pendentes.

39.      Através do despacho n.° 212, de 9 de Junho de 2008 (14), a Corte costituzionale, fazendo referência ao seu acórdão n.° 234, de 18 de Junho de 2007, já referido, considerou que o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005, não está ferido das alegadas violações de princípios gerais de direito.

40.      Reatado o processo, I. Scattolon salientou que o artigo 8.°, n.° 2, da Lei n.° 124/99, tal como interpretado segundo o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005, é incompatível com a regra enunciada no artigo 3.° da Directiva 77/187 bem como com os princípios gerais do direito da União relativos à segurança jurídica, à protecção da confiança legítima e à protecção jurisdicional efectiva.

41.      O Tribunale ordinario di Venezia considera que, tendo em conta a Directiva 77/187, deve ser considerada a integralidade da antiguidade do pessoal transferido. O artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 colide com esta regra e, além disso, constitui uma norma retroactiva inovadora e não interpretativa, que viola os princípios garantidos pelo artigo 6.° da CEDH, conjugado com os artigos 47.° e 52.°, n.° 3, da Carta. O artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 é, ao mesmo tempo, contrário aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima.

42.      Nestas circunstâncias, o Tribunale ordinario di Venezia decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A Directiva 77/187[...] e/ou a Directiva 2001/23[...], de 12 de Março de 2001, ou outras normas [da União] que se considerem aplicáveis, devem ser interpretadas no sentido de que podem aplicar‑se a um caso de transferência do pessoal incumbido de serviços auxiliares de limpeza e manutenção de edifícios escolares estatais, de entidades públicas locais (municípios e províncias) para o Estado, quando a transferência implicou a sub‑rogação do Estado não apenas na actividade e nas relações jurídicas com todo o pessoal em causa (bedéis), mas também nos contratos adjudicados a empresas privadas para a prestação desses serviços?

2)      A continuação da relação laboral por força do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 77/187[...] (codificada, juntamente com a Directiva 98/50[...], na Directiva 2001/23[...]) deve ser interpretada no sentido de que a quantificação dos elementos económicos da retribuição relacionados com a antiguidade no serviço deve ter em conta todos os anos de serviço do pessoal transferido, incluindo os anos em que o trabalhador esteve ao serviço do cedente?

3)      O artigo 3.° da Directiva 77/187[...] e/ou a Directiva 98/50[...], e a Directiva 2001/23[...] devem ser interpretados no sentido de que os direitos do trabalhador que são transferidos para o cessionário incluem também os benefícios adquiridos pelo trabalhador junto do cedente, como a antiguidade de serviço, se desta resultam, nos termos da convenção colectiva aplicável ao cessionário, direitos de carácter económico?

4)      Os princípios gerais do direito [da União] vigente da segurança jurídica, da protecção da confiança legítima, da igualdade de armas no processo, da protecção jurisdicional efectiva, do direito a um tribunal independente e, mais geralmente, a um processo equitativo, garantidos pelo artigo 6.°, n.° 2, [TUE], conjugado com o artigo 6.° da [CEDH] e com os artigos 46.°, 47.° e 52.°, n.° 3, da [Carta], devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que [a República Italiana] promulgue, após um período de tempo considerável (5 anos), uma norma de interpretação autêntica que se afasta da redacção da disposição que é objecto de interpretação e é contrária à interpretação constante e consolidada do órgão jurisdicional que tem a competência para uniformizar a jurisprudência, norma que, além disso, é relevante para resolução de litígios em que [a própria República Italiana] é parte?»

III – Análise

A –    Quanto à primeira questão

43.      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio, no essencial, procura saber se a Directiva 77/187 é aplicável em caso de transferência do pessoal incumbido de serviços auxiliares de limpeza e manutenção de edifícios escolares do Estado, das colectividades públicas locais (municípios e províncias) para o Estado.

44.      Dito de outro modo, a circunstância de uma transferência ter lugar entre duas entidades que são pessoas colectivas de direito público é ou não susceptível de provocar a exclusão dessa transferência do âmbito de aplicação da Directiva 77/187?

45.      O Governo italiano argumenta que, nessa situação de transferência de pessoal no âmbito da reorganização dum sector público, não existe «transferência de empresa» na acepção desta directiva. I. Scattolon e a Comissão Europeia defendem a tese inversa.

46.      O acórdão de 15 de Outubro de 1996, Henke (15), constitui um precedente com interesse para responder a esta questão.

47.      Para apreender bem o alcance deste acórdão, importa recordar os factos do mesmo. A. Henke foi contratada como secretária da Câmara pelo município de Schierke (Alemanha). Posteriormente, este município criou, com outros municípios, ao abrigo da regulamentação municipal do Land Sachsen‑Anhalt, o grupo intermunicipal «Brocken», para o qual transferiu certas atribuições administrativas. Na ocasião, o município de Schierke rescindiu o contrato de trabalho que o ligava a A. Henke. No âmbito do litígio que se seguiu entre esse município e A. Henke, o Arbeitsgericht Halberstadt decidiu recorrer ao Tribunal de Justiça para que este determinasse se a Directiva 77/187 era aplicável em caso de transferência de atribuições administrativas de um município para um grupo intermunicipal, como o que estava em causa no processo principal.

48.      O Tribunal de Justiça interpretou o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 77/187 no sentido de que não constitui uma «transferência de empresa», na acepção da directiva, a reorganização de estruturas da administração pública ou a transferência de atribuições administrativas entre administrações públicas (16).

49.      Para além de ter em conta o objectivo e a redacção da referida directiva (17), o Tribunal de Justiça salientou que se tratava de um grupo que abrangeu vários municípios do Land Sachsen‑Anhalt, entre os quais o município de Schierke, e tinha nomeadamente por objectivo melhorar a execução das tarefas administrativas desses municípios. Observou que o grupo se traduziu, em especial, pela reorganização das estruturas administrativas e pela transferência de atribuições administrativas do município de Schierke para uma entidade pública criada especialmente para esse fim, a saber, o grupo intermunicipal «Brocken» (18).

50.      Em seguida, observou que, nas circunstâncias do processo principal, a transferência efectuada entre o município e o grupo intermunicipal incidiu apenas sobre actividades relativas ao exercício dos poderes públicos e que, mesmo supondo que tais actividades tenham abrangido elementos de natureza económica, estes só podem ter tido um aspecto acessório (19).

51.      Deduzo destes elementos que essa exclusão do âmbito de aplicação da Directiva 77/187 é motivada não pela natureza jurídica de direito público das entidades em causa, mas antes, segundo uma perspectiva funcional, pela circunstância de que uma transferência respeita a actividades abrangidas pelo exercício do poder público. Em contrapartida, desde que incida sobre uma actividade económica, uma transferência integra‑se no âmbito de aplicação desta directiva. A este respeito, pouco importa a natureza jurídica de direito privado ou de direito público do cedente e do cessionário. Acórdãos posteriores testemunham a manutenção, pelo Tribunal de Justiça, desta perspectiva funcional, salientando a existência ou não de uma actividade relativa ao exercício dos poderes públicos (20).

52.      Se, actualmente, se procurar qualificar as actividades em causa no processo principal, resulta da jurisprudência, tal como recentemente confirmada, que os serviços auxiliares prestados em escolas do Estado, tais como serviços de limpeza e de vigilância, não constituem actividades abrangidas pelo exercício do poder público.

53.      Em dois processos recentes, o Tribunal de Justiça foi chamado a interpretar a Directiva 2001/23 em situações de retoma, por um município, de actividades anteriormente executadas por empresas privadas. No acórdão de 29 de Julho de 2010, UGT‑FSP (21), estavam em causa actividades de portaria das escolas e de limpeza das escolas públicas, a limpeza viária e a manutenção dos parques e jardins (22). Além disso, no acórdão de 20 de Janeiro de 2011, CLECE (23), a actividade em causa é a limpeza de escolas e instalações municipais (24).

54.      Nestes dois acórdãos, o Tribunal de Justiça considerou que essas actividades têm carácter económico e, portanto, são abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras comunitárias respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas. Salientou novamente que o simples facto de o cessionário ser uma pessoa colectiva de direito público, no caso concreto um município, não permite excluir a existência de uma transferência abrangida pelo âmbito de aplicação destas normas (25).

55.      Deduzo destes elementos que a Directiva 77/187, sem prejuízo da verificação dos outros critérios de aplicação da mesma, é aplicável em caso de transferência do pessoal encarregado dos serviços auxiliares de limpeza, de manutenção e de manutenção dos edifícios escolares do Estado por colectividades públicas locais (municípios e províncias) para o Estado.

56.      Resta‑me verificar se os outros critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça com o objectivo de apreciar se uma transferência constitui uma «transferência de empresa» na acepção da Directiva 77/187 estão preenchidos no presente processo.

57.      Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 77/187, esta «é aplicável às transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que resultem de uma cessão convencional ou de fusão que impliquem mudança de empresário.»

58.      A este respeito, resulta de jurisprudência bem assente que o conceito de cessão convencional deve ser interpretado de modo suficientemente flexível para satisfazer o objectivo da Directiva 77/187, que, como decorre do seu segundo considerando, é o de proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário (26). O Tribunal de Justiça decidiu, assim, que esta directiva era aplicável a todas as situações de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou colectiva responsável pela exploração da empresa, que contrai as obrigações de entidade patronal relativamente aos empregados da empresa (27).

59.      Esta jurisprudência é aplicável mesmo em caso de transferência imposta pela lei. I. Scattolon recorda, com justeza, a jurisprudência segundo a qual a Directiva 77/187 abrange igualmente as transferências resultantes de decisões unilaterais dos poderes públicos, dado que o critério decisivo não é a existência de um acordo contratual entre o cedente e o cessionário, mas a mudança da pessoa responsável pela exploração da empresa (28).

60.      Para que a Directiva 77/187 seja aplicável, é igualmente necessário verificar se a transferência incide sobre uma entidade económica que mantenha a sua identidade depois da mudança de empresário.

61.      Para determinar se essa entidade mantém a sua identidade, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não do essencial dos efectivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas actividades. No entanto, estes elementos constituem meros aspectos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente (29).

62.      O Tribunal de Justiça sublinhou anteriormente que uma entidade económica pode, em certos sectores, funcionar sem elementos de activos, corpóreos ou incorpóreos, significativos, de tal forma que a manutenção da sua identidade para além da operação de que é objecto não pode, por hipótese, depender da cessão de tais elementos (30). Assim, decidiu que, na medida em que, em certos sectores nos quais a actividade assenta essencialmente na mão‑de‑obra, uma colectividade de trabalhadores que executa de forma duradoura uma actividade comum pode corresponder a uma entidade económica, essa entidade pode manter a sua identidade para além da sua transferência quando o novo empresário não se limita a prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava especialmente a essa tarefa. Nessa hipótese, o novo empresário adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitirá a prossecução, de modo estável, das actividades ou de algumas actividades da empresa cedente (31).

63.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma actividade de limpeza, de manutenção e de vigilância de edifícios escolares, como a que está em causa no processo principal, pode ser considerada uma actividade que assenta essencialmente na mão‑de‑obra e, consequentemente, uma colectividade de trabalhadores que executa, de forma duradoura, essa actividade comum de limpeza e de manutenção pode, na falta de outros factores de produção, corresponder a uma entidade económica (32). O mesmo acontece no que respeita à actividade de vigilância dos edifícios escolares.

64.      Deduzo destes elementos que, no processo principal, a identidade da entidade económica é mantida devido ao facto de o Estado ter retomado os trabalhadores anteriormente afectos a estas actividades pelos municípios (33).

65.      Como salienta a Comissão, o pessoal ATA abrangido pela Lei n.° 124/99 foi transferido em bloco, tendo as suas actividades de limpeza, manutenção e vigilância permanecido, em termos gerais, inalteradas, tanto do ponto de vista do seu objecto como da sua organização, e sido prosseguidas nos mesmos locais e sem nenhuma interrupção. A única modificação foi a identidade da entidade empregadora.

66.      Acrescente‑se que a continuidade deste conjunto organizado de elementos que permite a prossecução das actividades de limpeza, manutenção e vigilância nas escolas se traduz igualmente no facto de o Estado ter retomado os contratos mediante os quais as colectividades locais, em alguns casos, tinham confiado a execução destas actividades a empresas privadas.

67.      Finalmente, cabe recordar que a Directiva 77/187 não é aplicável às pessoas que não estão protegidas enquanto trabalhadores ao abrigo da legislação nacional. Com efeito, esta directiva visa apenas uma harmonização parcial da matéria em questão, não visa instaurar um nível de protecção uniforme para toda a Comunidade Europeia em função de critérios comuns (34). No entanto, resulta da decisão de reenvio que o pessoal ATA em causa está sujeito ao regime de direito comum das relações de trabalho, tal como previsto pelo Código Civil italiano (35).

68.      Resulta do conjunto destes elementos que a transferência do pessoal ATA resultante da Lei n.° 124/99 entra efectivamente no âmbito de aplicação da Directiva 77/187.

B –    Quanto às segunda e terceira questões

69.      Com a segunda e terceira questões, que proponho que o Tribunal de Justiça examine conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio, em substância, pede a este Tribunal que declare se o artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 77/187, que prevê que os direitos e obrigações do cedente que decorrem de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são transferidos para o cessionário, implica que o cessionário deve ter em conta, no cálculo da remuneração do pessoal transferido, a integralidade da antiguidade adquirida junto do cedente.

70.      Recordo que esta interrogação do órgão jurisdicional de reenvio teve origem na aparente divergência entre a Lei n.° 124/99, o acordo entre a ARAN e as organizações sindicais retomado no decreto ministerial de 5 de Abril de 2001 e, finalmente, a Lei n.° 266/2005. Com efeito, enquanto a Lei n.° 124/99 parece prever que se tenha em conta toda a antiguidade adquirida pelo pessoal ATA ao serviço das colectividades locais, o acordo sindical e a Lei n.° 266/2005, pelo contrário, dispõem que as condições de remuneração deste pessoal na sequência da transferência devem ser fixadas com base no que esse pessoal recebia no termo da relação de trabalho com o cedente. Opõem‑se, assim, duas modalidades de determinação da remuneração do pessoal transferido, a saber, quer um novo cálculo que tenha em conta, no âmbito da grelha de remuneração do cessionário baseada principalmente na antiguidade, a integralidade da antiguidade adquirida pelo pessoal transferido ao serviço do cedente, quer a continuidade da remuneração anteriormente recebida com base no «acervo económico» na véspera da transferência.

71.      Face à especificação feita pela Lei n.° 266/2005, que indica que a intenção inicial do legislador italiano era efectivamente assegurar a continuidade das remunerações e não retomar na íntegra a antiguidade anteriormente adquirida junto do cedente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, pelo contrário, a Directiva 77/187 exige esse reconhecimento da antiguidade.

72.      Recorde‑se que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 77/187, os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por este facto, transferidos para o cessionário.

73.      Na medida em que as condições de remuneração do pessoal ATA são fixadas por convenções colectivas, esta disposição deve ser interpretada não isoladamente, mas em conjugação com o artigo 3.°, n.° 2, desta mesma directiva, que, como indicou o Tribunal de Justiça, «introduz limitações ao princípio da aplicabilidade da convenção colectiva a que se refere o contrato de trabalho» (36).

74.      Recorde‑se que, segundo esta última disposição, «[a]pós a transferência, na acepção do n.° 1 do artigo 1.°, o cessionário mantém as condições de trabalho acordadas por convenção colectiva nos mesmos termos em que esta as previa para o cedente, até à data da rescisão ou do termo da convenção colectiva ou da entrada em vigor ou aplicação de outra convenção colectiva».

75.      O processo principal corresponde à última situação referida no artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 77/187, a saber, aquela em que a transferência é seguida da aplicação de outra convenção colectiva. Com efeito, no vertente caso, o pessoal ATA anteriormente trabalhador das colectividades locais sob a égide da convenção colectiva destas, com a transferência, passou a ser regido por uma nova convenção colectiva, que abrange o pessoal do Estado (37).

76.      Estas duas convenções colectivas contêm métodos de cálculo muito diferentes das remunerações do pessoal que abrangem. Segundo o disposto no CCNL da escola, a remuneração baseia‑se, em larga medida, na antiguidade, enquanto o CCNL do pessoal das colectividades locais previa uma estrutura remuneratória diferente, ligada às funções exercidas e integrando elementos salariais acessórios.

77.      Resulta da redacção do artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 77/187, tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça, que os trabalhadores que tenham sido transferido só podem invocar as condições de trabalho previstas por uma convenção colectiva, por hipótese, aquela de que beneficiavam na entidade cedente e que podia prever condições mais favoráveis, enquanto esta convenção, por força do direito nacional, continuar a produzir efeitos jurídicos em relação a esses trabalhadores (38).

78.      Como o Tribunal de Justiça especificou a propósito da data de expiração de uma convenção colectiva, o artigo 3.°, n.° 2, desta directiva «tem, assim, por objectivo assegurar a manutenção de todas as condições de trabalho de acordo com a vontade das partes contratantes na convenção colectiva, não obstante a transferência da empresa. Em contrapartida, a mesma disposição não é susceptível de derrogar a vontade das referidas partes, tal como foi expressa na convenção colectiva. Por conseguinte, se essas partes contratantes tiverem acordado não garantir certas condições de trabalho para além de uma data determinada, [o artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 77/187] não pode impor ao cessionário a obrigação de as respeitar posteriormente à data acordada de expiração da convenção colectiva, porque, após essa data, a referida convenção deixa de estar em vigor» (39). Segundo o Tribunal de Justiça, «daí que [esta disposição] não obrigue o cessionário a garantir a manutenção das condições de trabalho acordadas com o cedente, para além da data da expiração da convenção colectiva» (40).

79.      Em minha opinião, esta jurisprudência é aplicável, por analogia, no caso de, devido à transferência, a convenção colectiva em vigor para o cedente ser substituída pela que está em vigor para o ao cessionário. Nessa situação, o artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 77/187 não exige que o cessionário mantenha as condições de trabalho previstas pela convenção colectiva em vigor para o cedente.

80.      Portanto, foi em perfeita conformidade com esta disposição que o pessoal ATA transferido, passou a ser regido, a partir de 1 de Janeiro de 2000, data da transferência, pelo disposto no CCNL da escola e, consequentemente, sujeito às condições aplicáveis ao pessoal do Estado. O pessoal transferido deixou, por conseguinte, de poder invocar as vantagens que lhe eram atribuídas pelo CCNL do pessoal das colectividades locais e, em especial, os direitos pecuniários por este atribuídos.

81.      A título exemplificativo, numa situação de sucessão de convenções colectivas, o pessoal transferido deixa de poder invocar junto do cessionário a atribuição de um prémio que era previsto pela convenção colectiva anteriormente aplicável ao cedente. A composição e as modalidades de cálculo do salário, após a transferência, são unicamente reguladas pela convenção colectiva aplicável ao cessionário (41).

82.      O problema principal consiste, assim, em saber se, para a determinação da remuneração do pessoal transferido em função de critérios previstos pela convenção colectiva aplicável ao cessionário, que atribui um papel predominante ao critério da antiguidade, a Directiva 77/187 impõe, mesmo num caso de sucessão de convenções colectivas, que se tenha em conta a integralidade da antiguidade anteriormente adquirida pelo pessoal ao serviço do cedente.

83.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça contém elementos de resposta quanto à questão geral do reconhecimento da antiguidade.

84.      Assim, no acórdão Collino e Chiappero, já referido, o Tribunal de Justiça entendeu que «a antiguidade obtida junto da antiga entidade patronal pelos trabalhadores transferidos não constitui, enquanto tal, um direito que os mesmos possam invocar perante a sua nova entidade patronal» (42). Em contrapartida, segundo o Tribunal de Justiça, «a antiguidade serve para determinar certos direitos dos trabalhadores de natureza pecuniária e são estes direitos que, sendo caso disso, deverão ser mantidos pelo cessionário do mesmo modo como se do cedente se tratasse» (43).

85.      O Tribunal de Justiça deduziu daí que, «para cálculo dos direitos de natureza pecuniária como a indemnização por cessação do contrato ou de aumentos salariais, o cessionário tem de tomar em conta todos os anos de serviço prestados pelo pessoal transferido na medida em que esta obrigação resulte da relação de trabalho que vinculava o referido pessoal ao cedente, e em conformidade com as modalidades acordadas no âmbito desta relação» (44).

86.      Neste acórdão, o Tribunal de Justiça aborda a questão de se ter em conta a antiguidade segundo uma lógica que acentua o paralelismo das relações laborais sucessivas, baseando‑se na necessidade de uma equivalência da protecção dos direitos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito destas relações.

87.      É, aliás, por força desta mesma lógica que o Tribunal de Justiça modera imediatamente o princípio de um reconhecimento pelo cessionário dos direitos pecuniários decorrentes da antiguidade de que gozava o pessoal transferido, ao indicar que «na medida em que o direito nacional faculta, fora da hipótese de transferência de empresa, a modificação da relação de trabalho em sentido desfavorável aos trabalhadores, designadamente no que se refere à sua protecção contra o despedimento e às condições de remuneração, uma modificação desse tipo não pode ser excluída pelo simples facto de a empresa ter sido, entretanto, objecto de transferência e de, consequentemente, o acordo ter sido celebrado com o novo empresário. Com efeito, subrogando‑se o cessionário na posição do cedente, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da directiva [77/187], no que se refere aos direitos e obrigações decorrentes da relação de trabalho, esta pode ser modificada relativamente ao cessionário dentro dos mesmos limites em que uma alteração seria admissível em relação ao cedente, sendo claro que, em nenhuma dessas hipóteses, a transferência da empresa pode servir de fundamento para essa modificação» (45). Essa é uma das consequências do mecanismo de sub‑rogação. A relação de trabalho pode ser modificada em relação ao cessionário nos mesmos limites que teria sido em relação ao cedente.

88.      Em resumo, resulta do acórdão Collino e Chiappero, já referido, que o pessoal transferido pode invocar no âmbito da sua relação de trabalho com o cessionário os mesmos direitos pecuniários resultantes da antiguidade de que beneficiava no âmbito da sua relação de trabalho com o cedente. No entanto, o cessionário mantém a possibilidade de modificar os termos da relação de trabalho, designadamente as condições de remuneração, da mesma maneira que o cedente podia fazê‑lo por força do direito nacional, à margem da hipótese de transferência.

89.      A Directiva 77/187 tem por objectivo evitar que a transferência de empresa, em si mesma, seja a ocasião de uma degradação da situação do trabalhador, isto é, da supressão ou da redução de direitos adquiridos. Só devem ser tidos em consideração os direitos que podiam ser opostos ao cedente. Portanto, não existe o direito a uma igualdade de tratamento com os novos colegas (eventualmente melhor tratados), tal como não existe o direito a uma extensão retroactiva das regras eventualmente mais favoráveis previstas pelo cessionário, por força dos anos passados ao serviço do cedente (46).

90.      O teor dos direitos e obrigações que são transmitidos depende do direito nacional aplicável e variará em consequência dele. Tal como o Tribunal de Justiça reitera, a Directiva 77/187 não pretende instaurar um nível de protecção uniforme em função de critérios comuns. É por isso que, como especificou no seu acórdão de 10 de Fevereiro de 1988, Foreningen af Arbejdsledere i Danmark (47), o benefício da directiva apenas pode ser invocado para garantir que o trabalhador interessado se encontra protegido nas suas relações com o cessionário da mesma forma que o estava nas suas relações com o cedente, nos termos das normas jurídicas do Estado‑Membro em causa (48).

91.      Daí resulta que os trabalhadores transferidos têm direito a um cálculo da sua remuneração que tenha em conta a integralidade da sua antiguidade obtida junto ao serviço do cedente apenas no caso de o contrato de trabalho celebrado com este último atribuir esse direito e o mesmo não ter sido validamente alterado pelo cessionário independentemente da transferência de empresa.

92.      Ora, viu‑se que, sob a égide do CCNL do pessoal das colectividades locais, a remuneração era calculada principalmente com base no tipo de função exercida e integrando elementos salariais acessórios, e, portanto, não predominantemente com base na antiguidade. Consequentemente, por força da lógica de equivalência, o pessoal transferido não pode, com base no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva, exigir que o cessionário tenha em conta a integralidade da antiguidade obtida ao serviço do cedente.

93.      De qualquer modo, tendo em conta as minhas observações anteriores relativas ao âmbito do artigo 3.°, n.° 2, da referida directiva, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, duvido que, num caso de sucessão de convenções colectivas como o do processo principal, esta disposição permita que os trabalhadores invoquem junto do cessionário direitos pecuniários decorrentes da antiguidade de que podiam ter beneficiado por força da convenção colectiva que vinculava o cedente.

94.      Além disso, há que especificar que a existência de desigualdades salariais em relação aos trabalhadores que já foram trabalhadores do Estado não é, em si mesma, contrária à Directiva 77/187. Com efeito, esta não chega ao ponto de exigir que, através de uma ficção, os assalariados da primeira entidade patronal sejam retroactivamente equiparados a assalariados da segunda, exactamente com os mesmos direitos que estes. A referida directiva consagra o princípio de uma prossecução da relação laboral com manutenção das condições de trabalho e não o de uma mutação destas condições com vista a um alinhamento com as condições de trabalho dos assalariados que sempre foram empregados da nova entidade patronal.

95.      No entanto, o acórdão de 11 de Novembro de 2004, Delahaye (49), lança dúvidas quanto ao alcance da Directiva 77/187 em matéria de reconhecimento da antiguidade do pessoal transferido, na medida em que o Tribunal de Justiça parece mostrar‑se atento à igualdade de tratamento entre o pessoal transferido e o pessoal já ao serviço do cessionário.

96.      Os factos do litígio no processo principal que está na origem deste acórdão são os que se seguem. J. M. Delahaye era trabalhadora de uma associação cuja actividade foi transferida para o Estado luxemburguês. Posteriormente, foi contratada como trabalhadora do Estado luxemburguês. Por força do regulamento grão‑ducal relativo às remunerações dos trabalhadores do Estado, foi atribuída a J. M. Delahaye uma remuneração inferior à que auferia nos termos do contrato celebrado com a sua entidade patronal de origem (50).

97.      Neste processo, o objecto da questão apresentada pela Cour administrative (Luxemburgo), era, no essencial, saber se a Directiva 77/187 se opõe a que, em caso de transferência de empresa de uma pessoa colectiva de direito privado para o Estado, este, na qualidade de novo empregador, proceda a uma redução do montante da remuneração dos trabalhadores em causa a fim de cumprir as normas nacionais em vigor relativas aos funcionários públicos.

98.      Segundo o Tribunal de Justiça, que se apoia na sua jurisprudência e, em especial, no acórdão Mayeur, já referido, «[u]ma vez que a Directiva 77/187 apenas visa uma harmonização parcial da matéria em causa […], [esta] não se opõe, em caso de transferência de uma actividade para uma pessoa colectiva de direito público, à aplicação do direito nacional que determina a rescisão dos contratos de trabalho de direito privado» (51). O Tribunal precisa, no entanto, que «essa rescisão, de acordo com o artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 77/187, constitui uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador que resulta directamente da transferência, de modo que a rescisão dos referidos contratos de trabalho deve, nesse caso, ser considerada da responsabilidade do empregador» (52).

99.      Transpondo esse raciocínio para o processo em apreço, o Tribunal de Justiça considera que «o mesmo acontece quando […] a aplicação das normas nacionais que regem a situação dos trabalhadores do Estado leva à redução da remuneração dos trabalhadores a que a transferência respeita. Tal redução, quando for substancial, deve ser considerada uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento dos trabalhadores em causa, na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da directiva [77/187]» (53).

100. A admissão, pelo Tribunal de Justiça, dessa possibilidade para as autoridades públicas é, todavia, matizada depois quando este indica que as «autoridades competentes chamadas a aplicar e interpretar o direito nacional relativo aos trabalhadores do sector público têm que o fazer tanto quanto possível à luz da finalidade da Directiva 77/187». Nesta perspectiva, o Tribunal observa que «[s]eria contrário ao espírito da referida directiva tratar o trabalhador recebido do cedente sem ter em conta a sua antiguidade na medida em que as normas nacionais que regem a situação dos trabalhadores do Estado tomam em consideração a antiguidade do trabalhador do Estado no cálculo da sua remuneração».

101. Os acórdãos Collino e Chiappero, bem como Delahaye, já referidos, podem, assim, parecer difíceis de conciliar porque adoptam duas lógicas diferentes. Enquanto o primeiro assenta na ideia de uma equivalência da protecção dos trabalhadores em caso de transferência de empresa, o segundo acentua a igualdade de tratamento entre o pessoal transferido e o pessoal já ao serviço do cessionário.

102. Embora a igualdade de tratamento entre o pessoal transferido e o pessoal já ao serviço do cessionário é desejável em caso de transferência de empresa, todavia, não considero que a Directiva 7/7187 o imponha. Parece‑me, pois, mais conforme com o espírito desta directiva seguir o critério baseado na equivalência de protecção inerente ao mecanismo de sub‑rogação que foi seguido pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Collino e Chiappero, já referido.

103. Deduzo de todos estes elementos que, numa situação como a do processo principal, em que, por um lado, as condições de remuneração previstas pela convenção colectiva em vigor para o cedente não se baseiam, a título principal, no critério da antiguidade adquirida junto deste empregador, e, por outro, a convenção colectiva em vigor para o cessionário substitui a que estava em vigor para o cedente, o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Directiva 77/187 deve ser interpretado no sentido de que não exige que o cessionário tenha em conta a antiguidade obtida junto do cedente pelo pessoal transferido para efeitos do cálculo da remuneração deste mesmo pessoal, e isto mesmo que a convenção colectiva em vigor para o cessionário disponha que o cálculo da remuneração é baseado, a título principal, no critério da antiguidade.

C –    Quanto à quarta questão

104. Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se diversos princípios gerais de direito da União se opõem a que um Estado‑Membro adopte uma disposição nacional como o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005.

105. Recorde‑se o contexto em que esta questão é apresentada. Ao adoptar o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005, o legislador italiano pretendeu precisar o âmbito que tencionava atribuir à Lei n.° 124/99 no que respeita à questão de saber se, na transferência do pessoal ATA, o Estado devia ter em conta a integralidade da antiguidade adquirida por esse pessoal junto das colectividades locais. Sustentando o contrário de uma jurisprudência que emana da Corte suprema di cassazione, este legislador considerou que a remuneração do pessoal transferido devia ser estabelecida «com base na prestação económica global que auferia no momento da transferência, com a atribuição da posição salarial de montante igual ou imediatamente inferior ao vencimento anual que auferia em 31 de Dezembro de 1999, constituído pelo salário, pelo subsídio individual de antiguidade, bem como por eventuais subsídios, se a eles houver lugar, previstos pelo [CCNL do pessoal das colectividades locais] em vigor na data da integração na Administração do Estado». Assim, o legislador italiano indicou que, apesar da interpretação dominante acolhida pelos tribunais nacionais, não se devia entender que a Lei n.° 124/99 baseia o cálculo da remuneração do pessoal transferido no critério da antiguidade adquirida junto das colectividades locais.

106. Viu‑se que esta disposição do legislador italiano não pode, em minha opinião, ser considerada contrária à Directiva 77/187, dado que, numa situação como a que é objecto do processo principal, esta não exige que seja tida em conta a integralidade da antiguidade anteriormente adquirida junto das colectividades locais pelo pessoal transferido.

107. Na medida em que a interpretação da Lei n.° 124/99, contida no artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 produz um efeito imediato sobre toda uma série de acções judiciais pendentes, entre as quais a intentada por I. Scattolon, e em benefício da posição defendida pelo Estado italiano, o órgão jurisdicional de reenvio pretende também saber se esta interpretação do legislador italiano é ou não conforme com os princípios gerais do direito da União. Decorre tanto da decisão de reenvio como das observações que foram apresentadas ao Tribunal de Justiça, por escrito e oralmente, que esta questão é relativa, em primeira linha, à interpretação do princípio de protecção jurisdicional efectiva e, em especial, ao direito a um processo equitativo (54).

108. Em conformidade com jurisprudência constante, o princípio da protecção jurisdicional efectiva constitui um princípio geral do direito da União, que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e foi consagrado nos artigos 6.° e 13.° da CEDH (55). Este princípio foi reafirmado pelo artigo 47.° da Carta, que adquiriu, a partir da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, «o mesmo valor jurídico que os Tratados» (56). Na medida em que a Carta ocupa, actualmente, uma posição central no sistema de protecção dos direitos fundamentais da União, deve, em minha opinião, constituir uma norma de referência cada vez que o Tribunal de Justiça for chamado a pronunciar‑se sobre a conformidade de um acto da União ou de uma disposição nacional com direitos fundamentais proferidos pela Carta (57).

109. Antes de facultar, se for o caso, ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos de interpretação que lhe vão permitir apreciar a conformidade do artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 com o artigo 47.° da Carta, importa verificar se o Tribunal de Justiça tem, efectivamente, competência para o fazer.

1.      Quanto à competência do Tribunal de Justiça para responder à quarta questão

110. Consoante o tipo de situação que lhe é submetido (58), o Tribunal de Justiça impõe aos Estados‑Membros o respeito dos direitos fundamentais protegidos na ordem jurídica comunitária, por um lado, quando os Estados aplicam o direito da União e, por outro, quando uma regulamentação nacional se integra no âmbito de aplicação do direito da União.

111. Assim, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as exigências que decorrem da protecção dos princípios gerais reconhecidos na ordem jurídica comunitária, entre as quais figuram os direitos fundamentais, vinculam igualmente os Estados‑Membros quando estes aplicam regulamentações comunitárias e, por conseguinte, são obrigados a aplicar, na medida do possível, estas regulamentações em condições que respeitem as referidas exigências (59).

112. Além disso, segundo jurisprudência constante, a partir do momento em que uma regulamentação nacional entre no campo de aplicação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se a título prejudicial, deve fornecer todos os elementos de interpretação necessários para a apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, da conformidade dessa regulamentação com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, tal como resultam, em particular, da CEDH (60). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça não tem esta competência em relação a uma regulamentação que não entra no âmbito do direito comunitário e quando o objecto do litígio não apresenta nenhum elemento de ligação ao direito comunitário (61).

113. Tendo em conta a resposta que proponho que o Tribunal de Justiça dê à primeira questão, isto é, que a transferência em causa no processo principal constitui uma transferência de empresa na acepção da Directiva 77/187 e, portanto, deve ter lugar de acordo com as normas enunciadas nesta directiva (tais como transpostas pelo artigo 2112.° do Código Civil italiano e pelo artigo 34.° do Decreto‑Lei n.° 29/93), o presente processo afasta‑se claramente das situações que deram lugar a decisões em que o Tribunal de Justiça se declarou incompetente para interpretar princípios gerais e direitos fundamentais com o fundamento de que o litígio não tinha um nexo de ligação suficiente com o direito da União (62).

114. Com efeito, a Lei n.° 124/99, tal como especificada em 2005 pelo legislador italiano, tem por objecto definir uma das modalidades da transferência do pessoal ATA das colectividades locais para o Estado, a saber, o modo de cálculo da sua remuneração na sequência da transferência. Na medida em que se trata de uma transferência que é abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 77/187, deve considerar‑se que esta legislação apresenta um nexo de ligação suficiente com o direito da União. Dado que a legislação nacional contestada se integra no âmbito do direito da União, o Tribunal de Justiça é competente para facultar ao órgão jurisdicional nacional os elementos necessários para apreciar a compatibilidade desta legislação com o princípio de protecção jurisdicional efectiva (63).

115. Em minha opinião, não pode ser de outro modo no que respeita ao artigo 47.° da Carta.

116. Sabe‑se que, com o objectivo de delimitar o âmbito de aplicação da Carta, os seus redactores adoptaram a fórmula resultante do acórdão Wachauf, (64) já referido. O artigo 51.°, n.° 1, da Carta prevê que as disposições desta têm por destinatários os Estados‑Membros «apenas quando apliquem o direito da União».

117. Tendo em conta esta redacção, a questão de saber se o âmbito de aplicação da Carta, tal como definido no artigo 51.°, n.° 1, desta, coincide com o dos princípios gerais do direito da União é debatida e ainda não encontra na jurisprudência do Tribunal de Justiça uma resposta exacta (65). Enquanto os defensores de uma concepção restritiva do conceito de aplicação do direito da União alegam que este abrange unicamente a situação em que um Estado‑Membro actua enquanto agente da União, os defensores de uma concepção extensiva consideram que o referido conceito abrange mais amplamente a situação em que uma regulamentação nacional é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

118. Em minha opinião, a fórmula adoptada pelos redactores da Carta não significa que tenham pretendido restringir o âmbito de aplicação desta em relação à definição pretoriana do âmbito de aplicação dos princípios gerais do direito da União. Disso são testemunho as explicações respeitantes ao artigo 51.°, n.° 1, da Carta, as quais, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, último parágrafo, TUE e com o artigo 52.°, n.° 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração para a interpretação desta.

119. A este propósito, observe‑se que estas explicações indicam que, no que respeita aos Estados‑Membros, «resulta sem ambiguidade da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a obrigação de respeitar os direitos fundamentais definidos no âmbito da União só se impõe aos Estados‑Membros quando estes actuam no âmbito de aplicação do direito da União». Além disso, estas mesmas explicações visam a jurisprudência relativa aos diferentes casos de conexão de uma regulamentação nacional com o direito da União que evoquei anteriormente. Estes dois elementos permitem, em minha opinião, que o Tribunal de Justiça adopte uma interpretação lata do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, sem desvirtuar a intenção dos redactores desta (66). Poder‑se‑ia assim admitir que este artigo, lido à luz das respectivas explicações, deve ser interpretado no sentido de que as disposições da Carta se dirigem aos Estados‑Membros quando estes actuam no âmbito de aplicação do direito da União. Além disso, referindo‑se ao caso particular das directivas, limitar o conceito de aplicação do direito da União não se deve limitar apenas às medidas de transposição desta. Em minha opinião, este conceito deve ser entendido no sentido de que abrange as aplicações posteriores e concretas das normas enunciadas por uma directiva (67), bem como, de maneira geral, todas as situações nas quais uma regulamentação nacional «apreende» ou «afecta» uma matéria regulada por uma directiva cujo prazo de transposição terminou (68).

120. Para além do facto de uma restrição do âmbito de aplicação da Carta em relação ao dos direitos fundamentais reconhecidos enquanto princípios gerais do direito da União não ter, em minha opinião, sido pretendida pelos redactores da Carta, uma interpretação estrita do n.° 1 do seu artigo 51.° não me parece desejável. Com efeito, tal interpretação levaria à criação de dois regimes diferentes de protecção dos direitos fundamentais na União, consoante estes decorram da Carta ou de princípios gerais do direito. Isso fragilizaria o nível de protecção destes direitos, o que poderia parecer contraditório com a letra do artigo 53.° da Carta, que dispõe, designadamente, que «[n]enhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respectivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União».

121. Uma vez que a competência do Tribunal de Justiça para responder à quarta questão não me parece adquirida, cabe, agora, facultar ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos que lhe permitirão apreciar a conformidade do artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 com o artigo 47.° da Carta.

2.      Quanto à interpretação do artigo 47.° da Carta

122. Como confirma o artigo 47.° da Carta, o direito fundamental a uma protecção jurisdicional efectiva abrange o direito a um recurso efectivo, garantindo designadamente ao requerente que a sua causa será equitativamente ouvida. Na medida em que o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 tem influência sobre a acção judicial intentada por I. Scattolon, e isto em benefício do Estado italiano, o direito desta a um recurso efectivo pode ser afectado.

123. Deve, todavia, precisar‑se que o artigo 52.°, n.° 1, da Carta admite que pode haver restrições ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esta última, na medida em que estas estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros.

124. Além disso, o artigo 52.°, n.° 3, da Carta precisa que, na medida em que contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção (69). Segundo a explicação da referida disposição, o sentido e alcance dos direitos garantidos são determinados não só pelo texto da CEDH mas também, designadamente, pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

125. Com vista a facultar ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos necessários que lhe permitam apreciar a conformidade do artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 com o artigo 47.° da Carta, seguirei a grelha de análise elaborada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em casos similares de violação alegada do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH em razão do impacto de uma lei retroactiva sobre acções judiciais em curso.

126. Assim, examinarei, numa primeira fase, se existe uma ingerência do poder legislativo na administração da justiça. Se assim for, numa segunda fase, será necessário verificar se existe um motivo imperioso de interesse geral que justifique esta ingerência.

a)      Quanto à existência de uma ingerência do poder legislativo na administração da justiça

127. Tal como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem precisou no seu acórdão Zielinski e Pradal & Gonzalez e o. c. França, de 28 de Outubro de 1999 (70), «embora, em princípio, o poder legislativo não esteja impedido de regulamentar em matéria civil, por novas disposições com efeito retroactivo, direitos decorrentes das leis em vigor, o princípio da prevalência do direito e o conceito de processo equitativo consagrados pelo artigo 6.° [da CEDH] opõem‑se, excepto por razões imperativas de interesse geral, à ingerência do poder legislativo na administração da justiça com o objectivo de influenciar a resolução judicial do litígio» (71).

128. Resulta deste acórdão que a primeira etapa do exame da compatibilidade de uma lei retroactiva com o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH é a existência de influência sobre litígios pendentes perante um órgão jurisdicional.

129. No acórdão Lilly France c. França, de 25 de Novembro de 2010, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem recorda que se limita a declarar que a lei controvertida constituiu obstáculo a que um órgão jurisdicional se pronuncie sobre o litígio em causa (72). No acórdão Zielinski e Pradal & Gonzalez e o. c. França, já referido, sublinha que a lei controvertida fixa de forma definitiva os termos do debate submetido aos órgãos jurisdicionais da ordem judiciária, e fá‑lo retroactivamente (73). A competência do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre o litígio é, pois, afastada em proveito da interpretação dada pelo legislador nacional. Ainda que este último tivesse tido o cuidado de afastar a aplicação da lei retroactiva às decisões tornadas definitivas, a ingerência do poder legislativo na administração da justiça é evidente, uma vez que a jurisdição fica vinculada pela redacção do diploma.

130. No âmbito do processo principal, o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 dá uma interpretação do artigo 8.°, n.° 2, da Lei n.° 124/99 cujos efeitos são retroactivos «sob reserva da execução das decisões judiciais proferidas na data de entrada em vigor da presente lei».

131. A condição de uma ingerência do poder legislativo na administração da justiça parece‑me preenchida. Com efeito, é facto assente que a nova interpretação legislativa tem um impacto directo sobre o processo que opõe I. Scattolon ao Estado, em prejuízo da recorrente dado que a lei interpretativa afasta a interpretação favorável ao pessoal transferido que a Corte suprema di cassazione e a maioria das jurisdições quanto ao mérito tinham anteriormente adoptado. A este respeito, não é relevante que o artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005 seja apreendido no sentido de que constitui uma norma de interpretação autêntica ou como uma norma de conteúdo inovador.

132. É, agora, necessário verificar se essa ingerência pode ser considerada como justificada por uma razão imperativa de interesse geral.

b)      Quanto à existência de uma razão imperativa de interesse geral que justifique a ingerência

133. De modo geral, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tende a excluir o fundamento financeiro como sendo adequado para justificar, por si só, uma ingerência do poder legislativo na administração da justiça (74). No entanto, no seu acórdão National & Provincial Building Society, the Leeds Permanent Building Society e the Yorkshire Building Society c. Reino Unido, de 23 de Outubro de 1997 (75), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que o cuidado do Estado de preservar o nível das receitas fiscais constitui um fundamento de interesse geral (76). É interessante salientar que, neste último processo, a lei retroactiva tinha por objectivo restabelecer a intenção inicial do legislador de corrigir vícios de ordem técnica na redacção da regulamentação (77). Além disso, no seu acórdão OGIS‑Institut Stanislas, OGEC St. Pie X e Blanche de Castille e o. c. França, de 27 de Maio de 2004, tratou‑se de colmatar um vazio jurídico (78).

134. Resulta desta jurisprudência que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tende a aceitar a existência de um motivo de interesse geral quando se trata de obter uma boa legislação (incluindo, designadamente, a rectificação de um erro técnico e o preenchimento de um vazio jurídico) ou de favorecer a condução de um projecto lucrativo em proveito de um maior número (79). A razão financeira, por si só, não basta mas pode ser válida se for acompanhada por uma outra finalidade de interesse geral.

135. No processo principal, o Governo italiano justifica a intervenção da Lei n.° 266/2005 pelo facto de a formulação do artigo 8.°, n.° 2, da Lei n.° 124/99 ser incerta e ter dado lugar a um contencioso numeroso. Esta justificação poderia aproximar‑se da que se destina a obter uma boa legislação, isto é, uma legislação cujo âmbito é clarificado.

136. Em contrapartida, no que respeita ao argumento segundo o qual era necessário pôr termo a divergências de jurisprudência, para além do facto de que essas divergências devem ser demonstradas, observe‑se que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem mostra reservas em admiti‑lo. Com efeito, no seu acórdão Zielinski e Pradal & Gonzalez e o. c. França, já referido, esse Tribunal considerou que divergências de jurisprudência são inerentes a qualquer sistema judicial. Consequentemente, este argumento, por si só, não é pertinente na perspectiva do referido Tribunal.

137. Se estiver demonstrado que o legislador italiano, em 1999, pretendeu deixar aos parceiros sociais, tal como ao poder regulamentar, o cuidado de pôr em práticas a modalidades concretas da incorporação do pessoal transferido, designadamente no que respeita à remuneração deste após a transferência, poderia ser possível aceitar uma intervenção posterior deste mesmo legislador destinada a pôr termo a uma jurisprudência que não corresponde ao desejo inicial do referido legislador nem às modalidades de aplicação definidas pelos parceiros sociais, e depois validadas pelo poder regulamentar. A este propósito, observe‑se que as precisões dadas pelo legislador, em 2005, confirmam a interpretação adoptada pelos parceiros sociais na sequência da Lei n.° 124/99, que estabeleceram, incitados pelo decreto ministerial de 23 de Julho, os critérios de incorporação do pessoal transferido. Assim, poder‑se‑ia admitir, como a própria Corte suprema di cassazione reconheceu num acórdão de 16 de Janeiro de 2008 (80), que as precisões dadas pelo legislador italiano em 2005, relativas à base de cálculo do vencimento anual do pessoal transferido, correspondiam a uma das modalidades possíveis do reconhecimento da antiguidade adquirida, aos níveis económico e jurídico. O legislador italiano optou, assim, por um reconhecimento parcial da antiguidade, baseando‑se, para a classificação do pessoal transferido, na remuneração recebida por este em 31 de Dezembro de 1999.

138. O Governo italiano invoca o fundamento relativo à necessidade de garantir a neutralidade orçamental da operação de transferência para justificar essa opção.

139. Pode parecer legítimo que o Estado italiano tenha pretendido reunir num único e mesmo corpo o pessoal ATA que trabalha junto mas estava subordinado a dois regimes diferentes e, em especial, tenha pretendido uniformizar as condições de remuneração deste pessoal fazendo de modo que, ao mesmo tempo, esta operação seja neutra no plano orçamental, isto é, noutros termos, seja realizada a custos constantes.

140. Importa, no entanto, que o Governo italiano demonstre que o imperativo de neutralidade orçamental estava efectivamente no centro da reforma inicial e que a intervenção do legislador em 2005 visava de facto salvaguardar esse objectivo. Em especial, cabe‑lhe demonstrar que só a interpretação baseada na consideração unicamente parcial da antiguidade era adequada a garantir a neutralidade orçamental da reforma.

141. Observe‑se que o Governo italiano argumentou perante o Tribunal de Justiça, que a reforma iniciada em 1999, acompanhada da consideração unicamente parcial da antiguidade do pessoal transferido, não lesou a situação pecuniária deste pessoal. Face a esta afirmação, em minha opinião, I. Scattolon não conseguiu demonstrar de forma rigorosa e exacta que a situação pecuniária do pessoal transferido se degradou após a transferência (81). Os elementos de que disponho não me convencem de que a intervenção do legislador em 2005 tinha um objectivo distinto do de garantir a neutralidade orçamental da reforma.

142. Em definitivo, é ao órgão jurisdicional de reenvio que incumbe verificar, designadamente com base em elementos numéricos relativos aos custos comparados das duas interpretações defendidas (82), que a interpretação adoptada pelo legislador italiano em 2005 é efectivamente adequada a responder ao objectivo legítimo de neutralidade orçamental de uma reforma administrativa como a que está em causa no processo principal e não lesou de forma desproporcionada o direito protegido pelo artigo 47.° da Carta.

143. Deduzo destes elementos que o artigo 47.° da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição legislativa como a prevista no artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005, desde que se prove, designadamente com base em elementos numéricos, que a adopção da mesma teve efectivamente por objectivo garantir a neutralidade orçamental da operação de transferência do pessoal ATA das colectividades locais para o Estado, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

IV – Conclusão

144. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões apresentadas pelo Tribunale ordinário de Venezia:

«1)      A Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, deve ser interpretada no sentido de que é aplicável a uma transferência como a que está em causa no processo principal, ou seja, uma transferência do pessoal incumbido dos serviços auxiliares de limpeza, manutenção e vigilância de edifícios escolares estatais de entidades públicas locais (municípios e províncias) para o Estado.

2)      Numa situação como a do processo principal, em que, por um lado, as condições de remuneração previstas pela convenção colectiva em vigor para o cedente não se baseiam, a título principal, no critério da antiguidade adquirida junto deste empregador, e, por outro, a convenção colectiva em vigor para o cessionário substitui a que estava em vigor para o cedente, o artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Directiva 77/187 deve ser interpretado no sentido de que não exige que o cessionário tenha em conta a antiguidade obtida junto do cedente pelo pessoal transferido para efeitos do cálculo da remuneração deste mesmo pessoal, mesmo que a convenção colectiva em vigor para o cessionário preveja que o cálculo da remuneração é baseado, a título principal, no critério da antiguidade.

3)      O artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição legislativa como a contida no artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005, que estabelece regras relativas à determinação do orçamento anual e plurianual do Estado (lei do orçamento para 2006) [legge n.° 266/2005 – disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge finanziaria 2006)], desde que se prove, designadamente com base em elementos numéricos, que a adopção da mesma teve efectivamente por objectivo garantir a neutralidade orçamental da operação de transferência do pessoal administrativo, técnico e auxiliar (ATA) das colectividades locais para o Estado, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.


1 – Língua original: francês.


2 – JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122.


3 – A seguir «Carta».


4 – JO L 201, p. 88.


5 – V., designadamente, por analogia, acórdãos de 20 de Novembro de 2003, Abler e o. (C‑340/01, Colect., p. I‑14023, n.° 5), e de 9 de Março de 2006, Werhof (C‑499/04, Colect., p. I‑2397, n.os 15 e 16).


6 – JO L 82, p. 16.


7 – Suplemento ordinário à GURI n.° 30, de 6 de Fevereiro de 1993, a seguir «Decreto‑Lei n.° 29/93».


8 – GURI n.° 107, de 10 de Maio de 1999, a seguir «Lei n.° 124/99».


9 – GURI n.° 16, de 21 de Janeiro de 2000, a seguir «decreto ministerial de 23 de Julho de 1999».


10 – GURI n.° 162, de 14 de Julho de 2001, a seguir «decreto ministerial de 5 de Abril de 2001».


11 – Suplemento ordinário da GURI n.° 302, de 29 de Dezembro de 2005, a seguir «Lei n.° 266/2005»).


12 – GURI de 4 de Julho de 2007.


13 – GURI de 2 de Dezembro de 2009.


14 – GURI de 18 de Junho de 2008.


15 – C‑298/94, Colect., p. I‑4989.


16 – N.° 14.


17 – Respectivamente n.os 13 e 15.


18 – N.° 16.


19 – N.° 17. Como sublinhou o advogado‑geral S. Alber no n.° 49 das suas conclusões no processo que deu lugar ao acórdão de 14 de Setembro de 2000, Collino e Chiappero (C‑343/98, Colect., p. I‑6659), «[n]a sua fundamentação, o Tribunal de Justiça insistiu, em especial, no facto de a reestruturação não dizer respeito a actividades económicas. Daí pode deduzir‑se que o âmbito de aplicação da directiva [77/187] não depende da pessoa do cedente nem da sua personalidade de direito público ou de direito privado, desde que exerça uma actividade económica. O que é determinante, portanto, não é a natureza do cedente, mas a natureza da actividade exercida. As actividades de poder público não podem ser objecto de uma transferência de empresa na acepção [desta] directiva».


20 – V., designadamente, acórdãos de 10 de Dezembro de 1998, Hidalgo e o. (C‑173/96 e C‑247/96, Colect., p. I‑8237, n.° 24), para uma actividade de apoio domiciliário de pessoas desfavorecidas e actividade de guarda; Collino e Chiappero, já referido (n.os 31 e 32), e de 26 de Setembro de 2000, Mayeur (C‑175/99, Colect., p. I‑7755, n.os 28 a 40).


21 – C‑151/09, ainda não publicado na Colectânea.


22 – N.° 12.


23 – C‑463/09, ainda não publicado na Colectânea.


24 – N.° 11.


25 – Acórdãos, já referidos, UGT‑FSP (n.° 23 e jurisprudência referida) e CLECE (n.° 26 e jurisprudência referida).


26 – Acórdão CLECE, já referido (n.° 29 e jurisprudência referida).


27Ibidem (n.° 30 e jurisprudência referida).


28 – V., a este respeito, acórdão Collino e Chiappero (n.° 34 e jurisprudência referida).


29 – Acórdão CLECE, já referido (n.° 34 e jurisprudência referida).


30Ibidem (n.° 35 e jurisprudência referida).


31Ibidem (n.° 36 e jurisprudência referida).


32Ibidem (n.° 39 e jurisprudência referida).


33A contrario, a identidade de uma entidade económica que assenta essencialmente na mão‑de‑obra só pode ser mantida se o essencial dos seus efectivos não for retomado pelo cessionário (v. acórdão CLECE, já referido, n.° 41).


34 – V. acórdão de 11 de Julho de 1985, Foreningen af Arbejdsledere i Danmark (105/84, Colect., p. 2639, n.os 26 e 27).


35 – V. n.° 13 da versão em língua francesa da decisão de reenvio.


36 – Acórdão Werhof, já referido (n.° 28).


37 – V., a este respeito, Moizard, N., «Droit social de l’Union européenne», Jurisclasseur Europe, 2010, fascículo 607, para quem a circunstância de o artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 77/187 visar a «aplicação de outra convenção colectiva» significa que, «quando é aplicável outra convenção colectiva ao cessionário, esta substitui imediatamente a convenção de mesmo nível que inicialmente regia a entidade cedida» (n.° 33).


38 – V., neste sentido, acórdão de 6 de Novembro de 2003, Martin e o. (C‑4/01, Colect., p. I‑12859, n.° 47).


39 – Acórdão de 27 de Novembro de 2008, Juuri (C‑396/07, Colect., p. I‑8883, n.° 33).


40Ibidem (n.° 34).


41 – Se alguns elementos da remuneração previstos no CCNL do pessoal das colectividades locais foram mantidos pelo legislador italiano (a atribuição individual de antiguidade e de três outros subsídios), foram‑no não por força de uma obrigação imposta pela Directiva 77/187, mas apenas pela vontade do legislador.


42 – N.° 50.


43Idem.


44 – N.° 51.


45 – N.° 52.


46 – V. n.° 94 das conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo que deu lugar ao acórdão Collino e Chiappero, já referido.


47 – 324/86, Colect., p. 739.


48 – N.° 16.


49 – C‑425/02, Colect., p. I‑10823.


50 – Alegou que foi classificada, sem contagem da antiguidade, no primeiro grau, último escalão, da tabela de remunerações, o que lhe causou a perda de 37% da sua retribuição mensal (n.° 17 do acórdão).


51 – Acórdão Delahaye, já referido (n.° 32).


52Idem.


53Ibidem (n.° 33).


54 – Refira‑se que, paralelamente, foi submetido ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem um processo similar, com base no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, mediante três petições, com os n.os 43549/08, Agrati e o. c. Itália; n.os 5087/09, Carlucci c. Itália, e 6107/09, Cioffi e o. c. Itália. Em 5 de Novembro de 2009, a Segunda Secção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem remeteu às partes as seguintes questões:


«1. A aplicação do artigo 1.° da [Lei n.° 266/2005] a um processo pendente violou a prevalência do direito ou o processo equitativo, tal como garantidos pelo artigo 6.° da [CEDH]?


2. Em caso afirmativo, esta ingerência era justificada por razões imperativas de interesse geral e suficientemente proporcionada ao(s) objectivo(s) prosseguido(s) pelo legislador?


3. Tendo em conta a adopção do artigo 1.° da [Lei n.° 266/2005] e a sua aplicação pelos órgãos jurisdicionais internos numa instância a decorrer, houve violação do direito dos requerentes ao respeito dos seus bens, na acepção do artigo 1.° do Protocolo n.° 1 [da CEDH]?»


55 – V., designadamente, acórdão de 22 de Dezembro de DEB Deutsche Energiehandels‑und Beratungsgesellschaft (C‑279/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29 e jurisprudência referida).


56 – V. artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE.


57 – V., neste sentido, quanto à apreciação da validade de um acto da União, acórdão de 9 de Novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C‑92/09 e C‑93/09, ainda não publicado na Colectânea , n.os 45 e 46).


58 – Consoante um Estado‑Membro intervém enquanto «agente da União» adoptando as disposições nacionais impostas por uma regulamentação comunitária, adopta uma regulamentação nacional que derroga uma liberdade de circulação reconhecida pelo Tratado, ou, mais amplamente, visa atingir o objectivo de uma regulamentação comunitária adoptando as disposições nacionais que lhe parecem necessárias para o efeito. Para uma ilustração destas três situações, v., designada e respectivamente, acórdãos de 13 de Julho de 1989, Wachauf (5/88, Colect., p. 2609); de 18 de Junho de 1991, ERT (C‑260/89, Colect., p. I‑2925), e de 10 de Julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood (C‑20/00 e C‑64/00, Colect., p. I‑7411).


59 – V., designadamente, acórdão de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 105 e jurisprudência referida).


60 – V., designadamente, acórdão de 10 de Abril de 2003, Steffensen (C‑276/01, Colect., p. I‑3735, n.° 70 e jurisprudência referida).


61 – V., designadamente, despacho de 27 de Novembro de 2009, Noël (C‑333/09, n.° 11 e jurisprudência referida).


62 – V., designadamente, acórdãos de 13 de Junho de 1996, Maurin (C‑144/95, Colect., p. I‑2909), e de 18 de Dezembro de 1997, Annibaldi (C‑309/96, Colect., p. I‑7493), e despachos de 6 de Outubro de 2005, Vajnai (C‑328/04, Colect., p. I‑8577); de 25 de Janeiro de 2007, Koval’ský (C‑302/06), e de 12 de Novembro de 2010, Asparuhov Estov e o. (C‑339/10, ainda não publicado na Colectânea).


63 – Naturalmente, a existência de um nexo de conexão suficiente com o direito da União deve resultar claramente da decisão de reenvio. Na falta dessa demonstração, o Tribunal de Justiça declarar‑se‑á manifestamente incompetente, como ocorreu num processo análogo ao em análise, no despacho de 3 de Outubro de 2008, Savia e o. (C‑287/058).


64 – N.° 19 do acórdão.


65 – V., designadamente, sobre esta questão, Lenaerts, K., e Gutiérrez‑Fons, J. A., «The constitutional allocation of powers and general principles of EU law», Common Market Law Review, 2010, n.° 47, p. 1629, especialmente pp. 1657 a 1660; Tridimas, T., «The General Principles of EU Law», 2ª edição, Oxford University Press, 2006, p. 363; Egger, A., «EU‑Fundamental Rights in the National Legal Order: The Obligations of Member States Revisited», Yearbook of European Law, vol. 25, 2006, p. 515, especialmente pp. 547 a 550, e Jacqué, J. P., «La Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne: aspects juridiques généraux», REDP, vol. 14, n.° 1, 2002, p. 107, especialmente p. 111.


66 – V. Rosas, A., e Kaila, H., «L’application de la Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne par la Cour de justice: un premier bilan», Il Diritto dell’Unione Europea, 1/2011. Estes autores indicam, referindo‑se às explicações relativas à Carta, sublinhando que a questão é discutida na doutrina, «que se pode defender que a expressão ‘quando apliquem o direito da União’, utilizada no artigo 51.°, n.° 1, da Carta, requer uma interpretação mais ampla». Defendem que «[o] que seria importante, designadamente à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, seria a existência de um elemento de conexão com este direito». Note‑se, igualmente, que, no despacho Asparuhov Estov e o., já referido, o Tribunal de Justiça observa que a sua competência para interpretar a Carta não está determinada, na medida em que a decisão de reenvio não inclui qualquer elemento que demonstre que a decisão nacional em causa «constituía uma medida de aplicação do direito da União ou apresentava outros elementos de conexão com este último» (n.° 14). Esta referência a «outros elementos de conexão» com o direito da União aponta mais no sentido de uma apreensão ampla pelo Tribunal de Justiça da sua competência para interpretar a Carta.


67 – Acórdão de 23 de Novembro de 2010, Tsakouridis (C‑145/09, ainda não publicado na Colectânea, n.os 50 a 52).


68 – Acórdão de 19 de Janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 22 a 26).


69 – Contudo, esta disposição não constitui obstáculo a que o direito da União confira uma protecção mais ampla (v. artigo 52.°, n.° 3, segunda frase, da Carta).


70Recueil des arrêts et décisions, 1999‑VII.


71 – § 57.


72 – § 49.


73 – § 58.


74 – V., designadamente, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdãos Lecarpentier e o. c. França, de 14 de Fevereiro de 2006 (§ 47), e Cabourdin c. França, de 11 de Abril de 2006 (§ 37).


75Recueil des arrêts et décisions, 1997‑VII.


76 – § 80 a 83.


77 – § 81.


78 – § 71.


79 – V. Sudre, F., e o., Les grands arrêts de la Cour européenne des droits de l’homme, 5ª edição, PUF, Paris, 2009, p. 307.


80 – Acórdão n.° 677, da Secção do Trabalho.


81 – Decorre da audiência que teve lugar em 1 de Fevereiro de 2011 no Tribunal de Justiça que as centenas de euros que I. Scattolon indicava ter perdido na sequência da transferência devem antes ser analisadas como uma falta de ganho em relação ao aumento de salário de que teria podido beneficiar se a totalidade da sua antiguidade tivesse sido reconhecida. Além disso, no que respeita à perda eventual de subsídios previstos pelo CCNL do pessoal das colectividades locais distintos daqueles cuja transmissão está prevista no artigo 1.°, n.° 218, da Lei n.° 266/2005, nada indica que, globalmente, não sejam equivalentes no CCNL da escola.


82 – A necessidade desses elementos numéricos resulta, designadamente, do acórdão Lilly France c. França, já referido (§ 51).