Language of document : ECLI:EU:T:2020:510

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

28 de outubro de 2020 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marca nominativa da União Europeia TARGET VENTURES — Causa de nulidade absoluta — Má‑fé — Artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 [atual artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) 2017/1001]»

No processo T‑273/19,

Target Ventures Group Ltd, com sede em Road Town (Ilhas Virgens Britânicas), representada por T. Dolde e P. Homann, advogados,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por P. Sipos e V. Ruzek, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Target Partners GmbH, com sede em Munique (Alemanha), representada por A. Klett e C. Mikyska, advogados,

que tem por objeto um recurso interposto da Decisão da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 4 de fevereiro de 2019 (processo R 1684/2017‑2), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Target Ventures Group e a Target Partners,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: A. M. Collins, presidente, V. Kreuschitz e G. Steinfatt (relatora), juízes,

secretário: R. Ūkelytė, administradora,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de abril de 2019,

vista a contestação do EUIPO apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de julho de 2019,

vista a contestação da interveniente apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de julho de 2019,

vista a medida de organização do processo de 3 de dezembro de 2019 e a resposta da recorrente apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de dezembro de 2019,

após a audiência de 26 de junho de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A interveniente, Target Partners GmbH, com sede em Munique (Alemanha), é um fundo de capital de risco. É titular desde 2002, nomeadamente do nome de domínio «targetventures.com», e, desde 2009, do nome de domínio «targetventures.de». No entanto, o conteúdo dos sítios Internet registados sob esses nomes de domínio sempre se referiu exclusivamente a TARGET PARTNERS, que é o sinal sob o qual a interveniente oferece os seus serviços. Com efeito, esses sítios limitam‑se a redirecionar para o sítio oficial da interveniente, «www.targetpartners.de», ou até a mostrar o conteúdo deste último.

2        A recorrente, a Target Ventures Group Ltd, com sede em Road Town (Ilhas Virgens Britânicas), alega ser igualmente um fundo de capital de risco. Alega atuar sob o sinal TARGET VENTURES no mercado do capital de risco russo desde 2012 e no mercado da União Europeia desde, pelo menos, 8 de março de 2013. Entre 23 de dezembro de 2013 e 18 de dezembro de 2014, prestou serviços financeiros e monetários sob esse mesmo sinal a cinco empresas estabelecidas na União. Em contrapartida da sua contribuição financeira, adquiriu, por conta dos seus próprios investidores, participações nessas empresas. Vários sítios Internet especializados, bem como os sítios Internet das referidas empresas, refletiam esses investimentos.

3        Dois sócios da recorrente ou de um terceiro que atua sob o nome de TARGET VENTURES, tal como um representante da interveniente, assistiram a uma prestigiada conferência no setor dos investimentos, que se realizou em 13 e 14 de novembro de 2014 em Londres (Reino Unido). Em 13 de novembro de 2014, o representante de uma empresa emergente que procurava investidores enviou duas mensagens de correio eletrónico a essas três pessoas em conjunto, dirigindo‑se às mesmas pelos seus nomes próprios. Os seus endereços eletrónicos, que terminavam respetivamente em @targetpartners.de e @targetventures.ru, eram visíveis.

4        Em 27 de janeiro de 2015, a interveniente apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)]. A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo TARGET VENTURES (a seguir «marca controvertida»).

5        Os serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 35 e 36 na aceção do Acordo de Nice Relativo à Classificação Internacional de Produtos e Serviços para o Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

–        classe 35: «Publicidade, direção de negócios, gestão dos negócios comerciais, consultadoria para empresas, trabalhos de escritório»;

–        classe 36: «Negócios financeiros, negócios monetários; com exceção dos sistemas de pagamento e sistemas de comunicação eletrónica relacionados com os pagamentos ou ordens de transferência».

6        O pedido de marca foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.o 33/2015, de 18 de fevereiro de 2015. A marca controvertida foi registada em 28 de maio de 2015 com o número 13685565.

7        Avisada por correio eletrónico de 7 de julho de 2015 enviado por um cliente que a teria confundido com a recorrente, que organizava em Berlim (Alemanha), em 16 de julho de 2016, um evento publicitário, a interveniente enviou a esta última uma carta que intimava a cessação e a abstenção, seguida de um pedido de providência cautelar ao Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha), da qual desistiu na sequência das reservas expressas pelo presidente da formação de julgamento competente do referido tribunal.

8        Em 13 de julho de 2015, a recorrente apresentou um pedido de declaração de nulidade da marca controvertida, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 [atual artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001], para todos os serviços referidos no n.o 5, supra.

9        Em 25 de maio de 2017, a Divisão de Anulação indeferiu na íntegra o pedido de declaração de nulidade.

10      Em 28 de julho de 2017, a recorrente interpôs recurso no EUIPO, ao abrigo dos artigos 58.o a 64.o do Regulamento n.o 207/2009 (atuais artigos 66.o a 71.o do Regulamento 2017/1001), da decisão da Divisão de Anulação.

11      Por Decisão de 4 de fevereiro de 2019 (a seguir «decisão impugnada»), a Segunda Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso interposto pela recorrente, por considerar que esta não tinha feito prova da má‑fé da interveniente no momento do depósito do pedido de registo da marca controvertida.

12      Para chegar a esta conclusão, em primeiro lugar, a Câmara de Recurso considerou que, na medida em que qualquer pessoa singular ou coletiva pode apresentar um pedido de declaração de nulidade baseado na causa de nulidade absoluta prevista no artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001, a recorrente não precisava de provar um interesse jurídico em intentar uma ação, pelo que era indiferente que os documentos apresentados por esta não tivessem permitido demonstrar quem tinha efetivamente atuado sob o sinal TARGET VENTURES.

13      Em segundo lugar, a Câmara de Recurso confirmou as conclusões da Divisão de Anulação segundo as quais a recorrente não tinha demonstrado que os serviços oferecidos na União por ela ou por um terceiro que atua sob o sinal TARGET VENTURES eram conhecidos pela interveniente. A recorrente também não demonstrou o suposto conhecimento das suas atividades pela interveniente. A utilização do sinal TARGET VENTURES na Europa por parte da recorrente ou de um terceiro não tinha uma dimensão tal que se pudesse razoavelmente presumir que tal sinal era bem conhecido ou reconhecido pelo público e pelos concorrentes em causa no momento em que foi pedido o registo da marca controvertida. Devido à duração relativamente curta da utilização do sinal TARGET VENTURES na Europa antes de 27 de janeiro de 2015, a recorrente devia ter demonstrado uma forte intensidade de utilização ou, pelo menos, uma ampla cobertura mediática das suas atividades. Ora, segundo a Câmara de Recurso, não existem tais elementos, pelo que não se podia presumir que a interveniente tinha, ou pelo menos devia ter tido, conhecimento das atividades comerciais realizadas utilizando o sinal TARGET VENTURES pela recorrente ou por uma sociedade terceira. Por conseguinte, a Câmara de Recurso considerou que uma das condições exigidas pelo artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 não estava preenchida, pelo que o pedido de declaração de nulidade devia ser indeferido.

14      Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso considerou que, mesmo admitindo que a recorrente tivesse feito prova de que a interveniente sabia ou devia ter sabido que esta ou um terceiro tinham utilizado o sinal TARGET VENTURES antes da data do depósito do pedido da marca controvertida, esta não tinha demonstrado que a interveniente nunca tinha tido a intenção de utilizar essa marca, mas tinha unicamente a intenção de impedir a recorrente de entrar no mercado europeu. Pelo contrário, os elementos de prova apresentados pela interveniente demonstram que esta tinha um interesse comercial legítimo em registar a marca controvertida.

15      A questão de saber se a utilização que a interveniente fez dos nomes de domínio mencionados no n.o 1, supra, criou direitos anteriores sobre o sinal TARGET VENTURES é irrelevante, dado que basta que o registo da marca controvertida tenha prosseguido um motivo comercial legítimo. Neste âmbito, a Câmara de Recurso observou que resultava dos elementos de prova apresentados pela interveniente que esta tinha feito «uma determinada utilização do sinal [em questão] antes do seu pedido [de registo] da marca controvertida».

16      Assim, segundo a Câmara de Recurso, não se pode excluir que a interveniente tenha depositado a marca controvertida quer porque pretendia ampliar a sua utilização do sinal TARGET VENTURES quer porque procurava «proteger os seus clientes de uma eventual confusão», como se ilustra no correio eletrónico de 7 de julho de 2015 (v. n.o 7, supra). Embora esse correio eletrónico tenha sido enviado após a data de depósito da marca controvertida, demonstra que pelo menos um cliente estabeleceu uma ligação entre o sinal TARGET VENTURES e a interveniente. No caso em apreço, a lógica comercial por detrás do depósito da marca controvertida foi a vontade legítima da interveniente de proteger o seu nome distintivo TARGET acompanhado da descrição dos seus serviços de capital de risco VENTURES, além da sua marca TARGET PARTNERS, a fim de evitar qualquer confusão no espírito dos seus clientes.

 Pedidos das partes

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o EUIPO nas despesas, incluindo as efetuadas no âmbito dos processos m na Divisão de Anulação e na Segunda Câmara de Recurso do EUIPO.

18      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

19      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso e confirmar a decisão impugnada;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

20      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso, relativos à violação, respetivamente, do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 e do artigo 75.o do mesmo regulamento (atual artigo 94.o do Regulamento n.o 2017/1001).

21      Em apoio do seu primeiro fundamento, por um lado, a recorrente alega, em substância, que a Câmara de Recurso cometeu erros na apreciação do conhecimento prévio pela interveniente da utilização do sinal TARGET VENTURES pela recorrente para os seus serviços de capital de risco. Segundo a recorrente, no mínimo a interveniente deveria ter sabido que a recorrente utilizava o sinal TARGET VENTURES no território da União e fora deste, primeiro, devido à receção de dois correios eletrónicos por ocasião da conferência especializada em matéria de investimentos (v., n.o 3, supra) e, segundo, porque, na data do depósito da marca controvertida, a recorrente já tinha feito uma utilização intensiva desse sinal para serviços de capital de risco fora da União e tinha começado, há já mais de um ano, a utilizá‑lo igualmente no território da União. Por conseguinte, a recorrente, atuando sob o sinal TARGET VENTURES, já era conhecida enquanto ator importante do setor do capital de risco.

22      Por outro lado, a interveniente nunca utilizou esse sinal para designar a origem comercial dos seus serviços nem teve a intenção de o fazer. A sua intenção no momento do depósito do pedido de registo da marca controvertida era antes utilizá‑la para outros fins, nomeadamente para reforçar ou proteger a sua marca TARGET PARTNERS, ou impedir que terceiros em geral e/ou a recorrente, em particular, usassem o sinal TARGET VENTURES por considerar que esses sinais poderiam dar lugar a confusão. Ora, o facto de a interveniente possuir um nome de domínio «targetventures.com» de 2002 não pode sustentar a alegação de um interesse legítimo em depositar a marca controvertida treze anos mais tarde, em especial, tendo em conta, o facto de esse nome de domínio nunca ter sido utilizado, mas, quando muito, redirecionar para o sítio Internet «www.targetpartners.de». Essa redireção dificilmente poderia ser qualificada de «certa utilização». A Câmara de Recurso também não avaliou corretamente a cronologia dos acontecimentos. Por conseguinte, a Câmara de Recurso, no âmbito da sua apreciação global das circunstâncias do caso em apreço, concluiu erradamente que a interveniente não tinha agido de má‑fé no momento do depósito do pedido de marca controvertida.

23      O EUIPO e a interveniente consideram, em substância, que a recorrente não demonstrou que a interveniente sabia ou devia saber, no momento do depósito do pedido de registo da marca controvertida, que a recorrente utilizava no mercado da União o sinal TARGET VENTURES para os serviços em causa. Em todo o caso, a utilização deste sinal pela interveniente, quer antes quer após o seu registo como marca da União Europeia, demonstra que esse registo era motivado por um interesse comercial legítimo.

24      A título preliminar, importa precisar que, embora a Câmara de Recurso, na decisão impugnada, tenha aplicado as disposições do Regulamento 2017/1001, ratione temporis e tendo em conta a data de apresentação do pedido de registo da marca controvertida, que é determinante para efeitos da identificação do direito material aplicável aos pedidos de declaração de nulidade [Acórdãos de 29 de novembro de 2018, Alcohol Countermeasure Systems (International)/EUIPO, C‑340/17 P, não publicado, EU:C:2018:965, n.o 2, e de 23 de abril de 2020, Gugler France/Gugler e EUIPO, C‑736/18 P, não publicado, EU:C:2020:308, n.o 3 e jurisprudência referida], o presente litígio é regulado pelas disposições materiais do Regulamento n.o 207/2009 e que, nessas circunstâncias, importa entender essas referências ao Regulamento 2017/1001, no que respeita às regras substantivas, como remetendo para as disposições de conteúdo idêntico do Regulamento n.o 207/2009, sem que isso afete a legalidade da decisão impugnada. Nos termos do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, a nulidade da marca da União Europeia é declarada na sequência de pedido apresentado ao EUIPO ou de pedido reconvencional numa ação de contrafação, sempre que o titular da marca não tenha agido de boa‑fé no ato de depósito do pedido de marca.

25      Embora, em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem corrente, o conceito de «má‑fé» pressuponha a existência de um estado de espírito ou de uma intenção desonesta, este conceito deve, além disso, ser interpretado no contexto do direito das marcas, que é o da vida comercial. A este respeito, os Regulamentos (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), n.o 207/2009 e 2017/1001, adotados sucessivamente, prosseguem o mesmo objetivo, a saber, o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno. As regras sobre a marca da União Europeia visam, em especial, contribuir para o sistema de concorrência não falseada na União, no qual cada empresa deve, para conservar a clientela pela qualidade dos seus produtos ou dos seus serviços, ser capaz de fazer registar como marcas sinais que permitam ao consumidor distinguir sem confusão possível esses produtos ou esses serviços dos que tenham outra proveniência (v. Acórdão de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.o 45 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 29 de janeiro de 2020, Sky e o., C‑371/18, EU:C:2020:45, n.o 74).

26      Por conseguinte, a causa de nulidade absoluta prevista no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 é aplicável quando resulte de indícios pertinentes e concordantes que o titular de uma marca da União Europeia não apresentou o pedido de registo desta marca com o objetivo de participar de forma leal no jogo da concorrência mas com a intenção de prejudicar, de maneira não conforme com as práticas honestas, com os interesses de terceiros ou com a intenção de obter, sem sequer visar um terceiro em particular, um direito exclusivo para fins diferentes dos incluídos nas funções de uma marca, nomeadamente da função essencial de indicação de origem recordada no número anterior (Acórdãos de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.o 46, e de 29 de janeiro de 2020, Sky e o., C‑371/18, EU:C:2020:45, n.o 75).

27      Em primeiro lugar, ao indicar, no n.o 19 da decisão impugnada, que a má‑fé implica um comportamento que se afasta dos princípios reconhecidos de um comportamento ético ou de práticas honestas em matéria industrial ou comercial e pressupõe uma intenção desonesta ou qualquer outro motivo danoso, a Câmara de Recurso interpretou o conceito de má‑fé de forma demasiado restritiva. Com efeito, decorre da jurisprudência referida nos n.os 25 e 26, supra, que a intenção de obter, sem sequer visar um terceiro em particular, um direito exclusivo para fins diferentes dos incluídos nas funções de uma marca, nomeadamente da função essencial de indicação de origem, pode bastar para concluir pela má‑fé do requerente da marca.

28      Assim, embora não seja necessário, para efeitos da qualificação da má‑fé, que o titular da marca controvertida, no momento do depósito do pedido de marca, tenha visado um terceiro em particular, também não é indispensável que tenha tido conhecimento da utilização do sinal em causa por um terceiro. Com efeito, se o titular da marca controvertida tivesse esse conhecimento, o seu pedido visaria necessariamente esse terceiro.

29      Por conseguinte, ao concluir, em substância, nos n.os 31 e 32 da decisão impugnada, que a falta de prova do conhecimento real ou presumido da utilização anterior do sinal em causa basta para indeferir o pedido de declaração de nulidade em questão, a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao interpretar o artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

30      Em segundo lugar, como o Tribunal de Justiça declarou no termo da sua análise nos n.os 48 a 55 do Acórdão de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO (C‑104/18 P, EU:C:2019:724), resulta apenas da interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:361), e nomeadamente no n.o 53 deste, que, quando seja demonstrado que existia uma utilização por um terceiro de um sinal idêntico ou semelhante para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes e que podia gerar confusão, ou seja, numa situação diferente da do caso em apreço, há que analisar, no âmbito da apreciação global das circunstâncias pertinentes do caso concreto, se o requerente da marca controvertida tinha disso conhecimento. Ora, a utilização anterior do sinal em causa por um terceiro não é uma condição exigida pelo artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.os 51, 52, 69 e 70). Por conseguinte, o conhecimento do titular da marca controvertida de uma utilização anterior desse sinal por um terceiro ou a questão de saber se esse titular devia ter tido conhecimento dessa utilização anterior do sinal em causa por um terceiro é apenas um fator pertinente entre outros a tomar em consideração.

31      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça teve a ocasião de precisar que, os diferentes fatores referidos pela jurisprudência mais não são do que exemplos entre um conjunto de elementos suscetíveis de ser tomados em consideração para poder apreciar a eventual má‑fé de um requerente de registo no momento do depósito do pedido de marca [Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Mouldpro/EUIPO — Wenz Kunststoff (MOULDPRO), T‑796/17, não publicado, EU:T:2019:88, n.o 83], a inexistência de um ou outro desses fatores não se opõe necessariamente, segundo as circunstâncias próprias do caso em apreço, à constatação da má‑fé do requente [v. Acórdão de 23 de maio de 2019, Holzer y Cia/EUIPO — Annco (ANN TAYLOR e AT ANN TAYLOR), T‑3/18 e T‑4/18, EU:T:2019:357, n.o 52 e jurisprudência referida].

32      Daqui resulta que, no n.o 20 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso declarou erradamente que, para a apreciação da existência de má‑fé, os critérios enumerados no n.o 53 do Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:361) «d[eviam] ser tomados em consideração», não tendo assim suficientemente em conta todas as circunstâncias do caso concreto.

33      Em terceiro lugar, a intenção do requerente de uma marca é um elemento subjetivo que deve, no entanto, ser determinado de forma objetiva pelas autoridades administrativas e judiciais competentes. Por conseguinte, qualquer alegação de má‑fé deve ser apreciada globalmente, atendendo a todos os fatores relevantes do caso concreto. É apenas desta forma que a alegação de má‑fé pode ser apreciada objetivamente (v. Acórdão de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.o 47 e jurisprudência referida).

34      Nos n.os 48 a 55 do Acórdão de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO (C‑104/18 P, EU:C:2019:724), o Tribunal de Justiça precisou igualmente que os fatores que tinha desenvolvido no Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:361), para efeitos da determinação da existência da má‑fé, estavam estreitamente ligados às circunstâncias do processo e que podia existir outras situações em que o pedido de registo de uma marca era suscetível de ser considerado como tendo sido apresentado de má‑fé (v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 23 de maio de 2019, ANN TAYLOR e AT ANN TAYLOR, T‑3/18 e T‑4/18, EU:T:2019:357, n.o 52 e jurisprudência referida).

35      No que respeita mais especificamente à questão de saber se a interveniente pediu o registo da marca controvertida sem ter a intenção de a utilizar para fins abrangidos pelas funções de uma marca, nomeadamente a função essencial de indicação de origem (v. n.os 25 e 26, supra), decorre dos n.os 76 e 77 do Acórdão de 29 de janeiro de 2020, Sky e o. (C‑371/18, EU:C:2020:45), que, embora o requerente de uma marca não esteja obrigado a indicar, nem sequer a conhecer, com precisão, na data do depósito do seu pedido de registo ou da análise deste, o uso que fará da marca pedida e que dispõe de um prazo de cinco anos para dar início a um uso efetivo em conformidade com a função essencial dessa marca, registar uma marca quando o requerente não tenha a menor intenção de a utilizar para os produtos e para os serviços objeto desse registo pode ser constitutivo de má‑fé quando o pedido de marca não tenha justificação à luz dos objetivos visados no Regulamento n.o 207/2009. Contudo, tal má‑fé só pode ser constatada se existirem indícios objetivos, pertinentes e concordantes que demonstrem que, à data do depósito do pedido de registo da marca em causa, o requerente tinha a intenção tanto de prejudicar os interesses de terceiros de maneira não conforme com as práticas honestas como de obter, sem sequer visar um terceiro em particular, um direito exclusivo para fins diferentes daqueles que fazem parte das funções de uma marca.

36      No caso em apreço, resulta de indícios objetivos pertinentes e concordantes que a intenção da interveniente à data do depósito do pedido de registo da marca controvertida não era fazer dela uma utilização pertinente das funções de uma marca.

37      Em primeiro lugar, no n.o 37 da decisão impugnada indica‑se que não se pode excluir que a interveniente procurava proteger os seus clientes de uma eventual confusão entre os sinais TARGET PARTNERS e TARGET VENTURES e que a lógica comercial por detrás do depósito da marca controvertida era a vontade legítima da interveniente de proteger o seu nome distintivo (TARGET) acompanhado da descrição dos seus serviços de capital de risco (VENTURES), além da sua marca TARGET PARTNERS, e de evitar assim qualquer confusão entre os seus clientes.

38      No entanto, nas circunstâncias particulares do caso em apreço, o facto de a interveniente registar uma marca para evitar um risco de confusão com outra marca de que já era titular e/ou para proteger nesse âmbito o elemento comum a essas marcas é, como sustenta em substância a recorrente, alheio às funções de uma marca, nomeadamente a função essencial de indicação de origem, e contribuiu sobretudo para o reforço e a proteção da primeira marca da interveniente, que era, tanto antes como depois do depósito do pedido de registo da marca controvertida, o único sinal sob o qual esta oferecia os seus serviços.

39      Em segundo lugar, resulta claramente das respostas da interveniente às questões colocadas na audiência que a intenção que esteve na origem do depósito do pedido de registo da marca controvertida consistia no reforço de uma outra marca, a saber, a TARGET PARTNERS, na medida em que os sítios Internet «www.targetventures.de» e «www.targetventures.com» mais não fizeram do que reenviar para o sítio Internet principal da interveniente.

40      Com efeito, a interveniente precisou que a marca controvertida tinha sido utilizada, como antes do seu registo, para os sítios Internet a fim de reenviar os consumidores interessados para o seu sítio Internet principal, intitulado «www.targetpartners.de» e no qual oferece os seus serviços. Esta precisou igualmente que essa era a razão principal da sua utilização. Segundo a interveniente, ao utilizar nos nomes de domínio «targetventures.com» e «targetventures.de» um elemento distintivo, a saber, o elemento «target», com um elemento descritivo dos serviços de capital de risco, a saber, o elemento «ventures», e ao reenviar para o sítio eletrónico principal da interveniente, no qual oferece os seus serviços sob a marca TARGET PARTNERS, pretendia mostrar ao público interessado que esses serviços eram igualmente oferecidos pela TARGET PARTNERS. A razão do registo da marca controvertida era, portanto, proteger o sinal TARGET utilizado no nome desses dois sítios Internet. A interveniente declarou igualmente ter querido alargar a sua carteira de marcas.

41      Uma vez que, por um lado, é pacífico que a utilização do sinal TARGET VENTURES  foi a mesma, quer antes quer depois do depósito do seu pedido de registo, a saber, que se tratava de reenviar para o sítio Internet principal da interveniente «www.targetpartners.de», e, por outro, que se pode deduzir do que esta última explicou durante a audiência que a proteção dessa utilização era a razão principal do pedido de registo da marca controvertida, sem indicar outra utilização concreta prevista, há que considerar que a interveniente tinha unicamente a intenção de continuar a utilizar esta marca da mesma maneira que antes do depósito desse pedido. Por conseguinte, a interveniente não apresentou o referido pedido com o objetivo de participar de forma leal no jogo da concorrência, mas com a intenção de obter, potencialmente, sem visar um terceiro em particular, um direito exclusivo para fins diferentes dos das funções de uma marca, nomeadamente da função essencial de indicação de origem.

42      Em terceiro lugar, quanto à alegação geral, que figura no n.o 37 da decisão impugnada, segundo a qual não é de excluir que a interveniente tenha depositado a marca controvertida porque pretendia ampliar a utilização do sinal TARGET VENTURES, é contrariada não só pela falta de qualquer utilização desse sinal diferente daquela que já ocorreu antes do depósito do pedido de registo, mas também pelas declarações da interveniente na audiência sobre a razão principal da utilização desse sinal, tanto antes como depois do depósito desse pedido, e a sua intenção nesse momento, bem como pela circunstância de que a interveniente agiu de maneira a ser identificada, aos olhos dos clientes, exclusivamente sob a marca TARGET PARTNERS.

43      Com efeito, resulta da resposta da interveniente ao correio eletrónico de 7 de julho de 2015 (v. n.o 7, supra) que esta pretendia precisar claramente ao cliente em questão que não era ela que organizava o evento publicitário, sem, no entanto, mencionar que também utilizava o nome TARGET VENTURES. É igualmente pacífico que a interveniente nunca propôs os seus serviços utilizando para esse efeito o sinal TARGET VENTURES. Pelo contrário, a origem dos serviços oferecidos pela interveniente foi sempre identificada pela marca TARGET PARTNERS. Assim, a interveniente, mesmo posteriormente ao depósito do pedido de registo, utilizou esse nome com exclusão de qualquer outro para a sua própria identificação relativamente aos seus clientes.

44      Nestas circunstâncias e na falta de qualquer indício a este respeito, foi erradamente que a Câmara de Recurso considerou que a intenção de ampliar a utilização do sinal TARGET VENTURES podia ter motivado o depósito do pedido do seu registo.

45      Por conseguinte, os motivos subjacentes à conclusão que figura no n.o 38 da decisão impugnada enfermam de erros de direito e de facto.

46      Em quarto lugar, como declarado nos n.os 27 a 29, supra, embora a intenção do titular da marca controvertida no momento do depósito do seu pedido de registo seja obter, sem sequer visar um terceiro em particular, um direito exclusivo para fins diferentes dos das funções de uma marca, o exame do conhecimento prévio por esse titular da utilização do sinal em causa por um terceiro não é uma condição sine qua non para se poder concluir pela má‑fé do referido titular. Nestas circunstâncias, o exame da cronologia dos acontecimentos que se inscreve precisamente na análise da questão de saber se o titular da marca conhecia ou devia ter conhecido o uso dessa marca por um terceiro também não é necessário. No entanto, uma vez que a Câmara de Recurso, no caso em apreço, considerou indispensável a prova do conhecimento, efetivo ou presumido, da interveniente da utilização do sinal TARGET VENTURES pela recorrente, deveria ter tido em conta todos os elementos que caracterizam o caso em apreço, entre os quais, em primeiro lugar, a utilização desse sinal pela recorrente fora da União e, em segundo lugar, a cronologia dos acontecimentos.

47      Em primeiro lugar, decorre do Acórdão de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO (C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.os 51, 52 e 55), que o exame do conhecimento prévio, pelo titular da marca controvertida, da utilização desse sinal por um terceiro não deve ser limitado ao mercado da União. Em especial, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 52 desse acórdão, que podiam existir situações diferentes da que deu origem ao Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:361), em que o pedido de registo de uma marca era suscetível de ser considerado como tendo sido apresentado de má‑fé apesar de, no momento desse pedido, não se verificar a utilização por um terceiro, no mercado interno, de um sinal idêntico ou semelhante para produtos idênticos ou semelhantes. Ao aprovar a análise da Divisão de Anulação e ao restringir o seu próprio exame ao conhecimento, pela interveniente, da utilização pela recorrente ou por um terceiro do sinal TARGET VENTURES no âmbito das suas atividades comerciais na União, a Câmara de Recurso aplicou este fator de forma incompleta nos n.os 23, 26, 30 e 31 da decisão impugnada.

48      Em segundo lugar, há que constatar que, no âmbito da sua análise, a Câmara de Recurso não teve de forma alguma em conta a cronologia dos acontecimentos que caracterizaram o presente processo.

49      Resulta de tudo o que antecede que o primeiro fundamento deve ser julgado procedente e que a decisão impugnada deve ser anulada sem que seja necessário examinar o segundo fundamento.

 Quanto às despesas

50      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No caso em apreço, o EUIPO e a interveniente foram vencidos. Tendo a recorrente pedido apenas a condenação do EUIPO nas despesas da presente instância, há que condenar este último a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da recorrente no processo no Tribunal Geral.

51      Além disso, a recorrente pediu a condenação do EUIPO nas despesas que efetuou no procedimento administrativo na Divisão de Anulação e na Câmara de Recurso do EUIPO. A este respeito, cabe recordar que, nos termos do artigo 190.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, as despesas indispensáveis efetuadas pelas partes para efeitos do processo na Câmara de Recurso são consideradas despesas reembolsáveis. Contudo, não sucede o mesmo no caso das despesas efetuadas para efeitos do processo na Divisão de Anulação. Por conseguinte, o pedido da recorrente destinado a que o EUIPO seja condenado nas despesas do procedimento administrativo só pode ser julgado procedente no que respeita às despesas indispensáveis efetuadas pela recorrente para efeitos do processo na Câmara de Recurso.

52      Em aplicação do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a interveniente suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      A Decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), de 4 de fevereiro de 2019 (processo R 1684/20172), é anulada.

2)      O EUIPO suportará, além das suas próprias despesas, as despesas da Target Ventures Group Ltd, incluindo as que esta última efetuou na Câmara de Recurso.

3)      A Target Partners GmbH suportará as suas próprias despesas.

Collins

Kreuschitz

Steinfatt

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de outubro de 2020.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.