Language of document : ECLI:EU:T:2022:315

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

1 de junho de 2022 (*)

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Procedimento de resolução aplicável em caso de situação ou risco de insolvência de uma entidade — Adoção pelo CUR de um programa de resolução relativamente ao Banco Popular Español — Delegação de poderes — Direito de audiência — Direito de propriedade — Dever de fundamentação — Artigos 14.o, 18.o e 20.o do Regulamento (UE) n.o 806/2014»

No processo T‑628/17,

Aeris Invest Sàrl, com sede em Luxemburgo (Luxemburgo), representada por M. Roca Junyent, R. Vallina Hoset, G. Serrano Fenollosa, E. Galán Burgos e M. Varela Suárez, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

e

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por J. King e M. Sagrario Fernández Rupérez, na qualidade de agentes, assistidas por B. Meyring, S. Schelo, F. Fernández de Trocóniz Robles, T. Klupsch e S. Ianc, advogados,

recorridos,

apoiados por

Reino de Espanha, representado por L. Aguilera Ruiz e J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agentes,

por

Parlamento Europeu, representado por P. López‑Carceller, M. Martínez Iglesias, L. Visaggio, J. Etienne, M. Menegatti e M. Sammut, na qualidade de agentes,

por

Conselho da União Europeia, representado por A. de Gregorio Merino, J. Bauerschmidt, H. Marcos Fraile e A. Westerhof Löfflerová, na qualidade de agentes,

e por

Banco Santander, SA, com sede em Santander (Espanha), representado por J. Rodríguez Cárcamo, A. Rodríguez Conde, D. Sarmiento Ramírez‑Escudero e J. Remón Peñalver, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto, com base no artigo 263.o TFUE, um pedido de anulação da Decisão CUR/EES/2017/08 da sessão executiva do CUR, de 7 de junho de 2017, relativa a um programa de resolução relativamente ao Banco Popular Español, SA, por um lado, e da Decisão (UE) 2017/1246 da Comissão, de 7 de junho de 2017, que aprova o programa de resolução para o Banco Popular Español S.A. (JO 2017, L 178, p. 15), por outro,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, M. Jaeger, V. Kreuschitz, G. de Baere (relator) e G. Steinfatt, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 17 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

I.      Contexto jurídico

1        Na sequência da crise financeira de 2008, foi decidido criar uma união bancária na União Europeia, baseada num conjunto único de regras completo e detalhado para os serviços financeiros, válido para todo o mercado interno e que incluísse um mecanismo único de supervisão e de novos quadros para a garantia de depósitos e a resolução de insolvências bancárias.

2        A primeira etapa para a criação da união bancária consistiu na criação de um Mecanismo Único de Supervisão (MUS) pelo Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63). Segundo o considerando 12 desse regulamento, um mecanismo único de supervisão deverá assegurar que a política da União no que se refere à supervisão prudencial das instituições de crédito seja aplicada de forma coerente e eficaz, que o conjunto único de regras para os serviços financeiros seja aplicado da mesma forma às instituições de crédito de todos os Estados‑Membros interessados e que essas instituições de crédito sejam sujeitas a uma supervisão da mais elevada qualidade, isenta de considerações não prudenciais. Para o efeito, o Regulamento n.o 1024/2013 atribui ao Banco Central Europeu (BCE) atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito, a fim de contribuir para a segurança e solidez das instituições de crédito e para a estabilidade do sistema financeiro na União e em cada Estado‑Membro.

3        Seguidamente, foi adotada a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190). Indica, no seu considerando 1, o seguinte:

«A crise financeira demonstrou uma grande falta de instrumentos adequados a nível da União para tratar com eficácia o problema das instituições de crédito e das empresas de investimento […] pouco sãs ou em situação de insolvência. Esses instrumentos são necessários, nomeadamente, para evitar procedimentos de insolvência ou, se tal não for possível, para minimizar as suas repercussões negativas, preservando as funções de importância sistémica das instituições em causa. Durante a crise, estes desafios constituíram um fator essencial que obrigou os Estados‑Membros a salvarem instituições utilizando o dinheiro dos contribuintes. A finalidade de um enquadramento credível para a recuperação e a resolução consiste em evitar, ao máximo, a necessidade de proceder a tal intervenção.»

4        O objetivo da Diretiva 2014/59 é instituir regras comuns de harmonização mínima das disposições nacionais que regulam a resolução dos bancos na União e prevê uma cooperação entre autoridades de resolução nas situações de insolvência de bancos transfronteiriços. A este respeito, a Diretiva 2014/59 prevê, nomeadamente, no seu artigo 3.o, n.o 1, que cada Estado‑Membro designa uma ou, excecionalmente, mais autoridades de resolução habilitadas a aplicar os instrumentos de resolução e a exercer os poderes de resolução.

5        Todavia, considerando, por um lado, que a Diretiva 2014/59 não conduzia à centralização do processo decisório em matéria de resolução, que punha essencialmente instrumentos de resolução e poderes de resolução comuns à disposição das autoridades nacionais de cada Estado‑Membro, e que deixava a estas uma margem de apreciação para o recurso a esses instrumentos e à utilização dos mecanismos nacionais de financiamento para a resolução, e considerando, por outro lado, que essa diretiva não impedia completamente a adoção de decisões distintas e potencialmente divergentes sobre a resolução dos grupos transfronteiriços pelos Estados‑Membros, decidiu instituir um mecanismo de resolução único (MUR).

6        Assim, a segunda etapa para a criação da união bancária consistiu na adoção do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).

7        O considerando 12 do Regulamento n.o 806/2014 dispõe:

«Afigura‑se essencial, para a realização do mercado interno dos serviços financeiros, garantir decisões eficazes em matéria de resolução para os bancos em situação de insolvência no âmbito da União, nomeadamente em relação à utilização dos fundos mobilizados a nível da União. No mercado interno, a insolvência de bancos num Estado‑Membro pode afetar a estabilidade dos mercados financeiros da União como um todo. A garantia de regras efetivas e uniformes em matéria de resolução e de condições de financiamento da resolução idênticas em todos os Estados‑Membros é do interesse, não apenas dos Estados‑Membros em que os bancos operam, mas também de todos os Estados‑Membros em geral, uma vez que permite assegurar condições equitativas de concorrência e melhorar o funcionamento do mercado interno. Os sistemas bancários no mercado interno estão estreitamente interligados, os grupos bancários têm uma dimensão internacional e os bancos detêm uma grande percentagem de ativos estrangeiros. Na ausência do MUR, as crises bancárias nos Estados‑Membros que participam no MUS teriam um maior impacto sistémico negativo também nos Estados‑Membros não participantes. A criação do MUR assegurará uma abordagem neutra no tratamento dos bancos em situação de insolvência e, por conseguinte, aumentará a estabilidade dos bancos dos Estados‑Membros participantes e impedirá a propagação das crises a Estados‑Membros não participantes, facilitando assim o funcionamento do mercado interno no seu todo. Os mecanismos de cooperação relativos às instituições estabelecidas em Estados‑Membros participantes e não participantes deverão ser claros e nenhum Estado‑Membro ou grupo de Estados‑Membros deverá ser, direta ou indiretamente, discriminado enquanto local de prestação de serviços financeiros.»

8        Segundo o seu artigo 1.o, primeiro parágrafo, o Regulamento n.o 806/2014, tem por objetivo aprovar regras uniformes e um procedimento uniforme para a resolução das entidades definidas no artigo 2.o que estejam estabelecidas nos Estados‑Membros participantes, a saber, os bancos que tenham como autoridade de supervisão do país de origem o BCE ou a autoridade nacional competente nos Estados‑Membros cuja moeda seja o euro ou nos Estados‑Membros cuja moeda não seja o euro que tenham instituído uma cooperação estreita em conformidade com o artigo 7.o do Regulamento n.o 1024/2013 (v. considerando 15 do Regulamento n.o 806/2014).

9        O artigo 1.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que essas regras uniformes e esse processo uniforme serão aplicados pelo Conselho Único de Resolução (CUR), criado ao abrigo do artigo 42.o, em colaboração com o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia e as autoridades nacionais de resolução no quadro do MUR, criado pelo mesmo regulamento. Prevê‑se igualmente que o MUR se apoia num Fundo Único de Resolução (FUR).

10      Nos termos do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR decide uma medida de resolução em relação a uma instituição financeira estabelecida num Estado‑Membro participante se as três condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do mesmo regulamento estiverem preenchidas.

11      A primeira condição exige que a entidade se encontre em situação ou em risco de insolvência. A avaliação dessa condição é efetuada pelo BCE, após consulta do CUR, ou pelo CUR, e é considerada preenchida se a entidade se encontrar numa ou mais das situações enumeradas no artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014.

12      A segunda condição pressupõe que não existe nenhuma perspetiva razoável de que outras medidas de natureza privada ou prudenciais impeçam a insolvência da entidade num prazo razoável.

13      A terceira condição implica que uma medida de resolução seja necessária no interesse público, a saber, que seja necessária para atingir um ou mais dos objetivos da resolução e que a liquidação da entidade segundo um processo normal de insolvência não o permitisse na mesma medida.

14      O artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014 define os seguintes objetivos da resolução: assegurar a continuidade das funções críticas, evitar efeitos adversos significativos sobre a estabilidade financeira, nomeadamente evitando o contágio, proteger as finanças públicas, limitando o recurso ao apoio financeiro público extraordinário; proteger os depositantes e os investidores, proteger os fundos e ativos dos clientes.

15      O artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que, antes de adotar uma medida de resolução ou exercer o poder para reduzir ou converter os instrumentos de capital relevantes, o CUR assegura que seja efetuada uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e passivos de uma entidade em causa por uma pessoa independente de qualquer autoridade pública, incluindo o CUR e a autoridade nacional de resolução e da entidade em causa.

16      Segundo o artigo 20.o, n.o 15, do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação é parte integrante da decisão relativa à aplicação de um instrumento de resolução ou ao exercício de um poder de resolução, ou da decisão relativa ao exercício do poder de redução ou de conversão de instrumentos de capital.

17      Se estiverem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR adota um programa de resolução.

18      Quando atuam no âmbito do processo de resolução, o CUR, o Conselho e a Comissão devem assegurar que a medida de resolução seja adotada em conformidade com certos princípios enumerados no artigo 15.o do Regulamento n.o 806/2014, entre os quais figuram o princípio de os acionistas da instituição sujeita a um processo de resolução serem os primeiros a suportar as perdas e o princípio de nenhum credor incorrer em perdas maiores do que teria sofrido se a entidade visada pela medida de resolução tivesse sido liquidada num processo normal de insolvência.

19      No programa de resolução, o CUR determina a aplicação dos instrumentos de resolução. O artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 enumera os diferentes instrumentos de resolução disponíveis, a saber, a alienação da atividade, o recurso a uma instituição de transição, a segregação de ativos e a recapitalização interna.

20      No programa de resolução, o CUR pode igualmente exercer o poder de redução ou de conversão dos instrumentos de capital da entidade em causa nas condições previstas no artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014. Segundo o artigo 19.o do Regulamento n.o 806/2014, uma medida de resolução pode igualmente implicar a concessão de um auxílio de Estado ou o recurso ao FUR.

21      Segundo o artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, imediatamente após a sua adoção, o CUR transmite o programa de resolução à Comissão. No prazo de vinte e quatro horas a contar da transmissão do programa de resolução pelo CUR, a Comissão aprova o programa de resolução ou emite objeções sobre os seus aspetos discricionários diferentes dos previstos no terceiro parágrafo, a saber, a observância do critério do interesse público ou uma alteração significativa do montante do FUR. Quanto a estes últimos aspetos discricionários, no prazo de doze horas a contar da data da transmissão do programa de resolução pelo CUR, a Comissão pode propor ao Conselho que emita objeções ao programa de resolução adotado pelo CUR com o fundamento de que este não cumpre o critério do interesse público ou que aprove ou recuse uma alteração significativa do montante do FUR prevista no programa de resolução adotado pelo CUR. O programa de resolução só pode entrar em vigor se não tiverem sido formuladas objeções pelo Conselho ou pela Comissão no prazo de 24 horas após a sua transmissão pelo CUR.

22      O artigo 18.o, n.o 9, do Regulamento n.o 806/2014 indica que o CUR assegura que as medidas de resolução necessárias à aplicação do programa de resolução sejam tomadas pelas autoridades nacionais de resolução em causa. Estas últimas são destinatárias do programa de resolução, que lhes dá instruções para tomarem todas as medidas necessárias para o aplicarem, em conformidade com o artigo 29.o do mesmo regulamento, exercendo todo o poder de resolução.

23      Posteriormente à adoção de uma medida de resolução, nos termos do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR assegurará que uma avaliação seja realizada por uma pessoa independente, a fim de determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um melhor tratamento se a instituição sujeita a um processo de resolução tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência. Essa avaliação pode levar, nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014, a indemnizar os acionistas ou os credores se tiverem sofrido perdas maiores no âmbito da resolução que teriam sofrido numa liquidação segundo um processo normal de insolvência.

II.    Antecedentes do litígio e factos posteriores à interposição do recurso

24      A recorrente, Aeris Invest Sàrl, é uma pessoa coletiva de direito luxemburguês, que era acionista do Banco Popular Español, SA (a seguir «Banco Popular»), antes da adoção de um programa de resolução para este último.

A.      Quanto à situação do Banco Popular antes da adoção do programa de resolução

25      O grupo Banco Popular, de que o Banco Popular era a sociedade‑mãe, era, à data da resolução, o sexto grupo bancário espanhol.

26      Em 2016, o Banco Popular procedeu a um aumento de capital de 2 500 milhões de euros.

27      Em 5 de dezembro de 2016, a sessão executiva do CUR aprovou um plano de resolução do grupo Banco Popular (a seguir «plano de resolução de 2016»). O instrumento de resolução privilegiado no plano de resolução de 2016 era o instrumento de recapitalização interna previsto no artigo 27.o do Regulamento n.o 806/2014.

28      Em 3 de fevereiro de 2017, o Banco Popular publicou o seu relatório anual de 2016, no qual anunciou uma necessidade de provisões excecionais no montante de 5 700 milhões de euros, conduzindo a uma perda consolidada de 3 485 milhões de euros e à nomeação de um novo presidente.

29      Em 10 de fevereiro de 2017, a DBRS Ratings Limited (DBRS) (atual DBRS Morningstar) baixou a notação do Banco Popular, com perspetiva negativa, em face da situação enfraquecida do capital do Banco Popular na sequência de uma perda líquida mais forte do que a prevista no seu relatório anual, acima referida no n.o 28, bem como dos esforços do Banco Popular para reduzir as suas existências ainda elevadas de ativos não produtivos.

30      Em 3 de abril de 2017, o Banco Popular anunciou o resultado de auditorias internas, indicando que poderiam ser necessárias correções ao relatório anual de 2016. Esses ajustamentos foram efetuados no relatório financeiro do Banco Popular para o primeiro trimestre de 2017.

31      Em 10 de abril de 2017, na assembleia‑geral de acionistas do Banco Popular, o presidente do conselho de administração anunciou que o banco previa um aumento de capital ou uma transação de empresa devido à situação do grupo em termos de fundos próprios e ao seu nível de ativos não produtivos. O presidente executivo do Banco Popular foi substituído menos de um ano após a sua entrada em funções.

32      Na sequência do anúncio de 3 de abril de 2017 sobre a necessidade de ajustamento dos resultados financeiros de 2016, a DBRS, em 6 de abril, baixou a notação do Banco Popular, mantendo a sua perspetiva negativa. A Standard & Poor’s, em 7 de abril, e a Moody’s Investors service (a seguir «Moody’s»), em 21 de abril de 2017, baixaram igualmente a notação do Banco Popular com perspetiva negativa.

33      Em abril de 2017, o Banco Popular iniciou um processo de venda privada com o objetivo de realizar a sua venda a um concorrente forte, o que restauraria a sua situação financeira. A data‑limite para os eventuais adquirentes interessados na aquisição do Banco Popular apresentarem a sua proposta tinha sido fixada em 10 de junho de 2017, tendo sido depois adiada para o fim de junho de 2017.

34      Em 5 de maio de 2017, o Banco Popular apresentou o seu relatório financeiro para o primeiro trimestre de 2017, anunciando perdas no montante de 137 milhões de euros.

35      Em 12 de maio de 2017, a exigência de cobertura das necessidades de liquidez (Liquidity Coverage Requirement) do Banco Popular passou abaixo do limite mínimo de 80 % fixado pelo artigo 460.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho 26 de junho de 2013 relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1).

36      Por carta de 16 de maio de 2017, o Banco Santander, SA, informou o Banco Popular de que não estava em condições de apresentar uma proposta firme no âmbito do processo de venda privada.

37      Em 16 de maio de 2017, o Banco Popular, numa comunicação de um facto pertinente à Comisión nacional del mercado de Valores (CNMV, Comissão Nacional do Mercado de Valores, Espanha), indicou que havia potenciais adquirentes que tinham manifestado o seu interesse no processo de venda privada, mas que não tinha sido recebida nenhuma proposta formal.

38      Em 19 de maio de 2017, a agência FITCH baixou a notação do Banco Popular a longo prazo.

39      Em 23 de maio de 2017, a presidente do CUR, Elke König, deu uma entrevista à cadeia de televisão Bloomberg, na qual foi interrogada, nomeadamente, sobre a situação do Banco Popular.

40      Ao longo de maio de 2017, numerosos artigos de imprensa relataram as dificuldades do Banco Popular. A título de exemplo, há que mencionar um artigo de 11 de maio de 2017, publicado no sítio Internet elconfidencial.com, intitulado «Saracho encomenda a venda urgente do Popular à JP Morgan e à Lazard devido a um risco de insolvência» (Saracho encarga la venta urgente del Popular a JP Morgan y Lazard por riesgo de quiebra). Nesse artigo, indica‑se que o presidente do banco tinha mandatado a JP Morgan e a Lazard para organizarem a venda urgente do banco devido a um risco de insolvência, devido à fuga maciça dos depósitos dos clientes particulares e institucionais e que considerava que a única forma de assegurar a viabilidade do banco era a venda completa e iminente de todo o grupo. O artigo relata que, «tendo em conta a persistência das saídas de depósitos e o encerramento de fontes de financiamento externas, o banco correria um sério risco de insolvência e que [o seu presidente] tinha sido obrigado a ativar a medida mais drástica e a abster‑se progressivamente de vender os seus ativos a fim de melhorar os rácios de fundos próprios e satisfazer as exigências do BCE».

41      Em 15 de maio de 2017, um artigo publicado no sítio Internet elconfidencial.com, intitulado «O BCE inspeciona o Banco Popular durante dois meses em pleno processo de venda» (El BCE inspeciona Banco Popular durante dos meses en Pleno proceso de venta), refere que o plano de venda do Banco Popular, executado pelo seu presidente, ocorreu após a inspeção do BCE, que tinha confirmado o défice de provisões. Segundo esse artigo, os inspetores do BCE tinham concluído que as dificuldades do Banco Popular estavam relacionadas com o seu défice de provisões para cobrir a sua exposição imobiliária e que era necessário evitar as saídas ocasionais de depósitos. Esses inspetores expressaram igualmente o seu descontentamento relativamente à apresentação das contas de 2016.

42      Em 31 de maio de 2017, a Agência Reuters publicou um artigo intitulado «UE alertada contra o risco de resolução do Banco Popular» (La UE, advertida de riesgo de una resolución Ordenada en Banco Popular). Esse artigo menciona, nomeadamente, que, segundo um alto funcionário da União que permaneceu anónimo, um dos principais vigilantes dos bancos na Europa tinha alertado os funcionários da União de que o Banco Popular poderia necessitar de uma resolução se não conseguisse encontrar um adquirente. Segundo esse artigo, esse funcionário indicou igualmente que o presidente do CUR tinha recentemente emitido um «alerta rápido» e tinha declarado que o CUR seguia o procedimento (do Banco Popular) com especial atenção para uma possível intervenção.

43      No mesmo dia, o CUR publicou um comunicado de imprensa destinado a negar o conteúdo desse artigo.

44      Nos primeiros dias de junho de 2017, o Banco Popular teve de fazer face a levantamentos maciços de liquidez.

45      Em 5 de junho de 2017, o Banco Popular apresentou, de manhã, um primeiro pedido de entrega urgente de liquidez ao Banco de España (Banco de Espanha), e posteriormente um segundo pedido, à tarde, que continha uma extensão do montante pedido, devido a grandes movimentos de liquidez. Com base num pedido do Banco de Espanha e na sequência da avaliação do mesmo dia do BCE relativa ao pedido urgente de liquidez do Banco Popular, o Conselho do BCE não levantou objeções à disponibilização de liquidez de emergência ao Banco Popular para o período até 8 de junho de 2017. O Banco Popular recebeu uma parte desse fornecimento de liquidez de emergência. Em seguida, o Banco de Espanha indicou que não estava em condições de fornecer uma injeção adicional de liquidez de emergência ao Banco Popular.

46      Em 6 de junho de 2017, a DBRS e a Moody’s baixaram a notação do Banco Popular.

B.      Quanto a outros factos anteriores à adoção do programa de resolução

47      Em 23 de maio de 2017, o CUR encarregou a Deloitte, na qualidade de perito independente, de proceder à avaliação do Banco Popular nos termos do artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014.

48      Em 24 de maio de 2017, o CUR pediu ao Banco Popular, com base no artigo 34.o do Regulamento n.o 806/2014, as informações necessárias à realização da sua avaliação. Em 2 de junho de 2017, pediu igualmente ao Banco Popular que fornecesse informações sobre o processo de venda privada e que previsse o acesso à sala de dados virtual securitizada que este último tinha criado no âmbito desse processo.

49      Em 3 de junho de 2017, a sessão executiva do CUR adotou a Decisão SRB/EES/2017/06, dirigida ao Fondo de Reestructuración Ordenada Bancaria (FROB, Fundo de reestruturação ordenada das instituições bancárias, Espanha), relativa à comercialização do Banco Popular. O CUR aprovou o compromisso imediato do processo de venda do Banco Popular pelo FROB e indicou‑lhe as exigências relativas à venda nos termos do artigo 39.o da Diretiva 2014/59. O CUR indicava nomeadamente que o FROB devia contactar os cinco potenciais adquirentes que tinham sido convidados a apresentar propostas no âmbito do processo de venda privada.

50      Entre os cinco potenciais adquirentes, dois decidiram não participar no processo de venda e um foi excluído pelo BCE por razões prudenciais.

51      Em 4 de junho de 2017, os dois potenciais adquirentes que tinham decidido participar no processo de venda, o Banco Santander e o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, SA (BBVA), assinaram um acordo de não divulgação e, em 5 de junho de 2017, tiveram acesso à sala de dados virtual.

52      Em 5 de junho de 2017, o CUR adotou uma primeira avaliação (a seguir «avaliação 1»), em aplicação do artigo 20.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, que tinha por objetivo fornecer elementos que permitissem determinar se estavam preenchidas as condições de abertura de um procedimento de resolução, conforme definidas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

53      Em 6 de junho de 2017, o BCE procedeu a uma avaliação da situação ou do risco de insolvência do Banco Popular, após consulta do CUR, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014.

54      Nessa avaliação, o BCE indicou que, nos meses anteriores, o Banco Popular tinha sofrido uma grande deterioração da sua situação de tesouraria, devida principalmente a um esgotamento significativo da sua base de depósitos. O Banco Popular foi confrontado com grandes saídas de tesouraria em todos os segmentos de clientela. O BCE enumerou os acontecimentos que tinham conduzido aos problemas de liquidez que o Banco Popular teria que enfrentar.

55      A este respeito, referiu que, em fevereiro de 2017, na apresentação das suas contas anuais, o Banco Popular tinha divulgado uma necessidade de provisões excecionais no montante de 5 700 milhões de euros, conduzindo a perdas de 3 485 milhões de euros em 2016 e à substituição do seu presidente de longa data, que tinha iniciado uma revisão da estratégia do banco. O anúncio de provisões adicionais e de perdas de fim de exercício tinha provocado uma baixa da notação do Banco Popular pela DBRS em 10 de fevereiro de 2017 e tinha suscitado vivas preocupações por parte da clientela do Banco Popular, que se traduziram em grandes e inesperadas retiradas de depósitos e numa grande frequência de visitas de clientes nas sucursais do banco.

56      O BCE indicou igualmente que a publicação, pelo Banco Popular, em 3 de abril de 2017, de uma declaração pública ad hoc que informava do resultado de várias auditorias internas que podiam ter uma incidência significativa nas demonstrações financeiras da instituição e a confirmação de que o presidente executivo da instituição seria substituído menos de um ano após a sua entrada em funções tinham desencadeado outra vaga de levantamentos de depósitos. O BCE referiu que esta vaga de levantamentos de depósitos também tinha sido alimentada por:

–        uma descida da notação do Banco Popular pela Standard & Poor’s em 7 de abril de 2017;

–        o anúncio pelo Banco Popular, em 10 de abril de 2017, de que não pagaria dividendos e que poderia ser necessário um aumento de capital ou uma transação de empresa devido à situação tensa dos fundos próprios e ao alinhamento necessário com os seus pares na cobertura dos ativos não produtivos;

–        uma descida da notação do Banco Popular pela Moody’s em 21 de abril de 2017;

–        a divulgação dos resultados do primeiro trimestre de 2017 que eram piores do que o previsto;

–        a cobertura mediática negativa e contínua, como os artigos de 11 e 15 de maio de 2017, acima mencionados nos n.os 40 e 41, que sugeriam que o presidente do Banco Popular tinha ordenado uma venda urgente do banco devido a um risco iminente de falência ou de falta de liquidez e que o banco estava confrontado com uma grande necessidade suplementar de provisões resultantes de uma inspeção no local pelo supervisor.

57      O BCE considerou igualmente que os depósitos perdidos desde 31 de maio de 2017 eram particularmente pertinentes, após a divulgação nos meios de comunicação social do facto de o banco poder ser liquidado se o processo de venda em curso não fosse frutuoso num prazo muito curto.

58      Além disso, o BCE salientou que, embora o Banco Popular tivesse desenvolvido diversas medidas geradoras de liquidez suplementares nas semanas anteriores e tivesse começado a aplicá‑las, a amplitude dos fluxos de entrada realizados e ainda esperados era insuficiente para solucionar o esgotamento da posição de liquidez do Banco Popular à data da avaliação. Indicou ainda que, mesmo com o recurso à injeção de liquidez de emergência aprovada ao qual o Conselho do BCE não tinha levantado objeções em 5 de junho de 2017, a situação de tesouraria à data da avaliação não bastava para garantir a capacidade do Banco Popular para fazer face às suas responsabilidades até 7 de junho de 2017.

59      O BCE considerou que as medidas já adotadas pelo Banco Popular não tinham sido suficientemente eficazes para inverter a deterioração da sua situação de tesouraria. Referiu que, como medida alternativa para garantir a sua capacidade para fazer face aos seus compromissos que chegassem ao seu termo, o Banco Popular tentava executar uma transação de empresa, a saber, a sua venda a um concorrente mais forte. No entanto, o BCE considerou que, tendo em conta a deterioração da situação de tesouraria do Banco Popular, a falta de provas da sua capacidade para inverter a sua situação de liquidez num futuro próximo e o facto de as negociações não terem até então conduzido a um resultado positivo, a confirmação dessa transação privada não era previsível num prazo que permitisse ao Banco Popular poder pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento.

60      O BCE considerou que, ao mesmo tempo, não existiam medidas de vigilância ou de intervenção precoce disponíveis que permitissem restabelecer a situação de tesouraria do Banco Popular de forma imediata e assegurar‑lhe tempo suficiente para executar uma transação de empresa ou outra solução. As medidas à disposição do BCE enquanto autoridade competente, por força da transposição nacional do artigo 104.o da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338), e dos artigos 27.o a 29.o da Diretiva 2014/59 ou do artigo 16.o do Regulamento n.o 1024/2013, não podiam garantir que o Banco Popular estaria em condições de pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento, dada a amplitude e o ritmo da deterioração de liquidez observada.

61      Em conclusão, o BCE, tendo em conta, em especial, as saídas excessivas de depósitos, a rapidez a que a tesouraria tinha sido perdida pelo banco e a incapacidade de este gerar outras fontes de liquidez, considerou que existiam elementos objetivos que indicavam que o Banco Popular provavelmente não estaria em condições, num futuro próximo, de pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento. O BCE concluiu que se considerava estar o Banco Popular em situação ou, de qualquer forma, em risco de insolvência num futuro próximo, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea a), e n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

62      Em 6 de junho de 2017, o Conselho de Administração do Banco Popular informou o BCE de que tinha chegado à conclusão de que o banco se encontrava numa situação de risco de insolvência.

63      No mesmo dia, o FROB adotou um ofício com as informações sobre o processo de venda (a seguir «ofício de processo») e fixou o prazo para apresentação das propostas à meia‑noite de 6 de junho de 2017.

64      Ainda no mesmo dia, o BBVA, um dos dois potenciais adquirentes do Banco Popular, informou a FROB de que não apresentaria qualquer proposta.

65      Também em 6 de junho de 2017, a Deloitte entregou ao CUR uma segunda avaliação (a seguir «avaliação 2»), redigida nos termos do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014. O objetivo da avaliação 2 era estimar o valor dos ativos e passivos do Banco Popular, fornecer uma estimativa do tratamento que os acionistas e credores teriam recebido se o Banco Popular tivesse sido sujeito a um processo normal de insolvência e fornecer os elementos que permitissem tomar uma decisão relativa às ações e títulos de propriedade a transferir e que permitissem ao CUR determinar condições comerciais para efeitos do instrumento de alienação da atividade. Esta avaliação estimou, nomeadamente, o valor económico do Banco Popular em 1 300 milhões de euros, no melhor cenário, em menos de 8 200 milhões de euros no cenário mais desfavorável e em menos 2 mil milhões de euros para a melhor estimativa.

66      Em 7 de junho de 2017, o Banco Santander apresentou uma proposta formal.

67      Por ofício de 7 de junho de 2017, o FROB informou o CUR de que o Banco Santander tinha apresentado uma proposta em 7 de junho às 3h12 e de que o preço oferecido pelo Banco Santander para a venda das ações do Banco Popular era de um euro. O FROB indicou que o seu comité diretor tinha escolhido o Banco Santander como adjudicatário no processo de venda concorrencial do Banco Popular e tinha decidido propor ao CUR que designasse o Banco Santander como adquirente na decisão do CUR relativa à adoção de um programa de resolução relativamente ao Banco Popular.

C.      Quanto ao programa de resolução do Banco Popular de 7 de junho de 2017

68      Em 7 de junho de 2017, a sessão executiva do CUR adotou a Decisão SRB/EES/2017/08, relativa a um programa de resolução do Banco Popular (a seguir «programa de resolução»), com base no Regulamento n.o 806/2014.

69      Segundo o artigo 1.o do programa de resolução, o CUR, considerando estarem preenchidas as condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, decidiu submeter o Banco Popular a um procedimento de resolução a partir da data da resolução.

70      Assim, o CUR considerou, em primeiro lugar, que o Banco Popular estava em situação ou risco de insolvência, em segundo lugar, que não existiam outras medidas que pudessem impedir a insolvência do Banco Popular num prazo razoável e, em terceiro lugar, que era necessária uma medida de resolução sob a forma de instrumento de alienação da atividade do Banco Popular no interesse público. A esse respeito, o CUR indicou que a resolução era necessária e proporcionada à realização de dois objetivos previstos no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, a saber, assegurar a continuidade das funções críticas do banco e evitar os efeitos negativos significativos na estabilidade financeira.

71      No artigo 5.1 do programa de resolução, o CUR decidiu o seguinte:

«O instrumento de resolução aplicado ao Banco Popular consistirá numa alienação da atividade ao abrigo do artigo 24.o do Regulamento n.o 806/2014 através da transferência das ações para um adquirente. A redução e a conversão dos instrumentos de fundos próprios serão efetuadas imediatamente antes da aplicação do instrumento de alienação da atividade.»

72      O artigo 6 do programa de resolução é relativo à redução dos instrumentos de capital e ao instrumento de alienação da atividade. No artigo 6.1, o CUR indicou as medidas que tinha adotado em aplicação do seu poder de redução previsto no artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014.

73      Assim, no artigo 6.1 do programa de resolução, o CUR decidiu:

–        em primeiro lugar, reduzir o montante nominal do capital social do Banco Popular no montante de 2 098 429 046 euros, o que conduzia à anulação de 100 % das ações do Banco Popular;

–        seguidamente, converter a totalidade do montante principal dos instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1 emitidos pelo Banco Popular e em circulação à data da decisão de resolução em novas ações emitidas do Banco Popular, as «novas ações I»;

–        em seguida, reduzir a zero o valor nominal das «novas ações I», o que conduzia à anulação de 100 % dessas «novas ações I»,

–        por último, converter a totalidade do montante principal dos instrumentos de fundos próprios de nível 2 emitidos pelo Banco Popular e em circulação à data da decisão de resolução em novas ações emitidas do Banco Popular, as «novas ações II».

74      O artigo 6.3 do programa de resolução prevê que essas medidas de redução e conversão se baseiam na avaliação 2, corroborada pelos resultados de um processo de venda transparente e aberto realizado pela autoridade de resolução espanhola, o FROB.

75      No artigo 6.5 do programa de resolução, o CUR indicou que exercia os poderes que lhe eram conferidos pelo artigo 24.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, relativo ao instrumento de alienação da atividade e ordenava que as «novas ações II» fossem transferidas para o Banco Santander, SA, livres e isentas de qualquer direito ou privilégio de terceiro, como contrapartida do pagamento de um preço de compra de 1 euro. Precisava‑se que o adquirente já tinha aceitado a transferência.

76      O CUR indicou igualmente que a transferência das «novas ações II» deveria ser efetuada com base na proposta vinculativa do adquirente de 7 de junho de 2017 e devia ser implementada pelo FOB em aplicação da Ley 11/2015 de Recuperación y resolución de entidades de crédito y presas de servicios de inversión (Lei 11/2015, de Recuperação e de Resolução das Instituições de Crédito e das Empresas de Serviços de Investimento), de 18 de junho de 2015 (BOE n.o 146, de 19 de junho de 2015, p. 50797) (a seguir «Lei 11/2015»).

77      O programa de resolução foi submetido à Comissão para aprovação, em 7 de junho de 2017, às 5h13.

78      Em 7 de junho de 2017, às 6h30, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2017/1246, que aprova o programa de resolução para o Banco Popular Español S.A. (JO 2017, L 178, p. 15), e notificou‑a ao CUR. Por conseguinte, o programa de resolução entrou em vigor no mesmo dia.

79      Resulta do considerando 4 da Decisão 2017/1246 o seguinte:

«A Comissão concorda com o programa de resolução. Em especial, concorda com os motivos, invocados pelo CUR, pelos quais a resolução é necessária para a defesa do interesse público, em conformidade com o artigo 5.o do Regulamento (UE) n.o 806/2014.»

80      Nesse mesmo dia, o FROB adotou as medidas necessárias para executar a decisão de resolução, em conformidade com o artigo 29.o do Regulamento n.o 806/2014. Neste contexto, o FROB deu o seu acordo à transferência das novas ações do Banco Popular resultantes da conversão dos instrumentos de fundos próprios de nível 2 (as novas «ações II») para o Banco Santander.

D.      Quanto aos factos posteriores à adoção da decisão de resolução

81      Em 14 de junho de 2018, a Deloitte enviou ao CUR a avaliação da diferença de tratamento, previsto no artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014, realizado para determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um melhor tratamento se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência (a seguir «avaliação 3»). Em 31 de julho de 2018, a Deloitte enviou ao CUR uma adenda a essa avaliação, corrigindo certos erros formais.

82      Em 28 de setembro de 2018, na sequência de uma fusão por incorporação, o Banco Santander sucedeu a título universal ao Banco Popular.

83      Em 17 de março de 2020, o CUR adotou a Decisão SRB/EES/2020/52 para determinar se devia ser concedida uma indemnização aos acionistas e credores abrangidos pelas medidas de resolução do Banco Popular. Em 20 de março de 2020 foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2020, C 91, p. 2) um comunicado relativo a essa decisão. Nessa decisão, o CUR considerou que os acionistas e credores que tinham sido afetados pela resolução do Banco Popular não tinham direito a uma indemnização do FUR, nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

III. Tramitação do processo e pedidos das partes

84      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de setembro de 2017, a recorrente interpôs o presente recurso.

85      Por requerimento apresentado na Secretaria em 15 de novembro de 2017, o CUR requereu que o Tribunal Geral, nos termos do artigo 92.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, ordenasse diligências de instrução de apresentação de determinados documentos mencionados em anexo. Por Decisão de 30 de novembro de 2017, o Tribunal Geral indeferiu esse requerimento de diligências de instrução nessa fase do processo.

86      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 6 e 30 de novembro de 2017, e em 5 e 13 de dezembro de 2017, o Banco Santander, o Conselho da União Europeia, o Reino de Espanha e o Parlamento Europeu pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos do CUR e da Comissão. Por Decisões de 6 de agosto de 2018, o Presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral admitiu as intervenções do Reino de Espanha, do Parlamento e do Conselho e, por Despacho de 12 de abril de 2019, admitiu a intervenção do Banco Santander. O Reino de Espanha, o Parlamento, o Conselho e o Banco Santander apresentaram os seus articulados e a recorrente e o CUR apresentaram as suas observações sobre os mesmos nos prazos fixados.

87      Em 16 de fevereiro de 2018, o Tribunal Geral, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, convidou o CUR a apresentar a última versão não confidencial do programa de resolução e uma versão não confidencial da avaliação 2, publicadas no seu sítio Internet. O CUR apresentou os documentos no prazo fixado. O CUR apresentou os documentos no prazo fixado.

88      Em 6 de julho de 2018, o Tribunal Geral, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou questões escritas às partes principais. As partes principais responderam a esse pedido no prazo fixado.

89      Tendo sido alterada a composição das secções do Tribunal Geral e nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, o juiz‑relator foi afetado à Quarta Secção, à qual, portanto, foi distribuído o presente processo.

90      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de janeiro de 2020, a recorrente apresentou um novo fundamento ao abrigo do artigo 84.o do Regulamento de Processo. A Comissão, o CUR, o Reino de Espanha, o Parlamento, o Conselho e o Banco Santander apresentaram as suas observações nos prazos fixados.

91      Sob proposta da Terceira Secção, o Tribunal Geral decidiu, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

92      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de outubro de 2020, a recorrente apresentou um novo oferecimento de prova ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. A Comissão, o CUR, o Reino de Espanha, o Parlamento, o Conselho e o Banco Santander apresentaram as suas observações no prazo fixado.

93      Em 16 de março de 2021, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do seu Regulamento de Processo, convidou o CUR a juntar vários documentos. Por ofício de 30 de março de 2021, o CUR respondeu que os documentos pedidos eram parcialmente confidenciais e que poderiam ser apresentados se o Tribunal Geral ordenasse uma diligência de instrução.

94      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de abril de 2021, a recorrente apresentou um novo oferecimento de prova e um pedido de medida de organização do processo. A Comissão, o CUR, o Parlamento, o Conselho e o Banco Santander apresentaram as suas observações no prazo fixado.

95      Por Despacho de 12 de maio de 2021, o Tribunal Geral ordenou ao CUR, com base, por um lado, no artigo 24.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e, por outro, no artigo 91.o, alínea b), do artigo 92.o, n.o 3, e no artigo 103.o do Regulamento de Processo, que apresentasse as versões integrais do programa de resolução, da avaliação 2, da avaliação do BCE de 6 de junho de 2017 sobre a situação de situação ou risco de insolvência do Banco Popular, da carta do Banco Popular ao BCE de 6 de junho de 2017, incluindo o seu anexo, e do ofício do BCE ao Banco Popular de 18 de maio de 2017. O Tribunal Geral ordenou igualmente ao CUR que juntasse as versões não confidenciais da carta do Banco Popular ao BCE de 6 de junho de 2017, incluindo o seu anexo, e do ofício do BCE ao Banco Popular de 18 de maio de 2017.

96      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de maio de 2021, a recorrente apresentou um requerimento de medidas de organização do processo. A Comissão, o CUR, o Reino de Espanha, o Parlamento, o Conselho e o Banco Santander apresentaram as suas observações no prazo fixado.

97      Por Despacho de 9 de junho de 2021, o Tribunal Geral desentranhou dos autos as versões confidenciais dos documentos apresentados pelo CUR em execução do Despacho de 12 de maio de 2021 e transmitiu à recorrente, ao Reino de Espanha, ao Parlamento, ao Conselho e ao Banco Santander a carta de 6 de junho de 2017 do Banco Popular ao BCE sem o seu anexo.

98      Por impedimento de dois membros da Terceira Secção de participarem na formação, o Presidente do Tribunal Geral designou outros dois juízes para completar a secção.

99      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 17 de junho de 2021.

100    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de julho de 2021, a recorrente apresentou um pedido de reabertura da fase oral do processo, ao abrigo do artigo 113.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento de Processo. Por Decisão de 27 de agosto de 2021, o Presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal Geral indeferiu esse pedido, uma vez que nenhum dos requisitos previstos no artigo 113.o, n.o 2, do Regulamento de Processo estava preenchido no caso e dado os elementos em que a recorrente baseava o seu pedido de reabertura da fase oral do processo não serem suscetíveis de exercer influência decisiva na decisão do Tribunal.

101    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o programa de resolução e a Decisão 2017/1246 (a seguir, em conjunto, «decisões recorridas»);

–        condenar o CUR nas despesas.

102    A Comissão e a CRU concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

103    O Reino de Espanha, o Conselho e o Banco Santander concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

104    O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso na parte em que se baseia nas exceções de ilegalidade do Regulamento n.o 806/2014;

–        condenar a recorrente nas despesas.

IV.    Questão de direito

A.      Quanto ao novo oferecimento de prova de 19 de abril de 2021

105    Por requerimento apresentado no Tribunal Geral em 19 de abril de 2021, a recorrente apresentou um novo oferecimento de prova com base no artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. Essa prova diz respeito a um pedido de acesso aos documentos dirigido pela recorrente ao CUR, em 4 de maio de 2018, para obter a avaliação definitiva ex post do Banco Popular e a resposta do CUR de 19 de junho de 2018.

106    A Comissão, o CUR e o Banco Santander alegam que esses documentos não são pertinentes para o presente litígio.

107    Segundo o artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a título excecional, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas antes do encerramento da fase oral do processo, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado.

108    Segundo jurisprudência constante, a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que o ato foi adotado (v. Acórdão de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão, C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 22 e jurisprudência referida). Daí resulta que, na apreciação da legalidade desse ato, está excluída a consideração de elementos posteriores à data em que o ato da União foi adotado (v. Acórdão de 17 de dezembro de 2014, Si.mobil/Comissão, T‑201/11, Colet., EU:T:2014:1096, n.o 64 e jurisprudência referida).

109    Basta observar que o novo oferecimento de prova apresentado pela recorrente diz respeito a uma troca de correspondência entre ela e o CUR, relativa a um pedido de acesso a documentos, que data de maio e de junho de 2018. Por conseguinte, esses documentos não são suscetíveis de pôr em causa a legalidade das decisões recorridas, uma vez que são largamente posteriores à sua adoção.

110    Além disso, a recorrente não explica que informação contida nessa troca de correspondência é pertinente para a decisão da causa nem identifica que argumento suscitado na petição ou na réplica essa troca supostamente apoia.

111    Por conseguinte, há que considerar que o novo oferecimento de prova apresentado pela recorrente em 19 de abril de 2021 não é pertinente para efeitos da apreciação da legalidade das decisões recorridas, sem que seja necessário examinar se a recorrente justificou a apresentação tardia desses documentos que, tendo em conta a sua data, já estavam à sua disposição antes da apresentação da réplica.

B.      Quanto ao mérito

112    Na petição, a recorrente invoca dez fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação e dos direitos de defesa, consagrados nos artigos 15.o e 296.o TFUE e nos artigos 42.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). O segundo fundamento é relativo à violação do princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans e do artigo 88.o do Regulamento n.o 806/2014. O terceiro fundamento consiste numa exceção de ilegalidade, na medida em que os artigos 21.o e 24.o do Regulamento n.o 806/2014 violam os princípios relativos à delegação de poderes. O quarto fundamento consiste numa exceção de ilegalidade na medida em que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 violam o direito de propriedade, consagrado no artigo 17.o da Carta, e o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5.o, n.o 4, TUE. O quinto fundamento consiste numa exceção de ilegalidade na medida em que os artigos 18.o e 20.o do Regulamento n.o 806/2014 violam o direito de audiência, consagrado nos artigos 17.o e 41.o da Carta. O sexto fundamento é relativo à violação do direito de propriedade, consagrado no artigo 17.o da Carta, e à violação do artigo 5.o, n.o 4, TUE. O sétimo fundamento é relativo à violação do direito de audiência, consagrado nos artigos 17.o e 41.o da Carta. O oitavo fundamento é relativo à violação do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, do dever de diligência e do artigo 296.o TFUE. O nono fundamento é relativo à violação dos artigos 14.o e 20.o do Regulamento n.o 806/2014, do dever de diligência e do artigo 296.o TFUE. O décimo fundamento é relativo à violação do artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, do dever de diligência e do artigo 296.o TFUE.

113    Na réplica, a recorrente invoca dois fundamentos novos. O décimo primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 20.o, n.o 14, do Regulamento n.o 806/2014, conjugado com o artigo 20.o, n.os 11 e 15, do mesmo regulamento, e à preterição de formalidades essenciais. O décimo segundo fundamento é relativo à violação do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, conjugado com o artigo 20.o, n.os 3 e 5, do mesmo regulamento.

114    Refira‑se, a título preliminar, que a jurisprudência circunscreveu o alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral tanto em situações em que o ato recorrido se baseia numa apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos como quando se trata de apreciações económicas complexas.

115    Por um lado, nos casos em que as autoridades da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quanto à apreciação de elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos para determinar a natureza e o alcance das medidas que adotam, a fiscalização do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício desse poder de apreciação não está ferido de erro manifesto ou de desvio de poder, ou ainda se essas autoridades não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação. Com efeito, nesse contexto, o juiz da União não pode substituir pela sua a apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica feita pelas autoridades da União, às quais o Tratado FUE conferiu essa missão em exclusivo (Acórdãos de 21 de julho de 2011, Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504, n.o 60, e de 7 de março de 2013, Bilbaína de Alquitranes e o./ECHA, T‑93/10, EU:T:2013:106, n.o 76; v., igualmente, Acórdão de 11 de maio de 2017, Deza/ECHA, T‑115/15, EU:T:2017:329, n.o 163 e jurisprudência referida).

116    Por outro lado, quanto à fiscalização que os tribunais da União exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pelas autoridades da União, esta é uma fiscalização restrita que se limita necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder. Nessa fiscalização, também não compete ao juiz da União substituir pela sua a apreciação económica da autoridade da União competente (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, EU:C:1985:327, n.o 34; de 10 de dezembro de 2020, Comune di Milano/Comissão, C‑160/19 P, EU:C:2020:1012, n.o 100 e jurisprudência referida; e de 16 de janeiro de 2020, Iberpotash/Comissão, T‑257/18, EU:T:2020:1, n.o 96 e jurisprudência referida).

117    Uma vez que as decisões que o CUR tem que adotar num procedimento de resolução se baseiam em apreciações económicas e técnicas altamente complexas, há que considerar que os princípios decorrentes da jurisprudência acima referida nos n.os 115 e 116 se aplicam à fiscalização que o juiz é chamado a exercer.

118    Todavia, embora seja reconhecida ao CUR uma margem de apreciação em matéria económica e técnica, isso não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação feita pelo CUR dos dados de natureza económica que fundamentam a sua decisão. Com efeito, como o próprio Tribunal de Justiça decidiu, mesmo nos casos de apreciações complexas, o juiz da União deve não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos correspondem à totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles são retiradas (v. Acórdãos de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing, C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.o 57 e jurisprudência referida; de 26 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑621/16 P, EU:C:2019:251, n.o 104 e jurisprudência referida; e de 10 de dezembro de 2020, Comune di Milano/Comissão, C‑160/19 P, EU:C:2020:1012, n.o 115 e jurisprudência referida).

119    A esse respeito, para demonstrar que o CUR cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos suscetível de justificar a anulação do programa de resolução, as provas apresentadas pelo recorrente devem ser suficientes para retirar plausibilidade às apreciações dos factos considerados nesse programa (v., por analogia, Acórdãos de 14 de junho de 2018, Lubrizol France/Conselho, C‑223/17 P, não publicado, EU:C:2018:442, n.o 39; de 12 de dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, EU:T:1996:195, n.o 59; e de 13 de dezembro de 2018, Comune di Milano/Comissão, T‑167/13, EU:T:2018:940, n.o 108 e jurisprudência referida).

120    O Tribunal Geral considera oportuno começar por examinar as exceções de ilegalidade arguidas nos terceiro, quarto e quinto fundamentos, depois o oitavo fundamento e, por último, os outros fundamentos.

1.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma exceção de ilegalidade na medida em que os artigos 21.o e 24.o do Regulamento n.o 806/2014 violam os princípios relativos à delegação de poderes

121    A recorrente alega que os artigos 21.o e 24.o do Regulamento n.o 806/2014 violam os princípios estabelecidos pelos Acórdãos de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), e de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18), em matéria de delegação de poderes pelas instituições. A delegação no CUR do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital, previsto no artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014, e do poder de alienação da atividade, previsto no artigo 24.o do mesmo regulamento, não respeita as três condições estabelecidas nesses acórdãos, a saber, os objetivos não estão demonstrados com precisão, as circunstâncias e as condições em que esses poderes podem ser exercidos não são delimitados e o respeito do princípio da proporcionalidade não está garantido.

122    A Comissão, o Parlamento e o Conselho alegam, em substância, que o legislador da União não delegou poderes discricionários no CUR, na medida em que o programa de resolução do CUR só produz efeitos jurídicos vinculativos se for aprovado pela Comissão ou pelo Conselho. Os poderes previstos nos artigos 21.o e 24.o do Regulamento n.o 806/2014 exigem uma aprovação da Comissão em conformidade com o Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7). Uma vez que o poder de decidir sobre questões que implicam apreciações discricionárias está reservado à Comissão ou ao Conselho, estes últimos assumem assim a responsabilidade jurídica e política de determinar a política de resolução da União.

123    Refira‑se que os Tratados não contêm nenhuma disposição que preveja a atribuição de competências a um órgão ou a uma agência da União. Assim, nem o artigo 290.o TFUE, que prevê a delegação de poderes regulamentares à Comissão no âmbito de atos legislativos, nem o artigo 291.o TFUE, que confere competências de execução aos Estados‑Membros, à Comissão e, em determinadas circunstâncias precisas, ao Conselho, mencionam as agências (Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2013:562, n.o 75).

124    Foi, portanto, a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), que estabeleceu os princípios em matéria de delegação de poderes. Em seguida, o Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18), aplicou esses princípios aos casos em que tenham sido conferidos poderes autónomos a uma agência pelo legislador da União.

125    No n.o 41 do Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18), o Tribunal de Justiça indicou que, no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), tinha salientado, em substância, que as consequências resultantes de uma delegação de poderes eram muito diferentes consoante esta visasse, por um lado, poderes de execução claramente delimitados e cujo exercício, por esse facto, fosse suscetível de fiscalização rigorosa à luz de critérios objetivos fixados pela autoridade delegante ou, por outro, um «poder discricionário, que implica[va] uma ampla liberdade de apreciação suscetível de traduzir, pela respetiva utilização, uma verdadeira política económica».

126    O Tribunal de Justiça acrescentou ter igualmente indicado, no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), que uma delegação do primeiro tipo não era suscetível de alterar sensivelmente as consequências decorrentes do exercício dos poderes que afetava, ao passo que uma delegação do segundo tipo, ao substituir as escolhas da autoridade delegada pelas da autoridade delegante, operava uma «verdadeira transferência da responsabilidade» (Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 42).

127    A título preliminar, refira‑se que o procedimento de adoção das medidas de resolução instituído pelo legislador no Regulamento n.o 806/2014 dava seguimento às observações formuladas pelo Serviço Jurídico do Conselho num parecer de 7 de outubro de 2013, relativo à proposta de regulamento da Comissão, que visava apreciar a compatibilidade do procedimento inicialmente previsto na proposta de regulamento com os princípios em matéria de delegação de poderes, conforme interpretados no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7).

128    Na origem, na proposta de regulamento examinada nesse parecer, a repartição de competências entre a Comissão e o CUR era diferente da que veio a ser adotada no Regulamento n.o 806/2014. Nomeadamente, a Comissão tinha o poder de submeter uma entidade a resolução, estabelecer um quadro para a utilização dos instrumentos de resolução e decidir se e como deviam ser utilizados os poderes de redução e de conversão dos instrumentos de capital e o CUR, em conformidade com o quadro fixado pela Comissão, era competente para adotar as decisões dirigidas às autoridades de resolução nacionais.

129    No seu parecer, o Serviço Jurídico do Conselho referiu que determinadas medidas que o CUR podia incluir numa decisão de resolução não estavam definidas com suficiente precisão. O Serviço Jurídico do Conselho considerou que a sistemática geral e a estrutura da proposta de regulamento, na qual a Comissão adota a decisão de resolução de base e o CUR é obrigado a agir no âmbito dos critérios estabelecidos pela Comissão, eram conformes com o direito da União tal como interpretado no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7). Considerou, no entanto, que os poderes do CUR para aplicar os instrumentos de resolução e as suas decisões pareciam, em certa medida, de natureza discricionária e ir além do exercício de poderes puramente técnicos. Concluiu que, por conseguinte, poderia ser necessário incluir no regulamento outras disposições com o objetivo de enquadrar corretamente a aplicação pelo CUR dos instrumentos de resolução ou envolver no exercício desses poderes uma instituição da União investida de competências de execução.

130    O legislador da União, tendo em consideração este parecer do Serviço Jurídico do Conselho, alterou o mecanismo de adoção das medidas de resolução. Na medida em que a adoção de uma medida de resolução implica uma margem de apreciação discricionária, o legislador reservou essa competência a uma instituição e não ao CUR.

131    Isso resulta, em especial, dos considerandos 24 e 26 do Regulamento n.o 806/2014, que preveem:

«(24)      Dado que só as instituições da União podem estabelecer a política de resolução da União e que subsiste uma margem de poder discricionário na adoção de cada programa específico de resolução, é necessário prever o envolvimento adequado do Conselho e da Comissão como instituições que podem exercer competências de execução nos termos do artigo 291.o […] TFUE. A Comissão deverá avaliar os aspetos discricionários das decisões de resolução adotadas pelo CUR. Dado o impacto considerável das decisões de resolução sobre a estabilidade financeira dos Estados‑Membros e da União, bem como sobre a soberania orçamental dos Estados‑Membros, é importante que sejam conferidas ao Conselho competências de execução para tomar determinadas decisões relativas à resolução. Deverá, por conseguinte, ser o Conselho a exercer, sob proposta da Comissão, o controlo efetivo sobre a avaliação realizada pelo CUR quanto à existência de um interesse público e a avaliar qualquer alteração significativa do montante do Fundo a ser utilizado numa determinada medida de resolução. […]

(26)      […] Se considerar que estão preenchidos os fatores de desencadeamento das medidas de resolução, o CUR deverá adotar o programa de resolução. O procedimento relativo à adoção do programa de resolução, que envolve a Comissão e o Conselho, reforça a necessária independência operacional do CUR, respeitando simultaneamente o princípio de delegação de poderes nas agências tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia […]. Por conseguinte, o presente regulamento prevê que o programa de resolução adotado pelo CUR só entra em vigor se, no prazo de 24 horas após a sua adoção pelo CUR, não forem formuladas objeções pelo Conselho ou pela Comissão, ou o programa de resolução for aprovado pela Comissão. As razões com base nas quais o Conselho se pode opor, sob proposta da Comissão, ao programa de resolução do CUR deverão ser estritamente limitadas à existência de um interesse público e à alteração significativa pela Comissão do montante de utilização do Fundo proposto pelo CUR. […] Na qualidade de observador nas reuniões do CUR, a Comissão deverá verificar de forma permanente se o programa de resolução adotado pelo CUR é inteiramente conforme ao presente regulamento, garante o equilíbrio adequado entre os diferentes objetivos e interesses em causa, respeita o interesse público e se é preservada a integridade do mercado interno. Considerando que a medida de resolução requer um processo de tomada de decisão célere, o Conselho e a Comissão deverão cooperar estreitamente, não devendo o Conselho duplicar os trabalhos preparatórios já empreendidos pela Comissão. […]»

132    Assim, no que respeita ao procedimento de resolução, o artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que a Comissão ou aprova o programa de resolução ou emite objeções sobre os seus aspetos discricionários e que um programa de resolução só pode entrar em vigor se o Conselho ou a Comissão não tiverem formulado objeções no prazo de vinte e quatro horas seguintes à sua transmissão pelo CUR.

133    Por conseguinte, em aplicação do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, é necessário que uma instituição da União, a saber, a Comissão ou o Conselho, aprove o programa de resolução nos seus aspetos discricionários para que este produza efeitos jurídicos. O legislador da União confiou assim a uma instituição a responsabilidade jurídica e política de determinar a política da União em matéria de resolução, evitando assim uma «verdadeira transferência da responsabilidade» na aceção do Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7).

134    Como alegam a Comissão, o Parlamento e o Conselho, o legislador europeu, ao instituir o procedimento de adoção de uma medida de resolução prevista no Regulamento n.o 806/2014 e ao reservar expressamente a decisão sobre os aspetos discricionários dessa medida às instituições da União, não delegou poderes autónomos no CUR.

135    À luz destas considerações, há que analisar as competências conferidas ao CUR pelo artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014, relativo ao poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital, e pelo artigo 24.o do mesmo regulamento, relativo ao instrumento de alienação da atividade, objeto da exceção de ilegalidade arguida pela recorrente.

136    Refira‑se, desde logo, que a escolha do instrumento de alienação da atividade e o exercício do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital no âmbito de uma medida de resolução pressupõem que estejam preenchidos os pressupostos para a adoção de um programa de resolução previstas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014. Em especial, implicam que a medida de resolução seja necessária no interesse público, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

137    Ora, nos termos do artigo 18.o, n.o 7, terceiro parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, a Comissão, após a transmissão do programa de resolução pelo CUR, pode propor ao Conselho que emita objeções ao programa de resolução com o fundamento de que o programa de resolução adotado pelo CUR não cumpre o critério do interesse público referido no n.o 1, alínea c), desse artigo.

138    O respeito da condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014 condiciona a decisão de submeter uma instituição a um procedimento de resolução e a fiscalização da necessidade da medida à luz do interesse público implica o exercício de um poder discricionário que envolve uma ampla margem de apreciação. Por esse motivo, o legislador da União conferiu expressamente à Comissão, e eventualmente ao Conselho, e não ao CUR, a fiscalização do respeito dessa condição.

139    Segundo o artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, «[p]ara efeitos do n.o 1, alínea c), do presente artigo, considera‑se que uma medida de resolução é de interesse público se for proporcionada e necessária para a prossecução de um ou mais dos objetivos da resolução referidos no artigo 14.o que um processo de liquidação da entidade no quadro dos processos normais de insolvência não permitiria atingir».

140    O artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe:

«Quando aplicarem o procedimento de resolução referido no artigo 18.o, o CUR, o Conselho e a Comissão, e, se for caso disso, as autoridades nacionais de resolução, no que diz respeito às respetivas responsabilidades, têm em conta os objetivos da resolução e escolhem os instrumentos de resolução e exercem os poderes de resolução que, em seu entender, melhor realizam os objetivos de resolução relevantes nas circunstâncias do caso concreto.»

141    Daí resulta que cabe à Comissão, no âmbito da sua avaliação do cumprimento do critério do interesse público, apreciar se a escolha do instrumento de resolução e se o exercício do poder de redução e de conversão dos instrumentos de fundos próprios são adaptados e proporcionados aos objetivos da resolução. Daí resulta igualmente que a Comissão deve verificar se o programa de resolução previsto pelo CUR é adaptado às circunstâncias próprias da entidade em causa, tendo em conta, nomeadamente, os motivos pelos quais esta última foi considerada em situação ou risco de insolvência.

142    Por conseguinte, por um lado, há que considerar que a escolha do instrumento de alienação da atividade previsto no artigo 24.o do Regulamento n.o 806/2014 como instrumento de resolução faz parte da proporcionalidade da medida à luz do critério do interesse público e que o Regulamento n.o 806/2014 prevê expressamente que cabe à Comissão aprová‑la ou apresentar objeções. Há que considerar, portanto, que esse artigo não confere qualquer poder discricionário ao CUR.

143    Por outro lado, no que respeita ao exercício do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital previsto no artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014, refira‑se que esse artigo faz várias remissões para o processo do artigo 18.o do mesmo regulamento, nomeadamente no artigo 21.o, n.o 9, que prevê que «[c]aso estejam preenchidas uma ou mais das condições referidas no n.o 1 e estejam também reunidas as condições a que se refere o artigo 18.o, n.o 1, é aplicável o procedimento previsto no artigo 18.o, n.os 6, 7 e 8». Assim, a decisão de reduzir e converter os instrumentos de fundos próprios da entidade em causa está sujeita ao procedimento de adoção do programa de resolução do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 e, nomeadamente, à aprovação da Comissão.

144    Além disso, o poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital faz parte dos poderes de resolução previstos no artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, cuja utilização deve ser proporcionada à luz dos objetivos da resolução e que fazem parte da apreciação da Comissão quanto ao respeito do critério do interesse público. Por conseguinte, há que considerar que o artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014 não confere qualquer poder discricionário ao CUR.

145    Por outro lado, há que lembrar que a escolha do instrumento de alienação da atividade e o exercício do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital, enquanto elementos essenciais do programa de resolução, só produzem efeitos jurídicos se uma instituição da União, a saber, a Comissão ou o Conselho, os tiver aprovado.

146    Por conseguinte, há que considerar que os artigos 21.o e 24.o do Regulamento n.o 806/2014 não incluem qualquer delegação de poderes autónomos no CUR na aceção do Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7).

147    Com os seus argumentos, a recorrente alega, em substância, que a delegação de poderes conferidos ao CUR pelos artigos 21.o e 24.o do Regulamento n.o 806/2014 não respeita as condições impostas pelo Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18), acima referidas no n.o 121.

148    Ora, na medida em que já se constatou que os artigos 21.o e 24.o do Regulamento n.o 806/2014 não conduziam a uma delegação de poderes no CUR, as condições impostas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18), destinadas a apreciar se uma delegação de poderes autónomos conferidos a uma agência estava em conformidade com os princípios estabelecidos no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), não são, portanto, aplicáveis no caso presente. Por conseguinte, não são pertinentes os argumentos da recorrente destinados a demonstrar que as condições impostas por esse acórdão não estavam reunidas.

149    Resulta do exposto que improcede a exceção de ilegalidade dos artigos 21.o e 24.o do Regulamento n.o 806/2014.

2.      Quanto ao quarto fundamento, relativo a uma exceção de ilegalidade na medida em que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 violam o direito de propriedade, consagrado no artigo 17.o da Carta, e o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5.o, n.o 4, TUE

150    A recorrente, com base no artigo 277.o TFUE, argui uma exceção de ilegalidade dos artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014. Alega, em substância, que estas disposições, na medida em que obrigam os acionistas a suportar as perdas em todas as circunstâncias, violam, por um lado, o direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o da Carta, sem que essa restrição possa ser considerada justificada em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, e, por outro, o princípio da proporcionalidade garantido pelo artigo 5.o, n.o 4, TUE.

151    A recorrente sustenta que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 restringem o direito de propriedade dos acionistas na medida em que estes são obrigados a suportar as perdas decorrentes da resolução. Entende que estes artigos impedem que se procurem soluções menos restritivas e não preenchem, portanto, as condições previstas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta. A este respeito, alega que não é possível estabelecer uma presunção geral de existência de um interesse público em que as perdas sejam suportadas em primeiro lugar pelos acionistas, sem possibilidade de examinar outras medidas. A recorrente considera que a autoridade pública deve poder avaliar o interesse público em não utilizar fundos públicos ou em não recorrer ao FUR em cada caso concreto, em função da situação das finanças públicas, da situação do mercado, do contexto económico e da solvabilidade da instituição.

152    A recorrente alega igualmente que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 violam o princípio da proporcionalidade garantido pelo artigo 5.o, n.o 4, TUE, na medida em que o CUR deve poder verificar caso a caso se existe um interesse público em que as perdas sejam suportadas pelos acionistas ou se o direito de propriedade deve prevalecer em função das circunstâncias de cada caso concreto. Estes artigos estabelecem igualmente uma discriminação entre as diferentes categorias de credores, nomeadamente à luz do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 806/2014.

153    A título preliminar, há que lembrar que as disposições cuja legalidade a recorrente contesta contêm princípios gerais que regem a resolução ou os instrumentos de resolução.

154    O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe:

«Quando aplicarem o procedimento de resolução referido no artigo 18.o, o CUR, o Conselho, a Comissão e, se for caso disso, as autoridades nacionais de resolução, tomam todas as medidas adequadas para assegurar que a medida de resolução é adotada de acordo com os seguintes princípios:

a)      Os acionistas da instituição objeto de resolução são os primeiros a suportar perdas;

[…]»

155    O artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe:

«Caso o CUR decida aplicar um instrumento de resolução a uma entidade ou grupo a que se refere o artigo 7.o, n.o 2, ou a uma entidade ou grupo a que se refere o artigo 7.o, n.o 4, alínea b) e n.o 5, se estiverem preenchidas as condições para a aplicação destes números, e dessa medida de resolução resultem perdas a suportar pelos credores ou a conversão dos seus créditos, o CUR instrui as autoridades nacionais de resolução para exercerem o poder de reduzir e de converter dos instrumentos de capital relevantes de acordo com o artigo 21.o, imediatamente antes ou juntamente com a aplicação do instrumento de resolução.»

156    Há que considerar que a redução e a conversão dos instrumentos de fundos próprios previstas no artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014 constituem uma aplicação do princípio de que os acionistas são os primeiros a suportar as perdas, previsto no artigo 15.o do mesmo regulamento.

157    O artigo 17.o, n.o 1, da Carta prevê:

«Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização em tempo útil pela sua perda. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.»

158    O artigo 52.o, n.o 1, da Carta enuncia:

«Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

159    Há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, o direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o, n.o 1, da Carta não é uma prerrogativa absoluta e o seu exercício pode ser objeto de restrições justificadas por objetivos de interesse geral prosseguidos pela União. Por conseguinte, como resulta do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, podem ser impostas restrições ao uso do direito de propriedade, na condição de essas restrições corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral e não constituírem, tendo em conta o objetivo prosseguido, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido (v. Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.os 69 e 70 e jurisprudência referida; Acórdãos de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 85, e de 23 de maio de 2019, Steinhoff e o./BCE, T‑107/17, EU:T:2019:353, n.o 100).

160    Daqui resulta que o direito de propriedade não é um direito absoluto, mas que pode sofrer limitações se estiverem previstas nos diplomas aplicáveis, se forem necessárias à prossecução de um objetivo geral e se forem proporcionadas a esse objetivo.

161    Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência que os serviços financeiros desempenham um papel central na economia da União. Os bancos e as instituições de crédito são uma fonte essencial de financiamento para as empresas com atividade nos diferentes mercados. Além disso, os bancos estão frequentemente interligados e muitos deles exercem as suas atividades a nível internacional. É por esta razão que a insolvência de um ou mais bancos se pode propagar rapidamente aos outros bancos, quer no Estado‑Membro em causa, quer noutros Estados‑Membros. Por sua vez, existe o risco de isso produzir efeitos negativos noutros setores da economia (Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 50; de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 72; e de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka, C‑501/18, EU:C:2021:249, n.o 108).

162    Segundo o Tribunal de Justiça, o objetivo de garantir a estabilidade do sistema financeiro evitando ao mesmo tempo despesas públicas excessivas e minimizando as distorções da concorrência constitui um interesse público superior (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 69).

163    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, tendo em conta o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema bancário na zona euro, e tendo em conta o risco iminente de perdas financeiras a que os depositantes dos bancos em causa teriam sido expostos em caso de insolvência, podiam justificar‑se certas restrições ao direito de propriedade (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 74).

164    O Tribunal de Justiça considerou igualmente que, embora exista um claro interesse geral em garantir em toda a União uma proteção forte e coerente dos investidores, não se pode considerar que esse interesse prevaleça, em todas as circunstâncias, sobre o interesse geral em garantir a estabilidade do sistema financeiro (Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 91, e de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.o 54).

165    A este respeito, o considerando 61 do Regulamento n.o 806/2014 prevê que as restrições aos direitos dos acionistas e dos credores deverão ser conformes com os princípios estabelecidos no artigo 52.o da Carta e que, por conseguinte, os instrumentos de resolução só deverão ser aplicáveis às entidades em situação ou risco de insolvência e unicamente quando isso seja necessário para atingir o objetivo de estabilidade financeira no interesse geral.

166    Refira‑se que o artigo 15.o, n.o 1, e o artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 preveem expressamente que serão executados no âmbito de uma medida de resolução, o que implica que dão resposta aos objetivos de uma resolução.

167    A esse respeito, o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que os objetivos da resolução são os seguintes: assegurar a continuidade das funções críticas, evitar efeitos adversos significativos sobre a estabilidade financeira, nomeadamente evitando o contágio, proteger as finanças públicas, limitando o recurso ao apoio financeiro público extraordinário, proteger os depositantes e proteger os fundos e ativos dos clientes.

168    Por conseguinte, há que considerar que o objetivo prosseguido por uma medida de resolução que visa garantir a estabilidade do sistema financeiro constitui um objetivo de interesse geral que, em aplicação da jurisprudência acima referida nos n.os 162 a 164, pode justificar certas restrições ao direito de propriedade. As limitações ao direito de propriedade dos acionistas que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 podem induzir cumprem esse mesmo objetivo de interesse geral reconhecido pela União e são, portanto, suscetíveis de ser justificadas, em conformidade com as exigências do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

169    Em segundo lugar, há que lembrar que a aplicação dos artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 pressupõe que estejam preenchidas as condições de adoção de uma medida de resolução.

170    Quanto às condições de adoção de uma medida de resolução, o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que a entidade visada pela medida de resolução deve estar em situação ou risco de insolvência, que não deve existir qualquer perspetiva razoável de que outras medidas de natureza privada ou prudenciais impeçam a sua insolvência num prazo razoável e que a medida deve ser necessária no interesse público.

171    Refira‑se igualmente, como resulta nomeadamente do artigo 18.o, n.o 8, do Regulamento n.o 806/2014, que uma medida de resolução constitui uma solução alternativa a um processo normal de insolvência.

172    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, no que respeita aos acionistas dos bancos, que, segundo o regime geral aplicável ao estatuto dos acionistas das sociedades anónimas, estes assumem plenamente o risco dos seus investimentos (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 73).

173    O Tribunal de Justiça considerou, no domínio dos auxílios de Estado, que, uma vez que os acionistas são responsáveis pelas dívidas do banco até ao montante do capital social deste, não se pode considerar que afeta o seu direito de propriedade o facto de os pontos 40 a 46 da Comunicação da Comissão sobre a aplicação, a partir de 1 de agosto de 2013, das regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira («comunicação sobre o setor bancário») (JO 2013, C 216, p. 1), exigirem que, para superar o défice de capital de um banco, esses acionistas, previamente à concessão de um auxílio estatal, contribuam para absorver as perdas sofridas por esse banco na mesma medida que se não tivesse sido concedido esse auxílio de Estado (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 74).

174    Há que considerar, por analogia, que, no caso de uma entidade sujeita a uma medida de resolução, a aplicação do princípio de os acionistas serem os primeiros a suportar as perdas, previsto no artigo 15.o do Regulamento n.o 806/2014, e o exercício do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital, previsto no artigo 22.o do mesmo regulamento, são consequência do facto de os acionistas de uma entidade deverem suportar os riscos inerentes aos seus investimentos e do facto de, uma vez que essa entidade é sujeita a resolução por causa da sua insolvência, deverem suportar as suas consequências.

175    A recorrente invoca vários argumentos para sustentar que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 violam o princípio da proporcionalidade na medida em que não permitem uma análise casuística ou o exame de outras soluções.

176    Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos da União não vão além do adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos [v. Acórdãos de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca de espadarte do Mediterrâneo), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 55 e jurisprudência referida, e de 6 de maio de 2021, Bayer CropScience e Bayer/Comissão, C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.o 166 e jurisprudência referida]. Esse princípio é recordado no artigo 5.o, n.o 4, TUE, e no artigo 1.o do Protocolo (n.o 2) relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao Tratado UE e ao Tratado FUE.

177    Em primeiro lugar, a recorrente alega que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 são aplicáveis em todas as circunstâncias, sem que sejam tidas em conta as circunstâncias de cada caso concreto.

178    É certo que o artigo 15.o do Regulamento n.o 806/2014 contém um princípio que deve orientar todas as medidas de resolução, na medida em que os acionistas devem assumir os riscos ligados aos seus investimentos. A este respeito, há que lembrar que, em aplicação da jurisprudência acima referida no n.o 173, a contribuição dos acionistas para as perdas do banco não pode constituir uma violação do seu direito de propriedade.

179    Contudo, ao contrário do que parece defender o recorrente, a aplicação desse princípio não leva automaticamente ao exercício do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital, previsto no artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014, sempre que uma entidade seja objeto de uma medida de resolução.

180    Assim, no que respeita à participação dos acionistas e dos credores, o artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014 indica as condições em que é exercido o poder de redução e de conversão de instrumentos de capital.

181    Refira‑se, além disso, que o artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014 não impõe a aplicação de um instrumento de resolução específico. Compete ao CUR e à Comissão decidir, em função das circunstâncias do caso, o instrumento de resolução mais adequado.

182    Em segundo lugar, a recorrente alega que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 impedem que se procurem soluções menos restritivas, como o recurso ao FUR, a fundos públicos ou a empréstimos, em função das circunstâncias. Há que considerar que este argumento assenta numa compreensão errada do mecanismo de resolução.

183    Com efeito, por um lado, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, a adoção de uma medida de resolução e, portanto, o exercício, nesse âmbito, do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital pressupõem a inexistência de qualquer solução alternativa de natureza privada ou prudencial.

184    As soluções menos restritivas previstas pela recorrente não podem, portanto, ser consideradas medidas alternativas à participação dos acionistas e dos credores no âmbito de uma medida de resolução.

185    Além disso, a recorrente parece não ter em conta o facto de a medida de resolução constituir uma alternativa a uma situação de liquidação da entidade num processo normal de insolvência. Se as dificuldades com que um banco se defronta pudessem ser resolvidas através de empréstimos, fossem eles de natureza pública ou privada, não poderia ser iniciado um processo de resolução, na medida em que a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014 não estaria preenchida.

186    Por outro lado, há que observar que a concessão de um auxílio de Estado ou de um auxílio do FUR não está excluída no âmbito de uma medida de resolução em aplicação do artigo 19.o do Regulamento n.o 806/2014. Assim, ao contrário do que alega a recorrente, em função das circunstâncias do caso, o CUR e a Comissão podem decidir autorizar o recurso a fundos públicos ou ao FUR.

187    Em terceiro lugar, a recorrente acrescenta, na réplica, que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 não permitem recorrer a soluções mais flexíveis, nomeadamente em caso de crise de liquidez, que não constitui o problema mais grave que um banco pode enfrentar, como empréstimos das autoridades públicas ou uma injeção de liquidez do BCE.

188    Com este argumento, a recorrente parece criticar o legislador por não ter previsto no artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014 outra solução para além de uma medida de resolução para resolver dificuldades com que um banco se pode deparar. Basta observar que este argumento é inoperante, na medida em que, se um banco não estiver numa situação em que preenche as condições para ser objeto de uma medida de resolução, isso não é do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014.

189    Em todo o caso, contrariamente ao que sustenta a recorrente, uma crise de liquidez é suscetível de levar um banco a uma situação em que seja incapaz, ou existem elementos objetivos que permitem concluir que irá ser, dentro de pouco tempo, incapaz de pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento, o que constitui uma das hipóteses, prevista no artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, em que uma entidade será considerada em situação ou risco de insolvência.

190    Em quarto lugar, a recorrente sustenta que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 violam igualmente o princípio da proporcionalidade na medida em que instituem uma discriminação entre as diferentes categorias de credores e é concedido um tratamento privilegiado injustificado aos detentores de depósitos.

191    Há que lembrar que o princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral de direito da União, que passou a estar consagrado nos artigos 20.o e 21.o da Carta, que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdãos de 9 de março de 2017, Milkova, C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 55; de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 191; e de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento, C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 98).

192    Refira‑se, a este respeito, por um lado, que o artigo 15.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que «[o]s credores da instituição objeto de resolução suportam perdas a seguir aos acionistas em conformidade com a ordem de prioridade dos créditos, nos termos do artigo 17.o, salvo disposição expressa em contrário no presente regulamento». O artigo 15.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que os credores de uma mesma categoria são tratados de forma equitativa.

193    Além disso, o artigo 21.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014 indica igualmente que «[o] CUR assegura que as autoridades nacionais de resolução exercem os poderes de redução ou de conversão sem demora, de acordo com a ordem de prioridade dos créditos prevista no artigo 17.o […]» Esta disposição prevê uma ordem de prioridade dos créditos e distingue, a esse respeito, diferentes categorias de credores, os detentores de instrumentos de fundos próprios principais de nível 1, os detentores de instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1 e os detentores de instrumentos de fundos próprios de nível 2.

194    Os acionistas e credores detentores de instrumentos subordinados, consoante pertençam a uma dessas categorias, não estão numa situação comparável e podem receber tratamento diferente consoante a ordem de prioridade dos seus créditos. Além disso, o respeito do princípio da não discriminação entre os credores é garantido pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento n.o 806/2014.

195    Por outro lado, os acionistas de um banco não estão numa situação comparável aos depositantes. Contrariamente aos acionistas, os depositantes não podem ser considerados investidores que devem assumir os riscos económicos de um investimento no capital social do banco.

196    Além disso, a proteção dos depositantes faz parte dos objetivos da resolução nos termos do artigo 14.o, n.o 2, alínea d), do Regulamento n.o 806/2014 e é recordada no artigo 15.o, n.o 1, alínea h), do mesmo regulamento. O Regulamento n.o 806/2014 assegura, assim, a conformidade de uma medida de resolução com os princípios estabelecidos pela Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 2014, L 173, p. 149).

197    Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 conduziam a uma restrição desproporcionada do direito de propriedade.

198    Por outro lado, contrariamente ao que sustenta a recorrente, há que ter em conta o facto de o Regulamento n.o 806/2014 ter previsto um mecanismo destinado a garantir que as violações do direito de propriedade dos acionistas, que pudessem decorrer da medida de resolução, não fossem desproporcionadas.

199    A este respeito, o considerando 62 do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que as violações dos direitos de propriedade não devem ser desproporcionadas e que os acionistas e credores afetados não devem, portanto, sofrer perdas maiores do que teriam sofrido se a entidade tivesse sido liquidada no momento em que a resolução foi decidida.

200    Entre os princípios gerais que regem a resolução, o artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014 estabelece o princípio de que nenhum credor tenha pior tratamento, a saber:

«Nenhum credor deve suportar perdas mais elevadas do que teria tido de incorrer se a entidade referida no artigo 2.o tivesse sido liquidada ao abrigo de um processo normal de insolvência de acordo com as salvaguardas previstas no artigo 29.o»

201    Para determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um melhor tratamento caso a entidade em causa tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência, o artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que a avaliação é realizada após a resolução. Segundo o artigo 20.o, n.o 17, do Regulamento n.o 806/2014, essa avaliação determina se existe uma diferença entre o tratamento de que teriam beneficiado os acionistas e os credores no caso de o estabelecimento ter sido sujeito a um processo normal de insolvência no momento em que a decisão sobre a medida de resolução foi tomada e o tratamento real de que foram objeto no âmbito da resolução.

202    Se, na sequência dessa avaliação, se demonstrar que os acionistas ou os credores sofreram perdas maiores no âmbito da resolução que teriam sofrido numa liquidação segundo um processo normal de insolvência, o artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que o CUR pode recorrer ao FUR para os indemnizar.

203    Assim, o Regulamento n.o 806/2014 garante que os acionistas e os credores não sofrerão, devido à resolução, um tratamento mais desfavorável do que aquele que teriam sofrido no âmbito de um processo normal de insolvência, prevendo, se for caso disso, um mecanismo de indemnização. Em conformidade com o respeito do direito de propriedade, consagrado no artigo 17.o, n.o 1, da Carta, no caso de um programa de resolução levar a uma violação do direito de propriedade dos acionistas e dos credores, o Regulamento n.o 806/2014 institui um mecanismo que garante uma justa indemnização pela sua perda.

204    Contrariamente ao que afirma a recorrente, o processo de insolvência constitui a única alternativa à resolução. Com efeito, basta lembrar que, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o facto de a entidade estar em situação ou em risco de insolvência e de não existir nenhuma perspetiva razoável de outras medidas de natureza privada ou prudencial serem suscetíveis de impedir essa insolvência são pressupostos para a adoção de uma medida de resolução.

205    Refira‑se, a esse respeito, que, no domínio dos auxílios de Estado, o Tribunal de Justiça declarou que as perdas dos acionistas dos bancos em dificuldades terão, em todo o caso, a mesma dimensão, independentemente da questão de saber se a sua causa assenta numa decisão de declaração de insolvência devido à não concessão de um auxílio de Estado ou num procedimento de concessão desse auxílio sujeito à condição prévia de repartição dos encargos (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 75).

206    O Tribunal de Justiça já referiu que o ponto 46 da comunicação sobre o setor bancário prevê que «é conveniente respeitar o princípio segundo o qual nenhum credor pode ser mais desfavorecido» e que «[o]s credores subordinados não devem receber menos em termos económicos do que aquilo que o seu instrumento teria valido se não tivesse sido concedido o auxílio estatal» (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 77).

207    Segundo o Tribunal de Justiça, resulta deste ponto que as medidas de repartição dos encargos a que está subordinada a concessão de um auxílio estatal a favor de um banco deficitário não podem causar ao direito de propriedade dos credores subordinados um prejuízo que estes não teriam sofrido no âmbito de um processo de falência decorrente da falta de concessão de tal auxílio. Nestas condições, não se pode validamente sustentar que as medidas de repartição dos encargos, como as previstas na comunicação sobre o setor bancário, constituem uma ingerência no direito de propriedade dos acionistas e dos credores subordinados (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 78 e 79).

208    Assim, há que considerar, por analogia, que a aplicação do princípio, previsto no artigo 15.o do Regulamento n.o 806/2014, de que nenhum credor pode ter pior tratamento garante aos acionistas de uma entidade objeto de uma medida de resolução uma justa indemnização em conformidade com as exigências do artigo 17.o da Carta.

209    Por outro lado, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de janeiro de 2020, a recorrente apresentou um fundamento novo com base no artigo 84.o, n.o 2, do Regulamento de Processo. Alega que o Despacho de 10 de outubro de 2019, Aeris Invest/CUR (T‑599/18, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:740), tem incidência direta na exceção de ilegalidade dos artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 e que as alegações formuladas no quarto fundamento devem ser completadas à luz desse despacho.

210    A Comissão, o CUR, o Reino de Espanha, o Conselho e o Banco Santander alegam que os argumentos invocados pela recorrente em 21 de janeiro de 2020 constituem um fundamento novo, que é inadmissível.

211    Tendo a recorrente confirmado, na audiência, que não se tratava de um fundamento novo, mas sim de uma ampliação do quarto fundamento, o Tribunal Geral limitar‑se‑á a examinar os novos argumentos invocados em 21 de janeiro de 2020 na medida em que apoiam a exceção de ilegalidade arguida no quarto fundamento.

212    A recorrente alega que resulta dos n.os 48 e 49 do Despacho de 10 de outubro de 2019, Aeris Invest/CUR (T‑599/18, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:740), do qual interpôs recurso, que o Regulamento n.o 806/2014 não prevê uma compensação para os acionistas privados do seu direito de propriedade em casos como o do Banco Popular. Segundo esse despacho, os acionistas do Banco Popular não teriam direito a uma compensação, mesmo que o valor real do Banco Popular fosse superior ao que lhe era atribuído na avaliação 2. A recorrente infere daí que o Regulamento n.o 806/2014 não prevê um sistema de indemnização adequada para os acionistas que sejam privados do seu direito de propriedade e que a exceção de ilegalidade deve ser julgada procedente. Acrescenta que a indemnização prevista no artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014 não é adequada e suficiente.

213    Há que lembrar que, no seu Despacho de 10 de outubro de 2019, Aeris Invest/CUR (T‑599/18, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:740), o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação interposto pela recorrente da decisão do CUR de não efetuar uma avaliação definitiva ex post do Banco Popular. No n.o 47 desse despacho, o Tribunal Geral considerou que o instrumento de alienação da atividade aplicado ao Banco Popular não fazia parte dos casos previstos no artigo 20.o, n.o 12, do Regulamento n.o 806/2014, nos quais podia ser paga uma compensação na sequência de uma avaliação definitiva ex post. O Tribunal Geral considerou, assim, nos n.os 48 e 49 do seu despacho, mencionados pela recorrente:

«48.      Além disso, há que observar que o artigo 20.o, n.o 12, do Regulamento n.o 806/2014 não permite a indemnização dos antigos acionistas e credores de uma entidade cujos instrumentos de capital foram integralmente convertidos, reduzidos e transferidos para um terceiro.

49.      A este respeito, não tem razão a recorrente quando sustenta que a avaliação ex post afeta diretamente a situação jurídica dos antigos acionistas do Banco Popular e que, se a estimativa do valor de mercado do Banco Popular fosse superior à resultante da avaliação 2, estes teriam direito a uma compensação em conformidade com o artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014.»

214    Basta observar que, no Despacho de 10 de outubro de 2019, Aeris Invest/CUR (T‑599/18, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:740), o Tribunal Geral se pronunciou unicamente sobre a situação da recorrente no âmbito da resolução do Banco Popular e considerou que a compensação prevista no artigo 20.o, n.o 12, do Regulamento n.o 806/2014 não era aplicável no caso.

215    Daí resulta que as considerações limitadas ao caso em apreço feitas pelo Tribunal Geral no Despacho de 10 de outubro de 2019, Aeris Invest/CUR (T‑599/18, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:740), não são pertinentes para efeitos de apreciação da legalidade do Regulamento n.o 806/2014. Além disso, no seu requerimento apresentado em 21 de janeiro de 2020, a recorrente não estabelece nenhuma ligação entre esse despacho e os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014, cuja ilegalidade é arguida no quarto fundamento.

216    Refira‑se, por outro lado, que, na medida em que a recorrente interpôs recurso do Despacho de 10 de outubro de 2019, Aeris Invest/CUR (T‑599/18, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:740), este não é definitivo.

217    Daí resulta que os novos argumentos invocados pela recorrente em 21 de janeiro de 2020 não são pertinentes para efeitos de apreciação da exceção de ilegalidade arguida no quarto fundamento.

218    Resulta do exposto que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 não constituem uma intervenção desmedida e intolerável que viole a própria substância do direito de propriedade dos acionistas da entidade em causa através de uma medida de resolução, devendo sim considerar‑se que estabelecem uma restrição ao seu direito de propriedade justificada e proporcionada, em conformidade com as disposições do artigo 17.o, n.o 1, e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta e do artigo 5.o, n.o 4, TUE.

219    Por conseguinte, improcede a exceção de ilegalidade arguida no quarto fundamento.

3.      Quanto ao quinto fundamento, relativo a uma exceção de ilegalidade na medida em que os artigos 18.o e 20.o do Regulamento n.o 806/2014 violam o direito de audiência, consagrado nos artigos 17.o e 41.o da Carta

220    A recorrente, com base no artigo 277.o TFUE, argui uma exceção de ilegalidade dos artigos 18.o e 20.o do Regulamento n.o 806/2014, por estas disposições violarem o direito de audiência, consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta ao não preverem a audição dos acionistas da entidade objeto de uma medida de resolução. Esta falta de audição é igualmente incompatível com as garantias processuais do direito de propriedade previsto no artigo 17.o da Carta, conjugado com o artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da Convenção para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, segundo as quais, em caso de ingerência no direito de propriedade de uma pessoa, deve ser‑lhe dada uma oportunidade adequada para expor a sua causa às autoridades competentes.

221    A Comissão, o CUR e o Parlamento alegam que, no caso de os acionistas de uma instituição sujeita a um procedimento de resolução disporem de um direito de audiência, consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, esse direito seria reconhecido mesmo sem qualquer disposição expressa no Regulamento n.o 806/2014. A inexistência de uma disposição expressa, no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, que preveja uma audição dos acionistas não implica a ilegalidade desse regulamento, na medida em que nenhuma disposição proíbe essa audição.

222    Refira‑se, a título preliminar, que a recorrente contesta a falta de audição dos acionistas da entidade que são objeto de uma medida de resolução no procedimento que leva à adoção dessa medida, mas não invoca nenhum argumento relativo ao artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014, que é relativo à avaliação. Por conseguinte, há que considerar que, com a sua exceção de ilegalidade arguida no âmbito do quinto fundamento, a recorrente contesta a validade do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, relativo ao procedimento de resolução, na medida em que essa disposição, ao não prever uma audição dos acionistas pelo CUR, antes da adoção de uma medida de resolução, viola o seu direito de audiência, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

223    Há que lembrar que o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dispõe que o direito a uma boa administração inclui, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual contra ela.

224    O direito de audiência garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses. Seguidamente, há que precisar que o direito de audiência prossegue um duplo objetivo. Por um lado, serve para a instrução do processo e para o apuramento dos factos da forma mais precisa e correta possível e, por outro, permite assegurar a proteção efetiva do interessado. O direito de audiência visa em especial garantir que qualquer decisão lesiva seja adotada com pleno conhecimento de causa e tem, nomeadamente, por objetivo permitir à autoridade competente corrigir um erro ou à pessoa em causa invocar os elementos relativos à sua situação pessoal que militem no sentido de que a decisão seja tomada, não seja tomada ou tenha determinado conteúdo (v. Acórdão de 4 de junho de 2020, SEAE/De Loecker, C‑187/19 P, EU:C:2020:444, n.os 68 e 69 e jurisprudência referida).

225    Refira‑se que o Tribunal de Justiça afirmou a importância do direito de audiência e o seu alcance muito lato na ordem jurídica da União, ao considerar que esse direito se deve aplicar a qualquer processo suscetível de conduzir a um ato lesivo. De acordo com a jurisprudência do Tribunal, o direito de audiência deve ser respeitado mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente tal formalidade (v. Acórdãos de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 85 e 86 e jurisprudência referida; de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 67 e jurisprudência referida; e de 7 de novembro de 2019, ADDE/Parlamento, T‑48/17, EU:T:2019:780, n.o 89 e jurisprudência referida).

226    Assim, tendo em conta o seu caráter de princípio fundamental e geral de direito da União, a aplicação do princípio dos direitos de defesa, que incluem o direito de audiência, não pode ser excluída nem restringida por uma disposição regulamentar e o seu respeito deve, portanto, estar assegurado tanto na falta total de regulamentação específica como na presença de uma regulamentação que não tenha, por si própria, esse princípio em conta (v. Acórdão de 18 de junho de 2014, Espanha/Comissão, T‑260/11, EU:T:2014:555, n.o 62 e jurisprudência referida).

227    Com efeito, o âmbito de aplicação do direito de audiência, enquanto princípio e direito fundamental do ordenamento jurídico da União, é aberto quando a Administração prevê adotar um ato lesivo, isto é, um ato suscetível de afetar de forma desfavorável os interesses do particular ou do Estado‑Membro em causa, uma vez que a sua aplicação não depende da existência de uma norma expressa para o efeito prevista no direito secundário (Acórdão de 18 de junho de 2014, Espanha/Comissão, T‑260/11, EU:T:2014:555, n.o 64).

228    A este respeito, há que referir, por um lado, que, segundo o seu considerando 121, o Regulamento n.o 806/2014 respeita os direitos fundamentais e os direitos, liberdades e princípios reconhecidos, em especial, pela Carta, entre os quais os direitos de defesa, e deve ser aplicado em conformidade com esses direitos e princípios. Por outro lado, nenhuma disposição do Regulamento n.o 806/2014 exclui ou restringe expressamente o direito de audiência dos acionistas e dos credores da entidade em causa durante o processo de resolução.

229    Refira‑se ainda, como fazem a Comissão e o Conselho, que uma medida de resolução adotada pelo CUR no termo do procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 tem por objeto a resolução de uma entidade. A entidade objeto de resolução deve ser considerada a pessoa contra a qual é adotada uma medida individual e a quem o direito de audiência é garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

230    Assim, há que ter em conta o facto de os acionistas e os credores dessa entidade não serem destinatários de uma medida de resolução, que não é uma decisão individual tomada contra eles.

231    Todavia, refira‑se que, segundo o artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR pode exercer o poder de redução ou de conversão dos instrumentos de fundos próprios da entidade visada por uma medida de resolução, atuando segundo o procedimento definido no artigo 18.o desse regulamento.

232    Assim, o procedimento do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, mesmo embora não constitua um processo individual instaurado contra os acionistas e credores da entidade em causa, pode levar à adoção de uma medida de resolução suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses.

233    Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, acima referida no n.o 225, tem seguido uma interpretação lata do direito de audiência no sentido de ser garantido a qualquer pessoa no decurso do processo suscetível de culminar num ato lesivo. Por conseguinte, não se pode excluir a possibilidade de os acionistas de uma instituição objeto de uma medida de resolução invocarem o direito de audiência no âmbito do procedimento de resolução.

234    No entanto, o exercício do direito de audiência pode estar sujeito a restrições em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, acima referido no n.o 158.

235    Por conseguinte, há que examinar se a inexistência, no Regulamento n.o 806/2014, de uma disposição que preveja expressamente uma audição dos acionistas e dos credores da entidade em causa no âmbito do procedimento previsto no artigo 18.o do referido regulamento constitui uma restrição ao exercício do direito de audiência que esteja em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

236    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que os direitos fundamentais, como o respeito dos direitos de defesa, não constituem prerrogativas absolutas, podendo comportar restrições, desde que estas correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituam, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (v. Acórdãos de 10 de setembro de 2013, G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 33 e jurisprudência referida, e de 20 de dezembro de 2017, Prequ’Italia, C‑276/16, EU:C:2017:1010, n.o 50 e jurisprudência referida).

237    A esse respeito, o CUR, o Reino de Espanha, o Parlamento e o Conselho alegam que a limitação do direito de audiência dos acionistas é justificada, por um lado, pelo objetivo de garantir a estabilidade dos mercados financeiros e, por outro, pela necessidade de assegurar a eficácia das decisões de resolução, que devem ser adotadas com celeridade.

238    Refira‑se, em primeiro lugar, que vários considerandos do Regulamento n.o 806/2014, nomeadamente os seus considerandos 12, 58 e 61, indicam que a estabilidade dos mercados financeiros é um dos objetivos prosseguidos pelos mecanismos de resolução implementados por esse regulamento.

239    Nos termos do artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, uma medida de resolução é de interesse público se for proporcionada e necessária para a prossecução de um ou mais dos objetivos da resolução referidos no artigo 14.o que um processo de liquidação da entidade no quadro dos processos normais de insolvência não permitiria atingir na mesma medida. Entre os objetivos da resolução referidos no artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014 figuram, nomeadamente, o de «[e]vitar efeitos adversos significativos sobre a estabilidade financeira, nomeadamente evitando o contágio, inclusive das infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina do mercado» e o de «[p]roteger as finanças públicas, limitando o recurso ao apoio financeiro público extraordinário».

240    A esse respeito, resulta da jurisprudência acima referida no n.o 161 que os serviços financeiros desempenham um papel central na economia da União e que a insolvência que de um ou mais bancos se pode propagar aos outros bancos, quer no Estado‑Membro em causa, quer noutros Estados‑Membros. Além disso, segundo a jurisprudência acima referida no n.o 162, o objetivo de garantir a estabilidade do sistema financeiro evitando ao mesmo tempo despesas públicas excessivas e minimizando as distorções da concorrência constitui um interesse público superior.

241    Por outro lado, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») considerou, na sua Decisão de 1 de abril de 2004, Camberrow MM5 AD c. Bulgária (CE:ECHR:2004:0401DEC005035799, § 6), que, nos domínios economicamente sensíveis como a estabilidade do sistema bancário, os Estados dispunham de uma ampla margem de apreciação e que, portanto, a impossibilidade de um acionista participar no processo que levou à venda do banco não era desproporcionada à luz dos objetivos legítimos de proteger os direitos dos credores e de preservar o estado da boa administração do banco.

242    Há que mencionar igualmente o Acórdão de 8 de novembro de 2016, Dowling e o. (C‑41/15, EU:C:2016:836), proferido por ocasião de um pedido de decisão prejudicial tinha por objeto a interpretação dos artigos 8.o, 25.o e 29.o da Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do artigo [54.o, segundo parágrafo, TFUE], no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44). Esse processo dizia respeito a uma medida excecional das autoridades nacionais destinada a evitar, através de um aumento de capital, a insolvência de uma sociedade que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ameaçava a estabilidade financeira da União. O Tribunal de Justiça considerou que a proteção que a Segunda Diretiva 77/91 conferia aos acionistas e aos credores de uma sociedade anónima, no respeitante ao seu capital social, não abrangia uma medida nacional como essa, adotada numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro que se destinava a solucionar uma ameaça sistémica para a estabilidade financeira da União, resultante da insuficiência dos fundos próprios da sociedade em causa (Acórdão de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.o 50). O Tribunal de Justiça acrescentou que as disposições da Segunda Diretiva não se opunham, portanto, a uma medida excecional relativa ao capital social de uma sociedade anónima, que as autoridades nacionais tinham tomado, numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro, sem a aprovação da assembleia geral dessa sociedade e com o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema financeiro da União (v. Acórdão de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.o 51 e jurisprudência referida).

243    Estas considerações aplicam‑se, por analogia, à situação dos antigos acionistas de um banco que foi submetido a um procedimento de resolução nos termos do Regulamento n.o 806/2014.

244    Refira‑se, por outro lado, que outro objetivo da resolução previsto no artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, a saber, assegurar a continuidade das funções críticas da entidade visada por uma medida de resolução, faz igualmente parte do objetivo de interesse geral de proteção da estabilidade dos mercados financeiros.

245    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, ponto 35, da Diretiva 2014/59/UE, as funções críticas de uma instituição são definidas como «atividades, serviços ou operações cuja interrupção pode dar origem, num ou em vários Estados‑Membros, à perturbação de serviços essenciais para a economia real ou perturbar a estabilidade financeira devido à dimensão ou à quota de mercado de uma instituição ou de um grupo, ao seu grau de interligação externa e interna, à sua complexidade ou às suas atividades transfronteiriças, com especial destaque para a substituibilidade dessas atividades, serviços ou operações».

246    A este respeito, o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Delegado (UE) 2016/778 da Comissão, de 2 de fevereiro de 2016, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito às circunstâncias e às condições em que o pagamento de contribuições extraordinárias ex post pode ser total ou parcialmente suspenso, bem como aos critérios para a determinação das atividades, serviços e operações ligados às funções críticas e das linhas de negócio e serviços associados ligados às linhas de negócio críticas (JO 2016, L 131, p. 41), prevê os critérios de determinação das funções críticas. Trata‑se de uma função assegurada por uma instituição a terceiros não associados à instituição ou grupo e cuja perturbação súbita poderia ter um efeito negativo significativo sobre esses terceiros, um efeito de contágio ou constituir uma ameaça para a confiança geral dos participantes no mercado, devido à importância sistémica das funções para os terceiros e à importância sistémica da instituição ou grupo para assegurar essa função.

247    O objetivo de assegurar a continuidade das funções críticas da entidade afetada por uma medida de resolução, previsto no artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, visa evitar uma interrupção dessas funções suscetível de causar perturbações, não só no mercado em causa mas também para toda a estabilidade financeira da União.

248    Assim, uma medida de resolução, uma vez que se dirige a preservar ou a restabelecer a situação financeira de uma instituição de crédito, nomeadamente na medida em que constitui uma alternativa à liquidação, deve ser encarada como algo que responde efetivamente a um objetivo de interesse geral reconhecido pela União (v., por analogia, Acórdão de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka, C‑501/18, EU:C:2021:249, n.o 108).

249    Resulta do exposto que o procedimento de resolução, instituído pelo Regulamento n.o 806/2014 e descrito no seu artigo 18.o, prossegue um objetivo de interesse geral, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a saber, o objetivo de garantir a estabilidade dos mercados financeiros, suscetível de justificar uma restrição ao direito de audiência.

250    Em segundo lugar, vários considerandos do Regulamento n.o 806/2014 implicam que, quando uma medida de resolução se torne necessária, deve ser adotada rapidamente. São eles, nomeadamente, os considerandos 26, 31, 53 e, em particular, o 56 desse regulamento, que prevê que, a fim de minimizar perturbações nos mercados financeiros e na economia, o processo da resolução deverá ser realizado num curto espaço de tempo.

251    A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que o Regulamento n.o 806/2014 tem por objetivo instituir, em conformidade com o seu considerando 8, mecanismos de resolução mais eficazes, que devem constituir um instrumento essencial para evitar as consequências danosas das insolvências dos bancos ocorridas no passado e que esse objetivo pressupõe uma decisão rápida, como ilustram os curtos prazos previstos no artigo 18.o do referido regulamento, para que a estabilidade financeira não seja posta em perigo (Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 55).

252    Assim, o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 indica, nomeadamente, que, se o BCE considerar que uma entidade se encontra em situação ou risco de insolvência, comunicará sem demora a sua avaliação à Comissão e ao CUR. Segundo o n.o 2 desse mesmo artigo, se o CUR realizar uma avaliação por si próprio, esta deve ser comunicada sem demora ao BCE. Se estiverem preenchidas as condições previstas no n.o 1, o CUR adota um programa de resolução, que, nos termos do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, é transmitido à Comissão imediatamente após a sua adoção. A Comissão dispõe então de um prazo de vinte e quatro horas para aprovar um programa de resolução ou apresentar objeções.

253    Daí resulta que, uma vez preenchidas as condições para a adoção de uma medida de resolução, a saber, em primeiro lugar, uma situação ou risco de insolvência, em segundo lugar, que não existe qualquer outra perspetiva razoável de outras medidas de natureza privada ou medidas prudenciais impedirem a sua situação num prazo razoável e, em terceiro lugar, que a sua resolução seja necessária para atingir um ou mais dos objetivos previstos no artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, o artigo 18.o do mesmo regulamento prevê que uma decisão deve ser adotada num prazo muito curto.

254    Esta decisão rápida visa, em particular, assegurar a continuidade das funções críticas da entidade em causa e evitar as consequências negativas de uma insolvência da entidade na estabilidade financeira. A rapidez de uma decisão constitui, portanto, uma condição da sua eficácia.

255    Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que a urgência que impõe uma ação imediata da autoridade competente justificava uma limitação do direito de audiência das pessoas afetadas por medidas adotadas no domínio da responsabilidade ambiental (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2010, ERG e o., C‑379/08 e C‑380/08, EU:C:2010:127, n.o 67) e no domínio da agricultura (v. neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2006, Dokter e o., C‑28/05, EU:C:2006:408, n.o 76).

256    Além disso, no domínio das medidas de congelamento de fundos, o Tribunal de Justiça já declarou que a comunicação dos fundamentos da inclusão inicial do nome de uma pessoa ou de uma entidade na lista das pessoas objeto de medidas restritivas antes dessa inclusão seria suscetível de comprometer a eficácia das medidas de congelamento de fundos e de recursos económicos impostas pelo direito da União. A fim de atingir o objetivo prosseguido pelo regulamento aplicável, essas medidas devem, pela sua própria natureza, ter um efeito de surpresa e ser aplicadas com efeito imediato (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 338 a 340; de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran, C‑27/09 P, EU:C:2011:853, n.o 61; e de 12 de fevereiro de 2020, Amisi Kumba/Conselho, T‑163/18, EU:T:2020:57, n.o 51).

257    Por razões ligadas igualmente ao objetivo prosseguido pelo direito da União e à eficácia das medidas nele previstas, as autoridades da União também não têm que proceder a uma audição dos recorrentes antes da inscrição dos seus nomes na lista das pessoas sujeitas a medidas restritivas (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461 n.o 341, e de 25 de abril de 2013, Gbagbo/Conselho, T‑119/11, não publicado, EU:T:2013:216, n.o 103).

258    Isto é tanto mais assim quanto, como no caso presente, a limitação do direito de audiência não diz respeito à entidade visada pelo procedimento de resolução, mas sim aos seus acionistas ou credores.

259    Refira‑se igualmente que, na sua Decisão de 1 de abril de 2004, Camberrow MM5 AD c. Bulgária (CE:ECHR:2004:0401DEC005035799), o TEDH declarou que a venda do banco insolvente enquanto empresa em atividade tinha sido realizada a fim de obter a satisfação rápida e mais segura dos seus credores, que esperavam desde há anos receber o que lhes era devido, e a conclusão rápida do processo de insolvência. Por conseguinte, a necessidade de simplicidade e de rapidez no procedimento de venda do banco tinha uma importância capital. Se a lei tivesse previsto que o tribunal da insolvência fosse obrigado a consultar todos os acionistas e credores do banco, isso teria provocado um significativo abrandamento do processo e, por conseguinte, um atraso suplementar no pagamento das quantias devidas aos credores e na conclusão do processo de insolvência.

260    No Acórdão de 24 de novembro de 2005, Capital Bank AD c. Bulgária (CE:ECHR:2005:1124JUD004942999, § 136), o TEDH declarou que, num domínio economicamente sensível como a estabilidade do sistema bancário e em determinadas situações, podia existir uma necessidade imperiosa de agir com a maior diligência e sem aviso prévio, com o objetivo de evitar danos irreparáveis para o banco, os seus depositantes e os seus outros credores, ou para o sistema bancário e financeiro no seu conjunto.

261    Além disso, o facto de o programa de resolução ser suscetível de conduzir a uma ingerência no direito de propriedade dos recorrentes não pode justificar uma obrigação de lhes ser concedido um direito de audiências antes da sua adoção.

262    A esse respeito, o Tribunal Geral já salientou, no n.o 282 do Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides & Co. e o./Conselho e o. (T‑680/13, EU:T:2018:486), que os processos aplicáveis devem proporcionar à pessoa em causa uma ocasião adequada de expor a sua causa às autoridades competentes. Para garantir o respeito dessa exigência, que é inerente ao artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, há que considerar os processos aplicáveis de um ponto de vista geral (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 368 e jurisprudência referida; de 25 de abril de 2013, Gbagbo/Conselho, T‑119/11, não publicado, EU:T:2013:216, n.o 119; e TEDH, 20 de julho de 2004, Bäck c. Finlândia, CE:ECHR:2004:0720JUD003759897, § 56). Assim, essa exigência não pode ser interpretada no sentido de que a pessoa interessada deve, em todas as circunstâncias, poder fazer valer o seu ponto de vista junto das autoridades competentes previamente à adoção das medidas lesivas do seu direito de propriedade (v., neste sentido, TEDH, 19 de setembro de 2006, Maupas e outros c. França, CE:ECHR:2006:0919JUD001384402, §§ 20 e 21).

263    O Tribunal Geral considerou ser isso o que acontecia, nomeadamente, quando, como no caso presente, as medidas em causa não constituíam uma sanção e se integravam num contexto de emergência específico. A este respeito, o Tribunal Geral referiu que se tratava de prevenir um risco iminente de colapso dos bancos visados para preservar a estabilidade do sistema financeiro de um Estado‑Membro e, assim, evitar um contágio a outros Estados‑Membros da zona euro. Ora, a execução de um processo de consulta prévia em que os milhares de depositantes e acionistas dos bancos visados pudessem fazer valer utilmente o seu ponto de vista antes da adoção das disposições lesivas teria inevitavelmente atrasado a aplicação das medidas destinadas a evitar esse colapso. A realização do objetivo de preservar a estabilidade do sistema financeiro desse Estado‑Membro e, desse modo, evitar um contágio a outros Estados‑Membros da zona euro teria ficado exposta a grandes riscos (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides & Co. e o./Conselho e o., T‑680/13, EU:T:2018:486, n.o 282 e jurisprudência referida).

264    Esta apreciação foi confirmada pelo Tribunal de Justiça, que considerou que o Tribunal Geral tinha acertadamente baseado o seu raciocínio no Acórdão do TEDH de 21 de julho de 2016, Mamatas e o. c. Grécia (CE:ECHR:2016:0721JUD006306614), do qual resulta que a exigência de qualquer restrição do direito de propriedade estar prevista na lei não pode ser interpretada no sentido de as pessoas em causa terem que ser consultadas antes da adoção dessa lei, nomeadamente quando essa consulta prévia inevitavelmente atrase a aplicação das medidas destinadas a evitar o colapso do dos bancos em causa (Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 159).

265    Por outro lado, há que considerar que a necessidade de agir rapidamente sem informar os acionistas e os credores de uma entidade da iminência de um processo de resolução que lhe diga respeito visa evitar o agravamento da situação dessa entidade que prejudicaria a eficácia da medida de resolução. Com efeito, informar os acionistas ou os titulares de obrigações do banco de que este poderia estar sujeito a um procedimento de resolução e, portanto, que foi considerado em situação ou risco de insolvência, poderia levá‑los a vender os seus títulos nos mercados e igualmente conduzir a uma retirada massiva dos depósitos, o que teria como consequência agravar a situação financeira do banco e dificultar ou mesmo impossibilitar a adoção de uma solução suscetível de impedir a sua liquidação.

266    A este respeito, como resulta do considerando 116 do Regulamento n.o 806/2014, a comunicação de todas as informações sobre uma decisão antes da sua adoção, quer se refira ao facto de as condições da resolução estarem preenchidas, quer ao recurso a um instrumento específico ou a uma medida adotada no decurso do processo, é suscetível de ter consequências para os interesses públicos e privados afetados pela ação.

267    Por conseguinte, há que considerar que instituir no Regulamento n.o 806/2014 uma consulta dos acionistas e credores da entidade em causa antes da adoção de um programa de resolução teria levado a um abrandamento substancial do processo e teria, portanto, comprometido tanto a realização dos objetivos da medida como a sua eficácia.

268    Por outro lado, tendo em conta a urgência da adoção de uma medida de resolução, não é possível consultar previamente os acionistas, nomeadamente devido às dificuldades ligadas à sua identificação. Com efeito, como referem o Reino de Espanha e o Conselho, dado que as ações e as obrigações são negociadas em contínuo nos mercados, na prática é impossível saber quais os investidores particulares e institucionais que devem ser contactados.

269    Quanto ao argumento da recorrente de que o Regulamento n.o 806/2014 pode prever uma audição dos acionistas posteriormente à adoção da medida de resolução, basta observar, como faz o Parlamento, que essa audição não seria suscetível de alterar o conteúdo dessa medida e que não poderia, portanto, levar à sua anulação.

270    Resulta do exposto que uma audição dos acionistas e dos credores da entidade objeto de uma medida de resolução, antes da adoção dessa medida, comprometeria os objetivos de estabilidade dos mercados financeiros e de continuidade das funções críticas da entidade, bem como as exigências de rapidez e de eficácia do procedimento de resolução.

271    Por conseguinte, a inexistência de uma disposição que preveja uma audição dos acionistas e dos credores da entidade em causa no âmbito do procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 constitui uma restrição ao direito de audiência que é justificada e necessária para responder a um objetivo de interesse geral, respeita o princípio da proporcionalidade, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta e não viola nenhuma das garantias processuais do direito de propriedade previstas no artigo 17.o da Carta.

272    Por conseguinte, improcede a exceção de ilegalidade do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014.

4.      Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, do dever de diligência e do artigo 296.o TFUE

273    A recorrente alega que o CUR, ao adotar o programa de resolução, violou o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, o seu dever de diligência e o artigo 296.o TFUE, na medida em que não provou estarem preenchidos os pressupostos da resolução. Nas suas observações sobre o articulado de intervenção do Reino de Espanha, a recorrente precisa que, com este fundamento, não invoca um erro de apreciação, mas sim uma violação do dever de diligência e do dever de fundamentação no âmbito da aplicação do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014.

274    A recorrente alega que o CUR, na adoção do programa de resolução, não analisou com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes da situação para aplicar o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 em conformidade com o dever de diligência nem fundamentou suficientemente a sua decisão. Com uma primeira alegação, alega, em substância, que o CUR não demonstrou estar preenchido o pressuposto previsto no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, de a entidade estar em situação ou em risco de insolvência. Alega, em primeiro lugar, que o CUR não teve em conta o facto de o Banco Popular ser solvente e de a sua insolvência não estar, portanto, provada e, em segundo lugar, que não justificou que um problema pontual de liquidez implicasse uma insolvência do Banco Popular. Com uma segunda alegação, a recorrente acusa o CUR de não ter demonstrado que estava preenchido pressuposto previsto no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014 de, tendo em conta os prazos previstos e outras circunstâncias pertinentes, não existir nenhuma perspetiva razoável de que outras medidas de natureza privada ou medidas prudenciais tomadas relativamente à entidade impedissem a sua insolvência num prazo razoável. O CUR não analisou a existência de outras medidas de vigilância que pudessem resolver os problemas de liquidez do Banco Popular.

a)      Quanto à primeira alegação, relativa ao artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014

275    Em primeiro lugar, a recorrente alega que o CUR violou o seu dever de diligência ou, pelo menos, o seu dever de fundamentação, ao não ter em conta um certo número de elementos que demonstram a solvabilidade do Banco Popular.

276    Importa recordar, em primeiro lugar, que, em 6 de junho de 2017, o BCE realizou uma avaliação da situação ou do risco de insolvência do Banco Popular, após consulta do CUR, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014. Nessa avaliação, o BCE, tendo em conta em especial as saídas excessivas de depósitos, a rapidez com que a tesouraria tinha sido perdida pelo banco e a sua incapacidade de gerar outras fontes de liquidez, considerou que existiam elementos objetivos que indicavam que o Banco Popular provavelmente não estaria em condições de, num futuro próximo, pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento. O BCE concluiu que se considerava estar o Banco Popular em situação ou, de qualquer forma, em risco de insolvência num futuro próximo, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), e n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

277    Em segundo lugar, por carta de 6 de junho de 2017, o conselho de administração do Banco Popular informou o BCE de que tinha chegado à conclusão de que o banco se encontrava em risco de insolvência.

278    Na sua carta ao BCE de 6 de junho de 2017, o Banco Popular refere‑se à notificação feita ao BCE nos termos do artigo 414.o do Regulamento n.o 575/2013, relativo à violação dos requisitos mínimos em matéria de cobertura das necessidades de liquidez e remete para a avaliação efetuada pelo seu conselho de administração, que figura em anexo, segundo a qual o Banco Popular se encontrava em situação de insolvência e às informações e análises em que este último se baseou para chegar a essa conclusão.

279    Nessa carta, indica‑se:

«Nos termos do artigo 21.o, n.o 4, da Lei 11/2015 e dos artigos 45.o e 46.o do Regulamento Delegado (UE) 2016/1075 [da Comissão, de 23 de março de 2016, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita às normas técnicas de regulamentação que especificam o conteúdo dos planos de recuperação, dos planos de resolução e dos planos de resolução de grupos, os critérios mínimos que as autoridades competentes devem avaliar no que respeita aos planos de recuperação e aos planos de recuperação de grupos, as condições para a prestação de apoio financeiro intragrupo, os requisitos para os avaliadores independentes, o reconhecimento contratual dos poderes de redução e de conversão, os procedimentos e teor dos requisitos de notificação e de aviso de suspensão e o funcionamento operacional dos colégios de resolução (JO 2016, L 184, p. 1)], pela presente, o Banco Popular notifica que o seu conselho de administração avaliou que o banco se encontrava em risco de insolvência.»

280    Nessa carta, o conselho de administração do Banco Popular reconheceu que o banco se deparava com graves problemas de liquidez e que se encontrava numa situação de risco de insolvência. Há que considerar que, contrariamente ao que afirma a recorrente, esta carta não pode ser rejeitada por ser desprovida de pertinência.

281    Em terceiro lugar, no artigo 2.o do programa de resolução, o CUR recordou a conclusão da avaliação do BCE e concluiu, no artigo 2.2., que, seguindo a avaliação do BCE, estava preenchida condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014.

282    Assim, no caso, a situação ou o risco de insolvência do Banco Popular foram declarados com base no artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, segundo o qual, para efeitos do n.o 1, alínea a), do mesmo artigo, se considera a entidade em situação ou risco de insolvência se estiver na seguinte situação:

«A entidade é incapaz, ou existem elementos objetivos que permitem concluir que irá ser, dentro de pouco tempo, incapaz de pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento.»

283    Refira‑se que nem o BCE nem o CUR se basearam na situação prevista no artigo 18.o, n.o 4, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, segundo a qual se considera que uma entidade se encontra em situação ou em risco de insolvência quando «[o]s ativos da entidade são, ou existem elementos objetivos que permitem concluir que irão ser, dentro de pouco tempo, inferiores aos seus passivos».

284    Assim, a insolvência da entidade não é condição para a declaração da situação ou do risco de insolvência com base no artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014 e, portanto, não é condição para a adoção de um programa de resolução.

285    A esse respeito, resulta do considerando 57 do Regulamento n.o 806/2014 que:

«A decisão de colocar uma entidade sob resolução deverá ser tomada antes que o balanço da entidade financeira reflita uma situação de insolvência e antes que os seus capitais próprios desapareçam completamente. A resolução deverá ter início após ter sido determinado que uma entidade se encontra em situação ou em risco de insolvência e que nenhumas medidas alternativas do setor privado podem impedir tal situação de insolvência num prazo razoável.»

286    Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a insolvência do Banco Popular não constituía a única hipótese em que este podia ser considerado numa situação ou em risco de insolvência na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014. Com efeito, o facto de uma entidade ser solvente à luz do seu balanço não implica que disponha de tesouraria suficiente, a saber, fundos disponíveis para pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento.

287    A este respeito, resulta nomeadamente do excerto da carta da presidente do Conselho de Supervisão do BCE, de 25 de julho de 2017, dirigida a um membro do Parlamento mencionado pela recorrente, que:

«A decisão do BCE de que o banco se encontrava numa situação ou risco de insolvência foi tomada com base na insuficiência de liquidez. Nessa data, os elementos objetivos não eram suficientes para que o BCE determinasse que o banco estava em situação ou risco de insolvência com base na sua situação de capital. É certo que o BCE vigiou de perto não apenas a posição de liquidez mas também a posição de capital do banco. Os seus problemas estruturais (alto nível de ativos não eficientes, a sua fraca cobertura e a sua fraca rentabilidade) refletem‑se nas correspondentes exigências de fundos próprios estabelecidas pelo BCE.»

288    Uma vez que a situação prevista no artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014 não exige que a entidade em causa seja insolvente, os elementos invocados pela recorrente para demonstrar a solvabilidade do Banco Popular são inoperantes e a recorrente alega erradamente que o CUR violou o seu dever de diligência ou o seu dever de fundamentação ao não ter em conta esses elementos.

289    Em segundo lugar, a recorrente salienta que o CUR concluiu que o Banco Popular estava em insolvência devido a problemas de liquidez, nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, apesar de os problemas de liquidez não fazerem parte de nenhuma das situações previstas no artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014. A título subsidiário, o CUR violou o seu dever de fundamentação, na medida em que não foi explicado por que motivo um problema de liquidez se enquadra nos casos previstos no artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014.

290    A esse respeito, refira‑se que, no considerando 23 do programa de resolução, o CUR, referindo‑se à avaliação efetuada pelo BCE, concluiu que a situação de tesouraria do Banco Popular se tinha deteriorado de forma significativa desde outubro de 2016, devido a levantamentos de depósitos em todos os segmentos de clientela. Daí deduziu que o banco não dispunha de opções suficientes para restabelecer a sua posição de liquidez a fim de se certificar de que estaria em posição estável para cumprir as suas obrigações no vencimento.

291    No programa de resolução, o CUR enumerou os diferentes acontecimentos que conduziram, desde fevereiro de 2017, a uma deterioração rápida da posição de liquidez do Banco Popular. O CUR faz referência, nomeadamente, à publicação, em fevereiro de 2017, do relatório anual de 2016 do Banco Popular que anunciava uma perda consolidada de 3 485 milhões de euros, uma necessidade de provisões excecionais no montante de 5 700 milhões de euros e a nomeação de um novo presidente, bem como à publicação, em maio de 2017, do relatório financeiro para o primeiro trimestre de 2017, anunciando resultados menos bons que os esperados pelo mercado. O CUR mencionou as descidas nas notações do Banco Popular por diferentes agências de notação em fevereiro, abril e junho de 2017. Referiu igualmente que a cobertura mediática negativa contínua sobre os resultados financeiros e sobre o risco alegadamente iminente de falência ou de iliquidez do Banco Popular tinha provocado um aumento dos levantamentos de depósitos.

292    Além disso, o CUR indicou que, em 12 de maio de 2017, a exigência de cobertura das necessidades de liquidez do Banco Popular tinha passado abaixo do limite mínimo de 80 % fixado pelo artigo 460.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 575/2013 e que o Banco Popular não tinha conseguido restabelecer a sua conformidade com esse limite à data do programa de resolução.

293    O artigo 412.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013 define o requisito de cobertura de liquidez do seguinte modo:

«As instituições dispõem de ativos líquidos cujo valor total cubra as saídas de liquidez deduzidas das entradas de liquidez em condições de esforço, de modo a assegurar que as instituições mantêm reservas prudenciais de liquidez adequadas para fazer face a eventuais desequilíbrios entre as entradas e as saídas de liquidez em condições de esforço agravadas durante um período de trinta dias. Em períodos de esforço, as instituições podem utilizar os seus ativos líquidos para cobrir as saídas de liquidez líquidas.»

294    Além disso, como salienta o CUR, estes diferentes elementos figuram nas orientações da Autoridade Bancária Europeia (ABE), de 6 de agosto de 2015, relativas à interpretação das diferentes situações em que uma instituição deve ser considerada em situação ou risco de insolvência por força do artigo 32.o, n.o 6, da Diretiva 2014/59 (EBA/GL/2015/07) (a seguir «orientações da ABE»).

295    Essas orientações, aplicáveis desde 1 de janeiro de 2016, têm por objeto fornecer um conjunto de elementos objetivos que permitam determinar se uma entidade está em situação ou risco de insolvência, nas circunstâncias previstas no artigo 32.o, n.o 4, alíneas a) a c), da Diretiva 2014/59. A redação do artigo 32.o, n.o 4, alínea c), da Diretiva 2014/59 é idêntica à do artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

296    O artigo 5.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que o CUR, o Conselho e a Comissão devem envidar todos os esforços para dar cumprimento às orientações e recomendações da ABE relativas às funções que podem ser desempenhadas por esses órgãos.

297    Segundo as orientações da ABE, uma instituição deve ser considerada em situação ou em risco de insolvência, na aceção do artigo 32.o, n.o 4, alínea c), da Diretiva 2014/59, se deixa de cumprir os requisitos regulamentares de liquidez ou for incapaz ou existam elementos objetivos que permitam concluir que irá ser, dentro de pouco tempo, incapaz de pagar as suas dívidas e obrigações na data do vencimento.

298    Entre os elementos a ter em conta, as orientações da ABE referem, nomeadamente, primeiro: acontecimentos adversos significativos que afetem a evolução da posição de liquidez da instituição e a sustentabilidade do seu perfil de financiamento, bem como o cumprimento dos requisitos mínimos de liquidez estipulados no Regulamento (UE) n.o 575/2013 e os requisitos adicionais impostos ao abrigo do artigo 105.o do mesmo regulamento ou de quaisquer requisitos mínimos de liquidez nacionais; segundo, uma evolução negativa das obrigações atuais e futuras da instituição, cuja avaliação deve ter em conta, sendo caso disso, fluxos de saída de liquidez previstos e excecionais, incluindo os potenciais sinais emergentes de «corridas ao banco»; terceiro, acontecimentos que possam afetar gravemente a reputação da instituição, em particular reduções significativas da notação de risco por uma ou mais agências de notação, caso conduzam a saídas substanciais de fundos ou à incapacidade para renovar financiamentos ou ainda à ativação de fatores de desencadeamento de cláusulas contratuais com base em notações externas.

299    Os diferentes elementos tomados em consideração pelo BCE e pelo CUR, em conformidade com as orientações da ABE, aliás não impugnados pelos recorrentes, permitiram concluir que o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência, na aceção do artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, à data da adoção do programa de resolução.

300    Por conseguinte, a recorrente não tem razão quando alega que o CUR se baseou numa análise incompleta da avaliação do BCE sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular ao basear‑se em circunstâncias que não demonstram um problema de liquidez.

301    É também sem razão que a recorrente sustenta que os problemas de liquidez não fazem parte dos casos de situação ou risco de insolvência previstos no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014. Por último, na medida em que o programa de resolução faz expressamente referência à avaliação do BCE que declarou a situação ou risco de insolvência do Banco Popular com base no artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, a recorrente não pode alegar que o CUR violou o seu dever de fundamentação ao não explicar por que motivo um problema de liquidez se enquadrava nos casos previstos no artigo 18.o, n.o 4, desse regulamento.

302    Por outro lado, resulta igualmente desses elementos que, contrariamente ao que afirma a recorrente, os problemas de liquidez do Banco Popular não podiam ser considerados apenas pontuais. Isto é, aliás, confirmado pelo facto de o próprio banco ter informado o BCE de que estava em situação de insolvência devido a problemas de liquidez.

303    Por último, o argumento da recorrente de que os problemas de liquidez do Banco Popular foram o resultado dos acontecimentos decorrentes das declarações do presidente do CUR e não eram, portanto, imputáveis ao Banco Popular não é pertinente para apreciar a legalidade das decisões recorridas. Com efeito, em aplicação do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, o CUR declarou, no artigo 2.o do programa de resolução, que o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência, com base na avaliação do BCE. As circunstâncias e os motivos que levaram o BCE a concluir pela insolvência do Banco Popular não eram pertinentes.

304    Por conseguinte, a recorrente não demonstrou que o CUR não tinha demonstrado que a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014 estava preenchida, pelo que há que julgar improcedente a primeira alegação.

b)      Quanto à segunda alegação, relativa ao artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014

305    A recorrente alega que o CUR violou o seu dever de diligência e excedeu os limites do seu poder de apreciação ao não analisar as outras medidas de supervisão disponíveis que permitiam resolver os problemas de liquidez do Banco Popular e, subsidiariamente, violou o seu dever de fundamentação.

306    Por um lado, a recorrente alega que um conjunto de elementos demonstram que o Banco Popular podia obter uma injeção de liquidez de emergência e que não resulta do programa de resolução que o CUR tenha analisado esses elementos. Por outro lado, o CUR ignorou que iria ser anunciado um aumento de capital e que o Barclays Bank e o Deutsche Bank teriam garantido a subscrição da totalidade do aumento.

307    Em primeiro lugar, a recorrente alega que tinha sido aprovada uma injeção de liquidez de emergência na medida em que o Banco Popular oferecera garantias suficientes e que, tendo este último recebido apenas uma parte do montante dessa injeção, ainda estava disponível uma injeção suplementar. Esse montante era considerado suficiente para ultrapassar a crise de liquidez do Banco Popular. Alega que tinham sido prestadas garantias suficientes pelo Banco Popular e que essas garantias ascendiam, segundo a imprensa, a 40 mil milhões de euros, o que constituía um montante suficiente à luz dos critérios regulamentares.

308    Refira‑se, a este respeito, que, na sua avaliação sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, o BCE salientou que, apesar de o Banco Popular ter desenvolvido diversas medidas geradoras de liquidez suplementares nas semanas anteriores à avaliação e ter começado a aplicá‑las, a amplitude dos fluxos de entrada realizados e ainda esperados era insuficiente para solucionar o esgotamento da situação de tesouraria do Banco Popular à data dessa avaliação. Indicou igualmente que, mesmo com recurso à injeção de liquidez de emergência à qual o Conselho do BCE não tinha oposto objeções em 5 de junho de 2017, a situação de tesouraria nessa data não bastava para garantir a capacidade do Banco Popular para fazer face aos seus compromissos até 7 de junho de 2017.

309    No considerando 26, alínea c), do programa de resolução, o CUR observou que o Banco Popular tinha recebido uma primeira injeção de liquidez de emergência em 5 de junho de 2017, na sequência da inexistência de objeções do BCE, mas que o Banco de Espanha não tinha podido conceder‑lhe uma injeção adicional de liquidez de emergência.

310    A este respeito, há que observar que, num ofício de 5 de junho de 2017, o Banco de Espanha pediu ao BCE o seu acordo para conceder uma injeção de liquidez de emergência ao Banco Popular com data de vencimento em 14 de junho de 2017, para fazer face à grave crise de liquidez de que sofria. Ora, logo no mesmo dia, o Banco de Espanha enviou um novo ofício ao BCE, que continha um pedido de extensão da injeção de liquidez de emergência ao Banco Popular, tendo‑o informado de enormes movimentos de liquidez, com data de vencimento em 21 de junho. Esses dois ofícios transmitidos no mesmo dia ao BCE revelam a rapidez com que a situação de liquidez do Banco Popular se tinha deteriorado.

311    Assim, o CUR declarou, no artigo 3.o 2, alínea d), do programa de resolução, que uma injeção de liquidez de emergência teria sido insuficiente à luz da rapidez da deterioração da posição de liquidez do Banco Popular.

312    Refira‑se ainda que, no dia seguinte a essa primeira injeção de liquidez de emergência, 6 de junho de 2017, devido à amplitude e à rapidez das retiradas de liquidez, o BCE e o conselho de administração do Banco Popular concluíram que o banco já estaria incapaz de pagar as suas dívidas e outras obrigações no vencimento em 7 de junho. Assim, tendo sido declarada a insolvência do Banco Popular, já não era de considerar uma injeção adicional de liquidez de emergência.

313    Além disso, há que lembrar que o CUR não desempenha nenhum papel na disponibilização de uma injeção de liquidez de emergência, que é da competência dos bancos centrais nacionais. Por conseguinte, como alega o CUR, não lhe incumbe apresentar justificações quanto à indisponibilidade de uma injeção de liquidez de emergência ou ao facto de não estar disponível no prazo fixado uma injeção de liquidez de emergência.

314    Por conseguinte, no programa de resolução, o CUR apenas pôde constatar, por um lado, que o BCE, na sua avaliação sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, tinha considerado que a injeção de liquidez de emergência que tinha aprovado não teria permitido solucionar a crise de liquidez do Banco Popular e, por outro, que o Banco de Espanha não tinha concedido uma injeção adicional de liquidez de emergência ao Banco Popular.

315    A recorrente não pode, portanto, acusar o CUR de não ter verificado, no programa de resolução, se era possível o Banco Popular obter uma injeção de liquidez de emergência suplementar.

316    Em segundo lugar, a recorrente acusa o CUR de ter ignorado que iria ser anunciado um aumento de capital e que o Barclays Bank e o Deutsche Bank tinham garantido a subscrição da totalidade do aumento. Segundo a recorrente, essa medida teria permitido restaurar a perda de confiança e, adicionada à concessão de um empréstimo ou de uma injeção de liquidez de emergência, poderia ter resolvido a crise pontual. Acrescenta que certos acionistas do Banco Popular estavam dispostos a recorrer a um eventual aumento de capital.

317    Quanto às cartas do Barclays Bank e do Deutsche Bank, cujos excertos estão anexos à réplica, não contêm nenhum compromisso firme desses bancos de participarem num aumento de capital do Banco Popular, refletindo simples discussões sobre um potencial aumento de capital futuro. Essas cartas revelam que, à data do seu envio, o projeto de aumento de capital do Banco Popular ainda estava numa fase de elaboração muito precoce.

318    Na sua carta de 3 de junho de 2017 ao Banco Popular, o Barclays Bank faz unicamente referência a discussões recentes relativas a um aumento de capital, cujo objetivo seria o Banco Popular cobrir as suas necessidades de aprovisionamento adicionais e atingir níveis de capital significativamente superiores, a fim de atenuar os desafios decorrentes de uma exposição particular em matéria de imobiliário e de outros ativos não produtivos com que se defrontava. Assim, nessa carta, por um lado, nada indica que o Barclays Bank estivesse disposto a participar financeiramente nesse aumento de capital e, por outro, não menciona a crise de liquidez com que o Banco Popular se confrontava e não propõe nenhuma solução para isso.

319    Na sua carta de 5 de junho de 2017 ao Banco Popular, o Deutsche Bank apenas refere o seu interesse em assegurar 50 % de um possível aumento de capital de 4 mil milhões de euros. O Deutsche Bank indica apenas que «existem evidentemente certas condições, mas [que] a carta se baseia na nossa convicção de que, em circunstâncias que pensamos poderem ser realizadas de forma realista, poderá ser realizado um aumento [de capital] que estabilize o banco». Por conseguinte, esta carta não pode ser interpretada no sentido de que contém um compromisso firme do Deutsche Bank e não diz respeito a uma solução destinada a resolver a crise de liquidez do Banco Popular.

320    Além disso, resulta das declarações de certos acionistas do Banco Popular, que figuram em anexo às observações sobre o articulado de intervenção do Reino de Espanha, daí resulta que o projeto de aumento de capital pelos acionistas do Banco Popular estava apenas numa fase preparatória à data da resolução. A este respeito, há que citar um excerto da declaração de Del Valle Ruiz, na qual indica que ele e outro investidor falaram, em 2 de junho de 2017, com vista à organização de uma reunião com um banco de investimentos sobre a melhor forma de estruturar o aumento de capital e que essa reunião tinha sido fixada para 5 de junho de 2017.

321    Refira‑se que o argumento da recorrente assenta na hipótese puramente teórica de esses aumentos de capital se poderem concretizar num prazo suficientemente curto para permitir evitar a situação ou risco de insolvência do Banco Popular. Além disso, há que salientar que a recorrente não explica em que medida um aumento de capital teria sido suscetível de resolver os problemas de liquidez com que o Banco Popular se defrontava e que ela própria reconhece que essa medida não podia ser equacionada sem o complemento de um empréstimo ou de uma injeção de liquidez de emergência. Por último, há que observar que, se o próprio banco verificou, em 6 de junho de 2017, que estava em situação de insolvência, foi porque considerava que essas medidas não eram possíveis.

322    Por conseguinte, como alega o CUR, não era necessário, no programa de resolução, equacionar, para as rejeitar, medidas que não permitissem fornecer a liquidez necessária ao Banco Popular para fazer face aos levantamentos de depósitos e que não pudessem ser aplicadas num prazo suficiente para impedir a sua insolvência. Em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, o CUR podia legitimamente limitar a sua apreciação às medidas que podiam efetivamente ser aplicadas tendo em conta os prazos fixados e as circunstâncias.

323    Em terceiro lugar, a recorrente acusa o CUR de não ter examinado outras medidas de supervisão previstas no artigo 86.o da Diretiva 2013/36.

324    Há que observar que o artigo 86.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 prevê que «[a]s autoridades competentes asseguram que as instituições disponham de estratégias, políticas, procedimentos e sistemas eficazes para a identificação, avaliação, gestão e controlo do risco de liquidez tendo por referência um conjunto de horizontes temporais apropriados, incluindo o intradiário, de forma a garantir que as instituições mantenham níveis adequados de reservas prudenciais de liquidez». Segundo o n.o 3 desse artigo, mencionado pela recorrente, «[a]s As autoridades competentes asseguram que as instituições, tendo em conta a natureza, escala e complexidade das suas atividades, tenham perfis de risco de liquidez adequados ao perfil necessário para o bom funcionamento e a solidez do sistema e não superiores a este último».

325    Basta observar, como faz a Comissão, que esta disposição não pode ser considerada uma solução plausível para os problemas de liquidez do Banco Popular. Com efeito, a situação ou risco de insolvência do Banco Popular resultava precisamente do facto de não ter podido respeitar essas exigências em matéria de liquidez.

326    Por conseguinte, a recorrente não demonstrou que o CUR tinha incumprido o seu dever de diligência ou violado o seu dever de fundamentação ao não examinar as outras medidas de vigilância por si invocadas nem que não tinha demonstrado que estava preenchido o requisito do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014.

327    Por conseguinte, há que julgar improcedentes a segunda alegação e o oitavo fundamento.

5.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação e dos direitos de defesa, consagrados nos artigos 15.o e 296.o TFUE e nos artigos 42.o e 47.o da Carta

328    A recorrente alega que o CUR violou o dever de fundamentação e os direitos de defesa, consagrados nos artigos 15.o e 296.o TFUE e nos artigos 42.o e 47.o da Carta, na medida em que a fundamentação do programa de resolução é insuficiente e contraditória e não esteve inteiramente acessível, na medida em que foi declarada confidencial.

329    Este fundamento divide‑se, em substância, em duas alegações, relativas, a primeira, à violação do dever de fundamentação e, a segunda, à violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

a)      Quanto à primeira alegação, relativa à violação do dever de fundamentação

330    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. Não é necessário que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.os 85 e 87 e jurisprudência referida, e de 21 de outubro de 2020, BCE/Estate of Espírito Santo Financial Group, C‑396/19 P, não publicado, EU:C:2020:845, n.o 41 e jurisprudência referida).

331    Além disso, o grau de precisão da fundamentação de um ato deve ser proporcionado às possibilidades materiais e às condições técnicas ou de prazo em que este deve ser adotado (v. Acórdãos de 6 de novembro de 2012, Éditions Odile Jacob/Comissão, C‑551/10 P, EU:C:2012:681, n.o 48 e jurisprudência referida; de 23 de maio de 2019, KPN/Comissão, T‑370/17, EU:T:2019:354, n.o 139 e jurisprudência referida; e de 27 de janeiro de 2021, KPN/Comissão, T‑691/18, não publicado, EU:T:2021:43, n.o 162).

332    A recorrente alega que a fundamentação do programa de resolução é insuficiente e contraditória.

333    Em primeiro lugar, alega a existência de uma contradição entre o considerando 24 do programa de resolução, relativo aos problemas de liquidez do Banco Popular, e o considerando 26, respeitante a medidas relativas a um problema de solvabilidade.

334    Estes dois considerandos dizem respeito à descrição da situação do Banco Popular antes da adoção do programa de resolução. No considerando 24 do programa de resolução, o CUR enumera as circunstâncias que conduziram à crise de liquidez do Banco Popular. O considerando 26 diz respeito às medidas que tinham sido previstas pelo Banco Popular, antes da adoção do programa de resolução, para tentar resolver os seus problemas de liquidez. Não existe, portanto, contradição entre estes dois considerandos.

335    Além disso, contrariamente ao que parece sustentar a recorrente, o considerando 26 não visa soluções que o CUR tenha proposto no programa de resolução para resolver os problemas de liquidez do Banco Popular. O facto de a recorrente considerar que as medidas previstas pelo Banco Popular durante as semanas que precederam a resolução, mencionadas no considerando 26 do programa de resolução, eram medidas que pareciam dizer respeito a um problema de solvabilidade e não de liquidez não é pertinente.

336    Segundo, a recorrente alega que o CUR não explicou por que motivo o instrumento de alienação da atividade seria uma medida adequada e proporcionada para resolver um problema de liquidez.

337    A este respeito, como salienta o CUR, o instrumento de alienação da atividade, definido no artigo 24.o do Regulamento n.o 806/2014, aplica‑se a todas as situações em que uma entidade seja considerada em situação ou risco de insolvência. Nenhum elemento permite supor que este instrumento não seja adaptado a uma crise de liquidez.

338    Além disso, o CUR explicou, nos artigos 4.o e 5.o do programa de resolução, a necessidade e a proporcionalidade do instrumento de alienação da atividade à luz dos objetivos da resolução e indicou que os outros instrumentos de resolução previstos no artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014 não permitiam atingir esses objetivos na mesma medida.

339    Mais especificamente, o CUR considerou, no artigo 5.3. do programa de resolução, que os outros instrumentos de resolução previstos no artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 não cumpriam os objetivos da resolução na mesma medida. Quanto ao instrumento de recapitalização interna, o CUR considerou que, mesmo conjugado com o instrumento de segregação de ativos, não se podia garantir que permitiria imediatamente solucionar eficazmente a situação de liquidez do Banco Popular e, portanto, restabelecer a sua solidez financeira e a sua viabilidade a longo prazo. Quanto ao instrumento da instituição de transição, o CUR considerou que, mesmo conjugado com o instrumento de segregação dos ativos, uma vez que a instituição de transição visava manter o acesso às funções críticas e vender o Banco Popular num prazo de, em princípio, dois anos e, na medida em que o instrumento de alienação da atividade permitia atingir o mesmo resultado num prazo curto, considerava‑se que este último permitia atingir os objetivos da resolução mais eficazmente do que o da instituição de transição.

340    O CUR justificou, assim, as razões pelas quais o instrumento de alienação da atividade era a medida de resolução adequada à situação de incumprimento do Banco Popular, a saber, uma crise de liquidez.

341    Em terceiro lugar, a recorrente alega que a avaliação 2 revela outra contradição, a saber, que o CUR considerou que o Banco Popular era solvente, mas que tinha um valor negativo inferior a 8,2 mil milhões de euros.

342    Refira‑se, a este respeito, que, na avaliação 2, a Deloitte indicou que o resultado da sua avaliação se situava num intervalo compreendido entre 1 300 milhões e menos 8 200 milhões de euros, com a melhor estimativa situada no interior desse intervalo em menos 2 000 milhões de euros.

343    Esta avaliação diz respeito ao valor de cessão do Banco Popular, que corresponde ao que um potencial adquirente estaria disposto a pagar pelo Banco Popular nas circunstâncias existentes à data da adoção do programa de resolução. Trata‑se, portanto, do valor económico do Banco Popular e não do seu valor contabilístico.

344    Por conseguinte, a constatação da solvabilidade do Banco Popular do ponto de vista contabilístico não está em contradição com a estimativa negativa do seu valor de cessão.

345    Em quarto lugar, a recorrente sustenta que os dados confidenciais eram essenciais para a compreensão do raciocínio seguido e que ignora em que consistiu a crise de liquidez do Banco Popular. Refere que o considerando 25 do programa de resolução se limita a mencionar que «as circunstâncias acima referidas deram origem a grandes levantamentos de depósitos […]».

346    Basta observar que as circunstâncias que levaram à crise de liquidez do Banco Popular entre fevereiro de 2017 e a data da resolução são explicadas no considerando 24 do programa de resolução.

347    Além disso, no considerando 23 do programa de resolução, o CUR, com base na avaliação efetuada pelo BCE, considerou que a situação de liquidez do Banco Popular se tinha deteriorado de forma significativa desde outubro de 2016, devido à retirada de depósitos em todos os segmentos de clientela. Daí deduziu que o banco não dispunha de opções suficientes para restabelecer a sua posição de liquidez a fim de garantir que estaria em posição estável para pagar as suas obrigações no vencimento.

348    No considerando 26, alínea c), do programa de resolução, o CUR constatou igualmente que o Banco Popular tinha recebido uma primeira injeção de liquidez de emergência em 5 de junho de 2017, na sequência do acordo dado pelo BCE, mas que o Banco de Espanha não tinha sido capaz de lhe conceder uma injeção de liquidez de emergência suplementar.

349    Há que considerar que estes elementos são suficientes para compreender a gravidade da crise de liquidez que o Banco Popular tinha que enfrentar.

350    A constatação, pelo BCE, da situação ou risco de insolvência do Banco Popular, devido à deterioração da sua situação de liquidez, é suficiente para compreender a justificação das medidas adotadas pelo CUR, sem que seja necessário conhecer exatamente o montante dos levantamentos de depósitos.

351    Como indica o primeiro período do considerando 25 do programa de resolução, este último contém dados confidenciais relativos ao montante dos levantamentos de depósitos. A recorrente não explica de que modo essas informações são essenciais para a compreensão do raciocínio seguido no programa de resolução.

352    A este respeito, a recorrente remete para o anexo C.7 da réplica, que supostamente explica os dados em falta. Ora, esse anexo contém uma tabela comparativa das três versões do programa de resolução publicadas sucessivamente, que indica unicamente que, no que respeita ao considerando 25, não foi completado.

353    Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou uma violação do dever de fundamentação e que improcede a primeira alegação.

b)      Quanto `segunda alegação, relativa à violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

354    A recorrente alega que não teve acesso à totalidade do programa de resolução, uma vez que as partes essenciais deste não foram publicadas e que os seus pedidos de acesso foram indeferidos. Por conseguinte, não conhece as razões que levaram o CUR a privá‑la do seu direito de propriedade, o que constitui uma violação dos seus direitos de defesa e do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta. Sustenta que lhe é necessário ter acesso ao texto completo do programa de resolução para exercer os seus direitos de defesa e que a confidencialidade do programa de resolução não é justificada.

355    No que respeita ao princípio da proteção jurisdicional efetiva, o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta dispõe que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos nesse artigo. Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta exige, nomeadamente, que o interessado possa defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir, com pleno conhecimento de causa, se é útil apresentar ao juiz competente uma ação contra uma determinada entidade (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Banco de Portugal e o., C‑504/19, EU:C:2021:335, n.o 57 e jurisprudência referida).

356    A este respeito, resulta de jurisprudência constante que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta exige que o interessado possa conhecer os motivos nos quais se baseia a decisão tomada a seu respeito, quer através da leitura da própria decisão, quer através de uma comunicação destes motivos feita a seu pedido, sem prejuízo do poder do juiz competente de exigir da autoridade em causa que os comunique, para lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente, bem como para dar a este último condições para exercer plenamente a fiscalização da legalidade da decisão nacional em causa (v. Acórdãos de 26 de abril de 2018, Donnellan, C‑34/17, EU:C:2018:282, n.o 55 e jurisprudência referida; de 24 de novembro de 2020, Minister van Buitenlandse Zaken, C‑225/19 e C‑226/19, EU:C:2020:951, n.o 43 e jurisprudência referida, e de 3 de fevereiro de 2021, Ramazani Shadary/Conselho, T‑122/19, não publicado, EU:T:2021:61, n.o 50 e jurisprudência referida).

357    Quanto à comunicação do programa de resolução, há que lembrar que a recorrente não é sua destinatária, pois é dirigido ao FROB. A recorrente deve ser considerada terceiro e não dispõe, portanto, de um direito à comunicação do programa de resolução.

358    A este respeito, há que salientar que não tem razão a recorrente quando se baseia na jurisprudência em matéria de medidas restritivas, segundo a qual o respeito da obrigação de comunicar os fundamentos de uma decisão é necessário para permitir aos destinatários dessas medidas defenderem os seus direitos nas melhores condições e para respeitar o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

359    Com efeito, diversamente das medidas restritivas pelas quais é aplicada a uma pessoa uma medida individual de sanção económica e financeira (congelamento de fundos), o programa de resolução não constitui uma medida individual tomada contra os acionistas do Banco Popular nem, portanto, contra a recorrente. Por conseguinte, a jurisprudência referida pela recorrente segundo a qual devem ser comunicados os fundamentos à pessoa visada por uma medida restritiva, enquanto destinatária de tal decisão, não é aplicável no caso presente.

360    Quanto à publicação do programa de resolução, nos termos do artigo 29.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR publica no seu sítio Internet oficial uma cópia do programa de resolução ou uma comunicação que resume os efeitos da medida de resolução, em particular os efeitos sobre a clientela a retalho.

361    No caso, em 7 de junho de 2017, o CUR publicou no seu sítio Internet uma comunicação que informava da adoção do programa de resolução acompanhado de um documento que resumia os efeitos da resolução em conformidade com o artigo 29.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014. Em 11 de julho de 2017, o CUR publicou uma versão não confidencial do programa de resolução. O CUR publicou igualmente no seu sítio Internet, em 2 de fevereiro de 2018 e depois em 31 de outubro de 2018, ou seja, antes da apresentação da réplica, versões não confidenciais menos expurgadas do programa de resolução e das avaliações 1 e 2.

362    Além disso, o artigo 88.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe:

«Antes da divulgação de quaisquer informações, o CUR assegura que as mesmas não incluem informações confidenciais, procedendo, nomeadamente, à avaliação dos efeitos que a divulgação dessas informações pode ter no interesse público no que respeita à política financeira, monetária ou económica, nos interesses comerciais de pessoas singulares e coletivas, no objetivo das inspeções, nas investigações e nas auditorias. O procedimento de verificação dos efeitos da divulgação das informações inclui uma avaliação específica dos efeitos da divulgação do teor e dos pormenores dos planos de resolução a que se referem os artigos 8.o e 9.o, do resultado da avaliação efetuada nos termos do artigo 10.o ou do programa de resolução a que se refere o artigo 18.o»

363    Esta disposição prevê expressamente a obrigação de o CUR se assegurar, antes da publicação ou da comunicação do programa de resolução a um terceiro, de que este não contém informações confidenciais. Essa obrigação aplica‑se igualmente à avaliação 2, que constitui um anexo do programa de resolução e que dele faz parte integrante por força do artigo 12.2 do referido programa.

364    A recorrente alega que a confidencialidade do programa de resolução não encontra fundamento no Regulamento n.o 806/2014 e é contrária ao Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), bem como ao princípio da transparência, consagrado no artigo 15.o TFUE e no artigo 42.o da Carta.

365    A esse respeito, refira‑se que o CUR tem a obrigação de proteger os dados confidenciais de todas as entidades, incluindo os segredos comerciais, por força do artigo 339.o TFUE, do artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta e do artigo 88.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014.

366    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que resulta do considerando 116 do Regulamento n.o 806/2014 que as obrigações de confidencialidade só se aplicam enquanto a decisão de resolução não for tornada pública.

367    O considerando 116 do Regulamento n.o 806/2014 prevê:

«As medidas de resolução deverão ser devidamente notificadas e, salvas as exceções restritas estabelecidas no presente regulamento, tornadas públicas. No entanto, dado que as informações obtidas pelo CUR, pelas autoridades nacionais de resolução e os seus consultores profissionais durante o processo de resolução serão provavelmente sensíveis, essas informações deverão ser sujeitas a requisitos em matéria de segredo profissional até à divulgação da decisão de resolução. É necessário ter em conta que a informação sobre o teor e os pormenores dos planos de resolução e os resultados de qualquer avaliação desses planos podem ter efeitos de grande alcance, nomeadamente nas empresas em causa. Dever‑se‑á presumir que qualquer informação fornecida a propósito de uma decisão antes de esta ser tomada, seja sobre se as condições para a resolução estão reunidas, seja sobre a utilização de um instrumento específico ou de qualquer medida durante o processo, tem efeitos sobre os interesses públicos e privados afetados pela ação. Contudo, a informação de que o CUR e a autoridade nacional de resolução estão a examinar uma entidade específica pode ser suficiente para ter efeitos negativos para essa entidade. Por conseguinte, é necessário assegurar que existam mecanismos adequados para manter a confidencialidade dessa informação, como o teor e os pormenores dos planos de resolução e os resultados de qualquer avaliação realizada nesse contexto.»

368    Por um lado, resulta desse considerando que determinadas informações na posse do CUR, contidas no programa de resolução, na avaliação 2 e nos documentos em que se baseou, estão abrangidas pelo segredo profissional e são confidenciais.

369    A esse respeito, resulta do artigo 34.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 que, para efeitos do exercício das suas funções nos termos desse regulamento, o CUR pode, quer por intermédio das autoridades de resolução nacionais, quer diretamente, após tê‑las informado disso, fazendo uso pleno de todas as informações de que dispõem o BCE ou as autoridades nacionais competentes, exigir nomeadamente às entidades visadas por uma medida de resolução que prestem todas as informações necessárias ao desempenho das atribuições que o referido regulamento lhe confere. O n.o 2 deste artigo precisa que as exigências de segredo profissional não dispensam essas entidades da obrigação de prestar essas informações. O artigo 34.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que o CUR pode obter, mesmo permanentemente, todas as informações necessárias ao exercício das suas funções ao abrigo desse regulamento, nomeadamente sobre capital, liquidez, ativos e passivos de qualquer instituição sujeita aos seus poderes de resolução.

370    O Tribunal de Justiça já declarou, no que respeita à Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO 2004, L 145, p. 1), que o funcionamento eficaz do sistema de controlo da atividade das empresas de investimento, baseado numa supervisão exercida no interior de um Estado‑Membro e na troca de informações entre as autoridades competentes de vários Estados‑Membros, exige que tanto as empresas supervisionadas como as autoridades competentes possam estar seguras de que as informações confidenciais fornecidas mantêm, em princípio, o seu caráter confidencial (v. Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 31 e jurisprudência referida).

371    O Tribunal de Justiça considerou que a falta dessa confiança poderia comprometer a transmissão harmoniosa das informações confidenciais necessárias ao exercício da atividade de supervisão. Por conseguinte, é para proteger não só os interesses específicos das empresas diretamente afetadas mas também o interesse geral ligado ao funcionamento normal dos mercados de instrumentos financeiros da União que o artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39 impõe, como regra geral, a obrigação de guardar o segredo profissional (v. Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida).

372    Ora, há que referir que o artigo 88.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, relativo às exigências de segredo profissional dos membros do CUR, contém uma disposição equivalente ao artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39.

373    Por outro lado, é certo que o considerando 116 do Regulamento n.o 806/2014 menciona as obrigações de segredo profissional do CUR antes de ser adotada uma decisão de resolução. Indica que, na medida em que determinadas informações detidas pelo CUR são sensíveis e estão abrangidas pelo segredo comercial, não devem ser comunicadas ao público antes da adoção de uma medida de resolução. Com efeito, a comunicação de informações sobre o facto de uma entidade estar em situação ou risco de insolvência e de poder ser objeto de uma medida de resolução pode, nomeadamente, incentivar os acionistas a venderem os seus títulos nos mercados e também conduzir a uma retirada maciça dos depósitos, o que teria como consequência agravar a situação financeira do banco e, portanto, prejudicar a eficácia de uma ação do CUR e o funcionamento do mercado.

374    Todavia, este considerando também indica expressamente que as medidas de resolução «deverão ser devidamente notificadas e, salvas as exceções restritas estabelecidas no presente regulamento, tornadas públicas». Ora, há que lembrar que o artigo 88.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, acima referido no n.o 362, prevê expressamente a obrigação de o CUR se assegurar, antes da divulgação do programa de resolução, de que este não contém informações confidenciais.

375    Daqui resulta que o considerando 116 do Regulamento n.o 806/2014 não pode ser interpretado no sentido de que as regras de confidencialidade e de segredo profissional só se aplicam enquanto a decisão de resolução não for tornada pública.

376    Em segundo lugar, a recorrente faz referência ao artigo 88.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014, segundo o qual «[a]s informações sujeitas aos requisitos em matéria de segredo profissional não podem ser divulgadas a outra entidade pública ou privada, salvo se tal divulgação for necessária no âmbito de ações judiciais».

377    Ora, esta disposição não pode significar que o CUR tem a obrigação de divulgar a totalidade de uma decisão de resolução a partir do momento em que é instaurado um processo judicial. Esta disposição remete para a possibilidade de um órgão jurisdicional ordenar a apresentação de documentos, incluindo informações confidenciais.

378    A este respeito, o Tribunal Geral tem a faculdade de pedir ao CUR a apresentação de todos os documentos que considere pertinentes para decidir o litígio, através de uma medida de organização do processo ou de uma diligência de instrução, nos termos do artigo 91.o, alínea b), e do artigo 92.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. No entanto, em conformidade com o artigo 103.o, n.o 1, do mesmo regulamento, o Tribunal Geral pode considerar que certas informações contidas nesses documentos têm caráter confidencial e, assim, decidir que não serão comunicadas às outras partes, nomeadamente aos recorrentes.

379    Daqui resulta que uma decisão do Tribunal de ordenar a junção de documentos não garante às recorrentes o acesso a todos esses documentos se o Tribunal considerar que contêm dados confidenciais.

380    Refira‑se que, no âmbito do presente processo, o Tribunal Geral, em 12 de maio de 2021, por despacho de diligências de instrução, ordenou ao CUR que juntasse determinados documentos, entre os quais as versões confidenciais do programa de resolução, da avaliação 2 e da avaliação do BCE sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular. Em conformidade com o artigo 103.o do Regulamento de Processo, após ter examinado o conteúdo desses documentos, o Tribunal Geral considerou que os elementos que permaneciam ocultos nas versões desses documentos publicadas nos sítios Internet do CUR e do BCE não eram pertinentes para a decisão da presente causa. Por conseguinte, por Despacho de 9 de junho de 2021, o Tribunal Geral desentranhou dos autos as versões confidenciais desses documentos.

381    Em terceiro lugar, a recorrente limita‑se a alegar que a confidencialidade do programa de resolução é contrária ao princípio da transparência e às disposições do Regulamento n.o 1049/2001, relativas ao acesso público aos documentos, sem suscitar qualquer argumento específico.

382    Ora, basta observar que, por um lado, o Regulamento n.o 1049/2001 não é pertinente para a questão de saber se o CUR tinha a obrigação de divulgar a totalidade do programa de resolução e que, por outro, estabelece um regime de acesso público aos documentos que inclui exceções destinadas a garantir a confidencialidade de certos dados.

383    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no que respeita ao artigo 54.o da Diretiva 2004/39, que estabelece um princípio geral de proibição de divulgação das informações confidenciais na posse das autoridades competentes e enuncia de forma taxativa os casos específicos em que essa proibição geral não obsta, excecionalmente, à sua transmissão ou utilização, que não tinha, assim, por objetivo criar um direito de acesso do público às informações na posse das autoridades competentes ou regulamentar detalhadamente o exercício desse direito de acesso, eventualmente reconhecido pelo direito nacional (Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.os 38 e 39).

384    Refira‑se que o artigo 88.o do Regulamento n.o 806/2014 prevê as exigências em matéria de segredo profissional e estabelece, da mesma forma que o artigo 54.o da Diretiva 2004/39, um princípio geral de proibição de divulgação das informações confidenciais na posse do CUR e prevê os casos em que essa proibição geral não impede, excecionalmente, a sua transmissão.

385    A esse respeito, o artigo 54.o da Diretiva 2004/39 responde a um objetivo distinto do prosseguido pelo Regulamento n.o 1049/2001. Com efeito, este último visa conferir ao público um direito de acesso aos documentos das instituições da União o mais amplo possível (v. Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida).

386    Segundo o Tribunal de Justiça, é à luz desse objetivo que o Regulamento n.o 1049/2001 impõe, em princípio, à instituição da União que decida recusar o acesso a um documento que preste explicações quanto à questão de saber de que modo o acesso a esse documento poderia prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido por uma das exceções previstas ao direito de acesso em causa, sem prejuízo da possibilidade de essa instituição se basear, a esse respeito, numa presunção geral de confidencialidade aplicável a uma categoria de documentos quando existam considerações de ordem geral semelhantes suscetíveis de aplicação a pedidos de divulgação de documentos da mesma natureza (v. Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 42 e jurisprudência referida).

387    Concluiu que, em contrapartida, quando, tendo‑lhe sido apresentado por um particular um pedido de acesso a informações relativas a uma empresa supervisionada, as autoridades competentes consideravam que as informações solicitadas eram confidenciais, na aceção do artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39, só podiam dar seguimento a esse pedido nos casos taxativamente enumerados nesse artigo 54.o (Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 43).

388    Há que considerar que essa jurisprudência é aplicável por analogia às informações confidenciais na posse do CUR na aceção do artigo 88.o do Regulamento n.o 806/2014.

389    Quarto, na réplica, a recorrente invoca as Decisões do Comité de Recurso do CUR de 28 de novembro de 2017 e de 19 de junho de 2018, em resposta aos seus pedidos de acesso aos documentos nos termos do artigo 90.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 e do Regulamento n.o 1049/2001, na sequência das quais o CUR publicou, em fevereiro e em outubro de 2018, no seu sítio Internet, versões não confidenciais do programa de resolução e das avaliações 1 e 2, menos expurgadas. Alega que essas decisões do Comité de Recurso do CUR confirmaram que o acesso a uma parte substancial do programa de resolução tinha sido recusado injustificadamente e que a versão deste, publicada em fevereiro de 2018, continha uma confidencialidade excessiva.

390    Refira‑se que o Tribunal de Justiça declarou que, sob pena de comprometer os objetivos prosseguidos pelo artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39, as autoridades competentes são, em princípio, obrigadas a observar a obrigação de segredo profissional que lhes incumbe por força dessa disposição durante todo o período em que as informações que detêm ao abrigo dessa diretiva devam ser consideradas confidenciais. Dito isto, o decurso do tempo constitui uma circunstância normalmente suscetível de influenciar a análise da questão de saber se num dado momento estão preenchidas as condições de que depende a confidencialidade das informações em causa (v. Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.os 48 e 49 e jurisprudência referida).

391    Na medida em que, como já foi referido, o artigo 88.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 contém uma disposição equivalente à do artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39, esta jurisprudência é aplicável no caso presente por analogia.

392    As duas decisões do comité de recurso foram adotadas, respetivamente, mais de seis meses e um ano após a adoção do programa de resolução. Assim, o decurso de vários meses desde a adoção do programa de resolução é suscetível de ter influenciado a análise do caráter confidencial de certos dados constantes do programa de resolução e as avaliações 1 e 2. Daí resulta que a apreciação do comité de recurso na suas Decisões de 28 de novembro de 2017 e 19 de junho de 2018, relativo ao caráter excessivo da confidencialidade de certos dados não põe em o facto de, logo após a adoção do programa de resolução, essa confidencialidade ser justificada. Além disso, o comité de recurso não impôs a publicação integral do programa de resolução ou da avaliação 2, tendo certos dados sido mantidos confidenciais.

393    Daí resulta que não tem razão a recorrente quando sustenta que a confidencialidade de certos dados do programa de resolução era infundada.

394    Por outro lado, há que lembrar que o CUR publicou no seu sítio Internet, em 11 de julho de 2017, uma versão não confidencial do programa de resolução. A recorrente, tendo tido acesso a esta, pôde impugná‑la no Tribunal Geral através do presente recurso, interposto com base no artigo 263.o TFUE, o que demonstra a existência do seu direito a um recurso efetivo.

395    Além disso, posteriormente à interposição do presente recurso e na sequência das decisões do Comité de Recurso do CUR acima referidas no n.o 389, o CUR publicou no seu sítio Internet, em 2 de fevereiro e 31 de outubro de 2018, ou seja, antes da apresentação da réplica, versões não confidenciais menos expurgadas do programa de resolução e das avaliações 1 e 2. A recorrente teve, assim, a possibilidade de apresentar argumentos sobre essas versões.

396    A recorrente alega que, ainda que tenha tido acesso a um maior número de informações, na sequência das publicações, em 2 de fevereiro e 31 de outubro de 2018, do programa de resolução e das avaliações 1 e 2 em versões menos expurgadas, não foi possível sanar a falta de fundamentação após a abertura do processo.

397    A esse respeito, basta observar que as publicações sucessivas no sítio Internet do CUR diziam respeito ao programa de resolução e às avaliações 1 e 2 nas suas versões originais. Essas publicações visavam conceder ao público acesso a partes desses documentos que tinham sido inicialmente consideradas confidenciais. Não se tratava de o CUR publicar informações que não figurassem desde o início no programa de resolução ou nas avaliações 1 e 2 e que tivessem por objeto completar a sua fundamentação.

398    Por último, refira‑se que o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que uma decisão da Comissão que conclui que não existe um auxílio estatal denunciado por um queixoso pode, à luz da obrigação de respeitar o segredo comercial, estar suficientemente fundamentada sem incluir todos os números em que se baseia a argumentação dessa instituição (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.os 108 a 111). Assim, uma versão não confidencial dessa decisão, quando revele de forma clara e inequívoca o raciocínio dessa instituição e a metodologia por ela empregue, de forma a permitir aos interessados conhecerem essas justificações e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização no que lhes diz respeito, é suficiente para cumprir o dever de fundamentação dessa mesma instituição (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Club Hotel Loutraki e o./Comissão, C‑131/15 P, EU:C:2016:989, n.o 55).

399    Além disso, quanto aos elementos económicos utilizados pela Deloitte na avaliação 2 e tidos em conta pelo CUR no programa de resolução, não se pode contestar que se inserem em apreciações técnicas complexas. Uma vez que o programa de resolução mostrava claramente o raciocínio seguido pelo CUR por forma a permitir contestar posteriormente o seu mérito no tribunal competente, seria excessivo exigir uma fundamentação específica para cada uma das escolhas técnicas ou para cada um dos números em que se baseia esse raciocínio (v., por analogia, Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 108 e jurisprudência referida).

400    Ora, por um lado, resulta da análise da primeira alegação que a recorrente não demonstrou que as versões do programa de resolução e da avaliação 2 publicadas no sítio Internet do CUR e às quais teve acesso estavam insuficientemente fundamentadas. Por outro lado, a recorrente não precisou em que medida os dados que permanecem ocultos nas versões não confidenciais do programa de resolução e da avaliação 2 eram necessários para a compreensão do programa de resolução e para o exercício do seu direito à ação.

401    Por conseguinte, há que considerar que a recorrente não pode alegar que um direito de acesso à integralidade do programa de resolução era necessário ao exercício dos seus direitos de defesa ou do seu direito a um recurso efetivo.

402    Resulta do exposto que a segunda alegação deve ser julgada improcedente e, com ela, todo o primeiro fundamento.

6.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans e do artigo 88.o do Regulamento n.o 806/2014

403    A recorrente alega que o CUR violou o princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans e o dever de sigilo profissional previsto no artigo 88.o do Regulamento n.o 806/2014 e no artigo 339.o TFUE, ao adotar um ato lesivo para o Banco Popular e para os seus acionistas devido a uma crise que ele próprio provocou.

404    Sustenta que as declarações prestadas pela presidente do CUR, numa entrevista à Bloomberg TV em 23 de maio de 2017 e num artigo publicado em 31 de maio de 2017 pela Reuters, constituem uma violação do artigo 88.o do Regulamento n.o 806/2014, que prevê uma obrigação de segredo profissional para o pessoal e para os membros do CUR. A recorrente alega que essas declarações provocaram o pânico no público, que retirou massivamente fundos do Banco Popular, o que levou a uma fuga dos depósitos. A recorrente invoca diversos elementos demonstrativos de um nexo de causalidade entre essas declarações e a crise do Banco Popular. Entende que as informações contidas nessas declarações do presidente do CUR de 23 e 31 de maio de 2017 estão na origem da crise de liquidez do Banco Popular, que é o motivo da resolução do Banco Popular.

405    Além disso, a recorrente sustenta que, em conformidade com o princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans, uma instituição não se pode basear nos seus próprios erros para adotar um ato lesivo para um particular.

406    A Comissão considera que, num recurso que tem por objeto a legalidade do programa de resolução, as circunstâncias que possam ter colocado a entidade em dificuldade não têm importância e que a única questão pertinente é a de saber se estavam reunidos os pressupostos jurídicos para a adoção desse programa. O CUR alega igualmente que a validade do programa de resolução exige que a entidade esteja em situação ou risco de insolvência e que os pressupostos previstos no Regulamento n.o 806/2014 estejam preenchidos no momento em que é adotado, quaisquer que sejam as razões que levaram a essa situação.

407    A título preliminar, quanto à invocação pela recorrente do princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans, segundo o qual ninguém pode opor o seu próprio comportamento ilícito a outrem para obter uma vantagem, refira‑se, à semelhança da Comissão e do CUR, que esse princípio não é aplicável no caso presente.

408    Como refere o CUR, este princípio aplica‑se quando uma parte procura beneficiar indevidamente do seu próprio comportamento ilícito. Ora, a recorrente não indica que vantagem o CUR teria retirado da adoção do programa de resolução.

409    Além disso, nenhum dos exemplos retirados da jurisprudência, referidos pela recorrente, permite demonstrar a pertinência desse princípio em apoio de um pedido de anulação de um ato adotado por uma instituição ou um órgão da União. Assim, no n.o 55 do Acórdão de 11 de dezembro de 1996, Barraux e o./Comissão (T‑177/95, EU:T:1996:187), o Tribunal Geral considerou que o argumento de que esse princípio impede o Conselho de adotar um regulamento com efeito retroativo não era pertinente. No n.o 63 do Acórdão de 10 de julho de 2003, Comissão/Fresh Marine (C‑472/00 P, EU:C:2003:399), o Tribunal de Justiça recordou simplesmente uma constatação do Tribunal Geral de que a Fresh Marine contribuiu para o dano devido à sua própria negligência. No n.o 13 do Acórdão de 9 de fevereiro de 1984, Kohler/Tribunal de Contas (316/82, EU:C:1984:49), o Tribunal de Justiça referiu que a argumentação do Tribunal de Contas Europeu relativa à inexistência de forma escrita do ato impugnado, invocada em apoio da inadmissibilidade do recurso, não era procedente, independentemente do facto de que aceitar essa argumentação equivaleria a permitir‑lhe invocar uma violação que ela própria cometeu, para privar a recorrente do seu direito de recurso.

410    Por conseguinte, há que analisar o presente fundamento na medida em que a recorrente alega que o CUR violou o seu dever de sigilo profissional previsto no artigo 339.o TFUE e no artigo 88.o do Regulamento n.o 806/2014.

411    Refira‑se que, admitindo que a recorrente tivesse demonstrado que o CUR tinha divulgado informações confidenciais à imprensa, segundo jurisprudência constante, uma irregularidade desse género pode levar à anulação da decisão em causa se se demonstrar que, sem essa irregularidade, a referida decisão teria tido um conteúdo diferente (v. Acórdãos de 6 de julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, EU:T:2000:180, n.o 283 e jurisprudência referida; de 5 de abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, EU:T:2006:103, n.o 416 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2011, Siemens/Comissão, T‑110/07, EU:T:2011:68, n.o 402 e jurisprudência referida).

412    A esse respeito, como alegam a Comissão e o CUR, é validamente adotado um programa de resolução quando estiverem preenchidas as condições previstas no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, independentemente dos fundamentos que levaram a entidade em causa a uma situação ou a um risco de insolvência.

413    Ora, há que lembrar que os argumentos da recorrente relativos à violação do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 já foram rejeitados no âmbito da análise do oitavo fundamento.

414    Assim, refira‑se que o CUR, tendo considerado que estavam preenchidas as condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, adotou o programa de resolução e a Comissão, tendo considerado que o programa de resolução estava em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 806/2014, aprovou‑o. São irrelevantes as circunstâncias que levaram o Banco Popular a preencher as condições que justificavam a adoção do programa de resolução, nomeadamente a condição de estar em situação ou risco de insolvência.

415    Consequentemente, um alegado nexo de causalidade entre as declarações de 23 e 31 de maio de 2017 e a crise de liquidez do Banco Popular, invocado pela recorrente, é indiferente e não pode conduzir à anulação das decisões recorridas.

416    Por conseguinte, o argumento da recorrente de que o CUR não podia validamente adotar o programa de resolução uma vez que as declarações da sua presidente, efetuadas em violação do seu dever de confidencialidade e do princípio da boa administração, estavam na origem da crise de liquidez do Banco Popular, deve ser julgado inoperante no que respeita à apreciação da legalidade do programa de resolução.

417    De resto, a recorrente não pode validamente sustentar que as divulgações de 23 e 31 de maio de 2017 provocaram a grave crise de liquidez do Banco Popular. Os argumentos da recorrente assentam numa apresentação parcial e errada dos factos na origem da crise de liquidez do Banco Popular e das causas que conduziram à sua situação ou risco de insolvência.

418    Assim, há que lembrar que, na sua avaliação sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, acima referida nos n.os 53 a 61, o BCE mencionou os diferentes acontecimentos que estão na origem da deterioração da situação de liquidez do Banco Popular.

419    No considerando 24 do programa de resolução, o CUR citou outras circunstâncias que levaram à rápida deterioração da situação de liquidez do Banco Popular, a saber:

–        em fevereiro de 2017, o grupo Banco Popular anunciou uma necessidade de provisões excecionais no montante de 5 700 milhões de euros, conducentes a uma perda consolidada de 3 485 milhões de euros, e nomeou um novo presidente;

–        em 10 de fevereiro de 2017, a DBRS baixou a notação do Banco Popular;

–        em 3 de abril de 2017, o Banco Popular publicou uma declaração pública ad hoc que informava sobre o resultado de auditorias internas que tinham potencialmente um impacto significativo nas suas demonstrações financeiras e confirmou a substituição do seu diretor‑geral menos de um ano depois da sua entrada em funções;

–        em 7 de abril de 2017, a Standard & Poor’s e, em 21 de abril, a Moody’s baixaram a notação do Banco Popular;

–        em 12 de maio de 2017, o Banco Popular violou a exigência de cobertura das necessidades de liquidez de 80 % e não conseguiu restabelecer a conformidade subsequente com o limite regulamentar;

–        a cobertura mediática negativa e contínua dos resultados financeiros do Banco Popular e sobre o suposto risco iminente de falência ou de iliquidez causou um aumento dos levantamentos de depósitos;

–        em 6 de junho de 2017, a DBRS e a Moody’s baixaram a notação do Banco Popular.

420    O CUR salientou que todas essas circunstâncias tinham causado grandes levantamentos de depósitos.

421    Resulta destes factos, não impugnados pela recorrente, que a situação do Banco Popular já se tinha degradado muito antes de 23 de maio de 2017 e que a crise de liquidez do Banco Popular era causada por múltiplos fatores, que tinham origem nos maus resultados do banco anunciados em fevereiro e abril de 2017. Em especial, a exigência de cobertura das necessidades de liquidez do Banco Popular não respeitava as exigências legais desde 12 de maio de 2017.

422    Refira‑se que a recorrente não pode ignorar todas as circunstâncias objetivas que causaram os problemas de liquidez do Banco Popular, particularmente desde abril de 2017. Não pode validamente alegar que a declaração de 23 de maio de 2017 e o artigo de 31 de maio de 2017, mesmo admitindo que tivessem origem numa violação do princípio da confidencialidade por parte do CUR, estavam na origem da crise de liquidez do Banco Popular.

423    Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos da recorrente.

424    A recorrente alega que o BCE, na sua avaliação sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, referiu que as perdas de depósitos desde 31 de maio de 2017 eram particularmente significativas, depois de os meios de comunicação social terem revelado que o banco poderia enfrentar uma liquidação se o processo de venda privada em curso não tivesse resultados a muito curto prazo.

425    Resulta da sua avaliação que, segundo o BCE, o anúncio do fracasso do processo de venda privada e do risco de liquidação da empresa reforçou as perdas de depósitos do Banco Popular. No entanto, trata‑se apenas de um elemento entre os muitos outros referidos pelo BCE que estão na origem dessas fugas de depósitos. A recorrente não pode afirmar que o BCE reconheceu que o artigo da Reuters de 31 de maio de 2017 estava na origem da crise de liquidez do Banco Popular.

426    O BCE referiu a grande cobertura mediática negativa de que o Banco Popular foi objeto durante esse período e refere mesmo exemplos de artigos publicados em 11 e 15 de maio de 2017, acima mencionados nos n.os 40 e 41. A recorrente não pode isolar de todos esses artigos de imprensa o único artigo que menciona um funcionário da União para alegar que só esse artigo está na origem da fuga da liquidez do Banco Popular.

427    A recorrente sustenta igualmente que as declarações de 23 e 31 de maio de 2017 tiveram consequências na descida da cotação das ações do Banco Popular e na cotação de diversos instrumentos financeiros.

428    Refira‑se que a evolução do preço da ação do Banco Popular mostrava uma baixa constante entre junho de 2016 e junho de 2017. Contrariamente ao que afirma a recorrente, esta evolução não revela qualquer relação entre a declaração de 23 de maio e o artigo de 31 de maio de 2017 e a cotação da ação do Banco Popular. A queda da cotação das ações do Banco Popular explica‑se pela má situação financeira do banco e deve ser relacionada com os sucessivos descidas da notação do Banco Popular pelas agências de notação, acima referidas nos n.os 32, 38 e 46.

429    Além disso, a recorrente reconheceu, na audiência, que, em 15 de maio de 2017, o Banco Popular saiu do índice MSCI (Morgan Stanley Capital International). Ora, essa saída levou grandes fundos de investimentos a vender as suas ações do Banco Popular e contribuiu para a queda das suas ações.

430    Além disso, quanto à evolução das obrigações convertíveis condicionais (Cocos) do Banco Popular, basta observar que o jornalista que interrogou a presidente do CUR em 23 de maio de 2017 mencionou o seu colapso devido ao risco de falta de pagamento. A recorrente não pode, portanto, alegar que a diminuição dos Cocos era consecutiva a essa entrevista.

431    De qualquer modo, refira‑se que a recorrente não apresenta nenhum argumento para demonstrar quais seriam os elementos contidos nas declarações de 23 e 31 de maio de 2017 que constituiriam uma violação da obrigação de sigilo profissional por parte da presidente do CUR e não demonstrou a existência de uma violação do dever de confidencialidade ou de segredo profissional imputável a este último.

432    Em primeiro lugar, quanto à entrevista concedida pela presidente do CUR ao canal de televisão Bloomberg em 23 de maio de 2017, o jornalista perguntou:

«Posso levá‑lo a Espanha? Gostaria de mostrar ao nosso público algo que está muito presente no nosso ecrã radar aqui na Bloomberg, o Banco Popular e as obrigações contingentes convertíveis que sofrem um pouco de pressão neste momento. Essa instituição tem um CET 1 ligeiramente superior a 7 %. Também está no vosso ecrã radar?» (Can I take you to Spain? I want to show our audience something that is very much on our radar screen here at Bloomberg and that is Banco Popular and the CoCos [Contingent Convertibles] which are under a little bit of pressure right now. This is an institution with a CET 1 just north of 7 per cent. Is IT on your radar screen as well?).

433    A presidente do CUR respondeu:

«Nunca falo de bancos individualmente. Há mais de um banco no nosso ecrã radar e com toda a certeza o Banco Popular é também um caso que examinamos, mas não é o único.» (Well, I am never talking about individual banks. There are more banks than just one on our radar screen and of course, Banco Popular is also a case we are watching but it is not the only one we are watching.).

434    Por um lado, há que observar, como refere o CUR, que essas afirmações são de alcance geral, uma vez que a supervisão das instituições faz parte da sua missão em cooperação com o BCE. A informação de que o Banco Popular, enquanto instituição de crédito abrangida pelo Mecanismo Único de Supervisão, é «supervisionada» não é confidencial.

435    Além disso, resulta do artigo de 15 de maio de 2017 publicado pelo elconfidencial.com, acima referido no n.o 41, que a informação de que o Banco Popular tinha sido objeto de uma inspeção do BCE já era pública.

436    Por outro lado, durante essa entrevista, o presidente do CUR não menciona a hipótese de uma resolução do Banco Popular. Não se pode retirar nenhuma conclusão dessas afirmações quanto à execução próxima de uma resolução do Banco Popular e ainda menos quanto ao instrumento de resolução que poderia ser executado pelo CUR.

437    Além disso, na medida em que essas afirmações não podem ser interpretadas no sentido de que significam que o Banco Popular será objeto de um procedimento de resolução, não estão abrangidas pelas hipóteses previstas no considerando 116 do Regulamento n.o 806/2014 relativo à comunicação de todas as informações a respeito de uma decisão de resolução antes de esta ser adotada.

438    Por conseguinte, há que considerar que as afirmações da presidente do CUR na entrevista de 23 de maio de 2017 não contêm informações confidenciais nem constituem uma violação do princípio da confidencialidade ou do dever de sigilo profissional previsto no artigo 88.o do Regulamento n.o 806/2014 e no artigo 339.o TFUE.

439    Em segundo lugar, quanto ao artigo publicado pela Reuters em 31 de maio de 2017, intitulado «A UE, alertada contra o risco de resolução do Banco Popular» (La UE, advértida de riesgo de una resolución ordenada en Banco Popular), este artigo indica que, segundo um alto funcionário da União que permaneceu anónimo, um dos principais fiscalizadores dos bancos na Europa tinha alertado os funcionários da União de que o Banco Popular poderia necessitar de uma resolução se não conseguisse encontrar um adquirente e que a presidente do CUR tinha recentemente emitido uma «alerta rápido». Segundo esse artigo, esse alto funcionário indicou igualmente que a presidente do CUR tinha declarado que o CUR seguia o processo (Banco Popular) com especial atenção para uma possível intervenção e acrescentou que a proposta de fusão do banco poderia ser infrutífera.

440    Este artigo de Reuters indica igualmente que, segundo outra fonte, igualmente anónima, estavam em curso preparativos gerais, apesar de ainda não ter sido adotada nenhuma medida concreta. Segundo esse artigo, um porta‑voz do Banco Popular tinha declarado que o banco trabalhava em vários planos, incluindo uma fusão, um aumento de capital e vendas de ativos.

441    Refira‑se igualmente que esse artigo menciona o comunicado de imprensa do CUR do mesmo dia, no qual o CUR indicou que não comentava as dificuldades específicas de um banco, que não podia confirmar as interpretações relativas às alegadas citações feitas pela sua presidente e que nunca emitia qualquer alerta a propósito dos bancos.

442    Refira‑se que a recorrente não precisa quais das informações contidas nesse artigo seriam confidenciais nem em que medida a sua divulgação constituiria uma violação das exigências de segredo profissional do CUR. A recorrente alega que a presidente do CUR é a autora das declarações relatadas nesse artigo e que nem o CUR nem a Comissão apresentaram provas capazes de demonstrar o contrário. Ora, refira‑se que as afirmações de um funcionário da União, mencionadas nesse artigo, não eram relativas a informações confidenciais que só pudessem ser do conhecimento de membros do CUR, e ainda menos apenas da sua presidente.

443    Assim, primeiro, o funcionário teria mencionado um «alerta rápido» emitido pela presidente do CUR. Ora, refira‑se que essa afirmação não corresponde a uma competência do CUR, o que, de resto, este recordou no seu comunicado de imprensa de 31 de maio de 2017.

444    Segundo, quanto à afirmação desse funcionário de que «a presidente do CUR tinha declarado que o CUR seguia o processo (Banco Popular) com especial atenção para uma possível intervenção», basta observar que essas afirmações reproduzem a substância daquilo que o presidente do CUR tinha afirmado publicamente na sua entrevista concedida ao canal de televisão Bloomberg em 23 de maio de 2017, a saber, que o Banco Popular estava a ser «vigiado». Além disso, a interpretação extensiva dada a estas afirmações foi desmentida pelo CUR no seu comunicado de imprensa.

445    Em terceiro lugar, quanto à afirmação desse funcionário de que a oferta de fusão do banco poderia ser infrutífera, resulta desse mesmo artigo que o próprio Banco Popular tinha indicado que devia adiar a data‑limite inicialmente fixada para 10 de junho de 2017 para apresentar propostas no âmbito do processo de venda privada.

446    Em quarto lugar, no que respeita à afirmação de que, segundo um alto funcionário da União que permaneceu anónimo, um dos principais fiscalizadores dos bancos na Europa tinha alertado os funcionários da União para o facto de o Banco Popular poder necessitar de uma resolução se não conseguisse encontrar um adquirente, refira‑se que vários artigos de imprensa já mencionavam, ao longo de maio, o facto de o Banco Popular estar em dificuldade e de ter dado início a um processo de venda privada.

447    Assim, resulta de um artigo de 11 de maio de 2017, publicado no sítio Internet elconfidencial.com, acima referido no n.o 40, que o presidente do Banco Popular tinha ordenado a venda urgente do banco devido a um risco de insolvência. A referência, no artigo de 31 de maio, ao facto de os funcionários da União terem sido informados por «um dos principais fiscalizadores dos bancos na Europa», parece corresponder à informação dada nesse artigo, segundo a qual, devido a um risco sério de insolvência, nomeadamente, por causa da fuga contínua dos depósitos, o presidente do Banco Popular tinha sido obrigado a levar a cabo o processo de venda para cumprir as exigências do BCE. Além disso, um artigo de 15 de maio de 2017, publicado no sítio Internet elconfidencial.com, acima referido no n.o 41, indicava que o plano de venda do Banco Popular tinha sido levado a cabo pelo seu presidente após a inspeção do BCE.

448    Assim, o facto de o Banco Popular enfrentar um risco de insolvência se não encontrasse um adquirente no termo do processo de venda que tinha iniciado era uma informação pública desde meados de maio de 2017.

449    Daí resulta que, contrariamente ao que alega a recorrente, as afirmações do funcionário da União que permaneceu anónimo relatadas nesse artigo não contêm informações confidenciais relativas à aplicação de um procedimento de resolução ao Banco Popular, como as referidas no considerando 116 do Regulamento n.o 806/2014.

450    Por outro lado, a recorrente alega erradamente que cabe ao CUR ou à Comissão demonstrar que a presidente do CUR não era a autora das declarações relatadas nesse artigo.

451    Como alega o CUR, muitas outras pessoas além dos membros do CUR ou dos funcionários da Comissão eram suscetíveis de manter tais afirmações, tendo em conta, nomeadamente, as possibilidades de troca de informações previstas, nomeadamente, no artigo 88.o, n.o 6, do Regulamento n.o 806/2014.

452    Ora, admitindo que as afirmações relatadas nesse artigo tivessem origem numa fuga por parte de um funcionário da União, na medida em que não está demonstrado que a presidente do CUR seria responsável pela fuga de informações reveladas pelos artigos de imprensa a que a recorrente se refere, resulta da jurisprudência que essa origem da fuga não se pode presumir (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, EU:T:2006:74, n.o 605).

453    Refira‑se ainda que, mesmo no caso de ser verosímil que o CUR pudesse estar na origem dessa fuga, essa eventualidade só por si não bastaria para lhe impor o ónus da prova do contrário, como alega a recorrente (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, EU:T:2006:103, n.o 412).

454    Por conseguinte, o facto de esse artigo referir alegadas palavras da presidente do CUR não basta para demonstrar a sua autenticidade, tanto mais que a própria pessoa que supostamente relata essas palavras não é identificada. Além disso, contrariamente ao que afirma a recorrente, o comunicado de imprensa do CUR de 31 de maio de 2017, cujo conteúdo acima se refere no n.o 441, constitui um desmentido das informações contidas nesse artigo.

455    Além disso, a recorrente não se pode basear no facto de as alegadas declarações da presidente do CUR terem sido reproduzidas em artigos de imprensa em 1 de junho de 2017, que figuram em anexo à petição. Com efeito, esses artigos não demonstram que a presidente do CUR tivesse feito declarações em 31 de maio de 2017. Basta observar que o excerto do artigo da bolsamania.com, de 1 de junho de 2017, referido pela recorrente, se limita a reproduzir o conteúdo da entrevista concedida pela presidente do CUR ao canal de televisão Bloomberg em 23 de maio e que o excerto do artigo do Financial Times de 1 de junho de 2017 reproduz o conteúdo do artigo da Reuters de 31 de maio de 2017.

456    Na falta de uma presunção de que a presidente do CUR estivesse na origem da declaração de 31 de maio de 2017, não cabe à Comissão ou ao CUR demonstrar que não era o seu autor.

457    Por outro lado, por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de outubro de 2020, a recorrente apresentou um novo oferecimento de prova, nos termos do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. Esse oferecimento de prova diz respeito a duas mensagens de correio eletrónico internas do CUR de 10 e 18 de agosto de 2017 sobre as ações levadas a cabo pelo CUR para investigar as fugas de informação na imprensa ligadas à resolução do Banco Popular. A recorrente justifica o atraso na apresentação desses documentos indicando que teve acesso a eles na sequência da Decisão do CUR de 24 de agosto de 2020 de os divulgar, adotada em conformidade com a Decisão do Comité de Recurso do CUR de 15 de abril de 2020, relativa a um pedido de acesso a documentos apresentado por um terceiro. Precisa que teve acesso a esses documentos em setembro de 2020. A recorrente indica que essas novas provas se destinam a sustentar a sua argumentação suscitada no âmbito do segundo fundamento e que esses documentos demonstram a inexistência de qualquer inquérito sobre as fugas de informações na imprensa em 23 de maio de 2017.

458    A Comissão, o CUR, o Reino de Espanha e o Conselho alegam que esses documentos não são pertinentes para apreciar a legalidade das decisões recorridas.

459    Basta observar que em caso algum se pode inferir da inexistência de um inquérito interno do CUR sobre a declaração da sua Presidente em 23 de maio de 2017 ou sobre a declaração na origem do artigo de 31 de maio de 2017 a prova da violação por este último das suas obrigações de confidencialidade. Assim, há que considerar que o facto de o CUR não ter procedido a um inquérito interno sobre essas declarações, posteriormente à adoção da decisão de resolução, não é relevante para a apreciação da legalidade das decisões recorridas.

460    Por conseguinte, não são admitidos os documentos apresentados nesse novo oferecimento de prova, por não serem pertinentes para a decisão da causa.

461    Resulta de todas estas considerações que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

7.      Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do direito de propriedade, consagrado no artigo 17.o da Carta, e à violação do artigo 5.o, n.o 4, TUE

462    A recorrente, na qualidade de antiga acionista do Banco Popular, alega que a decisão do CUR, no programa de resolução, de reduzir e converter as ações do Banco Popular e de o vender ao Banco Santander constitui uma restrição ao seu direito de propriedade, consagrado no artigo 17.o da Carta, que não respeita o requisito de proporcionalidade previsto no artigo 52.o, n.o 1, da Carta e no artigo 5.o, n.o 4, TUE.

463    Há que lembrar que, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, acima referido no n.o 158, e da jurisprudência acima lembrada no n.o 159, podem ser introduzidas restrições ao exercício do direito de propriedade, desde que estejam previstas nos diplomas aplicáveis, sejam necessárias à prossecução de um objetivo de interesse geral e sejam proporcionadas a esse objetivo.

464    Com o seu sexto fundamento, a recorrente não põe em causa o facto de a limitação do seu direito de propriedade decorrente da redução e da conversão dos instrumentos de capital do Banco Popular e da venda deste ao Banco Santander, decididas no programa de resolução, estar prevista nos diplomas aplicáveis e ser necessária à prossecução de um objetivo de interesse geral. Limita‑se a pôr em causa a proporcionalidade dessas medidas, uma vez que o Banco Popular se confrontava com um problema de liquidez e acusa o CUR de não ter procurado outras soluções menos restritivas para o direito de propriedade dos acionistas.

465    Segundo jurisprudência constante, já acima referida no n.o 176, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do Direito da União, exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos [v. Acórdãos de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte mediterrânico), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 55 e jurisprudência referida, e de 6 de maio de 2021, Bayer CropScience e Bayer/Comissão, C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.o 166 e jurisprudência referida].

466    Refira‑se que o poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital do Banco Popular, previsto no artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014, é a consequência da aplicação do princípio, previsto no artigo 15.o, n.o 1, alínea a), do mesmo regulamento, de os acionistas da instituição sujeita a um procedimento de resolução serem os primeiros a suportar as perdas. A venda do Banco Popular ao Banco Santander é o resultado da aplicação do instrumento de alienação da atividade previsto no artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014.

467    A este respeito, há que lembrar que resulta da análise do quarto fundamento que os artigos 15.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 não constituem uma intervenção desproporcionada e intolerável que viole a própria substância do direito de propriedade dos acionistas da entidade afetada por uma medida de resolução, devendo considerar‑se que estabelece uma restrição ao seu direito de propriedade justificada e proporcionada, em conformidade com as disposições do artigo 17.o, n.o 1, e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

468    Por outro lado, o Tribunal Geral já declarou que uma medida que consiste na redução do valor nominal das ações de um banco cipriota era proporcionada face ao objetivo prosseguido por essa medida. Antes de mais, referiu que essa medida visava contribuir para a recapitalização do banco e que era adequada para contribuir para o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema financeiro cipriota e da zona euro no seu todo. Em seguida, declarou que essa medida não excedia os limites do adequado e necessário à realização desse objetivo, dado que as alternativas menos restritivas não eram realizáveis ou não teriam permitido alcançar os resultados esperados. Por último, considerou que, tendo igualmente em conta a importância do objetivo prosseguido, a medida em causa não gerava inconvenientes desmedidos. Recordou, a esse respeito, que os acionistas dos bancos assumem plenamente o risco dos seus investimentos (Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides Co. e o./Conselho e o., T‑680/13, EU:T:2018:486, n.o 330).

469    Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral concluiu que não se pode considerar que a redução do valor nominal das ações desse banco constituía uma intervenção desmedida e intolerável violadora da própria substância do direito de propriedade dos acionistas (Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides Co. e o./Conselho e o., T‑680/13, EU:T:2018:486, n.o 331).

470    Ora, no caso, há que lembrar que, no programa de resolução, o CUR constatou estarem preenchidas as condições previstas no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, a saber, primeiro, que o Banco Popular estava em situação ou risco de insolvência, segundo, que não existia outra perspetiva razoável para além de outras medidas de natureza privada ou medidas prudenciais que impedissem a sua insolvência num prazo razoável e, em terceiro lugar, que era necessária no interesse público uma medida de resolução sob a forma de um instrumento de alienação da atividade do Banco Popular. A esse respeito, o CUR indicou que a resolução era necessária e proporcionada à realização de dois objetivos previstos no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, a saber, assegurar a continuidade das funções críticas do banco e evitar os efeitos negativos significativos na estabilidade financeira. Na Decisão 2017/1246, a Comissão indicou que estava de acordo com o programa de resolução, nomeadamente com as razões que o CUR tinha apresentado para justificar a necessidade de uma medida de resolução no interesse público.

471    Na medida em que a recorrente não demonstrou que as condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 não estavam preenchidas no caso presente e que, na sua qualidade de acionista do Banco Popular, devia assumir plenamente o risco dos seus investimentos, há que concluir que a decisão de reduzir e converter os instrumentos de capital do Banco Popular no programa de resolução não constitui uma intervenção desmedida e intolerável que viole a própria substância do seu direito de propriedade, antes devendo ser considerada uma restrição proporcionada ao seu direito de propriedade, de acordo com o disposto no artigo 17.o, n.o 1, e no artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

472    Os outros argumentos da recorrente não são suscetíveis de pôr esta conclusão em causa.

473    Em primeiro lugar, a recorrente alega que a redução das ações e a venda do Banco Popular eram desproporcionadas, uma vez que o Banco Popular era solvente e que não constituíam soluções adequadas para resolver um problema de liquidez. Contesta que a solução alternativa à resolução fosse um processo de insolvência, uma vez que o Banco Popular era solvente.

474    Em primeiro lugar, importa recordar que resulta da análise da primeira alegação do oitavo fundamento que a insolvência do Banco Popular não era uma condição para a adoção do programa de resolução. Com efeito, uma situação em que uma entidade é incapaz de pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento, o que corresponde, nomeadamente, a uma crise de liquidez, é uma das hipóteses em que essa entidade será considerada em situação ou risco de insolvência, prevista no artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

475    Assim, são inoperantes os argumentos relativos ao facto de o Banco Popular ser solvente, na medida em que o BCE constatou que o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea a) e n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, devido à deterioração da sua situação de liquidez.

476    Em segundo lugar, há que lembrar que o facto de o Banco Popular estar em situação ou risco de insolvência e de não existirem outras medidas suscetíveis de impedir essa insolvência num prazo razoável constituíam condições da sua resolução, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014. Portanto, contrariamente ao que afirma a recorrente, o processo de insolvência constituía a única alternativa à resolução.

477    Em terceiro lugar, no artigo 5.o do programa de resolução, o CUR justificou a escolha do instrumento de alienação da atividade como instrumento de resolução. O CUR indicou que esse instrumento era necessário e proporcional aos objetivos previstos no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 e visava principalmente a proteção das funções críticas para o funcionamento da economia real e a preservação da estabilidade financeira.

478    Resulta nomeadamente do artigo 5.o, n.o 3, do programa de resolução, acima referido no n.o 339, que, contrariamente ao que alega o recorrente, o CUR indicou as razões pelas quais o instrumento de alienação da atividade era o mais adequado para resolver os problemas de liquidez do Banco Popular.

479    Ora, a recorrente não apresenta nenhum argumento capaz de pôr em causa essas apreciações do CUR e limita‑se a afirmar que, em seu entender, uma segregação dos ativos e o instrumento da instituição de transição constituíam medidas adequadas para resolver os problemas de liquidez e restaurar a confiança do mercado.

480    Em segundo lugar, a recorrente afirma que a solução para resolver um problema de liquidez era dar maior liquidez. Remete para os relatórios de peritos juntos com a petição inicial e com a réplica, segundo os quais, para resolver o problema de liquidez do Banco Popular, era possível tomar medidas de supervisão, efetuar uma injeção de liquidez de emergência ou conceder empréstimos, ou proceder a uma injeção de liquidez de outro tipo. Sustenta que, segundo esses relatórios, existiam outras medidas menos restritivas para os acionistas, que lhes teria permitido conservar a totalidade ou parte do seu investimento, e remete para os argumentos invocados em apoio do oitavo fundamento.

481    Por um lado, há que lembrar que resulta da análise do oitavo fundamento que não era previsível uma injeção de liquidez de emergência no momento da adoção do programa de resolução e que, uma vez que o CUR não desempenhava nenhum papel na disponibilização de uma injeção de liquidez de emergência, que é da competência dos bancos centrais nacionais, não tinha que ter essa hipótese em conta. Além disso, a recorrente não explica a que medidas de vigilância e outras formas de empréstimos ou de injeções de liquidez faz referência. Resulta igualmente da análise do oitavo fundamento que a recorrente não demonstrou que as soluções alternativas que propunha eram possíveis.

482    Por outro lado, quanto às páginas do relatório de peritagem de 16 de setembro de 2017, intitulado «avaliação regulamentar e económica», junto com a petição, para as quais a recorrente remete, basta observar que contêm apenas uma análise puramente teórica das medidas a que, segundo esse perito, o CUR poderia ter recorrido para evitar a crise do Banco Popular, como cooperar com outras autoridades competentes ou advertir as autoridades de supervisão. Esse perito baseia‑se, nomeadamente, na consideração errada de que o CUR podia obrigar o Banco de Espanha a fornecer uma injeção de liquidez de emergência.

483    Por último, quanto à remissão global feita pela recorrente ao relatório de peritagem de 2 de dezembro de 2018, intitulado «avaliação regulamentar e económica relativa aos relatórios de avaliação e à defesa do CUR», junto com a réplica, basta referir que, segundo a jurisprudência, não cabe ao Tribunal Geral procurar e identificar nos anexos os fundamentos e argumentos que poderia considerar constitutivos do fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm função puramente probatória e instrumental (v. Acórdãos de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 41 e jurisprudência referida; de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 94 e jurisprudência referida; e de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão, T‑760/15 e T‑636/16, EU:T:2019:669, n.o 114 e jurisprudência referida).

484    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que o programa de resolução não investigou um equilíbrio entre o interesse público e o seu direito de propriedade nem determinou se existia um interesse público em privá‑la da sua propriedade ou se existiam medidas menos restritivas para o direito de propriedade.

485    Recorde‑se que, nos termos do artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014:

«Para efeitos do n.o 1, alínea c), do presente artigo, considera‑se que uma medida de resolução é de interesse público se for proporcionada e necessária para a prossecução de um ou mais dos objetivos da resolução referidos no artigo 14.o que um processo de liquidação da entidade no quadro dos processos normais de insolvência não permitiria atingir.»

486    Daí resulta que os argumentos da recorrente assentam numa interpretação errada da condição do interesse público prevista no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014. Com efeito, ao contrário do que alega a recorrente, o CUR não tinha que procurar saber se existia um «interesse público em privá‑la da sua propriedade». Além disso, não se tratava de o CUR ponderar o interesse público e o interesse privado dos acionistas.

487    A este respeito, há que lembrar que, segundo a jurisprudência acima referida no n.o 164, embora exista um claro interesse geral em garantir, em toda a União, uma proteção forte e coerente dos investidores, não se pode considerar que esse interesse prevalece em todas as circunstâncias sobre o interesse geral de garantir a estabilidade do sistema financeiro.

488    Na réplica, a recorrente acrescenta que o CUR não se preparou em conformidade com o princípio da boa administração e com o dever de diligência, o que o impediu de analisar as outras soluções existentes e de escolher a mais adequada e menos onerosa. Segundo a recorrente, o plano de resolução de 2016, elaborado pelo CUR, não verificava se a estratégia de resolução prevista era viável, carecia das informações e da preparação necessárias para o exame de outras soluções e teve de ser rejeitado.

489    Basta observar que, com esses argumentos, a recorrente acusa o CUR de não ter preparado a medida de resolução, em violação do princípio da boa administração e do seu dever de diligência.

490    Como refere a Comissão, estes argumentos invocados pela primeira vez na réplica devem ser considerados inadmissíveis nos termos do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

491    Em todo o caso, esses argumentos são inoperantes para determinar se a medida de resolução adotada pelo CUR, uma vez preenchidos os requisitos previstos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, implicava uma violação desproporcionada do direito de propriedade da recorrente.

492    Por conseguinte, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

8.      Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do direito de audiência, consagrado nos artigos 17.o e 41.o da Carta

493    A recorrente alega que o CUR violou os artigos 17.o e 41.o da Carta ao adotar o programa de resolução, que conduziu a uma violação do seu direito de propriedade sobre as ações do Banco Popular, sem a ouvir, nem antes nem depois dessa adoção. Uma audição teria permitido verificar se existiam ou não medidas alternativas privadas, como um aumento de capital. Acrescenta que esta restrição não está prevista na lei e não é proporcionada, uma vez que a urgência não justifica a falta de audição.

494    A título preliminar, resulta da análise do quinto fundamento que o facto de o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 não prever a audição dos acionistas da entidade sujeita a uma medida de resolução constitui uma restrição do direito de audiência, por um lado, que é justificada por um objetivo de interesse geral, a saber, o objetivo de garantir a estabilidade dos mercados financeiros visado pelo artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, no qual também participa o objetivo de assegurar a continuidade das funções críticas da entidade, bem como pela necessidade de adotar rapidamente uma decisão, uma vez preenchidos os pressupostos da resolução e, por outro, que respeita o princípio da proporcionalidade, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

495    No entanto, resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 225 e 226 que o respeito do direito de audiência se deve aplicar a qualquer processo suscetível de conduzir a um ato lesivo, mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade.

496    Antes de mais, há que lembrar que o programa de resolução adotado pelo CUR no termo do procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 tem por objeto a resolução Banco Popular. O programa de resolução tem como único destinatário o FROB e o Banco Popular deve ser considerado a pessoa contra a qual é adotada uma medida individual e à qual o direito de audiência é garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

497    Assim, há que ter em conta o facto de a recorrente, na sua qualidade de acionista, não ser destinatária do programa de resolução, que não é uma decisão individual tomada contra ela, nem da Decisão 2017/1246 que aprova esse programa de resolução.

498    Refira‑se, porém, que, em conformidade com o artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR exerceu o poder de redução ou de conversão dos instrumentos de capital do Banco Popular.

499    Por conseguinte, o procedimento seguido pelo CUR para adotar o programa de resolução, mesmo embora não constitua um processo individual instaurado contra a recorrente, pode levar à adoção de uma medida suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses na sua qualidade de acionista do Banco Popular.

500    Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, acima referida no n.o 225, adotou uma interpretação ampla do direito de audiência no sentido de este estar garantido a qualquer pessoa no decurso do processo suscetível de culminar num ato lesivo.

501    No entanto, importa igualmente recordar que, em aplicação do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, acima referido no n.o 158, e da jurisprudência acima referida no n.o 235, na hipótese de a recorrente poder invocar o direito de audiência, consagrado na Carta, no âmbito do processo de resolução do Banco Popular, este direito pode ser sujeito a restrições. Em particular, a falta de audição da recorrente, na sua qualidade de acionista do Banco Popular, no âmbito do procedimento de resolução, seja pelo CUR ou pela Comissão, podia ser justificada.

502    No caso, no artigo 4.2. do programa de resolução, o CUR indicou que a resolução do Banco Popular era necessária e proporcionada à realização de dois objetivos visados no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, a saber, evitar os efeitos negativos significativos na estabilidade financeira e assegurar a continuidade das funções críticas do Banco Popular.

503    A esse respeito, no artigo 4.4.2. do programa de resolução, o CUR explicou que tinha concluído que a situação do Banco Popular gerava um risco crescente de efeitos negativos significativos na estabilidade financeira em Espanha, baseando‑se em diferentes elementos. Entre esses elementos figuram, em primeiro lugar, a dimensão e a importância do Banco Popular, que constitui a sociedade‑mãe do sexto grupo bancário de Espanha, com um montante total de ativos de 147 mil milhões de euros, e que foi designada em 2017 pelo Banco de Espanha como uma instituição de importância sistémica. O CUR referiu, nomeadamente, que o Banco Popular era um dos principais intervenientes no mercado em Espanha, com uma quota de mercado significativa no segmento das pequenas e médias empresas (PME) e que detinha uma quota de mercado relativamente alta dos depósitos (cerca de 6 %) e um grande número de clientes retalhistas (cerca de 1,4 milhões) em toda Espanha. Em segundo lugar, o CUR tomou em consideração a natureza da atividade do Banco Popular que se articulava em torno das atividades de banco comercial e concentrou‑se principalmente na oferta de financiamento, na gestão de poupança e nos serviços aos particulares, às famílias e às empresas (nomeadamente as PME). Segundo o CUR, a semelhança do modelo de empresa do Banco Popular com o de outros bancos comerciais espanhóis podia contribuir para o potencial de contágio indireto desses bancos, que poderiam ser considerados confrontados com as mesmas dificuldades.

504    No artigo 4.4. do programa de resolução, o CUR identificou três funções críticas do Banco Popular, na aceção do artigo 6.o do Regulamento Delegado 2016/778, a saber, a recolha de depósitos nas famílias e nas sociedades não financeiras, os empréstimos às PME e os serviços de pagamento em numerário.

505    Refira‑se que a recorrente não contesta que o programa de resolução era necessário ao interesse público, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, a saber, que a resolução do Banco Popular era necessária para atingir, através de meios proporcionais, um ou mais dos objetivos da resolução previstos no artigo 14.o desse regulamento, quando a liquidação da entidade segundo um processo normal de insolvência não o teria permitido na mesma medida. Daí resulta que a recorrente não contesta que o programa de resolução era necessário e proporcionado para evitar os efeitos negativos significativos da insolvência do Banco Popular na estabilidade financeira da União e para assegurar a continuidade das suas funções críticas.

506    Por conseguinte, o programa de resolução, na medida em que visava preservar a situação financeira do Banco Popular e constituía uma alternativa à sua liquidação, respondia efetivamente a um objetivo de interesse geral, a saber, o de garantir a estabilidade dos mercados financeiros, que, em conformidade com a análise efetuada no que respeita ao quinto fundamento, é suscetível de justificar uma limitação ao direito de audiência da recorrente.

507    Além disso, resulta igualmente da análise do quinto fundamento que, quando uma entidade preenche as condições que exigem a adoção de uma medida de resolução, o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 prevê que deve ser adotada uma decisão num prazo muito curto.

508    Assim, no caso, a partir do momento em que o BCE concluiu que o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência e o CUR considerou que estavam preenchidas as condições previstas no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, o programa de resolução devia ser adotado o mais rapidamente possível.

509    Esta decisão rápida justificava‑se pela necessidade de assegurar a continuidade das funções críticas do Banco Popular e evitar os efeitos negativos significativos da sua situação nos mercados financeiros, prevenindo nomeadamente os riscos de contágio. No caso, uma vez que a insolvência do Banco Popular ocorreu num dia de semana, era necessário concluir o procedimento e adotar a decisão antes da abertura dos mercados na manhã de 7 de junho de 2017.

510    Como salientou o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona, no n.o 80 das suas Conclusões nos processos apensos ABLV Bank e o./BCE (C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:16), a celeridade com que essas instituições e agências da União devem tomar as suas decisões é necessária para evitar o impacto negativo da resolução da instituição bancária nos mercados financeiros e essa celeridade obriga‑as de facto a terem «preparado» a decisão antes de lançarem o procedimento, para aproveitarem o fecho dos mercados de valores mobiliários.

511    Ora, há que salientar que o recorrente não contesta que o programa de resolução devia ser adotado com urgência.

512    Refira‑se ainda que uma audição prévia da recorrente e dos outros acionistas do Banco Popular, informando‑os da existência de uma medida de resolução iminente, teria levado a um risco de adotarem comportamentos no mercado que agravariam a situação financeira do Banco Popular. Essa audição poderia, assim, prejudicar a eficácia da medida de resolução prevista.

513    Por conseguinte, há que considerar que a audição da recorrente antes da adoção do programa de resolução ou antes da adoção da Decisão 2017/1246 teria levado a um abrandamento substancial do processo e não teria permitido, portanto, a realização dos objetivos prosseguidos pelo programa de resolução e teria comprometido a sua eficácia.

514    Ora, no caso, resulta da análise do oitavo fundamento que a recorrente não demonstrou que o CUR tivesse violado o artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014. Daí resulta, em especial, que a recorrente não demonstrou que estava em condições de propor medidas alternativas suscetíveis de solucionar os problemas de liquidez do Banco Popular e, portanto, de impedir a resolução do Banco Popular. A este respeito, há que lembrar que se verificou que o aumento de capital, mencionado pela recorrente, não constituía uma medida alternativa possível, suscetível de impedir a situação ou o risco de insolvência do Banco Popular num prazo razoável.

515    Por conseguinte, a recorrente não pode sustentar que, se tivesse tido no procedimento a possibilidade de apresentar observações quanto à existência de medidas alternativas de natureza privada, o programa de resolução não teria sido adotado.

516    Além disso, há que rejeitar o argumento da recorrente de que poderia haver uma audição mesmo após a adoção do programa de resolução. Com efeito, tal audição não seria suscetível de alterar o conteúdo do programa de resolução, que, por hipótese, já entrou em vigor.

517    Resulta do exposto que a falta de audição da recorrente, no âmbito do processo que conduziu à adoção das decisões recorridas, constituía uma restrição ao direito de audiência que era justificada e necessária para responder a um objetivo de interesse geral e respeitava o princípio da proporcionalidade, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

518    Por conseguinte, há que julgar improcedente o sétimo fundamento.

9.      Quanto ao nono fundamento, relativo à violação dos artigos 14.o e 20.o do Regulamento n.o 806/2014, do dever de diligência e do artigo 296.o TFUE

519    A recorrente alega que o CUR, no programa de resolução, violou os artigos 14.o e 20.o do Regulamento n.o 806/2014, o dever de diligência e o artigo 296.o TFUE, na medida em que, primeiro, o processo de venda foi levado a cabo sem obter o preço de venda mais alto possível e, segundo, a avaliação 2 não foi feita em conformidade com critérios de mercado. Este fundamento divide‑se em duas partes.

a)      Quanto à primeira parte, relativa ao processo de venda

520    A recorrente alega que o processo de venda do Banco Popular não permitiu obter o preço de venda mais alto possível, em violação do artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014. Sustenta, em primeiro lugar, que o procedimento não era concorrencial e, em segundo lugar, que o procedimento foi viciado por irregularidades.

521    A título preliminar, refira‑se que o facto de o processo de venda não ter levado a maximizar o preço de venda constitui uma violação do artigo 14.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014, segundo o qual:

«Ao prosseguir os objetivos a que se refere o primeiro parágrafo, o CUR, o Conselho e a Comissão e, se for caso disso, as autoridades nacionais de resolução, procuram reduzir ao mínimo o custo da resolução e evitar a destruição de valor, a menos que tal seja necessário para atingir os objetivos da resolução.»

522    Há que observar, como faz a Comissão e o Banco Santander, que o objetivo de «maximizar o preço de venda» não figura entre os objetivos previstos no artigo 14.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014. Não se trata, portanto, da disposição pertinente para sustentar os argumentos da recorrente relativos à maximização do preço de venda.

523    No entanto, há que observar que, segundo o artigo 24.o, n.o 2, alínea d), do Regulamento n.o 806/2014, no que respeita ao instrumento de alienação da atividade, o programa de resolução prevê:

«As medidas que devem ser tomadas pela autoridade nacional de resolução para promover a alienação dessa entidade ou desses instrumentos, ativos, direitos e passivos nos termos do artigo 39.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/59/EU.»

524    O artigo 39.o, n.o 2, alínea f), da Diretiva 2014/59 prevê que a venda efetuada pela autoridade de resolução, quando aplica o instrumento da alienação da atividade, visa maximizar, na medida do possível, o preço de venda das ações ou de outros títulos de propriedade, ativos, direitos ou obrigações em causa.

525    Há que examinar, portanto, os argumentos da recorrente de que o procedimento não foi conduzido com todas as garantias necessárias que permitissem maximizar o preço de venda do Banco Popular.

526    Refira‑se, antes de mais, que, na decisão sobre a comercialização, adotada em 3 de junho de 2017, tendo em conta a deterioração rápida da situação de liquidez do Banco Popular, a diminuição significativa do valor das suas ações, bem como os efeitos negativos que a insolvência do banco poderia ter na estabilidade financeira, o CUR considerou que devia tomar todas as medidas necessárias para poder adotar uma medida de resolução se necessário e que a eficácia do instrumento de alienação da atividade devia ser assegurada com o objetivo de garantir os objetivos de resolução. Assim, o CUR aprovou o início imediato do processo de venda do Banco Popular pelo FROB e indicou a este último as exigências relativas à venda em conformidade com o artigo 39.o da Diretiva 2014/59.

527    No artigo 2.o, alínea b), da decisão sobre a comercialização, o CUR indicou que o procedimento de venda devia visar maximizar o preço de venda, tendo simultaneamente em conta a necessidade de fazer rapidamente uma resolução. Precisou igualmente que o principal critério de avaliação das propostas era o preço oferecido.

528    Seguidamente, o procedimento de venda do Banco Popular foi conduzido pelo FROB em aplicação das disposições da Diretiva 2014/59 e da Lei 11/2015. A este respeito, o FROB, na carta de processo adotada em 6 de junho de 2017, no contexto de uma possível resolução do Banco Popular, convidou os potenciais adquirentes a participarem no processo de venda e a apresentarem‑lhe uma proposta para a aquisição de 100 % do capital do Banco Popular segundo os termos e condições descritos nessa carta. Na carta de procedimento, o FROB indicou que o preço proposto nas propostas devia ser igual ou superior a um euro.

529    Por último, no artigo 6.6. do programa de resolução, o CUR considerou que o esforço de comercialização relativo ao Banco Popular levado a cabo pelo FROB antes da adoção desse dispositivo tinha cumprido os requisitos enunciados no artigo 24.o do Regulamento n.o 806/2014, conjugado com o artigo 39.o da Diretiva 2014/59.

530    O CUR referiu que, no período imediatamente anterior à resolução, o Banco Popular tinha levado a cabo um processo de venda privada e que, na semana de 29 de maio de 2017, se tinha verificado que esse procedimento fracassaria. Indicou que a decisão de limitar o seu esforço comercial aos bancos que já tivessem manifestado um interesse geral na aquisição do Banco Popular no âmbito do processo de venda privada estava em conformidade com as exigências do artigo 39.o da Diretiva 2014/59.

531    O CUR referiu igualmente que, na sequência da execução do processo de venda pelo FROB, tinham acabado por ser convidados dois bancos a participar na venda. Referiu que todos os potenciais adquirentes tinham sido abordados na mesma data, tinham tido acesso à mesma sala de dados virtual e que as suas propostas tinham sido sujeitas às mesmas condições e na mesma data‑limite.

532    O CUR acabou por concluir que, dos dois potenciais adquirentes, tinha sido recebida uma proposta válida e considerou que, uma vez que o adquirente era o único deles a apresentar uma proposta, era prudente aceitar as suas condições e prevenir a insolvência descontrolada do Banco Popular que, nomeadamente, poderia ter prejudicado as suas funções críticas.

533    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que o procedimento não decorreu durante um período de tempo suficiente e que não se tratava de um procedimento concorrencial, na medida em que foi conduzido sem publicidade nem transparência e sem um número suficiente de adquirentes potenciais. O processo de venda privada foi «reciclado» sem que isso fosse explicado no programa de resolução. Os bancos dos outros Estados‑Membros foram afastados e foram objeto de discriminação.

534    A título preliminar, refira‑se que as exigências relativas à venda, nomeadamente a decisão de limitar o número de participantes no processo de venda, não figuram no programa de resolução, mas sim na decisão sobre a comercialização anteriormente adotada pelo CUR, em 3 de junho de 2017.

535    A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as medidas intermédias cujo objetivo seja preparar a decisão final não constituem, em princípio, atos passíveis de recurso de anulação (v. Acórdãos de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 39 e jurisprudência referida, e de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento, C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 43 e jurisprudência referida).

536    Resulta igualmente da jurisprudência que um ato intermédio também não é suscetível de recurso se se demonstrar que a ilegalidade ligada a esse ato poderá ser invocada como fundamento de um recurso dirigido contra a decisão final de que ele constitui um ato de elaboração. Em tais condições, o recurso interposto da decisão que põe termo ao procedimento assegurará uma proteção jurisdicional suficiente (V. Acórdão de 15 de março de 2017, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑415/15 P, EU:C:2017:216, n.o 46 e jurisprudência referida).

537    No caso, no programa de resolução, o CUR considerou que o procedimento de venda instituído pelo FROB respeitava as exigências do artigo 39.o da Diretiva 2014/59. Ora, há que observar que o FROB teve em conta as exigências fixadas pelo CUR na decisão sobre a comercialização. Daí resulta que o CUR, no programa de resolução, confirmou implicitamente as exigências relativas à venda que ele próprio tinha fixado na decisão sobre a comercialização.

538    Refira‑se ainda que o artigo 13.o do Regulamento n.o 806/2014, relativo à intervenção precoce, prevê no seu n.o 3 que:

«O CUR tem o poder de exigir que a instituição ou a empresa‑mãe contacte potenciais compradores a fim de preparar a resolução da instituição, sem prejuízo dos critérios previstos no artigo 39.o, n.o 2, da Diretiva 2014/59/UE e dos requisitos em matéria de segredo profissional previstos no artigo 88.o do presente regulamento.

[…]»

539    Por conseguinte, há que considerar que a decisão sobre a comercialização constitui um ato intermédio adotado pelo CUR com vista à potencial resolução do Banco Popular e que a recorrente não pode ser impedida de invocar a ilegalidade que fere a apreciação contida nessa decisão em apoio do seu recurso contra o programa de resolução.

540    Quanto à transparência do processo de venda do Banco Popular, refira‑se que, no considerando 4 da decisão sobre a comercialização, o CUR indicou que qualquer divulgação pública da venda do banco devia ser adiada com o objetivo de evitar efeitos negativos na estabilidade financeira.

541    Esta possibilidade está expressamente prevista no artigo 39.o, n.o 2, último parágrafo, da Diretiva 2014/59, que prevê que qualquer anúncio público de colocação de um estabelecimento à venda, normalmente exigido nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo aos abusos de mercado (Regulamento Relativo aos Abusos de Mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão (JO 2014, L 173, p. 1), pode ser diferido em conformidade com o artigo 17.o, n.os 4 ou 5, do referido regulamento.

542    O considerando 64 da Diretiva 2014/59 especifica, a este respeito:

«As informações relativas à promoção da alienação de uma instituição em situação de insolvência e às negociações com os potenciais adquirentes antes da aplicação do instrumento de alienação da atividade assumirão quase certamente uma importância sistémica. A fim de garantir a estabilidade financeira, é importante que a divulgação pública dessas informações, exigida nos termos do Regulamento [n.o 596/2014], possa ser diferida pelo tempo necessário para planear e estruturar a resolução da instituição em conformidade com os diferimentos permitidos ao abrigo do regime relativo ao abuso de mercado.»

543    Daí resulta que a exigência de transparência do artigo 39.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que diz respeito à tramitação do processo de venda e não às eventuais medidas de publicidade que anunciem esse processo.

544    Quanto à limitação do processo de venda apenas aos estabelecimentos que tinham participado no processo de venda privada iniciado pelo Banco Popular, acima referido no n.o 33, o CUR forneceu no artigo 2.o, alínea a), i), da decisão sobre a comercialização um certo número de motivos que justificavam a sua decisão de convidar o FROB a contactar apenas esses cinco participantes.

545    A esse respeito, o CUR indicou:

«No que respeita à seleção dos adquirentes privados a solicitar, o FROB contactará, em todos os casos, um número suficiente de compradores, na sequência de uma procura do interesse do mercado para investir nas atividades do banco. Tendo em conta a necessidade de finalizar o processo de venda num prazo extremamente curto, o interesse manifestado no processo de venda privada informa sobre a análise do interesse do mercado. No decurso do processo de venda privado, foram contactados vários potenciais proponentes que operam nos mercados espanhol e internacional. Só cinco partes expressaram o seu interesse inicial e foram, portanto, convidadas a apresentar propostas não vinculativas no âmbito do processo de venda privada.

O FROB contactará as cinco partes que foram convidadas a apresentar propostas no âmbito do processo de venda privada.

Contactar essas cinco partes justifica‑se por razões de estabilidade financeira e pelo risco substancial de a comercialização num círculo mais amplo de potenciais compradores, a divulgação dos riscos e avaliações ou a identificação das funções críticas e não críticas do banco implicarem uma incerteza adicional e uma perda de confiança do mercado. Além disso, contactar um maior número de compradores poderia aumentar a probabilidade de fuga e, portanto, o risco de o banco poder ser objeto de resolução num prazo extremamente curto.

Além disso, devido à urgência e ao tempo muito limitado que deveria estar disponível para o processo de comercialização, convidar um maior número de participantes aumentaria a complexidade do processo. Por outro lado, com base nas informações recebidas do Banco, é duvidoso que os proponentes que ainda não manifestaram interesse no processo de venda privada apresentem propostas.

Em conformidade com o artigo 24.o, n.o 3, do regulamento, o CUR esforçar‑se‑á por encontrar um equilíbrio entre as exigências de comercialização e a necessidade de alcançar os objetivos da resolução. Em particular, o CUR afastar‑se‑á parcialmente das exigências de comercialização, devido à urgência das circunstâncias, nomeadamente à ameaça material para a estabilidade financeira que resultaria da insolvência do banco e ao facto de o respeito da necessidade de contactar um leque mais vasto de compradores comprometer igualmente a eficácia do instrumento de alienação da atividade.»

546    Refira‑se que o artigo 39.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/59 indica que, sob reserva de não favorecer indevidamente os potenciais adquirentes nem de fazer qualquer discriminação, os princípios referidos no mesmo número não impedem a autoridade de resolução de solicitar, em particular, determinados adquirentes potenciais.

547    Por conseguinte, a decisão do CUR de pedir ao FOB que só contactasse as cinco instituições que tinham participado no processo de venda privada está em conformidade com essa disposição.

548    A recorrente não invoca nenhum argumento destinado a demonstrar que a limitação do número de potenciais compradores aos cinco participantes no processo de venda privada não permitiu uma concorrência real através dos preços entre eles.

549    A esse respeito, não se pode criticar o CUR pelas circunstâncias ocorridas durante o processo, a saber, o facto de quatro dos cinco participantes terem renunciado a apresentar uma proposta vinculativa e de a única proposta vinculativa apresentada apresentar um preço de compra de um euro.

550    Além disso, essa decisão assentava num critério objetivo, a saber, o interesse já manifestado por essas empresas na compra do Banco Popular, e justificava‑se pelo prazo muito curto em que o processo de venda devia estar concluído. Como sublinhou o CUR, alargar o procedimento a um maior número de participantes gerava o risco de atrasar o procedimento, mas também aumentava os riscos de fugas sobre a situação do Banco Popular e, portanto, os riscos para a estabilidade financeira.

551    Por conseguinte, não tem razão a recorrente quando sustenta que esse procedimento era discriminatório. A decisão de se dirigir unicamente às instituições que tinham manifestado interesse na aquisição do Banco Popular no âmbito do processo de venda privada não excluía, em princípio, as instituições dos outros Estados‑Membros.

552    Refira‑se, a este respeito, que o processo de venda privada tinha sido aberto a qualquer operador espanhol ou internacional. A recorrente não explica por que razão outros estabelecimentos espanhóis ou estrangeiros que não tinham manifestado interesse na aquisição do Banco Popular no momento do procedimento de venda privada estariam interessados algumas semanas mais tarde, na fase do lançamento do procedimento pelo FROB. Além disso, estando excluída qualquer informação pública relativa à execução do processo de venda, a recorrente não explica com base em que critérios não discriminatórios poderiam ter sido contactados outros operadores.

553    Daí resulta que a recorrente não demonstrou que o processo de venda não era concorrencial.

554    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que o processo foi viciado por irregularidades que falsearam o preço de venda. O FROB assinou acordos de confidencialidade com potenciais compradores antes de estar declarada a situação ou risco de insolvência do Banco Popular e o procedimento de resolução começou, portanto, antes de estarem reunidos os pressupostos. Refere que o Banco Santander apresentou a sua proposta em 7 de junho de 2017 às 3h12, quando o processo concorrencial tinha terminado.

555    Quanto ao desenrolar do procedimento, importa recordar que, entre os cinco potenciais adquirentes contactados pelo FROB, dois decidiram não participar no procedimento de venda e um foi excluído pelo BCE por razões prudenciais. Em 4 de junho de 2017, os dois potenciais adquirentes que tinham decidido participar no processo de venda, o Banco Santander e o BBVA, assinaram um acordo de não divulgação e, em 5 de junho de 2017, tiveram acesso à sala de dados virtual. Em 6 de junho de 2017, o FROB enviou‑lhes a carta de procedimento e a convenção de compra e venda (Sale and Purchase Agreement). Por carta de 6 de junho de 2017, o BBVA informou o FROB de que tinha decidido não apresentar proposta.

556    Por carta de 7 de junho de 2017, o FROB informou o CUR dos resultados do processo de venda e indicou que o Banco Santander tinha apresentado uma proposta em 7 de junho às 3h12 e que o preço oferecido pelo Banco Santander para a venda das ações do Banco Popular era de um euro. O FROB propôs que o Banco Santander, na sua qualidade de adjudicatário no processo de venda concorrencial do Banco Popular, fosse designado adquirente do Banco Popular no programa de resolução.

557    No programa de resolução, o CUR considerou que o processo de venda do Banco Popular levado a cabo pelo FROB tinha cumprido as exigências enunciadas no artigo 24.o do Regulamento n.o 806/2014, conjugado com o artigo 39.o da Diretiva 2014/59, e aceitou a proposta do FROB de designar o Banco Santander adquirente do Banco Popular.

558    Além disso, na carta de procedimento, o FROB tinha fixado um calendário para a tramitação do processo de venda do Banco Popular. Este calendário previa que as propostas vinculativas deviam ser apresentadas até 6 de junho de 2017 à meia‑noite. Este calendário indicava igualmente para 7 de junho de 2017, à 1h00, que haveria contactos com os proponentes para finalizar o procedimento e selecionar a proposta; em seguida, deviam ocorrer, às 5h30, o programa de resolução do CUR (se fosse caso disso) e a execução do contrato de compra e venda, às 6h30, o ato de execução do FROB e, às 7h00, o encerramento e o anúncio da transação.

559    Refira‑se que a recorrente não explica qual a disposição violada pelo facto de o FROB ter iniciado o processo de venda antes de o Banco Popular ter sido declarado em situação ou risco de insolvência, nem quais foram as consequências para o preço de venda.

560    Por outro lado, se o FROB tivesse de esperar que o Banco Popular fosse declarado em situação ou risco de insolvência para iniciar o processo de venda, este não poderia ter sido conduzido num prazo suficiente para impedir a liquidação do Banco Popular e não teria permitido atingir os objetivos da resolução.

561    Como indica o Banco Santander, o calendário do processo de venda fixado na carta de processo tinha por objetivo permitir concluir todas as formalidades em 7 de junho de 2017 às 7h00, para que o Banco Popular pudesse funcionar normalmente após a abertura dos mercados, nomeadamente para evitar a interrupção das suas funções críticas.

562    Dado que o Banco Santander foi o único participante no processo a apresentar uma proposta formal e que, na sequência do anúncio do BBVA, era certo que nenhuma das outras instituições convidadas a participar no processo de venda apresentaria qualquer proposta, a FROB aceitou esta proposta, mesmo apesar de ter sido apresentada após o termo do prazo fixado na carta de processo.

563    Por outro lado, resulta do artigo 24.o, n.o 3, do Regulamento n.o 806/2014 que:

«O CUR pode aplicar o instrumento de alienação da atividade sem ter de satisfazer os requisitos de promoção previstos no n.o 2, alínea e), quando considerar que o cumprimento desses requisitos poderá pôr em causa um ou mais dos objetivos da resolução e, em especial, se estiverem preenchidas as seguintes condições:

a)      Considera que existe uma ameaça significativa para a estabilidade financeira resultante de ou agravada pela situação de insolvência ou eventual situação de insolvência da instituição objeto de resolução; e

e

b)      Considera que o cumprimento desses requisitos poderá comprometer a eficácia do instrumento de alienação da atividade para evitar essa ameaça ou realizar o objetivo da resolução especificado no artigo 14.o, n.o 2, alínea b).»

564    A esse respeito, há que lembrar, como acima referido no n.o 533, que, no artigo 6.6 do programa de resolução, o CUR referiu que, uma vez que o adquirente era o único que a apresentar uma proposta, era prudente aceitar as suas condições e, assim, prevenir uma insolvência descontrolada do Banco Popular que, nomeadamente, poderia ter prejudicado as suas funções críticas.

565    Com efeito, no caso de o CUR não ter aceitado a proposta do FROB de designar o Banco Santander como adquirente do Banco Popular, este último teria sido objeto de liquidação. Ora, como já se observou na análise do quinto fundamento, de acordo com o artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, a liquidação do Banco Popular segundo um processo normal de insolvência não teria permitido alcançar os objetivos previstos no artigo 14.o do mesmo regulamento na mesma medida que a resolução. Em especial, verificou‑se que a resolução era necessária para atingir os objetivos de assegurar a continuidade das funções críticas do Banco Popular e evitar os efeitos negativos significativos na estabilidade financeira.

566    O FOB transmitiu ao CUR os resultados do processo de venda do Banco Popular num prazo suficiente para lhe permitir adotar o programa de resolução e transmiti‑lo à Comissão às 5h13 em 7 de junho de 2017. Assim, a Comissão adotou a sua decisão que permitia a entrada em vigor do programa de resolução às 6h30 no mesmo dia. O desenrolar do procedimento permitiu, portanto, ao FROB concluir todas as formalidades e encerrar a venda antes do termo do prazo fixado na carta de processo, ou seja, antes de 7 de junho de 2017, às 7h00.

567    Por último, quanto ao argumento da recorrente de que o Banco Santander, sabendo que era o único a apresentar uma proposta, propôs o preço mínimo, basta observar que este argumento se baseia numa alegação não fundamentada de que o Banco Santander teria sido informado de que era o único proponente antes do fim do processo de venda organizado pelo FROB.

568    Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou que o processo de venda estivesse ferido de irregularidades e não pode sustentar que o desenrolar do processo não levou a maximizar o preço de venda.

569    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte.

b)      Quanto à segunda parte, relativa à avaliação 2

570    A recorrente alega, em substância, que a avaliação 2 está errada e que o CUR violou o artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014 e o seu dever de fundamentação.

571    A segunda parte divide‑se, em substância, em cinco alegações. Primeiro, a recorrente alega que o CUR violou o seu dever de fundamentação na medida em que a avaliação 2 não foi anexada ao programa de resolução. Segundo, alega igualmente que o CUR violou o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 na medida em que a avaliação 2 não era «justa, prudente e realista». A este respeito, sustenta que a avaliação 2 não era fiável, tendo a Deloitte reconhecido que se baseava em informações insuficientes. Sustenta que a avaliação 2 só pode ser fiável se for completada por uma avaliação definitiva. Em terceiro lugar, contesta o método utilizado na avaliação 2. Em quarto lugar, alega que a avaliação 2 estava em contradição com a avaliação 1 e com o facto de o Banco Popular ter sido considerado solvente, que não teve em conta o valor de mercado do Banco Popular e que integrou margens para perdas sem justificação. Em quinto lugar, a recorrente alega que, segundo o relatório pericial de 2 de dezembro de 2018, relativo à avaliação 2, junta com a réplica (a seguir «relatório de peritagem»), a avaliação 2 contém erros manifestos de apreciação.

572    No caso, há que lembrar que a avaliação do Banco Popular, realizada antes da adoção do programa de resolução, contém dois relatórios anexos ao programa de resolução.

573    A avaliação 1, datada de 5 de junho de 2017, foi redigida pelo CUR em aplicação do artigo 20.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014 e tinha por objetivo fornecer os elementos que permitissem determinar se estavam reunidas as condições para acionar um procedimento de resolução, conforme definidas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

574    A avaliação 2, datada de 6 de junho de 2017, foi redigida pela Deloitte, na qualidade de perito independente, em aplicação do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014.

575    O programa de resolução indica que, tendo em conta a urgência, a avaliação 2, realizada em conformidade com o artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014, tinha por objetivo estimar o valor do ativo e do passivo do Banco Popular, fornecer uma estimativa sobre o tratamento de que os acionistas e credores teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência e fornecer elementos que permitissem tomar a decisão relativa às ações e títulos de propriedade a transferir e permitir ao CUR determinar as condições comerciais para efeitos do instrumento de alienação de atividade.

576    Na avaliação 2, a Deloitte indicou ter‑se baseado nas exigências do artigo 36.o da Diretiva 2014/59 (correspondente ao artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014) e no capítulo 3 do projeto definitivo de normas técnicas de regulamentação da ABE n.o 2017/05 e 2017/06, de 23 de maio de 2017, relativa à avaliação para efeitos da resolução e de avaliação com vista a determinar a diferença de tratamento na sequência da resolução prevista na Diretiva 2014/59 (a seguir «normas técnicas da ABE»).

577    O artigo 36.o, n.o 15, da Diretiva 2014/59 autoriza a ABE a elaborar projetos de normas técnicas de regulamentação com vista a precisar os critérios com base nos quais devem ser efetuadas as avaliações num processo de resolução.

578    O capítulo 3 das normas técnicas da ABE refere‑se ao projeto de normas técnicas de regulamentação n.o 2017/05 sobre a avaliação para efeitos da resolução (a seguir «normas técnicas de regulamentação») e contém, nomeadamente, em conformidade com o artigo 36.o, n.o 15, da Diretiva 2014/59, um projeto de regulamento delegado da Comissão que completa a Diretiva 2014/59 através de normas técnicas de regulamentação que precisem os critérios do método a utilizar para avaliar o valor do ativo e do passivo das instituições ou entidades.

579    Além disso, refira‑se que, à data da adoção do programa de resolução, essas normas técnicas de regulamentação não eram vinculativas, na medida em que o artigo 5.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que o CUR, o Conselho e a Comissão estão sujeitos às normas técnicas de regulamentação e de execução vinculativas elaboradas pela ABE quando adotadas pela Comissão. Essas normas técnicas de regulamentação foram integradas no Regulamento Delegado (UE) 2018/345 da Comissão, de 14 de novembro de 2017, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito às normas técnicas de regulamentação que especificam os critérios aplicáveis ao método de avaliação do valor dos ativos e passivos das instituições ou entidades (JO 2018, L 67, p. 8).

580    No artigo 6.3. do programa de resolução, o CUR indicou que, para decidir da redução e conversão dos instrumentos de capital do Banco Popular, se baseou na avaliação 2, conforme completada e corroborada pelos resultados do processo de venda levado a cabo pelo FROB.

581    Na medida em que a avaliação 2 contém apreciações técnicas e económicas complexas, há que reconhecer ao CUR um amplo poder de apreciação quando considerou que a avaliação 2 constituía uma base válida para decidir das medidas de resolução.

582    Por conseguinte, em aplicação da jurisprudência acima referida nos n.os 114 a 119, a fiscalização efetuada pelo Tribunal Geral é uma fiscalização restrita que se limita a verificar a inexistência de erro manifesto de apreciação do CUR quando considerou que a avaliação 2 estava em conformidade com as exigências do artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014. Cabe à recorrente apresentar prova bastante que retire plausibilidade à avaliação 2.

1)      Quanto à primeira alegação, relativa à violação do dever de fundamentação

583    A recorrente alega que o CUR violou o seu dever de fundamentação na medida em que a avaliação 2 não foi junta ao programa de resolução e o acesso concedido posteriormente a uma versão censurada dessa avaliação não pôs termo a essa violação. Considera que uma falta de fundamentação não pode ser regularizada após a interposição do recurso.

584    Há que lembrar que a avaliação 2 foi publicada no sítio Internet do CUR, em 2 de fevereiro e 31 de outubro de 2018, em versões cada vez menos expurgadas.

585    A esse respeito, refira‑se que, na réplica, na sequência dessas publicações, a recorrente não apresenta nenhum argumento relativo a uma insuficiência de fundamentação da avaliação 2. Limita‑se a afirmar que o acesso a uma versão não confidencial da avaliação 2 não elimina o dever de fundamentação.

586    Além disso, há que observar que as publicações sucessivas no sítio Internet do CUR dizem respeito ao programa de resolução e às avaliações 1 e 2 nas suas versões originais. Essas publicações visavam dar ao público acesso a partes desses documentos que tinham sido, na origem, consideradas confidenciais.

587    Não se tratava de o CUR publicar informações que não figuravam desde o início no programa de resolução ou nas avaliações 1 e 2 e que tivessem por objeto completar a sua fundamentação. Com este argumento, a recorrente faz confusão entre a publicação de uma decisão, isto é, o facto de tornar pública a sua fundamentação, e o facto de completar a fundamentação com elementos adicionais que não figuravam no momento da sua adoção.

588    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira alegação.

2)      Quanto à segunda alegação, relativa à fiabilidade da avaliação 2

589    A recorrente sustenta que a avaliação 2 não era fiável, tendo a Deloitte reconhecido que se baseava em informações insuficientes.

590    A esse respeito, refira‑se que, na carta que acompanhava a comunicação da avaliação 2 ao CUR, a Deloitte indicou que, atendendo à difícil posição de liquidez do Banco Popular, tinha sido convidada a realizar a sua avaliação num prazo extremamente curto. O trabalho principal foi limitado a doze dias a contar do dia em que teve acesso à documentação, quando tal projeto deveria normalmente demorar seis semanas. A Deloitte referiu que havia um certo número de lacunas e incoerências entre as informações disponíveis. Referiu que a avaliação devia ser considerada altamente incerta e provisória nos termos do artigo 36.o da Diretiva 2014/59 e que tinha sido incluída na avaliação uma margem para perdas suplementares em conformidade com o artigo 36.o, n.o 9, da Diretiva 2014/59, que corresponde ao artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014.

591    O artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014 prevê expressamente a hipótese de, tendo em conta a urgência da situação, não ser possível respeitar os requisitos previstos nos n.os 7 e 9 desse artigo, a saber, nomeadamente, quando não seja possível completar a avaliação através de certas informações constantes dos livros e registos contabilísticos. Além disso, essa disposição reconhece a existência de incertezas inerentes a qualquer avaliação provisória ao prever no seu segundo parágrafo que esta integra uma margem para perdas suplementares.

592    Assim, em conformidade com esta disposição, a Deloitte limitou‑se a indicar que, atendendo ao pouco tempo disponível para efetuar a avaliação, tinha que se basear em informações incompletas. Precisou que a avaliação que efetuara devia ser considerada uma avaliação provisória nos termos do artigo 36.o, n.o 9, da Diretiva 2014/59.

593    Além disso, resulta do artigo 20.o, n.o 13, do Regulamento n.o 806/2014 que, tendo em conta a urgência da situação, o CUR se podia basear na avaliação 2, efetuada ao abrigo do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014, para adotar o programa de resolução, o que a recorrente não contesta.

594    Por conseguinte, há que considerar que, tendo em conta as limitações de tempo e as informações disponíveis, certas incertezas e aproximações são inerentes a qualquer avaliação provisória efetuada em aplicação do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014 e que as reservas formuladas pela Deloitte não podem significar que a avaliação 2 não era «justa, prudente e realista» na aceção do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

595    Por outro lado, a recorrente sustenta que a avaliação 2 só pode ser fiável se for completada por uma avaliação definitiva. Ora, o CUR confirmou que não havia avaliação definitiva ex post.

596    A esse respeito, em 30 de julho de 2018, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral no âmbito de uma medida de organização do processo, o CUR indicou que a avaliação 2 não seria seguida de uma avaliação definitiva ex post. Considerou que, devido às particularidades do caso presente, chegou à conclusão de que uma avaliação definitiva ex post não serviria nenhuma finalidade prática no âmbito do artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014, nem levaria a uma decisão de compensação prevista no artigo 20.o, n.o 12, do mesmo regulamento.

597    Refira‑se que a avaliação definitiva ex post prevista no artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014 é, por definição, posterior à adoção do programa de resolução e da decisão da Comissão.

598    Além disso, como foi acima indicado no n.o 594, em aplicação do artigo 20.o, n.o 13, do Regulamento n.o 806/2014, uma avaliação provisória como a avaliação 2 constitui uma base válida para adotar o programa de resolução.

599    Basta lembrar que, segundo jurisprudência constante, a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o ato foi adotado (v. Acórdão de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão, C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 22 e jurisprudência referida). Consequentemente, na apreciação da legalidade desse ato, está excluída a consideração de elementos posteriores à data em que o ato da União foi adotado (v. Acórdão de 17 de dezembro de 2014, Si.mobil/Comissão, T‑201/11, EU:T:2014:1096, n.o 64 e jurisprudência referida).

600    Daí resulta que o facto de proceder ou não a uma avaliação definitiva ex post, que é manifestamente posterior à adoção do programa de resolução, não pode afetar a validade das decisões recorridas.

601    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda alegação.

3)      Quanto à terceira alegação, relativa ao método utilizado na avaliação 2

602    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a Deloitte, na avaliação 2, partiu do princípio de que a avaliação do Banco Popular devia ser feita no âmbito de um cenário de liquidação, o que pressupõe a aplicação dos critérios do artigo 20.o, n.os 16 e 17, do Regulamento n.o 806/2014 e constitui um erro manifesto e é contrário ao artigo 20.o, n.o 8, desse regulamento. Considera que a avaliação 2 não podia aplicar o critério do valor de liquidação do banco, que é o critério pertinente para a avaliação 3, que é uma avaliação distinta da avaliação 2.

603    Refira‑se que esse argumento assenta numa compreensão errada da metodologia utilizada na avaliação 2. Com efeito, a avaliação 2 contém duas partes, uma primeira que contém a avaliação provisória do Banco Popular e uma segunda que consiste numa simulação de cenário de liquidação. A primeira parte visa determinar o valor económico do Banco Popular no âmbito da aplicação do instrumento de alienação da atividade. A segunda parte tem por objeto determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um melhor tratamento se o Banco Popular tivesse sido objeto de liquidação num processo normal de insolvência nos termos da lei espanhola.

604    O CUR adotou o programa de resolução tendo em conta a primeira parte da avaliação 2 que continha a avaliação dos ativos e do passivo do Banco Popular propriamente dito. Em contrapartida, tendo a Deloitte precisado que não dispunha de todas as informações necessárias nem de tempo suficiente para proceder a uma estimativa mais do que simplesmente indicativa nessa fase, a segunda parte da avaliação 2 corresponde a uma primeira simulação, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 9, do Regulamento n.o 806/2014. A avaliação 3, que é a avaliação definitiva destinada a determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um melhor tratamento se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência, nos termos do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, foi realizada posteriormente à resolução.

605    Ora, o valor de liquidação, cuja utilização pela Deloitte é contestada pelos recorrentes, corresponde à segunda parte da avaliação 2. No âmbito da primeira parte, a Deloitte teve em conta o valor de cessão do Banco Popular.

606    Quanto à metodologia utilizada, a Deloitte indicou, na avaliação 2, que o cenário utilizado para determinar o valor económico era a venda do banco segundo o instrumento de alienação da atividade. Em conformidade com o artigo 20.o, n.o 5, alínea f), do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação visava fornecer os elementos que permitissem tomar a decisão sobre os ativos, os direitos, os compromissos ou os títulos de propriedade a transferir e fornecer os elementos que permitissem ao CUR determinar o que constituía condições comerciais para efeitos do artigo 24.o, n.o 2, alínea b), do mesmo regulamento.

607    A Deloitte explicou que «[a sua] avaliação económica vis[ava] fornecer uma estimativa do valor que podia ser proposto por um potencial adquirente pelo banco no seu conjunto, na sequência de um processo de leilão aberto, justo e competitivo (um “valor de alienação” em conformidade com o artigo 11.o das normas técnicas de regulamentação […])».

608    Resulta do considerando 6 das normas técnicas de regulamentação que a escolha da base de avaliação mais adequada (valor de detenção ou valor de alienação) deve ser efetuada em função das medidas de resolução específicas previstas pela autoridade de resolução.

609    No que respeita à escolha da base de avaliação, o artigo 11.o, n.o 4, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento Delegado 2018/345, indica:

«Quando as medidas de resolução a que se refere o artigo 10.o, n.o 1, exigem que os ativos e passivos sejam retidos por uma entidade que seja uma instituição em atividade, o avaliador utiliza o valor de detenção como base adequada de avaliação. O valor de detenção pode, se for considerado justo, prudente e realista, antecipar uma normalização das condições de mercado.

O valor de detenção não deve ser usado como base de avaliação quando os ativos são transferidos para um veículo de gestão de ativos nos termos do artigo 42.o da Diretiva 2014/59/UE ou para uma instituição de transição, nos termos do artigo 40.o da referida diretiva, ou quando é utilizado o instrumento de alienação da atividade em conformidade com o artigo 38.o da Diretiva 2014/59/UE.»

610    Segundo o artigo 12.o, n.o 4, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 12.o, n.o 4, do Regulamento Delegado 2018/345, «[q]uando a situação de uma entidade a impede de deter um ativo ou prosseguir uma atividade, ou quando a alienação for considerada necessária por qualquer outra razão pela autoridade de resolução para a consecução dos objetivos da resolução, os fluxos de caixa esperados são indicados em função dos valores de cessão previstos dentro de um determinado período para o efeito».

611    Os fatores a ter em conta para determinar o valor da alienação, para efeitos do instrumento de alienação da atividade, são definidos no artigo 12.o, n.os 5 a 7, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 12.o, n.os 5 a 7, do Regulamento Delegado 2018/345.

612    Daqui resulta que a recorrente não pode sustentar que o valor de alienação não era a metodologia correta para apreciar o valor do Banco Popular no âmbito da avaliação 2.

613    Em segundo lugar, a recorrente alega que a avaliação 2 não teve em conta o valor de mercado do Banco Popular antes da resolução.

614    Importa salientar que o valor da ação do Banco Popular no mercado antes da adoção da decisão de resolução não pode constituir um critério de avaliação do valor de cessão do Banco Popular no âmbito da aplicação do instrumento de alienação da atividade.

615    O artigo 2.o, n.o 1, das normas técnicas de regulamentação prevê que:

«Quando procede à avaliação, o avaliador deve ter em conta as circunstâncias que afetam os fluxos de caixa esperados dos ativos e passivos de uma entidade e as taxas de desconto aplicáveis a estes últimos, devendo ter como objetivo representar devidamente a situação financeira da entidade no contexto das oportunidades e dos riscos por ela enfrentados.»

616    No que respeita, mais especificamente, ao valor da cessão, o artigo 12.o, n.o 5, das normas técnicas de regulamentação prevê:

«O valor é determinado pelo avaliador com base nos fluxos de caixa, líquidos dos custos de cessão e líquidos do valor esperado das eventuais garantias prestadas, que a entidade irá previsivelmente receber nas condições de mercado prevalecentes através de uma alienação ou transferência ordenada de ativos ou passivos. Se for caso disso, atendendo às medidas a tomar no âmbito do regime de resolução, o avaliador pode determinar o valor de cessão aplicando, ao preço de mercado da referida alienação ou transferência, uma redução correspondente a um desconto pela eventual alienação acelerada. Para determinar o valor de cessão de ativos que não dispõem de um mercado líquido, o avaliador considera os preços observáveis nos mercados em que sejam negociados ativos semelhantes ou recorre a modelos de cálculo utilizando parâmetros de mercado observáveis, tendo devidamente em conta os descontos para a falta de liquidez.»

617    A avaliação 2 visava determinar o que um potencial adquirente poderia pagar ao Banco Popular nas circunstâncias existentes à data da adoção do programa de resolução. A este respeito, quanto à metodologia utilizada na avaliação 2, a Deloitte indicou que tinha adotado uma abordagem por categoria, ajustando os valores contabilísticos de cada classe de ativos e passivos para estimar as perdas e ganhos e outros ajustamentos que qualquer adquirente aplicaria ao valor. Apresentou um intervalo de avaliação para cada classe de ativos e passivos.

618    Por um lado, há que considerar que o valor de mercado do Banco Popular antes de ser declarado em situação ou risco de insolvência não pode constituir um critério de determinação do valor de cessão do banco. A este respeito, como refere a Comissão, os mercados desconheciam a resolução iminente do Banco Popular, o alcance das medidas projetadas e o facto de, se não tivesse havido resolução, o Banco Popular ter sido objeto de um processo de insolvência, pelo que o preço da ação dessa instituição antes da resolução não correspondia necessariamente ao seu valor económico real.

619    Por outro lado, o valor da ação do Banco Popular no mercado não pode constituir uma informação suficiente que permita estabelecer uma estimativa por categorias ou grupos de ativos.

620    Por estes motivos, contrariamente ao que indica o relatório de peritagem, o valor de mercado do Banco Popular não pode ser considerado um indicador do seu valor para efeitos da avaliação 2.

621    Por outro lado, na avaliação 2, a Deloitte explicou por que motivo o valor de mercado do Banco Popular não constituía uma metodologia adequada para apreciar o valor da sua cessão. Em especial, a Deloitte indicou que, dada a situação em que o banco se encontrava, o preço da ação tinha conhecido uma grande volatilidade.

622    A este respeito, no relatório de peritagem, indica‑se que «o preço da ação em vigor é a prova direta de um preço que um comprador estava disposto a pagar por um pequeno pacote de ações, independentemente da sua volatilidade». Ora, basta lembrar que o valor de cessão que a Deloitte devia considerar dizia respeito à aquisição de todo o Banco Popular e não apenas a algumas ações.

623    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a avaliação 2 integra as margens para perdas sem justificação, o que é contrário ao artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014.

624    A este respeito, há que lembrar que o artigo 20.o, n.o 10, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 indica que a avaliação provisória referida no primeiro parágrafo integra uma margem para perdas suplementares, acompanhada de uma justificação.

625    O artigo 13.o das normas técnicas de regulamentação define o método utilizado para calcular e incluir uma margem para perdas adicionais no âmbito da avaliação provisória e prevê:

«1.      Para fazer face à incerteza inerente às avaliações provisórias realizadas em conformidade com o artigo 36.o, n.o 4, alíneas b) a g) da Diretiva 2014/59/UE, o avaliador inclui na avaliação uma reserva prudencial, em função dos factos e circunstâncias que fundamentam a existência de perdas adicionais cujo montante e calendarização sejam incertos. A fim de evitar uma dupla contabilização dessa incerteza, os pressupostos em que assenta o cálculo da reserva prudencial são devidamente explicados e justificados pelo avaliador.

2.      No intuito de determinar a dimensão da reserva, o avaliador identifica os fatores que podem afetar os fluxos de caixa esperados em consequência das medidas de resolução suscetíveis de serem adotadas.»

626    A este respeito, há que lembrar que a Deloitte, na carta de acompanhamento da avaliação 2, indicou expressamente que essa avaliação integrava uma margem para perdas suplementares em conformidade com o artigo 36.o, n.o 9, da Diretiva 2014/59 e que aplicava as normas técnicas de regulamentação, as quais preveem que a avaliação deve incluir uma margem para perdas suplementares. A Deloitte mencionou que a margem para perdas suplementares fazia parte integrante da avaliação 2 e que os detalhes figuravam no relatório sobre a avaliação 2 e no seu anexo.

627    Assim, no que respeita à justificação dessa margem, refira‑se que, na avaliação 2, para cada categoria de ativos, a Deloitte forneceu explicações a respeito das diferentes circunstâncias suscetíveis de conduzir a perdas suplementares e mencionou as incertezas quanto à sua avaliação. A Deloitte justificou, assim, a inclusão da margem para perdas adicionais em conformidade com as exigências das normas técnicas de regulamentação.

628    Refira‑se que a recorrente não apresenta nenhum argumento no sentido de contestar essas explicações que constam da avaliação 2. No relatório de peritagem, o perito limita‑se a afirmar que a Deloitte não quantificou, explicou ou justificou a margem para perdas suplementares.

629    Por conseguinte, improcede a terceira alegação.

4)      Quanto à quarta alegação, relativa à contradição com a avaliação 1

630    A recorrente alega que a avaliação 2 está em contradição com o facto de o Banco Popular ter sido considerado solvente na avaliação 1, na avaliação do BCE sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular e com o facto de o Banco de Espanha ter declarado a solvabilidade do Banco Popular em 5 de junho de 2017.

631    Há que lembrar que, em 5 de junho de 2017, o CUR adotou a avaliação 1, em aplicação do artigo 20.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, que tinha por objetivo fornecer os elementos que permitissem determinar se estavam preenchidas as condições para se acionar um processo de resolução ou as condições aplicáveis à redução ou à conversão dos seus instrumentos de capital. Em particular, o CUR indicou que a avaliação 1 tinha por objetivo contribuir para determinar se o Banco Popular estava em situação ou risco de insolvência, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014.

632    É certo que as normas técnicas da ABE, adotadas em 23 de maio de 2017, não eram vinculativas, mas estavam disponíveis à data da avaliação 2. Na avaliação 2, a Deloitte indica expressamente ter respeitado as normas técnicas da ABE.

633    Na sua síntese introdutória, as normas técnicas da ABE especificam a necessidade de distinguir entre dois tipos de avaliações anteriores à resolução, a saber, por um lado, a avaliação 1, efetuada ao abrigo do artigo 36.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2014/59, equivalente do artigo 20.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, e, por outro, a avaliação 2, efetuada ao abrigo do artigo 36.o, n.o 4, alíneas b) a g), da Diretiva 2014/59, que corresponde ao artigo 20.o, n.o 5, alínea b), da Diretiva 806/2014.

634    O considerando 1 das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no considerando 1 do Regulamento Delegado 2018/345, recorda esta distinção entre, por um lado, uma avaliação inicial que permite determinar se estão preenchidas as condições de abertura de um procedimento de resolução ou as condições aplicáveis à redução ou à conversão de instrumentos de capital e, por outro, uma avaliação posterior que constitui a base da decisão de aplicar um ou mais instrumentos de resolução. As normas técnicas de regulamentação estabelecem critérios diferentes para a realização da avaliação 1 e da avaliação 2.

635    Além disso, há que lembrar que, segundo o artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação desse requisito é realizada pelo BCE ou pelo CUR.

636    Quanto ao argumento da recorrente de que as conclusões das avaliações 1 e 2 eram contraditórias, basta observar que é inoperante.

637    Com efeito, a avaliação 1, adotada em 5 de junho de 2017, destinada a determinar se o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência, a fim de determinar se estavam preenchidas as condições de abertura de um procedimento de resolução ou da redução ou da conversão de instrumentos de capital, tornou‑se obsoleta na sequência da avaliação efetuada pelo BCE em 6 de junho de 2017, relativa à situação de situação ou risco de insolvência do Banco Popular.

638    É certo que, na avaliação 1, o CUR indicou que, à data de referência da sua avaliação, a saber, 31 de março de 2017, o Banco Popular era solvente. Há que lembrar, porém, por um lado, que o BCE se baseou nos significativos levantamentos de depósitos do Banco Popular a partir dos meses de abril e maio de 2017 e na incapacidade de este gerar nova liquidez, para concluir que, em 6 de junho de 2017, o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência. Por outro lado, a conclusão do BCE assentava no facto de o Banco Popular não poder pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento, na aceção do artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, e não no facto de o Banco Popular estar insolvente no balanço. Assim, as conclusões da avaliação 1 já não eram pertinentes à data da resolução.

639    Por outro lado, refira‑se que as diferenças de conclusões entre a avaliação 1 e a avaliação 2 se explicam pelo facto de, tendo objetivos diferentes, se basearem em critérios de avaliação diferentes definidos nas normas técnicas da ABE. Assim, segundo as normas técnicas da ABE, a avaliação 1 visa principalmente determinar se o valor total dos ativos da entidade ultrapassa o dos seus passivos, por outras palavras, se a entidade é solvente no balanço, enquanto a avaliação 2 se deve basear no valor económico e não no valor contabilístico da entidade.

640    Por último, na medida em que a avaliação 2 deve ter em conta o valor económico e não o valor contabilístico do Banco Popular, a recorrente não pode alegar a existência de uma contradição entre a constatação de que o Banco Popular era solvente, efetuado na avaliação 1, na avaliação do BCE ou pelo Banco de Espanha, e a conclusão da avaliação 2.

641    Por conseguinte, improcede a quarta alegação.

5)      Quanto à quinta alegação, relativa à existência de erros manifestos de apreciação

642    A recorrente alega que, segundo o relatório de peritagem, a avaliação 2 contém erros manifestos de apreciação.

643    Refira‑se, antes de mais, que a recorrente alega que, segundo o relatório pericial, a avaliação 2 contém uma avaliação em baixa, na medida em que não tem em conta os dados de mercado e os dados dos auditores que dispuseram de tempo para avaliar o Banco Popular.

644    A este respeito, no que respeita ao valor de mercado, remete‑se para a análise acima feita nos n.os 615 a 622. Quanto aos dados dos auditores, refira‑se que o valor dado aos ativos do Banco Popular por esses auditores corresponde ao seu valor contabilístico. Estes dados não podem, portanto, ser comparados com os relativos ao valor económico dos ativos, que deviam ser tidos em conta pela Deloitte para determinar o valor de cessão do Banco Popular.

645    Em primeiro lugar, quanto aos empréstimos e créditos, a recorrente, baseando‑se no relatório de peritagem, alega que a sua avaliação não é realista na medida em que contradiz os rácios de provisões aprovados pelo supervisor e a avaliação 1, em que o valor contabilístico da carteira de empréstimos não foi reduzido.

646    Basta recordar que resulta do n.o 644, supra, e da análise da quarta alegação que os dados do supervisor e a avaliação 1, na medida em que só tomam em consideração o valor contabilístico dos ativos do Banco Popular, não são pertinentes para efeitos da comparação com a avaliação 2.

647    Além disso, há que salientar que os empréstimos e créditos fazem parte dos elementos relativamente aos quais existe uma grande incerteza e aos quais o avaliador presta especial atenção nos termos do artigo 8.o, alínea a), das normas técnicas de regulamentação, que prevê:

a)      Empréstimos ou carteiras de empréstimos, cujos fluxos de caixa esperados dependem da capacidade da contraparte de cumprir as suas obrigações, da sua vontade de o fazer ou de incentivos nesse sentido, quando essas previsões se baseiam em pressupostos relativos às taxas de incumprimento, probabilidades de incumprimento, perdas em caso de incumprimento ou características dos instrumentos, nomeadamente quando comprovado pela evolução anterior das perdas de uma carteira de empréstimos;»

648    Além disso, nas páginas 4 a 11 do anexo da avaliação 2, a Deloitte explicou os ajustamentos que tinha efetuado relativamente à avaliação dos empréstimos e créditos, em especial tendo em conta os riscos de falta de pagamento. A recorrente não apresenta nenhum argumento que impugne esses ajustamentos.

649    Em segundo lugar, no que respeita aos ativos imobiliários, a recorrente, baseando‑se no relatório de peritagem, alega que a avaliação 2 reduziu injustificadamente o seu valor ao não ter em conta as avaliações desses ativos efetuadas pelos peritos habilitados pelo Banco de Espanha. A avaliação 2 ignora o valor dado pelos auditores do Banco Popular a esses ativos e as recomendações do Banco de Espanha para os valorizar.

650    Há que rejeitar este argumento na medida em que se baseia numa comparação com as avaliações efetuadas pelos auditores, que não são pertinentes.

651    Refira‑se ainda que este argumento não é suficientemente claro para compreender o seu alcance. Nomeadamente, a recorrente não precisa quais são os peritos habilitados pelo Banco de Espanha nem as recomendações do Banco de Espanha que foram ignoradas pela Deloitte.

652    Em todo o caso, resulta da leitura do relatório de peritagem que as «recomendações do Banco de Espanha» remetem para a sua Circular 4/2016. O perito refere que, no que respeita à avaliação dos ativos imobiliários apreendidos, a Deloitte utilizou a Orden ECO/805/2003, sobre as normas de valoración de bienes inmuebles y de determinados derechos para ciertas finalidades financieras (regra ECO/805/2003 sobre as regras de avaliação dos bens imóveis e de certos direitos para determinados fins financeiros), de 27 de março de 2003 (BOE n.o 85, de 9 de abril de 2003, p. 13678), para proceder a ajustamentos, o que conduziu a um valor mais baixo do que se tivesse seguido a Circular 4/2016. A este respeito, basta observar que o perito não contesta a aplicabilidade da regra ECO 805/2003.

653    Além disso, no relatório de avaliação 2, a Deloitte considerou que uma avaliação justa dos ativos imobiliários apreendidos exigia um ajustamento compreendido entre 42 e 47 % em relação às avaliações fornecidas pelo Banco Popular. No anexo da avaliação 2, a Deloitte indicou que a maior parte das incoerências detetadas se devia a uma insuficiente consideração da regra ECO/805/2003, que estabelece as regras obrigatórias para a avaliação dos bens imóveis no setor bancário espanhol. Em especial, a Deloitte indica que essas incoerências dizem respeito, nomeadamente, à avaliação das expectativas em matéria de urbanismo e ao estado de adiantamento das obras.

654    No relatório de peritagem, o perito não suscita nenhum argumento destinado a pôr em causa essa apreciação da Deloitte na avaliação 2. Limita‑se a mencionar que os peritos habilitados pelo Banco de Espanha eram igualmente qualificados para proceder à avaliação dos ativos imobiliários do Banco Popular.

655    Daí resulta que a Deloitte explicou o método utilizado, na avaliação 2, para valorizar os ativos imobiliários do Banco Popular e justificou as razões pelas quais a sua avaliação dos ativos imobiliários apreendidos era distinta da fornecida pelo Banco Popular.

656    Em terceiro lugar, quanto aos ativos de impostos diferidos, a recorrente sustenta que a Deloitte procedeu à sua avaliação sem dispor dos documentos necessários e que essa avaliação está em contradição com a avaliação 1.

657    Basta recordar que resulta da análise da quarta alegação que o argumento da recorrente relativo à contradição com a avaliação 1 é inoperante.

658    Quanto à avaliação dos ativos de impostos diferidos, a Deloitte indicou, no anexo da avaliação 2, as incertezas da sua avaliação relacionadas com o tempo e com as informações disponíveis e que são inerentes à própria natureza desses ativos. A este respeito, a Deloitte forneceu explicações sobre o método utilizado para avaliar os ativos de impostos diferidos e sobre as hipóteses que tinha tido em conta.

659    Por exemplo, a Deloitte, no relatório sobre a avaliação 2, indicou que a avaliação dos ativos fiscais diferidos não protegidos dependia dos lucros tributáveis antecipados do adquirente (plano de negócios) e dos níveis de créditos fiscais existentes. Indicou, nomeadamente, no anexo da avaliação 2, que a avaliação dos ativos fiscais diferidos não protegidos dependia do adquirente, nomeadamente do facto de se tratar de uma entidade espanhola ou estrangeira e que, no caso de o adquirente ser um banco espanhol, o seu caráter recuperável e a sua contabilização no balanço dependeriam do plano de processo do Banco Popular e do adquirente. O relatório sobre a avaliação menciona que a avaliação feita pela Deloitte tem em conta estas diferentes hipóteses.

660    Por último, há que lembrar que a existência de incertezas é inerente a qualquer avaliação provisória efetuada com base no artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014.

661    Ora, a recorrente não invoca nenhum argumento destinado a pôr em causa o método de avaliação dos ativos de impostos diferidos utilizado pela Deloitte e explicado nas páginas 27 a 33 do anexo da avaliação 2.

662    Em quarto lugar, quanto às provisões para riscos jurídicos, a recorrente remete para o relatório de peritagem, segundo o qual a avaliação 2 aumentou injustificadamente essas provisões.

663    Basta observar que o relatório de peritagem se limita a comparar o resultado da avaliação dos riscos jurídicos efetuada pela Deloitte com a adotada no relatório de auditoria do Banco Popular.

664    Estas apreciações não são suscetíveis de pôr em causa os ajustamentos efetuados pela Deloitte com base na sua própria experiência e nas tendências do setor que conduziram a diferentes hipóteses explicadas nas páginas 34 a 38 do anexo da avaliação 2.

665    Por outro lado, a recorrente considera que a avaliação 2 não teve em conta as sinergias significativas que o Banco Popular apresentava para o Banco Santander, demonstradas pelo significativo aumento da cotação na Bolsa do Banco Santander em 7 de junho de 2017 e nos dois dias seguintes.

666    A esse respeito, basta observar que a avaliação 2 tinha por objetivo determinar o valor de cessão do Banco Popular para qualquer potencial adquirente. A Deloitte não podia, portanto, ter em conta, na avaliação 2, as sinergias relativas a um adquirente cuja identidade ignorava. O valor específico atribuído aos ativos e passivos do Banco Popular na contabilidade do Banco Santander na sequência da integração deste último não é, por conseguinte, pertinente.

667    Por conseguinte, a recorrente não demonstrou a existência de erros manifestos de apreciação na avaliação 2 e há que rejeitar a quinta alegação.

668    Resulta do exposto que a segunda parte deve ser julgada improcedente, bem como o nono fundamento na íntegra.

10.    Quanto ao décimo fundamento, relativo à violação do artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, do dever de diligência e do artigo 296.o TFUE

669    A recorrente alega que o CUR, no programa de resolução, violou o artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, o seu dever de diligência e o artigo 296.o TFUE, na medida em que procedeu à redução das ações e à alienação da atividade sem analisar se existiam outras medidas que levassem a uma menor destruição de valor para os acionistas.

670    Em primeiro lugar, a recorrente alega que nada na fundamentação do programa de resolução demonstra que o CUR tenha analisado outras soluções menos gravosas para os acionistas antes de proceder à redução dos instrumentos de capital do Banco Popular e à alienação da atividade. Não justificou se outras soluções teriam permitido evitar a destruição de valor para os acionistas em conformidade com o artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014.

671    Refira‑se que os argumentos da recorrente assentam numa interpretação errada do artigo 14.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014, acima referido no n.o 521.

672    Resulta desta disposição que os objetivos da resolução referidos no artigo 14.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 devem ser alcançados, na medida do possível, com um instrumento de resolução que implique a menor destruição de valor. Todavia, como precisa esta disposição, quando a destruição do valor provocada pelo instrumento de resolução escolhido for necessária para a realização desses objetivos e, portanto, para o interesse público, a resolução não pode ser considerada desproporcionada.

673    Além disso, como sublinha a Comissão, a destruição de valor na aceção do artigo 14.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 não se refere unicamente aos interesses patrimoniais dos acionistas e dos detentores de instrumentos de capital da entidade, mas igualmente dos seus depositantes, dos seus trabalhadores e dos outros credores.

674    Ao contrário do que sustenta a recorrente, esta disposição não implica que se aprecie a proporcionalidade da medida de resolução à luz da violação do direito de propriedade dos acionistas.

675    Há que lembrar que, no artigo 5.2 do programa de resolução, o CUR indicou que o instrumento de alienação da atividade constituía um meio adequado, necessário e proporcionado para atingir os objetivos da resolução que constam do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, a saber, principalmente, assegurar a continuidade das funções críticas e preservar a estabilidade financeira. No artigo 5.3. do programa de resolução, acima referido no n.o 339, o CUR explicou as razões pelas quais os outros instrumentos de resolução previstos no Regulamento n.o 806/2014 não eram adequados e não permitiam alcançar os objetivos da resolução na mesma medida.

676    Assim, o CUR indicou as razões pelas quais os outros instrumentos de resolução, como a segregação dos ativos, que segundo a recorrente teria levado a evitar a destruição de valor para os acionistas, não teriam permitido alcançar os objetivos previstos no artigo 14.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014.

677    Contrariamente ao que alega a recorrente, na medida em que o CUR justificou que o instrumento de alienação da atividade era necessário para a realização desses objetivos, não tinha de indicar se outras soluções teriam permitido evitar a destruição de valor na aceção do artigo 14.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014.

678    Por outro lado, há que salientar que, no artigo 4.5. do programa de resolução, o CUR concluiu que a resolução contribuía igualmente para a minimização da destruição de valor, tendo em conta o facto de a liquidação do Banco Popular ter causado perdas maiores para os credores do que a resolução. O CUR considerou igualmente, no artigo 4.6. do programa de resolução, que os inconvenientes e os custos associados à adoção da medida de resolução, principalmente as perdas sofridas pelos acionistas e pelos credores subordinados, seriam compensados pelas vantagens daí resultantes, a saber, a manutenção das funções críticas, a limitação dos efeitos negativos sobre a economia e a estabilidade financeira, bem como o facto de evitar perdas que outros credores poderiam sofrer.

679    Daqui resulta que, contrariamente ao que alega a recorrente, o CUR teve em conta, no programa de resolução, a destruição de valor que o instrumento de alienação da atividade podia implicar para os acionistas do Banco Popular.

680    Em segundo lugar, a recorrente alega que o CUR não verificou se o instrumento de segregação dos ativos, combinado com um empréstimo do FUR, teria sido adequado para resolver os problemas de liquidez e restabelecer a confiança do mercado e ultrapassou assim os limites do seu poder de apreciação. A recorrente sustenta que, segundo o relatório pericial junto com a petição, acima mencionado no n.o 483, uma segregação dos ativos conjugada com outras medidas destinadas a dar liquidez era, em princípio, realizável e teria permitido evitar uma destruição de valor para os acionistas contrária ao artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014.

681    Antes de mais, há que lembrar que, no artigo 5.3 do programa de resolução, acima referido no n.o 339, o CUR considerou que o instrumento de segregação dos ativos, quer combinado com o instrumento de recapitalização interna quer com o instrumento da instituição de transição, não permitia atingir os objetivos da resolução na mesma medida que o instrumento de alienação da atividade.

682    Além disso, a recorrente não apresenta nenhum argumento suscetível de demonstrar que a solução que invoca, a saber, uma segregação dos ativos conjugada com uma injeção de liquidez, era efetivamente possível tendo em conta a situação de liquidez do Banco Popular e a urgência com que o programa de resolução devia ser adotado nem que essa solução teria permitido restabelecer a viabilidade do Banco Popular a longo prazo.

683    Assim, na petição, a demandante limita‑se a remeter para a parte do relatório pericial que lhe está anexa, intitulada «a decisão não tem suficientemente em conta instrumentos de resolução alternativos». Ora, basta observar que nesse relatório, realizado em 16 de setembro de 2017 com base na versão do programa de resolução publicada em julho de 2017, os peritos reconhecem numerosas lacunas na sua análise, relativas ao facto de a versão do programa de resolução de que dispunham estar expurgada e de ignorarem o alcance dos problemas de liquidez do Banco Popular. Referem que o Banco Popular era solvente e apoiam‑se num certo número de hipóteses puramente teóricas relativas à venda de certos ativos. Em contrapartida, esse relatório não contém nenhuma análise destinada a demonstrar que uma solução alternativa ao instrumento de alienação da atividade era realizável, na prática, tendo em conta a deterioração da situação de liquidez do Banco Popular e a urgência. Esse relatório não demonstra a viabilidade concreta dessas vendas de ativos nas circunstâncias aplicáveis à data da resolução.

684    Como refere o CUR, a recorrente não explica suficientemente de que modo a solução alternativa teria sido igualmente eficaz, juridicamente realizável e menos onerosa do que a venda de ativos por meio do instrumento de alienação da atividade. A este respeito, há que salientar que os peritos que realizaram o relatório pericial de 16 de setembro de 2017 também realizaram o relatório de peritagem junto com a réplica, acima referido no n.o 484, no qual admitiram que, na falta de informações disponíveis, não tinham podido, no seu primeiro relatório, explicar com mais pormenores de que modo essa solução alternativa podia funcionar.

685    Além disso, o relatório pericial junto com a petição não tem em conta os objetivos da resolução, previstos no artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, e não demonstra, portanto, que a aplicação de outro instrumento de resolução, como a segregação de ativos, teria permitido atingir esses objetivos de forma igualmente eficaz como o instrumento de alienação da atividade.

686    Por último, como salientam a Comissão e o CUR, a aplicação do instrumento de segregação dos ativos necessita de um prazo que não estava disponível à data da resolução.

687    A esse respeito, na réplica, a recorrente alega que o CUR poderia ter realizado uma segregação de ativos de emergência. Remete, a esse respeito, para a secção 8 do relatório de peritagem junto com a réplica. Ora, basta observar que esse relatório de peritagem anexo à réplica se limita a indicar que as partes essenciais desse exercício podem ser realizadas num período substancialmente mais curto do que os 6 a 9 meses mencionados pela Comissão. Estes elementos não são suscetíveis de demonstrar que o instrumento de segregação dos ativos era concretamente exequível na situação de emergência em que se encontrava o Banco Popular.

688    A recorrente alega igualmente que a segregação dos ativos poderia ter sido aplicada com urgência se o plano de resolução de 2016 tivesse sido corretamente preparado.

689    Há que considerar, como faz a Comissão, que este argumento não é pertinente, na medida em que o plano de resolução de 2016 não podia prever a crise de liquidez que o Banco Popular teve de enfrentar a partir de abril de 2017.

690    A esse respeito, nos termos do artigo 23.o, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014, «[a]quando da adoção de um programa de resolução, o CUR, o Conselho e a Comissão têm em conta e seguem o plano de resolução referido no artigo 8.o, a não ser que o CUR entenda que, tendo em conta as circunstâncias do caso, os objetivos da resolução serão atingidos com mais eficácia através da adoção de medidas não previstas no plano de resolução».

691    No caso, o CUR explicou, nos considerandos 44 a 46 do programa de resolução, por que motivos o instrumento de resolução previsto no plano de resolução de 2016 não era adequado às circunstâncias existentes à data da resolução. Assim, referiu que o plano de resolução de 2016 se baseava na hipótese de a insolvência do Banco Popular estar ligada a uma deterioração da sua situação de capital. Ora, na medida em que a insolvência do Banco Popular decorria da deterioração da sua situação de liquidez, o CUR indicou que não estava garantido que o instrumento de recapitalização interna, previsto nesse plano, tivesse permitido sanar imediata e eficazmente a crise de liquidez do Banco Popular.

692    Daqui resulta que as eventuais deficiências do plano de resolução de 2016 não podem levar à anulação das decisões recorridas e que os argumentos da recorrente a esse respeito são inoperantes. Em particular, o relatório especial do Tribunal de Contas n.o 23/2017, intitulado: «[CUR]: começou a complexa construção da União Bancária, mas há ainda muito a fazer», referido pela recorrente, não é pertinente.

693    Em terceiro lugar, a recorrente alega que o CUR violou o seu dever de diligência e de boa administração ao não examinar as eventuais soluções previstas no artigo 76.o do Regulamento n.o 806/2014, a saber, um empréstimo do FUR, para resolver os problemas de liquidez do Banco Popular.

694    A este respeito, basta observar que, nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, no âmbito do programa de resolução, ao aplicar instrumentos de resolução, o CUR pode utilizar o FUR somente na medida do necessário para assegurar uma aplicação eficaz dos instrumentos de resolução, nomeadamente para os fins de conceder empréstimos à instituição sujeita a um procedimento de resolução. Daqui resulta claramente que essa possibilidade só pode ser considerada no âmbito de uma medida de resolução e em nenhum caso constitui uma medida alternativa a essa medida. Como refere o CUR, o recurso ao FUR não pode ser utilizado isoladamente para resolver os problemas de liquidez de uma entidade.

695    Em quarto lugar, a título subsidiário, a recorrente defende que o CUR poderia ter recorrido a outras medidas previstas na Diretiva 2014/59. Entende que o CUR violou o seu dever de diligência e excedeu os limites do seu poder de apreciação ao não examinar a possibilidade de conceber um instrumento de resolução ad hoc, tendo em conta o facto de o Regulamento n.o 806/2014 não ter sido concebido para solucionar os problemas de liquidez.

696    Basta observar, como faz o CUR, que este só pode utilizar os instrumentos de resolução previstos no artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014.

697    Por conseguinte, há que julgar improcedente o décimo fundamento.

11.    Quanto ao décimo primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 20.o, n.o 14, do Regulamento n.o 806/2014, conjugado com o artigo 20.o, n.os 11 e 15, do mesmo regulamento, e à preterição de formalidades essenciais

698    Com este novo fundamento invocado na réplica, a recorrente indica que, na sua resposta de 30 de julho de 2018 a uma medida de organização do processo, o CUR indicou que não procederia a uma avaliação definitiva ex post e alega que o programa de resolução viola o artigo 20.o, n.os 11, 14 e 15, do Regulamento n.o 806/2014. Afirma que o programa de resolução foi adotado sem que existam as disposições e os mecanismos necessários para que a avaliação prevista no artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014 se baseie em informações relativas aos ativos e passivos do Banco Popular tão completas e atualizadas quanto possível.

699    A recorrente alega que este novo fundamento é admissível, nos termos do artigo 84.o do Regulamento de Processo, na medida em que se baseia num elemento novo surgido no decurso da instância, a saber, a informação comunicada pelo CUR, na sua resposta de 30 de julho de 2018 a uma medida de organização do processo, segundo a qual não se procederá a uma avaliação definitiva ex post.

700    A Comissão alega que este fundamento novo é inadmissível e, em todo o caso, improcedente, na medida em que a recorrente se baseia num elemento posterior à adoção do programa de resolução que não pode afetar a sua legalidade. O CUR e o Banco Santander alegam igualmente que esse fundamento se refere a uma decisão do CUR posterior à adoção do programa de resolução e que isso não afeta a legalidade do programa de resolução.

701    Basta observar que, pelos mesmos motivos que acima figuram nos n.os 597 a 600, o facto de se proceder ou não a uma avaliação definitiva ex post, que é manifestamente posterior à adoção do programa de resolução, não pode afetar a validade das decisões recorridas.

702    Por outro lado, nas suas observações sobre o articulado de intervenção do Banco Santander, a recorrente explica que este fundamento novo não se baseia na falta de avaliação definitiva ex post, antes visa sustentar que o programa de resolução estava viciado desde a sua adoção, na medida em que as garantias previstas pelo artigo 20.o, n.o 14, do Regulamento n.o 806/2014 não existiam.

703    Basta observar que, com esta explicação, a recorrente põe em causa os fundamentos que tinha apresentado para justificar a dedução deste fundamento novo na fase da réplica.

704    Por conseguinte, improcede o décimo primeiro fundamento.

12.    Quanto ao décimo segundo fundamento, relativo à violação do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 conjugado com o artigo 20.o, n.os 3 e 5, do mesmo regulamento

705    Com este novo fundamento invocado na réplica, a recorrente, na sequência do acesso às versões da avaliação 2 publicadas em fevereiro e outubro de 2018, alega que o programa de resolução, do qual é parte integrante a avaliação 2, viola o artigo 20.o, n.os 1 e 5, do Regulamento n.o 806/2014.

706    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a avaliação 2 previu um único instrumento de resolução, a saber, a cessão de atividade, o que é contrário ao artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, por força do qual a avaliação provisória deve ser efetuada antes de se decidir uma medida de resolução. Seria contrário a esta disposição elaborar uma avaliação provisória depois de ter escolhido a medida de resolução a utilizar. Em segundo lugar, o programa de resolução viola o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, na medida em que a avaliação 2 não foi realizada por uma pessoa independente. A recorrente alega que a Deloitte trabalhou seguindo as instruções do CUR e não pôde formar a sua própria opinião, uma vez que o CUR lhe ordenou que se concentrasse no instrumento de alienação da atividade, e que uma parte da avaliação provisória, a saber, a avaliação 1, foi realizada pelo próprio CUR. Em terceiro lugar, tendo o instrumento de resolução sido previamente escolhido, a avaliação 2 não teria podido cumprir o objetivo, previsto no artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, de fornecer ao CUR informações sobre o tipo de instrumento de resolução a utilizar.

707    A Comissão alega que este fundamento novo é inadmissível.

708    Segundo o artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, é proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

709    Há que observar que todos os argumentos invocados pela recorrente neste fundamento novo se baseiam, em substância, no facto de a avaliação 2 ter sido efetuada tendo em vista um único instrumento de resolução, a saber, o instrumento de alienação da atividade.

710    A este respeito, o considerando 42 do programa de resolução, na versão que figura em anexo à petição, indicava que:

«Dada a urgência das circunstâncias do processo, a Deloitte efetuou uma avaliação provisória, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014. Esta avaliação provisória foi realizada com o objetivo de:

[…]

c)      reunir os elementos que permitem tomar a decisão sobre as ações ou instrumentos de propriedade que devam ser transferidos e que permitam ao CUR determinar o que constitui as condições comerciais para efeitos do instrumento de alienação da atividade.»

711    Daí resulta que o facto de a Deloitte ter realizado uma avaliação provisória com o objetivo de apreciar as condições da realização do instrumento de alienação da atividade é uma informação que já constava do programa de resolução de que a recorrente dispunha à data da interposição do recurso.

712    A recorrente não refere nenhum elemento novo que tivesse chegado ao seu conhecimento por causa do seu acesso a uma versão menos confidencial da avaliação 2, conforme publicada no sítio Internet do CUR em fevereiro e outubro de 2018, e que fosse suscetível de justificar o facto de esse fundamento só ter sido suscitado na réplica. A recorrente não pode, portanto, basear‑se no facto de só ter tido acesso à avaliação 2 no decurso da instância para justificar a admissibilidade deste fundamento novo à luz do artigo 84.o do Regulamento de Processo.

713    Por conseguinte, o décimo segundo fundamento deve ser julgado inadmissível.

714    De qualquer forma, há que concluir que os argumentos da recorrente não são procedentes.

715    Em primeiro lugar, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não resulta do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, acima referido no n.o 15, que uma avaliação não pode ser efetuada tendo em conta um instrumento de resolução específico. É, portanto, sem razão que a recorrente sustenta que o facto de a avaliação 2 só ter previsto o instrumento de alienação da atividade é contrário ao artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

716    Em segundo lugar, refira‑se que o artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014 define os objetivos da avaliação em função do instrumento de resolução aplicado. Em especial, o artigo 20.o, n.o 5, alínea f), do Regulamento n.o 806/2014 define os objetivos da avaliação, no caso de ser aplicado o instrumento de alienação da atividade, que são diferentes dos objetivos referidos no artigo 20.o, n.o 5, alíneas d) e e), do mesmo regulamento, relativos aos casos em que é aplicado o instrumento de recapitalização interna ou o instrumento da instituição de transição ou de segregação de ativos.

717    Além disso, o artigo 20.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, que prevê que, se as condições de abertura do procedimento de resolução estiverem preenchidas, a avaliação visa fundamentar a decisão sobre a medida de resolução apropriada a adotar relativamente a uma entidade, deve ser interpretado no sentido de que a avaliação deve fornecer ao CUR os elementos técnicos e económicos que permitam executar o instrumento de resolução por ele escolhido.

718    O artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014 não pode ser interpretado no sentido de que impõe ao avaliador que realize uma avaliação que tenha em conta todos os instrumentos de resolução potencialmente possíveis. Por conseguinte, a recorrente não tem razão ao alegar que essa disposição se opunha a que a avaliação 2 fosse efetuada tendo em conta o instrumento de alienação da atividade, que o CUR tinha considerado ser o instrumento mais adequado para cumprir os objetivos da resolução.

719    Em terceiro lugar, quanto aos argumentos da recorrente destinados a pôr em causa a independência do avaliador, refira‑se que não cabe ao avaliador definir por si próprio qual será o instrumento de resolução mais adequado. Como refere o CUR, cabe à autoridade de resolução escolher o instrumento mais adequado à situação da entidade em causa.

720    Por conseguinte, não se pode considerar que o facto de o CUR ter entendido que o instrumento de alienação da atividade era o que tinha melhores condições para cumprir os objetivos da resolução e de ter incumbido a Deloitte de efetuar uma avaliação correspondente aos objetivos desse instrumento prejudicava a independência da Deloitte. Por último, refira‑se que a recorrente não explica de que forma o facto de o CUR ter realizado por si próprio a avaliação 1 seria suscetível de pôr em causa a independência da Deloitte quando esta efetuou a avaliação 2, dado terem essas duas avaliações objetivos diferentes.

13.    Quanto aos pedidos de medidas de organização do processo e de diligências de instrução

721    A recorrente pediu ao Tribunal que ordenasse diversas medidas de organização do processo e diligências de instrução.

722    Por um lado, na petição e na réplica, bem como por carta de 19 de abril de 2021, a recorrente pediu ao Tribunal que ordenasse a apresentação de diversos documentos. Além disso, por carta de 17 de maio de 2021, a recorrente pediu ao Tribunal Geral que colocasse questões escritas ao Reino de Espanha.

723    Há que lembrar que, no seu despacho de diligências de instrução de 12 de maio de 2021, nos termos do artigo 91.o, alínea b), do artigo 92.o, n.o 3, e do artigo 103.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral ordenou ao CUR a apresentação de determinados documentos acima referidos no n.o 95. Por Despacho de 9 de junho de 2021, o Tribunal Geral considerou que os documentos apresentados pelo CUR na sua versão confidencial não eram pertinentes para a decisão da causa. Em contrapartida, a carta do Banco Popular ao BCE de 6 de junho de 2017, sem o seu anexo, foi comunicada às outras partes.

724    Por outro lado, a recorrente, na petição, propôs a inquirição de várias testemunhas.

725    No que respeita aos requerimentos de medidas de organização do processo ou de diligências de instrução apresentados por uma parte num litígio, há que lembrar que cabe exclusivamente ao Tribunal Geral decidir da eventual necessidade de completar os elementos de informação de que dispõe nos processos de que conhece (v. Acórdãos de 26 de janeiro de 2017, Mamoli Robinetteria/Comissão, C‑619/13 P, EU:C:2017:50, n.o 117 e jurisprudência referida; e de 12 de novembro de 2020, Fleig/SEAE, C‑446/19 P, não publicado, EU:C:2020:918, n.o 53).

726    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, mesmo que um pedido de inquirição de testemunhas, formulado na petição inicial, indique com precisão os factos sobre os quais devem ser inquiridas a testemunha ou as testemunhas e as razões que justificam a respetiva inquirição, compete ao Tribunal Geral apreciar a pertinência do pedido face ao objeto do litígio e à necessidade de proceder à inquirição das testemunhas arroladas (v., Acórdãos de 26 de janeiro de 2017, Mamoli Robinetteria/Comissão, C‑619/13 P, EU:C:2017:50, n.o 118 e jurisprudência referida; e de 22 de outubro de 2020, Silver Plastics e Johannes Reifenhäuser/Comissão, C‑702/19 P, EU:C:2020:857, n.o 29).

727    No caso, refira‑se que os elementos constantes dos autos e as explicações dadas na audiência são suficientes para permitir ao Tribunal Geral pronunciar‑se, podendo este decidir utilmente com base nos pedidos, fundamentos e argumentos desenvolvidos no decurso da instância e tendo em conta os documentos apresentados pelas partes.

728    Daí resulta que os pedidos de medidas de organização do processo e de diligências de instrução da recorrente devem ser indeferidos, devendo ainda ser integralmente negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

729    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e ainda as despesas da Comissão, do CUR e do Banco Santander, em conformidade com os respetivos pedidos.

730    Por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas. O Reino de Espanha, o Parlamento e o Conselho suportarão as respetivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      Negase provimento ao recurso.

2)      A Aeris Invest Sàrl é condenada nas suas próprias despesas e nas despesas da Comissão Europeia, do Conselho Único de Resolução (CUR) e do Banco Santander, SA.

3)      O Reino de Espanha, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as respetivas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de junho de 2022.

Assinaturas


Índice


Quanto às despesas


*      Língua do processo: espanhol.