Language of document : ECLI:EU:T:2006:254

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

13 de Setembro de 2006 (*)

«Marca comunitária – Processo de oposição – Pedido de marca figurativa que contém o elemento nominativo METRO – Marca nominativa nacional anterior METRO – Caducidade da marca nacional anterior»

No processo T‑191/04,

MIP Metro Group Intellectual Property GmbH & Co. KG, com sede em Düsseldorf (Alemanha), representada por R. Kaase, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal de Primeira Instância,

Tesco Stores Ltd, com sede em Cheshunt (Reino Unido), representada por S. Malynicz, barrister,

que tem por objecto um recurso interposto contra a decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI de 23 de Março de 2004 (processo R 486/2003‑1), relativo a um processo de oposição entre a MIP Metro Group Intellectual Property GmbH & Co. KG e a Tesco Stores Ltd,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili e O. Czúcz, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Maio de 2004,

vistas as alegações e a contestação da interveniente e do IHMI apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 13 e 21 de Setembro de 2004,

após a audiência de 30 de Novembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 20 de Março de 1998, a MIP METRO Group Intellectual Property GmbH & Co. KG, anteriormente METRO Cash & Carry GmbH (a seguir «recorrente»), apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), versão alterada.

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal figurativo a seguir reproduzido:

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3        O pedido de registo foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 86/99, de 2 de Novembro de 1999.

4        Em 28 de Janeiro de 2000, a Tesco Stores Ltd (a seguir «interveniente») apresentou uma oposição, nos termos do artigo 42.° do Regulamento n.° 40/94, contra o registo da marca pedida. A oposição baseou‑se na marca nominativa nacional anterior METRO n.° 1543011, registada no Reino Unido em 27 de Julho de 1993, e cujo prazo de validade inicial expirava em 27 de Julho de 2000.

5        Por carta de 13 de Junho de 2000, o IHMI informou a interveniente de que lhe tinha sido concedido um prazo de quatro meses para submeter os factos, provas e argumentos adicionais que entendesse serem úteis para fundamentar a sua oposição. Numa nota de informação anexa a essa carta, o IHMI informou a interveniente que no caso de o prazo de validade do registo da marca anterior caducar «na data em que as provas dos direitos anteriores [deviam] ser apresentadas» nos termos da regra 20, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária (JO L 303, p. 1, a seguir «regulamento de execução»), a interveniente devia também apresentar um certificado de renovação, ou prova equivalente, ou, eventualmente, prova de que o pedido de renovação tinha sido validamente apresentado às autoridades competentes. O prazo de quatro meses foi em seguida prorrogado e terminou definitivamente em 13 de Março de 2003.

6        A prova da renovação da marca anterior não foi apresentada no prazo acima referido.

7        Por carta de 30 de Abril de 2003, a interveniente foi informada de que, na medida em que não tinha feito prova da renovação do seu registo, seria proferida uma decisão sobre a oposição que se basearia nas provas disponíveis.

8        Por decisão de 12 de Junho de 2003 (a seguir «decisão da Divisão de Oposição»), a Divisão de Oposição rejeitou a oposição por a interveniente, não obstante ter sido devidamente convidada para o fazer, não ter feito prova de que o seu direito ainda estaria em vigor depois de 27 de Julho de 2000, data em que terminava a duração de validade do registo da sua marca segundo a documentação apresentada pela interveniente.

9        Em 11 de Agosto de 2003, a interveniente interpôs recurso junto do IHMI, nos termos dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94, contra a decisão da Divisão de Oposição.

10      Por decisão de 23 de Maio de 2004 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI deu provimento ao recurso. Considerou que, à data da apresentação da oposição e mesmo na data em que as provas foram solicitadas (13 de Junho de 2000), o direito anterior ainda era válido e que, deste modo, a interveniente não podia provar a renovação do registo da sua marca.

 Pedidos das partes

11      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso admissível;

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o IHMI nas despesas.

12      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        dar provimento ao pedido de anulação da decisão impugnada formulado pela recorrente;

–        condenar a interveniente no pagamento das despesas.

13      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas efectuadas pela interveniente.

 Quanto à admissibilidade dos pedidos do IHMI

14      No tocante à posição processual do IHMI, há que recordar que, embora o IHMI não disponha da legitimidade activa necessária para interpor recurso de uma decisão de uma Câmara de Recurso, não pode, pelo contrário, ser obrigado a defender sistematicamente toda e qualquer decisão impugnada de uma Câmara de Recurso ou a pedir obrigatoriamente que seja negado provimento a qualquer recurso interposto de uma decisão desse tipo [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Junho de 2004, GE Betz/IHMI – Atofina Chemicals (BIOMATE), T‑107/02, Colect., p. II‑1845, n.° 34; de 15 de Junho de 2005, Spa Monopole/IHMI – Spaform (SPAFORM), T‑186/04, Colect., p. II‑2333, n.° 20; e de 25 de Outubro de 2005, Peek & Cloppenburg/IHMI (Cloppenburg), T‑379/03, Colect., p. II‑4633, n.° 22]. Nada se opõe a que o IHMI compartilhe um dos pedidos da parte recorrente ou ainda que se limite a remeter para o critério do Tribunal de Primeira Instância, embora apresentando toda a argumentação que considere adequada a fim de esclarecer o Tribunal (acórdãos BIOMATE, já referido, n.° 36, e Cloppenburg, já referido, n.° 22). No entanto, não pode formular pedidos de anulação ou de alteração da decisão da Câmara de Recurso sobre pontos não suscitados na petição ou apresentar fundamentos não aduzidos na petição (acórdão Cloppenburg, já referido, n.° 22; v., igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2004, Vedial/IHMI, C‑106/03 P, Colect., p. I‑9573, n.° 34).

15      Daqui resulta que os pedidos por meio dos quais o IHMI adere ao pedido de anulação da recorrente devem ser julgados admissíveis na medida em que esses pedidos e os argumentos expostos como seu fundamento não vão além do quadro do pedido e do fundamento aduzidos pela recorrente.

 Quanto ao mérito

A –  Argumentos das partes

16      A recorrente apresenta um único fundamento em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão impugnada. Alega que a decisão impugnada viola o Regulamento n.° 40/94, em especial o artigo 74.°, bem como o regulamento de execução, em especial, as regras 16 e 20. Decorre destas disposições que a data relevante na qual o direito anterior deve estar em vigor e relativamente à qual o oponente deve fazer prova da validade do referido direito é aquela em que a Divisão de Oposição se pronuncia ou, pelo menos, a data em que termina o prazo concedido para apresentar outras provas, e não a data da apresentação do pedido de oposição.

17      Em seguida, sustenta que a ratio legis da regra 16 do regulamento de execução exige que o requerente e a Divisão de Oposição tenham possibilidade de controlar a validade da marca anterior invocada contra o pedido de marca comunitária, uma vez que só uma marca válida pode formar a base de uma oposição. A Divisão de Oposição está autorizada pela regra 16, n.° 3, e pela regra 20, n.° 2, do regulamento de execução a fixar uma data limite para a apresentação de provas se estas últimas não tiverem sido apresentadas com o pedido de oposição.

18      A recorrente alega igualmente que as constatações da decisão impugnada, segundo as quais a Divisão de Oposição não pode, por um lado, tomar em conta a caducidade da validade dos direitos da marca anterior que ocorra antes de se pronunciar sobre a oposição e, por outro, exigir a prova da renovação da marca anterior, são contrárias às disposições do Regulamento n.° 40/94 e do regulamento de execução, bem como à economia geral da apreciação dos motivos relativos de recusa.

19      O IHMI apoia a argumentação da recorrente. Refere, em especial, que a decisão impugnada é incompatível com as suas directivas internas que regulam o processo de oposição, que dispõem que, «[d]urante o prazo de quatro meses fixado para completar o processo, o oponente deve apresentar a prova de que a(s) marca(s) na(s) qual(ais) se apoia ainda está em vigor. Não sendo feita prova da renovação, o registo anterior não é tomado em consideração […] ou é rejeitada a oposição por não ser procedente. No entanto, a fim de evitar que a Divisão de Oposição se pronuncie sobre uma oposição baseada num registo anterior que não foi renovado, se um registo validamente provado caducar entre o termo do prazo de quatro meses e o momento em que a decisão é proferida, o examinador deve pedir ao oponente que apresente a prova da renovação do registo, sendo irrelevante que o requerente suscite ou não uma objecção».

20      A interveniente apresenta, pelo seu lado, seis argumentos para fundamentar a sua posição segundo a qual a Câmara de Recurso aplicou correctamente o Regulamento n.° 40/94 e o regulamento de execução.

21      Em primeiro lugar, alega que o artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 utiliza o presente («após oposição») em vez do futuro. Em seguida, a redacção do artigo 8.°, n.° 2, do referido regulamento utiliza o passado («marcas registadas»). A recorrente é da opinião de que se estas duas disposições forem lidas em conjunto, resulta claro que é a data da oposição que é determinante. Não há consequentemente nenhuma disposição no artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94 que obrigue o oponente a conservar esse estatuto de titular da marca anterior ou a provar que conservou esse estatuto depois de expirado o prazo de oposição.

22      Em segundo lugar, a interveniente considera que a única condição imposta pelo artigo 42.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 é a de que a oposição deve ser apresentada com fundamento em que o registo da marca deve ser recusado por força do artigo 8.° do referido regulamento. Observa que esta exigência é também exprimida no presente. Além disso, exige‑se que o oponente seja, entre outros, o titular das marcas anteriores a que se faz referência no artigo 8.°, n.° 2, do referido regulamento. Nesta disposição, o presente é também utilizado. A interveniente deduz daqui que não existe para o oponente qualquer obrigação de demonstrar que permanecerá titular até uma data futura indefinida, posterior ao prazo de oposição. Considera que o artigo 42.°, n.° 3, do referido regulamento confirma esta análise, exigindo que o oponente especifique os fundamentos nos quais se baseia a oposição, utilizando novamente o presente. Afirma, além disso, que o oponente deve indicar os motivos existentes nessa data que podem ser invocados contra a marca pedida. Nenhum oponente está em condições de indicar com certeza qual poderá ser a situação numa data futura indefinida que é posterior ao prazo de oposição. De qualquer modo, isso seria contrário à redacção do artigo 42.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

23      Em terceiro lugar, a interveniente alega que as regras 15 e 16 do regulamento de execução nada dizem relativamente à tese, defendida pela recorrente, segundo a qual a prova da validade da marca anterior deve ser feita com referência à data na qual a Divisão de Oposição profere a sua decisão de mérito. Sustenta que o facto de os legisladores terem elaborado tais disposições detalhadas, sem, no entanto, especificarem que o oponente deve provar que os seus direitos subsistirão depois de terminado o prazo de oposição, deve ser interpretado no sentido de que o legislador não tinha intenção de exigir tal prova, nos termos do princípio expressio unius est exclusio alterius. A interveniente recorda, por outro lado, que as disposições em causa são redigidas no presente ou no passado.

24      A interveniente refere também a regra 15, n.° 2, alínea c), i), do regulamento de execução, que dispõe que, «no caso de a oposição ser formulada pelo titular da marca anterior ou do direito anterior, [a oposição deve conter] a indicação de que se trata do titular dessa marca ou direito». E deduz daqui que o único elemento a provar, segundo esta regra, é que o oponente é o titular da marca anterior na data em que a oposição é apresentada.

25      Em quarto lugar, a interveniente recorda que o imperativo de segurança jurídica implica que as regulamentações comunitárias permitam aos interessados conhecer com exactidão o alcance das obrigações que as mesmas lhes impõem (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, Dinamarca/Comissão, C‑233/96, Colect., p. I‑5759, n.° 38). Refere que a solução proposta pela recorrente, isto é, que a data na qual o IHMI aprecia a validade da marca anterior é aquela em que profere a sua decisão sobre a oposição, repousa numa base arbitrária e incerta. Sustenta que a possibilidade de processos longos exigiria a qualquer oponente que adivinhasse a data provável em que seria proferida uma decisão de mérito ou que apresentasse continuamente a prova actualizada da marca anterior.

26      Em quinto lugar, a interveniente alega que é contrário ao princípio do direito comunitário da não retroactividade exigir ao oponente que faça prova de que a marca anterior continua a existir ou é válida depois de terminado o prazo de oposição.

27      Precisa que, quando a oposição foi apresentada, em 28 de Janeiro de 2000, lhe foi enviado um documento que a autorizava a apresentar posteriormente uma cópia do registo. Apresentou uma cópia do certificado de registo da marca anterior em 24 de Fevereiro de 2000. Alega no n.° 18 da sua resposta que o referido registo prova que a marca vigoraria até 27 de Julho de 2003, isto é, depois de terminado o prazo de oposição. Em 13 de Junho de 2000, o IHMI escreveu‑lhe para a informar do início da fase contraditória do processo e a pedir‑lhe que apresentasse factos, provas e observações em apoio da sua argumentação. Alega que, se, como invoca a recorrente, esta carta lhe impunha a apresentação da prova da renovação do registo que já tinha sido apresentada durante o prazo de oposição, tal exigência seria retrospectiva e, consequentemente, inadmissível.

28      Finalmente, em sexto lugar, a interveniente sustenta que o artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94 também não abona a favor da tese da recorrente. Em sua opinião, o objectivo deste artigo corresponde ao do seu título, isto é, determinar a extensão do exame oficioso dos factos pelo IHMI. Nega, portanto, que este artigo implique que o oponente tenha obrigação de demonstrar ao IHMI que a marca continua a existir e a ser válida até à data em que a Divisão de Oposição se pronuncie.

B –  Apreciação do Tribunal

29      A recorrente, apoiada pelo IHMI, critica essencialmente duas afirmações que constam da decisão impugnada. Em primeiro lugar, a Câmara de Recurso considerou erradamente que a caducidade da marca em que a oposição se fundamentou não autoriza a Divisão de Oposição a alterar retrospectivamente o estatuto de um oponente e a rejeitar a oposição. Em segundo lugar, considerou sem razão que o oponente está obrigado a expor de forma definitiva os fundamentos da sua oposição, e que, desse modo, nem a Divisão de Oposição nem as Câmaras de Recurso podem exigir que seja feita prova posterior da validade em curso da marca anterior em que a oposição se baseia. Estas afirmações são contrárias à economia geral do Regulamento n.° 40/94 e do regulamento de execução, uma vez que levam a Divisão de Oposição a declarar a existência de um conflito entre a marca pedida e uma marca anterior cujo prazo de protecção caducou.

30      Há que recordar que, segundo jurisprudência bem assente, a função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto designado pela marca, permitindo‑lhe distinguir sem confusão possível esse produto de outros que tenham proveniência diversa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1978, Hoffmann‑La Roche, 102/77, Colect., p. 391, n.° 7; de 29 de Abril de 2004, Henkel/IHMI, C‑456/01 P e C‑457/01 P, Colect., p. I‑5089, n.° 48; e de 16 de Setembro de 2004, SAT.1/IHMI, C‑329/02 P, Colect., p. I‑8317, n.° 23). Não existe interesse geral em conferir toda a protecção objecto do Regulamento n.° 40/94 a uma marca que não cumpre a sua função essencial (acórdão Henkel/IHMI, já referido, n.° 48).

31      As disposições dos artigos 8.° e 42.° do Regulamento n.° 40/94 e das regras 15, 16 e 20 do regulamento de execução que dizem respeito aos motivos relativos de recusa e ao processo de oposição têm essencialmente por objectivo assegurar que uma marca anterior possa conservar a sua função de identificação de origem, prevendo a possibilidade de recusar o registo de uma marca nova que entre em conflito com a marca anterior devido a um risco de confusão entre elas.

32      A eventualidade de tal conflito deve ser analisada de dois ângulos. Por um lado, tratando‑se do âmbito de aplicação ratione materiae das disposições acima referidas, é necessário que exista uma identidade ou uma semelhança entre a marca anterior e a marca pedida e entre os produtos ou serviços que as duas marcas designam, que seja susceptível de criar confusão entre os dois sinais. Por outro, relativamente à aplicação ratione temporis das referidas disposições, estas duas marcas devem coexistir durante um determinado período. A função de identificação de origem de uma marca anterior não pode ser ameaçada por outra marca que só é registada depois de caducar a marca anterior. Não existindo um período durante o qual as duas marcas coexistem, não pode existir qualquer conflito.

33      Deste modo, o Tribunal constata que a afirmação na decisão impugnada, segundo a qual «[n]ada autoriza a Divisão de Oposição a alterar retroactivamente o estatuto de um oponente pelo simples facto de durante o processo de oposição, […] o registo nacional, […] caducar», não toma em conta o facto de que nenhum conflito pode surgir entre a marca pedida e uma marca anterior que caduca durante esse período, uma vez que a marca pedida só pode ser registada depois de terminado o processo de oposição. Por conseguinte, a protecção que a Câmara de Recurso conferiu à marca anterior não se justifica pela protecção da função essencial da marca, e é contrária ao espírito e à economia das disposições que regulam a apreciação dos motivos relativos de recusa e o processo de oposição.

34      Por outro lado, a recorrente e o IHMI alegam com razão que a Divisão de Oposição e as Câmaras de Recurso devem tomar em consideração as alterações das circunstâncias que ocorrem entre a apresentação da oposição e a decisão que se pronuncia sobre a oposição e que resultam das provas apresentadas pelas partes em resposta ao pedido de informação do IHMI.

35      A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Primeira Instância já declarou no seu acórdão de 23 de Setembro de 2003, Henkel/IHMI – LHS (UK) (KLEENCARE) (T‑308/01, Colect., p. II‑3253, n.° 26), que, no âmbito do reexame da decisão da oposição que as Câmaras de Recurso efectuam nos termos do artigo 61.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, a procedência do recurso depende da questão de saber se uma nova decisão com a mesma parte decisória que a decisão objecto de recurso pode ou não ser legalmente tomada no momento em que se pronunciam sobre o recurso.

36      No âmbito deste reexame, as Câmaras de Recurso do IHMI exercem, exceptuados os casos de remessa do processo à instância que tomou a decisão contestada, as competências da instância que tomou a decisão objecto de recurso (acórdão KLEENCARE, já referido no n.° 35 supra, n.° 24). Por conseguinte, o princípio decorrente desta jurisprudência é aplicável à apreciação efectuada pela Divisão de Oposição, pelo que nem esta nem as Câmaras de Recurso podem tomar uma decisão que é ilegal no momento em que se pronunciam com base nas provas apresentadas pelas partes no âmbito do processo que corre perante estas instâncias.

37      A interveniente considera, no entanto, que a decisão impugnada considerou, com razão, que o oponente deve expor os fundamentos e as provas em apoio da sua oposição de forma definitiva. E entende que a Divisão de Oposição não se pode basear na falta de provas relativas à renovação da marca anterior, uma vez que o seu pedido de informações relativo à renovação do registo não se justifica à luz de nenhuma disposição do Regulamento n.° 40/94 ou do regulamento de execução.

38      A este respeito, há que referir que resulta da jurisprudência acima referida no n.° 30 que as disposições do Regulamento n.° 40/94 e as do regulamento de execução devem ser interpretadas à luz da função essencial da marca. Ora, para poder analisar se a marca anterior pode perder a sua função de identificação de origem devido à coexistência no tempo com a marca pedida, com a qual é susceptível de ser confundida, o IHMI tem de conhecer o prazo de validade da marca anterior.

39      O poder de pedir ao oponente informações a este respeito pode ser deduzido das disposições do Regulamento n.° 40/94 e do regulamento de execução. Assim, nos termos do artigo 76.° do Regulamento n.° 40/94, o IHMI pode pedir informações e a apresentação de documentos em qualquer processo intentado no Instituto, designadamente, aqueles que considerar necessários para se pronunciar sobre a oposição. Além disso, decorre das disposições conjugadas das regras 16 e 20 do regulamento de execução que o IHMI pode convidar o oponente a apresentar factos, provas e observações, designadamente, o certificado de registo da marca anterior, que não constem da oposição.

40      Pelo contrário, a interveniente considera que o oponente não pode ser obrigado a provar que permanecerá titular da marca anterior até uma data indefinida posterior ao prazo da oposição.

41      Há que referir, a este respeito, que a interveniente se limita a afirmar, nos seus primeiro, segundo, terceiro e sexto argumentos, que tal obrigação, para o oponente, não decorre dos artigos 8.°, 42.° e 74.° do Regulamento n.° 40/94 nem das regras 15 e 16 do regulamento de execução. Não apresenta qualquer argumento que negue que o artigo 76.° do Regulamento n.° 40/94 ou que da leitura conjunta das regras 16 e 20 do regulamento de execução conferem ao IHMI o direito de pedir ao oponente que faça prova da renovação da marca depois de esta caducar, quando esta caducidade ocorra depois da apresentação da oposição. Para mais, os seus argumentos a este respeito baseiam‑se numa interpretação que repousa nos tempos verbais utilizados nas disposições dos regulamentos acima referidos consideradas isoladamente e não se referem de forma alguma aos princípios em que se baseiam os motivos relativos de recusa e do processo de oposição.

42      Há, também, que referir que a sua argumentação sai do contexto factual do presente processo. Depois de expirado o prazo para a apresentação de informações (em 13 de Março de 2003) ou mesmo depois do prazo inicial fixado pela Divisão de Oposição (em 13 de Outubro de 2000), a validade da marca anterior não dependia de qualquer elemento futuro, mas da questão de saber se a interveniente tinha renovado o registo da sua marca cuja duração de validade inicial caducava em 27 de Julho de 2000, o que constitui, portanto, um pedido de prova relativo a um acontecimento passado. O Tribunal considera consequentemente que o pedido de informações não se refere à validade da marca num momento futuro indefinido, contrariamente ao que sustenta a interveniente.

43      Através do seu quarto argumento, a interveniente considera que pode decorrer uma insegurança jurídica do facto de o oponente não poder saber se deve fornecer a prova da renovação do registo da marca anterior espontaneamente, de forma continuada, ou então a convite do IHMI. A exigência de prova relativa à validade da marca anterior pressuporia, portanto, que o oponente adivinhasse a data em que ocorrerá a decisão sobre a oposição.

44      Este argumento também não procede. Não decorre, com efeito, de forma alguma da decisão da Divisão de Oposição que o IHMI exige que o oponente submeta as provas da renovação de forma continuada sem um pedido de informações do IHMI. Tal obrigação também não resulta das peças processuais apresentadas pela recorrente e pelo IHMI. Com efeito, as directivas do IHMI relativas à oposição mencionam expressamente a afirmação contrária, a saber, que «o examinador deve pedir ao oponente que faça prova da renovação do registo».

45      Quanto ao seu quinto argumento, segundo o qual o reconhecimento do poder de pedir informações sobre a renovação da marca anterior é contrário ao princípio da não retroactividade, basta referir que a interveniente reconheceu, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, que indicou erradamente, no n.° 18 da sua resposta, que a marca anterior estaria em vigor até 27 de Julho de 2003 nos termos da documentação apresentada à Divisão de Oposição, sendo 27 de Julho de 2000 a data correcta.

46      À luz do que precede, o Tribunal verifica que a Câmara de Recurso considerou erradamente, por um lado, que a caducidade da validade da marca anterior antes do momento em que a Divisão de Oposição se deve pronunciar sobre a oposição não pode ser tomada em conta por esta e, por outro, que a Divisão de Oposição não tem poder para pedir informações sobre a renovação da marca anterior depois da apresentação inicial das provas. Ao ter actuado deste modo, a Câmara de Recurso interpretou as disposições do Regulamento n.° 40/94 e do regulamento de execução que regula a análise dos motivos relativos de recusa e o processo de oposição de forma contrária aos princípios que lhes são subjacentes, tendo, em especial, violado o artigo 76.° do Regulamento n.° 40/94 e a regra 20 do regulamento de execução.

47      Daqui resulta que o fundamento único da recorrente é procedente e que há que anular a decisão impugnada.

 Quanto às despesas

48      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o IHMI sido vencido, na medida em que a decisão da Câmara de Recurso é anulada, há que condená‑lo nas despesas da recorrente, em conformidade com o seu pedido. Uma vez que a interveniente foi vencida, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      A decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 23 de Março de 2004 (processo R 486/2003‑1) é anulada.

2)      O IHMI suportará as suas próprias despesas e as despesas da recorrente.

3)      A interveniente suportará as suas próprias despesas.

Jaeger

Tiili

Czúcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Setembro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Jaeger


*Língua do processo: inglês.