Language of document : ECLI:EU:T:2012:19

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

19 de janeiro de 2012 (*)

«Marca comunitária — Pedido de marca figurativa comunitária justing — Marca figurativa nacional anterior JUSTING — Reivindicação da antiguidade da marca nacional anterior — Não identidade dos sinais — Artigo 34.° do Regulamento (CE) n.° 207/2009»

No processo T‑103/11,

Tiantian Shang, residente em Roma (Itália), representada por A. Salerni, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por G. Mannucci, na qualidade de agente,

recorrido,

que tem por objeto um recurso da decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI de 14 de dezembro de 2010 (processo R 1388/2010‑2), relativa a uma reivindicação da antiguidade da marca figurativa nacional JUSTING na posse de Tiantian Shang,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: S. Papasavvas, presidente, V. Vadapalas (relator) e K. O’Higgins, juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de fevereiro de 2011,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de abril de 2011,

visto não ter havido pedido de marcação de audiência apresentado pelas partes no prazo de um mês a contar da notificação do encerramento da fase escrita e tendo, portanto, ficado decidido, com base no relatório do juiz‑relator e ao abrigo do artigo 135.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que não há lugar a fase oral,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 26 de junho de 2009, a recorrente, Tiantian Shang, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1).

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos para os quais o registo foi pedido estão incluídos nas classes 18 e 25 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

¾        classe 18: «Couro e imitações de couro, produtos nestas matérias não incluídos noutras classes; peles de animais; malas e maletas de viagem; chapéus de chuva, chapéus de sol e bengalas; chicotes e selaria»;

¾        classe 25: «Vestuário, calçado, chapelaria».

4        Simultaneamente, a recorrente apresentou no IHMI, ao abrigo do disposto no artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009, um pedido no qual reivindicava a antiguidade da seguinte marca figurativa italiana anterior, registada sob o n.° 1217303:

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5        Por decisão de 1 de junho de 2010, o examinador indeferiu a reivindicação da antiguidade da marca nacional anterior.

6        Em 22 de julho de 2010, a recorrente interpôs recurso no IHMI da decisão do examinador, nos termos dos artigos 58.° a 64.° do Regulamento n.° 207/2009.

7        Por decisão de 14 de dezembro de 2010 (a seguir «decisão impugnada»), a Segunda Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso. Em especial, considerou que a marca comunitária pedida e a marca nacional anterior não eram idênticas em virtude de as respetivas representações gráficas serem diferentes, não apenas no que respeita aos carateres tipográficos do elemento nominativo «justing» mas também relativamente aos seus elementos figurativos e à disposição dos diferentes componentes dos sinais.

 Pedidos das partes

8        A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada;

¾        reformar a decisão impugnada e acolher a sua reivindicação da antiguidade da marca nacional anterior;

¾        a título subsidiário, acolher a sua reivindicação da antiguidade do elemento nominativo da marca nacional anterior, ou seja, do termo «justing»;

¾        condenar o IHMI nas despesas.

9        O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

10      Em apoio do recurso, a recorrente invoca três fundamentos, relativos, o primeiro, à violação e incorreta interpretação do artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009, o segundo, à violação da Diretiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à proteção legal de desenhos e modelos (JO L 289, p. 28), e, o terceiro, à notoriedade da marca nacional anterior.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação e incorreta interpretação do artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009

11      A recorrente critica a Câmara de Recurso de ter interpretado literalmente o artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009. Com efeito, a Câmara de Recurso teria procedido à interpretação dessa disposição sem atender ao contexto em que se inseria, a saber, um sistema de proteção das marcas contra os riscos de confusão com marcas idênticas ou semelhantes. A este respeito, a Câmara de Recurso deveria ter tido em conta o facto de o elemento nominativo «justing» da marca comunitária e o da marca nacional anterior serem idênticos, não podendo a circunstância de os carateres utilizados nas duas marcas serem diferentes pôr em causa essa conclusão. Além disso, a identidade dos produtos cobertos pelas duas marcas em causa era absoluta e não foi posta em causa pela Câmara de Recurso. Por último, no que respeita aos elementos figurativos das marcas em causa, as suas diferenças deviam ser analisadas no contexto de um «processo de evolução gráfica» da marca nacional anterior, o que de modo algum pôs em causa a «unicidade da marca», tendo esta permanecido idêntica.

12      O IHMI contesta os argumentos da recorrente.

13      O artigo 34.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 dispõe:

«O titular de uma marca anterior registada num Estado‑Membro, incluindo as marcas registadas no território do Benelux, ou de uma marca anterior objeto de um registo internacional com efeitos num Estado‑Membro, que deposite um pedido de marca idêntica para registo como marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca anterior foi registada, ou que estejam incluídos nesses produtos ou serviços, pode prevalecer‑se, em relação à marca comunitária da antiguidade da marca anterior no que diz respeito ao Estado‑Membro no qual ou para o qual a marca foi registada.»

14      Para que a reivindicação da antiguidade da marca nacional anterior seja acolhida para efeitos do pedido de registo de uma marca comunitária é necessário que cumulativamente se encontrem preenchidas três condições: a marca nacional anterior e a marca comunitária pedida devem ser idênticas; os produtos ou serviços da marca comunitária pedida devem ser idênticos àqueles a que a marca nacional anterior se refere, ou neles estar incluídos; o titular das marcas em causa deve ser o mesmo.

15      No presente caso, não se contesta a identidade dos produtos cobertos pela marca comunitária pedida e dos cobertos pela marca nacional anterior. As partes também não contestam que as marcas em causa têm o mesmo titular.

16      Quanto à identidade das marcas, recorde‑se que um sinal é idêntico a uma marca quando reproduz, sem alterar nem acrescentar, todos os elementos que constituem a marca ou quando, considerado no seu conjunto, contém diferenças tão insignificantes que podem passar despercebidas aos olhos de um consumidor médio (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de março de 2003, LTJ Diffusion, C‑291/00, Colet., p. I‑2799, n.° 54).

17      A condição relativa à identidade do sinal e da marca deve ser objeto de uma interpretação literal devido aos efeitos decorrentes dessa identidade. No caso, nos termos do artigo 34.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, o titular da marca comunitária cuja reivindicação da antiguidade da marca nacional anterior tenha sido acolhida poderá, caso renuncie à marca anterior ou a deixe caducar, continuar a beneficiar dos mesmos direitos que teria se a marca anterior continuasse registada.

18      Foi, pois, corretamente que a Câmara de Recurso interpretou literalmente o artigo 34.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009.

19      A este propósito, o argumento da recorrente segundo o qual o benefício conferido pelo artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009 também devia abranger as marcas semelhantes, da mesma forma que a proteção das marcas contra os riscos de confusão diz igualmente respeito às marcas semelhantes, não pode ser acolhido. Com efeito, contrariamente às disposições do Regulamento n.° 207/2009 que visam a proteção das marcas contra o risco de confusão com marcas idênticas ou semelhantes, o artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009 só diz respeito às marcas idênticas e nada refere quanto às marcas semelhantes. Ora, o Tribunal não pode alterar o teor do artigo 34.° do referido regulamento dando o seu aval à substituição da condição da identidade pela da semelhança das marcas.

20      No presente caso, há, pois, que verificar se a marca comunitária pedida e a marca nacional anterior são idênticas.

21      Ambas as marcas figurativas são compostas pelo elemento nominativo «justing» e por elementos figurativos. À semelhança do afirmado pela Câmara de Recurso no n.° 12 da decisão impugnada, importa sublinhar que o elemento nominativo «justing» está escrito em carateres tipográficos diferentes nas duas marcas. Na marca nacional anterior, os carateres utilizados são carateres de tipografia de tipo usual, enquanto na marca comunitária pedida foram utilizados carateres góticos, que conferem ao termo «justing» características gráficas e estilísticas precisas.

22      Além disso, os elementos figurativos das duas marcas são diferentes. Com efeito, na marca nacional anterior figuram, em ambos os lados do elemento nominativo, símbolos que representam os dois sexos, enquanto na marca comunitária pedida o elemento figurativo, colocado acima do elemento nominativo, representa um anel raiado que contém a letra «j».

23      Conclui‑se, portanto, que foi corretamente que a Câmara de Recurso considerou que as marcas não eram idênticas e, consequentemente, que não podia acolher a reivindicação da antiguidade da marca nacional anterior para a marca comunitária pedida.

24      A este propósito, o argumento da recorrente no sentido de explicar as diferenças entre as marcas através de um «processo de evolução gráfica» não é suscetível de pôr em causa essa conclusão. Com efeito, as marcas só poderiam ser consideradas idênticas, de acordo com a jurisprudência acima recordada no n.° 16, se as diferenças fossem tão insignificantes que pudessem passar despercebidas aos olhos do consumidor, o que não ocorre no presente caso, pois a representação gráfica das duas marcas é muito diferente.

25      Tendo em conta o que precede, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação da Diretiva 98/71

26      A recorrente alega que, para determinar se duas marcas devem ser consideradas idênticas, há que recorrer ao artigo 4.° da Diretiva 98/71, nos termos do qual «[c]onsideram‑se idênticos os desenhos e modelos cujas características específicas difiram apenas em pormenores sem importância». Em seu entender, isto significa que duas marcas são idênticas quando os respetivos elementos essenciais, ou seja, os que permitem ao público identificá‑las, são idênticos.

27      Segundo a recorrente, importa notar que, do ponto de vista de um «possível risco de confusão», não optando por um «rigor excessivo», as duas marcas deviam ser consideradas uma marca única devido à identidade dos produtos, ao elemento nominativo e ao titular, à «antiguidade efetiva» e à «mistura e/ou evolução clara dos sinais absolutamente compatíveis».

28      O IHMI contesta os argumentos da recorrente.

29      Antes de mais, observe‑se que as disposições da Diretiva 98/71 não têm aqui aplicação, visto que dizem respeito aos desenhos e modelos.

30      De qualquer modo, há que referir que o artigo 4.° da Diretiva 98/71 e a jurisprudência do Tribunal de Justiça, acima referida no n.° 16, definem o conceito de identidade de forma semelhante.

31      Por outro lado, os argumentos que a recorrente explanou no quadro deste fundamento incluem, no essencial, os elementos já apresentados no quadro do primeiro fundamento. Com efeito, a recorrente tenta demonstrar que as marcas em causa são idênticas no que respeita aos seus elementos essenciais, ou seja, o elemento nominativo «justing», e que as diferenças mais não são do que o resultado de um «processo de evolução gráfica» que o Tribunal deve tomar em consideração para concluir que existe identidade das marcas.

32      Importa sublinhar que a interpretação do conceito de identidade defendida pela recorrente não é correta, na medida em que o limita aos elementos essenciais dos sinais para as necessidades da sua causa, omitindo o facto de que só há identidade dos sinais se as diferenças entre eles forem mínimas, o que no presente caso não se verifica, embora os elementos nominativos das marcas sejam os mesmos. Quanto ao demais, basta remeter para as apreciações feitas pelo Tribunal no quadro do exame do primeiro fundamento.

33      Relativamente ao argumento da recorrente segundo o qual a evolução gráfica do logótipo da marca seria proibida caso o Tribunal não admitisse que houve evolução deste, não pode ser acolhido. Com efeito, no presente caso, não se trata de pôr em causa a possibilidade de o titular de uma marca a fazer evoluir graficamente, mas de determinar se a recorrente pode reivindicar a antiguidade da marca nacional anterior. Ora, a este respeito, os critérios estão claramente definidos no artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009 e devem ser objeto de interpretação literal, como acima se referiu no n.° 18. No presente caso, uma das condições para se reivindicar a antiguidade da marca nacional anterior, prevista no artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009, ou seja, a identidade das marcas, não se encontra satisfeita. O pedido da recorrente não pode, portanto, ser acolhido.

34      A recorrente sustenta que uma interpretação contrária à sua torna inútil qualquer forma de proteção, na medida em que permite a qualquer pessoa registar uma marca idêntica desde que possua uma diferença gráfica mínima, alegando que a falta de coincidência perfeita entre os elementos gráficos constitui um fundamento adequado para se considerar que a marca é diferente e original.

35      Este argumento não convence na medida em que os mecanismos de proteção do Regulamento n.° 207/2009 permitem ao titular de uma marca obter proteção contra a marca de um terceiro que seja semelhante à sua e em que, segundo jurisprudência bem assente, a apreciação global do risco de confusão implica uma certa interdependência dos fatores tomados em conta, nomeadamente da semelhança das marcas e da dos produtos ou dos serviços designados. Assim, um fraco grau de semelhança entre os produtos ou os serviços designados pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre as marcas e vice‑versa [acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 1998, Canon, C‑39/97, Colet., p. I‑5507, n.° 17, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2006, Mast‑Jägermeister/IHMI — Licorera Zacapaneca (VENADO com quadro e o.), T‑81/03, T‑82/03 e T‑103/03, Colet., p. II‑5409, n.° 74].

36      À luz do exposto, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à notoriedade da marca nacional anterior

37      A recorrente alega que a «difusão» da marca nacional anterior deveria permitir que lhe fosse conferida proteção independentemente do registo que dela tenha sido feito.

38      A recorrente precisa que se reserva o direito de atuar por meio de uma ação de declaração de nulidade a intentar contra a pessoa que registou como marca internacional que designa a União Europeia a marca nominativa JUSTING, em 11 de maio de 2009, antes do seu pedido de marca comunitária, embora posteriormente à data de apresentação da sua marca nacional anterior.

39      O IHMI contesta os argumentos da recorrente.

40      Importa observar, à semelhança da Câmara de Recurso no n.° 13 da decisão impugnada, que o facto de a recorrente pretender atuar contra a pessoa que registou a marca nominativa JUSTING como marca internacional que designa a União Europeia não é um critério pertinente no quadro de um processo de reivindicação da antiguidade de uma marca nacional anterior.

41      Além disso, o artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009 não estabelece nenhum nexo entre a reivindicação da antiguidade de uma marca nacional anterior e a sua notoriedade.

42      Há pois que declarar que o terceiro fundamento não é pertinente.

43      Por outro lado, no que respeita ao pedido da recorrente para que seja parcialmente acolhida a sua reivindicação da antiguidade relativamente ao elemento nominativo «justing» da marca nacional anterior, deve observar‑se que a possibilidade de invocar a antiguidade de parte da marca nacional anterior não está prevista no artigo 34.° do Regulamento n.° 207/2009. Ora, como já anteriormente se indicou, o artigo 34.° do referido regulamento deve ser objeto de uma interpretação literal e o Tribunal não pode, portanto, acolher esse pedido.

44      Visto que nenhum dos fundamentos suscitados pela recorrente, tanto em apoio do pedido de anulação como do de reforma, foi acolhido, o recurso deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto às despesas

45      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que, em conformidade com o pedido do IHMI, condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Tiantian Shang é condenada nas despesas.

Papasavvas

Vadapalas

O’Higgins

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de janeiro de 2012.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.