Language of document : ECLI:EU:T:2018:838

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

26 de novembro de 2018 (*)

«Recurso de anulação — Direito institucional — Saída do Reino Unido da União — Acordo que estabelece as condições de saída — Artigo 50.o TUE —Decisão do Conselho que autoriza a abertura de negociações com o Reino Unido tendo em vista a celebração do referido acordo — Cidadãos do Reino Unido que residem noutro Estado‑Membro da União — Ato preparatório — Ato irrecorrível — Inexistência de afetação direta — Inadmissibilidade»

No processo T‑458/17,

Harry Shindler, residente em Porto d’Ascoli (Itália), e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo (1), representados por J. Fouchet, advogado,

recorrentes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer e R. Meyer, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado a obter a anulação da Decisão (UE, Euratom) do Conselho, de 22 de maio de 2017, que autoriza a abertura de negociações com o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte tendo em vista um acordo que estabeleça as condições da sua saída da União Europeia (documento XT 21016/17), incluindo o anexo dessa decisão que fixa as diretrizes de negociação do referido acordo (documento XT 21016/17 ADD 1 REV 2),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise, R. da Silva Passos, K. Kowalik‑Bańczyk e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 5 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 23 de junho de 2016, os cidadãos do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pronunciaram‑se através de um referendo a favor da saída do seu país da União Europeia.

2        Em 13 de março de 2017, o Parlamento do Reino Unido adotou o European Union Notification of Withdrawal) Act 2017 [Lei de 2017 sobre a União Europeia (Notificação de saída)], que autoriza o primeiro‑ministro a notificar a sua intenção de se retirar da União em aplicação do artigo 50.o, n.o 2, TUE.

3        Em 29 de março de 2017, o primeiro‑ministro do Reino Unido notificou ao Conselho Europeu a intenção deste Estado‑Membro de se retirar da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) (a seguir «ato de notificação da intenção de saída»).

4        Por declaração do mesmo dia, o Conselho Europeu indicou ter recebido o ato de notificação da intenção de saída.

5        Em 29 de abril de 2017, o Conselho Europeu adotou orientações que definem o quadro das negociações previstas pelo artigo 50.o TUE e que estabelecem as posições e os princípios gerais que a União deveria defender ao longo das negociações.

6        Em 22 de maio de 2017, o Conselho da União Europeia adotou, com fundamento nas disposições do artigo 50.o TUE, lido em conjugação com o artigo 218.o, n.o 3, TFUE e com base numa recomendação da Comissão Europeia de 3 de maio de 2017, a decisão que autoriza esta última a dar início às negociações com o Reino Unido tendo em vista um acordo que estabeleça as condições da sua saída da União e da Euratom (a seguir, por um lado, «acordo que estabelece as modalidades de saída» ou «acordo de saída» e, por outro, «decisão impugnada»).

7        A decisão impugnada designa a Comissão como negociador da União (artigo 1.o) e estabelece que as negociações serão conduzidas à luz das orientações adotadas pelo Conselho Europeu e em conformidade com as diretrizes de negociação constantes do anexo da referida decisão (artigo 2.o).

8        O anexo da decisão impugnada (documento XT 21016/17 ADD 1 REV 2) contém as diretrizes de negociação destinadas à primeira fase das negociações, no que respeita nomeadamente aos direitos dos cidadãos, a um acordo financeiro único, à situação dos produtos colocados no mercado e ao resultado dos procedimentos baseados no direito da União, a outras questões administrativas relacionadas com o funcionamento da União, bem como à governação do acordo que estabelece as modalidades de saída.

 Tramitação processual e pedidos das partes

9        Por petição registada em 21 de julho de 2017, os recorrentes, Harry Shindler e os restantes recorrentes cujos nomes figuram em anexo, interpuseram o presente recurso.

10      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de outubro de 2017, o Conselho suscitou uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

11      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de outubro de 2017, a Comissão pediu para ser autorizada a intervir no presente litígio em apoio dos pedidos do Conselho, em conformidade com o artigo 143.o do Regulamento de Processo.

12      Em 30 de novembro de 2017, os recorrentes apresentaram na Secretaria do Tribunal Geral as suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade.

13      Sob proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

14      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção alargada) decidiu, em conformidade com o artigo 130.o, n.o 6, do Regulamento de Processo, iniciar a fase oral do processo, limitada à admissibilidade do recurso.

15      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 5 de julho de 2018.

16      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada, incluindo as diretrizes de negociação anexas a essa decisão;

–        condenar o Conselho nas despesas, incluindo os honorários do advogado no montante de 5 000 euros;

17      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso manifestamente inadmissível;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

18      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de setembro de 2018, os recorrentes apresentaram um elemento de prova novo, na aceção do artigo 85.o do Regulamento de Processo, sobre o qual o Conselho foi convidado a tomar posição.

 Questão de direito

19      O Conselho sustenta que o recurso com fundamento no artigo 263.o TFUE é manifestamente inadmissível, uma vez que a decisão impugnada não é passível de recurso por uma pessoa singular ou coletiva e os recorrentes não têm interesse em agir nem legitimidade para impugnar a referida decisão.

20      Os recorrentes contestam a argumentação do Conselho e consideram que o recurso é admissível.

 Quanto à admissibilidade do recurso

21      O Tribunal Geral considera oportuno pronunciar‑se sobre o caráter recorrível da decisão impugnada, bem como sobre a legitimidade dos recorrentes na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e examinar, a este respeito, se a decisão impugnada diz diretamente respeito aos recorrentes. Mais precisamente, importa examinar se a decisão impugnada produz diretamente efeitos na situação jurídica dos recorrentes.

22      O Conselho sustenta que a decisão impugnada não pode ser objeto de um recurso de anulação por se tratar, em relação aos recorrentes, de uma medida preliminar ou de natureza preparatória, cujo objetivo é preparar o acordo que estabelece as modalidades de saída previsto pelo artigo 50.o TUE. O facto de autorizar a Comissão a encetar negociações em nome da União e de conduzi‑las à luz das orientações adotadas pelo Conselho Europeu e em conformidade com as diretrizes de negociação que lhe estão anexas não afeta a situação jurídica dos recorrentes, que permanece a mesma antes e depois da adoção da decisão impugnada.

23      Além disso, o Conselho alega que os recorrentes não têm legitimidade para agir na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, uma vez que, nomeadamente, a decisão impugnada não lhes diz diretamente respeito. Em particular, a decisão impugnada não produz efeitos sobre a situação jurídica dos recorrentes. Em primeiro lugar, não foi a decisão impugnada que desencadeou o processo previsto no artigo 50.o TUE, mas sim o ato de notificação da intenção de saída. Se o Conselho não tivesse adotado a decisão impugnada, o processo previsto no artigo 50.o TUE teria seguido o seu curso e, dois anos após o ato de notificação da intenção de saída, o Reino Unido sairia da União sem um acordo que estabelecesse as modalidades de saída. Em segundo lugar, a decisão impugnada também não «validou» o ato de notificação da intenção de saída e mais não fez do que retirar as consequências dessa decisão nacional, sem ter qualquer efeito sobre os direitos dos recorrentes. Independentemente da adoção da decisão impugnada, o Reino Unido continua a ser membro da União até à data da sua saída e os recorrentes continuam a beneficiar dos direitos que lhes são conferidos pelos Tratados a este título. Só no termo do processo previsto no artigo 50.o TUE é que os direitos dos recorrentes são suscetíveis de ser afetados, em medida que não é, aliás, possível de prever.

24      Os recorrentes sustentam que a decisão impugnada pode ser objeto de um recurso de anulação. Alegam igualmente que a sua legitimidade para agir decorre do facto de serem cidadãos do Reino Unido expatriados e cidadãos da União, de residirem noutro Estado‑Membro da União e de terem sido privados, devido à chamada legislação «15 years rule» (regra dos 15 anos), do direito de voto no referendo de 23 de junho de 2016 e nas eleições legislativas de 7 de maio de 2015 que conduziram à designação dos deputados que «confirmaram» o referendo mediante a adoção da Lei de 2017 sobre a União Europeia (Notificação de saída).

25      Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que a decisão impugnada tem consequências diretas nos direitos que lhes são conferidos pelos Tratados, nomeadamente no que se refere ao seu estatuto de cidadãos da União e ao seu direito de voto nas eleições europeias e municipais, ao seu direito ao respeito da vida privada e familiar, à sua liberdade de circular, de residir e de trabalhar, ao seu direito de propriedade e aos seus direitos às prestações sociais.

26      Em segundo lugar, os recorrentes afirmam que a decisão impugnada não é uma simples medida intermédia antes da saída do Reino Unido da União, uma vez que comporta, além de um ato expresso de abertura das negociações, um ato implícito pelo qual o Conselho aceitou o ato de notificação da intenção de saída. Segundo os recorrentes, a decisão impugnada formaliza a «saída» irreversível do Reino Unido da União em 29 de março de 2019.

27      Em terceiro lugar, os recorrentes indicam que a decisão impugnada, em particular as diretrizes de negociação que produzem efeitos jurídicos, não tem por objetivo assegurar a manutenção do estatuto de cidadãos da União dos cidadãos do Reino Unido que tenham adquirido esse estatuto antes de 29 de março de 2019. Quer se chegue ou não a um acordo, não há dúvidas no que respeita à perda a curto ou médio prazo dos direitos e das liberdades conferidos pelo direito da União aos cidadãos do Reino Unido, nomeadamente no que respeita à cidadania da União.

28      Em quarto lugar, os recorrentes alegam que o Conselho devia ter recusado ou suspendido a abertura das negociações. Afirmam que o processo de saída é nulo por falta de uma autorização constitucional certa e baseada no voto de todos os cidadãos do Reino Unido, que são igualmente cidadãos da União. Sublinham que o Conselho e o Reino Unido deviam ter requerido a fiscalização jurisdicional da constitucionalidade do ato de notificação da intenção de saída, por força do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, e que o Conselho devia ter pedido o parecer do Tribunal de Justiça quanto à compatibilidade com os Tratados da privação do direito de voto dos cidadãos do Reino Unido expatriados e da sua representação indireta pelos deputados, ao abrigo do artigo 218.o, n.o 11, TFUE. Acrescentam que julgar inadmissível o presente recurso violaria o princípio da democracia.

29      Em quinto lugar, os recorrentes alegam que o presente recurso é o único meio processual efetivo perante o juiz da União antes da inevitável perda do seu estatuto de cidadãos da União que ocorrerá em 29 de março de 2019, devido à decisão impugnada.

30      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que pode ser interposto um recurso de anulação contra todos os atos adotados pelas instituições, seja qual for a sua natureza ou a sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica (Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9, e de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.o 51).

31      Além disso, quando, como no caso vertente, um recurso de anulação é interposto por recorrentes não privilegiados contra um ato de que não são destinatários, a exigência segundo a qual os efeitos jurídicos vinculativos da medida impugnada devem ser suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica, sobrepõe‑se aos requisitos estabelecidos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 38).

32      Com efeito, resulta das disposições do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE que a legitimidade para agir de uma pessoa singular ou coletiva para interpor recurso de um ato da qual não é destinatária pressupõe, pelo menos, que esse ato, seja ele regulamentar ou não, diga diretamente respeito a essa pessoa. O próprio requisito segundo o qual um ato objeto de recurso deve dizer diretamente respeito à pessoa singular ou coletiva requer que a medida impugnada produza diretamente efeitos na situação jurídica do recorrente (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, EU:C:1998:193, n.o 43 e jurisprudência referida, e de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 66).

33      Assim, tanto a exigência segundo a qual os efeitos jurídicos vinculativos da medida impugnada devem ser suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, como o requisito segundo o qual o ato objeto de recurso deve dizer diretamente respeito à pessoa singular ou coletiva, conforme previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, pressupõem que a decisão impugnada no presente processo produza diretamente efeitos na situação jurídica dos recorrentes.

34      Ora, no caso vertente, a decisão impugnada não produz diretamente tais efeitos.

35      A decisão impugnada foi adotada pelo Conselho com fundamento nas disposições do artigo 50.o, n.o 2, terceiro período, TUE conjugado com o artigo 218.o, n.o 3, TFUE.

36      Nos termos do artigo 50.o, n.os 1 a 3, TUE:

«1.      Qualquer Estado‑Membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar‑se da União.

2.      Qualquer Estado‑Membro que decida retirar‑se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União negocia e celebra com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse acordo é negociado nos termos do n.o 3 do artigo 218.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O acordo é celebrado em nome da União pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu.

3.      Os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação referida no n.o 2, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado‑Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.»

37      Nos termos do artigo 218.o, n.o 3, TFUE, para o qual remete o artigo 50.o, n.o 2, TUE:

«3.      A Comissão […] apresenta recomendações ao Conselho, que adota uma decisão que autoriza a abertura das negociações e que designa, em função da matéria do acordo projetado, o negociador ou o chefe da equipa de negociação da União.»

38      A decisão impugnada é, por força do artigo 288.o TFUE, obrigatória em todos os seus elementos. Esta decisão autoriza a Comissão a encetar negociações, em nome da União Europeia, tendo em vista um acordo com o Reino Unido que estabeleça as condições da sua saída da União e da Euratom e designa a Comissão como negociador da União (artigo 1.o da decisão impugnada). A decisão impugnada indica que as negociações são conduzidas à luz das orientações adotadas pelo Conselho Europeu e em consonância com as diretrizes de negociação constantes do anexo (artigo 2.o da decisão impugnada).

39      O Tribunal de Justiça já considerou que uma decisão adotada com fundamento no artigo 218.o, n.os 3 e 4, TFUE produz efeitos jurídicos nas relações entre a União e os seus Estados‑Membros, bem como entre as instituições da União (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho, C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.o 40, e de 16 de julho de 2015, Comissão/Conselho, C‑425/13, EU:C:2015:483, n.o 28).

40      Importa observar que a decisão impugnada produz efeitos jurídicos nas relações entre a União e os seus Estados‑Membros, bem como entre as instituições da União, em particular no que respeita à Comissão. Com efeito, a Comissão é autorizada por essa decisão a encetar negociações tendo em vista um acordo com o Reino Unido, à luz das orientações adotadas pelo Conselho Europeu e em consonância com as diretrizes de negociação adotadas pelo Conselho.

41      Em contrapartida, a decisão impugnada não produz diretamente efeitos na situação jurídica dos recorrentes.

42      Desde logo, a decisão impugnada, pela qual o Conselho autorizou a Comissão a encetar negociações com o Reino Unido em aplicação do artigo 50.o, n.o 2, TUE, não deve ser confundida com a decisão do Reino Unido de se retirar da União, conforme prevista no artigo 50.o, n.o 1, TUE.

43      A decisão impugnada deve igualmente ser distinguida do ato de 29 de março de 2017, pelo qual o primeiro‑ministro do Reino Unido notificou o Conselho Europeu da intenção deste país de se retirar da União e da Euratom. Foi o ato de notificação da intenção de saída, e não a decisão impugnada, que desencadeou o processo de saída previsto no artigo 50.o, n.os 2 e 3, TUE e que deu início ao prazo de dois anos, previsto no artigo 50.o, n.o 3, TUE, no termo do qual, na falta de um acordo de saída, os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado‑Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.

44      Por outro lado, a decisão impugnada não altera a situação jurídica dos cidadãos do Reino Unido que residem num dos Estados‑Membros da União a 27 Estados‑Membros (a seguir «União a 27»), quer no que se refere à sua situação à data da decisão impugnada ou à sua situação a partir da data de saída do Reino Unido da União. Em particular, não assiste razão aos recorrentes quando alegam que a decisão lhes diz diretamente respeito, nomeadamente no que se refere ao seu estatuto de cidadãos da União e ao seu direito de voto nas eleições europeias e municipais, ao seu direito ao respeito da vida privada e familiar, à sua liberdade de circular, residir e trabalhar, ao seu direito de propriedade e aos seus direitos às prestações sociais.

45      A decisão impugnada não afeta os direitos dos recorrentes, que beneficiam, como sublinha o Conselho, dos mesmos direitos antes e depois da decisão impugnada. No que se refere aos direitos dos cidadãos do Reino Unido na União a 27 a partir da data da saída, a decisão impugnada constitui um mero ato preparatório do acordo final, cuja conclusão é apenas eventual e terá de ser objeto de uma decisão posterior do Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu (v., por analogia, no que se refere a uma decisão do Conselho que autoriza a Comissão a encetar negociações com vista à celebração de um acordo internacional, Acórdão de 10 de maio de 2017, Efler e o./Comissão, T‑754/14, EU:T:2017:323, n.o 34).

46      Assim, a eventual anulação da decisão impugnada não teria efeitos na situação jurídica dos cidadãos do Reino Unido, nomeadamente aqueles que, como os recorrentes, residem noutro Estado‑Membro da União e não beneficiaram do direito de voto no referendo de 23 de junho de 2016 e nas eleições legislativas no Reino Unido. Tal anulação não determinaria a anulação do ato de notificação da intenção de saída nem a suspensão do prazo de dois anos previsto no artigo 50.o, n.o 3, TUE. Os direitos dos recorrentes permaneceriam inalterados.

47      Embora seja verdade que a situação jurídica dos recorrentes, nomeadamente no que se refere ao seu estatuto de cidadãos da União, é suscetível de ser afetada aquando da saída do Reino Unido da União, quer seja ou não possível concluir um acordo de saída, essa eventual afetação dos seus direitos, cuja consistência e extensão não são, aliás, possíveis avaliar atualmente, não resulta da decisão impugnada, como salienta corretamente o Conselho.

48      Nestas condições, a decisão impugnada não produz diretamente efeitos na situação jurídica dos recorrentes, pelo que estes não podem interpor recurso de anulação e carecem, além disso, de legitimidade para agir em aplicação do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

49      Nenhum dos outros argumentos apresentados pelos recorrentes permite pôr em causa esta conclusão.

50      Em primeiro lugar, os recorrentes sustentam que a decisão impugnada não é uma simples medida intermédia antes da saída do Reino Unido da União, uma vez que comporta, para além de um ato expresso de abertura das negociações, um ato implícito pelo qual o Conselho aceitou o ato de notificação da intenção de saída. Segundo os recorrentes, a decisão impugnada validou a «saída» irreversível do Reino Unido da União em 29 de março de 2019.

51      Este argumento não pode ser acolhido.

52      É verdade que a decisão impugnada não é uma simples medida intermédia ou um ato preparatório antes da saída do Reino Unido da União, na medida em que se aplica às relações entre a União e os seus Estados‑Membros, bem como entre as instituições da União. Com efeito, para os Estados‑Membros, bem como para as instituições, a decisão impugnada produz efeitos jurídicos, conforme descritos no n.o 40, supra. Em contrapartida, tal não é o caso no que respeita aos recorrentes, para os quais deve ser considerada um ato preparatório que, como referido nos n.os 41 a 48, supra, não produz diretamente efeitos jurídicos.

53      Por outro lado, é erradamente que os recorrentes alegam que a decisão impugnada comporta um ato implícito de aceitação do ato de notificação da intenção de saída e que validou a «saída» do Reino Unido da União.

54      Como referido nos n.os 42 e 43, supra, a decisão impugnada não deve ser confundida com a decisão do Reino Unido de se retirar da União Europeia, como prevista no artigo 50.o, n.o 1, TUE, nem com o ato de notificação da intenção de saída.

55      Acresce que, através da decisão impugnada, o Conselho não adotou uma decisão implícita de aceitação do ato de notificação da intenção de saída.

56      Com efeito, resulta dos termos do artigo 50.o TUE que a possibilidade de um Estado‑Membro se retirar da União se baseia numa decisão unilateral desse Estado‑Membro, tomada em conformidade com as respetivas normas constitucionais. O artigo 50.o, n.o 1, TUE dispõe assim que um Estado‑Membro pode «decidir» retirar‑se da União. O artigo 50.o, n.o 2, TUE dispõe igualmente que o Estado‑Membro «decid[e]» retirar‑se da União que procede a uma notificação ao Conselho Europeu da sua intenção de se retirar da União, e não a um pedido de saída.

57      O artigo 50.o, n.o 3, TUE confirma que a possibilidade de um Estado‑Membro se retirar da União não está sujeita a autorização das instituições da União. Com efeito, por força do artigo 50.o, n.o 3, TUE, na falta de um acordo de saída, os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa dois anos após a notificação por esse Estado da sua intenção de se retirar da União, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado‑Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.

58      A este respeito, embora o artigo 50.o, n.o 1, TUE disponha que a decisão pela qual um Estado‑Membro decide retirar‑se da União é tomada em conformidade com as respetivas normas constitucionais, tal não significa que a decisão de saída dê lugar, por parte das instituições da União, a uma decisão de aceitação pela qual estas instituições poderiam verificar o cumprimento das referidas normas pelo Estado em causa. Com efeito, não há lugar a tal decisão de aceitação pelo Conselho ou por qualquer outra instituição da União, nem esta está prevista pelas disposições do artigo 50.o TUE.

59      Em conformidade com as disposições do artigo 50.o TUE, a decisão impugnada não comporta uma decisão de validação ou aceitação do ato de notificação da intenção de saída. De resto a instituição destinatária do ato de notificação da intenção de saída não era o Conselho mas sim o Conselho Europeu, o qual, por declaração de 29 de março de 2017, indicou ter recebido a referida notificação. Da mesma forma, o Conselho não decidiu, através da decisão impugnada, que o Reino Unido «sairia» da União em 29 de março de 2019. Embora o considerando 4 da decisão impugnada enuncie que os Tratados deixarão de ser aplicáveis ao Reino Unido a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Reino Unido, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo, esta consideração, que se limita a recordar os próprios termos do artigo 50.o, n.o 3, TUE, não significa que o Conselho tenha decido que a saída do Reino Unido ocorreria em 29 de março de 2019.

60      É, portanto, sem fundamento que os recorrentes sustentam que a decisão impugnada comporta um ato implícito pelo qual o Conselho aceitou o ato de notificação da intenção de saída e que a decisão impugnada validou a «saída» do Reino Unido da União em 29 de março de 2019.

61      Em segundo lugar, os recorrentes alegam que a decisão impugnada, em particular as diretrizes de negociação que lhe estão anexas e que produzem efeitos jurídicos, não tem o objetivo de assegurar a manutenção do estatuto de cidadãos da União dos cidadãos do Reino Unido que adquiriram esse estatuto antes de 29 de março de 2019. Não há dúvida no que respeita à perda a curto ou médio prazo dos direitos e das liberdades conferidos pelo direito da União aos cidadãos do Reino Unido. Se um acordo final fosse concluído pelo Conselho, as negociações em curso apenas poderiam determinar a extensão da perda dos direitos dos cidadãos do Reino Unido expatriados decorrentes do direito da União. Na falta de acordo, o Conselho não previu, na decisão impugnada ou nas suas diretrizes de negociação, um objetivo de preservação dos direitos adquiridos dos cidadãos do Reino Unido. Portanto, esta decisão não preserva o estatuto de cidadãos da União dos cidadãos do Reino Unido e não traz nenhuma certeza sobre os direitos dos cidadãos desse Estado no período posterior à data de saída.

62      Todavia, a decisão impugnada, nomeadamente na medida em que contém as diretrizes de negociação para o acordo de saída, não constitui um ato que estabelece os direitos dos cidadãos do Reino Unido que residem na União a 27 no caso de ser alcançado um acordo. As diretrizes de negociação limitam‑se a indicar, utilizando, de resto, pelo menos nas versões em língua francesa e em língua inglesa, o modo condicional em vez de termos imperativos, os objetivos da União no âmbito das negociações com o Reino Unido. O ponto 11 das diretrizes de negociação menciona nomeadamente que salvaguardar o estatuto e os direitos dos cidadãos da União a 27 e das suas famílias no Reino Unido, bem como dos cidadãos do Reino Unido e das suas famílias nos Estados‑Membros da União a 27, é a primeira prioridade das negociações. Assim, o ponto III.1 das diretrizes de negociação, dedicado aos direitos dos cidadãos, prevê que o acordo «deverá» salvaguardar o estatuto e os direitos decorrentes do direito da União na data de saída, incluindo aqueles cujo posterior gozo ocorrerá em data posterior (artigo 20.o). O ponto III.1 prevê igualmente que o acordo «deverá» abranger, pelo menos, a definição das pessoas a abranger e que o seu âmbito de aplicação rationae personae «deverá» ser idêntico ao da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77), e incluir as pessoas abrangidas pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1) (artigo 21.o).

63      Assim, as diretrizes de negociação não podem produzir efeitos jurídicos relativamente aos cidadãos do Reino Unido que residem num Estado‑Membro da União a 27. Primeiro, não indicam necessariamente as posições definitivas da União no âmbito das negociações, uma vez que, como indica expressamente o artigo 4.o das referidas diretrizes, estas podem ser alteradas e completadas, ao longo das negociações, se necessário, em especial para refletir as orientações do Conselho Europeu. Segundo, as negociações podem não conduzir necessariamente à conclusão de um acordo. Terceiro, admitindo que as negociações levarão à conclusão de um acordo, os direitos dos cidadãos do Reino Unido na União a 27 que venham eventualmente a ser determinados por esse acordo não serão, por definição, fixados unilateralmente pela União, dependendo também das posições do Reino Unido. Quarto, as disposições relativas à preservação do estatuto e dos direitos dos cidadãos do Reino Unido na União a 27 a partir da data de saída, conforme previstas no eventual acordo, não são da exclusiva competência do Conselho, dado que a decisão de celebrar o acordo de saída é adotada pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento. Por todas estas razões, as diretrizes de negociação são dirigidas apenas à Comissão e não podem ter por efeito determinar os direitos dos cidadãos do Reino Unido que residem na União a 27 a partir da data de saída.

64      Por outro lado, a circunstância, sublinhada pelos recorrentes, de as diretrizes de negociação não conterem o objetivo de assegurar a manutenção do estatuto de cidadãos da União dos cidadãos do Reino Unido que tenham adquirido esse estatuto antes de 29 de março de 2019, nomeadamente o direito de voto nas eleições europeias e municipais, não afeta diretamente a sua situação jurídica. Com efeito, como foi sublinhado, a decisão impugnada, incluindo as diretrizes de negociação, é um mero ato preparatório que não pode antecipar o conteúdo de um eventual acordo final, nomeadamente no que respeita ao âmbito de aplicação rationae personae de eventuais disposições relativas à preservação do estatuto e dos direitos dos cidadãos do Reino Unido na União a 27.

65      Além disso, a decisão impugnada, que é relativa às negociações entre a União e o Reino Unido tendo em vista um acordo que estabeleça as condições da saída, não tem por objeto determinar os direitos dos cidadãos desse Estado‑Membro que residem na União a 27 a partir da data de saída, no caso de não ser concluído um acordo. Por conseguinte, os recorrentes não podem utilmente alegar que o Conselho não previu, na decisão impugnada ou nas diretrizes de negociação, o objetivo de preservar os direitos adquiridos dos cidadãos do Reino Unido na falta de acordo e que, como tal, a decisão impugnada não introduz nenhuma certeza sobre os direitos dos cidadãos do Reino Unido expatriados a partir da data de saída.

66      O argumento dos recorrentes relativo aos objetivos da decisão impugnada e das diretrizes de negociação, deve, portanto, ser julgado improcedente.

67      Em terceiro lugar, os recorrentes alegam que o Conselho devia ter recusado ou suspendido a abertura das negociações. Afirmam que o processo de saída é nulo na falta de uma autorização constitucional certa e baseada no voto de todos os cidadãos do Reino Unido, que são igualmente cidadãos da União, e que a decisão impugnada carece provavelmente de facto gerador. Os recorrentes indicam que foram privados do direito de voto no referendo de 23 de junho de 2016, bem como na eleição dos parlamentares que adotaram a Lei de 2017 sobre a União Europeia (Notificação de saída), devido à «regra dos 15 anos» (15 years rule), que priva do direito de voto os cidadãos do Reino Unido que residem fora deste Estado há mais de quinze anos. Por outro lado, a Lei de 2017 sobre a União Europeia (Notificação de saída) não indica que o Reino Unido se retira da União, limitando‑se a autorizar o primeiro‑ministro a notificar à União a decisão do Reino Unido de se retirar da União. Os recorrentes indicam que está atualmente pendente num órgão jurisdicional do Reino Unido uma ação judicial, que o Conselho e o Reino Unido deviam ter requerido a fiscalização jurisdicional da constitucionalidade do ato de notificação da intenção de saída, por força do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE e que o Conselho devia igualmente ter pedido o parecer do Tribunal de Justiça quanto à compatibilidade com os Tratados da privação do direito de voto dos cidadãos do Reino Unido expatriados e da sua representação indireta pelos deputados, ao abrigo do artigo 218.o, n.o 11, TFUE. Acrescentam que julgar inadmissível o presente recurso violaria o princípio da democracia, na medida em que a supressão da cidadania da União, em março de 2019, ocorrerá em condições ilegais de privação do direito de voto dos cidadãos da União.

68      Com esta argumentação, os recorrentes invocam fundamentos de mérito, que visam, na realidade, contestar a legalidade da decisão impugnada. Com efeito, contestam esta última na medida em que não rejeitou ou suspendeu a abertura das negociações atendendo às condições em que se desenrolaram o referendo de 23 de junho de 2016 e as eleições legislativas no Reino Unido, bem como atendendo ao conteúdo da Lei de 2017 sobre a União Europeia (Notificação de saída). Contestam igualmente a decisão impugnada na medida em que não foi precedida de processos jurisdicionais destinados, nomeadamente, a verificar a constitucionalidade do ato de notificação da intenção de saída e a compatibilidade com os Tratados da inexistência de direito de voto dos cidadãos do Reino Unido expatriados.

69      Ora, estes fundamentos de mérito não têm incidência na admissibilidade do recurso, uma vez que não põem em causa a falta de efeitos diretos da decisão impugnada na situação jurídica dos recorrentes. Mesmo que se admitisse que o Conselho deveria ter recusado a abertura das negociações ou que deveria ter verificado se a decisão pela qual o Reino Unido decidiu sair da União tinha sido tomada em conformidade com as suas normas constitucionais, não é menos verdade que a decisão impugnada, que se limita a autorizar a abertura de negociações com o Reino Unido e a estabelecer as diretrizes para conduzir as referidas negociações, não altera a situação jurídica dos recorrentes. Em particular, a circunstância de o Conselho não ter erradamente lançado mão da possibilidade, prevista no artigo 218.o, n.o 11, TFUE, de obter o parecer do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade com os Tratados do projeto de acordo, ou de ter violado o princípio da cooperação leal, não pode ter como consequência afastar os requisitos de admissibilidade expressamente previstos no artigo 263.o TFUE (v., neste sentido, no que se refere ao princípio da cooperação leal, Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 40), uma vez que o pedido de parecer é, além do mais, uma faculdade e não uma obrigação do Conselho.

70      No que se refere às alegações de violações do princípio da democracia, que figura nomeadamente no preâmbulo do Tratado UE, no artigo 2.o TUE, bem como no preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não se pode validamente sustentar que o recurso deve ser julgado admissível pelo facto de a decisão impugnada ter sido tomada em violação do princípio da democracia. Com efeito, tal raciocínio equivale a deduzir a admissibilidade de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE da eventual ilegalidade do ato impugnado. Ora, resulta da jurisprudência que a gravidade de um pretenso incumprimento da instituição em causa ou a importância da violação dos direitos fundamentais daí resultante quanto ao respeito dos direitos fundamentais não permitem afastar a aplicação da exceção de ordem pública prevista no Tratado FUE (v., neste sentido, Despacho de 10 de maio de 2001, FNAB e o./Conselho, C‑345/00 P, EU:C:2001:270, n.o 40). Este argumento é, portanto, inoperante, uma vez que a decisão impugnada não determina, por si só, qualquer restrição aos direitos dos recorrentes.

71      O argumento dos recorrentes segundo o qual o Conselho devia ter recusado ou suspendido a abertura das negociações, atendendo, nomeadamente, à falta de autorização constitucional certa e baseada no voto de todos os cidadãos do Reino Unido deve, consequentemente, ser julgado improcedente.

72      Em quarto e último lugar, os recorrentes alegam que o presente recurso é o único meio processual efetivo junto do juiz da União antes da inevitável perda do seu estatuto de cidadãos da União que ocorrerá em 29 de março de 2019, devido à decisão impugnada. Sustentam que nem um processo com tramitação urgente nem, a fortiori, uma ação fundada em responsabilidade podem impedir a privação imediata da cidadania da União nessa data. Entendem que a presente via de recurso deve ser preservada com fundamento no princípio de uma União fundada no direito e no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

73      Todavia, importa observar que, através da decisão impugnada, o Conselho não decidiu que o Reino Unido «sairia» da União em 29 de março de 2019, como foi afirmado no n.o 59, supra. A eventual perda do estatuto de cidadãos da União dos cidadãos do Reino Unido em 29 de março de 2019 não resulta, portanto, da decisão impugnada, que, em relação aos recorrentes, mais não constitui do que um ato preparatório.

74      Por outro lado, a fiscalização jurisdicional do respeito da ordem jurídica da União é assegurada, como resulta do artigo 19.o, n.o 1, TUE, pelo Tribunal de Justiça e pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros (v. Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.o 45 e jurisprudência referida). No caso vertente, como sublinha o Conselho, um dos principais argumentos invocados pelos recorrentes é o facto de não terem podido votar no referendo de 23 de junho de 2016, nem na eleição dos deputados que adotaram a Lei de 2017 sobre a União Europeia (Notificação de saída). Ora, esses processos de voto dos cidadãos do Reino Unido, bem como, de resto, o ato de notificação da intenção de saída, podem ser objeto de um recurso nos tribunais do Reino Unido, os quais podem, se necessário, interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação dos Tratados através de questões prejudiciais, ao abrigo do artigo 267.o TFUE. A este respeito, deve ser constatado que a legalidade dos procedimentos e dos atos das autoridades do Reino Unido destinados a executar o processo de saída previsto no artigo 50.o TUE foram em diversas ocasiões impugnados nos tribunais do Reino Unido. Por acórdão de 28 de abril de 2016, a High Court of Justice (England and Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do foro da Rainha (Secção Administrativa), Reino Unido] pronunciou‑se sobre o pedido em que H. Shindler e outros recorrentes contestavam a regularidade do referendo de 23 de junho de 2016, alegando que os cidadãos do Reino Unido residentes noutro Estado‑Membro da União há mais de quinze anos estavam privados do direito de voto pela «regra dos 15 anos» (15 years rule), em violação do direito da União. Como foi sublinhado na audiência, o mesmo órgão jurisdicional julgou igualmente improcedente, por decisão de 12 de junho de 2018, uma petição pela qual E. Webster e outros recorrentes punham em causa, atendendo à alegada inexistência de uma decisão de saída adotada em conformidade com as normas constitucionais do Reino Unido, a condução pelo Reino Unido das negociações destinadas à conclusão de um acordo de saída.

75      Por último, os recorrentes alegam, em apoio da sua argumentação segundo a qual o presente recurso é o único suscetível de garantir o seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva, após 29 de março de 2019, em caso de litígio sobre o eventual acordo de saída, uma vez que o Reino Unido será um Estado terceiro à União e poderá não se considerar vinculado por uma decisão do juiz da União. Após essa data, não poderá ser atribuída força executória a uma decisão do juiz da União sobre o eventual acordo de saída.

76      Contudo, a inadmissibilidade do presente recurso não se deduz da possibilidade de os recorrentes interporem um recurso perante o juiz da União contra a decisão de celebração de um eventual acordo de saída, mas resulta da constatação de que o requisito segundo o qual a decisão impugnada deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica dos recorrentes não está preenchido no caso vertente. Embora esse requisito de admissibilidade deva ser interpretado à luz do direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva, conforme consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, tal requisito não pode ser afastado sem exceder as competências atribuídas pelo Tratado FUE aos órgãos jurisdicionais da União (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 97 e 98). A apreciação da admissibilidade do presente recurso, que se rege pelas regras do Tratado FUE, também não depende da questão de saber se o Reino Unido se considerará vinculado por uma decisão do juiz da União na hipótese de um litígio sobre o eventual acordo de saída.

77      O argumento relativo ao direito a uma proteção jurisdicional efetiva deve, portanto, ser julgado improcedente.

78      Resulta das considerações precedentes que a decisão impugnada, que não produz efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses dos recorrentes alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, não pode ser objeto de um recurso de anulação. Além disso, os recorrentes, a quem a decisão impugnada não diz diretamente respeito, não têm legitimidade para agir ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Por conseguinte, o recurso deve ser julgado inadmissível na totalidade.

 Quanto ao pedido de intervenção

79      Em conformidade com o artigo 142.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a intervenção é acessória do litígio principal e perde o seu objeto, designadamente, quando a petição seja declarada inadmissível.

80      Nestas condições, não há que decidir sobre o pedido de intervenção da Comissão Europeia em apoio dos pedidos do Conselho.

 Quanto às despesas

81      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

82      Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pelo Conselho, em conformidade com o pedido deste.

83      Em aplicação do artigo 144.o, n.o 10, do Regulamento de Processo, uma vez que foi posto termo à instância no processo principal antes de ser proferida uma decisão sobre o pedido de intervenção, a Comissão suporta as suas próprias despesas relativas ao pedido de intervenção.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      Não há que decidir sobre o pedido de intervenção da Comissão Europeia.

3)      Harry Shindler e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo suportarão as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia.

4)      A Comissão suportará as suas próprias despesas relativas ao pedido de intervenção.

Gervasoni

Madise

da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

 

      Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de novembro de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.


1      A lista dos demais recorrentes está anexada unicamente à versão notificada às partes.