Language of document : ECLI:EU:T:2023:735

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

22 de novembro de 2023 (*)

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Resolução do Banco Popular Español — Decisão do CUR que recusa uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados pelas medidas de resolução — Direito de propriedade — Direito de audiência — Direito à ação — Avaliação da diferença de tratamento — Independência do avaliador»

Nos processos apensos T‑302/20, T‑303/20 e T‑307/20,

Antonio Del Valle Ruíz, residente no México (México), e os outros cujos nomes figuram em anexo (1), representados por B. Fernández García, J. Álvarez González e P. Rubio Escobar, advogados,

recorrentes no processo T‑302/20,

apoiados por:

Aeris Invest Sàrl, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo), representada por R. Vallina Hoset e M. Varela Suárez, advogados,

interveniente no processo T‑302/20,

José María Arias Mosquera, residente em Madrid (Espanha), e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo, representados por B. Fernández García, J. Álvarez González e P. Rubio Escobar,

recorrentes no processo T‑303/20,

Calatrava Real State 2015, SL, com sede em Madrid, representada por Fernández García, Álvarez González e P. Rubio Escobar,

recorrente no processo T‑307/20,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por M. Fernández Rupérez, A. Lapresta Bienz, L. Forestier e J. Rius Riu, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann, F. Louis, V. Del Pozo Espinosa de los Monteros e L. Hesse, advogados,

recorrido,

apoiado por

Reino de Espanha, representado por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

interveniente nos processos apensos T‑302/20, T‑303/20 e T‑307/20,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada),

composto, na deliberação, por M. van der Woude, presidente, G. De Baere (relator), G. Steinfatt, K. Kecsmár e S. Kingston, juízes,

secretário: P. Nuñez Ruiz, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 7 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio dos seus recursos interpostos ao abrigo do artigo 263.o TFUE, os recorrentes, Antonio Del Valle Ruíz e 36 outras pessoas singulares ou coletivas cujos nomes figuram em anexo, José María Arias Mosquera e 28 outras pessoas singulares ou coletivas cujos nomes figuram em anexo e a Calatrava Real State 2015, SL, pedem a anulação da Decisão SRB/EES/2020/52 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 17 de março de 2020, destinada a determinar se deve ser concedida uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados pelas medidas de resolução do Banco Popular Español, S. A. (a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

2        Os recorrentes são pessoas singulares e coletivas que eram acionistas do Banco Popular Español (a seguir «Banco Popular») antes da adoção de um programa de resolução desse banco.

3        Em 7 de junho de 2017, a sessão executiva do CUR adotou a Decisão SRB/EES/2017/08, relativa a um programa de resolução do Banco Popular (a seguir «programa de resolução»), com fundamento no Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução Bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).

4        Antes da adoção do programa de resolução, em 23 de maio de 2017, na sequência de um processo de concurso público, o CUR contratou o gabinete Deloitte Revisores de Empresas como avaliador (a seguir «gabinete avaliador») no âmbito da preparação de uma eventual resolução do Banco Popular. Foi adjudicado ao gabinete avaliador um contrato específico na sequência de um concurso público no âmbito de um contrato‑quadro múltiplo de serviços que o CUR tinha assinado com seis gabinetes, entre os quais o gabinete avaliador. Em conformidade com o contrato específico, a missão do gabinete avaliador incluía a realização de uma avaliação do Banco Popular antes de uma eventual resolução e a avaliação da diferença de tratamento prevista no artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014, posteriormente a uma resolução potencial.

5        Em 5 de junho de 2017, o CUR adotou uma primeira avaliação, em aplicação do artigo 20.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, que tinha por objetivo fornecer os elementos que permitissem determinar se estavam preenchidos os pressupostos de abertura de um procedimento de resolução, conforme definidos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

6        Em 6 de junho de 2017, o gabinete avaliador entregou ao CUR uma segunda avaliação (a seguir «avaliação 2»), redigida nos termos do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014. A avaliação 2 tinha por objetivo estimar o valor do ativo e do passivo do Banco Popular, fornecer uma estimativa sobre o tratamento de que os acionistas e credores teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência e fornecer os elementos que permitissem tomar a decisão relativa às ações e aos instrumentos de propriedade a transferir e que permitissem ao CUR determinar condições comerciais para efeitos do instrumento de alienação da atividade.

7        No programa de resolução, o CUR, considerando que estavam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, decidiu submeter o Banco Popular a um procedimento de resolução. O CUR decidiu reduzir e converter os instrumentos de capital do Banco Popular nos termos do artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014 e aplicar o instrumento de alienação da atividade nos termos do artigo 24.o do Regulamento n.o 806/2014 através da transferência das ações para um adquirente.

8        O CUR decidiu anular 100 % das ações do Banco Popular, converter e reduzir a totalidade do montante de capital dos instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1 emitidos pelo Banco Popular e converter a totalidade do montante de capital dos instrumentos de fundos próprios de nível 2 emitidos pelo Banco Popular em «novas ações II». Na sequência de um processo de venda transparente e aberto realizado pela autoridade de resolução espanhola, o Fondo de Reestructuración Ordenada Bancaria (FROB, Fundo de Reestruturação Ordenada das Instituições Bancárias, Espanha), as «novas ações II» foram transferidas para o Banco Santander, S. A., em contrapartida do pagamento de um preço de compra de um euro. Posteriormente, o Banco Santander sucedeu a título universal ao Banco Popular em 28 de setembro de 2018, no âmbito de uma fusão por incorporação.

9        Em 7 de junho de 2017, a Comissão Europeia adotou a Decisão (UE) 2017/1246, que aprova o programa de resolução para o Banco Popular (JO 2017, L 178, p. 15).

10      Em 14 de junho de 2018, o gabinete avaliador transmitiu ao CUR a avaliação da diferença de tratamento, prevista no artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014, realizada para determinar se os acionistas e credores teriam beneficiado de um melhor tratamento caso a instituição objeto de resolução tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência (a seguir «avaliação 3»). Em 31 de julho de 2018, o gabinete avaliador enviou ao CUR uma adenda a essa avaliação, corrigindo certos erros formais.

11      O gabinete avaliador ponderou, na avaliação 3, o tratamento de que os acionistas e credores afetados teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido sujeito a um processo normal de insolvência no momento em que o programa de resolução foi adotado. Procedeu a essa avaliação no âmbito de um cenário de liquidação aplicando a Ley 22/2003, Concursal (Lei 22/2003 da Insolvência), de 9 de julho de 2003 (BOE n.o 164, de 10 de julho de 2003, p. 26905).

12      O gabinete avaliador indicou que o cenário hipotético de liquidação tinha sido preparado com base nas informações financeiras não auditadas de 6 de junho de 2017 ou, caso não estivessem disponíveis, nas de 31 de maio de 2017. Considerou que a abertura de um processo normal de insolvência do Banco Popular em 7 de junho de 2017 teria levado a uma liquidação não planificada. Para apreciar os valores de realização dos ativos, o gabinete avaliador teve em conta três cenários temporais de liquidação alternativos, de 18 meses, de 3 anos e de 7 anos, cada um deles incluindo uma melhor e uma pior hipótese. Concluiu que, em cada uma dessas hipóteses, para os acionistas afetados e para os credores subordinados, não se esperava recuperação no âmbito de um processo normal de insolvência e que, por conseguinte, não existia diferença de tratamento em relação à resultante da medida de resolução.

13      Em 6 de agosto de 2018, o CUR publicou, no seu sítio Internet, o seu Aviso de 2 de agosto de 2018, sobre a decisão preliminar relativa à eventual necessidade de compensar os acionistas e credores em relação aos quais as medidas de resolução do Banco Popular produziram efeitos e o lançamento do processo de registo para o direito a ser ouvido (SRB/EES/2018/132) (a seguir «decisão preliminar»), bem como uma versão não confidencial da avaliação 3. Em 7 de agosto de 2018, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2018, C 277 I, p. 1) uma comunicação sobre o aviso do CUR.

14      Na decisão preliminar, o CUR considerou que resultava da avaliação 3 que não existia diferença entre o tratamento de que tinham realmente sido objeto os acionistas e credores afetados pela resolução do Banco Popular e aquele de que teriam beneficiado se este tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência à data da resolução. O CUR decidiu, a título preliminar, que não tinha que pagar uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

15      Para lhe permitir tomar uma decisão final sobre a necessidade ou não de conceder uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados, o CUR convidou‑os a comunicarem‑lhe o seu interesse em exercer o seu direito de audiência à luz da decisão preliminar, em conformidade com o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

16      O CUR indicou que o processo relativo ao direito de audiência decorreria em duas fases.

17      Numa primeira fase, a de inscrição, os acionistas e os credores afetados foram convidados a manifestar o seu interesse em exercer o seu direito de audiência através de um formulário de inscrição em linha específico, aberto até 14 de setembro de 2018. Em seguida, o CUR devia verificar se cada parte que tivesse manifestado o seu interesse tinha o estatuto de acionista ou de credor afetado. Os acionistas e credores afetados interessados deviam fazer prova da sua identidade e de que detinham, em 6 de junho de 2017, um ou mais instrumentos de capital do Banco Popular que tivessem sido reduzidos ou convertidos e transferidos no âmbito da resolução.

18      Numa segunda fase, a fase de consulta, os acionistas e credores afetados que tivessem manifestado o seu interesse em exercer o seu direito de audiência na primeira fase e cujo estatuto tivesse sido verificado pelo CUR podiam apresentar os seus comentários sobre a decisão preliminar à qual estava anexada a avaliação 3.

19      Em 16 de outubro de 2018, o CUR anunciou que os acionistas e credores elegíveis seriam convidados a apresentar as suas observações escritas sobre a decisão preliminar a partir de 6 de novembro de 2018. Em 6 de novembro de 2018, o CUR enviou aos acionistas e aos credores elegíveis uma ligação pessoal única que dava acesso na Internet a um formulário que lhes permitia apresentar, até 26 de novembro de 2018, comentários sobre a decisão preliminar e sobre a versão não confidencial da avaliação 3.

20      No final da fase de consulta, o CUR analisou as observações relevantes dos acionistas e credores afetados sobre a decisão preliminar. Pediu ao gabinete avaliador que lhe fornecesse um documento com a sua avaliação dos comentários relevantes relativos à avaliação 3 e que examinasse se a avaliação 3 continuava válida à luz desses comentários.

21      Em 18 de dezembro de 2019, o gabinete avaliador forneceu ao CUR a sua avaliação intitulada «documento de clarificação sobre a avaliação da diferença de tratamento» (a seguir «documento de clarificação»). No documento de clarificação, o gabinete avaliador confirmou que a estratégia e os diferentes cenários de liquidação hipotéticos pormenorizados na avaliação 3, bem como as metodologias seguidas e as análises efetuadas, permaneciam válidos.

22      Em 17 de março de 2020, o CUR adotou a decisão recorrida. Em 20 de março de 2020, foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia um anúncio sobre essa decisão (JO 2020, C 91, p. 2).

23      Na decisão recorrida, o CUR considerou que o gabinete avaliador era independente em conformidade com os requisitos previstos no artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 e no capítulo IV do Regulamento Delegado (UE) 2016/1075 da Comissão, de 23 de março de 2016, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita às normas técnicas de regulamentação que especificam o conteúdo dos planos de recuperação, dos planos de resolução e dos planos de resolução de grupos, os critérios mínimos que as autoridades competentes devem avaliar no que respeita aos planos de recuperação e aos planos de recuperação de grupos, as condições para a prestação de apoio financeiro intragrupo, os requisitos para os avaliadores independentes, o reconhecimento contratual dos poderes de redução e de conversão, os procedimentos e teor dos requisitos de notificação e de aviso de suspensão e o funcionamento operacional dos colégios de resolução (JO 2016, L 184, p. 1).

24      No título 5 «avaliação 3» da decisão recorrida, o CUR resumiu o conteúdo da avaliação 3 e considerou que esta era conforme com o quadro legal aplicável e estava suficientemente fundamentada e completa para constituir o fundamento de uma decisão tomada nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014. Considerou que a avaliação 3 avaliava os elementos necessários previstos no artigo 20.o, n.o 17, do Regulamento n.o 806/2014 e no Regulamento Delegado (UE) 2018/344 da Comissão, de 14 de novembro de 2017, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito às normas técnicas de regulamentação que especificam os critérios relativos às metodologias de avaliação da diferença de tratamento no âmbito da resolução (JO 2018, L 67, p. 3).

25      No título 6 da decisão recorrida, o CUR apresentou os «comentários transmitidos pelos acionistas e credores afetados, bem como a sua avaliação». No título 6.1 «avaliação da relevância» da decisão recorrida, o CUR explicou que alguns desses comentários, que não eram relativos à sua decisão preliminar nem à avaliação 3, eram irrelevantes visto que não estavam abrangidos pelo procedimento relativo ao direito de audiência. No título 6.2 da decisão recorrida, procedeu ao «exame dos comentários relevantes» transmitidos pelos acionistas e credores afetados, relativos à independência do gabinete avaliador e ao conteúdo da avaliação 3, agrupados por tema.

26      O CUR concluiu que resultava da avaliação 3, conjugada com o documento de clarificação e com as conclusões enunciadas no título 6.2 da decisão recorrida, que não existia qualquer diferença entre o tratamento de que os acionistas e credores afetados tinham realmente sido objeto e aquele de que teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido sujeito a um processo normal de insolvência à data da resolução.

27      Consequentemente, o CUR decidiu:

«Artigo 1.o

Avaliação

Para determinar se deve ser concedida uma compensação aos acionistas e aos credores afetados pelas medidas de resolução do Banco Popular […], a avaliação da diferença de tratamento no âmbito da resolução, prevista no artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, é elaborada em conformidade com o anexo I da presente decisão, em conjugação com o documento de clarificação […] que figura no anexo II da presente decisão.

Artigo 2.o

Indemnização

Os acionistas e credores afetados pelas medidas de resolução do Banco Popular […] não têm direito a uma indemnização do Fundo Único de Resolução nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

Artigo 3.o

Destinatário da decisão

Esta decisão é dirigida ao FROB, na sua qualidade de autoridade nacional de resolução, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, ponto 3, do Regulamento n.o 806/2014.»

 Pedidos das partes

28      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o CUR e o Reino de Espanha nas despesas.

29      O CUR conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

30      No processo T‑302/20, a interveniente, Aeris Invest Sàrl, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        dar provimento ao recurso;

–        condenar o CUR nas despesas.

31      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

32      Os recorrentes invocam cinco fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014. O terceiro fundamento é relativo à violação do direito de audiência consagrado no artigo 41.o, n.o 2, da Carta. O quarto fundamento é relativo à violação do direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta. O quinto fundamento é relativo à violação do direito de propriedade consagrado no artigo 17.o no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, bem como no artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

33      Refira‑se, a título preliminar, que a jurisprudência circunscreveu o alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral tanto em situações em que o ato recorrido se baseia numa apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos como quando se trata de apreciações económicas complexas.

34      Por um lado, nas situações em que as autoridades da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quanto à apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos para determinar a natureza e o alcance das medidas que adotam, a fiscalização do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício de tal poder de apreciação não está ferido de erro manifesto ou de desvio de poder ou ainda se essas autoridades não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação. Com efeito, neste contexto, o juiz da União não pode substituir pela sua a apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica feita pelas autoridades da União, às quais o Tratado FUE conferiu em exclusivo essa missão [v. Acórdãos de 21 de julho de 2011, Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504, n.o 60 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 105 e jurisprudência referida].

35      Por outro lado, a fiscalização que os tribunais da União exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pelas autoridades da União é uma fiscalização restrita que se limita necessariamente à verificação do respeito das normas processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder. No âmbito dessa fiscalização, também não cabe ao juiz da União substituir pela sua a apreciação económica da autoridade da União competente [v. Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 66 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 106 e jurisprudência referida].

36      Uma vez que as decisões do CUR destinadas a determinar se deve ser concedida uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados pelas medidas de resolução de uma entidade se baseiam em apreciações económicas e técnicas altamente complexas, há que considerar que os princípios que resultam da jurisprudência acima referida nos n.os 35 e 36 se aplicam à fiscalização que o julgador é chamado a exercer.

37      Ora, embora seja reconhecida ao CUR uma margem de apreciação em matéria económica e técnica, isso não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação, feita pelo CUR, dos dados de natureza económica em que assenta a sua decisão. Com efeito, como já decidiu o Tribunal de Justiça, mesmo no caso de apreciações complexas, o juiz da União deve verificar não só a exatidão material das provas invocadas, a sua fiabilidade e coerência, mas também fiscalizar se essas provas constituem todos os dados relevantes a ter em consideração para apreciar uma situação complexa e se são capazes de sustentar as conclusões que delas são retiradas [v. Acórdãos de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 117 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 108 e jurisprudência referida].

38      A esse respeito, para demonstrar que o CUR cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos suscetível de justificar a anulação da decisão recorrida, as provas apresentadas pelo recorrente devem ser suficientes para deixar sem plausibilidade as apreciações dos factos dados por provados nessa decisão [v., por analogia, Acórdãos de 7 de maio de 2020, BTB Holding Investments e Duferco Participations Holding/Comissão, C‑148/19 P, EU:C:2020:354, n.o 72, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 109 e jurisprudência referida].

39      Consequentemente, um fundamento relativo a erro manifesto de apreciação deve ser julgado improcedente se, apesar das provas apresentadas pelo recorrente, a apreciação em causa puder ser aceite como ainda verdadeira ou válida (v. Acórdãos de 27 de setembro de 2018, Spiegel‑Verlag Rudolf Augstein e Sauga/BCE, T‑116/17, não publicado, EU:T:2018:614, n.o 39 e jurisprudência referida, e de 25 de novembro de 2020, BMC/Entreprise commune Clean Sky 2, T‑71/19, não publicado, EU:T:2020:567, n.o 76 e jurisprudência referida).

40      Resulta ainda de jurisprudência constante que, quando as instituições dispõem de poder de apreciação, o respeito das garantias conferidas pelo ordenamento jurídico da União nos procedimentos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. Entre essas garantias conferidas pelo ordenamento jurídico da União nos procedimentos administrativos figura, nomeadamente, o princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, ao qual está ligado o dever de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso. Só assim pode o juiz da União verificar se estão preenchidos os elementos de facto e de direito de que depende o exercício do seu poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14).

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014

41      Os recorrentes alegam que o seu relatório de peritagem anexo às petições mostra que a avaliação 3 se baseia em premissas inexatas e utiliza critérios que não são adaptados à avaliação do Banco Popular. Indicam que a análise contida nesse relatório justifica 19 críticas contra a avaliação 3 que são enunciadas nas petições.

42      Os recorrentes afirmam que o relatório de peritagem anexo às petições demonstrou, baseando‑se na sua própria avaliação, que o capital social do Banco Popular ascendia a cerca de 5,974 mil milhões de euros à data da resolução e que, portanto, teriam beneficiado de um melhor tratamento no âmbito do processo normal de insolvência do que no âmbito da resolução.

43      O CUR alega que este fundamento é inadmissível uma vez que os recorrentes referem 19 erros que figuram na avaliação 3, sob a forma de 19 alegações de uma única frase, as quais constituem afirmações muito gerais, que não são compreensíveis em si mesmas e que só podem ser entendidas com base no relatório de peritagem anexo às petições. Afirma que as petições não contêm argumentos nem factos subjacentes a essas afirmações.

44      Por força do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a petição deve conter o objeto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir o recurso, eventualmente sem mais informações.

45      Segundo jurisprudência assente, para uma ação ser admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Embora o corpo da petição possa ser alicerçado e completado, em pontos específicos, através de remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outras peças escritas, mesmo anexadas à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição. Além disso, não cabe ao Tribunal Geral procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos e argumentos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm função meramente probatória e instrumental [v. Acórdãos de 3 de março de 2022, WV/SEAE, C‑162/20 P, EU:C:2022:153, n.os 68 e 70 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 299 e jurisprudência referida].

46      Refira‑se que, no primeiro fundamento, como refere o CUR, os recorrentes se limitam a formular 19 afirmações muito gerais relativas a certas apreciações do gabinete avaliador na avaliação 3. As seis primeiras afirmações respeitam ao cenário de liquidação do Banco Popular e as outras respeitam à avaliação de diversas categorias de ativos feita na avaliação 3.

47      Os recorrentes limitam‑se a indicar que essas afirmações são justificadas pela análise que figura no relatório de peritagem anexo às petições. Remetem assim de forma global para o relatório de peritagem anexo às petições, que tem 87 páginas e inclui 76 páginas de anexos e não faz qualquer referência às partes do relatório de peritagem que estão subjacentes a cada uma dessas 19 afirmações.

48      O mesmo se diga da conclusão dos recorrentes de que resulta do seu relatório de peritagem que teriam beneficiado de um melhor tratamento no âmbito de um processo normal de insolvência do que no âmbito da resolução.

49      Ora, de acordo com a jurisprudência acima referida no n.o 46, não cabe ao Tribunal Geral procurar nesse relatório pericial os elementos que justificam cada uma destas afirmações. Refira‑se, assim, que a formulação do presente fundamento não permite ao Tribunal Geral pronunciar‑se, eventualmente sem mais informações, e que seria contrário à função puramente probatória e instrumental dos anexos que estes pudessem servir para fazer a demonstração detalhada de uma alegação apresentada de forma insuficientemente clara e precisa nas petições. Por conseguinte, há que julgar inadmissível a argumentação que remete de forma global para o relatório pericial que figura em anexo às petições.

50      Daqui resulta que o Tribunal Geral não está em condições, com base no conteúdo das petições, de identificar com precisão os argumentos que poderia considerar como base deste fundamento.

51      Decorre daqui que este fundamento é simplesmente enunciado sem ser sustentado por uma argumentação, contrariamente à regra prevista no artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, e que deve ser julgado inadmissível.

52      Por outro lado, há que acrescentar que esta conclusão não prejudica a admissibilidade do relatório de peritagem anexo às petições nem de argumentos invocados pelos recorrentes nos outros fundamentos que se baseiem nesse relatório e estejam suficientemente sustentados.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014

53      Os recorrentes alegam que o CUR violou dois pressupostos previstos no artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014.

54      O artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe:

«A fim de avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado num processo normal de insolvência, o CUR assegura que seja realizada uma avaliação por uma pessoa independente a que se refere o n.o 1, logo que possível, após a medida ou as medidas de resolução produzirem efeitos.»

55      Numa primeira parte, os recorrentes alegam que a decisão recorrida não determinou se os antigos acionistas do Banco Popular teriam beneficiado de um melhor tratamento num processo normal de insolvência, uma vez que o processo normal de insolvência foi equiparado a uma liquidação. Numa segunda parte, sustentam que a avaliação 3 não foi realizada por uma pessoa independente.

 Quanto à primeira parte, relativa à determinação do cenário contrafactual

56      Os recorrentes contestam o cenário contrafactual utilizado na avaliação 3 para demonstrar o tratamento de que os acionistas e credores afetados teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência, a saber, o cenário de liquidação. Com uma primeira alegação, sustentam que a legislação aplicável dá prioridade a uma solução alternativa à liquidação. Com uma segunda alegação, apresentada a título subsidiário, sustentam que, admitindo que fosse aplicável um cenário de liquidação, a legislação espanhola não impõe uma cessão dos ativos individualmente ou por carteiras.

–       Quanto à primeira alegação, que visa contestar a utilização de um cenário de liquidação

57      Os recorrentes, apoiados pela Aeris Invest, alegam que o CUR cometeu um erro de direito ao considerar que o tratamento hipotético no âmbito de um processo normal de insolvência implicava a consideração de um cenário de liquidação. Consideram que, segundo a lei espanhola, a concordata é o resultado prioritário do processo de insolvência.

58      Os recorrentes alegam que, na lei espanhola, a concordata é encorajada por uma série de medidas destinadas a obter a satisfação dos credores através do acordo contido numa transação jurídica. Consideram que o CUR interpretou essa legislação da forma mais favorável aos seus próprios interesses, uma vez que a avaliação do Banco Popular num cenário de liquidação é inferior à que seria obtida no âmbito de uma concordata.

59      Na decisão recorrida, o CUR referiu que, segundo o artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação 3 devia determinar se os acionistas e credores afetados tinham tido pior tratamento no âmbito da resolução do que teriam tido se o Banco Popular tivesse sido «liquidado segundo um processo normal de insolvência». Salientou, à semelhança do gabinete avaliador no documento de clarificação, que a Ley 11/2015 de recuperación y resolución de entidades de crédito y empresas de servicios de inversión (Lei 11/2015 de Recuperação e de Resolução das Instituições de Crédito e das Empresas de Serviços de Investimento), de 18 de junho de 2015 (BOE n.o 146, de 19 de junho de 2015, p. 50797), que transpõe a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o ° 1093/2010 e (UE) n.o ° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190), prevê especificamente que a avaliação da diferença de tratamento deve ser efetuada partindo do princípio de que a entidade entrou num processo de liquidação.

60      Em primeiro lugar, quanto às disposições relevantes do Regulamento n.o 806/2014, há que lembrar que a avaliação prevista no artigo 20.o, n.o 16, desse regulamento visa determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um melhor tratamento se a instituição objeto de resolução tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência.

61      Nos termos do artigo 20.o, n.o 17, do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação referida no n.o 16 desse mesmo artigo estabelece a diferença de tratamento entre o tratamento real de que foram objeto os acionistas e credores no âmbito da resolução e o tratamento de que teriam beneficiado se a entidade tivesse sido sujeita a um processo normal de insolvência no momento em que foi tomada a decisão sobre a medida de resolução.

62      Essa avaliação destina‑se a aplicar o princípio de que nenhum credor tem um tratamento desfavorável, princípio esse enunciado no artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014, que prevê que «nenhum credor deve suportar perdas mais elevadas do que teria tido de incorrer se a entidade referida no artigo 2.o tivesse sido liquidada ao abrigo de um processo normal de insolvência de acordo com as salvaguardas previstas no artigo 29.o».

63      Por força desse princípio, o artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014 indica que o CUR pode recorrer ao Fundo Único de Resolução (FUR) para «pagar uma compensação aos acionistas ou aos credores se, na sequência de uma avaliação efetuada nos termos do artigo 20.o, n.o 5, tiverem sofrido prejuízos maiores do que teriam sofrido em caso de uma liquidação em conformidade com os processos normais de insolvência, na sequência de uma avaliação efetuada nos termos do artigo 20.o, n.o 16».

64      Assim, resulta claramente das disposições acima referidas do Regulamento n.o 806/2014 que a referência, no artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014, ao tratamento de que os acionistas e credores da entidade teriam beneficiado se esta tivesse sido sujeita a um processo normal de insolvência remete para o seu tratamento hipotético em caso de liquidação da entidade.

65      Além disso, segundo o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/344, o método para realizar a avaliação do tratamento de que teriam beneficiado os acionistas e credores em relação aos quais as medidas de resolução foram executadas, se a entidade tivesse sido sujeita a um processo normal de insolvência à data da decisão de resolução, consiste unicamente em determinar o montante atualizado dos fluxos de tesouraria esperados no âmbito de um processo normal de insolvência. Os fatores a tomar em consideração para avaliar esses fluxos de tesouraria, enunciados no artigo 4.o, n.os 4 e 5, do Regulamento Delegado 2018/344, visam determinar o valor dos ativos, consoante sejam negociados ou não num mercado ativo, no âmbito de uma cessão hipotética. O artigo 4.o, n.o 8, do Regulamento Delegado 2018/344 prevê igualmente que o produto hipotético resultante da avaliação seja repartido entre os acionistas e os credores em função da sua prioridade nos termos da legislação aplicável em matéria de insolvência.

66      Daqui resulta que o método de avaliação do tratamento de que os acionistas e credores teriam beneficiado no âmbito de um hipotético processo normal de insolvência definido no Regulamento Delegado 2018/344 corresponde à realização dos ativos da instituição e, portanto, a uma liquidação conforme definida no artigo 3.o, n.o 1, ponto 42, do Regulamento n.o 806/2014.

67      Quanto ao mecanismo de indemnização dos acionistas e dos credores de uma entidade sujeita a uma medida de resolução instituída pelo Regulamento n.o 806/2014, o considerando 62 desse regulamento indica:

«A interferência com os direitos de propriedade não deverá ser desproporcionada. Daí decorre que os acionistas e credores afetados não deverão suportar perdas mais elevadas do que aquelas que suportariam se a entidade tivesse sido liquidada no momento em que é tomada a decisão de desencadear a resolução. Em caso de transferência parcial dos ativos de uma instituição objeto de resolução para um comprador do setor privado ou para uma instituição de transição, a parte remanescente da instituição objeto de resolução deverá ser liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência. Para proteger os acionistas e credores da entidade durante o processo de liquidação, estes deverão ter direito a receber em pagamento pelos seus créditos um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a entidade no seu conjunto fosse liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência.»

68      Segundo o artigo 20.o, n.o 18, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação da diferença de tratamento prevista no artigo 20.o, n.o 16, do mesmo regulamento parte do pressuposto de que uma instituição objeto de resolução em relação à qual foram executadas uma ou mais medidas de resolução teria entrado em processo normal de insolvência no momento em que foi tomada a decisão sobre a medida de resolução e no pressuposto de que a medida ou medidas de resolução não foram executadas.

69      Importa igualmente recordar que a adoção de uma medida de resolução em relação a uma entidade pressupõe que as condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 estejam preenchidas, a saber, que a entidade esteja em situação ou em risco de insolvência, que não existam outras medidas de natureza privada ou medidas prudenciais suscetíveis de impedir a sua insolvência num prazo razoável e que a medida de resolução seja necessária para o interesse público. Segundo o artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, considera‑se que uma medida de resolução é de interesse público se for necessária para a prossecução, por meios proporcionados, de um ou mais dos objetivos da resolução e que, pelo contrário, a liquidação da entidade pelos processos normais de insolvência não o permitiria na mesma medida.

70      Assim, uma medida de resolução constitui uma alternativa à liquidação de uma entidade quando o interesse público o exija.

71      Nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014, relativo à aplicação do princípio referido no artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do mesmo regulamento, é reconhecido aos acionistas e aos credores o direito, no processo de resolução, a um reembolso ou a uma indemnização dos seus créditos que não seja inferior à estimativa do que teriam recuperado se toda a instituição ou empresa em causa tivesse sido liquidada num processo normal de insolvência [v., por analogia, Acórdão de 5 de maio de 2022, Banco Santander (Resolução bancária Banco Popular), C‑410/20, EU:C:2022:351, n.o 48].

72      Daqui resulta que, para determinar a diferença de tratamento, a comparação tem por objeto o tratamento real dado aos acionistas e credores afetados devido à resolução e a avaliação da sua situação caso a medida de resolução não tivesse sido adotada, a saber, a hipótese de a entidade ter sido liquidada.

73      Em segundo lugar, no que respeita à legislação nacional aplicável, a comparação com o tratamento de que os acionistas e credores afetados teriam beneficiado se a instituição tivesse sido sujeita a um processo normal de insolvência remete para o processo nacional a que a instituição teria estado sujeita se não tivesse sido objeto de uma medida de resolução.

74      A este respeito, o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2018/344 indica:

«O avaliador deve ter em conta os seguintes elementos, ao determinar o montante atualizado dos fluxos de caixa esperados no âmbito de um processo normal de insolvência:

a)      a legislação aplicável ou a prática em vigor em matéria de insolvência na jurisdição em causa, que podem influenciar certos fatores como o prazo de cessão ou as taxas de recuperação previstos;

[…]»

75      Por conseguinte, a Aeris Invest não pode validamente alegar que o direito espanhol não era aplicável na determinação do cenário contrafactual para o Banco Popular.

76      Ora, como indica o Reino de Espanha, o legislador espanhol, quando regulamentou a avaliação da diferença de tratamento, não previu outra hipótese que não a da liquidação segundo o processo normal de insolvência.

77      A este respeito, o Real Decreto 1012/2015 por el que se desarrolla la Ley 11/2015, y por el que se modifica el Real Decreto 2606/1996, de 20 de diciembre, sobre fondos de garantía de depósitos de entidades de crédito (Real Decreto 1012/2015, que aplica a Lei 11/2015 e que altera o Real Decreto 2606/1996, de 20 de dezembro de 1996, relativo aos fundos de garantia de depósitos de instituições de crédito), de 6 de novembro de 2015 (BOE n.o 267, de 7 de novembro de 2015, p. 105911), que transpõe a Diretiva 2014/59, contém disposições específicas para a avaliação da diferença de tratamento.

78      O artigo 10.o, n.o 2, do Real Decreto 1012/2015 prevê que a avaliação deve determinar o tratamento que os acionistas e credores teriam recebido se a entidade objeto de resolução tivesse sido objeto de um processo de liquidação no momento da adoção da decisão de resolução.

79      A este respeito, o artigo 10.o, n.o 3, alínea a), do Real Decreto 1012/2015 indica que a avaliação parte da hipótese de que a entidade à qual foram aplicadas as medidas de resolução teria sido liquidada no âmbito do processo de insolvência no momento em que a decisão de resolução foi tomada.

80      Assim, na apreciação da diferença de tratamento na sequência de uma resolução decidida pelo FROB, o direito espanhol prevê que o cenário contrafactual é um cenário de liquidação da entidade que tem em conta as disposições da Lei 22/2003 relativas à liquidação.

81      A este respeito, como refere o Reino de Espanha, o conceito de «liquidação», referido nos artigos 148.o e 149.o da Lei 22/2003, consiste na realização dos bens e dos direitos da empresa insolvente para satisfazer os credores com o que foi obtido e corresponde à definição que figura no artigo 3.o, n.o 1, ponto 42, do Regulamento n.o 806/2014.

82      Além disso, o artigo 100.o da lei 22/2003, relativo à concordata, está incluído no título V dessa lei, intitulado «Das fases de liquidação ou de concordata». Daí resulta que a Lei 22/2003, que é a lei geral da insolvência, prevê que uma concordata com os credores constitui uma solução alternativa à liquidação no termo da fase comum do processo de insolvência. A esse respeito, os recorrentes admitem que, segundo as disposições da Lei 22/2003, a concordata e a liquidação constituem duas soluções que se excluem mutuamente.

83      Por conseguinte, o Real Decreto 1012/2015, ao prever expressamente que a diferença de tratamento deve ser apreciada tendo em conta a hipótese de a entidade ter entrado em fase de liquidação, excluiu a possibilidade da aplicação da solução alternativa que consiste numa concordata com os credores.

84      Daqui resulta que, ao contrário do que os recorrentes sustentam, as disposições aplicáveis da legislação espanhola preveem que a determinação da diferença de tratamento se deve basear num cenário de liquidação. Por conseguinte, não têm razão os recorrentes e a Aeris Invest quando sustentam que o quadro jurídico aplicável permitia prever um cenário contrafactual que tivesse em conta uma solução de concordata com os credores.

85      Por conseguinte, é irrelevante a afirmação dos recorrentes e da Aeris Invest de que a solução da concordata com os credores seria favorecida no processo normal de insolvência em Espanha.

86      Daqui resulta que os recorrentes e a Aeris Invest alegam erradamente que o CUR cometeu um erro de direito ao considerar que o tratamento hipotético no âmbito de um processo normal de insolvência implicava a consideração de um cenário de liquidação.

87      Por conseguinte, improcede a primeira alegação.

–       Quanto à segunda alegação, que visa contestar a cessão dos ativos individualmente ou por carteiras

88      Os recorrentes alegam que, mesmo admitindo que fosse necessário prever um cenário de liquidação, o CUR violou a lei aplicável na medida em que a aplicação de um processo de liquidação não implica necessariamente a venda dos ativos individualmente ou por carteiras, o que é a metodologia utilizada pelo gabinete avaliador na avaliação 3. Afirmam que a Lei 22/2003 dá a prioridade à preservação e à continuidade das empresas e, portanto, à alienação total ou por unidades de produção.

89      Os recorrentes e a Aeris Invest alegam que o Banco Popular poderia ter continuado a sua atividade, tendo em conta a sua posição de liquidez e o facto de a sua licença bancária não lhe ter sido retirada.

90      Os recorrentes remetem para o relatório de peritagem anexo às petições, segundo o qual o resultado da liquidação do Banco Popular através da venda da instituição na totalidade ou por unidades de produção teria levado a que o seu capital social fosse maior do que figura na avaliação 3 e do qual resulta que teriam beneficiado de um melhor tratamento no âmbito de um processo normal de insolvência do que aquele de que foram objeto no âmbito da resolução.

91      No caso, há que recordar que, na hipótese de o programa de resolução não ter sido adotado, a alternativa consistia na liquidação do Banco Popular segundo um processo normal de insolvência [Acórdão de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 421].

92      A esse respeito, na decisão recorrida, o CUR referiu que, de acordo com a avaliação 3, à luz das circunstâncias do caso e, particularmente, da incapacidade de o Banco Popular pagar as suas dívidas na data de vencimento, a abertura de um processo normal de insolvência à data da resolução teria levado a uma liquidação do Banco Popular, que teria implicado uma realização acelerada dos ativos, sem preço mínimo vinculativo, e o pagamento da realização líquida aos credores em conformidade com a hierarquia estabelecida pela Lei 22/2003.

93      Importa igualmente mencionar que o argumento dos recorrentes de que o cenário contrafactual da medida de resolução não implicava necessariamente a hipótese de uma liquidação do Banco Popular já tinha sido suscitado por certos acionistas e credores afetados no âmbito do processo relativo ao direito de audiência.

94      Na decisão recorrida, o CUR referiu que tinham alegado que poderia ter sido encontrada uma solução proveniente do setor privado ou que o cenário contrafactual se deveria ter baseado na venda do Banco Popular como empresa em atividade, uma vez que este ainda estava em atividade no mercado à data da adoção do programa de resolução. Concretamente, o CUR indicou que alguns acionistas e credores afetados sustentavam que os credores poderiam ter celebrado um acordo (uma concordata) que tivesse impedido a liquidação do Banco Popular. Outras tinham observado que o processo de insolvência espanhol previa a possibilidade de insolvência preestabelecida, através da qual os ativos viáveis da entidade eram separados e vendidos como empresa em atividade. Afirmaram que essa solução deveria ter sido prevista pelo gabinete avaliador na definição da estratégia de liquidação, uma vez que teria permitido preservar melhor o valor de franquia do Banco Popular.

95      O CUR referiu que, sem prejuízo das exigências previstas no Regulamento n.o 806/2014 e no direito nacional aplicável, o gabinete avaliador tinha explicado, no documento de clarificação, as razões pelas quais não era possível, no caso do Banco Popular, realizar uma venda como empresa em atividade (através de um processo de insolvência preestabelecido ou de outro modo) nem organizar uma concordata. A este respeito, o gabinete avaliador tinha indicado, por um lado, que, tendo em conta a situação de liquidez do Banco Popular à data da resolução e a avaliação do Banco Central Europeu (BCE) sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, este não podia continuar a funcionar enquanto fossem levadas a cabo negociações, provocando uma destruição de valor significativo. O CUR acrescentou que uma carta do diretor‑geral do Banco Popular, de 6 de junho de 2017, corroborava a conclusão de que a situação de liquidez do Banco Popular não lhe permitia prosseguir as suas atividades. Por outro lado, o gabinete avaliador tinha considerado que a licença bancária do Banco Popular teria sido revogada, visto que estavam preenchidos os pressupostos da sua revogação previstos na lei espanhola. Tinha indicado que a licença bancária era necessária para aceitar os depósitos dos clientes, que eram essenciais à prossecução das atividades do Banco Popular ou à sua venda enquanto empresa em atividade.

96      O CUR acrescentou que o gabinete avaliador tinha mencionado, no documento de clarificação, que a criação de um «banco bom» e de um «banco mau» não estava prevista na Lei 22/2003 e que, em todo o caso, a sua execução exigiria tempo que então não estava disponível.

97      O CUR concluiu que o gabinete avaliador tinha procedido a uma avaliação adequada do cenário de liquidação utilizado na avaliação 3.

98      Os recorrentes e a Aeris Invest alegam que o cenário contrafactual de liquidação deveria ter‑se baseado na hipótese de o Banco Popular estar em condições de prosseguir as suas atividades.

99      A este respeito, há que lembrar que, nos termos do artigo 20.o, n.os 17 e 18, do Regulamento n.o 806/2014, o tratamento de que teriam beneficiado os acionistas e credores afetados se o Banco Popular tivesse sido sujeito a um processo normal de insolvência deve ser determinado no momento em que o programa de resolução foi adotado.

100    Assim, o cenário contrafactual de liquidação previsto na avaliação 3 devia ser definido à luz da situação do Banco Popular à data da resolução, a saber, uma situação ou risco de insolvência.

101    Com efeito, há que lembrar que o CUR considerou, no programa de resolução, que estavam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 e que a Comissão, na Decisão 2017/1246, ao entender que o programa de resolução estava em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 806/2014, o aprovou. Assim, à data da adoção do programa de resolução, primeiro, o Banco Popular estava em situação ou risco de insolvência, segundo, não existiam outras medidas que pudessem impedir a insolvência do Banco Popular num prazo razoável e, terceiro, era necessária uma medida de resolução sob a forma de instrumento de alienação da atividade do Banco Popular no interesse público.

102    Ora, há que referir que os argumentos dos recorrentes e da Aeris Invest de que o gabinete avaliador devia ter previsto um cenário de liquidação levando em conta a hipótese de o Banco Popular ter podido prosseguir as suas atividades estão em contradição com os elementos factuais apurados à data da resolução e com a decisão de submeter o Banco Popular a um processo de resolução.

103    Com efeito, considerar que o Banco Popular estava em condições de prosseguir as suas atividades à data da resolução teria como consequência pôr em causa o facto de os pressupostos previstos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 estarem preenchidos à data da adoção do programa de resolução e, portanto, equivaleria a impugnar a legalidade deste. Ora, basta observar que o programa de resolução não é objeto do presente recurso.

104    Daqui resulta que os recorrentes não podem validamente alegar que o CUR cometeu um erro manifesto ao aprovar a apreciação do gabinete avaliador de que, à data da resolução, uma vez que o Banco Popular não estava em condições de prosseguir as suas atividades, não era possível um cenário contrafactual que assumisse a hipótese de uma empresa em continuidade de exploração.

105    De qualquer forma, os argumentos dos recorrentes e da Aeris Invest destinados a demonstrar que o Banco Popular poderia ter continuado as suas atividades à data da resolução, tendo em conta a sua posição de liquidez e o facto de a sua licença bancária não lhe ter sido retirada, não colhem.

106    Em primeiro lugar, os recorrentes e a Aeris Invest alegam que o Banco Popular poderia ter prosseguido a sua atividade tendo em conta a sua posição de liquidez.

107    A este respeito, primeiro, a Aeris Invest alega que o CUR violou o seu dever de examinar as informações disponíveis sobre a injeção de liquidez de emergência que tinha sido autorizada pelo BCE e que teria permitido ao Banco Popular dispor de liquidez suficiente.

108    Há que lembrar que, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 18, do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação 3, para estabelecer o cenário contrafactual, parte da hipótese de o Banco Popular ser sujeito a um processo normal de insolvência no momento em que o programa de resolução foi adotado e de a medida de resolução não ter sido executada e não ter em conta a eventual concessão de um apoio financeiro público extraordinário.

109    Ora, basta observar que, à data da adoção do programa de resolução, a injeção de liquidez de emergência autorizada pelo BCE, mencionada pela Aeris Invest, não tinha sido concedida ao Banco Popular pelo Banco de Espanha. Por conseguinte, essa injeção de liquidez de emergência não podia ser tida em consideração na avaliação 3 para avaliar a situação do Banco Popular no caso de ser objeto de um processo normal de insolvência nessa mesma data.

110    Segundo, os recorrentes e a Aeris Invest consideram que o CUR, para alegar que o Banco Popular não podia prosseguir a sua atividade, se baseou erradamente na avaliação da situação ou risco de insolvência do Banco Popular efetuada pelo BCE, na medida em que essa avaliação não tinha efeitos vinculativos e não previa que o Banco Popular viesse a cessar a sua atividade.

111    Há que lembrar que, em 6 de junho de 2017, isto é, na véspera da adoção do programa de resolução, o BCE adotou a sua avaliação sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular. Nessa avaliação, o BCE considerou, tendo em conta, de modo particular, as saídas excessivas de depósitos, a rapidez com que a tesouraria tinha sido perdida pelo banco e a sua incapacidade de gerar outras fontes de liquidez, que existiam elementos objetivos que indicavam que o Banco Popular provavelmente não estaria em condições, num futuro próximo, de pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento. O BCE concluiu que se considerava estar o Banco Popular em situação ou, de qualquer forma, em risco de insolvência num futuro próximo, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), e n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

112    Basta observar que a declaração da situação ou risco de insolvência do Banco Popular efetuada pelo BCE constitui um elemento factual que o gabinete avaliador e o CUR podiam ter em conta para apreciar a situação do Banco Popular à data da resolução. Além disso, como indicou o gabinete avaliador na avaliação 3, essa declaração tinha, por outro lado, sido confirmada pelo conselho de administração do Banco Popular que, em 6 de junho de 2017, informou o BCE de que tinha chegado à conclusão de que o banco estava em situação de insolvência previsível.

113    Por último, nem o gabinete avaliador nem o CUR afirmaram que a avaliação do BCE obrigava o Banco Popular a cessar a sua atividade.

114    Terceiro, a Aeris Invest alega que a crise de liquidez do Banco Popular não era tal que tivesse conduzido a uma liquidação, visto que não foi aberto nenhum processo de inquérito por incumprimento dos requisitos prudenciais.

115    A este respeito, por um lado, há que lembrar que, no programa de resolução, o CUR tinha constatado que, em 12 de maio de 2017, a exigência de cobertura das necessidades de liquidez (Liquidity Coverage Requirement, LCR) do Banco Popular tinha passado abaixo do limiar mínimo de 80 % fixado pelo artigo 460.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento (UE) n.o ° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho 26 de junho de 2013 relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1). Ora, a Aeris Invest não impugna esse facto.

116    Por outro lado, a constatação de que o Banco Popular, tendo em conta a sua posição de liquidez e o facto de não poder fazer face às suas obrigações no vencimento, já não estava em condições de prosseguir as suas atividades à data da resolução, não exigia que as autoridades nacionais tivessem adotado medidas concretas por inobservância das exigências de cobertura das necessidades de liquidez.

117    Por conseguinte, este argumento é inoperante.

118    Em segundo lugar, os recorrentes e a Aeris Invest afirmam que a licença bancária do Banco Popular não lhe foi retirada.

119    Refira‑se, a este respeito, que o gabinete avaliador, na avaliação 3 e no documento de esclarecimento, indicou que a licença bancária do Banco Popular teria sido revogada em aplicação do artigo 8.o da Ley 10/2014 de ordenación, supervisión y solvencia de entidades de crédito (Lei 10/2014 relativa à organização, supervisão e solvabilidade das instituições de crédito), de 26 de junho de 2014 (BOE n.o 156, de 27 de junho de 2014, p. 49412). Esta disposição prevê, nomeadamente, entre os casos em que a licença concedida a uma instituição de crédito pode ser revogada, em primeiro lugar, o facto de esta última comprometer a capacidade de reembolsar os fundos que lhe foram confiados pelos depositantes ou não prestar a garantia de que pode fazer face às suas obrigações para com os credores e, em segundo lugar, o facto de ter sido tomada uma decisão judicial de abertura da fase de liquidação do processo de insolvência. O gabinete avaliador indicou que, mesmo no caso pouco provável de o Banco de Espanha não tomar nenhuma medida para revogar a licença bancária do Banco Popular, o risco de fuga dos depósitos e uma decisão do CUR de não aplicar os seus poderes de resolução obrigavam os seus dirigentes a apresentar um pedido de liquidação que teria implicado essa revogação.

120    Basta recordar que, à data da resolução, tanto o BCE como o conselho de administração do Banco Popular tinham considerado que este se encontrava em situação ou risco de insolvência, o que, nos termos do artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, implicava que o Banco Popular não estivesse em condições de pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento, ou que existiam elementos objetivos que permitiam concluir que isso ocorreria num futuro próximo.

121    As recorrentes limitam‑se a afirmar que a situação do Banco Popular lhe permitia fazer face ao pagamento das suas dívidas, sem apresentarem nenhum elemento em apoio dessa afirmação. Além disso, pelos motivos acima referidos no n.o 110, a Aeris Invest não se pode apoiar na injeção de liquidez de emergência autorizada pelo BCE para sustentar que o Banco Popular podia fazer face aos seus compromissos.

122    Daqui resulta que os recorrentes e a Aeris Invest não podem validamente alegar que a situação do Banco Popular à data da resolução não correspondia ao primeiro caso previsto no artigo 8.o da Lei 10/2014, acima referido no n.o 120, e que o CUR cometeu um erro manifesto ao considerar que a licença bancária do Banco Popular lhe tinha sido retirada.

123    Por conseguinte, há que julgar também inoperante o argumento da Aeris Invest de que, não tendo o Banco Popular entrado numa fase de liquidação nos termos do direito espanhol, a sua situação não correspondia ao segundo caso previsto no artigo 8.o da Lei 10/2014, relativo à abertura de uma fase de liquidação.

124    Daqui resulta que os recorrentes não podem afirmar que o gabinete avaliador deveria ter efetuado uma avaliação do Banco Popular que previsse a venda do estabelecimento na sua totalidade ou por unidade de produção, a qual implica uma prossecução das atividades da empresa.

125    Os recorrentes não demonstraram, portanto, que o gabinete avaliador cometeu um erro ao utilizar uma metodologia baseada num cenário de liquidação e na venda dos ativos individualmente ou por carteiras.

126    Por outro lado, os recorrentes sustentam que a lei nacional aplicável autorizava uma estratégia «banco bom/banco mau» e que, segundo o relatório de peritagem anexo às petições, se tratava da melhor estratégia para a aplicação do princípio de que nenhum credor terá pior tratamento. Indicam que, nesse relatório, o seu perito ponderou uma liquidação do banco por unidades de produção, segundo um cenário semelhante a uma separação de ativos através da criação de duas novas sociedades, uma sociedade para a qual a atividade principal é transferida com a licença bancária e uma sociedade de gestão dos ativos para a qual são transferidos os ativos não produtivos. A liquidação da sociedade por unidades de produção implicaria que fosse efetuada como empresa em continuidade de exploração, com transferência da licença bancária que, segundo o relatório de peritagem, não deveria ser retirada e permitiria um período de liquidação mais curto e, portanto, uma redução dos custos.

127    Basta observar que este argumento e o relatório de peritagem anexo às petições visto que contém uma avaliação do Banco Popular enquanto empresa em continuidade de exploração é irrelevante porque se baseia na hipótese errada de o Banco Popular poder prosseguir as suas atividades.

128    De qualquer forma, o facto de o resultado da estimativa do valor dos ativos do Banco Popular no caso de um hipotético processo normal de insolvência que figura no relatório de peritagem dos recorrentes estar em desacordo com as apreciações que constam da avaliação 3, fora da hipótese em que os recorrentes alegam que essas apreciações não são plausíveis, pertence a uma impugnação que vai além da fiscalização restrita do Tribunal Geral prevista na jurisprudência acima referida nos n.os 35 e 36 (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 25 de novembro de 2020, BMC/entreprise commune Clean Sky 2, T‑71/19, não publicado, EU:T:2020:567, n.o 78).

129    Com efeito, o relatório de peritagem anexo às petições, na medida em que contém uma avaliação do Banco Popular que se baseia na hipótese de uma empresa em continuidade de exploração distinta da que é tida em conta na avaliação 3, não é suscetível de retirar plausibilidade às hipóteses aí tidas em conta pelo gabinete avaliador.

130    Daqui resulta que a segunda alegação deve ser julgada improcedente e, com ela, a primeira parte.

 Quanto à segunda parte, relativa à independência do gabinete avaliador

131    Nas petições, os recorrentes alegam que o CUR violou o artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, na medida em que não garantiu suficientemente a independência do gabinete avaliador. Sustentam que, uma vez que o gabinete avaliador tinha sido encarregado da avaliação 2, é legítimo duvidar de que se pudesse ter afastado, na avaliação 3, dos critérios e das conclusões da avaliação 2 relativas à análise da diferença de tratamento. Salientam que uma grande parte da avaliação 3 segue a avaliação 2.

132    Na audiência, em resposta a questões do Tribunal, os recorrentes precisaram o alcance da sua argumentação. Os recorrentes admitiram que a avaliação 3 e a simulação de um cenário de liquidação que figurava na avaliação 2 se baseavam em dados diferentes, mas referiram que a conclusão a que chegava o gabinete avaliador era a mesma, a saber, que os acionistas e credores afetados não tinham direito a uma indemnização. Indicaram que, na avaliação 3, o gabinete avaliador tinha utilizado a mesma metodologia que na segunda parte da avaliação 2, que continha uma simulação de um cenário de liquidação, a saber, que tinha procedido a uma avaliação dos ativos por carteiras e não como para uma empresa em continuidade de exploração. Consideraram que o Banco Popular teria tido um valor muito elevado se tivesse sido avaliado enquanto empresa em atividade.

133    Resulta, assim, das explicações fornecidas pelos recorrentes na audiência que alegam que é possível duvidar da independência do gabinete avaliador, uma vez que este, na avaliação 3, avaliou os ativos do Banco Popular segundo o mesmo método utilizado na simulação do cenário de liquidação que figura na avaliação 2, a saber, segundo um cenário contrafactual de liquidação.

134    Ora, resulta da análise da primeira parte que, tendo em conta as disposições aplicáveis e a situação do Banco Popular à data da resolução, a estimativa do tratamento de que teriam beneficiado os acionistas e credores afetados se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência só podia ser efetuada segundo um cenário de liquidação e que não era possível uma avaliação enquanto empresa em continuidade de exploração.

135    Daqui resulta que qualquer outro avaliador que tivesse sido designado pelo CUR para efetuar a avaliação 3 só poderia ter utilizado o mesmo método.

136    Não podem, portanto, os recorrentes validamente alegar que o facto de o gabinete avaliador ter utilizado o mesmo método nas avaliações 2 e 3, a saber, uma avaliação do Banco Popular segundo um cenário hipotético de liquidação, é suscetível de demonstrar uma falta de independência deste.

137    Por conseguinte, improcede a segunda parte e, consequentemente, o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do direito de audiência consagrado no artigo 41.o, n.o 2, da Carta

138    Os recorrentes alegam que, embora o CUR tenha efetivamente permitido aos acionistas e aos credores afetados formular comentários antes da adoção da decisão recorrida, limitou o seu direito de audiência ao impor um formulário com sete questões restritivas com espaços de resposta limitados. Alegam que o CUR só aparentemente cumpriu o seu dever de ouvir os acionistas e credores afetados antes da adoção da decisão recorrida, uma vez que o facto de ter de responder a um formulário preparado pelo CUR e adaptado aos seus interesses obstava ao exercício útil do direito de audiência.

139    Consideram que o formulário elaborado pelo CUR não permitia abordar muitas questões e que o facto de terem a possibilidade de apresentar quaisquer observações adicionais relacionadas com a decisão preliminar no máximo de 5 000 carateres não permitia uma análise crítica da avaliação 3 e da decisão preliminar, tanto mais que era impossível juntar documentos.

140    Há que lembrar que o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dispõe o direito a uma boa administração compreende o direito de qualquer pessoa ser ouvida antes de ser tomada contra ela uma medida individual que a afete desfavoravelmente.

141    O direito de audiência garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de forma útil e efetiva, o seu ponto de vista ao longo do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses. Além disso, é jurisprudência constante que o direito de audiência prossegue um duplo objetivo. Por um lado, serve para a instrução do processo e para o apuramento dos factos da forma mais precisa e correta possível e, por outro, permite assegurar a proteção efetiva do interessado. O direito de audiência visa garantir particularmente que qualquer decisão desfavorável seja adotada com pleno conhecimento de causa e tem, nomeadamente, por objetivo permitir à autoridade competente corrigir um erro ou à pessoa em causa invocar os elementos relativos à sua situação pessoal que advogam no sentido de a decisão ser tomada, não ser tomada ou ter determinado conteúdo [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de outubro de 2021, Parlamento/UZ, C‑894/19 P, EU:C:2021:863, n.os 89 e 90 e jurisprudência referida, e de 1 junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 325 e jurisprudência referida].

142    Como resulta da sua própria redação, esta disposição é de aplicação geral. Daí resulta que o direito de audiência tem que ser respeitado em qualquer procedimento que possa resultar num ato que afete negativamente uma parte, mesmo que a legislação aplicável não preveja expressamente essa formalidade [v. Acórdãos de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 67 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 326 e jurisprudência referida].

143    Tendo em conta o seu caráter de princípio fundamental e geral de direito da União, a aplicação do princípio dos direitos da defesa, que incluem o direito de audiência, não pode ser excluído nem restringido por uma disposição regulamentar e, portanto, o seu respeito tem que ser garantido tanto na falta de regulamentação específica como em presença de uma regulamentação que não tenha em si própria em conta esse princípio [v. Acórdão de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 327 e jurisprudência referida].

144    Refira‑se, desde logo, que o Regulamento n.o 806/2014 não prevê um procedimento específico para que os acionistas e credores afetados por uma medida de resolução sejam ouvidos antes da adoção da decisão de lhes ser ou não concedida uma indemnização nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), desse regulamento.

145    Ora, no caso, o CUR organizou um processo relativo ao direito de audiência, nos termos do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, aberto a todos os acionistas e credores afetados pela resolução do Banco Popular e destinado a permitir‑lhes apresentar comentários sobre a avaliação 3 e a decisão preliminar antes da adoção da decisão recorrida.

146    A esse respeito, embora, como acima recordado no n.o 144, o respeito do direito de audiência deva ser assegurado mesmo na falta de regulamentação que preveja expressamente o exercício desse direito, não é menos verdade que nem o Regulamento n.o 806/2014 nem o artigo 41.o da Carta preveem um procedimento específico para aplicar o direito de audiência. O CUR dispunha, pois, de uma margem de apreciação para organizar o procedimento que considerava adequado para permitir aos acionistas e aos credores afetados exercerem o seu direito de audiência, desde que pudessem exercer o seu direito de forma efetiva e útil.

147    Assim, na falta de disposições específicas sobre o procedimento relativo ao direito de audiência, a escolha do CUR de utilizar um formulário para recolher os comentários dos acionistas e dos credores afetados estava abrangida pela sua margem de apreciação na organização desse processo.

148    Os recorrentes não negam que esse procedimento se destinava a garantir um direito de audiência aos acionistas e aos credores afetados antes da adoção da decisão recorrida. Não põem em causa a escolha da utilização de um formulário como método de consulta. Como resulta dos artigos 17 e 100 da petição no processo T‑302/20 e dos artigos 18 e 101 das petições nos processos T‑303/20 e T‑307/20, acusam o CUR de ter restringido o exercício do seu direito de audiência uma vez que esse formulário limitava o conteúdo e a extensão dos comentários que podiam ser apresentados sobre a avaliação 3 e a decisão preliminar e em que, portanto, não dispunham de «liberdade total» no exercício desse direito.

149    Ora, o exercício do direito de audiência pode estar sujeito a restrições, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, segundo o qual:

«Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros»

150    A este respeito, é jurisprudência constante que os direitos fundamentais, como o respeito dos direitos da defesa, incluindo o direito de audiência, não surgem como prerrogativas absolutas, podendo conter restrições, desde que estas correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituam, face ao objetivo prosseguido, uma intervenção desmedida e intolerável que vá contra a própria essência desses direitos garantidos [v. Acórdãos de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 207 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 337 e jurisprudência referida].

151    Além disso, segundo jurisprudência constante, uma violação dos direitos de defesa, particularmente do direito de audiência, só implica a anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, sem a irregularidade cometida, esse procedimento pudesse levar a um resultado diferente (v. Acórdãos de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 105 e jurisprudência referida, e de 16 de junho de 2021, CE/Comité das Regiões, T‑355/19, EU:T:2021:369, n.o 101 e jurisprudência referida).

152    É certo que não se pode exigir ao recorrente que demonstre que a decisão em causa teria sido diferente, mas apenas que essa hipótese não está totalmente excluída, por poder a recorrente ter‑se defendido melhor na ausência da irregularidade processual (v. Acórdão de 4 de maio de 2022, CRIA e CCCMC/Comissão, T‑30/19 e T‑72/19, EU:T:2022:266, n.o 242 e jurisprudência referida).

153    Contudo, a existência de uma irregularidade relativa aos direitos de defesa só pode levar à anulação do ato recorrido uma vez que exista uma possibilidade de, devido a essa irregularidade, o procedimento administrativo ter levado a um resultado diferente, afetando assim concretamente os direitos de defesa do recorrente (v. Acórdãos de 16 de fevereiro de 2012, Conselho e Comissão/Interpipe Niko Tube e Interpipe NTRP, C‑191/09 P e C‑200/09 P, EU:C:2012:78, n.o 79 e jurisprudência referida, e de 4 de maio de 2022, CRIA e CCCMC/Comissão, T‑30/19 e T‑72/19, EU:T:2022:266, n.o 243 e jurisprudência referida).

154    No âmbito do procedimento relativo ao direito de audiência, acima descrito nos n.os 16 a 21, os acionistas e credores afetados que preenchessem os critérios da fase de inscrição foram convidados a preencher um formulário disponível no site Internet do CUR e que continha nove questões gerais, a saber, sete questões principais, uma das quais dividida em três sub‑questões, que lhes permitia apresentar comentários sobre a decisão preliminar e sobre a versão não confidencial da avaliação 3. Concretamente, a última questão era uma questão aberta que lhes permitia apresentar comentários sobre qualquer assunto relativo à decisão preliminar que não constasse já do formulário.

155    Em primeiro lugar, os recorrentes e a Aeris Invest acusam o CUR de não ter examinado determinados comentários por «não estarem abrangidos pelo procedimento».

156    A este respeito, no título 6.1 «avaliação da relevância» da decisão recorrida, o CUR indicou que, uma vez que os acionistas e credores afetados tinham apresentado um certo número de elementos que não tinham relação com a decisão preliminar ou com o seu raciocínio subjacente contido na avaliação 3, tinha examinado, antes de mais, a relevância desses comentários. Considerou que esses comentários não eram suscetíveis de influenciar a questão de saber se os acionistas e credores afetados teriam recebido um melhor tratamento se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência, que saíam do âmbito do processo relativo ao direito de audiência e que não seriam tomados em consideração.

157    Assim, o CUR enumerou os comentários que considerava irrelevantes, entre os quais os relativos à situação do Banco Popular antes da adoção do programa de resolução e ao facto de não preencher as condições da resolução, os relativos a outros elementos do programa de resolução e à avaliação 2, os relativos à falta de informação sobre o programa de resolução e a avaliação do BCE sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular e os relativos à aplicação do procedimento relativo ao direito de audiência, nomeadamente sobre as características do formulário.

158    Daqui resulta que, ao contrário do que alegam os recorrentes e a Aeris Invest, o CUR examinou todos os comentários recebidos e explicou, na decisão recorrida, por que motivo alguns desses comentários não eram relevantes para efeitos da adoção da decisão recorrida.

159    Ora, há que observar que nem os recorrentes nem a Aeris Invest indicam quais dos comentários rejeitados pelo CUR por não serem relevantes deveriam ter sido analisados. Não explicam em que medida esses comentários, visto que não diziam respeito nem à avaliação 3 nem à decisão preliminar, podiam ter tido influência no conteúdo da decisão recorrida.

160    De qualquer forma, há que lembrar que o procedimento relativo ao direito de audiência visava obter comentários sobre a decisão preliminar e a avaliação 3 com vista a permitir ao CUR adotar uma decisão sobre uma eventual indemnização dos acionistas e dos credores afetados. De acordo com o artigo 20.o, n.o 17, do Regulamento n.o 806/2014, acima recordado no n.o 62, essa decisão baseia‑se numa comparação entre o tratamento real de que os acionistas e credores afetados foram objeto devido à resolução e o tratamento de que teriam beneficiado no âmbito de uma hipotética liquidação do Banco Popular à data da resolução.

161    Como acima resulta dos n.os 100 a 104, a situação do Banco Popular à data da resolução constitui um elemento factual que não pode ser posto em causa na fase da determinação do direito a uma eventual indemnização nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014. Por conseguinte, os comentários relativos à situação do Banco Popular anterior à resolução eram irrelevantes para efeitos de adoção da decisão recorrida.

162    O CUR não pode, portanto, ser acusado de ter violado o direito de audiência dos recorrentes pelo facto de ter rejeitado comentários irrelevantes.

163    Em segundo lugar, os recorrentes alegam que o formulário elaborado pelo CUR não permitia abordar numerosos temas, como a abordagem metodológica, a independência do avaliador, as hipóteses formuladas pelo gabinete avaliador, o contexto macroeconómico, o impacto da liquidação do Banco Popular nas outras sociedades do grupo e o alcance das provisões para riscos jurídicos.

164    Ora, por um lado, há que observar que os temas mencionados pelos recorrentes estavam abrangidos pelas questões constantes do formulário. Com efeito, a questão n.o 1 remetia para os pontos da decisão preliminar relativos à metodologia utilizada na avaliação 3; a questão n.o 3 remetia para o n.o 3.2 da decisão preliminar, que diz respeito à contratação do gabinete avaliador e, nomeadamente, à sua independência; a questão n.o 4 dizia expressamente respeito às hipóteses formuladas pelo gabinete avaliador; a questão n.o 6 dizia respeito às provisões para riscos jurídicos. A questão n.o 7 era uma questão aberta que permitia aos recorrentes abordarem o contexto macroeconómico e o impacto da liquidação do Banco Popular nas outras sociedades do grupo.

165    Por outro lado, resulta da decisão recorrida e do documento de clarificação que o CUR e o gabinete avaliador analisaram comentários dos acionistas e dos credores afetados relativos aos temas mencionados pelos recorrentes. Estes não podem, portanto, alegar que o formulário não permitia abordá‑los.

166    A este respeito, quanto ao documento de clarificação, o ponto 5.1 responde aos comentários relativos à metodologia utilizada pelo gabinete avaliador, nomeadamente aos que dizem respeito às hipóteses tidas em conta na avaliação 3, o ponto 5.2 responde aos comentários relativos ao contexto macroeconómico, o n.o 5.3 responde aos comentários relativos à estratégia de liquidação hipotética utilizada na avaliação 3, nomeadamente no que respeita aos diferentes cenários hipotéticos considerados, o n.o 5.11 responde aos comentários relativos às provisões para riscos jurídicos e o n.o 5.3.4 responde aos comentários relativos ao impacto da liquidação do Banco Popular nas suas filiais. Quanto à decisão recorrida, o título 6.2.1 responde aos «comentários relativos à independência do gabinete avaliador» e o título 6.2.2 responde aos «comentários relativos ao conteúdo da avaliação 3», especialmente aos comentários relativos à metodologia utilizada pelo gabinete avaliador e às diferentes hipóteses formuladas na avaliação 3, nomeadamente no que respeita aos cenários de liquidação. Por exemplo, nesse título, o CUR responde a comentários relativos ao cenário macroeconómico, ao impacto da liquidação do Banco Popular nas outras entidades do grupo e às provisões para riscos jurídicos.

167    Daqui resulta que os recorrentes não demonstraram que não tinham tido a possibilidade de apresentar comentários sobre temas que não estavam previstos em nenhuma das perguntas contidas no formulário e que teriam tido impacto na decisão recorrida.

168    Em terceiro lugar, os recorrentes alegam que o formulário foi redigido pelo CUR de forma adaptada aos seus interesses ou que visava reforçar os critérios e as conclusões da avaliação 3.

169    A esse respeito, o Tribunal Geral não pode deixar de observar que, no formulário, as questões estavam redigidas de forma neutra sob a forma de apresentação sucinta do tema em causa e de remissão para as partes da decisão preliminar ou da avaliação 3 visadas, seguida de um convite aos acionistas e aos credores afetados para apresentarem os seus comentários ou os seus pareceres sobre esse tema.

170    Em quarto lugar, os recorrentes e a Aeris Invest alegam que o CUR violou o seu direito de audiência ao limitar a extensão dos seus comentários a 5 000 carateres por questão e ao não permitir juntar documentos.

171    A esse respeito, na decisão recorrida, o CUR indicou que 2 855 acionistas e credores afetados tinham respondido ao formulário, o que correspondia a cerca de 23 822 comentários.

172    Ora, os comentários apresentados pelos acionistas e credores afetados durante o procedimento relativo ao direito de audiência em resposta ao formulário foram objeto de análise detalhada no título 6 da decisão recorrida e levaram o gabinete avaliador a adotar o documento de clarificação. Assim, ainda que a extensão dos comentários estivesse limitada pelo formulário, o CUR e o gabinete avaliador responderam de forma circunstanciada.

173    Refira‑se ainda que os recorrentes não indicam quais seriam os comentários, além dos que tinham sido suscitados pelos acionistas e credores afetados no procedimento relativo ao direito de audiência e aos quais o CUR e o gabinete avaliador tinham respondido, que tivessem sido impedidos de invocar devido à dimensão do formulário. Também não precisam quais seriam os documentos que pretendiam juntar ao formulário.

174    Daí resulta que o argumento dos recorrentes relativo à limitação da extensão das respostas ao formulário é puramente teórico e não é suscetível de demonstrar que, na falta de tal limite, o procedimento poderia ter conduzido a um resultado diferente.

175    Quanto ao argumento da Aeris Invest de que não era possível propor, em resposta ao formulário, um método alternativo de avaliação, há que observar que é inoperante. Com efeito, o objetivo do procedimento relativo ao direito de audiência era recolher comentários sobre a decisão preliminar e a avaliação 3 suscetíveis de afetar a decisão que ia ser adotada pelo CUR. Ora, a simples apresentação de um método de avaliação alternativo ao que figura na avaliação 3 não é, por si só, suscetível de pôr em causa a validade desta última nem, portanto, de afetar a legalidade da decisão recorrida.

176    Improcede, portanto, o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta

177    Os recorrentes alegam que o CUR violou o direito à ação, consagrado no artigo 47.o da Carta, porque declarou confidenciais partes essenciais da avaliação 3, o que os impediu de interpor o presente recurso com as garantias necessárias e violou os seus direitos de defesa. Acusam o CUR de ter omitido as informações relativas às provisões para riscos jurídicos que figuram na avaliação 3.

178    Os recorrentes alegam que as circunstâncias que levaram o CUR a adotar o programa de resolução continuam a ser desconhecidas e que o CUR continua a omitir informações essenciais à sua defesa, o que os obrigou a mandar elaborar um relatório pericial numa situação desvantajosa em relação ao gabinete avaliador, que poderia ter obtido informações que não foram tornadas públicas. O CUR está, assim, numa posição privilegiada em relação aos recorrentes e violou o princípio da igualdade de armas.

179    O CUR e o Reino de Espanha alegam que este fundamento é inadmissível. O CUR considera que os recorrentes põem em causa decisões distintas da decisão recorrida e que são irrelevantes para o presente processo. O Reino de Espanha considera que este fundamento se apoia numa alegação geral desprovida de justificação.

180    Em primeiro lugar, no que respeita ao princípio da proteção jurisdicional efetiva, o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta enuncia que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos nesse artigo. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantido por essa disposição exige, nomeadamente, que o interessado possa defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir, com pleno conhecimento de causa, se é útil mover no tribunal competente uma ação contra uma determinada entidade (v. Acórdão de 29 de abril de 2021, Banco de Portugal e o., C‑504/19, EU:C:2021:335, n.o 57 e jurisprudência referida).

181    Contudo, como acima referido no n.o 151, resulta de jurisprudência constante que os direitos fundamentais não constituem prerrogativas absolutas, podendo ter restrições, na condição de estas corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não implicarem, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (v. Acordão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.o 62 e jurisprudência referida).

182    Essas restrições podem, nomeadamente, ter por objetivo proteger as exigências de confidencialidade ou de sigilo profissional que o acesso a certas informações e documentos possa pôr em causa (v. Acórdão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.o 63 e jurisprudência referida).

183    Em caso de conflito entre, por um lado, o interesse da pessoa visada por um ato desfavorável em dispor das informações necessárias para poder exercer plenamente os seus direitos de defesa e, por outro, os interesses ligados à manutenção da confidencialidade das informações abrangidas pela obrigação de sigilo profissional, cabe às autoridades ou aos tribunais competentes procurarem, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, um equilíbrio entre esses interesses opostos (v. Acórdão de 13 de setembro de 2018, UBS Europe e o., C‑358/16, EU:C:2018:715, n.o 69 e jurisprudência referida).

184    Refira‑se que o artigo 88.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe:

«Antes da divulgação de quaisquer informações, o CUR assegura que as mesmas não incluem informações confidenciais, procedendo, nomeadamente, à avaliação dos efeitos que a divulgação dessas informações pode ter no interesse público no que respeita à política financeira, monetária ou económica, nos interesses comerciais de pessoas singulares e coletivas, no objetivo das inspeções, nas investigações e nas auditorias. O procedimento de verificação dos efeitos da divulgação das informações inclui uma avaliação específica dos efeitos da divulgação do teor e dos pormenores dos planos de resolução a que se referem os artigos 8.o e 9.o [do Regulamento n.o 806/2014], do resultado da avaliação efetuada nos termos do artigo 10.o [deste regulamento] ou do programa de resolução a que se refere o artigo 18.o [do mesmo regulamento].»

185    Primeiro, quanto à não divulgação de certas informações relativas às provisões para riscos jurídicos que figuram na avaliação 3, o CUR, na decisão recorrida, expôs que, para efeitos da publicação de uma versão não confidencial da avaliação 3, esta tinha sido objeto de expurgações nos termos do artigo 88.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, a fim de proteger informações confidenciais relativas ao Banco Popular abrangidas pelo sigilo profissional. Referiu que a expurgação de informações se tinha limitado a estimativas e afirmações individuais específicas do ponto 4.9 da avaliação 3, relativo às provisões para riscos jurídicos, mas que as informações relativas à natureza e à fonte de reclamações específicas e às realizações estimadas agregadas não tinham sido expurgadas. O CUR precisou que as informações expurgadas estavam longe de ser informações públicas e eram, em certa medida, prospetivas e que a sua divulgação poderia prejudicar os direitos de defesa do Banco Popular em processos judiciais em curso. O CUR indicou que, com base na consulta ao Banco Popular e ao ponderar os interesses dos acionistas e dos credores afetados e a sua obrigação de não divulgar informações abrangidas pelo segredo profissional, tinha expurgado certas informações limitadas que figuravam no ponto 4.9 da avaliação 3.

186    Ora, refira‑se que os recorrentes não contestam o entendimento do CUR de que os dados expurgados relativos às provisões para riscos jurídicos que figuram na avaliação 3 estavam abrangidos pelo sigilo profissional e eram confidenciais. Não põem em causa a obrigação do CUR de proteger os dados confidenciais decorrentes do artigo 88.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014.

187    Além disso, os recorrentes não apresentam nenhum argumento capaz de demonstrar que o seu interesse em dispor dessas informações deveria prevalecer sobre o respeito do sigilo profissional e que os dados ocultados na avaliação 3 relativos às provisões para riscos jurídicos eram necessários para a compreensão da decisão recorrida ou para o exercício do seu direito à ação.

188    Segundo, quanto ao argumento relativo à não divulgação de certas informações relativas ao programa de resolução, basta observar que os recorrentes não demonstram quais são as informações que qualificam de «essenciais».

189    Além disso, os recorrentes não explicam em que medida as informações relativas ao programa de resolução, ao respetivo processo ou às circunstâncias que levaram à sua adoção são relevantes para efeitos da impugnação da decisão recorrida.

190    Daqui resulta que o argumento dos recorrentes relativo à violação do direito à ação deve ser rejeitado.

191    Em segundo lugar, segundo a jurisprudência, o princípio da igualdade de armas, que faz parte integrante do princípio da proteção jurisdicional efetiva dos direitos conferidos às pessoas pelo direito da União, consagrado no artigo 47.o da Carta, uma vez que é um corolário, tal como, nomeadamente, o princípio do contraditório, do próprio conceito de processo equitativo, implica a obrigação de facultar a qualquer das partes uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que não a coloquem numa situação de desvantagem face ao seu adversário (v. Acórdãos de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.o 61 e jurisprudência referida, e do 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.o 128 e jurisprudência referida).

192    Este princípio tem por objetivo assegurar o equilíbrio processual entre as partes num processo judicial, garantindo a igualdade de direitos e obrigações das partes no que diz respeito, nomeadamente, às regras da produção da prova e ao debate contraditório em juízo, bem como aos direitos de recurso dessas partes. Para cumprir as exigências do direito a um processo equitativo, é importante que as partes conheçam e possam discutir de forma contraditória sobre os elementos de facto e de direito que sejam decisivos para o resultado do processo (v. Acórdão de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.o 62 e jurisprudência referida).

193    Ora, basta observar que, uma vez que o procedimento que levou à adoção da decisão recorrida não é um processo judicial, mas sim administrativo, e que o CUR não é um tribunal na aceção do artigo 47.o da Carta, essa disposição não é aplicável no caso presente e os recorrentes não podem invocar uma violação do princípio da igualdade de armas (v., por analogia, Acórdão de 11 de maio de 2017, Deza/ECHA, T‑115/15, EU:T:2017:329, n.o 213).

194    De qualquer forma, os recorrentes não podem alegar que deviam dispor das mesmas informações que o gabinete avaliador a fim de mandarem realizar uma avaliação por um perito. Com efeito, uma avaliação efetuada por um perito designado pelos recorrentes não está prevista no Regulamento n.o 806/2014 e o seu resultado não se pode impor ao CUR. Os recorrentes não podem, portanto, reivindicar uma igualdade de tratamento entre o gabinete avaliador e os seus peritos quanto ao acesso às informações confidenciais e não podem daí retirar a conclusão de que o CUR está numa situação privilegiada face a eles no presente processo.

195    Resulta do exposto que o quarto fundamento deve ser considerado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do direito de propriedade consagrado no artigo 17.o e no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, bem como no artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da CEDH

196    Os recorrentes alegam que a decisão recorrida viola o direito de propriedade dos antigos acionistas do Banco Popular visto que não receberam justa indemnização pela sua perda. Sustentam que a violação do seu direito de propriedade não respeitava as exigências previstas no artigo 17.o da Carta, porque não foi prevista nos «casos e condições previstos por lei». Consideram que, apesar de a lei prever o direito a receber uma justa indemnização, eles não a receberam, ao passo que o relatório de peritagem anexo às petições demonstra que os antigos acionistas do Banco Popular teriam beneficiado de um melhor tratamento num processo normal de insolvência do que aquele de que foram objeto no âmbito da resolução. Os recorrentes consideram que, sem o pagamento de um montante razoavelmente relacionado com o valor do bem, a privação de propriedade constitui uma violação do direito de propriedade consagrado no artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da CEDH.

197    Importa recordar que o artigo 17.o, n.o 1, da Carta prevê:

«Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.»

198    O princípio de que nenhum credor deve ser objeto de tratamento desfavorável, previsto no artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014, prevê que nenhum credor deve suportar perdas superiores às que teria sofrido se a entidade objeto de uma medida de resolução tivesse sido liquidada nos termos dos processos normais de insolvência.

199    Se, na sequência da avaliação efetuada nos termos do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, se demonstrar que os acionistas ou credores sofreram perdas maiores no âmbito da resolução do que teriam sofrido em caso de liquidação segundo um processo normal de insolvência, o artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do mesmo regulamento prevê que o CUR pode recorrer ao FUR para os indemnizar.

200    Daqui resulta que o Regulamento n.o 806/2014 institui um mecanismo destinado a garantir aos acionistas ou aos credores da entidade objeto de resolução uma justa indemnização em conformidade com as exigências do artigo 17.o, n.o 1, da Carta [Acórdão de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 415].

201    No caso, para demonstrar uma eventual violação do seu direito de propriedade resultante da decisão recorrida, os recorrentes têm que demonstrar que o CUR cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir, com base na avaliação 3, que os acionistas e credores afetados do Banco Popular não teriam tido melhor tratamento no âmbito de um processo normal de insolvência do que no âmbito da resolução.

202    Ora, resulta da improcedência dos quatro primeiros fundamentos que os recorrentes não demonstraram a existência de tal erro.

203    A Aeris Invest não pode validamente alegar que o CUR violou o artigo 17.o da Carta uma vez que o valor da indemnização a título do princípio de que nenhum credor pode ter pior tratamento foi calculado com base no pior cenário possível para os acionistas, a saber, um processo de liquidação do Banco Popular. Com efeito, basta lembrar que resulta da análise da primeira parte do primeiro fundamento que a aplicação de um cenário contrafactual de liquidação está em conformidade com as disposições aplicáveis.

204    Além disso, no âmbito do quinto fundamento, os recorrentes limitam‑se a sustentar que o relatório de peritagem anexo às petições demonstra que os acionistas e credores afetados teriam beneficiado de melhor tratamento no âmbito de um processo normal de insolvência do que aquele de que foram objeto no âmbito da resolução.

205    Ora, a este respeito, basta lembrar que o relatório de peritagem anexo às petições, visto que contém uma avaliação do Banco Popular enquanto empresa em continuidade de exploração, é irrelevante uma vez que que se baseia na hipótese errada de que o Banco Popular poderia ter prosseguido as suas atividades. Esse relatório não pode, portanto, em qualquer caso, demonstrar que, no cenário contrafactual de liquidação num processo normal de insolvência, os credores do Banco Popular teriam beneficiado de um tratamento mais favorável do que no âmbito da resolução e que daí tenha resultado uma diferença de tratamento que necessite de uma indemnização.

206    Por outro lado, a Aeris Invest alega que, para determinar se uma indemnização é suficiente na aceção do artigo 17.o da Carta, há que examinar o sistema de indemnização conforme previsto pelo Regulamento n.o 806/2014 no seu conjunto. Por um lado, o artigo 20.o, n.os 11 e 12, do Regulamento n.o 806/2014 prevê uma indemnização calculada com base no valor do ativo líquido, após uma avaliação definitiva, por outro, o artigo 20.o, n.o 16, e o artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do mesmo regulamento preveem uma indemnização com base no princípio de que nenhum credor deve ter pior tratamento. Entendem que se trata de duas etapas complementares e a indemnização ao abrigo do princípio de que nenhum credor deve ter pior tratamento não estará completa sem uma indemnização calculada com base no valor do ativo líquido. Ora, no caso, o CUR rejeitou a possibilidade dessa indemnização, tendo em conta o instrumento de resolução utilizado.

207    Como o CUR refere, este argumento da Aeris Invest baseia‑se numa compreensão errada do Regulamento n.o 806/2014. O artigo 20.o, n.o 12, do Regulamento n.o 806/2014 não institui um mecanismo indemnizatório, antes prevê uma alteração das medidas de resolução se a avaliação ex post efetuada com base no artigo 20.o, n.o 11, do mesmo regulamento conduzir a um resultado diferente do da avaliação provisória. A indemnização nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014 e as medidas previstas no artigo 20.o, n.o 12, do mesmo regulamento têm finalidades diferentes e não constituem medidas complementares.

208    Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a aplicação do instrumento de alienação da atividade, que é o instrumento de resolução adotado em relação ao Banco Popular, não faz parte dos casos previstos no artigo 20.o, n.o 12, do Regulamento n.o 806/2014 em que uma compensação pode ser paga na sequência de uma avaliação definitiva ex post [Acórdãos de 21 de dezembro de 2021, Aeris Invest/CUR, C‑874/19 P, EU:C:2021:1040, n.o 81, e de 21 de dezembro de 2021, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/CUR, C‑934/19 P, EU:C:2021:1042, n.o 92].

209    Em todo o caso, há que observar que a Aeris Invest não explica em que medida a falta de avaliação definitiva ex post nos termos do artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014 teria sido suscetível de alterar a apreciação que figura na decisão recorrida relativamente à inexistência de indemnização a título da diferença de tratamento prevista no artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

210    Por conseguinte, este argumento não pode afetar a validade da decisão recorrida e é inoperante.

211    Por último, ao contrário do que alega a Aeris Invest, o cálculo de uma eventual indemnização não foi efetuado numa data posterior muito distante da expropriação. Com efeito, em aplicação do artigo 20.o, n.o 18, do Regulamento n.o 806/2014, o gabinete avaliador, na avaliação 3, partiu da hipótese de que o Banco Popular teria sido sujeito a um processo normal de insolvência no momento em que o programa de resolução foi adotado, se este não tivesse sido executado. Por conseguinte, o gabinete avaliador não se baseou num valor do Banco Popular posterior à resolução.

212    Por conseguinte, os recorrentes e a Aeris Invest não demonstraram que a decisão do CUR de não lhes conceder uma indemnização nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014 constitui uma violação do seu direito de propriedade.

213    Resulta do exposto que o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao requerimento de diligências de instrução

214    Os recorrentes, nas suas petições e em resposta a uma medida de organização do processo, pediram ao Tribunal Geral que ordenasse uma diligência de instrução, nos termos do artigo 88.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, destinada à audição do autor do relatório de peritagem junto com as petições.

215    Quanto aos pedidos de medidas de organização do processo ou diligências de instrução apresentados por uma parte num litígio, há que recordar que compete exclusivamente ao Tribunal Geral decidir da eventual necessidade de completar os elementos de informação de que dispõe sobre os processos que lhe são submetidos [v. Acórdãos de 4 de março de 2021, Liaño Reig/CUR, C‑947/19 P, EU:C:2021:172, n.o 98 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 435 e jurisprudência referida].

216    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, mesmo que um requerimento de inquirição de testemunhas, formulado na petição inicial, indique com precisão os factos sobre os quais devem ser inquiridas a ou as testemunhas e as razões que justificam a respetiva inquirição, compete ao Tribunal Geral apreciar a pertinência do pedido face ao objeto do litígio e a necessidade de proceder à inquirição das testemunhas arroladas (v. Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Mamoli Robinetteria/Comissão, C‑619/13 P, EU:C:2017:50, n.o 118 e jurisprudência referida; Acórdão de 22 de outubro de 2020, Silver Plastics e Johannes Reifenhäuser/Comissão, C‑702/19 P, EU:C:2020:857, n.o 29).

217    No caso, refira‑se que os autos e as explicações dadas na audiência são suficientes para permitir ao Tribunal Geral pronunciar‑se, podendo decidir utilmente com base no pedido, nos fundamentos e nos argumentos desenvolvidos durante a instância e atendendo aos documentos apresentados pelas partes.

218    Daqui resulta que o requerimento de diligências de instrução dos recorrentes deve ser indeferido, devendo ser negado integralmente provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

219    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pelo CUR, em conformidade com o pedido deste último.

220    Por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas. O Reino de Espanha suportará, pois, as suas próprias despesas.

221    Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 desse artigo suporte as suas próprias despesas. No caso, a Aeris Invest, que interveio em apoio dos recorrentes no processo T‑302/20, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      No processo T302/20, Antonio Del Valle Ruíz e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo, no processo T303/20, José María Arias Mosquera e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo e, no processo T307/20, Calatrava Real State 2015, SL, são condenados a suportar as respetivas despesas e as despesas efetuadas pelo Conselho Único de Resolução (CUR).

3)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

4)      A Aeris Invest Sàrl suportará as suas próprias despesas.

van der Woude

De Baere

Steinfatt

Kecsmár

 

      Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de novembro de 2023.

Assinaturas


Índice


Antecedentes do litígio

Pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 15. o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 20. o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014

Quanto à primeira parte, relativa à determinação do cenário contrafactual

– Quanto à primeira alegação, que visa contestar a utilização de um cenário de liquidação

– Quanto à segunda alegação, que visa contestar a cessão dos ativos individualmente ou por carteiras

Quanto à segunda parte, relativa à independência do gabinete avaliador

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do direito de audiência consagrado no artigo 41. o, n.o 2, da Carta

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do direito à ação consagrado no artigo 47. o da Carta

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do direito de propriedade consagrado no artigo 17. o e no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, bem como no artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da CEDH

Quanto ao requerimento de diligências de instrução

Quanto às despesas


*      Língua do processo: espanhol.


1A lista dos outros requerentes é anexada apenas à versão notificada às partes.