Language of document : ECLI:EU:C:2022:507

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GIOVANNI PITRUZZELLA

apresentadas em 30 de junho de 2022 (1)

Processo C205/21

Processo penal

contra

V.S.,

sendo interveniente:

Ministerstvo na vatreshnite raboti, Glavna direktsia za borba s organiziranata prestapnost

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais — Diretiva (UE) 2016/680 — Arguido — Registo policial de dados pessoais — Dados sensíveis — Dados biométricos e genéticos — Execução coerciva — Objetivo de prevenção e deteção de infrações penais — Processo penal pendente — Comparação com os dados pessoais recolhidos no âmbito de investigações anteriores — Tutela jurisdicional efetiva — Tratamento de dados — Princípios — Minimização dos dados — Estrita necessidade»






1.        Quando posta ao serviço da repressão penal, a evolução tecnológica revela‑se tão fascinante quanto ameaçadora em relação aos direitos fundamentais (2). O presente reenvio prejudicial proporciona, novamente, ao Tribunal de Justiça a oportunidade de interpretar um instrumento de direito da União destinado à proteção dos dados pessoais concebido como salvaguarda de uma política penal que tem como objetivo uma eficácia total, ao passo que uma sociedade democrática, regida pelo Estado de direito, deve, paradoxalmente, encontrar algo de virtuoso na falibilidade dessa política. De certo modo, este processo constitui uma expressão, no domínio da proteção dos dados pessoais, do princípio de que é preferível arriscar‑se a salvar um culpado do que condenar um inocente (3).

I.      Quadro jurídico

A.      Diretiva 2016/680

2.        O artigo 4.o da Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados, e que revoga a Decisão‑Quadro 2008/977/JAI do Conselho (4), é dedicado aos princípios relativos ao tratamento de dados pessoais e tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros preveem que os dados pessoais sejam:

a)      Objeto de um tratamento lícito e leal;

b)      Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e não tratados de uma forma incompatível com essas finalidades;

c)      Adequados, pertinentes e limitados ao mínimo necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados;

[…]».

3.        O artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680 dispõe:

«Os Estados‑Membros preveem que o responsável pelo tratamento estabeleça, se aplicável, e na medida do possível, uma distinção clara entre os dados pessoais de diferentes categorias de titulares de dados, tais como:

a)      Pessoas relativamente às quais existem motivos fundados para crer que cometeram ou estão prestes a cometer uma infração penal.»

4.        O artigo 8.o da Diretiva 2016/680, sobre a licitude do tratamento, tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros preveem que o tratamento só seja lícito se e na medida em que for necessário para o exercício de uma atribuição pela autoridade competente para os efeitos previstos no artigo 1.o, n.o 1, e tiver por base o direito da União ou de um Estado‑Membro.

2.      O direito de um Estado‑Membro que rege o tratamento no âmbito da presente diretiva especifica pelo menos os objetivos do tratamento, os dados pessoais a tratar e as finalidades do tratamento.»

5.        O artigo 10.o da Diretiva 2016/680 prevê:

«O tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, o tratamento de dados genéticos, dados biométricos destinados a identificar uma pessoa singular de forma inequívoca, dados relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual ou à orientação sexual, só é autorizado se for estritamente necessário, se estiver sujeito a garantias adequadas dos direitos e liberdades do titular dos dados, e se:

a)      For autorizado pelo direito da União ou de um Estado‑Membro;

b)      Se destinar a proteger os interesses vitais do titular dos dados ou de outra pessoa singular; ou

c)      Estiver relacionado com dados manifestamente tornados públicos pelo titular dos dados.»

B.      Direito búlgaro

6.        O artigo 68.o da zakon sa Ministerstvo na vatreshnite raboti (Lei Relativa ao Ministério da Administração Interna (5), a seguir «ZMVR») tem a seguinte redação:

«1.      As autoridades policiais procedem ao registo policial dos arguidos pela prática de uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio. As autoridades responsáveis pelo processo preliminar devem tomar as medidas necessárias para que as autoridades policiais efetuem o registo.

2.      O registo policial constitui uma categoria de tratamento de dados pessoais dos arguidos referidos no n.o 1, a efetuar nos termos da presente lei.

3.      Para efeitos do registo policial, as autoridades policiais:

1)      Recolhem os dados pessoais indicados no artigo 18.o da zakon za balgaskite lichni dokumenti [(6)];

2)      Procedem à recolha das impressões digitais dos arguidos e da respetiva fotografia;

3)      Recolhem amostras para a elaboração de um perfil ADN dos mesmos.

4.      Os procedimentos previstos no n.o 3, ponto 1, não exigem o consentimento do arguido.

5.      Os arguidos têm o dever de colaborar e de não dificultar nem impedir que as autoridades policiais efetuem os procedimentos previstos no n.o 3. Caso se recusem, os procedimentos previstos no n.o 3, pontos 2 e 3, são levados a efeito coercivamente, mediante autorização judicial emitida pelo órgão jurisdicional de primeira instância competente para apreciar a infração que é objeto de ação penal ex officio, pela qual a pessoa foi constituída arguido.

6.      O registo policial é eliminado com base numa decisão escrita do responsável pelo tratamento dos dados pessoais ou dos funcionários oficiosamente autorizados por este ou num pedido escrito fundamentado da pessoa objeto do registo, se:

1)      Tiver sido efetuado em violação da lei;

2)      O processo penal tiver sido interrompido, exceto nos casos previstos no artigo 24.o, n.o 3, do [nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal, a seguir «NPK»)];

3)      O processo penal terminar por uma decisão de absolvição definitiva;

4)      Não tiver sido declarada a responsabilidade penal do arguido e lhe tiver sido aplicada uma sanção administrativa;

5)      O arguido tiver falecido, podendo, neste caso, o pedido ser apresentado pelos seus herdeiros.

7.      As modalidades de execução ou de eliminação do registo policial são estabelecidas por regulamento do Conselho de Ministros.»

7.        O artigo 2.o, n.o 1, do naredba za reda za izvarshvane i snemane na politseyska registratsia (Regulamento que Estabelece as Modalidades de Execução e Eliminação do Registo Policial, a seguir «NRISPR») (7) prevê que «[o] registo policial é um procedimento de tratamento de dados pessoais […] a efetuar nos termos [da ZMVR] para efeitos da proteção da segurança nacional, da luta contra a criminalidade e da manutenção da ordem pública».

II.    Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

8.        Foi instaurado um processo penal contra V.S. por fraude na declaração e no pagamento de dívidas fiscais no âmbito de duas sociedades comerciais. Em 1 de março de 2021, V.S. foi constituída arguida por participação num grupo de criminalidade organizada constituído com finalidades lucrativas. O despacho de constituição de arguido foi enviado a V.S. em 15 de março de 2021. Nessa mesma data, foi chamada a colaborar no registo policial das suas impressões digitais (8), da sua fotografia (9) e de uma amostra para a elaboração do seu perfil ADN. Como manifestou a sua oposição, preencheu um formulário de declaração no qual indicava ter sido informada de que existia uma base legal que permitia proceder a esse registo, mas que não concordava que se procedesse à amostra e ao registo que lhe dizia respeito.

9.        Em 24 de março de 2021, o diretor‑adjunto da Glavna direktsiya za borba s organiziranata prestapnost (Direção Geral da Luta contra a Criminalidade Organizada) sob tutela do Ministerstvo na vatreshnite raboti (Ministério da Administração Interna, Bulgária) requereu ao órgão jurisdicional de reenvio, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), que autorizasse a execução coerciva do registo policial ao qual V.S. recusou submeter‑se.

10.      A petição menciona o processo penal pendente contra V.S. e a existência de provas suficientes da sua culpabilidade. Indica igualmente que V.S. foi objeto de ação penal ex officio por ter cometido uma infração e que se opôs a fornecer a sua fotografia, impressões digitais e uma amostra para a elaboração do seu perfil ADN para efeitos do registo policial. À petição apenas foram anexadas duas fotocópias: a do despacho de constituição de arguido e a da declaração pela qual V.S recusou prestar o seu consentimento para o registo policial. As restantes peças processuais não foram comunicadas ao órgão jurisdicional de reenvio.

11.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 10.o da Diretiva 2016/680, que autoriza, sob certas condições, o tratamento de dados biométricos e genéticos, foi corretamente transposto para o direito búlgaro. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que as disposições que regem o registo policial se referem apenas ao Regulamento (UE) 2016/679 (10) e não à Diretiva 2016/680, e que, por força do seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d), o RGPD não se aplica ao tratamento de dados pessoais efetuados pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais, uma vez que esse tratamento é regulado pela Diretiva 2016/680, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 1.

12.      Em segundo lugar, na hipótese de se dever considerar que o artigo 10.o da Diretiva 2016/680 foi corretamente transposto para o direito nacional, ou que existe uma base jurídica válida nesse direito para proceder ao tratamento de dados biométricos e genéticos, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o requisito previsto no artigo 10.o, alínea a), desta diretiva, segundo a qual esse tratamento deve ser autorizado pelo direito da União ou pelo direito de um Estado‑Membro, se considera preenchido, apesar de existir uma contradição entre as disposições do direto nacional aplicáveis.

13.      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, por força do artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680, podem ser tratados, para efeitos da luta contra a criminalidade, dados pessoais de pessoas relativamente às quais existam motivos fundados para crer que cometeram uma infração penal. Por outro lado, salienta que o considerando 31, terceiro período, dessa diretiva refere que o tratamento de dados pessoais de pessoas suspeitas de terem cometido uma infração, sem terem sido condenadas, não deve impedir a aplicação do direito à presunção de inocência. Considera, assim, aplicável o artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

14.      Ora, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, por força do artigo 219.o, n.o 1, do NPK, é indispensável reunir «suficientes elementos de prova da culpabilidade de uma determinada pessoa». Pretende saber se este critério corresponde ao dos «motivos fundados para crer que [as pessoas] cometeram uma infração», previsto no artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680. Pelo contrário, considera que, para o tratamento de dados biométricos e genéticos, é indispensável reunir provas mais convincentes do que as que são necessárias, nos termos do direito nacional, para que alguém seja constituído arguido, uma vez que essa constituição de arguido serve para informar a pessoa das suspeitas que recaem sobre ela e da possibilidade de se defender.

15.      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o artigo 68.o da ZMVR não prevê que, no âmbito do procedimento de execução coerciva do registo policial, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se exerça qualquer fiscalização sobre a existência de motivos fundados, na aceção do artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680, uma vez que é suficiente a mera declaração de que a pessoa foi acusada de uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio. Por conseguinte, não é competente para apreciar se existem provas suficientes ou fundadas para essa constituição de arguido nem pode, na prática, proceder a essa apreciação, na medida em que só tem à sua disposição as cópias do despacho de constituição de arguido e da declaração de recusa do registo policial. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, nessas circunstâncias, pode considerar‑se que a pessoa que recusou submeter‑se a esse registo policial pode beneficiar de uma tutela jurisdicional efetiva e do respeito pela presunção de inocência, conforme garantidos pelos artigos 47.o e 48.o da Carta.

16.      Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2016/680 dispõe que os dados pessoais sejam recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que o artigo 8.o, n.o 2, dessa diretiva prevê que o direito de um Estado‑Membro deve especificar os objetivos e as finalidades do tratamento. Além disso, assinala que, por força do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva, a recolha dos dados pessoais deve limitar‑se ao necessário. Salienta igualmente, no que respeita mais precisamente aos dados biométricos e genéticos, que, nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2016/680, o seu tratamento só é autorizado se for «estritamente necessário».

17.      Dessas disposições da Diretiva 2016/680 o órgão jurisdicional de reenvio deduz que o direito nacional deve conferir às autoridades competentes um certo poder de apreciação, ao procederem ao registo policial, poder que deve incidir tanto sobre a questão de saber se a recolha dos dados em causa deve ser efetuada como sobre a de saber se essa recolha deve abranger todos esses dados. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional também considera que se deve deduzir do requisito da «estrita necessidade» que a autorização da recolha desses dados só pode ocorrer se existir uma fundamentação adequada da sua necessidade. Ora, o registo policial aplica‑se imperativamente a todos os arguidos por infrações penais dolosas objeto de ação penal ex officio e às três categorias de recolha de dados pessoais previstas nesse artigo, ou seja, fotografias, recolha de impressões digitais e amostra de ADN.

18.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a ZMVR só menciona os objetivos desse tratamento, a saber, exercer uma atividade de investigação, incluindo para efeitos de proteção da segurança nacional, da luta contra a criminalidade e da manutenção da ordem pública. Em contrapartida, a legislação nacional não exige que seja verificada a necessidade concreta de proceder à recolha de todos os dados biométricos e genéticos em causa ou, se for o caso, apenas uma parte deles. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a condição prevista no direito nacional para o registo policial, ou seja, o facto de ter sido constituído arguido por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio, é suficiente para satisfazer os requisitos da Diretiva 2016/680.

19.      Nestas circunstâncias, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) decidiu suspender a instância e, por decisão que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 31 de março de 2021, submeter a este as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 10.o da Diretiva 2016/680 foi devidamente transposto para a lei nacional[,] mediante uma referência à disposição semelhante do artigo 9.o do [RGPD]?

2)      O requisito estabelecido no artigo 10.o, alínea a), da Diretiva 2016/680, conjugado com o artigo 52.o, bem como com os artigos 3.o e 8.o da [Carta], segundo o qual uma restrição à integridade e à proteção dos dados pessoais deve ser prevista por lei, está preenchido quando existem disposições nacionais contraditórias relativas à admissibilidade de um tratamento de dados genéticos e biométricos para efeitos de registo policial?

3)      Uma lei nacional — artigo 68.o, n.o 4, da [ZMVR] — que prevê a obrigação do tribunal de ordenar a recolha obrigatória de dados pessoais (recolha de fotografias, de impressões digitais e de amostras para a elaboração de um perfil ADN) é compatível com o artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680, conjugado com o artigo 48.o da Carta, quando uma pessoa acusada de uma infração penal dolosa se recusa a cooperar voluntariamente na recolha desses dados pessoais, sem que o tribunal possa avaliar se existem motivos fundados para crer que a pessoa cometeu a infração penal de que é acusada?

4)      Uma lei nacional — artigo 68.o, n.os 1 a 3, da ZMVR — que prevê como regra geral a recolha de fotografias, de impressões digitais e de amostras para a elaboração de um perfil ADN de todas as pessoas acusadas de uma infração penal dolosa é compatível com o artigo 10.o, com o artigo 4.o, n.o 1, [alíneas a) e c)], e com o artigo 8.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2016/680?»

20.      Os Governos búlgaro e francês, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça. O Ministério da Administração Interna, os Governos búlgaro e francês, bem como a Comissão, também enviaram ao Tribunal de Justiça as respostas às questões escritas que este lhes dirigiu.

21.      Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões centrar‑se‑ão na terceira e quarta questões prejudiciais.

III. Análise

22.      A título preliminar, quero recordar o seguinte.

23.      No que diz respeito à qualificação dos dados recolhidos e tratados (11) aquando do registo policial, é óbvio que a amostra para a elaboração do perfil ADN do titular dos dados é um dado genético, na aceção do artigo 3.o, ponto 12, da Diretiva 2016/680. As impressões digitais (12) são dados biométricos, como confirma o artigo 3.o, ponto 13, desta diretiva. Quanto às fotografias (13), são igualmente suscetíveis de constituir dados biométricos, como prevê igualmente o artigo 3.o, ponto 13, da Diretiva 2016/680. Por conseguinte, o registo policial diz respeito a duas categorias de dados pessoais: os dados ditos «clássicos», como o estado civil, sujeitos ao regime geral estabelecido pela Diretiva 2016/680, e os dados ditos «especiais», para não dizer sensíveis, que são as fotografias, as impressões digitais e a amostra para a elaboração do perfil ADN do titular dos dados. Observo, no entanto, que o órgão jurisdicional de reenvio refere, na redação das suas questões, apenas os dados «especiais». No contexto das medidas que obrigam à recolha e ao tratamento de dados, incluindo os dados sensíveis, por autoridades de investigação, essas medidas constituem, obviamente, e sem prejuízo da sua eventual justificação, uma ingerência no direito do titular dos dados ao respeito pela sua vida privada e à proteção dos seus dados pessoais (14). Esta ingerência é ainda mais grave se se tratar de dados sensíveis (15). No entanto, apesar dos riscos de comportamentos desviantes e de abuso, dos quais o legislador da União tem perfeito conhecimento, o tratamento desta categoria específica de dados pelas autoridades policiais, designadamente para efeitos de registo informático não é proibido, uma vez que está comprovada a eficácia desse tratamento no desempenho das funções dessas autoridades (16). Trata‑se, assim, neste processo, de procurar um equilíbrio justo entre os imperativos necessários à boa tramitação da investigação e o imperativo, não menos imperioso, de assegurar um nível de proteção reforçada desses dados pessoais de natureza especial.

A.      Quanto à terceira questão prejudicial

24.      Com a sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se o artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680, lido à luz dos artigos 47.o e 48.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional que prevê que, em caso de recusa do arguido por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio em colaborar no procedimento de registo dos seus dados pessoais (ou seja, pelo menos uma fotografia, as suas impressões digitais e o seu perfil ADN elaborado a partir de uma recolha de material), o tribunal competente para este efeito deve ordenar uma recolha obrigatória desses dados, sem que possa apreciar a existência de motivos fundados para crer que o titular dos dados cometeu efetivamente a infração pela qual foi constituído arguido.

25.      O contexto legislativo e regulamentar nacional caracteriza‑se pelos seguintes elementos. O órgão jurisdicional de reenvio refere que quase todas as infrações previstas no Código Penal búlgaro são objeto de ação penal ex officio, ou seja, a acusação é da iniciativa do Procurador. Por sua vez, o NPK prevê que, quando se encontram reunidos elementos de prova suficientes para imputar a uma determinada pessoa a prática de uma infração objeto de ação penal ex officio, essa pessoa é constituída arguido (17). Os arguidos por este tipo de infrações são sujeitos a registo policial conforme disposto designadamente no artigo 68.o da ZMVR, registo que é efetuado pelas autoridades policiais e não pelas autoridades que instauram o processo penal. Os dados pessoais registados são os seguintes: informações relativas ao estado civil da pessoa (nome, data e local de nascimento, género, nacionalidade), o endereço e o número administrativo de identificação, bem como as características físicas (altura, cor dos olhos). São igualmente objeto de registo pelo menos uma foto do titular dos dados, as suas impressões digitais e o seu perfil ADN, registado após a recolha de uma amostra para esse efeito. O arguido tem o dever de cooperar e de não dificultar a recolha dos seus dados pessoais. Só passa a ter a qualidade de acusado depois de o Procurador apresentar o despacho de acusação ao tribunal, dando assim início à fase judicial do processo penal.

26.      Em caso de oposição, uma vez que o consentimento do arguido pode não ser exigido no caso de tratamento de dados pessoais relativo a procedimentos de luta contra a criminalidade, este poderá assinar uma declaração escrita manifestando a sua discordância. A autoridade policial responsável pelo registo policial dirige‑se em seguida ao tribunal competente na hipótese de o processo penal relativo à infração em questão passar à fase judicial para lhe requerer a autorização para proceder à execução coerciva desse registo. Os poderes de apreciação do tribunal são limitados, uma vez que lhe cabe apenas verificar se efetivamente a pessoa foi constituída arguido por infração dolosa objeto de ação penal ex officio e se recusou a submeter‑se ao registo policial. Por conseguinte, o dossiê do processo de requerimento de execução coerciva de registo policial é constituído apenas por uma cópia do despacho de constituição de arguido e da declaração de recusa do registo dos dados. Tendo verificado que efetivamente o titular dos dados foi objeto de constituição de arguido e que se opôs ao registo policial, o tribunal chamado a pronunciar‑se deve dar autorização para que se proceda à execução coerciva do referido registo.

27.      Por sua vez, o artigo 6.o da Diretiva 2016/680, que está no cerne desta terceira questão prejudicial, obriga os Estados‑Membros, «se aplicável, e na medida do possível», a estabelecer uma distinção clara entre os dados de diferentes categorias de titulares de dados, tais como «pessoas relativamente às quais existem motivos fundados para crer que cometeram ou estão prestes a cometer uma infração penal» (18). O objetivo desta disposição é, como recordou a Comissão, não sujeitar à mesma ingerência no direito fundamental à proteção dos dados pessoais, por exemplo, as vítimas de infrações penais e os suspeitos de as terem cometido (19).

28.      Da mera redação desta disposição decorre que a intensidade da obrigação imposta aos Estados‑Membros é muito reduzida e nem sequer completamente determinada, na medida em que a lista das categorias de pessoas não é exaustiva e que a diretiva deixa aos Estados‑Membros o ónus de retirar as consequências da distinção clara que se lhes pede que façam. De um ponto de vista estritamente literal, considero desde logo admissível, à luz desta disposição, que um Estado‑Membro estabeleça, como «categoria clara», a dos arguidos, ou seja, aqueles relativamente aos quais se encontram reunidos suficientes elementos de prova de que cometeram uma infração.

29.      No que respeita à execução coerciva, autorizada pelo juiz, do registo policial, devo referir, por um lado, que a Diretiva 2016/680 não tem por objeto estabelecer as condições processuais da recolha de dados pessoais das pessoas abrangidas pelo artigo 6.o, alínea a) (20), desta diretiva e, por outro e de qualquer modo, que, como referiu o Governo francês, as autoridades competentes podem ordenar às pessoas singulares que deem seguimento aos pedidos que lhes são dirigidos, uma vez que o consentimento do titular dos dados não constitui uma base jurídica para o tratamento desses dados por essas autoridades (21). Esta conclusão é igualmente válida no que diz respeito aos dados pessoais sensíveis (22).

1.      Quanto à fiscalização judicial limitada no âmbito do procedimento de autorização da execução coerciva de registo policial e ao respeito pelo direito à ação

30.      Nestas circunstâncias, uma vez que a Diretiva 2016/680 não obsta a uma legislação nacional que prevê que, no que diz respeito aos arguidos, as autoridades competentes podem ordenar a recolha de dados biométricos e genéticos em caso de recusa dos mesmos, sem, todavia, determinar as modalidades processuais dessa execução coerciva, não se pode deixar de observar, em concordância com o Governo francês, que os Estados‑Membros podem, na verdade, decidir estabelecer um procedimento vinculativo conferindo‑lhe caráter jurisdicional ou administrativo e prevendo a atribuição do poder de decidir sobre a execução coerciva da recolha de dados a uma autoridade judicial ou a uma autoridade administrativa.

31.      A Diretiva 2016/680 especifica, no seu capítulo VIII, as vias de recurso de que devem dispor as pessoas cujos dados foram tratados. Essas vias de direito incluem a possibilidade de apresentar uma reclamação a uma autoridade de controlo única (23), a possibilidade de intentar uma ação judicial contra qualquer decisão juridicamente vinculativa tomada por uma autoridade de controlo que lhes diga respeito (24) e a possibilidade de intentar uma ação judicial se os titulares dos dados considerarem ter havido violação dos direitos que lhes assistem nos termos da Diretiva 2016/680, aplicados a nível nacional, na sequência de um tratamento dos seus dados pessoais que não respeite esses direitos (25). Porém, a situação objeto dessa terceira questão prejudicial situa‑se a montante dessas várias hipóteses.

32.      No entanto, uma vez que o artigo 68.o da ZMVR, que prevê as condições de execução coerciva do registo policial exigido à categoria especial dos arguidos por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio, constitui uma aplicação do direito da União (26) na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, há que se certificar, assim, de que a mesma respeita o direito a uma tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 47.o da Carta.

33.      O artigo 47.o da Carta dispõe que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal, nas condições previstas neste artigo. Os artigos 7.o e 8.o da Carta consagram o direito ao respeito pela vida privada e familiar e à proteção dos dados pessoais. Como o Tribunal de Justiça recordou recentemente, «[n]enhum destes três direitos fundamentais constitui uma prerrogativa absoluta, devendo, com efeito, cada um deles ser tomado em consideração relativamente à sua função na sociedade» (27). Por outro lado, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta prevê que podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos e liberdades garantidos por esta, desde que, em primeiro lugar, essas restrições estejam previstas na lei, em segundo lugar, respeitem o conteúdo essencial dos direitos e liberdades em causa e, em terceiro lugar, que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Assim, o exercício do direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta pode ser restringido pelo legislador da União ou, na falta de regulamentação da União na matéria, pelos Estados‑Membros, se forem cumpridos os requisitos previstos no artigo 52.o, n.o 1, da Carta (28).

34.      No que respeita ao primeiro requisito, é mesmo a ZMVR, regulamentada pelo NRISPR, que prevê a obrigação, concordem ou não, de os arguidos por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio cooperarem no registo policial, se aplicável, após ordem do órgão jurisdicional de primeira instância competente para apreciar a referida infração. A competência vinculada deste órgão jurisdicional e a impossibilidade de verificar, nessa fase do processo, se são suficientes os elementos de prova suscetíveis de demonstrar que a pessoa cometeu a infração pela qual foi constituída arguido, enquanto o procedimento destinado a ordenar a execução coerciva de registo policial se caracteriza, por outro lado, por uma certa urgência em proferir uma decisão e o caráter não contraditório, estão efetivamente previstas na lei na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

35.      No que respeita ao segundo requisito, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que o conteúdo essencial do direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta inclui, entre outros elementos, o de o titular desse direito poder aceder a um tribunal competente que assegure o respeito pelos direitos que o direito da União lhe garante e, para o efeito, examine todas as questões de facto e de direito pertinentes para o litígio que é chamado a decidir (29). O requisito do respeito pelo conteúdo essencial do direito à ação não implica, todavia, que o titular desse direito disponha de um recurso judicial que tenha por objeto, a título principal, a impugnação de uma determinada medida, desde que, por outro lado, existam, nos diversos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, uma ou várias vias de recurso que lhe permitam obter, a título subordinado, a fiscalização judicial dessa medida que assegure o respeito pelos direitos e liberdades que o direito da União lhe garante (30).

36.      A este respeito, devo salientar, como explicou o Governo búlgaro, que a ordem de proceder ao registo policial surge no decurso da fase preliminar do processo penal durante a qual são efetuados os atos de inquérito e de recolha de elementos de prova no termo dos quais há que determinar se foi cometida uma infração, quem é o respetivo autor e se existe responsabilidade penal por parte deste. Terminado o inquérito penal e apurados os elementos de prova, o Procurador deverá decidir arquivar o processo penal, suspendê‑lo, propor a isenção de responsabilidade penal associada a uma coima, propor um acordo para a resolução do litígio ou proceder à acusação mediante despacho de acusação cuja apresentação no tribunal dá início à fase judicial do processo penal.

37.      A existência de elementos de prova contra a pessoa a quem foi ordenada a sujeição ao registo policial deverá necessariamente poder ser verificada quando do início da fase judicial do processo penal, durante a qual o tribunal ao qual o litígio foi apresentado deve ter a possibilidade de examinar todas as questões de direito e de facto pertinentes, em especial para verificar se as provas em que essa acusação se baseia não foram obtidas nem utilizadas em violação dos direitos e liberdades garantidos ao interessado pelo direito da União (31).

38.      No que respeita ao terceiro requisito, a legislação nacional sujeita à apreciação do Tribunal de Justiça deve, na observância do princípio da proporcionalidade, ser necessária e corresponder efetivamente a um objetivo de interesse geral reconhecido pela União. O artigo 68.o da ZMVR organiza a recolha e o tratamento de dados especiais para uma categoria particular de pessoas e insere‑se, a este respeito, no âmbito da Diretiva 2016/680, que prevê um regime específico no que respeita aos dados pessoais e respetivo tratamento pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, deteção, investigação ou repressão das infrações penais na matéria. Assim, o objetivo prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal constitui necessariamente um objetivo de interesse geral reconhecido pela União (32). Por outro lado, as exigências da investigação podem igualmente explicar a opção do legislador nacional por subtrair o procedimento que tem por objeto um pedido de execução coerciva do registo policial, a despeito das graves ingerências nos direitos garantidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta, ao poder de apreciação do juiz quanto ao respeito pelo âmbito de aplicação ratione personae desse registo e remeter essa apreciação para uma fase posterior do processo. A legislação nacional afigura‑se claramente adequada à realização do objetivo prosseguido e não desproporcionada, caso o arguido tenha efetivamente a possibilidade de, posteriormente, impugnar o registo policial, seja no tribunal que ordenou a respetiva execução coerciva ou noutro órgão jurisdicional.

2.      Quanto à falta de verificação da suficiência dos elementos de prova e a respeito pela presunção de inocência

39.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta algumas preocupações relativamente ao respeito pela presunção de inocência, conforme consagrada no artigo 48.o da Carta (33). Pretende saber, nomeadamente, se a impossibilidade de controlar a suficiência dos elementos de prova que deram origem à constituição de arguido no momento em que o órgão jurisdicional competente deve ordenar o registo policial não viola a presunção de inocência do arguido.

40.      Relativamente ao artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680, o considerando 31 desta diretiva, que vem esclarecer o sentido dessa disposição, especifica que o estabelecimento de diferentes categorias de titulares de dados às quais devem corresponder diferentes tratamentos dos respetivos dados pessoais «não deverá impedir a aplicação do direito à presunção de inocência garantido pela Carta e pela [CEDH]».

41.      Como acima recordei, o órgão jurisdicional de reenvio preocupa‑se com o facto de a decisão pela qual o órgão jurisdicional competente deve ordenar o registo policial ocorrer nos termos de um processo que só permite ao referido órgão jurisdicional apreciar se, efetivamente, o titular dos dados é constituído arguido e se opôs ao registo policial. No que respeita aos processos penais, o artigo 48.o da Carta foi posto em prática, no direito da União, pela Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (34). Esta diretiva aplica‑se «às pessoas singulares que são suspeitas» e «a todas as fases do processo penal, isto é, a partir do momento em que uma pessoa é suspeita da prática de um ilícito penal […] até ser proferida uma decisão final sobre a prática do ilícito penal e essa decisão ter transitado em julgado» (35). O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 obriga os Estados‑Membros a tomar as «medidas necessárias para assegurar que, enquanto a culpa do suspeito ou do arguido não for provada nos termos da lei, declarações públicas emitidas pelas autoridades públicas ou decisões judiciais que não estabeleçam a culpa não apresentem o suspeito ou o arguido como culpado». Esta disposição aplica‑se, todavia, «sem prejuízo de atos de acusação que visam provar a culpa do suspeito ou do arguido e de decisões preliminares de caráter processual proferidas pelas autoridades judiciárias ou por outras autoridades competentes e baseadas em suspeitas ou elementos de acusação» (36). Além disso, o artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva 2016/343 precisa que «[o] exercício do direito de não se auto incriminar não impede a recolha pelas autoridades competentes de elementos de prova que possam ser legitimamente obtidos através do exercício legal de poderes coercivos e cuja existência é independente da vontade do suspeito ou do arguido».

42.      Nestas condições, parece‑me possível considerar que a decisão pela qual o órgão jurisdicional competente, depois de registar simplesmente a alegada constituição de arguido, que, nesta fase, assenta em suficientes elementos de prova da participação da pessoa em causa na prática da infração objeto de ação penal ex officio, e a recusa deste em se sujeitar ao registo policial, autoriza as autoridades policiais a proceder à execução coerciva desse registo não pode ser interpretada como uma tomada de posição sobre a culpabilidade do referido titular nem, por conseguinte, como uma violação da presunção de inocência da pessoa em causa (37).

43.      Pelo contrário, tendo em conta o facto de que o juiz que deve ordenar o registo policial é o mesmo ao qual será, eventualmente, apresentado o processo penal depois de iniciada a sua fase judicial, o facto de não poder apreciar, nesta fase desse processo, com a agravante de o ser no contexto de um procedimento que parece não ter caráter contraditório, a suficiência dos elementos de prova assegura ao arguido que o juiz, em conformidade com o exigido pela presunção de inocência, estará «isento de preconceito e de qualquer ideia preconcebida quando examina[r] a responsabilidade penal do acusado» (38). De qualquer modo, «no âmbito da fiscalização do respeito pela presunção de inocência, há sempre que analisar a decisão judicial e a sua fundamentação na íntegra e à luz das circunstâncias especiais em que foi adotada» (39).

44.      Assim, da análise precedente resulta que o artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680, lido à luz dos artigos 47.o e 48.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que a fiscalização do órgão jurisdicional penal competente, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de autorização de execução coerciva de registo policial de dados pessoais, designadamente biométricos e genéticos, ao qual o arguido por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio recusou sujeitar‑se, é limitada à verificação da decisão de constituição de arguido e da recusa da pessoa em causa, sem que possa apreciar se são suficientes os elementos de prova que levaram a essa decisão de constituição de arguido, uma vez que a questão da suficiência dos elementos de prova para fundamentar a constituição de arguido poderá ser utilmente suscitada perante esse juiz, se for o caso, numa fase posterior do processo penal.

B.      Quanto à quarta questão prejudicial

45.      Com a sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ser esclarecido pelo Tribunal de Justiça quanto à interpretação do artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c) (40), dos artigos 8.o e 10.o da Diretiva 2016/680, para poder, in fine, apreciar a conformidade com essas disposições do artigo 68.o da ZMVR, do qual decorre que as fotografias, as impressões digitais e a amostra para a elaboração de um perfil ADN são sistematicamente recolhidas e tratadas, desde que a pessoa seja constituída arguido por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio.

46.      A Diretiva 2016/680 consagra uma disposição específica ao tratamento de categorias especiais de dados pessoais, como os referidos na redação da quarta questão prejudicial, no seu artigo 10.o, que prevê, em substância, que o tratamento dos dados biométricos e genéticos destinados a identificar uma pessoa singular de forma inequívoca «só é autorizado se for estritamente necessário, se estiver sujeito a garantias adequadas dos direitos e liberdades do titular dos dados, e se […] for autorizado pelo direito da União ou pelo direito de um Estado‑Membro» (41).

47.      Por outro lado, e a fortiori, a aplicação do artigo 10.o não impede a sujeição do tratamento desses dados especiais aos outros requisitos previstos na Diretiva 2016/680, de modo que um tratamento de categorias especiais de dados pessoais deve, nomeadamente, respeitar o artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), bem como o artigo 8.o desta diretiva. Contudo, uma análise sucessiva destas disposições levaria a um resultado redundante, de modo que se me afigura possível integrar os requisitos próprios das mesmas disposições na análise efetuada com base no artigo 10.o da Diretiva 2016/680.

48.      Assim, considero efetivamente que deve ser verificado, em primeiro lugar, se o tratamento dos dados abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 10.o da Diretiva 2016/680 é estritamente necessário. Isto implica, por um lado, definir o nível de necessidade exigido e, por outro, introduzir igualmente no teste da necessidade o princípio da minimização dos dados pessoais consagrado no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), dessa diretiva (42). O controlo da correlação entre os meios postos em execução e a finalidade prosseguida, a qual deve ser determinada, explícita e legítima na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680, pode igualmente ser efetuado nesta fase da análise. Em segundo lugar, há que se certificar de que o tratamento é efetivamente autorizado pelo direito de um Estado‑Membro, o que, como irei demonstrar, remete para a qualidade da lei à luz do que é prescrito, designadamente pelo artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/680. Em terceiro lugar, será necessário verificar se o tratamento regulado pelo artigo 10.o desta diretiva cumpre o requisito de prever garantias adequadas aos direitos e liberdades do titular dos dados.

1.      Quanto ao caráter estritamente necessário do tratamento dos dados recolhidos aquando do registo policial

49.      Por conseguinte, o primeiro dos requisitos é o de que o tratamento dos dados biométricos e genéticos deve ser estritamente necessário [«absolument nécessaire» (absolutamente necessário), na versão em língua francesa)]. Na minha opinião, é inequívoco que se trata de uma exigência reforçada, limitando‑se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680 a fazer referência à mera necessidade do tratamento da qual faz depender a respetiva licitude. Devo observar, todavia, que, sem pretender ser exaustivo, as versões em língua alemã, inglesa, italiana, espanhola, portuguesa, polaca ou, ainda, romena estabelecem, no artigo 10.o dessa diretiva, um limiar redigido de forma diferente, uma vez que estas versões se referem a um tratamento estritamente necessário (43). Embora o matiz, ainda que subtil, exista, considero que não tem verdadeiras consequências para a natureza do teste que daí decorre. Em contrapartida, o artigo 10.o da Diretiva 2016/680 impõe claramente um maior nível de exigência, que se revelou necessário em face de ingerências graves no direito à proteção dos dados pessoais (44), em relação ao que é aceite no âmbito do regime geral aplicado aos dados não especiais. Por conseguinte, a ideia de uma rigorosa necessidade deve ter‑se sempre presente.

50.      Para uma maior coerência desta última, começo pela análise das finalidades. Os dados pessoais devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podem ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades, o que requer uma análise do direito nacional que constitui, com as suas diferentes fontes, o regime jurídico do registo policial, análise que compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar. A mera invocação de uma finalidade prosseguida pelo artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680 não é suficiente para concluir que se encontra cumprido o requisito previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), dessa diretiva. Embora a Diretiva 2016/680 reconheça a necessidade de as autoridades competentes tratarem os dados pessoais recolhidos no contexto da prevenção, investigação ou repressão de infrações penais específicas para além desse contexto, a fim de obter uma melhor compreensão das atividades criminais e de estabelecer ligações entre as diferentes infrações penais detetadas (45), o direito nacional que regula este procedimento deve identificar as finalidades do tratamento, que devem ser enunciadas claramente (46). Além disso, no que diz respeito ao objetivo de prevenção, de investigação, de deteção e de repressão de infrações penais, «só a luta contra a criminalidade grave e a prevenção das ameaças graves contra a segurança pública são suscetíveis de justificar ingerências graves nos direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.o e 8.o da Carta […] Por conseguinte, só as ingerências sem caráter grave nos referidos direitos fundamentais podem ser justificadas pelo objetivo de prevenção, de investigação, de deteção e de repressão de infrações penais em geral» (47).

51.      As disposições nacionais devem ser claras e precisas (48), para que os titulares dos dados possam ser alertados para os riscos, regras, garantias e direitos (49) associados ao tratamento pretendido. Na minha opinião, o controlo do caráter legítimo da finalidade prosseguida não se pode limitar à análise da simples menção, pelo direito nacional, de uma finalidade comum às da Diretiva 2016/680, uma vez que a finalidade é também legitimada pelas condições da sua prossecução. Além disso, se não for suficientemente pormenorizada quanto às condições da sua aplicação prática, a finalidade prosseguida, ainda que legítima, não poderá ser considerada explícita nem determinada, sempre na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2016/680. Ora, a explicitação e a determinação das finalidades são etapas essenciais para que se possa avaliar a estrita necessidade.

52.      No que diz respeito ao princípio segundo o qual os dados pessoais recolhidos e tratados devem ser adequados, pertinentes e limitados ao mínimo necessário relativamente às finalidades prosseguidas pelo respetivo tratamento, trata‑se do princípio da minimização dos dados (50), nos termos expressos no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2016/680.

53.      A priori, não se afigura que a adequação e a pertinência dos dados suscitem problemas, uma vez que as fotografias, as impressões digitais e o ADN são fatores conhecidos de identificação única que permitem demonstrar, por comparação, a participação presumida do titular na prática da infração, seja no âmbito do processo penal pendente ou mediante comparação com elementos de prova recolhidos no âmbito de processos anteriores.

54.      O considerando 26 da Diretiva 2016/680 engloba, no princípio da minimização dos dados, a verificação do prazo necessário de conservação dos dados em causa (51) e refere que os dados «apenas deverão ser tratados se a finalidade do tratamento não poder ser atingida de forma razoável por outros meios» (52). Além disso, quanto às derrogações e às restrições ao direito fundamental à proteção dos dados pessoais, estas devem ser efetuadas na estrita medida do necessário (53). Deve ser estabelecida uma relação adequada entre os dados a conservar e o objetivo (54) prosseguido. Embora não se trate de pôr em causa a contribuição eficaz dos ficheiros de dados, quando consultados pelas autoridades nacionais, para a repressão de determinadas infrações, por vezes as mais graves, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já declarou, no entanto, que esses dispositivos não podem ser aplicados numa lógica excessiva de maximização das informações neles inseridas e do prazo da respetiva conservação. Com efeito, não respeitando a necessária proporcionalidade em face dos objetivos legítimos que lhes são atribuídos, as vantagens deles decorrentes seriam aniquiladas pelas ofensas graves aos direitos e liberdades que os Estados devem assegurar (55).

55.      O Tribunal de Justiça recordou recentemente, no contexto do RGPD e a propósito do princípio da minimização, que, para cumprir a exigência de proporcionalidade à qual foi dada expressão pela disposição que prevê esse princípio, «a regulamentação que serve de base ao tratamento deve prever regras claras e precisas que regulem o âmbito e a aplicação da medida em causa e impor requisitos mínimos, de modo que as pessoas cujos dados foram conservados disponham de garantias suficientes que permitam proteger eficazmente os seus dados contra os riscos de abuso. Esta regulamentação deve ser vinculativa no direito interno e, em particular, indicar em que circunstâncias e em que condições uma medida que prevê o tratamento de tais dados pode ser adotada, garantindo assim que a ingerência seja limitada ao estritamente necessário» (56). Além disso, a referida regulamentação deve «basear‑se em critérios objetivos para definir as circunstâncias e as condições» (57) em que o titular dos dados pessoais é obrigado fornecer esses dados com vista ao respetivo tratamento pelas autoridades competentes.

2.      Quanto ao requisito de que o tratamento deve ser autorizado pelo direito nacional

56.      O artigo 10.o prevê, como uma das condições de autorização do tratamento de categorias especiais de dados pessoais, que este seja autorizado pelo direito da União ou pelo direito nacional. O considerando 33 da Diretiva 2016/680 precisa o que se deve entender por «direito nacional» e as qualidades que deve ter. Assim, o direito nacional deve ser claro e preciso e a sua aplicação previsível. O seu conteúdo é fixado pelo artigo 8.o, n.o 2, dessa diretiva, que prevê que uma disposição do direito nacional que regula um tratamento de dados pessoais abrangido pelo âmbito da Diretiva 2016/680 especifica «pelo menos os objetivos do tratamento, os dados pessoais a tratar e as finalidades do mesmo». Distinguir entre os objetivos do tratamento e as suas finalidades não parece, à primeira vista, evidente. Contudo, afigura‑se‑me que se a finalidade pode ser formulada com um certo grau de generalidade os objetivos devem especificar a utilidade concreta e imediata do tratamento pretendido (58). Assim, o direito nacional deve dar suficiente destaque às razões pelas quais o tratamento dessa categoria especial de dados foi autorizado.

3.      Quanto à existência de garantias adequadas para os direitos e liberdades do titular dos dados

57.      Atendendo aos riscos implicados pelo tratamento de dados pessoais designados como sensíveis, o mesmo deve estar sujeito a garantias adequadas dos direitos e liberdades do titular dos dados. Para serem adequadas, essas garantias devem, obviamente, ser previstas por lei (59). Verificar a existência dessas garantias requer uma perspetiva de conjunto de todas as condições para permitir avaliar o alcance exato do tratamento em causa e certificar‑se de que existe uma proteção eficaz contra os tratamentos impróprios ou abusivos (60). Com efeito, o considerando 37 da Diretiva 2016/680 menciona a título de exemplos dessas garantias «a possibilidade de recolher esses dados apenas em ligação com outros dados sobre a pessoa singular em causa, a fim de garantir devidamente a segurança dos dados recolhidos, o estabelecimento de regras mais rigorosas sobre o acesso do pessoal da autoridade competente aos dados ou a proibição da transmissão desses dados». Em matéria de tratamento de dados sensíveis, uma vez que se trata de uma ingerência grave e considerando os riscos de abuso decorrentes da qualidade intrínseca desses dados, as questões do prazo da respetiva conservação e do acesso das autoridades competentes são fundamentais. Por conseguinte, a apreciação da conformidade do tratamento pretendido com as prescrições do artigo 10.o da Diretiva 2016/680 implica igualmente uma análise rigorosa de todos os aspetos do tratamento pretendido que devem, assim, ser claramente enunciados pelo direito nacional (61) e satisfazer as normas estabelecidas pelo direito da União.

4.      Conclusão e aplicação provisória

58.      Assim, resulta do que precede que o artigo 10.o da Diretiva 2016/680, em conjugação com o artigo 4.o, alíneas b) e c), e o artigo 8.o dessa diretiva, e interpretado à luz dos artigos 7.o e 8.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que a recolha e o tratamento de dados biométricos e genéticos, como as fotografias, as impressões digitais e uma amostra para a elaboração de um perfil ADN, na medida em que constituam uma ingerência grave no direito à proteção dos dados pessoais, só são autorizados em caso de estrita necessidade para a prossecução de objetivos relacionados com a criminalidade grave, que o direito nacional deve identificar claramente. A natureza e a quantidade de dados pessoais tratados devem ser estritamente adequadas e coerentes com o objetivo e a finalidade prosseguidos. A este respeito, o direito nacional deve ser conforme com uma das finalidades prosseguidas pela Diretiva 2016/680. Deve igualmente indicar quais os objetivos concretos prosseguidos suscetíveis de contribuir para a realização dessa finalidade. Também devem ser concretamente especificadas as razões pelas quais, a despeito de se tratar de uma ingerência grave, o tratamento desses dados, e especialmente dos dados genéticos, se afigura estritamente necessário para esse efeito. Além disso, o direito nacional deve enunciar claramente as condições do tratamento em todas as suas dimensões, ou seja, das condições da recolha às condições de acesso aos dados e do seu apagamento, passando pela determinação precisa e necessariamente estritamente limitada do âmbito de aplicação pessoal da medida de recolha e de tratamento. Cada uma dessas condições deve ser limitada ao estritamente necessário. O regime assim definido deve ser suscetível de proteger eficazmente as pessoas contra os riscos de abuso que representa, em particular, o tratamento dos dados genéticos. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio certificar‑se de que todas essas prescrições são escrupulosamente respeitadas.

59.      Com efeito, não se afigura que o Tribunal de Justiça disponha plenamente de todos os elementos de informação quanto ao estado do direito nacional que rege o registo policial para ele próprio se poder pronunciar sobre a compatibilidade de registo policial com o direito da União. No entanto, deve dizer‑se que determinados elementos característicos deste registo suscitam desde logo algumas interrogações ou mesmo preocupações.

60.      O órgão jurisdicional de reenvio menciona, no seu pedido de decisão prejudicial, que o tratamento tem como objetivo uma atividade de investigação e que se insere no âmbito da execução de atividades do Ministério da Administração Interna. Além disso, resulta do artigo 27.o da ZMVR que os dados registados pela polícia ao abrigo do artigo 68.o desta lei são utilizados «apenas» no âmbito da proteção da segurança nacional, da luta contra a criminalidade e da manutenção da ordem pública (62). Os dados recolhidos aquando do registo policial serão tratados para efeitos do processo penal no qual o titular dos dados foi constituído arguido, mas também «para outros efeitos decorrentes da luta contra a criminalidade», segundo as alegações do Governo búlgaro e, se aplicável, por comparação. Prima facie, é certo que essas finalidades parecem corresponder às mencionadas no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680, em especial para efeitos de deteção e investigação das infrações penais. Contudo, a falta de determinação precisa da finalidade prosseguida, ou até mesmo a cumulação das finalidades invocadas, bem como a falta de explicitação das razões pelas quais uma/essa(s) finalidade(s) justifica(m) esse meio (isto é, devo recordar, a recolha e o tratamento obrigatório e sistemático de três tipos de dados pessoais inseridos em categorias especiais que devem beneficiar de uma proteção reforçada a título do artigo 10.o da Diretiva 2016/680, entre os quais o perfil ADN, dos arguidos por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio) (63) são manifestos e podem dificultar as outras fases do teste a aplicar. Em particular, quanto à inserção num ficheiro informático do perfil ADN do titular dos dados, o esforço do direito nacional no que diz respeito às explicitações da necessidade de recorrer a esse tratamento deve ser especialmente fundamentado para demonstrar que o resultado atingido provém de uma ponderação séria dos interesses em presença.

61.      Mesmo que as finalidades alegadamente prosseguidas pelo registo policial estivessem em conformidade com as previstas no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680, o direito nacional não estabeleceu nem precisou as ligações entre o alcance da recolha, quer quanto ao número de pessoas em causa quer quanto à quantidade de dados recolhidos e tratados, e as finalidades prosseguidas.

62.      Uma vez que o Tribunal de Justiça já declarou que a eficácia de processos penais depende geralmente não de um único instrumento de investigação, mas de todos os instrumentos de investigação de que dispõem as autoridades nacionais competentes para esses efeitos (64), quando um Estado‑Membro autoriza essas autoridades a recolher e tratar dados pessoais tão sensíveis como o perfil ADN devem ser especificamente enunciadas as razões pelas quais esses dados devem ser objeto de um tratamento para efeitos da investigação em curso.

63.      Devo também salientar que todos os arguidos por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio devem ser sujeitos ao registo policial. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que quase todas as infrações previstas no Código Penal búlgaro se inserem nestas categorias (infração penal dolosa/infração objeto de ação penal ex officio). Todos os dados são recolhidos na fase da constituição de arguido, uma vez que, como exige o direito processual penal búlgaro, já foram reunidas provas suficientes da culpabilidade do arguido. À luz do registo policial, as pessoas que serão efetivamente declaradas culpadas no termo do processo não são, todavia, tratadas de maneira diferente das que não o serão, com exceção, ao que parece, de um direito ao apagamento dos dados tratados, quando a pessoa acaba por ser absolvida. Ora, quanto a ingerências graves e a dados sensíveis que necessitam de uma proteção reforçada, interrogo‑me sobre o motivo pelo qual esta lógica não é invertida, ou seja, por que motivo não se aguarda a condenação pelos factos imputados antes de proceder ao registo policial, o que teria, pelo menos, o mérito de reforçar a seletividade da medida. O Tribunal de Justiça não dispõe, todavia, de informações sobre as razões que fundamentaram a escolha do legislador nacional.

64.      A natureza da infração que levou à decisão da constituição de arguido também não é tomada em consideração. Resumindo o mais possível, poder‑se‑ia dizer que o arguido pela prática de uma infração rodoviária será tratado da mesma forma que o arguido por homicídio. A legislação búlgara não parece prever casos em que não se proceda ao registo policial de todos os dados em causa. Ora, pelo menos no que diz respeito aos processos penais pendentes, nem todos necessitarão da elaboração de um perfil ADN para demonstrar a culpabilidade do titular dos dados. Embora, por ser «restrita» aos arguidos, a medida não seja, enquanto tal, generalizada, em contrapartida, na vasta categoria dos referidos arguidos, a sua aplicação indiferenciada é claramente questionável. Por outro lado, não fazendo qualquer distinção consoante a gravidade da infração, o direito nacional parece, desde logo, quanto a este ponto, dificilmente conciliável com a jurisprudência referida no n.o 50 das presentes conclusões.

65.      Deve ser igualmente prestada uma atenção particular às condições de conservação dos dados e de acesso a esses dados, a respeito das quais o Tribunal de Justiça não está muito elucidado.

66.      Por último, a questão da comparação dos dados assim recolhidos suscita‑me duas séries de observações. Antes de mais, no que diz respeito à comparação com os elementos de prova recolhidos numa investigação anterior, uma interpretação estritamente necessária desse objetivo só eventualmente poderá justificar uma comparação imediata das características, sem que seja necessário conservar a mais ou menos longo prazo os dados dos arguidos. Em seguida, embora a ideia seja constituir uma base de dados para facilitar a resolução de futuras infrações, ou seja, em caso de reincidência, não se afigura claramente justificado inserir nessa base dados pessoais sensíveis de arguidos em relação aos quais, embora ainda não tenham sido declarados culpados, já se põem em prática elementos destinados a evitar o risco meramente hipotético de reincidência que representam.

IV.    Conclusão

67.      Atendendo a todas as considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à terceira e quarta questões prejudiciais do Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) do seguinte modo:

O artigo 6.o, alínea a), da Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados, e que revoga a Decisão‑Quadro 2008/977/JAI do Conselho, lido à luz dos artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que a fiscalização do órgão jurisdicional penal competente, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de autorização de execução coerciva de registo policial de dados pessoais, designadamente biométricos e genéticos, ao qual o arguido por uma infração dolosa objeto de ação penal ex officio recusou sujeitar‑se, é limitada à verificação da decisão de constituição de arguido e da recusa da pessoa em causa, sem que possa apreciar se são suficientes os elementos de prova que levaram a essa decisão de constituição de arguido, uma vez que a questão da suficiência dos elementos de prova para fundamentar a constituição de arguido poderá ser utilmente suscitada perante esse juiz, se for o caso, numa fase posterior do processo penal.

O artigo 10.o da Diretiva 2016/680, em conjugação com o artigo 4.o, alíneas b) e c), e o artigo 8.o desta diretiva, e interpretado à luz dos artigos 7.o e 8.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, deve ser interpretado no sentido de que a recolha e o tratamento dos dados biométricos e genéticos, como as fotografias, as impressões digitais e uma amostra para a elaboração de um perfil ADN, na medida em que constituam uma ingerência grave no direito à proteção dos dados pessoais, só são autorizados em caso de estrita necessidade para a prossecução de objetivos relacionados com a criminalidade grave, que o direito nacional deve identificar claramente. A natureza e a quantidade de dados pessoais tratados devem ser estritamente adequadas e coerentes com o objetivo e a finalidade prosseguidos. A este respeito, o direito nacional deve ser conforme com uma das finalidades prosseguidas pela Diretiva 2016/680. Deve igualmente indicar quais os objetivos concretos prosseguidos suscetíveis de contribuir para a realização dessa finalidade. Também devem ser concretamente especificadas as razões pelas quais, a despeito de se tratar de uma ingerência grave, o tratamento desses dados, e especialmente dos dados genéticos, se afigura estritamente necessário para esse efeito. Além disso, o direito nacional deve enunciar claramente as condições do tratamento em todas as suas dimensões, ou seja, das condições da recolha às condições de acesso aos dados e do seu apagamento, passando pela determinação precisa e necessariamente estritamente limitada do âmbito de aplicação pessoal da medida de recolha e de tratamento. Cada uma dessas condições deve ser limitada ao estritamente necessário. O regime assim definido deve ser suscetível de proteger eficazmente as pessoas contra os riscos de abuso que representa, em particular, o tratamento dos dados genéticos. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio certificar‑se de que todas essas prescrições são escrupulosamente respeitadas.


1      Língua original: francês.


2      V. também minhas Conclusões no processo Ligue des droits humains (C‑817/19, EU:C:2022:65, n.o 2).


3      Segundo o «grande princípio» que permitiu a Zadig, nomeado primeiro‑ministro do rei, exercer o seu cargo (in Voltaire, Zadig ou la destinée, ed. Pocket, Paris, 2020, p. 41).


4      JO 2016, L 119, p. 89.


5      DV n.o 53, de 27 de junho de 2014, alterada e completada pela última vez no CV n.o 85, de 2 de outubro de 2020, completada no DV n.o 20, de 9 de março de 2021.


6      Lei Relativa aos Documentos de Identificação Búlgaros.


7      DV n.o 90, de 31 de outubro de 2014, alterado pela última vez no DV n.o 57, de 28 de julho de 2015.


8      Não se especifica a quantidade de impressões digitais recolhida no dossiê de que dispõe o Tribunal de Justiça.


9      Do processo de que dispõe o Tribunal de Justiça resulta que o conteúdo do registo policial está descrito como incluindo uma fotografia ou fotografias, sem se especificar também a quantidade e o conteúdo da(s) fotografias(s).


10      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1; a seguir «RGPD»).


11      O registo, pelas autoridades competentes para este efeito, nas listas de pessoas procuradas de um Estado‑Membro, de dados pessoais como os visados pelo registo policial constitui um tratamento desses dados na aceção da Diretiva 2016/680: v. artigo 3.o, pontos 2 e 7, desta diretiva. V. também, por analogia, Acórdão de 12 de maio de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Alerta vermelho da Interpol) (C‑505/19, EU:C:2021:376, n.o 111).


12      Devo recordar que não se especifica a quantidade de impressões digitais recolhidas.


13      Uma vez mais, não se especifica a quantidade e o respetivo conteúdo.


14      V., por analogia, Acórdãos de 16 de julho de 2020, Facebook Ireland e Schrems (C‑311/18, EU:C:2020:559, n.o 171), e de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 73).


15      Quanto à relação entre o caráter sensível dos dados e a gravidade da ingerência, v., designadamente, Acórdãos de 24 de setembro de 2019, GC e o. (Supressão da referência de dados sensíveis) (C‑136/17, EU:C:2019:773, n.o 44), e de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o. (C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.o 142).


16      Conforme confirmam os dados estatísticos fornecidos pelo Governo francês nas suas observações escritas.


17      Artigo 219.o, n.o 1, do NPK.


18      Artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680. Itálico meu. As restantes categorias previstas nesta disposição são as pessoas condenadas por uma infração penal [artigo 6.o, alínea b)], as vítimas [artigo 6.o, alínea c)] e os terceiros, como as testemunhas [artigo 6.o, alínea c)].


19      Este artigo 6.o resulta de uma extensão do princípio da categorização de dados, consagrado pelo princípio n.o 3 da Recomendação n.o R (87/15) do Comité de Ministros aos Estados‑Membros que regulamenta a utilização dos dados pessoais no domínio policial e no qual se inspira [v. exposição de motivos da Proposta de Diretiva COM(2012) 10 final, de 25 de janeiro de 2012, ponto 3.4.2], ao princípio de categorização de pessoas cujos dados pessoais vão ser recolhidos e tratados.


20      Com efeito, resulta do artigo 1.o da Diretiva 2016/680 que esta tem por objeto estabelecer «as regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais».


21      V. considerando 35 da Diretiva 2016/680.


22      V. considerando 37 da Diretiva 2016/680.


23      V. artigo 52.o da Diretiva 2016/680.


24      V. artigo 53.o da Diretiva 2016/680.


25      V. artigo 54.o da Diretiva 2016/680.


26      Mais especialmente do artigo 6.o, alínea a), da Diretiva 2016/680.


27      Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C‑245/19 e C 246/19, EU:C:2020:795, n.o 49).


28      V. Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 60).


29      V. Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 66).


30      V. Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 79).


31      V., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 82 e jurisprudência referida). A questão das consequências a retirar da eventual declaração de ilegalidade da prova obtida em violação do direito da União em matéria de proteção dos dados pessoais é uma questão posterior.


32      V. Acórdãos de 2 de outubro de 2018, Ministerio Fiscal (C‑207/16, EU:C:2018:788, n.o 57), e de 2 de março de 2021, Prokuratuur (Condições de acesso aos dados relativos às comunicações eletrónicas) (C‑746/18, EU:C:2021:152, n.o 33).


33      Recorde‑se que esse artigo da Carta se inspira diretamente no artigo 6.o, n.os 2 e 3, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), como resulta das Anotações relativas à Carta. O artigo 48.o da Carta funciona como um limiar mínimo de proteção e deve ser interpretado tendo em consideração os artigos 6.o, n.os 2 e 3, da CEDH, bem como a jurisprudência correspondente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: v. Acórdão de 5 de setembro de 2019, AH e o. (Presunção de inocência) (C‑377/18, EU:C:2019:670, n.o 41).


34      JO 2016, L 65, p. 1.


35      Artigo 2.o da Diretiva 2016/343.


36      Observo, no entanto que, sem se traduzir num requisito concreto no corpus da Diretiva 2016/343, a questão da suficiência dos elementos de prova é abordada no seu considerando 16, cujo último período prevê que, «[a]ntes de proferir uma decisão preliminar de natureza processual, a autoridade competente poderá,  em primeiro lugar, ter que verificar se existem elementos de acusação suficientes contra o suspeito ou o arguido que justifiquem a decisão em causa e a decisão poderá conter uma referência a esses elementos» (o sublinhado é meu).


37      À semelhança do que o Tribunal de Justiça declarou a propósito de uma decisão judicial cujo único objetivo seja a eventual manutenção de um arguido em prisão preventiva, decisão que, segundo este Tribunal, versa apenas sobre se essa pessoa deve ou não ser libertada, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes, sem determinar se a pessoa é culpada da prática da infração que lhe é imputada: v. Acórdão de 28 de novembro de 2019, Spetsializirana prokuratura (C‑653/19 PPU, EU:C:2019:1024, n.o 35).


38      Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 88).


39      Acórdão de 5 de setembro de 2019, AH e o. (Presunção de inocência) (C‑377/18, EU:C:2019:670, n.o 46).


40      Atendendo aos fundamentos do pedido de decisão prejudicial (v., designadamente, n.o 57 do mesmo), há que reformular a redação desta quarta questão como incidindo sobre a interpretação da alínea b), e não da alínea a), do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680.


41      Para efeitos da análise, considero que o registo policial é abrangido pela hipótese referida no artigo 10.o, alínea a), da Diretiva 2016/680. Dos autos parece resultar que as fotografias são efetuadas pelas autoridades competentes que procedem ao registo policial e que, por conseguinte, estas não utilizam fotografias que, eventualmente, o titular dos dados tenha tornado manifestamente públicas, por exemplo nas redes sociais, excluindo assim a aplicação do artigo 10.o, alínea c), da referida diretiva.


42      Quanto à relação entre os princípios da necessidade do tratamento e da minimização dos dados, v., por analogia, Acórdão de 11 de dezembro de 2019, Asociaţia de Proprietari bloc M5A‑ScaraA (C‑708/18, EU:C:2019:1064, n.o 48).


43      Tal é geralmente exigido ao Tribunal de Justiça em caso de derrogações e de restrições ao princípio da proteção dos dados pessoais: v., nomeadamente, Acórdão de 11 de dezembro de 2019, Asociaţia de Proprietari bloc M5A‑ScaraA (C‑708/18, EU:C:2019:1064, n.o 46 e jurisprudência referida). Essa formulação do limiar estabelecido no artigo 10.o da Diretiva 2016/680 está de acordo com o que é exigido pelo Tribunal de Justiça em face de dados designados como sensíveis: v., nomeadamente, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Privacy International (C‑623/17, EU:C:2020:790, n.o 68 e jurisprudência referida).


44      V. nota de pé de página 15 das presentes conclusões.


45      V. considerando 27 da Diretiva 2016/680.


46      V. Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Valsts ieņēmumu dienests (Tratamento de dados pessoais para efeitos fiscais) (C‑175/20, EU:C:2022:124, n.os 64 e 65).


47      Acórdão de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o. (C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.o 140 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu. V. também Acórdão de 5 de abril de 2022, Commissioner of An Garda Síochána e o. (C‑140/20, EU:C:2022:258, n.o 59).


48      V., por analogia, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Tele2 Sverige e Watson e o. (C‑203/15 e C‑698/15, EU:C:2016:970, n.o 118).


49      V. considerando 26 da Diretiva 2016/680.


50      Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, esse princípio da minimização dá expressão ao princípio da proporcionalidade: v., no contexto do RGPD, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização) (C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 98 e jurisprudência referida).


51      Para um exemplo desta relação, ainda que no contexto do RGPD, v. Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Valsts ieņēmumu dienests (Tratamento de dados pessoais para efeitos fiscais) (C‑175/20, EU:C:2022:124, n.o 79).


52      Para uma formulação jurisprudencial deste requisito, v. Acórdão de 11 de dezembro de 2019, Asociaţia de Proprietari bloc M5A‑ScaraA (C‑708/18, EU:C:2019:1064, n.o 47).


53      V. Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Valsts ieņēmumu dienests (Tratamento de dados pessoais para efeitos fiscais) (C‑175/20, EU:C:2022:124, n.o 73 e jurisprudência referida).


54      Quanto à distinção entre finalidade e objetivo, v. n.o 56 das presentes conclusões.


55      V. TEDH, 22 de junho de 2017, Aycaguer c. França (CE:ECHR:2017:0622JUD000880612, § 34 e jurisprudência referida).


56      Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Valsts ieņēmumu dienests (Tratamento de dados pessoais para efeitos fiscais) (C‑175/20, EU:C:2022:124, n.o 83 e jurisprudência referida). Itálico meu.


57      Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Valsts ieņēmumu dienests (Tratamento de dados pessoais para efeitos fiscais) (C‑175/20, EU:C:2022:124, n.o 84).


58      O objetivo visado pode ser associado às atribuições das autoridades competentes mencionadas no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/680.


59      V. considerando 37 da Diretiva 2016/680.


60      Este requisito impõe‑se igualmente ao legislador da União: v. Acórdão de 17 de outubro de 2013, Schwarz (C‑291/12, EU:C:2013:670).


61      No que diz respeito ao acesso aos dados, o Tribunal de Justiça declarou que o direito nacional não se pode limitar a exigir que o acesso das autoridades aos dados responda à finalidade prosseguida, mas deve igualmente prever as condições materiais e processuais que regem essa utilização [v. Acórdão de 5 de abril de 2022, Commissioner of An Garda Síochána e o. (C‑140/20, EU:C:2022:258, n.o 104)].


62      Tal foi confirmado pelo Governo búlgaro na resposta a uma questão escrita do Tribunal de Justiça. Contudo, esses objetivos, formulados na legislação búlgara de forma genérica e cumulativa, não são suscetíveis de justificar, se considerados individualmente, essas mesmas ingerências no direito à proteção dos dados pessoais: v. Acórdão de 5 de abril de 2022, Commissioner of An Garda Síochána e o. (C‑140/20, EU:C:2022:258, n.o 57 e jurisprudência referida).


63      No contexto da luta contra a criminalidade grave, o Tribunal de Justiça já declarou, nomeadamente, após ter reconhecido a legitimidade deste objetivo, e o facto de a sua eficácia poder depender, em larga medida, da utilização das técnicas modernas de investigação, que tal objetivo de interesse geral, «por muito fundamental que seja, não pode, por si só, justificar que uma medida de conservação generalizada e indiferenciada dos dados de tráfego e dos dados de localização […] seja considerada necessária» [Acórdão de 5 de abril de 2022, Commissioner of An Garda Síochána e o. (C‑140/20, EU:C:2022:258, n.o 94)].


64      Acórdão de 5 de abril de 2022, Commissioner of An Garda Síochána e o. (C‑140/20, EU:C:2022:258, n.o 69).