Language of document : ECLI:EU:C:2007:728

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 29 de Novembro de 2007 1(1)

Processo C‑16/06 P

Les Éditions Albert René SARL

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Marca comunitária – Marca nominativa ‘MOBILIX’ – Oposição do titular da marca nominativa comunitária e nacional ‘OBELIX’ – Reformatio in pejus – Teoria dita ‘de neutralização’ – Alteração do objecto do litígio – Documentos juntos à petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância como novo elemento de prova»





I –    Introdução

1.        A recorrente – Les Éditions Albert René SARL – solicita ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Terceira Secção), de 27 de Outubro de 2005, Éditions Albert René/IHMI – Orange (MOBILIX) (T‑336/03, Colect., p. II‑4667, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso que interpôs da decisão da Quarta Secção do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), de 14 de Julho de 2003, (Processo R 0559/2002‑4) relativo a um processo de oposição entre a recorrente e a sociedade Orange A/S (a seguir «Orange») respeitante à oposição pelo titular da marca anterior «OBELIX», isto é, a recorrente, ao registo enquanto marca comunitária do sinal nominativo «MOBILIX». A Divisão da Oposição indeferiu a oposição da recorrente, a Quarta Câmara de Recurso deu parcialmente provimento ao seu recurso.

2.        A recorrente considera, principalmente, que o Tribunal de Primeira Instância, através deste acórdão, não teve em consideração o princípio da proibição da reformatio in pejus e aplicou mecanicamente a doutrina dita «de neutralização» no momento da apreciação do risco de confusão entre os produtos e os serviços de duas marcas semelhantes.

II – Quadro jurídico

3.        O artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (2), regula os motivos relativos de recusa e dispõe:

«1. Após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado:

a)      Sempre que esta seja idêntica à marca anterior e sempre que os produtos ou serviços para os quais a marca é pedida sejam idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca está protegida;

b)      Quando, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida; o risco de confusão compreende o risco de associação com a marca anterior.

2. São consideradas «marcas anteriores», na acepção do n.° 1:

a)      As marcas cuja data de depósito seja anterior à do pedido de marca comunitária, tendo em conta, se aplicável, o direito de prioridade invocado em apoio dessas marcas, e que pertençam às seguintes categorias:

i)      Marcas comunitárias;

ii)      Marcas registadas num Estado‑Membro ou, no que se refere à Bélgica, ao Luxemburgo e aos Países Baixos, no Instituto Benelux de Marcas;

iii)      Marcas que tenham sido objecto de registo internacional com efeitos num Estado‑Membro;

b)      Os pedidos de marcas referidas na alínea a), sob reserva do respectivo registo;

c)      As marcas que, à data do depósito do pedido de marca comunitária ou, se aplicável, à data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca comunitária, sejam notoriamente conhecidas num Estado‑Membro, na acepção do artigo 6.° bis da Convenção de Paris.

[…]

5. Após oposição do titular de uma marca anterior na acepção do n.° 2, será igualmente recusado o pedido de registo de uma marca idêntica ou semelhante à marca anterior e, se essa marca se destinar a ser registada para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca anterior foi registada, sempre que, no caso de uma marca comunitária anterior, esta goze de prestígio na Comunidade e, no caso de uma marca nacional anterior, esta goze de prestígio no Estado‑Membro em questão, e sempre que a utilização injustificada e indevida da marca para a qual foi pedido o registo beneficie do carácter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudicá‑los.

4.        O artigo 74.° deste regulamento regula o exame oficioso dos factos e dispõe:

«1. No decurso do processo, o [IHMI] procederá ao exame oficioso dos factos; contudo, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame limitar‑se‑á às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes.

2. O [IHMI] pode não tomar em consideração os factos que as partes não tenham alegado ou as provas que não tenham sido produzidas em tempo útil.»

5.        O artigo 44.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância (3) dispõe:

«1 A petição mencionada no artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça deve conter:

a)      o nome e a morada do recorrente;

b)      a identificação da parte contra a qual o pedido é apresentado;

c)      o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido;

d)      o pedido do recorrente;

e)      as provas oferecidas, se for caso disso.

2 Para efeitos do processo, a petição deve indicar o domicílio escolhido no lugar da sede do Tribunal, bem como o nome da pessoa autorizada e que aceite receber todas as notificações.

Além ou em vez da escolha de domicílio referida no primeiro parágrafo, a petição pode indicar que o advogado ou agente autoriza que lhe sejam enviadas notificações através de telecopiador ou de qualquer outro meio técnico de comunicação.

Se a petição não obedecer aos requisitos mencionados nos primeiro e segundo parágrafos, enquanto não se proceder à sua regularização todas as notificações dirigidas à parte em questão serão enviadas, por meio de carta registada, ao seu agente ou advogado. Nesse caso, em derrogação do disposto no artigo 100.°, n.° 1, a notificação é tida por regularmente feita no momento do registo da carta num posto de correios do lugar em que o Tribunal tem a sua sede.

3 O advogado que assistir ou representar uma parte deve apresentar na secretaria documento comprovativo de que está autorizado a exercer a advocacia nos tribunais de um Estado‑Membro ou de outro Estado parte no Acordo EEE.

4 A petição deve ser acompanhada, sendo caso disso, das peças indicadas no segundo parágrafo do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

5 Se o recorrente for uma pessoa colectiva de direito privado, deve juntar à petição:

a)      os seus estatutos ou uma certidão recente do registo comercial ou do registo das pessoas colectivas ou qualquer outro meio de prova da sua existência jurídica;

b)      a prova de que o mandato conferido ao advogado foi regularmente outorgado por um representante com poderes para o efeito.

5A A petição apresentada ao abrigo de cláusula compromissória contida num contrato de direito público ou de direito privado celebrado pela Comunidade ou por sua conta, nos termos do artigo 238.° do Tratado CE ou do artigo 153.° do Tratado CEEA, deve ser acompanhada de um exemplar do contrato que contém essa cláusula.

6 Se a petição não preencher os requisitos enumerados nos n.os 3 a 5 do presente artigo, o secretário fixa ao recorrente um prazo razoável para a regularizar ou apresentar os documentos acima referidos. Na falta de regularização ou apresentação no prazo fixado, o Tribunal decide se a inobservância daqueles requisitos importa o não recebimento da petição por vício de forma.»

6.        O artigo 48.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância dispõe:

«1 As partes podem ainda, em apoio da sua argumentação, oferecer provas na réplica e na tréplica. Devem, porém, justificar o atraso no oferecimento das provas.

2 É proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

Se, no decurso do processo, qualquer das partes deduzir fundamentos novos nos termos do parágrafo anterior, o presidente pode, decorridos os prazos normais do processo, com base em relatório do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, conceder à outra parte um prazo para responder a esse fundamento.

A apreciação da admissibilidade do fundamento é reservada para a decisão final.»

7.        O artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância dispõe que as respostas das partes não podem alterar o objecto do litígio perante a instância de recurso.

III – Matéria de facto

8.        Em 7 de Novembro de 1997, a Orange apresentou ao IHMI, ao abrigo do Regulamento n.° 40/94, conforme alterado, um pedido de registo do sinal nominativo MOBILIX como marca comunitária.

9.        Os produtos e serviços para os quais o registo foi pedido integram as classes 9, 16, 35, 37, 38 e 42 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e modificado, e correspondem, para cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

–        «Aparelhos, instrumentos e instalações de telecomunicações, incluindo telefonia, telefones e telefones celulares, aparelhos para o registo, a transmissão, a reprodução do som ou das imagens, suportes de dados magnéticos e ópticos, suportes de som, equipamento de transmissão e de recepção, incluindo antenas, antenas aéreas e reflectores parabólicos, equipamento para o tratamento da informação, software, acumuladores e baterias, transformadores e conversores, codificadores e descodificadores, cartões codificados e cartão para codificar, cartões para chamadas telefónicas, aparelhos e instrumentos de sinalização e de ensino, livros de números de telefone, livros, periódicos e revistas electrónicos, material electrónico de instrução ou de ensino, peças e acessórios (não incluídos noutras classes) para os artigos atrás referidos», da classe 9;

–        «Cartões telefónicos», da classe 16;

–        «Serviço de atendimento telefónico (para assinantes ausentes temporariamente), publicidade, consultadoria e assistência na gestão e organização de negócios comerciais, consultadoria e assistência relacionadas com a ocupação de funções profissionais», da classe 35;

–        «Serviços de instalação, reparações, construção, reparações de telefones», da classe 37;

–        «Telecomunicações, incluindo informações sobre telecomunicações, comunicações telefónicas e telegráficas, comunicações através de ecrãs informáticos e telefones celulares, transmissão por fax, difusão radiofónica e televisiva, incluindo através de televisão por cabo e da Internet, envio de mensagens, aluguer de aparelhos para o envio de mensagens, aluguer de aparelhos de telecomunicações, incluindo de aparelhos de telefonia», da classe 38;

–        «Investigação científica e comercial, engenharia, incluindo instalações de projecção e instalações de telecomunicações, em especial para telefonia, e programação de computadores, concepção, manutenção e actualização de software, aluguer de computadores e de programas de computador», da classe 42.

10.      O pedido de marca comunitária foi objecto de oposição deduzida pela recorrente. Foram invocados os seguintes direitos anteriores relativos ao termo «OBELIX»:

–        a marca anterior registada, protegida pelo registo da marca comunitária n.° 16 154 de 1 de Abril de 1996, para determinados produtos e serviços, que integram as classes 9, 16, 28, 35, 41 e 42 na acepção do Acordo de Nice para os produtos e serviços seguintes, na medida em que importam para efeitos do presente processo:

–        «Aparelhos e instrumentos electrotécnicos e electrónicos, fotográficos, cinematográficos, ópticos, de ensino (com excepção de dispositivos de projecção) desde que compreendidos na classe 9, aparelhos electrónicos de jogo com ou sem ecrã, computadores, módulos de programação e programas de computadores registados em suportes de registo magnéticos, nomeadamente jogos de vídeo», da classe 9;

–        «Papel, cartão e produtos nestas matérias, não compreendidos noutras classes; artigos de papelaria e de cartão, produtos de impressão (desde que incluídos na classe 16), jornais e periódicos, livros, artigos de encadernação de livros, nomeadamente fios, linhas e outros materiais para encadernação; fotografias; papelaria, adesivos (para papéis e artigos de papelaria); artigos de couro artificial, nomeadamente artigos para desenhar, pintar e modelar; pincéis; máquinas de escrever e artigos de escritório (com excepção de móveis) e máquinas de escritório (desde que incluídas na classe 16); material de ensino (excepto aparelhos); matérias plásticas para embalagem (não compreendidas noutras classes); cartas de jogar; caracteres de impressão, clichés», da classe 16;

–        «Jogos, brinquedos; artigos de ginástica e de desporto (desde que compreendidos na classe 28); decorações para árvores de Natal», da classe 28;

–        «Gestão e publicidade», da classe 35;

–        «Exibição de filmes, produção de filmes, aluguer de filmes; publicação e edição de livros e periódicos, ensino e diversão; organização e realização de feiras e exposições, festejos populares, funcionamento de parques de diversão, produção de programas e concertos ao vivo. Exposições de modelos e representações de carácter histórico‑cultural e folclórico», da classe 41;

–        «Alojamento e restauração (alimentação); fotografias; traduções; gestão e exploração de direitos de autor; exploração de propriedade intelectual», da classe 42.

–        Carácter notoriamente conhecido em todos os Estados‑Membros da marca anterior (4).

11.      Em apoio da sua oposição, a recorrente invoca a existência de risco de confusão na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e n.° 2, do Regulamento n.° 40/94.

12.      Por decisão de 30 de Maio de 2002, a Divisão de Oposição rejeitou a oposição e autorizou o prosseguimento do processo de registo do pedido de marca comunitária. Após ter entendido que a notoriedade da marca anterior não tinha sido demonstrada de forma conclusiva, a Divisão de Oposição concluiu que as marcas não eram, na sua globalidade, semelhantes. Entendeu que poderia existir uma certa semelhança auditiva, mas que era compensada pelo aspecto visual das marcas e, mais especificamente, pelas noções muito diferentes que veiculam: telefones portáteis no caso de MOBILIX e obeliscos no caso de OBELIX.

13.      Na sequência do recurso interposto pela recorrente em 1 de Julho de 2002, a Quarta Câmara de Recurso proferiu a sua decisão em 14 de Julho de 2003. Anulou parcialmente a decisão da Divisão de Oposição. A Câmara de Recurso esclareceu, antes de mais, que havia que considerar que a oposição se fundava exclusivamente no risco de confusão. Indicou seguidamente que era possível perceber uma certa semelhança entre as marcas. No tocante à comparação dos produtos e serviços, a Câmara entendeu que os «aparelhos e instrumentos de sinalização e de ensino» do pedido de marca comunitária e os «instrumentos e aparelhos ópticos e de ensino» do registo anterior, incluídos na classe 9, eram semelhantes. Chegou à mesma conclusão no tocante aos serviços da classe 35 intitulados «consultadoria e assistência na gestão e organização de negócios comerciais, consultadoria e assistência relacionadas com a ocupação de funções profissionais» do pedido de marca comunitária e «gestão e publicidade» do registo anterior. A Câmara concluiu que, dado o grau de semelhança entre os sinais em causa, por um lado, e entre estes produtos e serviços específicos, por outro, existia um risco de confusão no espírito do público em questão. Recusou, portanto, o pedido de marca comunitária no que respeita aos «aparelhos e instrumentos de sinalização e de ensino» e aos serviços intitulados «consultadoria e assistência na gestão e organização de negócios comerciais, consultadoria e assistência relacionadas com a ocupação de funções profissionais», e admitiu‑o no tocante aos restantes produtos e serviços.

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

14.      Por petição apresentada na secretaria do Tribunal em 1 de Outubro de 2003, a recorrente pediu a anulação da decisão de 14 de Julho de 2003, da Câmara de Recurso, invocando três fundamentos relativos, em primeiro lugar, à violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e n.° 2, do Regulamento n.° 40/94; em segundo, à violação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 e, em terceiro, à violação do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94. Deve‑se precisar que, na audiência, a recorrente pediu, a título subsidiário, a remessa do processo à Quarta Câmara de Recurso, para dispor da possibilidade de provar que a sua marca goza de prestígio na acepção do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94.

15.      No seu acórdão, o Tribunal de Primeira Instância começou por examinar a admissibilidade dos cinco documentos juntos à petição e aí apresentados pela primeira vez pela recorrente para provar a notoriedade do sinal OBELIX. Tendo verificado que esses documentos não tinham sido apresentados no âmbito do processo no IHMI, o Tribunal de Primeira Instância, fundando‑se no artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94, declarou‑os inadmissíveis porquanto a sua admissão seria contrária ao artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância (n.os 15 e 16 do acórdão impugnado). O Tribunal de Primeira Instância recordou, neste âmbito, as características do contencioso de anulação, no qual a legalidade do acto impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data da adopção do acto.

16.      Em seguida, o Tribunal declarou inadmissível o fundamento relativo ao artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, frisando que a eventual aplicação desta disposição nunca foi pedida à Câmara de Recurso pela recorrente e que aquela, por conseguinte, não a examinou. Ora, em primeiro lugar, em conformidade com o artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame do IHMI está limitado às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes. Em segundo lugar, o recurso para o Tribunal de Primeira Instância tem por finalidade a fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do IHMI, na acepção do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94, devendo essa fiscalização ser efectuada à luz das questões de direito que lhe foram submetidas. Em terceiro lugar, de acordo com o artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, «[a]s respostas das partes não podem alterar o objecto do litígio perante a instância de recurso» (n.os 19 a 25 do acórdão impugnado).

17.      Por último, o Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, julgou inadmissível o pedido que, pela primeira vez, tinha sido apresentado na audiência (n.os 28 e 29 do acórdão impugnado).

18.      De seguida, o Tribunal de Primeira Instância procedeu à análise do mérito dos fundamentos. Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94, segundo o qual, não existindo contestação da outra parte, a Câmara de Recurso deveria ter partido do princípio de que a marca da oponente OBELIX gozava de prestígio, o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 34 e 35 do acórdão impugnado, que o artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94 não pode ser interpretado no sentido de o IHMI ser obrigado a considerar demonstrados os elementos invocados por uma parte que não foram postos em causa pela outra. No caso em apreço, nem a Divisão de Oposição nem a Câmara de Recurso consideraram que a recorrente alicerçou de forma conclusiva, através de factos ou provas, a apreciação jurídica que invocava, isto é, a notoriedade do sinal não registado e o elevado carácter distintivo do sinal registado. Assim, no n.° 36 do acórdão impugnado, o Tribunal julgou improcedente este fundamento.

19.      No que diz respeito ao fundamento relativo ao artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal de Primeira Instância apreciou, antes de mais, a semelhança entre os produtos e os serviços em causa. O Tribunal de Primeira Instância rejeitou o argumento da recorrente segundo o qual os produtos objecto do pedido de marca comunitária, compreendidos nas classes 9 e 16, estavam incluídos na lista de produtos e serviços formulada de forma ampla, quando do registo anterior, ao declarar no n.° 61 do acórdão impugnado que o simples facto de determinado produto ser utilizado como peça, equipamento ou componente de outro não basta, por si só, para provar que os produtos acabados, que englobam estes componentes, são semelhantes, pois que, nomeadamente, a respectiva natureza e destino e os clientes em questão podem ser absolutamente diferentes. Nos n.os 62 e 63 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância continuou:

«62      Por outro lado, decorre da formulação da lista dos produtos e serviços do registo anterior incluídos na classe 9 que os domínios designados por este direito são a fotografia, o cinema, a óptica, o ensino e os jogos de vídeo. Há que comparar esta lista dos produtos e serviços com a reivindicada no pedido de marca comunitária, que põe em evidência que o domínio em causa é, de um modo quase exclusivo, o das telecomunicações, sob todas as suas formas. Os equipamentos de telecomunicações entram na categoria dos «aparelhos para o registo, a transmissão, a reprodução do som ou de imagens», que faz parte do intitulado oficial da classe 9 […] Todavia, esta parte do intitulado da classe (‘telecomunicações’) não foi reivindicada no direito anterior, o que implica que não era suposto que os equipamentos de telecomunicações fossem por si cobertos. A recorrente obteve o registo da sua marca para um grande número de classes, mas não mencionou as «telecomunicações» na respectiva especificação e excluiu ela própria deste registo o conjunto da classe 38. Ora, a classe 38 respeita precisamente aos serviços de ‘telecomunicações’.

63      A este propósito, há que partilhar da observação da Câmara de Recurso de que o registo anterior protege os ‘aparelhos e instrumentos electrotécnicos e electrónicos’, mas que esta formulação ampla não pode ser utilizada pela recorrente como um argumento que permita concluir por uma forte semelhança nem, por maioria de razão, por uma identidade com os produtos designados no pedido, quando poderia ter sido facilmente obtida uma protecção específica aos aparelhos e instrumentos de telecomunicações.»

20.      Depois de ter confirmado a conclusão da Câmara de Recurso sobre a falta de semelhança entre os serviços visados pelo pedido de marca pertencentes às classes 37 e 42 e os serviços designados pelo registo anterior e incluídos na classe 42 (n.° 67), o Tribunal de Primeira Instância observou:

«68      Em segundo lugar, a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro quando afirmou que os serviços enumerados no pedido de marca comunitária e abrangidos pela classe 38 […] revelavam diferenças suficientes relativamente aos designados pelo registo anterior e incluídos na classe 41 […] tendo‑se em conta a respectiva natureza técnica, as competências exigidas para os poder oferecer e as necessidades dos consumidores que se destinam a satisfazer. Por conseguinte, os serviços que figuram no pedido de marca e incluídos na classe 38 apresentam, quando muito, uma fraca semelhança com os serviços protegidos pelo direito anterior e incluídos na classe 41.

69      Seguidamente, há que rejeitar o argumento da recorrente de que todos os produtos e serviços designados pelo pedido de marca comunitária podem estar relacionados, de um modo ou de outro, com os ‘computadores’ e os ‘programas de computadores’ (classe 9) cobertos pela marca anterior. Como correctamente observa o recorrido, na sociedade muito tecnológica de hoje em dia, quase não há qualquer equipamento ou material electrónico ou digital que funcione sem a utilização de computadores sob uma forma ou outra. Admitir a semelhança em todos os casos em que o direito anterior cubra os computadores e em que os produtos ou serviços designados pelo sinal pedido são susceptíveis de utilizar os computadores, corresponderia seguramente a ir além do objecto da protecção conferida pelo legislador ao titular de uma marca. Semelhante posição conduziria a uma situação na qual o registo de programas de computadores ou de material informático seria na prática susceptível de excluir o posterior registo de qualquer tipo de procedimento ou de serviço electrónico ou digital que explorasse esses programas ou esse material. Em todo o caso, esta exclusão não é legítima no caso em apreço, pois que o pedido de marca comunitária se destina exclusivamente às telecomunicações sob as suas diversas formas, ao passo que o registo anterior não faz referência a qualquer actividade nesse sector. Ademais e como correctamente indicou a Câmara de Recurso, nada havia que impedisse a recorrente de registar a sua marca também para a telefonia.»

21.      Por fim, o Tribunal de Primeira Instância declarou, no n.° 70 do acórdão impugnado, que «os produtos e os serviços em causa não são semelhantes», com uma excepção: há semelhança entre o «aluguer de computadores e de programas de computador» que figura no pedido de marca comunitária (classe 42) e os «computadores» e os «programas de computadores registados em suportes de registo magnéticos» da recorrente (classe 9) em razão da sua complementaridade.

22.      Quanto à comparação dos sinais, o Tribunal de Primeira Instância, depois de ter indicado que a Câmara de Recurso considerou na decisão impugnada que os sinais em causa eram semelhantes (n.° 74 do acórdão impugnado), procedeu à sua comparação visual, fonética e conceptual (n.os 75 a 81 do acórdão impugnado).

23.      O Tribunal de Primeira Instância considerou, nomeadamente, que apesar das combinações de letras «OB» e a terminação «LIX» comuns aos dois sinais, estes revelam um certo número de diferenças visuais importantes, como as letras que se seguem às duas letras «OB» que são «E» no primeiro caso e «I» no segundo, o início das palavras (a marca comunitária pedida começa por um «M» e a marca anterior por um «O») e o respectivo comprimento. Tendo observado que a atenção do consumidor se dirige sobretudo para o início da palavra, o Tribunal concluiu que «os sinais em causa não são visualmente semelhantes ou que revelam, quando muito, uma muito fraca semelhança visual» (n.os 75 e 76 do acórdão impugnado).

24.      Depois de ter efectuado a comparação fonética dos sinais, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que estes revelam uma certa semelhança fonética. (n.os 77 e 78). Quanto à comparação conceptual, o Tribunal de Primeira Instância observou que, apesar do termo «OBELIX» ter sido registado como marca nominativa, será identificado sem dificuldade pelo público médio como a personagem popular de uma banda desenhada, o que torna muito pouco provável a confusão conceptual, no espírito do público, com vocábulos mais ou menos próximos (n.° 79 do acórdão impugnado). Como o sinal nominativo OBELIX tem, na perspectiva do público relevante, um significado claro e determinado, este público é susceptível de o apreender imediatamente, sendo as diferenças conceptuais que separam os sinais susceptíveis de neutralizar as semelhanças fonéticas, assim como as eventuais semelhanças visuais dos sinais (n.os 80 a 81 do acórdão impugnado).

25.      No que respeita ao risco de confusão, o Tribunal de Primeira Instância, invocando o acórdão de 22 de Outubro de 2003, Éditions Albert René/IHMI – Trucco (STARIX) (T‑311/01, Colect., p. II‑4625), observou que «as dissemelhanças entre os sinais em causa bastam para afastar a existência de um risco de confusão na percepção do público‑alvo, pressupondo este risco que, cumulativamente, o grau de semelhança das marcas em causa e o grau de semelhança dos produtos ou serviços designados por estas marcas sejam suficientemente elevados» (n.° 82 do acórdão impugnado). E prossegue:

«83      Nestas circunstâncias, a apreciação da Câmara de Recurso sobre o carácter distintivo da marca anterior e as alegações da recorrente quanto ao prestígio desta marca não têm qualquer incidência para a aplicação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 no caso em apreço. (v. neste sentido, o acórdão Starix, n.° 22 supra, n.° 60).

84      Com efeito, um risco de confusão pressupõe uma identidade ou semelhança entre os sinais, bem como entre os produtos e serviços designados, sendo o renome de uma marca um elemento que deve ser tomado em consideração para apreciar se a semelhança entre os sinais ou entre os produtos e serviços é suficiente para dar lugar a um risco de confusão (v., neste sentido e por analogia, acórdão Canon, n.° 59, supra, n.os 22 e 24). Ora, uma vez que, no caso presente, os sinais em conflito não podem ser considerados idênticos nem semelhantes, o facto de a marca anterior ser em larga medida conhecida ou gozar de renome na União Europeia não pode afectar a avaliação global do risco de confusão (v., neste sentido, acórdão Starix, n.° 22, supra, n.° 61).

85      Por último, há que rejeitar o argumento da recorrente de que, devido ao sufixo ‘ix’, é perfeitamente concebível que o termo ‘mobilix’ se venha a inserir discretamente na família de marcas composta pelas personagens da série ‘Astérix’ e seja compreendido como uma derivação do termo ‘obelix’. Efectivamente, basta referir a este respeito que a recorrente não pode prevalecer‑se de qualquer direito exclusivo sobre a utilização do sufixo ‘ix’.

86      Do exposto resulta que não está preenchida uma das condições indispensáveis para a aplicação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Portanto, não existe risco de confusão entre a marca pedida e a marca anterior.»

26.      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso interposto pela recorrente.

27.      Em 13 de Janeiro de 2006, a recorrente interpôs no Tribunal de Justiça recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

28.      Importa ainda observar que este recurso, embora admissível, devido à sua dimensão não cumpre as recomendações expostas no n.° 44 das Instruções Práticas relativas às acções e recursos directos e aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância (5).

29.      Na audiência de 25 de Outubro de 2007, as partes apresentaram observações e responderam às questões do Tribunal de Justiça.

V –    Análise do presente recurso

30.      Em apoio do presente recurso, a recorrente apresenta seis fundamentos. No primeiro fundamento, afirma que o acórdão impugnado viola o artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e pronuncia‑se sobre a semelhança das marcas, embora este aspecto não fizesse parte do objecto do litígio no Tribunal de Primeira Instância. Deste modo, violou o princípio da proibição da reformatio in pejus. Através do segundo fundamento, a recorrente invoca a violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 no que diz respeito à semelhança dos produtos e serviços e à semelhança das marcas. Através do terceiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94. Através do quarto fundamento, afirma terem sido violados o artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e o artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Através do quinto fundamento, critica o Tribunal de Primeira Instância por ter violado o artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e os artigos 44.°, 48.° e 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância quando julgou inadmissível o pedido da recorrente que visava a remessa do processo à Câmara de Recurso. O sexto fundamento diz respeito à violação do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 devido à não aceitação de certos documentos.

A –    Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma eventual violação do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e do princípio geral de direito comunitário processual de proibição da «reformatio in pejus»

1.      Argumentos das partes

31.      A recorrente alega que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância viola o artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e os princípios gerais de direito comunitário administrativo e processual, por nele se ter concluído, contrariamente à conclusão a que a Câmara de Recurso chegou na decisão impugnada, que as marcas em conflito, OBELIX e MOBILIX, não são semelhantes, pronunciando‑se assim em detrimento da recorrente a propósito de uma questão que não havia sido regularmente suscitada e excedendo, portanto, a competência que lhe é atribuída no quadro da fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do IHMI proferidas num processo como o presente.

32.      Com efeito, a recorrente sublinha que a questão da semelhança das marcas de modo algum constituía o objecto do recurso apresentado no Tribunal de Primeira Instância e, por conseguinte, não devia ser objecto do litígio nesse mesmo Tribunal. No entanto, embora a questão da semelhança das marcas não tenha sido suscitada, nas condições exigidas, por nenhuma das partes na instância, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se sobre esse aspecto em detrimento da recorrente e ignorou, assim, o princípio da proibição da reformatio inpejus.

33.      O IHMI responde, referindo‑se ao acórdão Canon (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 Setembro de 1998, C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.° 17 e dispositivo), que o primeiro fundamento é manifestamente inadmissível. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância devia reexaminar a semelhança dos sinais em causa. A recorrente tinha contestado as conclusões da Câmara de Recurso quanto ao risco de confusão. Como a semelhança dos sinais é um elemento dessas conclusões, tem de, necessariamente, ser examinada pelo Tribunal de Primeira Instância no quadro da fiscalização da legalidade das conclusões da Câmara de Recurso na perspectiva do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e, assim, assegurar a sua correcta aplicação.

34.      Além disso, o IHMI recorda que o Tribunal de Primeira Instância não alterou a decisão da Câmara de Recurso. Ora, a proibição da reformatio in pejus impede as instâncias de recurso de irem além dos pedidos do recorrente e de o colocar numa situação menos favorável do que aquela em que se encontraria se não tivesse interposto o recurso. No caso presente, o Tribunal de Primeira Instância não alterou a decisão através da qual a Câmara de Recurso deu provimento parcial à oposição. Assim, a recorrente não foi colocada numa situação menos favorável do que aquela em que se encontrava antes de apresentar a sua petição no Tribunal de Primeira Instância.

2.      Apreciação

35.      O princípio geral de direito processual da proibição da reformatio in pejus enuncia que o tribunal superior competente para decidir do recurso, por exemplo um recurso de apelação, não pode agravar a decisão impugnada de um tribunal inferior em prejuízo da recorrente, se apenas esta interpôs o recurso (6).

36.      Resulta também do princípio da proibição da reformatio in pejus que, em geral, o pior resultado do recurso interposto pela recorrente é o seu indeferimento e a confirmação pura e simples da decisão impugnada (7).

37.      Importa referir que este é o caso da recorrente. Por força do acórdão impugnado, encontra‑se na mesma situação em que se encontrava antes de interpor recurso para o Tribunal de Primeira Instância. Deste ponto de vista, é difícil falar de reformatio in pejus.

38.      Ora, a proibição da reformatio in pejus para o juiz comunitário está limitada pelo seu dever de suscitar oficiosamente os fundamentos de ordem pública (8). Um fundamento de legalidade interna só pode ser examinado pelo juiz comunitário a pedido da recorrente, enquanto os fundamentos de ordem pública podem, e devem mesmo, ser suscitados oficiosamente pelo juiz (9).

39.      Deve‑se sublinhar que o conceito de ordem pública para o juiz comunitário (10) está «reservado às questões que, pela sua importância para o interesse geral, não estão à disposição das partes nem do órgão jurisdicional, devendo assim ser analisadas como um prius, mesmo quando não tenham sido submetidas a discussão.» (11)

40.      A recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por ter examinado oficiosamente, no acórdão impugnado, a legalidade da decisão da Câmara de Recurso sob a perspectiva da questão da semelhança, embora não tenha alegado que tal não foi feito. Considera que esse facto consubstancia uma reformatio in pejus porque o Tribunal examinou um fundamento que não havia suscitado no recurso.

41.      Há que sublinhar que a recorrente não pôs em questão a legalidade das apreciações da Câmara de Recurso relativas à questão da semelhança dos sinais OBELIX e MOBILIX e dos produtos e serviços protegidos por estas duas marcas. Ora, apesar disso, resulta da petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância, nomeadamente do ponto 2.3 e seguintes, que a recorrente aí invocou a questão da semelhança dos sinais OBELIX e MOBILIX e dos produtos e serviços protegidos por estas duas marcas, bem como o risco de confusão. Com efeito, suscitou assim, no âmbito do fundamento de legalidade interna relativo à violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, os argumentos relativos à questão da semelhança das marcas e dos sinais acima mencionados. Alegou no Tribunal de Primeira Instância, no âmbito do referido fundamento, ao expor a crítica ligada à violação do carácter notório e muito distintivo da marca OBELIX, que existe uma grande semelhança conceptual e auditiva entre os dois sinais, OBELIX e MOBILIX.(12) Alegou também que existia um risco de confusão conceptual devido à interdependência entre a semelhança dos produtos, a semelhança das marcas e o carácter distintivo da marca OBELIX (13). Incluiu, assim, a questão da semelhança dos sinais OBELIX e MOBILIX no objecto do litígio.

42.      O objecto do litígio tal como foi fixado pela recorrente nos termos do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94, engloba igualmente a questão da semelhança entre os dois sinais, OBELIX e MOBILIX. Por conseguinte, a recorrente não pode criticar o Tribunal de Primeira Instância por este se ter pronunciado sobre a questão da semelhança dos dois sinais, OBELIX e MOBILIX, no âmbito da análise da interdependência entre os factores.

43.      O Tribunal de Primeira Instância não violou nem o artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 nem o princípio geral de direito processual da proibição da reformatio in pejus.

44.      O fundamento não colhe.

B –    Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma eventual violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 no que diz respeito à semelhança dos produtos e serviços e à semelhança das marcas

1.      Argumentos das partes

45.      Através deste fundamento, de considerável dimensão, dividido em duas vertentes, a recorrente alega a violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b) do Regulamento n.° 40/94 no que diz respeito à semelhança dos produtos e serviços e à semelhança das marcas.

46.      Na primeira vertente, a recorrente alega que, quando da apreciação da semelhança dos produtos e serviços, o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Em primeiro lugar, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância aplicou um critério jurídico errado para determinar se os produtos e os serviços respectivos eram semelhantes. Na segunda vertente, alega que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, ao considerar que as marcas em conflito não são semelhantes.

47.      Com efeito, em relação à primeira vertente a recorrente afirma que foi necessário proceder à comparação da semelhança, admitindo que as marcas em conflito são idênticas e que a marca anterior OBELIX é dotada de um elevado carácter distintivo e goza de notoriedade. O critério jurídico correcto seria, desde logo, o seguinte: os produtos (e os serviços) são semelhantes quando o público possa crer que são provenientes de empresas idênticas ou ligadas economicamente quando surgem no mercado sob marcas idênticas e que a marca anterior é uma marca dotada de elevado carácter distintivo e goza de grande notoriedade.

48.      Em segundo lugar, a recorrente põe em causa a coerência e o fundamento das apreciações concretas da semelhança dos produtos efectuadas pelo Tribunal de Primeira Instância, que procedera a uma leitura manifestamente errada da lista de produtos, desvirtuando‑a. Segundo a recorrente, a afirmação feita pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 62 do acórdão impugnado, segundo a qual «decorre da formulação da lista dos produtos e serviços do registo anterior incluídos na classe 9 que os domínios designados por este direito são a fotografia, o cinema, a óptica, o ensino e os jogos de vídeo», era incorrecta e posta em causa pela lista desses produtos, bem como pelas afirmações que o próprio Tribunal de Primeira Instância faz no n.° 63. A afirmação, nesse mesmo n.° 62 do acórdão impugnado, de que o domínio abrangido pela marca MOBILIX é de modo quase exclusivo o das telecomunicações, sob todas as suas formas, também era contrariada pela lista de produtos que inclui, sem se limitar às telecomunicações, os «acumuladores e baterias», os «transformadores e conversores», os «codificadores e descodificadores», os «cartões codificados» e os «cartões para codificar».

49.      Quanto à comparação dos serviços MOBILIX que integram as classes 35, 37, 38 e 42 com os produtos abrangidos pela marca OBELIX, a recorrente alega uma incoerência entre as constatações do Tribunal de Primeira Instância no n.° 68 do acórdão impugnado («os serviços que figuram no pedido de marca e incluídos na classe 38 apresentam, quando muito, uma fraca semelhança com os serviços protegidos pelo direito anterior e incluídos na classe 41») e a conclusão do n.° 70 do acórdão impugnado segundo a qual os produtos e serviços em causa não são semelhantes, e contesta a apreciação do Tribunal de Primeira Instância quando este rejeita o seu argumento segundo o qual todos os produtos e serviços abrangidos pelo pedido de marca comunitária podem estar relacionados com os «computadores» e os «programas de computadores» (classe 9) cobertos pela marca anterior (n.° 69 do acórdão impugnado).

50.      Na segunda vertente do segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, ao considerar que as marcas em conflito não eram semelhantes. Esta vertente é invocada de modo subsidiário relativamente ao primeiro fundamento da recorrente. Segundo a recorrida, o Tribunal de Primeira Instância não aplicou os critérios jurídicos correctos afim de apreciar a semelhança das marcas. Quanto à semelhança visual, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou arbitrariamente as diferenças entre as marcas, quando, segundo os princípios gerais do direito das marcas, os elementos comuns são normalmente mais importantes do que os outros. A recorrente alega que a apreciação da semelhança fonética, como a da semelhança conceptual, efectuadas pelo Tribunal de Primeira Instância, não se apoia em nenhum dos factos apresentados ao Tribunal. Quanto à comparação conceptual, a recorrente põe em causa a apreciação feita pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 79 do acórdão impugnado, segundo o qual «[a] representação concreta de um personagem popular torna muito pouco provável a confusão conceptual, no espírito do público, com vocábulos mais ou menos próximos». A análise do Tribunal de Primeira Instância era incorrecta, pois, segundo os princípios geralmente admitidos no direito das marcas, quanto mais uma marca anterior é notoriamente conhecida ou maior o seu carácter distintivo, mais elevado é o risco de confusão.

51.      A recorrente critica também o Tribunal de Primeira Instância por ter aplicado, nos n.os 80 a 82 do acórdão impugnado, a teoria dita «de neutralização». Segundo a recorrente, esta teoria só é aplicável na fase da avaliação final do risco de confusão, mas não quando as marcas em conflito são visual ou/e foneticamente semelhantes. Desde logo, o critério adequado era o seguinte: duas marcas são semelhantes (e, tendo verificado que os bens ou os serviços são semelhantes ou idênticos, a instância de decisão deve consequentemente iniciar a análise do risco de confusão) se existe uma (determinada, um elevado grau ou uma total) semelhança visual (que implica também um grau de semelhança fonética), ou se existe uma (determinada, um elevado grau ou uma total) semelhança fonética independentemente da questão de saber se existe ou não uma semelhança conceptual. Do mesmo modo, duas marcas são semelhantes se, mesmo não existindo semelhanças visuais ou fonéticas, são idênticas ou semelhantes no plano conceptual.

52.      Por fim, a recorrente afirma que o Tribunal de Primeira Instância compreendeu mal o seu argumento, ao afirmar no n.° 85 do acórdão impugnado que se prevaleceu de um direito exclusivo sobre a utilização do sufixo «ix», quando tinha afirmado ser titular de uma família de marcas criadas de modo idêntico à MOBILIX, utilizando uma parte descritiva que representa a profissão ou a actividade de uma pessoa e combinando‑a com o sufixo «ix». Portanto, a alusão ao «mobile» não a afasta da família das marcas, aumentando até o risco de confusão, pois a existência de uma família de marcas é geralmente considerada como uma causa distinta de risco de confusão, mesmo não existindo semelhança fonética e visual.

53.      O IHMI argumenta que, entre os numerosos argumentos apresentados pela recorrida, a única questão de direito é a de saber se o Tribunal de Primeira Instância podia legitimamente concluir, no n.° 81 do acórdão impugnado, que as diferenças conceptuais que separam os sinais em causa são susceptíveis de neutralizar as semelhanças fonéticas e visuais existentes. Ora, o Tribunal de Primeira Instância tinha examinado correctamente todos os elementos que, de acordo com a jurisprudência assente, devem ser tomados em consideração para se proceder a uma apreciação global do risco de confusão. Em conformidade com uma jurisprudência constante, esta apreciação global implica que as diferenças conceptuais e visuais entre dois sinais possam neutralizar semelhanças auditivas entre elas, desde que pelo menos um dos sinais tenha, na perspectiva do público em causa, um significado claro e determinado, de modo que esse público seja susceptível de o apreender directamente. A questão de saber se essa «neutralização» ocorre realmente no espírito do consumidor pertinente integra a apreciação dos factos relevantes O resultado dessa apreciação é uma constatação de facto cuja fiscalização não cabe ao Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso como o presente.

54.      Quanto ao argumento segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância devia ter tido em conta a notoriedade da marca OBELIX na comparação dos produtos e serviços e dos sinais em causa, o IHMI alega que a recorrente confunde dois conceitos, isto é, a notoriedade de OBELIX, personagem célebre de banda desenhada, e a potencial notoriedade da marca OBELIX. Não existe nem princípio jurídico, nem precedente segundo o qual um personagem literário célebre deva ser automaticamente considerado uma marca que goza de notoriedade. Tudo dependeria das circunstâncias do caso em apreço e a recorrente nunca apresentou, no âmbito do processo no IHMI, elementos que demonstrassem a realidade da transformação progressiva de um personagem célebre numa marca com notoriedade. Portanto, ao recusar ter em conta a notoriedade do nome OBELIX, que designa um personagem célebre de banda desenhada, para definir o âmbito da protecção da marca anterior, o Tribunal de Primeira Instância aplicou correctamente a regra segundo a qual, num processo de oposição respeitante aos motivos relativos de recusa de registo, a autoridade competente deve limitar‑se a examinar os fundamentos invocados e os pedidos apresentados pelas partes.

55.      O IHMI afirma que, ao aderir aos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Primeira Instância, mas ao contestar as suas conclusões, a recorrente visa as apreciações factuais efectuadas pelo Tribunal, cuja fiscalização não cabe ao Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso como o presente.

56.      Quanto às alegações segundo as quais o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os factos ou os elementos de prova, o IHMI considera que o Tribunal reproduziu correctamente a lista dos produtos e serviços e procedeu a uma análise comparativa, baseada em critérios como o tipo de fabricante ou o modo de distribuição dos produtos. O IHMI considera que o segundo fundamento deve ser julgado parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível.

2.      Apreciação

57.      Decorre dos artigos 225.° CE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça que os recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância estão limitados às questões de direito. O Tribunal de Primeira Instância é, portanto, o único competente para apurar e apreciar os factos pertinentes bem como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e elementos de prova não constitui, por isso, excepto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (14).

58.      Para efeitos da aplicação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, é necessário, mesmo quando exista identidade com uma marca cujo carácter distintivo é particularmente elevado, provar a existência de uma semelhança entre os produtos ou os serviços designados. Com efeito, esta disposição prevê que um risco de confusão pressupõe a existência de identidade ou semelhança entre os produtos ou serviços designados.

59.      O risco de confusão pressupõe a existência de identidade ou semelhança entre os produtos ou os serviços designados. Portanto, mesmo quando exista identidade com uma marca cujo carácter distintivo é particularmente elevado, é necessário provar a existência de semelhança entre os produtos ou serviços designados (15).

60.      Nestas circunstâncias, o argumento da recorrente segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao aplicar um critério jurídico errado, ou melhor, ao não aplicar qualquer critério jurídico mas sim uma simples argumentação que inclui afirmações contraditórias, é improcedente.

61.      Decorre da análise dos n.os 60 a 71 do acórdão impugnado que, depois de ter procedido a uma análise detalhada dos diferentes factores que caracterizam a relação entre os produtos e os serviços em causa, o Tribunal de Primeira Instância pôde legitimamente considerar, sem cometer qualquer erro de direito, que os produtos e os serviços visados pela marca MOBILIX não apresentavam semelhança com os serviços designados pelo sinal OBELIX.

62.      Quanto ao argumento relativo ao facto de existir uma contradição evidente entre os n.os 62 e 63 do acórdão impugnado e de existirem inexactidões no n.° 63 do acórdão impugnado, há que observar que este argumento visa, essencialmente, pôr em causa a apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância e traduz‑se, na realidade, em pedir ao Tribunal de Justiça que substitua a apreciação dos factos efectuada pelo Tribunal nos n.os 62 e 63 do acórdão impugnado pela sua própria apreciação. Este argumento da recorrente deve, desde logo, ser julgado manifestamente inadmissível.

63.      Deve, pelas mesmas razões, considerar‑se improcedente o argumento da recorrente segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância não procedeu a uma análise correcta dos produtos respectivos das classes 9 e 16. Tendo em vista as análises efectuadas pelo Tribunal de Primeira Instância, impõe‑se a mesma conclusão no que diz respeito à critica segundo a qual o Tribunal se limitou a efectuar uma análise literal dos produtos e dos serviços, não tendo em conta a sua relação económica e ignorando em particular a questão de saber se o público pertinente atribuiria a mesma origem comercial quando os produtos e serviços foram apresentados sob uma marca idêntica.

64.      Neste âmbito, deve também ser rejeitada a critica relativa à questão de saber se o Tribunal de Primeira Instância podia concluir, no n.° 81 do seu acórdão (16), que as diferenças conceptuais que separam os sinais em causa são susceptíveis, no caso presente, de neutralizar as semelhanças fonéticas bem como as eventuais semelhanças visuais anteriormente referidas. Por um lado, deve‑se observar que o Tribunal de Primeira Instância aplicou correctamente, nos n.os 72 e 74 a 80, os critérios desenvolvidos pela jurisprudência. Por outro, resulta também do n.° 79 do acórdão impugnado relativo às palavras MOBILIX e OBELIX que o Tribunal de Primeira Instância chegou, aí, a determinadas constatações factuais e que a recorrente procura pôr em causa a apreciação dos factos realizada pelo Tribunal de Primeira Instância e pretende, na realidade, solicitar ao Tribunal de Justiça que substitua a apreciação dos factos efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância pela sua própria apreciação.

65.      Assim, decorre do conjunto das considerações precedentes que o fundamento deve ser julgado improcedente.

C –    Quanto ao terceiro fundamento, relativo à eventual violação do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94 por ter recusado admitir que a marca OBELIX era notoriamente conhecida e dotada de um elevado carácter distintivo

1.      Argumentos das partes

66.      A recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94 ao recusar admitir que a marca OBELIX era notoriamente conhecida e dotada de um elevado carácter distintivo. A recorrente contesta a legitimidade da conclusão de que o Tribunal de Primeira Instância chegou, segundo a qual o IHMI apreciou os factos e os elementos de prova, visto que a isso era obrigado por força do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, mas considerou‑os insuficientes para determinar a notoriedade do sinal não registado e o elevado grau de carácter distintivo do sinal registado. Na medida em que a Orange participou efectivamente no processo na Câmara de Recurso, embora não tenha contestado ou de outro modo posto em causa as alegações da recorrente, era absurdo exigir que apresentasse todas as provas, já que nenhuma regra ou princípio de direito comunitário obriga uma parte a apresentar elementos para provar o que não é contestado entre as partes. Com efeito, a Divisão de Oposição e a Câmara de Recurso reconheceram expressamente o carácter notoriamente conhecido do sinal OBELIX. A Câmara de Recurso devia ter concluído que a marca OBELIX possui um elevado carácter distintivo e goza de notoriedade. Além disso, como os factos notoriamente conhecidos não têm de ser provados, o mesmo princípio deveria ser aplicado às marcas célebres.

67.      O IHMI considera que o terceiro fundamento deve ser julgado manifestamente improcedente. A limitação da base factual da análise realizada pela Câmara de Recurso que decorre do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94 não obsta a que esta tenha em conta os factos notórios, para além dos factos aduzidos pelas partes no processo de oposição. Contudo, o que no caso presente pode ser considerado notório é que OBELIX é o nome de um personagem de banda desenhada. Ora, esta constatação não é passível de ser aplicada como tal no que respeita à marca OBELIX, porque não existe nenhum precedente nos termos do qual as personagens literárias célebres devem ser consideradas marcas com notoriedade.

68.      Mesmo admitindo que as partes não se opõem sobre a questão da notoriedade da marca OBELIX, o Tribunal de Primeira Instância não fica vinculado por essa circunstância, antes tendo a obrigação de analisar se, ao concluir na decisão controvertida pela não existência de semelhança entre as marcas, a Câmara de Recurso não violou o Regulamento n.° 40/94. No âmbito de um processo inter partes no IHMI, nenhum princípio obriga a que se considerem provados os factos não contestados pela outra parte.

2.      Apreciação

69.      A título liminar, deve‑se sublinhar que a recorrente contesta a legitimidade e a correcção das apreciações relativas à notoriedade efectuadas pela Câmara de Recurso e pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão impugnado.

70.      Como se recordou no n.° 57, o recurso das decisões do Tribunal de Primeira Instância está limitado às questões de direito. O Tribunal de Primeira Instância é, portanto, o único competente para apurar e apreciar os factos pertinentes bem como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e elementos de prova não constitui, por isso, excepto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

71.      Em contrapartida, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito comunitário feita pelo Tribunal de Primeira Instância, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas em sede de recurso para o Tribunal de Justiça. Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal de Primeira Instância, o processo ficaria privado de parte do seu sentido (17).

72.      No que respeita à procedência do terceiro fundamento, há que recordar que, nos termos do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, no decurso do processo, o Instituto procede à análise oficiosa dos factos. Todavia, num processo respeitante aos motivos relativos de recusa de registo, a análise está limitada aos fundamentos invocados e aos pedidos apresentados pelas partes. A este respeito, cabe sublinhar que um recorrente que se refere a factos notórios está em condições de contestar no Tribunal de Primeira Instância a exactidão da matéria de facto apurada pela Câmara de Recurso e relativa à notoriedade.

73.      Ora, a apreciação, pelo Tribunal de Primeira Instância, do carácter notório dos factos, entre os quais figura também a notoriedade do sinal OBELIX, em que a Câmara de Recurso do IHMI baseou a sua decisão constitui uma apreciação de natureza factual que, salvo em caso de desvirtuação, está excluída da fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância (18).Ora, no presente caso, não existe qualquer desvirtuação.

74.      Assim, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, nos n.os 32 a 36 do acórdão impugnado, que a apreciação jurídica da notoriedade e do carácter distintivo do sinal OBELIX não estava suficientemente escorada em factos e provas.

75.      Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

D –    Quanto ao quarto fundamento, relativo à eventual violação do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e do artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância por ter rejeitado o pedido que visava obter a anulação da decisão impugnada por não aplicação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94

1.      Argumentos das partes

76.      O Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e o artigo 135.°, n.° 4 do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, ao declarar inadmissível o pedido aí apresentado pela recorrente e que visava obter a anulação da decisão impugnada devido ao facto de a Câmara de Recurso não ter aplicado o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94. O Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, ao basear‑se numa interpretação incorrecta do objecto do processo de recurso e também não tomou em consideração o facto de a Câmara de Recurso não se poder limitar a examinar os factos ou as provas aí invocados, antes devendo alargar a sua análise aos factos alegados em primeira instância, ainda que essa questão não tenha sido expressamente suscitada nos fundamentos de recurso.

77.      A recorrente afirma que, embora os argumentos que invocou na Câmara de Recurso sejam relativos ao artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, uma leitura razoável dos documentos apresentados no âmbito dos processos de oposição e de recurso revelava que a recorrente nunca deixou de afirmar que era titular da marca OBELIX, protegida concomitantemente como marca comunitária registada, como marca notoriamente conhecida na acepção do artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 e como marca célebre. A recorrente sempre defendeu que uma marca notoriamente conhecida e abrangida pelo âmbito do artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 também era uma marca que gozava de notoriedade na acepção do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94.

78.      A conclusão da Câmara de Recurso segundo a qual a recorrente tinha expressamente limitado o seu recurso às questões relativas ao artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 não é exacta, facto que a recorrente pôs em causa no Tribunal de Primeira Instância. A recorrente também discutiu, no Tribunal, a relação entre os n.os 2 e 5 do artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94 para concluir que as marcas protegidas por essas disposições tinham actualmente a mesma conotação. O Tribunal de Primeira Instância, no acórdão impugnado, ao julgar o pedido inadmissível, não analisou o mérito deste argumento.

79.      O IHMI responde que este fundamento é manifestamente improcedente. Com efeito, na sua oposição, a recorrida, ao assinalar os quadrados apropriados, baseou a sua oposição em dois fundamentos – o risco de confusão com uma marca anterior e o proveito que seria indevidamente retirado do carácter distintivo ou da notoriedade de uma marca anterior ou o prejuízo que lhe acarretaria –, quando transmitiu os elementos em apoio da sua oposição. Todavia, a recorrente não invocou este último fundamento de oposição extraído do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94. Apesar desta ausência de prova, a Divisão de Oposição do IHMI evocou esta disposição esclarecendo que não era necessário analisar o mérito da oposição na perspectiva do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 na medida em que os sinais não eram semelhantes. A recorrente, quando interpôs o recurso desta decisão, não pediu à Câmara de Recurso que aplicasse o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 e também não mencionou esta disposição na exposição de fundamentos. Tendo em conta o que precede e o facto de a recorrente nunca ter identificado a marca anterior, cujo carácter distintivo ou a notoriedade seriam postos em causa pelo pedido de marca comunitária, a Câmara de Recurso concluiu que os documentos apresentados no âmbito do processo de oposição antes visavam demonstrar a notoriedade da marca não registada, apresentada como um dos dois direitos anteriores, ou eventualmente o acrescido carácter distintivo da marca registada, mas não a sua notoriedade na acepção do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94. Assim, a Câmara de Recurso não se pronunciou sobre a aplicabilidade do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94.

80.      Ora, em vez de afirmar que a Câmara de Recurso violou o artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94 ao abster‑se de examinar o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, a recorrente defendeu, na petição que em seguida apresentou no Tribunal de Primeira Instância, que aquela tinha violado o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94. Dado que a Câmara de Recurso não examinou o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância concluiu, à luz do artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que a recorrente não podia solicitar ao Tribunal que se pronunciasse sobre um pedido que visava a aplicação dessa disposição.

2.      Apreciação

81.      A título liminar, importa observar que a recorrente não pediu, na sua oposição e no seu recurso prejudicial na Câmara de Recurso, a fiscalização da legalidade nos termos do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94. Com efeito, decorre da decisão impugnada (19) da Câmara de Recurso e das alegações das partes no âmbito do presente recurso, assim como do acórdão impugnado e o do relatório para audiência do Tribunal de Primeira Instância, que o fundamento da violação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 foi apresentado pela primeira vez no Tribunal de Primeira Instância.

82.      Há que notar, como sublinha a recorrente (20), que é bastante difícil distinguir entre as marcas notoriamente conhecidas e as que gozam de notoriedade. Com efeito, existe uma semelhança entre o artigo 8.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 40/94, por um lado, e o artigo 8.°, n.° 5, do mesmo regulamento, por outro. No entanto, da referência ao carácter célebre e notório no âmbito do artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 não se pode depreender igualmente a referência ao artigo 8.°, n.° 5, deste regulamento, que visa uma situação em que os produtos e serviços de duas marcas, das quais uma goza de notoriedade na Comunidade, não são semelhantes. Uma interpretação segundo a qual o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 mais não seria do que a extensão dos artigos 8.°, n.os 1 e 2, do referido regulamento e que deveriam ser analisados conjuntamente, embora o artigo 8.°, n.° 5, não tenha sido invocado nas instância do IHMI, viola o âmbito do artigo 8.°, n.° 5. Com efeito, do ponto de vista da interpretação sistemática, decorre, tanto do sistema interno como do sistema externo do artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94, que se trata de critérios diferentes definidos nos n.os 1, 2 e 5. O sistema externo – isto é, a estrutura do texto – mostra claramente que os n.os 1, 2 e 5 do artigo 8.° do referido regulamento são números distintos. Segundo o sistema interno – isto é, a organização do conteúdo do texto – os objectivos desses números são diferentes (21).

83.      Deste ponto de vista, como a recorrente não contestou a legalidade da decisão da Divisão de Oposição e da Câmara de Recurso na perspectiva do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 não pode suprir a sua própria omissão referindo‑se às disposições semelhantes.

84.      Por outro lado, no âmbito de um recurso de anulação da decisão apresentada ao juiz comunitário, a legalidade do acto impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data de adopção do acto (22). O mesmo acontece no âmbito de um recurso nos termos do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94. Efectivamente, é de jurisprudência constante que o recurso nos termos deste artigo visa a fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do IHMI, na acepção do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94. Com efeito, embora, nos termos do artigo 63°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal seja «competente para anular e para reformar a decisão impugnada», este número deve ser lido à luz do número que o antecede, nos termos do qual «o recurso terá por fundamento incompetência, preterição de formalidades essenciais, violação do Tratado, do presente regulamento ou de qualquer norma jurídica sobre a sua aplicação, ou desvio de poder», e no quadro dos artigos 229.° CE e 230.° CE. A fiscalização da legalidade, a que procede o Tribunal relativamente a uma decisão da Câmara de Recurso deve, portanto, efectuar‑se à luz das questões de direito que foram submetidas à Câmara de Recurso (23). Ora, é certo que o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 não faz parte das questões de direito submetidas à Câmara de Recurso.

85.      Assim, a recorrente não podia obter do Tribunal de Primeira Instância uma decisão sobre o presente fundamento, relativo a uma eventual violação do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância por ter rejeitado o pedido de anulação da decisão impugnada por não aplicação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, fundamento que não foi suscitado durante a fase administrativa do processo no IHMI.

86.      O Tribunal de Primeira Instância, ao considerar que o fundamento relativo ao artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 era inadmissível, não violou os artigos 63.° do Regulamento n.° 40/94 e 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância ao negar provimento ao pedido de anulação da decisão impugnada por não aplicação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94. Este fundamento não pode ser acolhido.

E –    Quanto ao quinto fundamento, relativo à eventual violação do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e dos artigos 44.°, 48.° e 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por ter declarado inadmissível o pedido feito de remessa do processo à Câmara de Recurso

1.      Argumentos das partes

87.      A recorrente considera que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e os artigos 44.°, 48.° e 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância na medida em que declarou inadmissível o pedido, apresentado a título subsidiário na audiência, no sentido de o Tribunal de Primeira Instância remeter o processo à Câmara de Recurso para que a recorrente pudesse demonstrar a notoriedade da marca OBELIX. Na audiência que teve lugar no Tribunal de Primeira Instância, a recorrente concluiu que, caso o Tribunal aceitasse a conclusão principal segundo a qual a Câmara de Recurso violara o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 ou segundo a qual deveria ser esse órgão jurisdicional a pronunciar‑se sobre a crítica relativa ao artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, este devia, de qualquer modo, fazer baixar o processo à Câmara de Recurso para que a recorrente pudesse demonstrar essa pretensão na Câmara de Recurso.

88.      Em primeiro lugar, a recorrente defende que, o pedido que visava obter a remessa do processo para a Câmara de Recurso para lhe permitir demonstrar a pretensão baseada no artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, não é um pedido «novo», mas um pedido subsidiário ao pedido principal fundado no artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94. Este pedido subsidiário situava‑se necessariamente num nível inferior ao do pedido principal e não constituía um «novo» pedido na acepção do acórdão impugnado. Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância parece adoptar um conceito de «objecto», utilizado no artigo 135.°, n.° 4, do seu Regulamento de Processo, que é alterado sempre que um «pedido» é aditado ao pedido inicial, independentemente da sua natureza ou do seu contexto. O objecto do litígio na Câmara de Recurso era saber se a MOBILIX podia ser registada com marca comunitária para todos ou parte dos produtos para os quais foi apresentada, dada a oposição apresentada pela recorrente com base na sua marca OBELIX. A recorrente de forma alguma alterou esse objecto e o pedido principal que visava obter a anulação da decisão da Câmara de Recurso impugnada, que englobava necessariamente todos os pedidos correspondentes.

89.      A recorrente sublinha que o artigo 44.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância não proíbe, nem expressa nem implicitamente, que se especifiquem pedidos subsidiários, relativamente a um pedido principal, numa fase do processo posterior à apresentação da petição. Do mesmo modo, o artigo 48.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância não contempla tal proibição.

90.      O IHMI alega que esse fundamento é manifestamente improcedente. Além disso, este pedido apresentado a título subsidiário baseava‑se num fundamento novo segundo o qual a Câmara de Recurso violara o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 ao não se pronunciar sobre a aplicabilidade do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, e só tinha sido apresentado pela recorrente quando esta compreendeu que o seu fundamento relativo à violação do artigo 8.°, n.° 5, era inadmissível. Dado que o pedido subsidiário só foi apresentado na audiência, tinha sido correctamente que o Tribunal de Primeira Instância, invocando os artigos 44.° e 48.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o declarara inadmissível.

2.      Apreciação

91.      Como recordei também nos n.os 57 e 70, no que respeita a eventuais irregularidades processuais, nos termos dos artigos 225.°, n.° 1, CE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, o presente recurso está limitado às questões de direito. Nos termos desta última disposição, o recurso pode ter por fundamento a incompetência do Tribunal de Primeira Instância, irregularidades processuais perante este Tribunal que prejudiquem os interesses da parte recorrente, bem como a violação do direito comunitário pelo mesmo Tribunal (24). Assim, o Tribunal de Justiça tem competência para fiscalizar se foram cometidas, no Tribunal de Primeira Instância, irregularidades processuais que prejudiquem os interesses da recorrente e deve assegurar‑se de que foram respeitados os princípios gerais de direito comunitário e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova (25).

92.      Os pedidos a que se refere o artigo 38.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e o artigo 44.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância materializam o objecto do pedido (26) e contêm o dispositivo da decisão que a recorrente pretende obter do juiz comunitário (27). Por conseguinte, são uma parte do objecto do litígio e devem ser apresentados na petição.

93.      A situação de o juiz comunitário reconhecer a admissibilidade dos pedidos subsidiários (eventualiter) que corresponde à hipótese de um indeferimento dos pedidos principais (principaliter) constantes da petição (28), parece diferente do caso em que os pedidos subsidiários são apresentados enquanto o processo se encontra pendente ou mesmo na audiência. Com efeito, esses pedidos, embora apresentados a título subsidiário, são pedidos novos que alteram o objecto do litígio, pois exprimem um pedido apresentado depois de expirado o prazo de ordem pública previsto para a interposição de um recurso que devia ser analisado em caso de indeferimento dos pedidos apresentados principaliter.

94.      Segundo jurisprudência assente, o artigo 42.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, permite ao recorrente, a título excepcional, invocar fundamentos novos em apoio dos pedidos apresentados na petição. Em contrapartida, esta disposição de modo algum considera a possibilidade de o recorrente apresentar pedidos novos (29). Igualmente, as disposições equivalentes do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância permitem, em certas circunstâncias, a apresentação de novos fundamentos no decurso da instância. Ora, estas disposições não podem, em caso algum, ser interpretadas no sentido de autorizarem as demandantes a apresentar ao juiz comunitário pedidos novos e a modificar assim o objecto do litígio (30).

95.      Contudo, a reformulação dos pedidos iniciais é possível, desde que apenas precise os pedidos que figuram na petição ou que os pedidos reformulados fiquem num plano secundário em relação aos pedidos iniciais (31).

96.      Assim, há que examinar se os pedidos apresentados a título subsidiário pela recorrente, na audiência que teve lugar no Tribunal de Primeira Instância, representam uma reformulação dos pedidos existentes ou são novos pedidos.

97.      Através dos seus pedidos subsidiários, a recorrente pediu ao Tribunal de Primeira Instância, fundamentalmente, que ordenasse ao IHMI, ao remeter o processo à Câmara de Recurso para que a recorrente tivesse a possibilidade de provar que a sua marca goza de notoriedade na acepção do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, o exame, quanto ao mérito, das suas pretensões. Importa salientar que o pedido subsidiário visa não uma precisão das consequências da anulação, como pretende a recorrente, mas pedir o envio de uma injunção ao IHMI. Ora, nos termos do artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94, o IHMI deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do juiz comunitário. Por isso, não cabe ao Tribunal condenar o IHMI a agir. Com efeito, incumbe a este tirar as consequências do dispositivo e dos fundamentos dos acórdãos do Tribunal (32).

98.      Assim, há que concluir que a recorrente apresentou a título subsidiário um novo pedido através do qual pretendia obter uma injunção de que o IHMI seria o destinatário. Deste modo, procurou modificar o objecto do litígio.

99.      O Tribunal de Primeira Instância pôde legitimamente, sem cometer qualquer erro de direito, julgar inadmissíveis os pedidos que a título subsidiário foram apresentados na audiência, com o fundamento de que eram pedidos novos.

100. Este fundamento do recurso não pode ser acolhido.

F –    Quanto ao sexto fundamento, relativo à eventual violação do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e do artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância por ter recusado a junção de determinados documentos.

1.      Argumentos das partes

101. A recorrente defende que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância viola o artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e o artigo 135.°, n.° 4, do Regulamentos de Processo do Tribunal de Primeira Instância, na medida em que julgou inadmissíveis determinados documentos que aí foram apresentados pela primeira vez. Com efeito, segundo a recorrente, o Regulamento de Processo não comporta nenhuma proibição quanto à apresentação de elementos de prova no Tribunal de Primeira Instância.

102. A recorrente critica a concepção do objecto do litígio do artigo 134.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância acolhida por este. Efectivamente, os factos que a recorrente apresentou em apoio da sua argumentação não faziam parte do «objecto», mas eram elementos de prova no processo. Foi apenas porque a Câmara de Recurso, última instância do processo administrativo, considerou esses elementos de prova insuficientes para provar as pretensões da recorrente, que esta apresentou no Tribunal novos elementos de prova.

103. Segundo a recorrente, também é incompatível com a função do Tribunal, na qualidade de primeira instância jurisdicional que fiscaliza a legalidade das decisões do IHMI, não ter em consideração os elementos de prova que lhe são apresentados.

104. O IHMI recorda que a função do Tribunal de Primeira Instância é a de fiscalizar a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso e não a de verificar se, no momento em que decide de um recurso interposto de uma decisão de uma Câmara de Recurso do IHMI, pode legitimamente adoptar uma nova decisão que possua o mesmo dispositivo que a decisão impugnada. Por conseguinte, tendo em atenção os elementos de facto que não foram apresentados ao IHMI, nenhuma ilegalidade lhe podia ser imputada. Os elementos de facto apresentados no Tribunal sem antes o terem sido nas instâncias do IHMI deveriam ser recusados.

2.      Apreciação

105. Como recordei nos n.os 5757, 7070 e 91, o presente recurso está limitado às questões de direito. O Tribunal de Primeira Instância é, portanto, o único competente para apurar e apreciar os factos pertinentes, bem como para apreciar os elementos de prova. Assim, apreciação desses factos e elementos de prova não constitui, excepto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso como o presente.

106. Há que recordar também que, no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Justiça não tem competência para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento desses factos. Com efeito, desde que essas provas tenham sido obtidas regularmente e tenham sido respeitados os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova, é da competência exclusiva do Tribunal de Primeira Instância apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Esta apreciação não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados ao Tribunal de Primeira Instância, uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça (33).

107. Embora a recorrente se refira à questão de saber se, ao declarar inadmissíveis os meios de prova apresentados sob a forma de cinco documentos, foi violado o Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, trata‑se na realidade de um fundamento relativo à desvirtuação dos elementos da prova.

108. Todavia, no caso presente, não se vislumbra qualquer desvirtuação dos elementos de prova nem violação do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

109. Ora, mesmo admitindo que os cinco documentos apresentados pela recorrente no Tribunal de Primeira Instância são susceptíveis de demonstrar a notoriedade do sinal OBELIX, não foram apresentados ao IHMI no âmbito do procedimento de elaboração da decisão impugnada e não foram aí debatidos em tempo útil, isto é, antes da adopção da decisão impugnada. Com efeito, no âmbito do recurso de anulação da decisão submetida ao juiz comunitário, a legalidade da decisão impugnada deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data da adopção do acto (34).

110. Ao referir‑se, no n.° 16 do seu acórdão, ao artigo 135.°, n.° 4, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância pretendeu sublinhar a natureza do recurso de anulação. Ora, é certo que os cinco documentos não foram apresentados no IHMI. Para poderem ser levados em linha de conta, deveriam ter sido apresentados durante o processo administrativo no IHMI.

111. O sexto fundamento não é pertinente.

112. O recurso deve ser julgado integralmente improcedente.

VI – Despesas

113. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável ao presente recurso por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por conseguinte, se, tal como proponho, todos os fundamentos invocados pela recorrente forem julgados improcedentes, deve esta ser condenada nas despesas.

VII – Conclusão

114. Com base nas considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça se digne:

1)      negar provimento ao recurso, e

2)      condenar Les Éditions Albert René SARL nas despesas.


1 – Língua original: francês.


2 – JO 1994, L 11, p. 1.


3 – JO 1991, L 136, p. 1, rectificado no JO 1991, L 317, p. 34.


4 – V. o n.° 5 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo T‑336/03.


5 – JO L 361 de 8. 12. 2004, p. 15.


6 – Fasching, W., «Zivilprozeßrecht», 2.ª edição, Viena, 1990, p. 883; Rosenberg, L., Schwab, K.‑H., Gottwald, P., «Zivilprozessrecht», 16.ª edição, Munique, 2004, p. 983; e Rechberger, W, Simotta, D.‑A., «Zivilprozessrecht», 6.ª edição, Viena, 2003, p. 454 e 455.


7 – Rechberger, W, Simotta, D.‑A., já referido, p. 455. Os autores sublinham que uma alteração em proveito da recorrida só é possível se esta também tiver interposto recurso da mesma decisão no mesmo tribunal.


8 – Fasching, W., «Zivilprozeßrecht», p. 884.


9 – Quanto à definição dos fundamentos de ordem pública em direito comunitário v., Lenaerts, K., Arts, D., Maselis, I., e Bray R., «Procedural Law of the European Union», 2.ª edição, Londres, 2006, p. 288 e 289; Sladič, J., «Die Begründung der Rechtsakte des Sekundärrechts der EG in der Rechtsprechung des EuGH und des EuG», Zeitschrift für Rechtsvergleichung, internationales Privatrecht und Europarecht, 46 (2005), p. 127, e Castillo de la Torre, F, «Le relevé d'office par la juridiction communautaire», Cahiers de droit européen, 3‑4/2005, p. 395 (421).


10 – Há que observar que o conceito de fundamento, típico, por exemplo, para os direitos francês e belga, corresponde praticamente à concepção de actio do direito romano. A aplicação deste sistema relativamente ao órgão jurisdicional comunitário e a divisão em fundamentos de ordem pública e fundamentos de legalidade interna são justamente criticadas na doutrina pelos antigos juízes do Tribunal de Justiça. Com efeito, o antigo juiz alemão Ulrich Everling considera que as partes que não sejam originárias de países de tradição jurídica romana sentem dificuldades em reconhecer‑se neste sistema devido à divisão de elementos indissociáveis (Everling, U., «Das Verfahren der Gerichte der EG im Spiegel der verwaltungsgerichtlichen Verfahren der Mitgliedstaaten», Die Ordnung der Freiheit : Festschrift für Christian Starck zum siebzigsten Geburtstag. 2007, p. 542)


11 – Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer, apresentadas em 11 de Fevereiro de 2003 no processo C‑217/00 P, Buzzi Unicem/Comissão (acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑267, n.° 217).


12 – Relatório para audiência do processo T‑336/03, n.os 31 a 33.


13 – Ibidem, n.os 34 e 35.


14 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2005, BioID/IHMI (C‑37/03 P, Colect. 2005, p. I‑7975, n.° 43).


15 – Despacho de 9 de Março de 2007, Alecansan/IHMI, C‑196/06 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 37.


16 – O texto deste número é o seguinte: «Daí resulta que as diferenças conceptuais que separam os sinais são susceptíveis, no caso em apreço, de neutralizar as semelhanças fonéticas e as eventuais semelhanças anteriormente referidas».


17 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2006, Storck/IHMI (C‑25/05 P, Colect., p. I‑5719, n.° 48).


18 – Ibidem, n.° 53.


19 – Decision of the Fourth Board of Appeal of 14 July 2003, Case R 559/2002 – 4, n.° 7.


20 – Petição, n.° 143.


21 – Sobre os conceitos de sistemas interno e externo, v. Heck, P., «Das Problem der Rechtsgewinnung», Gesetzesauslegung und Interessenjurisprudenz, Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, Berlim, Zurique, 1968, pp. 188‑189.


22 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão (15 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7). Neste processo, a França contestava a legalidade de certas decisões relativas ao apuramento das contas apresentadas pela República Francesa a título de despesas dos anos de 1971 e 1972 financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) ao invocar uma regularização das anomalias verificadas posterior à adopção das decisões.


23 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Maio de 2005, Solo Italia/IHMI – Nuova Sala (PARMITALIA) (T‑373/03, Colect., p. II‑1881, n.° 25).


24 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 18).


25 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 2000, TEAM/Comissão (C‑13/99 P, Colect., p. I‑4671, n.° 36).


26 – Rideau, J., Picod, F., «Code des procédures juridictionnelles de l’Union européenne», 2.ª edição, Paris, 2002, p. 592.


27 – Lenaerts, K., Arts, D., Maselis, I., Bray R., já referido, p. 553.


28 – Rideau, J., Picod, F., «Code des procédures juridictionnelles de l’Union européenne», já referido, p. 592. Para a doutrina relativa aos pedidos subsidiários, v., Rosenberg, L., Schwab, K.‑H., Gottwald, P., «Zivilprozessrecht», 16.ª edição, Munique, 2004, p. 649.


29 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1979, GEMA/Comissão (125/78, Recueil, p. 3173, n.° 26).


30 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Asia Motor France e o./Comissão (T‑28/90, Colect., p. II‑2285, n.° 43).


31 – Acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1998, Vicente‑Nuñez/Comissão (T‑100/96, ColectFP, pp. I‑A‑591 e II‑01779, n.° 51), e de 2 de Junho de 2005, Strohm/Comissão (T‑177/03, ColectFP, pp. I‑A‑147 e II‑651, n.° 21).


32 – Acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Mitsubishi HiTec Paper Bielefeld/IHMI (Giroform) (T‑331/99, Colect., p. II‑433, n.° 33); de 27 de Fevereiro de 2002, Eurocool Logistik/IHMI (EUROCOOL) (T‑34/00, Colect., p. II‑683, n.° 12); de 3 de Julho de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser‑Busch (BUDMEN) (T‑129/0l, Colect., p. II‑225l, n.° 22), e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Setembro de 2006, Hensotherm/IHMI (T‑366/04, Colect., p. II‑65, n.° 17).


33 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries Ltd e Nippon Steel Corp./Comissão (C‑403/04 P e C‑405/04 P, Colect., p. I‑729, n.° 38).


34 – Acórdão França/Comissão, já referido na nota 22, n.° 7.