Language of document : ECLI:EU:C:2023:552

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 6 de julho de 2023 (1)

Processo C122/22 P

Dyson Ltd,

Dyson Technology Ltd,

Dyson Operations Pte Ltd,

Dyson Manufacturing Sdn Bhd,

Dyson Spain, SLU,

Dyson Austria GmbH,

Dyson sp. z o.o.,

Dyson Ireland Ltd,

Dyson GmbH,

Dyson SAS,

Dyson Srl,

Dyson Sweden AB,

Dyson Denmark ApS,

Dyson Finland Oy,

Dyson BV

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Energia — Diretiva 2010/30/UE — Indicação do consumo de energia e de outros recursos por parte dos produtos relacionados com a energia, por meio de rotulagem ou de outras indicações uniformes relativas aos produtos — Regulamento Delegado (UE) n.o 665/2013 da Comissão — Rotulagem energética dos aspiradores — Método de teste — Responsabilidade extracontratual da União — Violação suficientemente caracterizada do direito da União»






I.      Introdução

1.        O presente processo constitui o último episódio da saga judicial entre o fabricante de aspiradores Dyson Ltd, bem como as outras recorrentes que integram o mesmo grupo de sociedades (a seguir conjuntamente «Dyson»), e a Comissão Europeia que tem por objeto os métodos de teste para a rotulagem energética de aspiradores ao abrigo do direito da União (2).

2.        Trata‑se de um recurso interposto pela Dyson do Acórdão do Tribunal Geral de 8 de dezembro de 2021, Dyson e o./Comissão (T‑127/19, não publicado, EU:T:2021:870; a seguir «acórdão recorrido»).

3.        Com esse acórdão, o Tribunal Geral julgou improcedente a ação de responsabilidade extracontratual da União intentada pela Dyson nos termos do artigo 268.o TFUE e do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE. A Dyson alegava ter sofrido um prejuízo em consequência da adoção do Regulamento Delegado (UE) n.o 665/2013 da Comissão respeitante à rotulagem energética dos aspiradores (3). O Tribunal Geral declarou que o requisito relativo à existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito da União não foi preenchido.

4.        Por conseguinte, o presente processo tem por objeto o conceito de violação suficientemente caracterizada, que constitui um requisito para desencadear a responsabilidade tanto da União Europeia como dos Estados‑Membros pelos danos causados pela violação do direito da União. Convida o Tribunal de Justiça a clarificar o método para avaliar a gravidade da violação. Mais especificamente, o presente processo suscita as seguintes questões importantes. É realmente pertinente saber se a instituição da União em causa — no caso em apreço, a Comissão — dispunha de um poder de apreciação para atuar no setor relevante ou se gozava de uma margem de apreciação reduzida ou mesmo inexistente a este respeito? Como é que se pode determinar se a instituição da União dispunha ou não de margem de apreciação? Como deve o Tribunal de Justiça utilizar os elementos enunciados na jurisprudência suscetíveis de desculpar a violação em causa?

II.    Antecedentes

A.      Resumo dos antecedentes do litígio

5.        Antes de abordar de forma mais pormenorizada o complexo contexto do presente processo, é necessária uma breve explicação introdutória. Com o Regulamento Delegado 665/2013, a Comissão determinou, nomeadamente, o método de teste que permite medir a eficiência energética dos aspiradores, necessário para atribuir um rótulo de eficiência energética a esses aparelhos. O método escolhido consistia em testar os aspiradores aquando do início da sua utilização, altura em que os respetivos recipientes começam a encher‑se com pó. Referir‑me‑ei a este método como «teste com recipiente vazio».

6.        No processo Dyson/Comissão (4), a Dyson interpôs recurso de anulação no Tribunal Geral, alegando que este método não mostrava a eficiência energética dos aspiradores «durante a utilização», como exige a legislação de base (Diretiva 2010/30/UE (5)) que o Regulamento Delegado 665/2013 veio complementar. Depois de o acórdão inicial do Tribunal Geral ter sido anulado pelo Tribunal de Justiça em sede de recurso (6), que seguidamente remeteu o processo ao Tribunal Geral, este último Tribunal anulou o Regulamento Delegado 665/2013 (7). O Tribunal Geral considerou que o teste com recipiente vazio não podia mostrar a eficiência energética dos aspiradores «durante a utilização». Para isso, era necessário que os recipientes já estivessem cheios até um certo nível.

7.        É ainda necessário explicar por que razão a Dyson tinha interesse em contestar o teste com recipiente vazio. A Dyson produz e vende aspiradores ciclónicos ou sem saco (8). Ao contrário dos convencionais aspiradores com saco (9),  que geram aspiração para remover o pó e a sujidade do chão para um saco descartável, os aspiradores sem saco, como o seu nome sugere, não utilizam sacos. Um aspirador ciclónico utiliza a força centrífuga para separar o pó e os detritos do ar, eliminando assim a necessidade de sacos descartáveis.

8.        Esta distinção é importante para os métodos de teste do desempenho energético dos aspiradores que estão no cerne do presente processo. O problema, tal como o entendo, consiste no facto de que quando um aspirador com saco utiliza a aspiração para apanhar o pó, isto afeta o seu desempenho; quando o saco ou recipiente está vazio, o ar circula com relativa facilidade pelo filtro do aparelho e pelos poros do saco, pelo que a aspiração se mantém; contudo, à medida que o aspirador vai sendo utilizado, o saco e o filtro ficam entupidos com o pó e ocorre uma redução do fluxo de ar. Consequentemente, a potência de aspiração, a eficiência da limpeza e a eficiência energética do aspirador diminuem, pois o aspirador consome mais energia para evitar o entupimento e compensar a perda de aspiração. Em contrapartida, os aspiradores ciclónicos não têm saco, pelo que não se verifica entupimento. A potência de aspiração pode ser mantida independentemente de o recipiente estar ou não cheio. Por outras palavras, o desempenho dos aspiradores ciclónicos é igualmente bom quer estejam cheios, quer estejam vazios. Esta constatação não é contestada por nenhuma das partes no presente processo.

9.        Em suma, o problema reside no facto, alegado pela Dyson no presente processo, de o teste com recipiente vazio representar o máximo desempenho possível de um aspirador em termos de aspiração do pó, ocultando assim a circunstância de que, quando o consumidor utiliza o aspirador, ocorrerão na maioria dos aspiradores convencionais com saco o entupimento do saco e a perda de aspiração. Como tal, a eficácia da limpeza e o consumo energético variam consoante o teste seja realizado com saco vazio ou quando o saco está «cheio de pó».

10.      Ainda que, depois da anulação do acórdão do Tribunal Geral, o teste com recipiente vazio como critério para a rotulagem energética tenha sido abandonado, a Dyson considerou ter sofrido prejuízos durante o período de vigência do Regulamento Delegado 665/2013, ou seja, antes da sua posterior anulação. Consequentemente, a Dyson intentou uma ação de indemnização no Tribunal Geral.

11.      Antes de me debruçar sobre o processo no Tribunal Geral (D) e o processo no Tribunal de Justiça (E), explicarei, na medida do necessário para analisar as alegações da Dyson, a legislação pertinente no caso em apreço (B), bem como os acórdãos anteriores proferidos pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Geral nesta saga (C).

B.      Rotulagem energética da União e Regulamento Delegado 665/2013

1.      Panorâmica da legislação da União em matéria de rotulagem energética e de conceção ecológica

12.      De modo geral, a legislação da União em matéria de rotulagem energética fornece aos consumidores informações sobre o consumo energético e o desempenho ambiental dos produtos para os ajudar a tomarem decisões informadas. A mesma anda estreitamente associada à legislação da União em matéria de conceção ecológica (10), que estabelece requisitos mínimos de eficiência energética e outros requisitos para a conceção de produtos com vista a melhorar o seu desempenho ambiental. Em conjunto, a legislação da União relativa à rotulagem energética e a relativa à conceção ecológica contribuem para alcançar o objetivo da União de prevenir e atenuar as alterações climáticas (11), estimando‑se que tal legislação permite aos consumidores economizar mais de 250 mil milhões de euros por ano (12).

13.      As normas da União em matéria de rotulagem energética e de conceção ecológica estão atualmente em vigor para uma série de produtos (13), como televisores, máquinas de lavar a loiça, fornos, frigoríficos, máquinas de lavar a roupa e secadores de roupa. A rotulagem energética da União dá aos consumidores informações sobre a eficiência energética de um produto específico, utilizando uma escala comparativa de cores de A (mais eficiente) a G (menos eficiente). Aparentemente, cerca de 85 % dos consumidores reconhecem o rótulo energético da União e utiliza‑o nas suas decisões de compra (14).

2.      Quadro jurídico da Diretiva 2010/30 e do Regulamento Delegado 665/2013

14.      A rotulagem energética da União remonta à Diretiva 79/530/CEE do Conselho (15), que foi posteriormente substituída pela Diretiva 92/75/CEE do Conselho (16). Contudo, só cerca de 20 anos mais tarde, com a adoção da Diretiva 2010/30, é que os aspiradores foram incluídos neste quadro jurídico.

15.      Como indica o seu artigo 1.o, n.o 1, a Diretiva 2010/30 estabeleceu um quadro para a harmonização das medidas nacionais relativas à informação do utilizador final, nomeadamente através de rotulagem e de indicações uniformes relativas ao produto, sobre o consumo de energia e, se pertinente, de outros recursos essenciais durante a utilização, dando assim aos utilizadores finais a possibilidade de escolherem produtos mais eficientes (17).

16.      Como demonstrado pelo facto de a expressão «durante a utilização» e «durante a sua utilização» surgirem 15 vezes na Diretiva 2010/30 (18), esta diretiva tem por objeto a rotulagem energética que visa refletir o consumo energético durante a utilização dos produtos. Com efeito, esta questão foi discutida no âmbito do processo decisório que conduziu à adoção desta diretiva (19), tendo, na verdade, sido a Comissão, na sua proposta de diretiva, a introduzir uma formulação nesse sentido em diferentes disposições (20).

17.      Importa observar para efeitos do presente processo que, à data dos factos, a Diretiva 2010/30 estabelecia um quadro geral que definia os objetivos políticos e os papéis e responsabilidades, nomeadamente, da Comissão, dos Estados‑Membros, dos fabricantes e dos comerciantes. Ao abrigo do artigo 10.o desta diretiva, a Comissão foi habilitada a adotar atos delegados (na aceção do artigo 290.o TFUE) que estabelecessem os requisitos de rotulagem energética para grupos específicos de produtos, incluindo os aspiradores.

18.      O artigo 10, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2010/30 tem a seguinte redação:

«As disposições contidas em atos delegados relativos às informações fornecidas no rótulo e na ficha sobre o consumo de energia e de outros recursos essenciais durante a utilização devem permitir aos utilizadores finais tomarem decisões de compra baseadas numa melhor informação e às autoridades de vigilância do mercado verificarem se os produtos correspondem às informações fornecidas.» (21)

19.      Desde então, a Diretiva 2010/30 foi substituída pelo Regulamento (UE) 2017/1369 (22). Este regulamento mantém no essencial o mesmo âmbito de aplicação da Diretiva 2010/30, mas modifica e reforça algumas das suas disposições para clarificar e atualizar o seu conteúdo, tendo em conta o progresso tecnológico registado nos últimos anos em matéria de eficiência energética dos produtos (23). Salienta que os métodos de teste devem tanto quanto possível refletir a utilização de vida real (24).

20.      Ao contrário de outros produtos, os aspiradores não estavam sujeitos às normas da União em matéria de rotulagem energética antes da adoção da Diretiva 2010/30, nem às normas da União relativas à conceção ecológica antes da adoção da Diretiva 2009/125/CE (25), e, com base numa avaliação de impacto aprofundada, foi decidido que a Comissão adotaria os regulamentos relevantes em paralelo (26).

21.      O Regulamento Delegado 665/2013 estabeleceu requisitos de rotulagem para a maior parte dos aspiradores normais (27). Obrigava os fornecedores e os distribuidores a respeitarem os requisitos de rotulagem para os aspiradores a partir de 1 de setembro de 2014 (28). As informações que essa rotulagem deveria incluir tinham de ser obtidas por métodos de medição fiáveis, exatos e reprodutíveis, como indicado no anexo VI do Regulamento Delegado 665/2013 (29). O n.o 1 desse anexo fazia referência, para esse efeito, às normas harmonizadas publicadas no Jornal Oficial da União Europeia.

22.      A este respeito, a Comissão publicou referências à norma («Cenelec») EN 60312‑1:2013 (a seguir «a norma Cenelec») do Comité Europeu de Normalização Eletrotécnica, que diz respeito aos métodos de medição do desempenho dos aspiradores para uso doméstico. Contudo, a cláusula 5.9 da norma Cenelec, relativa a um método de medição com recipiente cheio, não foi incluída (30). Referir‑me‑ei a este método como «teste com recipiente cheio da cláusula 5.9».

23.      Esta exclusão teve como consequência que, para efeitos da aplicação do anexo VI do Regulamento Delegado 665/2013, a norma harmonizada para cálculo do consumo anual de energia dos aspiradores se baseava num método teste com recipiente vazio (em conformidade com as cláusulas 4.5 e 5.3 da norma Cenelec) e não num teste com recipiente cheio (nos termos da cláusula 5.9 da norma Cenelec).

24.      Por conseguinte, só o teste com recipiente vazio podia ser utilizado para medir a eficiência energética dos aspiradores ao abrigo do Regulamento Delegado 665/2013 (31).

C.      Factos na origem do processo no Tribunal Geral

1.      Recurso de anulação do Regulamento Delegado 665/2013

25.      Em 7 de outubro de 2013, a Dyson Ltd interpôs no Tribunal Geral um recurso de anulação do Regulamento Delegado 665/2013 com base no artigo 263.o TFUE. A Dyson invocou três fundamentos de recurso relativos, o primeiro à falta de competência da Comissão, o segundo à falta de fundamentação do regulamento controvertido, e o terceiro à violação do princípio da igualdade de tratamento.

26.      Por Acórdão de 11 de novembro de 2015, Dyson/Comissão (T‑544/13, EU:T:2015:836), o Tribunal Geral negou provimento ao recurso, julgando esses fundamentos improcedentes. A Dyson interpôs recurso do referido acórdão.

27.      Por Acórdão de 11 de maio de 2017, Dyson/Comissão (C‑44/16 P, EU:C:2017:357; a seguir «acórdão de anulação do Tribunal de Justiça»), o Tribunal de Justiça anulou aquele acórdão na medida em que o Tribunal Geral tinha julgado improcedentes os fundamentos relativos à falta de competência da Comissão e à violação do princípio da igualdade de tratamento.

28.      Importa salientar que o Tribunal de Justiça considerou que a exigência, tal como resulta do artigo 1.o e do artigo 10.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2010/30, segundo a qual as informações dadas aos consumidores devem refletir o consumo energético durante a utilização do aparelho constitui um elemento essencial dessa diretiva (32), na aceção do artigo 290.o TFUE. Por conseguinte, tem de ser aprovada na regulamentação de base e não pode ser objeto de delegação. Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, contrariamente ao que o Tribunal Geral afirmou, entender a expressão «durante a utilização», que consta do artigo 10.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2010/30, no sentido de que visa as condições reais de utilização constitui, não uma interpretação «excessivamente extensiva» do referido artigo, mas o próprio sentido dessa precisão (33).

29.      Consequentemente, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 68 desse acórdão, que a Comissão tinha «a obrigação, a fim de não ignorar um elemento essencial da Diretiva 2010/30, de fixar, no [Regulamento Delegado 665/2013] um método de cálculo que permitisse medir o desempenho energético dos aspiradores em condições tão próximas quanto possível das condições reais de utilização, exigindo que o recipiente do aspirador esteja cheio até um certo nível, tendo em conta, todavia, as exigências ligadas à validade científica dos resultados obtidos e à exatidão das informações dadas aos consumidores, tais como são designadamente referidas no considerando 5 e no artigo 5.o, alínea b), desta diretiva» (34).

30.      Após a remessa, por Acórdão de 8 de novembro de 2018, Dyson/Comissão (T‑544/13 RENV, EU:T:2018:761; a seguir «acórdão de anulação do Tribunal Geral após a remessa»), o Tribunal Geral anulou o Regulamento Delegado 665/2013.

31.      Nesse acórdão (35), o Tribunal Geral considerou que resultava claro do n.o 68 do acórdão de anulação do Tribunal de Justiça que, para que o método adotado pela Comissão fosse conforme aos elementos essenciais da Diretiva 2010/30, deviam estar preenchidos dois requisitos cumulativos. Em primeiro lugar, para medir o desempenho energético dos aspiradores em condições tão próximas quanto possível das condições reais de utilização, o recipiente do aspirador devia estar cheio até um certo nível. Em segundo lugar, o método fixado devia cumprir determinadas exigências ligadas à validade científica dos resultados obtidos e à exatidão das informações dadas aos consumidores. Do artigo 7.o do Regulamento Delegado 665/2013 e de todo o processo resultava que a Comissão tinha adotado um método de medição do desempenho energético dos aspiradores baseado em testes com um recipiente vazio. Assim, o primeiro requisito não estava preenchido, o que foi suficiente para que o Tribunal Geral concluísse que a Comissão não tinha respeitado um elemento essencial da Diretiva 2010/30, sem ter de apreciar a questão de saber se o método preenchia o segundo requisito.

32.      Além disso, o Tribunal Geral salientou que, na medida em que nenhum método de cálculo praticado com o recipiente cheio até um certo nível cumpria as exigências ligadas à validade científica dos resultados obtidos e à exatidão das informações dadas aos consumidores, a Comissão continuava a ter a possibilidade de exercer o seu direito de iniciativa legislativa para propor uma alteração da Diretiva 2010/30 (36).

33.      Consequentemente, o Tribunal Geral anulou o Regulamento Delegado 665/2013 na sua totalidade, sem que fosse necessário conhecer do terceiro fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento (37).

2.      Reenvio prejudicial relativo à interpretação do Regulamento Delegado 665/2013

34.      Entretanto, por Acórdão de 25 de julho de 2018, Dyson (C‑632/16, EU:C:2018:599), o Tribunal de Justiça pronunciou‑se a título prejudicial sobre o reenvio, por um órgão jurisdicional belga, de questões relativas à interpretação do Regulamento Delegado 665/2013, bem como da Diretiva 2005/29/CE, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno (38). O pedido tinha sido apresentado no âmbito de um litígio que opunha a Dyson Ltd e a Dyson BV, por um lado, à BSH Home Appliances NV («BSH»), por outro, a respeito de vários rótulos que descreviam o consumo energético de aspiradores convencionais (com saco) comercializados pela BSH sob as marcas Siemens e Bosch, incluindo o rótulo energético da UE exigido pelo Regulamento Delegado 665/2013. A Dyson Ltd e a Dyson BV alegaram, nomeadamente, que o uso desses rótulos pela BSH sem especificar que refletem os resultados de testes realizados com saco vazio constituíam uma prática comercial desleal capaz de induzir os consumidores em erro.

35.      No referido acórdão (39), o Tribunal de Justiça declarou, designadamente, que a Diretiva 2010/30 e o Regulamento Delegado 665/2013 deviam ser interpretados no sentido de que nenhuma informação relativa às condições em que tinha sido medida a eficiência energética do aspirador podia ser acrescentada no rótulo energético.

D.      Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

36.      Em 21 de fevereiro de 2019, a Dyson intentou uma ação de indemnização no Tribunal Geral, baseada na responsabilidade extracontratual da União Europeia, nos termos do artigo 268.o TFUE e do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

37.      A Dyson pedia o pagamento do montante de 176,1 milhões de euros, incluindo os juros, ou, a título subsidiário, do montante de 127,1 milhões de euros, incluindo os juros, e a condenação da Comissão nas despesas. Esta última concluía pedindo que a ação fosse julgada improcedente e a condenação da Dyson nas despesas.

38.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a Dyson não preenchia uma das principais condições para desencadear a responsabilidade extracontratual da União, a saber, a existência de uma violação suficientemente caracterizada, em relação às quatro alegadas violações do direito da União cometidas pela Comissão. Por conseguinte, julgou a ação improcedente.

39.      Em primeiro lugar, no que se refere à violação do 10.o, n.o 1 da Diretiva 2010/30, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não dispunha de nenhuma margem de apreciação que lhe permitisse exceder os poderes que lhe foram conferidos pela Diretiva 2010/30 (n.o 36 do acórdão recorrido). No entanto, declarou que a inexistência de margem de apreciação não era suficiente para concluir pela existência de uma violação suficientemente caracterizada e que era necessário tomar em consideração outros elementos, tal como enunciados na jurisprudência (n.os 37 e 38 do acórdão recorrido).

40.      O Tribunal Geral declarou que, tendo em conta o acórdão de anulação do Tribunal de Justiça e o acórdão de anulação do Tribunal Geral após a remessa, a aplicação do artigo 10.o, n.o 1 da Diretiva 2010/30 ao caso específico dos aspiradores suscitava algumas divergências de apreciação, reveladoras de dificuldades de interpretação relativamente à clareza e à precisão daquela disposição e, mais genericamente, da Diretiva 2010/30 no seu conjunto (n.os 40 a 45 do acórdão recorrido).

41.      O Tribunal Geral declarou igualmente, no que respeita à complexidade das situações a regulamentar e ao caráter intencional ou indesculpável do erro cometido, que a Comissão podia considerar, sem violar de forma manifesta e grave os limites que se impõem à sua margem de apreciação, que o teste com recipiente cheio da cláusula 5.9 não era suscetível de garantir a validade científica e a exatidão das informações dadas aos consumidores e optar, em vez dele, pelo teste com recipiente vazio, cientificamente fiável. O Tribunal Geral observou ainda que o artigo 11, n.o 1 da Diretiva 2010/30 limitava a delegação de poderes da Comissão a cinco anos, de modo que a Comissão não podia adiar a adoção de normas em matéria de rotulagem energética até que o Cenelec adotasse um método de teste com recipiente cheio. Acresce que nem o Parlamento Europeu nem o Conselho se tinham oposto à adoção do Regulamento Delegado 665/2013. Segundo o Tribunal Geral, estas circunstâncias permitiam confirmar o caráter desculpável da violação cometida pela Comissão do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30 (n.os 94 a 97 do acórdão recorrido).

42.      O Tribunal Geral concluiu que, devido a estes elementos, bem como à complexidade técnica dos problemas a resolver e às dificuldades de aplicação e interpretação dos textos relevantes, uma autoridade administrativa normalmente prudente e diligente podia considerar que se expunha a um risco ao decidir usar um método de teste com recipiente cheio em vez de um com recipiente vazio. Deste modo, a Comissão fez prova de uma conduta que podia ser esperada de uma tal autoridade e não violou de forma grave e manifesta os limites que se impõem ao seu poder de apreciação (n.o 97 do acórdão recorrido).

43.      Além disso, baseando‑se nestas constatações, o Tribunal Geral declarou que a Comissão, ao adotar o método de teste com recipiente vazio, não tinha violado de forma manifesta e grave os limites impostos à sua margem de apreciação nem tinha cometido uma violação suficientemente caracterizada das três outras alegadas violações do direito da União, a saber, do princípio da igualdade de tratamento (n.os 105 a 112 do acórdão recorrido), do princípio da boa administração e dever de diligência (n.os 116 a 119 do acórdão recorrido) e do direito ao exercício de uma atividade profissional (n.os 123 a 131 do acórdão recorrido).

E.      Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

44.      Por recurso interposto em 18 de fevereiro de 2022, a Dyson pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido na sua totalidade, declare que a Comissão cometeu uma violação suficientemente caracterizada do direito da União e remeta o processo ao Tribunal Geral. A Dyson pede igualmente ao Tribunal de Justiça que condene a Comissão nas despesas.

45.      Na sua contestação de 22 de junho de 2022, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a Dyson nas despesas.

46.      Por ouro lado, a Dyson e a Comissão apresentaram uma réplica e uma tréplica em 22 de agosto de 2022 e 30 de setembro de 2022, respetivamente.

47.      Na audiência que teve lugar em 20 de abril de 2023, a Dyson e a Comissão apresentaram alegações orais.

III. Análise

48.      A Dyson invoca sete fundamentos de recurso. Os primeiros quatro fundamentos de recurso são relativos à alegada violação pela Comissão do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30, sendo que o primeiro fundamento se baseia na qualificação incorreta dos fundamentos de recurso invocados pela Dyson e os segundo, terceiro e quarto fundamentos se baseiam na aplicação incorreta do critério jurídico da violação suficientemente caracterizada nos seguintes termos: o segundo fundamento é relativo à aplicação incorreta do método que permite avaliar a gravidade da violação no que se refere à inexistência de margem de apreciação da Comissão; o terceiro fundamento baseia‑se na avaliação incorreta do critério jurídico da violação suficientemente caracterizada no que se refere às dificuldades de interpretação e à clareza e precisão da norma violada; e o quarto fundamento baseia‑se numa apreciação incorreta do critério jurídico no que respeita à complexidade da regulamentar. Os quinto, sexto e sétimo fundamentos de recurso são relativos à aplicação incorreta do critério jurídico da violação suficientemente caracterizada relativamente às alegadas violações do princípio da igualdade de tratamento, do princípio da boa administração e do direito ao exercício de uma atividade profissional, respetivamente.

49.      Começarei por analisar o primeiro fundamento de recurso. Na minha opinião, a apreciação dos outros fundamentos de recurso depende da determinação da natureza exata da violação que a Dyson imputa à Comissão. A questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao apreciar se essa violação era suficientemente caracterizada depende, portanto, desta questão. Dado que, em meu entender, o Tribunal Geral fez uma qualificação incorreta das pretensões da Dyson, muitos dos argumentos com base nos quais considerou que a violação não estava suficientemente caracterizada são desprovidos de relevância. Irei, ainda assim, analisar os outros seis fundamentos de recurso, relativos à aplicação errónea do método para apreciar a gravidade da infração.

A.      Quanto ao primeiro fundamento de recurso

50.      Com o primeiro fundamento de recurso, a Dyson acusa, no essencial, o Tribunal Geral de ter qualificado incorretamente o seu fundamento. Embora alegasse que a Comissão tinha cometido uma violação suficientemente caracterizada ao adotar o teste com recipiente vazio, o Tribunal Geral, nos n.os 52 a 82 do acórdão recorrido, examinou erradamente a questão de saber se a Comissão podia rejeitar o teste com recipiente cheio da cláusula 5.9 (40).

51.      É verdade que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral dedicou muita atenção à questão de saber se a Comissão teve razão ao excluir o teste com recipiente cheio da cláusula 5.9. Esta apreciação só é pertinente se a alegação a tratar for a de que a Comissão rejeitou erradamente esse método. Contudo, não era isso que a Dyson pretendia. Esta não alegou que a Comissão excluiu erradamente um possível método de teste com recipiente cheio, mas sim que a Comissão tinha cometido uma violação suficientemente caracterizada ao escolher o teste com recipiente vazio.

52.      Esta distinção é importante, uma vez que determina o nível da margem de apreciação de que a Comissão dispunha, o que, por seu turno, é importante para abordar os demais fundamentos invocados pela Dyson no Tribunal Geral. Esta não nega que a Comissão dispõe de margem de apreciação para decidir qual o tipo de método de teste com recipiente cheio a adotar. Pelo contrário, segundo a Dyson, a escolha do método de teste com recipiente vazio não estava abrangida pela margem de apreciação de que a Comissão dispunha ao abrigo da legislação de base.

53.      A Comissão sustenta que para o Tribunal Geral era juridicamente relevante avaliar se o único outro método de teste reconhecido e disponível à data da adoção do Regulamento Delegado 665/2013, a saber, o teste com recipiente cheio da cláusula 5.9, era uma alternativa cientificamente exata. Aquando da redação desse regulamento, a escolha, tal como determinada pela Comissão no âmbito da sua margem de apreciação em matéria de definição de políticas complexas, era entre métodos de teste com recipiente vazio e com recipiente parcialmente cheio, e nada mais; nenhum método de teste com recipiente parcialmente cheio, incluindo o teste com recipiente cheio da cláusula 5.9, era cientificamente fiável. Por conseguinte, a Comissão alega que podia ser desculpada por adotar aquele que era o único método de teste cientificamente fiável — o teste com recipiente vazio.

54.      Não posso concordar com a Comissão. A indisponibilidade de um método de teste com recipiente parcialmente cheio cientificamente fiável não dá à Comissão margem de manobra para adotar o teste com recipiente vazio. Por conseguinte, a escolha não podia ter sido feita entre o teste com recipiente vazio e o teste com recipiente parcialmente cheio. A escolha só era possível entre diferentes métodos com recipiente parcialmente cheio ou teste nenhum.

55.      No acórdão de anulação do Tribunal Geral após a remessa, este considerou que a utilização do teste com recipiente vazio exigia a alteração à legislação de base (41). Na audiência, porém, a Comissão explicou que propor uma alteração legislativa ao artigo 10.o da Diretiva 2010/30 teria sido uma solução ilógica e difícil. Não só tal alteração teria levado muito tempo, como teria também deixado o Regulamento Delegado 665/2013 desalinhado face às normas em matéria de conceção ecológica, uma vez que os quadros jurídicos da União em matéria de rotulagem energética e de conceção ecológica operam normalmente em estreita associação e reforçam‑se mutuamente no que diz respeito aos produtos relacionados com o consumo de energia.

56.      Ainda que isso seja verdade, não pode justificar a escolha de um método de teste que não é possível ao abrigo do direito da União, ou seja, o teste com recipiente vazio.

57.      Por conseguinte, considero procedente o primeiro fundamento de recurso, segundo o qual o Tribunal Geral fez uma qualificação incorreta do fundamento da Dyson.

B.      Quanto ao segundo fundamento de recurso

58.      Com o segundo fundamento de recurso, a Dyson alega, em substância, que o Tribunal Geral considerou erradamente, nos n.os 37 e 38 do acórdão recorrido, que a violação de um requisito que não deixava margem de apreciação não era, em si, suficientemente caracterizada, atento o particular contexto do presente processo. Segundo a Dyson, o requisito de «durante a utilização» era um elemento essencial da Diretiva 2010/30, através do qual o legislador da União pretendeu limitar a margem de apreciação da Comissão. A Comissão estava ciente do caráter enganoso do teste com recipiente vazio, com base no seu próprio relatório especializado e nas respostas à consulta das partes interessadas, e de que este teste podia ser prejudicial para o ambiente e impedir os fabricantes de informarem os consumidores de tais riscos. Como a Dyson salientou na audiência, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não dispunha de nenhuma margem de apreciação, pelo que a questão deveria ter ficado resolvida (42).

59.      A Comissão considera que o Tribunal Geral aplicou corretamente o critério jurídico da violação suficientemente caracterizada no que respeita à margem de apreciação da Comissão (43). Como a Comissão alegou na audiência, o Tribunal de Justiça devia confirmar a jurisprudência do Tribunal Geral segundo a qual não existe um nexo automático entre a inexistência de margem de apreciação e a constatação de uma violação suficientemente caracterizada e que há que ter em conta outros elementos definidos na jurisprudência. A Comissão alegou ainda, na audiência, que embora uma margem de apreciação reduzida ou inexistente leve a concluir pela existência de uma violação suficientemente caracterizada quando haja uma obrigação clara e precisa que resulte do direito da União, o que não sucede no presente processo.

60.      A simples violação de uma norma do direito da União que não deixa nenhuma margem de apreciação à instituição da União em causa é suficiente para que a violação dessa norma possa ser considerada suficientemente caracterizada, ou o Tribunal de Justiça deve, ainda assim, ter em conta outros elementos suscetíveis de desculpar essa violação?

61.      Em meu entender, a resposta a esta questão não resulta claramente da jurisprudência. Igualmente importante é o facto de a jurisprudência não dar nenhuma indicação quanto à forma de determinar se uma instituição dispõe de uma margem de apreciação. Ao longo dos anos, alguns advogados‑gerais e (44) alguma doutrina (45) têm assinalado o caráter inconclusivo da jurisprudência e, por essa razão, têm posto em causa a relevância da margem de apreciação enquanto critério, uma vez que a análise sobre se uma violação é suficientemente caraterizada depende, em todo o caso, em outros elementos.

62.      A minha análise da jurisprudência existente sugere que a margem de apreciação tem um papel a desempenhar para determinar se uma violação do direito da União pode ser qualificada de suficientemente caracterizada, mas que esse papel não é decisivo. Nesta perspetiva, ao declarar, nos n.os 37 e 38 do acórdão recorrido, que a inexistência de margem de apreciação não basta para concluir pela existência de uma violação suficientemente caracterizada e que é ainda necessário verificar se eventualmente existem elementos suscetíveis de desculpar a violação, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito.

63.      Nos desenvolvimentos que se seguem, abordarei brevemente a jurisprudência pertinente relativa à responsabilidade da União Europeia e à responsabilidade dos Estados‑Membros (46).

1.      Jurisprudência pertinente em matéria de responsabilidade da União Europeia e dos EstadosMembros

64.      Consabidamente, desde o Acórdão Bergaderm (47), a jurisprudência relativa à responsabilidade da União Europeia e dos Estados‑Membros por danos causados por uma violação do direito da União desenvolveu‑se de forma harmoniosa. Baseando‑se no seu anterior acórdão relativo à responsabilidade do Estado no processo Brasserie (48), o Tribunal de Justiça recordou, no Acórdão Bergaderm, que as condições de efetivação da responsabilidade da União Europeia e dos Estados‑Membros por danos causados aos particulares em virtude de violação do direito da União não devem diferir. Isto sucede porque a proteção dos direitos que os particulares retiram do direito comunitário não pode variar em função da natureza nacional ou comunitária da autoridade que está na origem do dano (49).

65.      Isto significa que a jurisprudência relativa aos requisitos de responsabilidade extracontratual da União, incluindo uma violação suficientemente caracterizada, se desenvolveu de forma alinhada com a que se refere à responsabilidade do Estado. Assim, no Acórdão Bergaderm, o Tribunal de Justiça retomou a fórmula que parecia claramente estabelecida na jurisprudência anterior em matéria de responsabilidade do Estado, segundo a qual a apreciação da gravidade da violação depende da questão de saber se o Estado‑Membro ou a instituição da União dispunha ou não de uma margem de apreciação ao atuar alegadamente em violação do direito da União. Quando a instituição em causa não dispõe de nenhuma margem de apreciação ou a sua margem de apreciação é consideravelmente reduzida, a simples violação do direito da União basta para demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (50).

66.      Esta distinção entre a existência e a inexistência de uma margem de apreciação decorria de dois casos estruturantes para a responsabilidade do Estado. No primeiro processo em que o Tribunal de Justiça estabeleceu o princípio da responsabilidade do Estado, a saber, o processo Francovich e o (51)., o Tribunal não mencionou sequer uma violação suficientemente caracterizada como condição da responsabilidade (52). Contudo, as circunstâncias desse processo relativas a uma situação em que um Estado‑Membro atuou num domínio do direito da União em que não dispunha de nenhuma margem de apreciação. Nesse processo, a violação consistia na falta de transposição atempada de uma diretiva por um Estado‑Membro. Embora os Estados‑Membros possam normalmente escolher as medidas através das quais transpõem uma diretiva para o seu direito nacional, não têm a possibilidade de escolher se vão, ou não, transpor a diretiva. Nesse caso, é claro que a simples violação do direito da União (não transposição de uma diretiva) gera a responsabilidade de um Estado‑Membro em relação a um particular que sofreu um dano devido a essa falta de transposição.

67.      A situação seria diferente se o Estado‑Membro tivesse transposto uma diretiva, mas o tivesse feito de forma incorreta. Os Estados‑Membros dispõem, efetivamente, de uma escolha quanto ao modo de transpor uma diretiva, pelo que o seu erro pode, em determinadas circunstâncias, ser desculpável e não gerar responsabilidade. O primeiro processo em que o Tribunal de Justiça teve oportunidade de decidir como é que a responsabilidade é gerada numa situação em que um Estado‑Membro tem a possibilidade de escolher não dizia respeito, porém, à transposição de uma diretiva, mas à violação de uma disposição do Tratado. No processo Brasserie (53), os dois Estados‑Membros em causa violaram o direito da União ao optarem por adotar medidas legislativas nacionais (relativas à definição de cerveja e à matrícula dos navios, respetivamente), que ainda assim incumpriam as normas do Tratado relativas ao mercado interno. Esses Estados‑Membros encontravam‑se numa situação em que dispunham de margem de apreciação quanto à forma de regulamentar. No entanto, a sua margem de apreciação na escolha das medidas adequadas estava limitada por essas normas do Tratado. Estas circunstâncias levaram o Tribunal de Justiça a considerar que, quando um Estado‑Membro age num domínio em que dispõe de um amplo poder de apreciação, a responsabilidade só pode existir se a violação for suficientemente caracterizada.

68.      A razão pela qual as instituições da União ou dos Estados‑Membros simplesmente não incorrem em responsabilidade por qualquer violação do direito da União, mas apenas por uma violação suficientemente caracterizada, decorre da necessidade de ponderação entre, por um lado, a proteção dos particulares contra a atuação ilegal das instituições (da União ou do Estado‑Membro) e, por outro, a margem de manobra que deve ser reconhecida a essas instituições para não paralisar a sua ação (54).

69.      No Acórdão Brasserie (55), o Tribunal de Justiça declarou que o critério decisivo para considerar que uma violação é suficientemente caracterizada numa situação em que um Estado‑Membro dispõe de uma margem de apreciação é o da violação manifesta e grave dos limites que se impõem à sua margem de apreciação. O mesmo critério tem sido também utilizado desde o Acórdão Bergaderm  para determinar a gravidade da violação cometida pelas instituições da União (56).

70.      Foi para apreciar se um Estado‑Membro tinha violado de forma manifesta e grave os limites impostos à sua margem de apreciação que o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão Brasserie (57), enumerou certos elementos suscetíveis de serem tomados em consideração (58). Assim, por exemplo, por um lado, a natureza obscura ou imprecisa da norma violada ou o facto de a posição adotada por uma instituição da União poder ter contribuído para a omissão poderiam desculpar a violação. Por outro lado, o facto de a violação ser deliberada ou de persistir apesar de um acórdão declarar essa violação ou de existir jurisprudência constante do Tribunal de Justiça na matéria, constituíam elementos que permitiam concluir que essa violação era suficientemente caracterizada. Em todo o caso, elementos como os enumerados no Acórdão Brasserie  não são exaustivos, como parece sugerir a jurisprudência (59).

71.      Há que observar que, no Acórdão Brasserie, os elementos suscetíveis de desculpar a violação relativa a uma situação em que os Estados‑Membros em causa dispunham de uma ampla margem de apreciação.

72.      Assim, quando o Tribunal de Justiça escolheu alinhar a responsabilidade da União e dos Estados‑Membros no Acórdão Bergaderm, parecia que existiam regras claras para determinar a gravidade da violação. Se uma instituição da União não dispunha de nenhuma margem de apreciação ou apenas dispunha de uma margem muito reduzida, a simples violação do direito da União seria, em si mesma, suficientemente caracterizada. Se, pelo contrário, a instituição da União dispusesse de margem de apreciação, a violação só seria suficientemente caracterizada se essa instituição tivesse violado, de forma manifesta e grave, os limites impostos à sua margem de apreciação. Em função das circunstâncias do caso concreto, os órgãos jurisdicionais da União deviam tomar em consideração diferentes elementos, a fim de determinar se a violação podia, ou não, ser desculpada.

73.      No que respeita ao presente processo, se as regras enunciadas na jurisprudência relativas à apreciação de uma violação suficientemente caracterizada fossem efetivamente tão claras, isso levaria a concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, uma vez que teve em conta vários elementos, apesar de ter constatado que a Comissão não dispunha de nenhuma margem de apreciação para escolher o teste com recipiente vazio.

74.      Contudo, a jurisprudência, tal como desenvolvida após o Acórdão Bergaderm, não permite concluir que a distinção entre a existência e a inexistência de uma margem de apreciação e a relação entre a margem de apreciação e a gravidade da infração é assim tão evidente.

75.      Na secção que se segue, proporei uma classificação e uma breve análise desta jurisprudência.

2.      Classificação da jurisprudência posterior ao Acórdão Bergaderm

76.      Para efeitos do presente processo, a jurisprudência decorrente do Acórdão Bergaderm pode ser classificada em quatro grupos: em primeiro lugar, processos em que os órgãos jurisdicionais da União consideraram que não havia margem de apreciação e, por conseguinte, pela existência de uma violação suficientemente caracterizada; em segundo lugar, processos em que os órgãos jurisdicionais da União consideraram que não havia margem de apreciação ou que apenas havia uma margem de apreciação limitada, mas, após analisarem diferentes elementos, concluíram que a violação não era suficientemente caracterizada; em terceiro lugar, processos em que os órgãos jurisdicionais da União consideraram que havia margem de apreciação mas, depois de analisarem diferentes elementos, concluíram que a violação era suficientemente caracterizada; e, em quarto lugar, processos em que os órgãos jurisdicionais da União consideraram que havia margem de apreciação e, após terem analisado diferentes elementos, concluíram que a violação não era suficientemente caracterizada.

a)      Primeiro grupo de processos

77.      Em primeiro lugar, existe jurisprudência em que os órgãos jurisdicionais da União concluíram que a instituição que cometeu a violação não dispunha de nenhuma margem de apreciação e que, por conseguinte, a responsabilidade era automaticamente desencadeada. Esses processos dizem respeito tanto à responsabilidade da União (60) como à dos Estados‑Membros (61).

78.      É interessante notar que alguns destes processos relativos à responsabilidade do Estado não eram processos em que os Estados‑Membros falharam na transposição atempada de uma diretiva, mas antes processos que envolviam a transposição incorreta de uma diretiva, situação em que os Estados‑Membros têm geralmente uma escolha. No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que, nesses processos, os Estados‑Membros não dispunham de nenhuma margem de apreciação. O elemento importante para o Tribunal de Justiça foi a clareza e a precisão da norma violada, que não deixava nenhuma dúvida quanto ao resultado que os Estados‑Membros deviam alcançar.

79.      Ao aplicar este raciocínio ao processo em apreço, é possível concluir, como fez o Tribunal Geral, que a Comissão não dispunha de uma margem de apreciação para adotar o teste com recipiente vazio porque a norma da legislação de base exige que os aspiradores sejam testados «durante a utilização» era clara. Contudo, a jurisprudência relativa ao primeiro grupo sugere que a responsabilidade, contrariamente ao que o Tribunal Geral concluiu, devia decorrer automaticamente daí.

b)      Segundo grupo de processos

80.      Há outra jurisprudência que aponta num sentido diferente. O segundo grupo de processos diz respeito a situações em que os órgãos jurisdicionais da União consideraram que não havia nenhuma margem de apreciação ou apenas havia uma margem de apreciação limitada na norma da União violada, mas, não obstante, avaliaram outros elementos e concluíram que a violação podia ser desculpada. Por conseguinte, não se gerava nenhuma responsabilidade. Embora esses exemplos sejam difíceis de encontrar no que diz respeito à responsabilidade dos Estados‑Membros (62), não são tão raros na jurisprudência relativa à responsabilidade da União (63).

81.      Por exemplo, o Acórdão Holcim (Deutschland)/Comissão (64) dizia respeito ao reembolso de despesas de garantia bancária suportadas pela recorrente em vez de coimas aplicadas por uma decisão da Comissão em matéria de direito da concorrência, posteriormente anulada. O Tribunal Geral declarou que, nessas circunstâncias, a margem de apreciação da Comissão era reduzida, pelo que a violação, a saber, a insuficiência das provas apresentadas para sustentar as práticas incriminadas da demandante, era suscetível de demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada. Contudo, tendo em conta a complexidade do processo e as dificuldades de aplicação das disposições do Tratado em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas, o Tribunal Geral considerou que a violação não era suficientemente caracterizada. Em sede de recurso (65), o Tribunal de Justiça confirmou a abordagem do Tribunal Geral (66).

82.      Aplicando este raciocínio ao caso em apreço, pode concluir‑se que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar que podia avaliar elementos adicionais, mesmo depois de ter constatado que a Comissão não dispunha de nenhuma margem de apreciação para adotar o teste com recipiente vazio. Estes elementos adicionais podiam desculpar a violação cometida pela Comissão, caso em que não seria considerada suficientemente caracterizada para gerar a sua responsabilidade.

c)      Terceiro e quarto grupos de processos

83.      O terceiro grupo de processos diz respeito àqueles em que os órgãos jurisdicionais da União consideraram que a instituição dispunha de uma margem de apreciação ao abrigo da norma de direito da União que foi violada e, após ter tido em conta diferentes elementos, concluíram que a violação era suficientemente caracterizada. Podem encontrar‑se exemplos tanto no contexto da responsabilidade da União (67) como no da responsabilidade dos Estados‑Membros (68).

84.      Por exemplo, o Acórdão Provedor de Justiça/Staelen (69) dizia respeito a alegadas violações pelo Provedor de Justiça Europeu do dever de diligência no âmbito do tratamento de uma queixa. O Tribunal de Justiça declarou que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito ao declarar, de um modo geral, que uma simples violação do dever de diligência constituía uma violação suficientemente caracterizada; como resulta da jurisprudência, o Provedor de Justiça dispõe de uma ampla margem de apreciação. O Tribunal de Justiça considerou, no entanto, que o Provedor de Justiça tinha cometido erros indesculpáveis e que tinha violado de forma manifesta e grave os limites que se impõem à sua margem de apreciação na condução do seu inquérito, cometendo assim três violações suficientemente caracterizadas do direito da União (70).

85.      No quarto grupo de processos, a existência de uma margem de apreciação e a apreciação dos diferentes elementos levaram os órgãos jurisdicionais da União a declarar que a violação não era suficientemente caracterizada. Também neste caso a jurisprudência contém exemplos relativos à responsabilidade da União (71) e à responsabilidade do Estado (72).

86.      Por exemplo, o Acórdão SGL Carbon e o./Comissão (73), dizia respeito à classificação alegadamente ilegal de uma certa substância pela Comissão nos termos do regulamento da União em causa. O Tribunal de Justiça confirmou a apreciação pelo Tribunal Geral do comportamento da Comissão como desculpável devido à complexidade da classificação de uma substância e à dificuldade de interpretar a regra do método da soma.

87.      Aplicando este raciocínio ao caso em apreço, poder‑se‑ia concluir que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao apreciar elementos adicionais, se a Comissão dispunha de uma margem de apreciação.

88.      Dispunha a Comissão de uma margem de apreciação?

89.      Comparando o presente processo com o processo Brasserie, a resposta a esta questão parece ser afirmativa. Tal processo dizia respeito a um domínio do direito da União em que os Estados‑Membros em causa podiam fazer escolhas regulamentares, mas uma norma superior do direito da União impunha limites a essas escolhas. Mais precisamente, o direito da União excluía regras discriminatórias do âmbito das escolhas de que o legislador nacional desses Estados‑Membros dispunha. No caso em apreço, a Comissão adotou um regulamento relativo à eficiência energética dos aspiradores como ato delegado, ou seja, num domínio do direito da União em que o legislador da União deixou à Comissão a incumbência de fazer escolhas regulamentares. Contudo, essas escolhas eram limitadas pela impossibilidade de adotar métodos de teste diferentes dos realizados «durante a utilização». Consequentemente, isso poderia levar a concluir que a Comissão excedeu os limites impostos à sua margem de apreciação, e que foi com razão que o Tribunal Geral apreciou outros elementos para determinar se a violação desses limites era grave e manifesta.

90.      Contudo, a mesma situação pode igualmente ser descrita no sentido de que não comporta nenhuma margem de apreciação. Desta perspetiva, com efeito, a Comissão executou um mandato imposto pela legislação de base (à semelhança do que sucede quando os Estados‑Membros transpõem as diretivas) e, em seguida, violou uma norma clara que não lhe deixava nenhuma margem de apreciação.

91.      Dado que a mesma situação pode ser caracterizada como implicando quer a existência quer a inexistência de uma margem de apreciação, parece‑me preferível adotar a abordagem sugerida por alguns advogados‑gerais (como referido no n.o 61 das presentes conclusões) segundo a qual esta margem de apreciação é um elemento importante para determinar se a violação é suficientemente caracterizada, mas não é decisiva. Em qualquer caso, há que verificar se a instituição em causa dispunha de uma margem de apreciação. Contudo, ainda que esta não exista, daí não resulta automaticamente que a violação fosse suficientemente caracterizada. Em função das circunstâncias de cada caso concreto, podem ser tidos em conta outros elementos que podem levar à exclusão da responsabilidade. Com base nestas considerações, independentemente de a situação no caso em apreço ser caracterizada no sentido de existia uma margem de apreciação cujos limites foram excedidos, quer no sentido de que não implica nenhuma margem de apreciação, os elementos adicionais podem ser tidos em conta para determinar se a violação é suficientemente caracterizada.

92.      Deste modo, considero que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 37 e 38 do acórdão recorrido, que era necessário ter em conta elementos adicionais. Por conseguinte, o segundo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

93.      Contudo, a meu ver, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na apreciação destes elementos adicionais. Isto leva‑me aos terceiro e quarto fundamentos de recurso.

C.      Quanto aos terceiro e quarto fundamentos de recurso

94.      Como referido (v. n.os 41 e 42 das presentes conclusões), o Tribunal Geral considerou que a violação pela Comissão do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30 era desculpável. O Tribunal Geral teve em conta a complexidade da situação a regulamentar e as dificuldades de interpretação e de aplicação dos textos relevantes. Considerou que a Comissão não tinha violado de maneira grave e manifesta os limites impostos à sua margem de apreciação ao escolher o teste com recipiente vazio em vez do método com recipiente cheio da cláusula 5.9.

95.      Com o terceiro e quarto fundamentos de recurso, a Dyson alega, em substância, que o Tribunal Geral não podia concluir legitimamente que a violação pela Comissão do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30 podia ser desculpada devido à existência de dificuldades de interpretação e à complexidade da regulamentação. Era evidente que o teste a ser aplicado devia mostrar a eficiência energética «durante a utilização» e que a finalidade dessa norma era assegurar que os consumidores recebiam informações fiáveis sobre a eficiência energética dos aspiradores. Embora a escolha de um teste cientificamente adequado pudesse ser tecnicamente complexa, esse não era o caso no que respeita a uma norma segundo a qual a Comissão não podia usar um teste que não medisse o desempenho dos aspiradores «durante a utilização».

96.      A Comissão alega, no essencial, que ao adotar o teste com recipiente vazio, considerou que estava a utilizar um método de teste tão próximo quanto possível das condições reais de utilização e que, simultaneamente, era fiável, exato e reprodutível, a fim de permitir aos utilizadores finais tomarem decisões de compra mais informadas. Segundo a Comissão, era perfeitamente razoável que usasse de alguma cautela ao definir os métodos de teste e ao optar por ponderar a validade científica desses métodos como fator elemento decisivo na tomada de decisões políticas. Por conseguinte, embora o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral tenham posteriormente considerado, em sede do recurso de anulação, que a Comissão tinha cometido um erro ao adotar esta abordagem (v. n.os 27 a 33 das presentes conclusões), a sua violação era desculpável e, por essa razão, não era suficientemente caracterizada.

1.      Quanto à admissibilidade

97.      Na audiência, a Comissão alegou que os terceiro e quarto fundamentos de recurso são inadmissíveis, uma vez que põem em causa a apreciação dos factos feita pelo Tribunal Geral.

98.      Não concordo com a Comissão.

99.      Segundo a jurisprudência, embora a apreciação dos factos e a sua complexidade no âmbito de uma ação de responsabilidade extracontratual da União caibam em princípio ao Tribunal Geral (74), o Tribunal de Justiça é competente para fiscalizar a qualificação jurídica dos factos e as consequências jurídicas daí retiradas para determinar se existiu uma violação suficientemente caracterizada (75).

100. No presente processo, como a Dyson alegou na audiência, os terceiro e quarto fundamentos de recurso não se destinam a obter um reexame das apreciações de facto efetuadas pelo Tribunal Geral, mas visam, em substância, contestar qualificação jurídica adotada pelo Tribunal Geral com base na qual decidiu que a Comissão não tinha cometido uma violação suficientemente caracterizada. A Dyson visa, em concreto, contestar o raciocínio jurídico do Tribunal Geral segundo o qual a violação cometida pela Comissão estava associada a dificuldades de interpretação e a uma complexidade regulamentar, o que levou o Tribunal Geral a considerar que a Comissão não tinha violado de maneira manifesta e grave os limites que se impõem à sua margem de apreciação. Trata‑se de uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso.

101. Por conseguinte, considero que os terceiro e quarto fundamentos de recurso são admissíveis.

2.      Quanto ao mérito

102. Na minha opinião, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a violação do artigo 10.o, n.o 1 da Diretiva 2010/30 pela Comissão era desculpável devido à existência de dificuldades de interpretação ou de complexidade regulamentar.

103. A questão de saber se uma violação de uma norma de direito da União é desculpável deve ser apreciada tomando em consideração as circunstâncias tal como existiam no momento da adoção da decisão por meio da qual a violação foi cometida (76). Há, assim, que determinar se o Tribunal Geral errou ao considerar que as dificuldades de interpretação e a complexidade regulamentar tornavam desculpável a atuação da Comissão no momento da adoção do Regulamento Delegado 665/2013.

104. Na minha opinião, não se pode admitir, nas circunstâncias do presente processo, que a Comissão, como «boa» administradora normalmente prudente e diligente (77), pudesse considerar justificada a adoção de um método de teste que induz os consumidores em erro quanto à eficiência energética dos aspiradores simplesmente porque esse era o único método de teste disponível à data.

105. Em primeiro lugar, a Comissão não alegou que não era claro que o método de teste a adotar devia medir o desempenho dos aspiradores «durante a utilização». Contudo, o seu problema era que, à data dos factos, não existia um teste com recipiente cheio cientificamente fiável (78). Por conseguinte, a Comissão decidiu utilizar o teste com recipiente vazio.

106. Na audiência, a Comissão declarou que, pelo menos à data dos factos, ainda era possível considerar que testar aspiradores no início da sua utilização (com recipientes vazios) constituía uma medição «durante a utilização». Só mais tarde, no acórdão de anulação do Tribunal de Justiça, este último explicou que «durante a utilização» significa medir o desempenho energético dos aspiradores em condições tão próximas quanto possível das condições reais de utilização, exigindo que o recipiente do aspirador esteja cheio até um certo nível (79).

107. É admissível tal desculpa?

108. Com efeito, recorrendo a uma interpretação puramente literal e concentrando‑se exclusivamente nestas duas palavras, é possível concluir que o início da utilização também se insere no conceito de «durante a utilização».

109. Contudo, à data dos factos, a Comissão estava ciente, como indicou na audiência, da diminuição do desempenho energético no caso dos aspiradores com saco. Em particular, como a Dyson indicou, isso é demonstrado pelo relatório de peritagem da Comissão (80), bem como pela informação disponibilizada pelas organizações de consumidores (81) e pela própria Dyson (82) durante as consultas das partes interessadas que conduziram à adoção do Regulamento Delegado 665/2013.

110. Assim, à data dos factos, a Comissão estava ciente de que o teste com recipiente vazio não permitiria alcançar o objetivo da Diretiva 2010/30 de informar os consumidores sobre a eficiência energética dos aspiradores e de lhes permitir comprar aspiradores mais eficientes em termos energéticos. Bem pelo contrário, a Comissão não podia ignorar que esse teste induziria os consumidores em erro.

111. Nenhum bom administrador deve ser autorizado a ignorar a finalidade das disposições legais que aplica. Segundo as informações de que a Comissão dispunha, a expressão «durante a utilização», interpretada no contexto dos objetivos da Diretiva 2010/30, não podia ser entendida no sentido de que permitia a realização de testes com recipiente vazio.

112. Em meu entender, a circunstância de, à data dos factos, o Parlamento Europeu ou o Conselho não se terem oposto ao Regulamento Delegado 665/2013, como o poderiam ter feito ao abrigo do artigo 12.o da Diretiva 2010/30, não pode ser utilizado como prova de um mandato pouco claro.

113. Não considero, portanto, que dificuldades de interpretação possam desculpar a violação cometida pela Comissão.

114. No que diz respeito à complexidade regulamentar, a Comissão explicou que tinha de ponderar a necessidade de aplicar um método de teste que refletisse as condições reais de utilização com a exigência de que esse método seja cientificamente exato e fiável. Contudo, a Comissão não podia incluir na ponderação um teste cujos resultados induzissem os consumidores em erro. A conclusão de que o teste com recipiente vazio não era uma opção não estava associada a nenhuma complexidade regulamentar.

115. Isto basta para concluir que, apesar das possíveis dificuldades técnicas para determinar o teste adequado, era evidente, à data dos factos, que o teste que a Comissão escolheu utilizar não podia ter sido utilizado. É, portanto, difícil de perceber como é que a Comissão, agindo como boa administradora, poderia ser desculpada por não reconhecer esse facto.

116. Por último, a Comissão alegou que, nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30, tinha de adotar um regulamento delegado num prazo de cinco anos. Por conseguinte, foi com razão que a Comissão considerou que era preferível adotar o teste com recipiente vazio do que teste nenhum.

117. Em resposta a este argumento, devo, antes de mais, salientar que o entendimento da Comissão do período de cinco anos previsto no artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30 é incorreto. Esta disposição não impunha um prazo findo o qual a Comissão devia a todo o custo adotar um método de teste. Determinava apenas o período inicial da delegação, findo o qual a Comissão era obrigada a apresentar um relatório. Esse período devia renovar‑se automaticamente por um novo período de cinco anos se o Parlamento Europeu ou o Conselho não revogassem a delegação. Além disso, ainda que o período de cinco anos constituísse um prazo para a Comissão, isso não poderia desculpar a opção por um teste não conforme com a delegação, uma vez que induz os consumidores em erro.

118. Em suma, se o argumento da Dyson for corretamente qualificado (v. a minha análise do primeiro fundamento de recurso), no sentido de que, ao adotar o teste com recipiente vazio, a Comissão cometeu uma violação suficientemente caracterizada, é evidente que nem as dificuldades de interpretação nem a complexidade regulamentar poderiam desculpar a Comissão por ter adotado esse teste.

119. Por conseguinte, considero que os terceiro e quarto fundamentos de recurso são procedentes e que a Comissão cometeu uma violação suficientemente caracterizada do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30.

D.      Quinto, sexto e sétimo fundamentos de recurso

120. Com os outros três fundamentos de recurso, a Dyson acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao considerar que a violação cometida pela Comissão não era suficientemente caracterizada em relação às alegadas violações do princípio da igualdade de tratamento (quinto fundamento de recurso), o princípio da boa administração e o dever de diligência (sexto fundamento de recurso) e direito ao exercício de uma atividade profissional (sétimo fundamento de recurso).

121. Conforme referido no n.o 43 das presentes conclusões, o Tribunal Geral baseou‑se no seu raciocínio relativo à alegada violação do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30 para concluir que não existia uma violação suficientemente caracterizada no que respeita a essas outras alegadas violações do direito da União. Uma vez que já considerei, na minha análise dos primeiro, terceiro e quarto fundamentos de recurso, que o Tribunal Geral caracterizou erradamente o fundamento da Dyson e cometeu um erro de direito ao considerar que a violação do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30 pela Comissão não era suficientemente caracterizada, as conclusões do Tribunal Geral quanto à questão de saber se essas outras alegadas violações do direito da União são suficientemente caracterizadas também estão viciadas pelos mesmos erros de direito.

122. Por conseguinte, considero que os quinto, sexto e sétimo fundamentos de recurso são procedentes.

IV.    Conclusão

123. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que:

—      declare procedentes os primeiro, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo fundamentos de recurso;

—      anule o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 8 de dezembro de 2021, Dyson e o./Comissão (T‑127/19, EU:T:2021:870);

—      declare que a violação do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2010/30/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 2010, relativa à indicação do consumo de energia e de outros recursos por parte dos produtos relacionados com a energia, por meio de rotulagem e outras indicações uniformes relativas aos produtos cometida pela Comissão é suficientemente caracterizada;

—      remeta o processo ao Tribunal Geral;

—      reserve para final a decisão quanto às despesas.


1      Língua original: inglês.


2      Os casos anteriores serão brevemente descritos nos n.os 25 a 35 das presentes conclusões na medida em que sejam relevantes para o presente processo.


3      Regulamento Delegado da Comissão, de 3 de maio de 2013, que complementa a Diretiva 2010/30/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no respeitante à rotulagem energética dos aspiradores (JO 2013, L 192, p. 1) (a seguir «Regulamento Delegado 665/2013»).


4      Acórdão de 11 de novembro de 2015 (T‑544/13, EU:T:2015:836).


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 2010, relativa à indicação do consumo de energia e de outros recursos por parte dos produtos relacionados com a energia, por meio de rotulagem e outras indicações uniformes relativas aos produtos (reformulação) (JO 2010, L 153, p. 1).


6      Acórdão de 11 de maio de 2017, Dyson/Comissão (C‑44/16 P, EU:C:2017:357).


7      Acórdão de 8 de novembro de 2018, Dyson/Comissão (T‑544/13 RENV, EU:T:2018:761).


8      Os aspiradores ciclónicos foram inventados por James Dyson, fundador da Dyson, e comercializados pela Dyson na União Europeia a partir de 1993, outras empresas seguiram os seus passos alguns anos mais tarde. Como referido pelo próprio James Dyson, a motivação que o levou a criar o aspirador ciclónico veio da sua experiência com a perda de aspiração e o entupimento dos aspiradores com saco. V. Dyson, J., Invention: A Life of Learning Through Failure, Simon & Schuster, 2021, especialmente pp. 92 e 93.


9      Há muitos tipos de aspiradores que foram sendo desenvolvidos ao longo dos anos, mas para o presente processo relevam somente os aspiradores ciclónicos e os aspiradores com saco. Sobre tipos de aspiradores, v., por exemplo, AEA Energy and Environment, Work on Preparatory Studies for Eco‑Design Requirements of EuPs (II), Lot 17 Vacuum Cleaners, TREN/D3/390‑2006, Final Report to the European Commission, fevereiro de 2009 (a seguir «Relatório AEA»), n.o 2.3; Gantz, C., The Vacuum Cleaner: A History, McFarland & Company, 2012.


10      V., a este respeito, Commission Staff Working Document, Impact Assessment, Proposal for a Regulation of the European Parliament and of the Council setting a framework for energy efficiency labelling and Directive 2010/30/EU, SWD(2015) 139 final, de 15 de julho de 2015, pp. 10 e 11 (que considera complementares as abordagens da legislação da União em matéria de rotulagem energética e em matéria de conceção ecológica, com a conceção ecológica a «empurrar» e os rótulos energéticos a «puxarem» o mercado).


11      V., por exemplo, Comissão, «About the energy label and eco‑design», disponível em: https://commission.europa.eu/energy‑climate‑change‑environment/standards‑tools‑and‑labels/products‑labelling‑rules‑and‑requirements/energy‑label‑and‑ecodesign/about_en; Relatório Especial do Tribunal de Contas n.o 1/2020, Ação da UE em matéria de conceção ecológica e de etiquetagem energética: um importante contributo para uma maior eficiência energética afetado por atrasos significativos e incumprimento, 2020, especialmente pp. 4 e 6 a 8.


12      V., por exemplo, Comunicação da Comissão — Plano de Trabalho da Conceção Ecológica e Etiquetagem Energética para 2022‑2024 (JO 2022, C 182, p. 1), n.os 1 e 6; Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a delegação de poderes para adotar atos delegados conferida à Comissão nos termos do Regulamento (UE) 2017/1369 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2017, que estabelece um regime de etiquetagem energética e que revoga a Diretiva 2010/30/UE, COM(2022) 723 final, 8 de dezembro de 2022, n.o 1. V., igualmente, Commission Staff Working Document, Impact Assessment, Proposal for a Regulation repealing Directive 2010/30/EU, referido na nota 10 das presentes conclusões, p. 16 (que constata que as medidas da União em matéria de rotulagem energética e em matéria de conceção ecológica contribuem para cerca de dois quintos do objetivo da União de reduzir em 20 % o consumo de energia até 2020 e que até 2030 a poupança líquida alcançada com essas medidas terá aumentado para quase 300 mil milhões de euros, poupando aos consumidores da União quase 17 % sobre o custo total por contraposição com a situação que existiria sem tais medidas).


13      V., por exemplo, Plano de Trabalho da Conceção Ecológica e Etiquetagem Energética para 2022‑2024, apresentado pela Comissão, referido na nota 12 das presentes conclusões, n.o 3.


14      V., por exemplo, Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, Revisão da Diretiva 2010/30/UE, (COM(2015) 345 final), 15 de julho de 2015, p. 3; Relatório do Tribunal de Contas, referido na nota 11 das presentes conclusões, p. 10. V. também, mais recentemente, Plano de Trabalho da Conceção Ecológica e Etiquetagem Energética para 2022‑2024, apresentado pela Comissão, referido na nota 12 das presentes conclusões, n.o 2 (que indica que, segundo um inquérito Eurobarómetro, 93 % dos consumidores da União reconhecem o rótulo energético, e 79 % são influenciados pela mesma quando compram eletrodomésticos).


15      Diretiva do Conselho, de 14 de maio de 1979, relativa à informação sobre o consumo de energia dos aparelhos domésticos por meio de etiquetagem (JO 1979, L 145, p. 1).


16      Diretiva do Conselho de 22 de setembro de 1992 relativa à indicação do consumo de energia dos aparelhos domésticos por meio de rotulagem e outras indicações uniformes relativas aos produtos (JO 1992, L 297, p. 16).


17      O sublinhado é meu.


18      V. artigo 1.o, n.os 1 e 2, artigo 2.o, alíneas a), e) e f), artigo 3.o, n.o 1, alínea b), artigo 4.o, alínea a), artigo 10.o, n.o 1, terceiro parágrafo, artigo 10.o, n.o 3, alínea a) e considerandos 2, 5, 13, 14 e 19 da Diretiva 2010/30.


19      V., a este respeito, Commission Staff Working Document, Impact Assessment, Accompanying document to the Proposal for a Directive of the European Parliament and of the Council on the indication by labelling and standard product information of the consumption of energy and other resources by energy‑related products, Impact Assessment, (SEC(2008) 2862), 13 de novembro de 2008, p. 83.


20      V. Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à indicação do consumo de energia e de outros recursos dos produtos relacionados com o consumo de energia por meio de rotulagem e outras indicações uniformes relativas aos produtos, COM(2008) 778 final, 13 de novembro de 2008, propostas de artigo 1.o, n.o 2, artigo 2.o, artigo 11.o, n.o 1, artigo 11.o, n.o 3 e considerandos 2, 3 e 7.


21      O sublinhado é meu. V., igualmente, considerando 19 da Diretiva 2010/30.


22      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2017, que estabelece um regime de etiquetagem energética e que revoga a Diretiva 2010/30/UE (JO 2017, L 198, p. 1). De acordo com o artigo 21.o desse regulamento, o mesmo é aplicável a partir de 1 de agosto de 2017.


23      V. considerandos 3 e 4 do Regulamento 2017/1369.


24      V. artigo 13.o, n.o 3, e considerando 35 do Regulamento 2017/1369.


25      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativa à criação de um quadro para definir os requisitos de conceção ecológica dos produtos que consomem energia (JO 2009, L 285, p. 10).


26      V., a este respeito, Commission Staff Working Document, Impact Assessment, Commission Regulation implementing Directive 2009/125/EC of the European Parliament and of the Council with regard to ecodesign requirements for vacuum cleaners and Commission Delegated Regulation supplementing Directive 2010/30/EU of the European Parliament and of the Council with regard to energy labelling of vacuum cleaners, (SWD(2013) 240), p. 4. Este documento concluía que a opção preferível seria combinar um regulamento delegado que estabelecesse os requisitos de rotulagem energética com um regulamento de execução que estabelecesse requisitos de conceção ecológica para orientar os clientes para os aparelhos mais eficientes (v. pp. 38 e 39).


27      V. artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 665/2013.


28      V. artigos 3.o e 4.o do Regulamento Delegado 665/2013.


29      V. artigo 5.o e considerando 4 do Regulamento Delegado 665/2013.


30      V. Comunicação da Comissão no âmbito da execução do [Regulamento Delegado 665/2013] e do Regulamento (UE) n.o 666/2013 da Comissão que dá execução à Diretiva 2009/125/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita aos requisitos de conceção ecológica para os aspiradores (Publicação dos títulos e das referências das normas harmonizadas ao abrigo da legislação de harmonização da União) (JO 2014, C 272, p. 5), que indica que a cláusula 5.9 da norma Cenelec não fazia parte da presente citação. Comunicações semelhantes foram emitidas em 2016 (JO 2016, C 416, p. 31) e em 2017 (JO 2017, C 261, p. 4).


31      O artigo 7.o do Regulamento Delegado 665/2013 previa que a Comissão revisse no prazo de cinco anos «a viabilidade do recurso a métodos de medição do consumo anual de energia, da taxa de remoção de pó e da taxa de reemissão de pó baseados em medições efetuadas com o recipiente parcialmente cheio em vez de vazio».


32      V. Acórdão de 11 de maio de 2017, Dyson/Comissão (C‑44/16 P, EU:C:2017:357, n.os 58 a 63) (o sublinhado é meu).


33      Acórdão de 11 de maio de 2017, Dyson/Comissão (C‑44/16 P, EU:C:2017:357, n.o 66).


34      Acórdão de 11 de maio 2017, Dyson/Comissão (C‑44/16 P, EU:C:2017:357, n.o 68). O Tribunal de Justiça remeteu depois o processo ao Tribunal Geral para que este proferisse decisão sobre os fundamentos relevantes, uma vez que implicavam a apreciação dos factos.


35      V. Acórdão 8 de novembro de 2018, Dyson/Comissão (T‑544/13 RENV, EU:T:2018:761, n.os 69 a 75).


36      V. Acórdão de 8 de novembro de 2018, Dyson/Comissão (T‑544/13 RENV, EU:T:2018:761, n.o 76).


37      V. Acórdão 8 de novembro de 2018, Dyson/Comissão (T‑544/13 RENV, EU:T:2018:761, n.o 82).


38      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 (JO 2005, L 149, p. 22).


39      V. Acórdão de 25 de julho de 2018, Dyson (C‑632/16 EU:C:2018:599, especialmente n.os 35 a 46).


40      No n.o 82 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral explicou que «o que importa é saber se a Comissão, ao preferir o método de teste baseado na utilização de um recipiente vazio em vez do método de teste com o recipiente cheio, violou de forma manifesta e grave os limites da sua margem de apreciação.»


41      V. Acórdão de 8 de novembro de 2018, Dyson/Comissão (T‑544/13 RENV, EU:T:2018:761, n.o 76); v., igualmente, n.o 32 das presentes conclusões.


42      Em apoio da sua posição, a Dyson invoca, entre outros, os Acórdãos de 10 de julho de 2003, Comissão/Fresh Marine (C‑472/00 P, EU:C:2003:399); de 16 de outubro de 2008, Synthon (EU:C:2008:565); de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça/Staelen (C‑337/15 P, EU:C:2017:256, especialmente o n.o 57); de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho (C‑45/15 P, EU:C:2017:402); e de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39).


43      Em apoio da sua posição, a Comissão invoca, entre outros, os Acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, EU:C:2000:361); de 26 de janeiro de 2006, Medici Grimm/Conselho (T‑364/03, EU:T:2006:28); de 3 de março de 2010, Artegodan/Comissão (T‑429/05, EU:T:2010:60); e de 23 de novembro de 2011, Sison/Conselho (T‑341/07, EU:T:2011:687).


44      V., a este respeito, as Conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:207, n.os 134 a 139) e as Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Synthon (C‑452/06, EU:C:2008:393, n.os 121 a 123).


45      V., por exemplo, Biondi, A. e Farley, M., The Right to Damages in EU Law, Kluwer, 2009, p. 41 (que consideram que a jurisprudência apresenta um «raciocínio ziguezagueante»); Hilson, C., «The Role of Discretion in EC Law on Non‑Contractual Liability», Common Market Law Review, Vol. 42, 2005, p. 677, especialmente p. 693) (que nota a «estranha circularidade» na jurisprudência); Biondi, A. e Farley, M., The Right to Damages in EU Law, Kluwer, 2009, p. 41 (que considera que a jurisprudência exibe um «raciocínio em zig‑zag»).


46      Devido aos constrangimentos decorrentes da necessidade de não ter Conclusões demasiado extensas, não analisarei em pormenor a abundante jurisprudência em causa. Em vez disso, limitar‑me‑ei a apresentar determinadas linhas comuns que poderão contribuir para racionalizar esta jurisprudência.


47      V. Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, EU:C:2000:361; a seguir «Acórdão Bergaderm»).


48      V. Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du Pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 42; a seguir «Acórdão Brasserie»).


49      V. Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 41).


50      V. Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão  (C352/98 P, EU:C:2000:361, n.os 43 e 44).


51      V. Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.os 38 a 41, 44 e 45).


52      Isto explica‑se pelas circunstâncias do processo Francovich, no qual a causa do dano foi a não transposição de uma diretiva. Uma vez que os Estados‑Membros não dispõem de nenhuma margem de apreciação para decidir não transpor uma diretiva, podia ter‑se subentendido que a violação era suficientemente caracterizada. Esta interpretação do processo Francovich  foi posteriormente confirmada pela jurisprudência. V., por exemplo, Acórdãos de 8 de outubro de 1996, Dillenkofer e o. (C‑178/94, C‑179/94 e C‑188/94 a C‑190/94, EU:C:1996:375, n.o 23), e de 15 de junho de 1999, Rechberger e o. (C‑140/97, EU:C:1999:306, n.o 51).


53      V. Acórdão de 5 de março de 1996 (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.os 47 a 51.


54      V., por exemplo, Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 34).


55      V. Acórdão de 5 de março de 1996 (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 55).


56      V. Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 43). V. também, por exemplo, Acórdãos de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça/Staelen (C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.o 31); Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 33); e de 16 de junho de 2022, SGL Carbon e o./Comissão (C‑65/21 P e C‑73/21 P a C‑75/21 P, EU:C:2022:470, n.o 47).


57      V. Acórdão de 5 de março de 1996 (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.os 56 e 57).


58      No n.o 43 do Acórdão Brasserie, o Tribunal de Justiça explicou que «O regime construído pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do [artigo 340.o TFUE], especialmente a propósito da responsabilidade decorrente de atos normativos, tem designadamente em consideração a complexidade das situações a regular, as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos e, de uma forma mais especial, a margem de apreciação de que dispõe o autor do ato impugnado».


59      No que respeita à responsabilidade da União, v., por exemplo, Acórdãos de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 33) («nomeadamente»), e de 22 de setembro de 2022, IMG/Comissão (C‑619/20 P e C‑620/20 P, EU:C:2022:722, n.o 146 («nomeadamente»). No que respeita à responsabilidade do Estado, v., por exemplo, Acórdãos de 28 de julho de 2016, Tomášová (C‑168/15, EU:C:2016:602, n.o 25) («designadamente»), e de 4 de outubro de 2018, Kantarev (C‑571/16, EU:C:2018:807, n.o 105) («nomeadamente»).


60      V., por exemplo, Acórdãos de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric (C‑440/07 P, EU:C:2009:459, n.os 166 a 173); de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça/Staelen (C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.o 57); de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.os 103 a 106); de 28 de outubro de 2021, Vialto Consulting/Comissão (C‑650/19 P, EU:C:2021:879); de 24 de outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão (T‑178/98, EU:T:2000:240, n.os 57, 76 e 82) [confirmado em sede de recurso pelo Acórdão de 10 de julho de 2003, Comissão/Fresh Marine (C‑472/00 P, EU:C:2003:399, n.os 28 a 32)]; de 25 de novembro de 2014, Safa Nicu Sepahan/Conselho (T‑384/11, EU:T:2014:986, n.os 59 a 69) [confirmado em sede de recurso pelo Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho (C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.os 32 a 42)]; de 14 de dezembro de 2018, East West Consulting/Comissão (T‑298/16, EU:T:2018:967, n.os 146 a 153); de 19 de janeiro de 2022, Deutsche Telekom/Comissão (T‑610/19, EU:T:2022:15, n.os 112 e 113) (recurso pendente no processo C‑221/22 P); e de 23 de fevereiro de 2022, United Parcel Service/Comissão (T‑834/17, EU:T:2022:84, n.os 104 a 123) (recurso pendente no processo C‑297/22 P).


61      V., por exemplo, Acórdãos de 18 de janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark (C‑150/99, EU:C:2001:34, n.os 40 a 42); de 28 de junho de 2001, Larsy (C‑118/00, EU:C:2001:368, n.os 41 a 55); de 17 de abril de 2007, A.G.M.‑COS.MET (C‑470/03, EU:C:2007:213, n.os 82 e 86); de 16 de outubro de 2008, Synthon (C‑452/06, EU:C:2008:565, n.os 39 a 46); e de 4 de outubro de 2018, Kantarev (C‑571/16, EU:C:2018:807, n.os 106 a 108 e 115).


62      Parece que um dos poucos exemplos que podem ser considerados como processo em que o Tribunal de Justiça admitiu que um Estado‑Membro possa não ser responsável mesmo que não disponha de nenhuma margem de apreciação é o Acórdão de 4 de julho de 2000, Haim (C‑424/97, EU:C:2000:357).


63      V., por exemplo, Acórdãos de 12 de julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão (T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, EU:T:2001:184, n.os 137 a 150); de 21 de abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão (T‑28/03, EU:T:2005:139, n.os 100 a 116) [confirmado em sede de recurso pelo Acórdão de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão (C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.o 51)]; de 26 de janeiro de 2006, Medici Grimm/Conselho (T‑364/03, EU:T:2006:28, n.os 82 a 98); de 3 de março de 2010, Artegodan/Comissão (T‑429/05, EU:T:2010:60, n.os 104 a 112) [confirmado em sede de recurso pelo Acórdão de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão (C‑221/10 P, EU:C:2012:216, n.os 108 e 109)]; e de 23 de novembro de 2011, Sison/Conselho (T‑341/07, EU:T:2011:687, n.os 57 a 74).


64      V. Acórdão de 21 de abril de 2005 (T‑28/03, EU:T:2005:139, n.os 100 a 116).


65      V. Acórdão de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão (C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.o 51).


66      V. igualmente, para um exemplo semelhante, Acórdão de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão (C‑221/10 P, EU:C:2012:216, n.os 108 e 109).


67      V., por exemplo, Acórdãos de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça/Staelen (C‑337/15 P, EU:C:2017:256), e de 22 de setembro de 2022, IMG/Comissão (C‑619/20 P e C‑620/20 P, EU:C:2022:722).


68      V., por exemplo, Acórdãos de 19 de junho de 2014, Specht e o. (C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑541/12, EU:C:2014:2005), e de 3 de setembro de 2014, X (C‑318/13, EU:C:2014:2133). Dado que estes processos foram submetidos a título prejudicial pelos órgãos jurisdicionais nacionais ao Tribunal de Justiça, muitas vezes este não se pronunciou sobre a questão da existência de uma violação suficientemente caracterizada, deixando antes a sua apreciação ao órgão jurisdicional de reenvio.


69      V. Acórdão de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça/Staelen (C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.os 38 a 45, 104 a 117 e 126).


70      Contudo, no n.o 57 desse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o Provedor de Justiça dispunha apenas de uma margem de apreciação reduzida, ou mesmo de nenhuma, para dar conta de um documento a fim de sustentar as conclusões a que chega no âmbito de uma decisão que encerra um inquérito. Por conseguinte, a deturpação, pelo Provedor de Justiça, do conteúdo desse documento constituía uma violação suficientemente caracterizada. V., igualmente, nota 60 das presentes conclusões.


71      V., por exemplo, Acórdãos de 12 de julho de 2005, Comissão/CEVA e Pfizer (C‑198/03 P, EU:C:2005:445, n.os 69 a 71 e 73 a 93); de 16 de junho de 2022, SGL Carbon e o./Comissão (C‑65/21 P e C‑73/21 P a C‑75/21 P, EU:C:2022:470, n.os 89 e 90); de 11 de julho de 2007, Schneider Electric/Comissão (T‑351/03, EU:T:2007:212, n.os 129 a 132); de 9 de setembro de 2008, MyTravel/Comissão (T‑212/03, EU:T:2008:315, n.os 83 a 97); e de 23 de fevereiro de 2022, United Parcel Service/Comissão (T‑834/17, EU:T:2022:84, n.os 201 a 228) (recurso pendente no processo C‑297/22 P).


72      V., por exemplo, Acórdãos de 26 de março de 1996, British Telecommunications (C‑392/93, EU:C:1996:131, n.os 39 a 46); de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.os 118 a 124); e de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2007:56, n.os 72 a 81).


73      V. Acórdão de 16 de junho de 2022 (C‑65/21 P e C‑73/21 P a C‑75/21 P, EU:C:2022:470, n.os 89 e 90).


74      V. Acórdãos de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão (C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.os 54 e 55), e de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric (C‑440/07 P, EU:C:2009:459, n.os 167 e 168).


75      V. Acórdão de 4 de abril de 2017, Provedor de Justiça/Staelen (C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.o 53).


76      V. Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.os 44 a 46).


77      Como os órgãos jurisdicionais da União declararam, só a constatação de uma irregularidade que, em circunstâncias análogas, uma administração normalmente prudente e diligente não teria cometido permite desencadear a responsabilidade extracontratual da União. V., por exemplo, Acórdãos de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 43); de 24 de outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão (T‑178/98, EU:T:2000:240, especialmente o n.o 61); de 3 de março de 2010, Artegodan/Comissão (T‑429/05, EU:T:2010:60, n.o 62); e de 23 de fevereiro de 2022, United Parcel Service/Comissão (T‑834/17, EU:T:2022:84, n.o 88) (recurso pendente no processo C‑297/22 P).


78      Embora o Tribunal Geral tenha analisado se tal teste estava disponível, gostaria de reiterar que essa questão não é relevante para decidir se a Comissão violou o artigo 10.o, n.o 1 da Diretiva 2010/30 ao utilizar o teste com recipiente vazio.


79      V. Acórdão de 11 de maio de 2017, Dyson/Comissão (C‑44/16 P, EU:C:2017:357, n.o 68). V. ainda o n.o 29 das presentes conclusões.


80      V. Relatório AEA, referido na nota 9 das presentes conclusões, especialmente p. 72, que indica: «[r]econhece‑se que todos os testes de desempenho de limpeza são realizados com saco e filtros limpos e que o desempenho pode diminuir à medida que o pó começa a encher os poros dos filtros e dos sacos.»


81      V. Associação Europeia para a Coordenação da Representação dos Consumidores para a Normalização («ANEC») e Organização Europeia de Consumidores («BEUC»), Comments on Draft Ecodesign Labelling Requirements for Vacuum Cleaners, 5 de setembro de 2011, p. 5; ANEC e BEUC, Consumer organisations comments on draft Ecodesign and Labelling rules for Vacuum Cleaners, European Commission working documents of 27 August 2012, pp. 4 e 5; ANEC e BEUC, Comments on the updated Ecodesign and Energy Labelling proposal for vacuum cleaners, Updated European Commission drafts of December 2012, pp. 2 a 4.


82      Como indicado no seu recurso, durante a consulta às partes interessadas a Dyson apresentou dados dos testes relativamente à significativa perda de desempenho dos aspiradores entre os testes com saco vazio e os testes com saco cheio.