Language of document : ECLI:EU:C:2018:876

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

7 de novembro de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Competência do Tribunal de Justiça — Diretiva 2003/86/CE — Direito ao reagrupamento familiar — Artigo 15.o — Recusa de concessão de uma autorização de residência autónoma — Regulamentação nacional que prevê a obrigação de aprovação num exame de integração cívica»

No processo C‑257/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por Decisão de 10 de maio de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de maio de 2017, no processo

C,

A

contra

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Malenovský, L. Bay Larsen (relator), M. Safjan e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de março de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de C e A, por C. F. Wassenaar, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, M. H. S. Gijzen e M. A. M. de Ree, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem C e A, nacionais de países terceiros, ao Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Secretário de Estado da Segurança e da Justiça, Países Baixos) (a seguir «Secretário de Estado») a respeito do indeferimento, por este último, dos pedidos que aqueles apresentaram para a conversão da restrição a que está sujeita a sua autorização de residência por tempo determinado e, relativamente a C, da revogação dessa autorização.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2003/86

3        O considerando 15 da Diretiva 2003/86 tem a seguinte redação:

«Deve ser promovida a integração dos membros da família. Para o efeito, estes últimos devem ter acesso a um estatuto independente do requerente do reagrupamento, em particular em caso de rutura de laços familiares, e à educação, ao emprego e à formação profissional nas mesmas condições que o requerente, nos termos relevantes.»

4        No artigo 2.o, alínea c) desta diretiva, o «requerente do reagrupamento» é definido como «o nacional de um país terceiro com residência legal num Estado‑Membro e que requer, ou cujos familiares requerem, o reagrupamento familiar para se reunificarem».

5        O artigo 3.o, n.o 3, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«A presente diretiva não é aplicável aos familiares de cidadãos da União.»

6        O artigo 7.o, n.o 2, da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros cumpram medidas de integração, em conformidade com o direito nacional.

No que respeita aos refugiados e/ou familiares dos refugiados a que se refere o artigo 12.o, as medidas de integração mencionadas no primeiro parágrafo só poderão ser aplicadas depois de concedido o reagrupamento familiar aos interessados.»

7        O artigo 15.o da Diretiva 2003/86 estabelece:

«1.      O mais tardar após cinco anos de residência, e desde que não tenha sido concedida ao familiar autorização de residência por motivo distinto do reagrupamento, o cônjuge do requerente do reagrupamento, ou a pessoa que com ele mantém uma união de facto, e os filhos que tiverem atingido a maioridade terão direito, mediante pedido se exigido, a uma autorização de residência autónoma, independente da autorização de residência do requerente do reagrupamento.

Os Estados‑Membros podem restringir a concessão da autorização de residência, a que se refere o primeiro parágrafo, ao cônjuge ou à pessoa que com ele mantém uma união de facto, em caso de rutura dos laços familiares.

[…]

4.      As condições relativas à concessão e ao prazo de validade da autorização de residência autónoma são estabelecidas pela legislação nacional.»

 Diretiva 2003/109/CE

8        O artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), dispõe:

«Os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros preencham condições de integração, em conformidade com o direito nacional.»

 Direito neerlandês

9        O artigo 3.51 do Vreemdelingenbesluit 2000 (Decreto de 2000, de aplicação da lei relativa aos estrangeiros) prevê:

«1.      Pode ser concedida uma autorização de residência por tempo determinado […], sujeita a uma restrição por motivos humanitários permanentes, a um estrangeiro que:

a)      Resida há cinco anos nos Países Baixos, na qualidade de titular de uma autorização de residência sujeita à restrição referida no ponto 1°:

1°.      residência na qualidade de familiar de uma pessoa titular de um direito de residência permanente;

[…]

5.      O artigo 3.80a aplica‑se aos estrangeiros referidos no n.o 1, alínea a), ponto 1°, […]»

10      O artigo 3.80a deste decreto tem a seguinte redação:

«1.      O pedido de conversão de uma autorização de residência […] numa autorização de residência sujeita a uma restrição por motivos humanitários permanentes é indeferido se tiver sido apresentado por um estrangeiro, na aceção do artigo 3.51, n.o 1, proémio e alínea a), ponto 1°, que não tenha sido aprovado no exame previsto no artigo 7.o, n.o 2, alínea a), da Lei relativa à integração cívica, ou que não tenha obtido um diploma, um certificado ou outro documento na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da mesma lei.

2.      O [n.o 1] não se aplica se o estrangeiro:

[…]

e)      Foi isentado da obrigação de integração cívica […]

[…]

4.      Além disso, o ministro pode não aplicar o n.o 1, se considerar que essa aplicação conduz a situações manifestas de injustiça grave.»

11      O artigo 6.o, n.o 1, da Wet inburgering (Lei relativa à integração cívica) estabelece:

«O ministro isenta a pessoa sujeita à obrigação de integração cívica, se:

a)      Esta tiver demonstrado que, devido a uma deficiência psíquica ou física ou a uma deficiência mental, está permanentemente impossibilitada de ser aprovada no exame de integração cívica;

b)      Concluir, com base nos esforços demonstrados pela pessoa sujeita à obrigação de integração cívica, que esta não pode razoavelmente cumprir a obrigação de integração cívica.»

12      O artigo 7.o, n.os 1 e 2, desta lei tem a seguinte redação:

«1.      A pessoa sujeita à obrigação de integração cívica tem, no prazo de três anos, de adquirir competências orais e escritas em neerlandês, que correspondam, pelo menos, ao nível A 2 do Quadro Europeu de Referência para as línguas estrangeiras modernas, bem como conhecimentos sobre a sociedade neerlandesa.

2.      A pessoa sujeita à obrigação de integração cívica cumpre esta obrigação, quando:

a)      Tiver sido aprovada no exame decretado pelo ministro, ou;

b)      Tiver obtido um diploma, um certificado ou outro documento na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea c).»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Situação de C

13      De 5 de novembro de 2008 a 5 de novembro de 2014, C era titular de uma autorização de residência com o cônjuge, cidadão neerlandês. Em 20 de agosto de 2014, C apresentou um pedido de conversão dessa autorização em autorização de residência prolongada.

14      Em 2 de fevereiro de 2015, o Secretário de Estado indeferiu esse pedido, com fundamento em que C não tinha demonstrado ter sido aprovada no exame de integração cívica ou ter sido isentada ou dispensada da obrigação de integração cívica. Revogou ainda, com efeitos retroativos a 10 de fevereiro de 2014, a autorização de residência com o cônjuge, de que C beneficiava, pelo facto de, a partir dessa data, ela já não residir no mesmo endereço que o cônjuge.

15      Na sequência de uma reclamação apresentada por C, o Secretário de Estado, por decisão de 24 de julho de 2015, concedeu‑lhe uma autorização de residência autónoma a partir de 16 de fevereiro de 2015. Esta decisão teve por base o envio efetuado por C, ao Secretário de Estado, de um parecer da Dienst Uitvoering Onderwijs (Agência Executiva para a Educação, Países Baixos), datado de 15 de fevereiro de 2015, que declarava que C tinha sido isentada da obrigação de integração cívica. No entanto, o Secretário de Estado manteve a revogação, com efeitos retroativos a 10 de fevereiro de 2014, da autorização de residência com o cônjuge, de que C beneficiava.

16      C interpôs recurso da decisão do Secretário de Estado de 24 de julho de 2015 no rechtbank Den Haag zittingsplaats Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância da Haia, com sede em Roterdão, Países Baixos). Por sentença de 5 de janeiro de 2016, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso.

17      C interpôs recurso dessa sentença no órgão jurisdicional de reenvio.

 Situação de A

18      De 20 de dezembro de 1997 a 15 de outubro de 2016, A era titular de uma autorização de residência com o cônjuge, cidadão neerlandês. Em 11 de novembro de 2014, A apresentou um pedido de conversão dessa autorização em autorização de residência prolongada.

19      Em 26 de fevereiro de 2015, o Secretário de Estado indeferiu esse pedido, com fundamento em que A não tinha demonstrado ter sido aprovado no exame de integração cívica ou ter sido isentado ou dispensado da obrigação de integração cívica.

20      Na sequência de uma reclamação apresentada por A, o Secretário de Estado, por decisão de 21 de setembro de 2015, manteve a sua decisão inicial.

21      A interpôs recurso dessa decisão no rechtbank Den Haag zittingsplaats Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância da Haia, com sede em Roterdão). Por sentença de 25 de maio de 2016, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso.

22      A interpôs recurso dessa sentença no órgão jurisdicional de reenvio.

 Considerações comuns às situações de C e de A

23      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, em conformidade com o disposto no artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, as situações em causa nos processos principais não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva, uma vez que os cônjuges respetivos de C e de A têm nacionalidade neerlandesa.

24      No entanto, o artigo 15.o da referida diretiva é aplicável, por analogia, a A e a C, na medida em que o direito neerlandês prevê que, quando, como nos casos em apreço, a legislação e a regulamentação neerlandesas não distingam entre uma situação abrangida e uma situação não abrangida pelo direito da União, as disposições pertinentes do referido direito aplicam‑se direta e incondicionalmente à situação interna.

25      Embora, por esse facto, o órgão jurisdicional de reenvio considere que a interpretação do artigo 15.o da Diretiva 2003/86 é decisiva para a resolução dos litígios nos processos principais, questiona‑se, todavia, sobre se, à luz do Acórdão de 18 de outubro de 2012, Nolan (C‑583/10, EU:C:2012:638), o Tribunal de Justiça tem competência para responder a uma questão prejudicial de interpretação desse artigo em situações como as que estão em causa nos processos principais.

26      Na hipótese de a resposta ser positiva, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre a compatibilidade, com o artigo 15.o da Diretiva 2003/86, de uma regulamentação nacional que prevê uma condição de integração e, em caso de incompatibilidade, sobre a data a partir da qual uma autorização de residência autónoma deve produzir os seus efeitos.

27      Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Atendendo ao artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva [2003/86] e ao [Acórdão de 18 de outubro de 2012, Nolan (C‑583/10, EU:C:2012:638)], o Tribunal de Justiça tem competência para responder a questões prejudiciais do juiz neerlandês sobre a interpretação de normas dessa diretiva num processo respeitante ao direito de residência de membros da família de requerentes do reagrupamento familiar que têm a nacionalidade neerlandesa, caso o direito neerlandês estabeleça que essa diretiva é direta e incondicionalmente aplicável a esses membros da família?

2)      Deve o artigo 15.o, n.os 1 e 4, da Diretiva [2003/86] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma nacional, como a que está em causa nos processos nacionais, por força da qual o requerimento de emissão de uma autorização de residência autónoma apresentado por um estrangeiro que já reside legalmente há mais de cinco anos no território de um Estado‑Membro, ao abrigo do reagrupamento familiar, pode ser indeferido com o fundamento de que não foram cumpridos os requisitos de integração estabelecidos no direito nacional?

3)      Devem os n.os 1 e 4 do artigo 15.o da Diretiva [2003/86] ser interpretados no sentido de que se opõem a normas nacionais como as que estão em causa no[s] processo[s] principa[is], por força das quais a autorização de residência autónoma só pode ser emitida, no máximo, com efeitos a partir da data em foi requerida?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

28      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Tribunal de Justiça tem competência, ao abrigo do disposto no artigo 267.o TFUE, para interpretar o artigo 15.o da Diretiva 2003/86 em situações como as que estão em causa nos processos principais, em que esse órgão jurisdicional é chamado a pronunciar‑se sobre a concessão de uma autorização de residência autónoma a um nacional de um país terceiro, familiar de um cidadão da União que não exerceu o seu direito de livre circulação, quando esta disposição se tornou direta e incondicionalmente aplicável a essas situações por força do direito nacional.

29      Importa salientar, por um lado, que o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2003/86 precisa que o termo «Requerente do reagrupamento» visa necessariamente o nacional de um país terceiro e, por outro, que o artigo 3.o, n.o 3, desta diretiva dispõe que a mesma não é aplicável aos familiares de cidadãos da União.

30      O legislador da União não previu, portanto, a aplicação da referida diretiva a um nacional de um país terceiro, familiar de um cidadão da União que não exerceu o seu direito de livre circulação, como os recorrentes nos processos principais, o que, de resto, é confirmado pelos trabalhos preparatórios da Diretiva 2003/86 (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, EU:C:2011:734, n.os 48 e 49).

31      Todavia, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que este tem competência para se pronunciar sobre um pedido prejudicial que tenha por objeto disposições do direito da União, em situações em que, mesmo que os factos no processo principal não estejam diretamente abrangidos pelo âmbito de aplicação deste direito, as disposições do referido direito se tornaram aplicáveis por força do direito nacional, em virtude de uma remissão operada por este último para o conteúdo daquelas (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Cicala, C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 17; de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.o 45; e de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 53).

32      Com efeito, nessas situações, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições retomadas do direito da União sejam interpretadas de modo uniforme (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.o 46, e de 22 de março de 2018, Jacob e Lassus, C‑327/16 e C‑421/16, EU:C:2018:210, n.o 34).

33      Assim, justifica‑se uma interpretação, pelo Tribunal de Justiça, de disposições do direito da União em situações que não estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação dessas disposições, quando estas se tornaram direta e incondicionalmente aplicáveis a tais situações por força do direito nacional, a fim de assegurar um tratamento idêntico a essas situações e às abrangidas pelo âmbito de aplicação das referidas disposições (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Cicala, C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 19; de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.o 47; e de 7 de novembro de 2013, Romeo, C‑313/12, EU:C:2013:718, n.o 33).

34      No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio, o único com competência para interpretar o direito nacional no âmbito do sistema de cooperação judiciária estabelecido no artigo 267.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, EU:C:1997:369, n.o 33, e de 14 de junho de 2017, Online Games e o., C‑685/15, EU:C:2017:452, n.o 45), precisou que resulta do direito neerlandês que, quando, como nos casos em apreço, o legislador nacional submete à mesma norma uma situação que está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União e outra que não está, estas situações devem ser objeto de tratamento idêntico. Aquele órgão jurisdicional deduziu desse facto que estava obrigado, por força do direito neerlandês, a aplicar o artigo 15.o da Diretiva 2003/86 aos litígios em causa nos processos principais.

35      Nestas circunstâncias, há que considerar, como também salienta o Governo neerlandês, que esta disposição se tornou direta e incondicionalmente aplicável, por força do direito neerlandês, a situações como as que estão em causa nos processos principais e que, portanto, existe um interesse manifesto da União em que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o pedido prejudicial.

36      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela circunstância de o artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 excluir expressamente do âmbito de aplicação desta diretiva situações como as que estão em causa nos processos principais.

37      A este respeito, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça já declarou que, quando a condição enunciada no n.o 33 do presente acórdão esteja preenchida, a sua competência pode ser igualmente estabelecida em situações abrangidas por um caso de exclusão expressa do âmbito de aplicação de um ato da União (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de outubro de 2017, Solar Electric Martinique, C‑303/16, EU:C:2017:773, n.os 29 e 30, e de 27 de junho de 2018, SGI e Valériane, C‑459/17 e C‑460/17, EU:C:2018:501, n.o 28).

38      Esta solução está em plena coerência com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 31 a 33 do presente acórdão, que visa precisamente permitir ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições de direito da União, independentemente das condições em que as mesmas se devam aplicar, em situações que os autores dos Tratados ou o legislador da União não consideraram útil incluir no âmbito de aplicação destas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 18 outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.o 37).

39      Neste contexto, a competência do Tribunal de Justiça não pode razoavelmente variar consoante o âmbito de aplicação da disposição relevante tenha sido delimitado através de uma definição positiva ou através do estabelecimento de determinados casos de exclusão, podendo estas duas técnicas legislativas ser utilizadas indiferentemente.

40      De resto, é forçoso constatar que, no caso em apreço, a exclusão dos familiares dos cidadãos da União do âmbito de aplicação da Diretiva 2003/86 resulta tanto da definição do termo «requerente do reagrupamento», que figura no artigo 2.o, alínea c), desta diretiva, como do caso de exclusão enunciado no seu artigo 3.o, n.o 3.

41      Além disso, embora o órgão jurisdicional de reenvio refira que as suas dúvidas quanto à competência do Tribunal de Justiça resultam do Acórdão de 18 de outubro de 2012, Nolan (C‑583/10, EU:C:2012:638), importa salientar que o processo que deu origem a esse acórdão se caracterizava por especificidades que não se encontram nos processos principais.

42      Com efeito, por um lado, no processo que deu origem a esse acórdão, reconhecer competência ao Tribunal de Justiça teria implicado uma rutura com a própria lógica do ato da União em causa, que contribuía para o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.os 36 a 41).

43      Por outro lado, no referido processo, não podia ser estabelecida, com base nas indicações constantes dos autos enviados ao Tribunal de Justiça, uma remissão direta e incondicional do direito nacional para o direito da União, como a que foi declarada no n.o 35 do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.os 51 e 52).

44      Tendo em conta o exposto, há que responder à primeira questão que o Tribunal de Justiça tem competência, ao abrigo do disposto no artigo 267.o TFUE, para interpretar o artigo 15.o da Diretiva 2003/86 em situações como as que estão em causa nos processos principais, em que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se sobre a concessão de uma autorização de residência autónoma a um nacional de um país terceiro, familiar de um cidadão da União Europeia que não exerceu o seu direito de livre circulação, quando esta disposição se tornou direta e incondicionalmente aplicável a essas situações por força do direito nacional.

 Quanto à segunda questão

45      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/86 se opõe a uma regulamentação nacional que permite indeferir um pedido de autorização de residência autónoma apresentado por um nacional de um país terceiro que residiu mais de cinco anos no território de um Estado‑Membro ao abrigo do reagrupamento familiar, com fundamento em que ele não tinha demonstrado ter sido aprovado num exame de integração cívica sobre a língua e a sociedade desse Estado‑Membro.

46      O artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86 prevê que, o mais tardar após cinco anos de residência, e desde que não tenha sido concedida ao familiar autorização de residência por motivo distinto do reagrupamento, o cônjuge do requerente do reagrupamento, ou a pessoa que com ele mantém uma união de facto, e os filhos que tiverem atingido a maioridade terão direito, mediante pedido se exigido, a uma autorização de residência autónoma, independente da autorização de residência do requerente do reagrupamento.

47      Por sua vez, o artigo 15.o, n.o 4, desta diretiva esclarece que as condições relativas à concessão e ao prazo de validade dessa autorização de residência autónoma são estabelecidas pela legislação nacional.

48      Resulta da conjugação destas duas disposições que, embora a concessão de uma autorização de residência autónoma constitua, em princípio, um direito no termo de um período de cinco anos de residência no território de um Estado‑Membro ao abrigo do reagrupamento familiar, o legislador da União autorizou, todavia, os Estados‑Membros a subordinarem a concessão dessa autorização a certas condições que lhes compete definir.

49      Ao introduzir, no artigo 15.o, n.o 4, da Diretiva 2003/86, uma remissão para o direito nacional, o legislador da União indicou, portanto, que pretendeu deixar ao critério de cada Estado‑Membro a tarefa de determinar as condições para a concessão de uma autorização de residência a um nacional de um país terceiro que residiu cinco anos no seu território ao abrigo do reagrupamento familiar (v., por analogia, Acórdão de 12 de abril de 2018, A e S, C‑550/16, EU:C:2018:248, n.o 42).

50      A este respeito, as normas que regulam a concessão da autorização de residência autónoma diferem, portanto, das normas relativas à autorização do reagrupamento familiar, que comportam obrigações positivas precisas e que impõem que os Estados‑Membros, em hipóteses determinadas pela Diretiva 2003/86, autorizem esse reagrupamento sem exercerem a sua margem de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.o 46).

51      Nessa medida, constituindo a concessão de uma autorização autónoma no termo do período mencionado no artigo 15.o, n.o 1, desta diretiva a regra geral, a margem de manobra reconhecida aos Estados‑Membros pelo artigo 15.o, n.o 4, da referida diretiva não pode ser por estes utilizada de forma a prejudicar o objetivo desta diretiva, que, como salienta o considerando 15 da mesma diretiva, consiste em permitir aos familiares do requerente do reagrupamento aceder a um estatuto independente deste, bem como o efeito útil deste artigo (v., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.o 50).

52      Por conseguinte, as condições suplementares a que um Estado‑Membro subordina a concessão de uma autorização de residência autónoma não podem ser exigentes ao ponto de constituírem um obstáculo dificilmente ultrapassável, que impeça, na prática, os nacionais de países terceiros mencionados no artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86 de, em condições normais, obter essa autorização no termo do prazo previsto nessa disposição (v., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.o 59).

53      Na falta de indicações nesse sentido no artigo 15.o, n.o 4, desta diretiva, esta limitação da faculdade reconhecida aos Estados‑Membros nesta disposição não se pode opor, de uma maneira geral, à instauração, por esses Estados‑Membros, de condições substanciais.

54      Neste contexto, não se pode excluir que um Estado‑Membro possa subordinar a concessão de uma autorização de residência autónoma à aprovação num exame de integração cívica sobre a língua e a sociedade desse Estado‑Membro.

55      Com efeito, em primeiro lugar, o estabelecimento de condições relativas à integração é coerente com a consagração, pelo legislador da União, do objetivo geral de facilitar a integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, expresso no considerando 15 da Diretiva 2003/86 (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 69, e de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.o 53).

56      Em segundo lugar, deve recordar‑se que o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 permite aos Estados‑Membros exigir que os nacionais de países terceiros cumpram medidas de integração, sem as limitarem ao período que precede a sua admissão no seu território.

57      Nestas circunstâncias, a eficácia das medidas eventualmente adotadas por um Estado‑Membro no âmbito do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 poderia ficar fragilizada se a não integração de um nacional de um país terceiro no termo de um período de cinco anos não pudesse em nenhum caso opor‑se à consolidação do seu direito de permanência em aplicação do artigo 15.o desta diretiva.

58      De resto, é forçoso constatar que, no contexto da harmonização mais precisa operada pela Diretiva 2003/109, o legislador da União permitiu especificamente aos Estados‑Membros, no artigo 5.o, n.o 2, desta diretiva, subordinar a aquisição do estatuto de residente de longa duração a condições de integração.

59      Em terceiro lugar, na medida em que o direito à concessão de uma autorização de residência autónoma é reconhecido após um período de cinco anos de residência no território de um Estado‑Membro, os nacionais de países terceiros em causa deveriam ter tido a oportunidade de adquirir um certo conhecimento da língua e da sociedade desse Estado‑Membro que lhes permitisse, em princípio, ser aprovados num exame relativo a esses elementos. Impor uma exigência a este respeito não pode, portanto, ser considerado, de uma maneira geral, suscetível de privar o artigo 15.o, n.o 1, do seu efeito útil.

60      Não obstante, a fim de preservar o objetivo desta disposição e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, as modalidades concretas dessa exigência devem ser aptas a realizar os objetivos visados pela regulamentação nacional e não devem ir além do que é necessário para os alcançar (v., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.o 51).

61      A obrigação de ser aprovado num exame de integração cívica deve permitir certificar a aquisição, pelos nacionais de países terceiros em causa, de conhecimentos tanto da língua como da sociedade do Estado‑Membro de acolhimento que são incontestavelmente úteis para garantir a sua integração nesse Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de junho de 2015, P e S, C‑579/13, EU:C:2015:369, n.o 48, e de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.os 53 e 54).

62      No entanto, esta obrigação não pode validamente ir além do que é necessário para alcançar o objetivo de facilitar a integração dos referidos nacionais de países terceiros.

63      Isto pressupõe, em especial, que os conhecimentos exigidos para se ser aprovado no exame de integração cívica correspondam a um nível elementar, que a condição imposta pela regulamentação nacional não leve a impedir a concessão de uma autorização de residência autónoma aos nacionais de países terceiros que tiverem feito prova da sua vontade de serem aprovados nesse exame e dos esforços que envidaram para o efeito, que as circunstâncias individuais especiais sejam devidamente tomadas em consideração e que os encargos relativos ao referido exame não sejam excessivos (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.os 54 a 70).

64      A este respeito, importa nomeadamente salientar que circunstâncias como a idade, o nível de educação, a situação financeira ou o estado de saúde dos familiares em causa do requerente do reagrupamento devem poder conduzir as autoridades competentes a não subordinar a concessão de uma autorização de residência autónoma à aprovação num exame de integração cívica, quando, devido a essas circunstâncias, se verifique que aqueles não têm condições para se apresentarem a esse exame ou de nele serem aprovados (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, K e A, C‑153/14, EU:C:2015:453, n.o 58).

65      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 15.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/86 não se opõe a uma regulamentação nacional que permite indeferir um pedido de autorização de residência autónoma apresentado por um nacional de um país terceiro que residiu mais de cinco anos no território de um Estado‑Membro ao abrigo do reagrupamento familiar, com fundamento em que ele não tinha demonstrado ter sido aprovado num exame de integração cívica sobre a língua e a sociedade desse Estado‑Membro, desde que as modalidades concretas da obrigação de aprovação nesse exame não vão além do que é necessário para alcançar o objetivo de facilitar a integração dos nacionais de países terceiros.

 Quanto à terceira questão

66      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/86 se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que a autorização de residência autónoma só pode ser concedida a partir da data da apresentação do correspondente pedido.

67      Importa começar por salientar que o artigo 15.o da Diretiva 2003/86 não comporta nenhuma norma específica relativa à tramitação do procedimento de concessão da autorização de residência autónoma ou, a fortiori, à data em que a concessão dessa autorização deve produzir efeitos.

68      Em seguida, nenhum elemento dessa disposição indica que a concessão da referida autorização constitui simplesmente um ato declarativo, na medida em que o artigo 15.o, n.o 1, desta diretiva prevê, aliás, de forma explícita, que os Estados‑Membros podem subordinar o direito a essa autorização à apresentação de um pedido.

69      Por último, resulta do artigo 15.o, n.o 4, da referida diretiva que incumbe nomeadamente aos Estados‑Membros estabelecer as condições aplicáveis à concessão da autorização de residência autónoma, entre as quais podem nomeadamente figurar as condições processuais que enquadram a concessão dessa autorização.

70      Embora resulte das considerações que figuram no n.o 52 do presente acórdão que essa faculdade não pode ser utilizada para instaurar uma regra que constitua um obstáculo dificilmente ultrapassável, que impeça, na prática, os nacionais de países terceiros mencionados no artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86 de, em condições normais, obter essa autorização no termo do prazo previsto nessa disposição, deve considerar‑se que uma regulamentação que prevê que a autorização de residência autónoma só pode ser concedida a partir da data da apresentação do correspondente pedido não pode manifestamente produzir esse efeito.

71      Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 15.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/86 não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que a autorização de residência autónoma só pode ser concedida a partir da data da apresentação do correspondente pedido.

 Quanto às despesas

72      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O Tribunal de Justiça tem competência, ao abrigo do disposto no artigo 267.o TFUE, para interpretar o artigo 15.o da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, em situações como as que estão em causa nos processos principais, em que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciarse sobre a concessão de uma autorização de residência autónoma a um nacional de um país terceiro, familiar de um cidadão da União Europeia que não exerceu o seu direito de livre circulação, quando esta disposição se tornou direta e incondicionalmente aplicável a essas situações por força do direito nacional.

2)      O artigo 15.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/86 não se opõe a uma regulamentação nacional que permite indeferir um pedido de autorização de residência autónoma apresentado por um nacional de um país terceiro que residiu mais de cinco anos no território de um EstadoMembro ao abrigo do reagrupamento familiar, com fundamento em que ele não tinha demonstrado ter sido aprovado num exame de integração cívica sobre a língua e a sociedade desse EstadoMembro, desde que as modalidades concretas da obrigação de aprovação nesse exame não vão além do que é necessário para alcançar o objetivo de facilitar a integração dos nacionais de países terceiros.

3)      O artigo 15.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/86 não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que a autorização de residência autónoma só pode ser concedida a partir da data da apresentação do correspondente pedido.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.