ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
17 de Julho de 1997(1)
[234s«Concorrência Infracção ao artigo 85.° do Tratado CEE»[s
No processo C-219/95 P,
Ferriere Nord SpA, sociedade de direito italiano, com sede em Osoppo (Itália),
representada por Wilma Viscardini Donà, advogada no foro de Pádua, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 8-10,
rue Mathias Hardt,
recorrente,
que tem por objecto um recurso em que se pede a anulação do acórdão proferido
pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Primeira Secção)
em 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão (T-143/89, Colect., p. II-917),
sendo recorrida
Comissão das Comunidades Europeias,representada por Enrico Traversa, membro
do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alberto Dal Ferro,
advogado no foro de Vicenza, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no
gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre
Wagner, Kirchberg
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, J. L. Murray, P. J. G. Kapteyn,
G. Hirsch e H. Ragnemalm (relator), juízes,
advogado-geral: P. Léger,
secretário: R. Grass,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de
Fevereiro de 1997,
profere o presente
Acórdão
- Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Junho
de 1995, a sociedade de direito italiano Ferriere Nord SpA interpôs, nos termos do
artigo 49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, um recurso do acórdão do
Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão
(T-143/89, Colect., p. II-917, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento
ao seu recurso que tinha por objecto a anulação da Decisão 89/515/CEE da
Comissão, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo
85.° do Tratado CEE (IV/31.553 Rede electrossoldada para betão) (JO L 260,
p. 1, a seguir «decisão controvertida»).
- Quanto aos factos que estão na origem do presente recurso, conclui-se do acórdão
recorrido que:
- com a decisão controvertida, a Comissão aplicou uma coima a catorze
produtores de rede electrossoldada para betão, pelo facto de, nos termos
do artigo 1.°, terem violado «o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado
CEE, dado que, entre 27 de Maio de 1980 e 5 de Novembro de 1985,
participaram, num caso ou em vários, num ou vários acordos e/ou práticas
concertadas, que consistiram na fixação de preços de venda, na limitação
das vendas, na repartição dos mercados, bem como em medidas de
aplicação e de controlo desses acordos e práticas concertadas».
- A decisão controvertida acusa especialmente a recorrente «... de ter
participado em duas séries de acordos no mercado francês. Esses acordos
teriam envolvido, por um lado, os produtores franceses... e, por outro, os
produtores estrangeiros operando no mercado francês... e tinham por
objecto definir preços e quotas, com vista a limitar as importações de rede
electrossoldada para betão em França, e proceder a uma troca de
informações. A primeira série de acordos teria sido posta em prática entre
Abril de 1981 e Março de 1982, a segunda entre o início de 1983 e o final
de 1984. Esta segunda série de acordos teria sido formalizada pela adopção,
em Outubro de 1983, de um 'protocolo de acordo» (n.° 15 do acórdão
recorrido).
- Foi a este título que a Ferriere Nord foi condenada a uma coima de
320 000 ecus.
- Em 18 de Outubro de 1989, a recorrente interpôs um recurso de anulação da
decisão controvertida. Por despachos de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de
Justiça remeteu esse processo, bem como os dez outros com ele conexos, para o
Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do artigo 14.° da Decisão
88/591/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui
o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1).
- A recorrente concluiu pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se dignasse,
a título principal, declarar nula a decisão controvertida, na medida em que as suas
disposições lhe diziam respeito, a título subsidiário, suprimir a coima que lhe foi
aplicada ou reduzi-la a um montante equitativo e, em qualquer caso, condenar a
Comissão nas despesas. A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal de Primeira
Instância se dignasse julgar improcedente o recurso e condenar a recorrente nas
despesas da instância.
- Em apoio do seu recurso, a recorrente suscitou três fundamentos. O primeiro
baseava-se na violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o segundo na violação do
artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962,
primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13,
p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17») e o terceiro na existência
de um desvio de poder.
- No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou todos os
fundamentos.
- Neste recurso, a recorrente solicita ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão
recorrido, dando provimento aos pedidos que apresentou em primeira instância.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento
ao recurso, confirmar a validade da decisão controvertida e condenar a recorrente
nas despesas.
- Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos. Sustenta que o
Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito na interpretação e na
aplicação, por um lado, do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e, por outro, do artigo 15.°,
n.° 2, do Regulamento n.° 17.
Quanto ao primeiro fundamento baseado na violação do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado
- Este fundamento divide-se em três partes. A recorrente acusa o Tribunal de
Primeira Instância, antes de mais, de não ter tido em conta a versão italiana do
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, em seguida, de não ter examinado em que medida
os acordos em que participou afectavam o comércio entre Estados-Membros e, por
fim, de ter apreciado incorrectamente os nexos económicos e jurídicos existentes
entre o mercado da rede electrossoldada para betão e o do fio-máquina.
- Antes de analisar cada uma destas partes importa recordar, como se conclui do
n.° 25 do acórdão recorrido, que a recorrente reconheceu ter aderido aos acordos
celebrados entre produtores de rede electrossoldada para betão e que não
contestou o respectivo objecto, que era fixar preços e quotas.
- A primeira parte do primeiro fundamento refere-se aos n.os 30 e 31 do acórdão
recorrido que têm a seguinte redacção:
«30 ... a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é
supérflua para efeitos da aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, quando
se demonstre, como foi o caso dos acordos considerados pela decisão, que
estes têm por objectivo impedir, restringir ou falsear a concorrência no
mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 1990,
Sandoz Prodotti Farmaceutici/Comissão, C-277/87, Colect., p. I-45).
31 A recorrente não pode invocar a versão italiana do artigo 85.° do Tratado
para exigir que a Comissão determine que o acordo tinha simultaneamente
um objectivo e um efeito anticoncorrencial. Com efeito, esta versão não
pode prevalecer sozinha sobre todas as outras versões linguísticas, que
demonstram claramente pela utilização do termo «ou» o carácter não
cumulativo mas alternativo da condição em causa, como o decidiu o
Tribunal de Justiça em jurisprudência constante a partir do acórdão Société
technique minière, já referido (Recueil, p. 359). A interpretação uniforme
das normas comunitárias exige, com efeito, que as mesmas sejam
interpretadas e aplicadas à luz das versões redigidas nas outras línguas
comunitárias (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 1967,
Van der Vecht, 19/67, Recueil, pp. 445, 456, e de 6 de Outubro de 1982,
Cilfit e Lanificio di Gavardo, 283/81, Recueil, p. 3415, n.° 18).»
- A recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter tido em conta a
versão italiana do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, segundo a qual o acordo deve ter
por objecto e por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, pelo que esta
disposição prevê uma condição cumulativa e não alternativa. Ao referir, no n.° 31
do acórdão recorrido, uma jurisprudência que não assenta na versão italiana do
artigo 85.°, o Tribunal de Primeira Instância fundamentou incorrectamente a sua
argumentação. Com efeito, o recurso às outras versões linguísticas só se justifica
quando o sentido de uma disposição numa das versões não é claro, o que não se
verifica no caso em apreço.
- É certo que, ao contrário das outras versões linguísticas do artigo 85.°, decorre da
versão italiana que, mediante a utilização da conjunção coordenada «e», o acordo
deve ter por objecto e por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência. No
entanto, esta divergência não pode pôr em causa a interpretação do artigo 85.°
feita pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 30 do acórdão recorrido.
- Importa, com efeito, recordar, que, como o Tribunal de Primeira Instância
justamente decidiu, resulta de jurisprudência constante que as normas comunitárias
devem ser interpretadas e aplicadas de modo uniforme à luz das versões redigidas
nas outras línguas comunitárias (acórdão já referido Van der Vecht, Cilfit e
Lanificio di Gavardo, n.° 18). Esta conclusão não pode ser infirmada pelo facto de,
no caso em apreço, a versão italiana do artigo 85.°, vista isoladamente, ser clara e
inequívoca uma vez que todas as outras versões linguísticas mencionam
expressamente o carácter alternativo da condição visada no artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado.
- Daqui resulta que a primeira parte do primeiro fundamento deve ser rejeitada.
- A segunda parte do primeiro fundamento diz respeito aos n.os 32 e 35 do acórdão
recorrido, segundo os quais:
«32 ... o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não exige que as restrições de
concorrência verificadas tenham efectivamente afectado de modo sensível
as trocas comerciais entre os Estados-Membros, exigindo apenas que seja
provado que esses acordos são susceptíveis de produzir esse efeito (acórdão
Miller/Comissão, já referido, n.° 15).
33 No caso vertente, há que salientar que o facto de as unidades de produção
de rede electrossoldada para betão da recorrente estarem afastadas do
mercado francês não é, só por si, susceptível de impedir as suas exportações
para esse mercado. A este respeito, a argumentação da recorrente
demonstra aliás, por si mesma, que os acordos, na medida em que se
destinavam a aumentar os preços, eram susceptíveis de aumentar as suas
exportações para França e, assim, de afectar as trocas comerciais entre
Estados-Membros.
34 Além disso, pressupondo, como pretende a recorrente, que os acordos não
modificaram a parte de mercado detida globalmente pelos produtores
italianos e que as suas exportações foram muito inferiores à quota que lhes
tinha sido atribuída, não deixa de ser um facto que as restrições de
concorrência verificadas eram susceptíveis de desviar as correntes
comerciais da orientação que de outra forma teriam tido (acórdão Van
Landewyck e o./Comissão, já referido, n.° 172). Com efeito, os acordos
tinham por objectivo contingentar as importações no mercado francês a fim
de permitir um aumento artificial dos preços nesse mercado.
35 Resulta do que precede que, como a decisão verificou, a recorrente
infringiu o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao aderir a acordos que tinham por
objectivo restringir a concorrência no mercado comum e que eram
susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros.»
- A recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de se ter limitado a declarar,
no n.° 32, que basta que os acordos em que participou sejam susceptíveis de
afectar, de modo sensível, as trocas comerciais para que sejam contrários ao artigo
85.° do Tratado. No entender da recorrente, o Tribunal de Primeira Instância
deveria também ter determinado em que medida os referidos acordos constituíam
um obstáculo às trocas comerciais entre os Estados-Membros. Ora, em sua opinião,
os acordos controvertidos não eram susceptíveis de afectar de modo sensível as
trocas comerciais entre a Itália e a França.
- A este respeito, importa afirmar que o Tribunal de Primeira Instância recordou,
correctamente, no n.° 32 do acórdão recorrido, que, em conformidade com oacórdão de 1 de Fevereiro de 1978 (Miller/Comissão, 19/77, Recueil, p. 131, n.° 15),
o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não exige que os acordos que caem sob a alçada
dessa disposição tenham efectivamente afectado de modo sensível as trocas
comerciais intracomunitárias, prova que, aliás, na maior parte dos casos, só muito
dificilmente poderá ser feita, mas requer que seja provado que esses acordos são
susceptíveis de produzir esse efeito.
- Resulta, além disto, de jurisprudência constante que, para que uma decisão, um
acordo ou uma prática concertada possa afectar o comércio entre
Estados-Membros, deve, com base num conjunto de elementos de direito ou de
facto, deixar prever, com suficiente grau de probabilidade, que pode exercer uma
influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre o desenrolar das trocas
comerciais entre os Estados-Membros, de modo a fazer recear a criação de
entraves à realização de um mercado único entre os Estados-Membros (v. acórdão
de 30 de Junho de 1966, Société technique minière, 56/65, Colect. 1965-1968,
p. 381, e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a
215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 170).
- Daqui resulta que a segunda parte do primeiro fundamento também deve ser
rejeitada.
- A terceira parte do primeiro fundamento refere-se ao n.° 29 do acórdão recorrido:
«29 No que diz respeito à afectação da concorrência, é um facto, como salienta
a recorrente, que o preço da rede electrossoldada para betão depende em
larga medida do do fio-máquina, mas daqui não resulta que estava excluída
qualquer possibilidade de concorrência eficaz nesse domínio. Com efeito,
os produtores tinham uma margem suficiente para permitir uma
concorrência efectiva no mercado. Por conseguinte, os acordos puderam ter
um efeito sensível na concorrência...»
- A recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter fundamentado a
afirmação de que, apesar do contexto regulamentar e económico relativo ao
fio-máquina, não está excluída a possibilidade de concorrência eficaz no domínio
da rede electrossoldada para betão.
- É certo que a recorrente não contesta a existência de uma margem de concorrência
no mercado da rede electrossoldada para betão apesar do regime CECA aplicável
ao fio-máquina. Acusa, no entanto, o Tribunal Primeira Instância de não ter
analisado se os acordos sobre a rede electrossoldada para betão não poderiam ser
conformes ao artigo 85.° do Tratado na medida em que contribuíam para aumentar
o preço da rede electrossoldada para betão e portanto, indirectamente, aumentar
o preço do fio-máquina. No âmbito deste último mercado, a Comissão desejava um
aumento do nível dos preços. Consequentemente, a recorrente alega que o
verdadeiro objecto do acordo com os produtores franceses de rede electrossoldada
para betão não era restringir a concorrência nesse sector mas prosseguir os
mesmos objectivos que a Comissão no sector do fio-máquina.
- A este respeito, importa afirmar que foi correctamente que o Tribunal de Primeira
Instância se limitou a declarar que existia, no mercado de rede electrossoldada para
betão, uma margem suficiente que permitia uma concorrência efectiva. O facto de
o mercado do fio-máquina, situado a montante do da rede electrossoldada para
betão, ser objecto de quotas de produção e não de preços impostos, como parece
defender a recorrente não é susceptível de alterar a declaração feita por aquele
Tribunal. Em qualquer caso, o contexto regulamentar económico do fio-máquina
não autoriza a recorrente a participar em acordos anticoncorrenciais relativos a um
produto derivado, a pretexto de proteger o produto a montante e de se substituir
assim às autoridades competentes, únicas habilitadas para esse efeito.
- O primeiro fundamento deve portanto ser rejeitado na totalidade.
Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do artigo 15.°, n.° 2, do
Regulamento n.° 17
- Este fundamento incide sobre a fixação e a determinação do montante das coimas
visado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.
- Nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17:
«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de
empresas multas... sempre que, deliberada ou negligentemente:
a) Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo 85.° ou no artigo 86.° do
Tratado, ou
b) ...
Para determinar o montante da multa, deve tomar-se em consideração, além da
gravidade da infracção, a duração da mesma.»
- A recorrente solicita a supressão ou, pelo menos, a redução da coima a que foi
condenada na decisão controvertida.
- A este respeito, alega que o Tribunal de Primeira Instância não examinou todos
os argumentos que invocou ou que não examinou suficientemente em que medida
eram fundados. Além disto, a recorrente sustenta, a título subsidiário, que,
admitindo que a coima fosse, em termos de princípio, justificada, o seu montante
é, de qualquer modo, excessivo e injusto.
- Quanto ao alegado carácter injusto da coima, importa salientar que não compete
ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito
de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, substituir, por motivos
de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal de Primeira
Instância, que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o
montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação, por estas, do direito
comunitário (acórdão de 6 Abril de 1995, BPB Industries e British
Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colect., p. I-865, n.° 34). Ao invés, o Tribunal de
Justiça é competente para examinar se o Tribunal de Primeira Instância respondeu
correctamente a todos os argumentos invocados pelo recorrente tendentes à
supressão ou à redução da coima.
- Importa, em primeiro lugar, recordar (v. despacho de 25 de Março de 1996, SPO
e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. I-1611), que, por um lado, o artigo 15.°, n.° 2,
primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17 determina as condições que devem
estar reunidas para que a Comissão possa aplicar coimas (condições de aplicação);
entre essas condições, figura a relativa ao carácter deliberado ou negligente da
infracção. Por outro lado, o segundo parágrafo dessa disposição regulamenta a
determinação do montante da coima, que é função da gravidade e da duração da
infracção.
- A gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número
de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu
contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tivesse sido fixada uma
lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados
em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).
- Importa, em segundo lugar, afirmar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17
não exige que o Tribunal de Primeira Instância recorde o carácter facultativo da
coima. Para que as infracções em causa sejam passíveis de coima basta-lhe, como
fez nos n.os 41 e 42 do acórdão recorrido, declarar que as infracções foram
deliberadamente cometidas pela recorrente e que tais infracções são graves.
- A recorrente retoma, antes de mais, o argumento que considera determinante, isto
é, o nexo estreito entre a rede electrossoldada para betão e o regime de quotas em
vigor para o fio-máquina. Em seu entender, a situação não é diferente da do
açúcar, examinada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 16 de Dezembro de
1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73, 55/73, 56/73, 111/73,
113/73 e 114/73, Colect., p. 563), no qual o Tribunal de Justiça reduziu
consideravelmente as coimas. Censura portanto o Tribunal de Primeira Instância
por não ter detectado nenhuma similitude entre aquele processo e o presente.
- Este argumento refere-se ao n.° 63 do acórdão recorrido no qual o Tribunal de
Primeira Instância considerou:
«63 No que diz respeito ao nexo existente entre o mercado da rede
electrossoldada para betão e o do fio-máquina, verifica-se, antes de mais,
que a Comissão o teve em conta (ponto 201 da decisão). Além disso, a
recorrente não pode invocar o acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já
referido, na medida em que esse acórdão visa uma hipótese que difere
fundamentalmente da hipótese colocada em apreço em dois elementos. Por
um lado, tratava-se nesse caso de uma organização comum de mercado
agrícola abrangida pelo Tratado CEE, ao passo que no caso em apreço se
trata de um regime de preços e de quotas de produção sujeito ao Tratado
CECA. Por outro lado, no processo Suiker Unie e o./Comissão, era o
produto derivado que era objecto de uma organização comum de mercado,
ao passo que, aqui, é o produto de base que é objecto do regime de preços
e de quotas de produção. Daqui resulta que, no plano económico, as
hipóteses visadas pelo acórdão Suiker Unie e o./Comissão e o presente
processo são fundamentalmente diferentes e que a recorrente não pode,
assim, invocar esse acórdão em apoio das suas pretensões.»
- A recorrente defende que as duas situações são comparáveis. No processo Suiker
e o./Comissão, já referido, a organização comum no sector do açúcar era necessária
para garantir um preço mínimo para as beterrabas. No caso em apreço, não era
possível garantir o preço mínimo para o fio-máquina sem regulamentar também o
mercado da rede electrossoldada para betão.
- É conveniente, a este respeito, recordar que, quanto à avaliação dos montantes a
fixar, há que tomar em consideração a gravidade e a duração da infracção, o que
obriga o Tribunal de Justiça a ter em conta o contexto regulamentar e económico
do comportamento arguido (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.°
612).
- Contrariamente ao que defende a recorrente, o contexto regulamentar e económico
dos acordos controvertidos foi suficientemente tido em consideração pelo Tribunal
de Primeira Instância no n.° 63 do acórdão recorrido.
- Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância recordou não apenas que a Comissão
teve em conta o nexo existente entre os mercados da rede electrossoldada para
betão e do fio-máquina, mas também que as hipóteses em causa no acórdão Suiker
Unie e no presente processo eram fundamentalmente diferentes.
- Importa, com efeito, sublinhar que no processo Suiker Unie estava em causa o
mercado de um produto submetido a uma organização comum de mercado no
âmbito da qual se aplicavam, nomeadamente, quotas nacionais de produção de
açúcar repartidas entre os principais produtores. Ao invés, no caso em apreço, o
mercado pertinente, isto é, o da rede electrossoldada para betão, é livre e não está
submetido a qualquer medida desta natureza.
- Para obter uma redução da coima, a recorrente avança em seguida outros
argumentos que não terão sido suficientemente tidos em conta pelo Tribunal de
Primeira Instância.
- Deste modo recorda, em primeiro lugar, ter agido unicamente para salvaguardar
o mercado do fio-máquina, em conformidade com as disposições adoptadas pela
Comissão nesse sector.
- Este argumento diz respeito ao n.° 64 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal de
Primeira Instância considerou:
«64 Por outro lado, pressupondo que a aplicação dos acordos em causa tenha
conduzido indirectamente a uma subida dos preços do fio-máquina, subida
que era desejada pela Comissão, a recorrente não pode invocar essa
circunstância como uma circunstância atenuante. Com efeito, as empresas
não podem invocar o facto de que os seus acordos de preços e de quotas
relativamente a um produto tiveram indirectamente uma influência positiva
nos preços de um outro produto, abrangido por um sistema de quotas de
produção instaurado pela Comissão, sob pena de acentuar de modo
excessivo o impacte desse sistema de quotas. O sistema de quotas
instaurado pela Comissão, ao abrigo do Tratado CECA, relativamente ao
fio-máquina, era limitado a esse produto. As empresas não estavam
autorizadas a tornar esse sistema extensivo a um produto regido pelo
Tratado CEE, como a rede electrossoldada para betão.»
- Ora, conclui-se claramente deste número que o Tribunal de Primeira Instância
examinou por que motivo este argumento não podia ser considerado uma
circunstância atenuante.
- Em segundo lugar, a recorrente alega não ter retirado qualquer vantagem dos
acordos controvertidos e critica o n.° 53 do acórdão recorrido no qual o Tribunal
de Primeira Instância afirmou:
«53 ... o facto de a recorrente não ter beneficiado com a infracção foi tomado
em consideração no cálculo da coima que lhe foi aplicada. Com efeito, a
Comissão teve em conta que, no sector da rede electrossoldada para betão,
a rendabilidade é, regra geral, insuficiente (ponto 201 da decisão), bem
como a situação financeira das empresas (ponto 203 da decisão). Alémdisso, a ausência de benefício com a infracção não pode impedir a aplicação
de coimas importantes sob pena de as mesmas perderem a sua natureza
dissuasora.»
- Conclui-se também deste número que o Tribunal examinou suficientemente por
que motivo este argumento não era fundado.
- Em terceiro lugar, a recorrente alega ter actuado numa perspectiva de integração
e não de compartimentação dos mercados.
- Contrariamente ao que afirma a Comissão, este argumento foi efectivamente
invocado pela recorrente no recurso para o Tribunal de Primeira Instância, mas
não foi enquanto tal examinado por este.
- Importa, no entanto, afirmar que este argumento se inscreve no contexto mais
vasto da infracção cometida intencionalmente ou por negligência e que, a este
título, foi suficientemente examinado nos n.os 41 e 42 do acórdão recorrido, nos
quais o Tribunal de Primeira Instância decidiu:
«41 ... para que uma infracção às regras de concorrência do Tratado possa ser
considerada como tendo sido cometida deliberadamente, não é necessário
que a empresa tenha tido consciência de infringir essas regras, sendo
suficiente que não tenha podido ignorar que a sua conduta tinha por
objectivo restringir a concorrência...
42 No caso em apreço, tendo em conta a gravidade intrínseca e o carácter
manifesto da infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e em especial às
suas alíneas a) e c), o Tribunal considera que a recorrente não pode
pretender que não agiu deliberadamente. Igualmente por estas razões a
recorrente também não pode argumentar no sentido de que, como produtor
de aço cujas actividades são habitualmente regidas pelo Tratado CECA,
ignorava que esses acordos eram contrários ao Tratado CEE.»
- Em quarto lugar, a recorrente alega não ter participado nos acordos relativos ao
mercado do Benelux nem nos relativos ao mercado alemão, apesar de este último
mercado ter apresentado para ela um interesse considerável. Alega também nunca
ter proposto para o mercado italiano medidas análogas às francesas e alemãs,
apesar de ter estado em condições de o fazer, dada a sua importante posição no
mercado.
- Basta afirmar, quanto a isto, que o Tribunal de Primeira Instância examinou
suficientemente e demonstrou no n.° 48 do acórdão recorrido de que modo estes
argumentos eram desprovidos de qualquer fundamento afirmando:
«48 O facto de a recorrente não ter participado nas infracções dos mercados do
Benelux e alemão foi tomado em consideração pela decisão, uma vez que
a mesma não refere que a recorrente tenha participado neles. Do mesmo
modo, a decisão não refere que tenham sido celebrados acordos
relativamente ao mercado italiano. A este respeito, a recorrente não pode
argumentar no sentido de que a infracção que cometeu não foi assim tão
grave para reivindicar uma diminuição da coima que lhe foi aplicada.»
- A recorrente alega, em último lugar, que, ainda que o Tribunal de Justiça
considerasse a coima justificada, o seu montante deveria ser fortemente reduzido
devido à desvalorização da lira italiana relativamente ao ecu desde 2 de Agosto de
1989, data da adopção da decisão controvertida. Em seu entender, o Tribunal de
Justiça deverá determinar o montante da coima tendo em conta o valor da lira
italiana correspondente à taxa de câmbio do ecu aplicável à data em que foi fixada
a coima.
- A Comissão defende que, nos termos do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de
Processo do Tribunal de Justiça, este fundamento é inadmissível, dado que foi
apresentado pela primeira vez na fase da réplica.
- Há que recordar que, nos termos do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo
do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira
Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, é proibido deduzir
novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em
elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.
- Ora, há que reconhecer que o argumento baseado na desvalorização da lira não
foi invocado pela recorrente no Tribunal de Primeira Instância nem no âmbito do
presente recurso. Ora, para que este fundamento fosse admissível na fase da
réplica, a recorrente deveria provar, em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do
Regulamento de Processo, que a desvalorização da lira italiana era um elemento
de facto que se tinha revelado no decurso da presente instância. Não tendo a
recorrente fornecido nenhum elemento neste sentido, há que julgar este
fundamento inadmissível.
- Não tendo sido acolhido qualquer fundamento, deve ser negado provimento ao
recurso no seu conjunto.
Quanto às despesas
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, aplicável
ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do
artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a recorrente sido
vencida há que condená-la nas despesas da presente instância.
Pelos fundamentos expostos,O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
decide:
- É negado provimento ao recurso.
- A recorrente é condenada nas despesas.
ManciniMurray
Kapteyn
Hirsch Ragnemalm
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Julho de 1997.
O secretário
O presidente da Sexta Secção
R. Grass
G. F. Mancini
1: Língua do processo: italiano.