Language of document : ECLI:EU:C:1997:375

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

17 de Julho de 1997(1)

«Concorrência — Infracção ao artigo 85.° do Tratado CEE»

No processo C-219/95 P,

Ferriere Nord SpA, sociedade de direito italiano, com sede em Osoppo (Itália), representada por Wilma Viscardini Donà, advogada no foro de Pádua, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrente,

que tem por objecto um recurso em que se pede a anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Primeira Secção) em 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão (T-143/89, Colect., p. II-917),

sendo recorrida

Comissão das Comunidades Europeias,representada por Enrico Traversa, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alberto Dal Ferro, advogado no foro de Vicenza, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),



composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, J. L. Murray, P. J. G. Kapteyn, G. Hirsch e H. Ragnemalm (relator), juízes,

advogado-geral: P. Léger,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Fevereiro de 1997,

profere o presente

Acórdão

  1. Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Junho de 1995, a sociedade de direito italiano Ferriere Nord SpA interpôs, nos termos do artigo 49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão (T-143/89, Colect., p. II-917, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso que tinha por objecto a anulação da Decisão 89/515/CEE da Comissão, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.553 — Rede electrossoldada para betão) (JO L 260, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).

  2. Quanto aos factos que estão na origem do presente recurso, conclui-se do acórdão recorrido que:

    • com a decisão controvertida, a Comissão aplicou uma coima a catorze produtores de rede electrossoldada para betão, pelo facto de, nos termos do artigo 1.°, terem violado «o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CEE, dado que, entre 27 de Maio de 1980 e 5 de Novembro de 1985, participaram, num caso ou em vários, num ou vários acordos e/ou práticas concertadas, que consistiram na fixação de preços de venda, na limitação das vendas, na repartição dos mercados, bem como em medidas de aplicação e de controlo desses acordos e práticas concertadas».

    • A decisão controvertida acusa especialmente a recorrente «... de ter participado em duas séries de acordos no mercado francês. Esses acordos teriam envolvido, por um lado, os produtores franceses... e, por outro, os produtores estrangeiros operando no mercado francês... e tinham por objecto definir preços e quotas, com vista a limitar as importações de rede electrossoldada para betão em França, e proceder a uma troca de informações. A primeira série de acordos teria sido posta em prática entre Abril de 1981 e Março de 1982, a segunda entre o início de 1983 e o final de 1984. Esta segunda série de acordos teria sido formalizada pela adopção, em Outubro de 1983, de um 'protocolo de acordo‘» (n.° 15 do acórdão recorrido).

    • Foi a este título que a Ferriere Nord foi condenada a uma coima de 320 000 ecus.



  3. Em 18 de Outubro de 1989, a recorrente interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida. Por despachos de 15 de Novembro de 1989, o Tribunal de Justiça remeteu esse processo, bem como os dez outros com ele conexos, para o Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do artigo 14.° da Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1).

  4. A recorrente concluiu pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se dignasse, a título principal, declarar nula a decisão controvertida, na medida em que as suas disposições lhe diziam respeito, a título subsidiário, suprimir a coima que lhe foi aplicada ou reduzi-la a um montante equitativo e, em qualquer caso, condenar a Comissão nas despesas. A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se dignasse julgar improcedente o recurso e condenar a recorrente nas despesas da instância.

  5. Em apoio do seu recurso, a recorrente suscitou três fundamentos. O primeiro baseava-se na violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o segundo na violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17») e o terceiro na existência de um desvio de poder.

  6. No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou todos os fundamentos.

  7. Neste recurso, a recorrente solicita ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, dando provimento aos pedidos que apresentou em primeira instância.

  8. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao recurso, confirmar a validade da decisão controvertida e condenar a recorrente nas despesas.

  9. Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos. Sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito na interpretação e na aplicação, por um lado, do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e, por outro, do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

    Quanto ao primeiro fundamento baseado na violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

  10. Este fundamento divide-se em três partes. A recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância, antes de mais, de não ter tido em conta a versão italiana do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, em seguida, de não ter examinado em que medida os acordos em que participou afectavam o comércio entre Estados-Membros e, por fim, de ter apreciado incorrectamente os nexos económicos e jurídicos existentes entre o mercado da rede electrossoldada para betão e o do fio-máquina.

  11. Antes de analisar cada uma destas partes importa recordar, como se conclui do n.° 25 do acórdão recorrido, que a recorrente reconheceu ter aderido aos acordos celebrados entre produtores de rede electrossoldada para betão e que não contestou o respectivo objecto, que era fixar preços e quotas.

  12. A primeira parte do primeiro fundamento refere-se aos n.os 30 e 31 do acórdão recorrido que têm a seguinte redacção:

    «30    ... a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é supérflua para efeitos da aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, quando se demonstre, como foi o caso dos acordos considerados pela decisão, que estes têm por objectivo impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 1990, Sandoz Prodotti Farmaceutici/Comissão, C-277/87, Colect., p. I-45).

    31    A recorrente não pode invocar a versão italiana do artigo 85.° do Tratado para exigir que a Comissão determine que o acordo tinha simultaneamente um objectivo e um efeito anticoncorrencial. Com efeito, esta versão não pode prevalecer sozinha sobre todas as outras versões linguísticas, que demonstram claramente pela utilização do termo «ou» o carácter não cumulativo mas alternativo da condição em causa, como o decidiu o Tribunal de Justiça em jurisprudência constante a partir do acórdão Société technique minière, já referido (Recueil, p. 359). A interpretação uniforme das normas comunitárias exige, com efeito, que as mesmas sejam interpretadas e aplicadas à luz das versões redigidas nas outras línguas comunitárias (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 1967, Van der Vecht, 19/67, Recueil, pp. 445, 456, e de 6 de Outubro de 1982, Cilfit e Lanificio di Gavardo, 283/81, Recueil, p. 3415, n.° 18).»

  13. A recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter tido em conta a versão italiana do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, segundo a qual o acordo deve ter por objecto e por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, pelo que esta disposição prevê uma condição cumulativa e não alternativa. Ao referir, no n.° 31 do acórdão recorrido, uma jurisprudência que não assenta na versão italiana do artigo 85.°, o Tribunal de Primeira Instância fundamentou incorrectamente a sua argumentação. Com efeito, o recurso às outras versões linguísticas só se justifica quando o sentido de uma disposição numa das versões não é claro, o que não se verifica no caso em apreço.

  14. É certo que, ao contrário das outras versões linguísticas do artigo 85.°, decorre da versão italiana que, mediante a utilização da conjunção coordenada «e», o acordo deve ter por objecto e por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência. No entanto, esta divergência não pode pôr em causa a interpretação do artigo 85.° feita pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 30 do acórdão recorrido.

  15. Importa, com efeito, recordar, que, como o Tribunal de Primeira Instância justamente decidiu, resulta de jurisprudência constante que as normas comunitárias devem ser interpretadas e aplicadas de modo uniforme à luz das versões redigidas nas outras línguas comunitárias (acórdão já referido Van der Vecht, Cilfit e Lanificio di Gavardo, n.° 18). Esta conclusão não pode ser infirmada pelo facto de, no caso em apreço, a versão italiana do artigo 85.°, vista isoladamente, ser clara e inequívoca uma vez que todas as outras versões linguísticas mencionam expressamente o carácter alternativo da condição visada no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

  16. Daqui resulta que a primeira parte do primeiro fundamento deve ser rejeitada.

  17. A segunda parte do primeiro fundamento diz respeito aos n.os 32 e 35 do acórdão recorrido, segundo os quais:

    «32    ... o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não exige que as restrições de concorrência verificadas tenham efectivamente afectado de modo sensível as trocas comerciais entre os Estados-Membros, exigindo apenas que seja provado que esses acordos são susceptíveis de produzir esse efeito (acórdão Miller/Comissão, já referido, n.° 15).

    33    No caso vertente, há que salientar que o facto de as unidades de produção de rede electrossoldada para betão da recorrente estarem afastadas do mercado francês não é, só por si, susceptível de impedir as suas exportações para esse mercado. A este respeito, a argumentação da recorrente demonstra aliás, por si mesma, que os acordos, na medida em que se destinavam a aumentar os preços, eram susceptíveis de aumentar as suas exportações para França e, assim, de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros.

    34    Além disso, pressupondo, como pretende a recorrente, que os acordos não modificaram a parte de mercado detida globalmente pelos produtores italianos e que as suas exportações foram muito inferiores à quota que lhes tinha sido atribuída, não deixa de ser um facto que as restrições de concorrência verificadas eram susceptíveis de desviar as correntes comerciais da orientação que de outra forma teriam tido (acórdão Van Landewyck e o./Comissão, já referido, n.° 172). Com efeito, os acordos tinham por objectivo contingentar as importações no mercado francês a fim de permitir um aumento artificial dos preços nesse mercado.

    35    Resulta do que precede que, como a decisão verificou, a recorrente infringiu o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao aderir a acordos que tinham por objectivo restringir a concorrência no mercado comum e que eram susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros.»

  18. A recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de se ter limitado a declarar, no n.° 32, que basta que os acordos em que participou sejam susceptíveis de afectar, de modo sensível, as trocas comerciais para que sejam contrários ao artigo 85.° do Tratado. No entender da recorrente, o Tribunal de Primeira Instância deveria também ter determinado em que medida os referidos acordos constituíam um obstáculo às trocas comerciais entre os Estados-Membros. Ora, em sua opinião, os acordos controvertidos não eram susceptíveis de afectar de modo sensível as trocas comerciais entre a Itália e a França.

  19. A este respeito, importa afirmar que o Tribunal de Primeira Instância recordou, correctamente, no n.° 32 do acórdão recorrido, que, em conformidade com oacórdão de 1 de Fevereiro de 1978 (Miller/Comissão, 19/77, Recueil, p. 131, n.° 15), o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não exige que os acordos que caem sob a alçada dessa disposição tenham efectivamente afectado de modo sensível as trocas comerciais intracomunitárias, prova que, aliás, na maior parte dos casos, só muito dificilmente poderá ser feita, mas requer que seja provado que esses acordos são susceptíveis de produzir esse efeito.

  20. Resulta, além disto, de jurisprudência constante que, para que uma decisão, um acordo ou uma prática concertada possa afectar o comércio entre Estados-Membros, deve, com base num conjunto de elementos de direito ou de facto, deixar prever, com suficiente grau de probabilidade, que pode exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre o desenrolar das trocas comerciais entre os Estados-Membros, de modo a fazer recear a criação de entraves à realização de um mercado único entre os Estados-Membros (v. acórdão de 30 de Junho de 1966, Société technique minière, 56/65, Colect. 1965-1968, p. 381, e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 170).

  21. Daqui resulta que a segunda parte do primeiro fundamento também deve ser rejeitada.

  22. A terceira parte do primeiro fundamento refere-se ao n.° 29 do acórdão recorrido:

    «29    No que diz respeito à afectação da concorrência, é um facto, como salienta a recorrente, que o preço da rede electrossoldada para betão depende em larga medida do do fio-máquina, mas daqui não resulta que estava excluída qualquer possibilidade de concorrência eficaz nesse domínio. Com efeito, os produtores tinham uma margem suficiente para permitir uma concorrência efectiva no mercado. Por conseguinte, os acordos puderam ter um efeito sensível na concorrência...»

  23. A recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter fundamentado a afirmação de que, apesar do contexto regulamentar e económico relativo ao fio-máquina, não está excluída a possibilidade de concorrência eficaz no domínio da rede electrossoldada para betão.

  24. É certo que a recorrente não contesta a existência de uma margem de concorrência no mercado da rede electrossoldada para betão apesar do regime CECA aplicável ao fio-máquina. Acusa, no entanto, o Tribunal Primeira Instância de não ter analisado se os acordos sobre a rede electrossoldada para betão não poderiam ser conformes ao artigo 85.° do Tratado na medida em que contribuíam para aumentar o preço da rede electrossoldada para betão e portanto, indirectamente, aumentar o preço do fio-máquina. No âmbito deste último mercado, a Comissão desejava um aumento do nível dos preços. Consequentemente, a recorrente alega que o verdadeiro objecto do acordo com os produtores franceses de rede electrossoldada para betão não era restringir a concorrência nesse sector mas prosseguir os mesmos objectivos que a Comissão no sector do fio-máquina.

  25. A este respeito, importa afirmar que foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância se limitou a declarar que existia, no mercado de rede electrossoldada para betão, uma margem suficiente que permitia uma concorrência efectiva. O facto de o mercado do fio-máquina, situado a montante do da rede electrossoldada para betão, ser objecto de quotas de produção — e não de preços impostos, como parece defender a recorrente — não é susceptível de alterar a declaração feita por aquele Tribunal. Em qualquer caso, o contexto regulamentar económico do fio-máquina não autoriza a recorrente a participar em acordos anticoncorrenciais relativos a um produto derivado, a pretexto de proteger o produto a montante e de se substituir assim às autoridades competentes, únicas habilitadas para esse efeito.

  26. O primeiro fundamento deve portanto ser rejeitado na totalidade.

    Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

  27. Este fundamento incide sobre a fixação e a determinação do montante das coimas visado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

  28. Nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17:

    «A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas... sempre que, deliberada ou negligentemente:

    a) Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo 85.° ou no artigo 86.° do Tratado, ou

    b) ...

    Para determinar o montante da multa, deve tomar-se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

  29. A recorrente solicita a supressão ou, pelo menos, a redução da coima a que foi condenada na decisão controvertida.

  30. A este respeito, alega que o Tribunal de Primeira Instância não examinou todos os argumentos que invocou ou que não examinou suficientemente em que medida eram fundados. Além disto, a recorrente sustenta, a título subsidiário, que, admitindo que a coima fosse, em termos de princípio, justificada, o seu montante é, de qualquer modo, excessivo e injusto.

  31. Quanto ao alegado carácter injusto da coima, importa salientar que não compete ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, substituir, por motivos de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação, por estas, do direito comunitário (acórdão de 6 Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colect., p. I-865, n.° 34). Ao invés, o Tribunal de Justiça é competente para examinar se o Tribunal de Primeira Instância respondeu correctamente a todos os argumentos invocados pelo recorrente tendentes à supressão ou à redução da coima.

  32. Importa, em primeiro lugar, recordar (v. despacho de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. I-1611), que, por um lado, o artigo 15.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17 determina as condições que devem estar reunidas para que a Comissão possa aplicar coimas (condições de aplicação); entre essas condições, figura a relativa ao carácter deliberado ou negligente da infracção. Por outro lado, o segundo parágrafo dessa disposição regulamenta a determinação do montante da coima, que é função da gravidade e da duração da infracção.

  33. A gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tivesse sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).

  34. Importa, em segundo lugar, afirmar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não exige que o Tribunal de Primeira Instância recorde o carácter facultativo da coima. Para que as infracções em causa sejam passíveis de coima basta-lhe, como fez nos n.os 41 e 42 do acórdão recorrido, declarar que as infracções foram deliberadamente cometidas pela recorrente e que tais infracções são graves.

  35. A recorrente retoma, antes de mais, o argumento que considera determinante, isto é, o nexo estreito entre a rede electrossoldada para betão e o regime de quotas em vigor para o fio-máquina. Em seu entender, a situação não é diferente da do açúcar, examinada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73, 55/73, 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563), no qual o Tribunal de Justiça reduziu consideravelmente as coimas. Censura portanto o Tribunal de Primeira Instância por não ter detectado nenhuma similitude entre aquele processo e o presente.

  36. Este argumento refere-se ao n.° 63 do acórdão recorrido no qual o Tribunal de Primeira Instância considerou:

    «63    No que diz respeito ao nexo existente entre o mercado da rede electrossoldada para betão e o do fio-máquina, verifica-se, antes de mais, que a Comissão o teve em conta (ponto 201 da decisão). Além disso, a recorrente não pode invocar o acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, na medida em que esse acórdão visa uma hipótese que difere fundamentalmente da hipótese colocada em apreço em dois elementos. Por um lado, tratava-se nesse caso de uma organização comum de mercado agrícola abrangida pelo Tratado CEE, ao passo que no caso em apreço se trata de um regime de preços e de quotas de produção sujeito ao Tratado CECA. Por outro lado, no processo Suiker Unie e o./Comissão, era o produto derivado que era objecto de uma organização comum de mercado, ao passo que, aqui, é o produto de base que é objecto do regime de preços e de quotas de produção. Daqui resulta que, no plano económico, as hipóteses visadas pelo acórdão Suiker Unie e o./Comissão e o presente processo são fundamentalmente diferentes e que a recorrente não pode, assim, invocar esse acórdão em apoio das suas pretensões.»

  37. A recorrente defende que as duas situações são comparáveis. No processo Suiker e o./Comissão, já referido, a organização comum no sector do açúcar era necessária para garantir um preço mínimo para as beterrabas. No caso em apreço, não era possível garantir o preço mínimo para o fio-máquina sem regulamentar também o mercado da rede electrossoldada para betão.

  38. É conveniente, a este respeito, recordar que, quanto à avaliação dos montantes a fixar, há que tomar em consideração a gravidade e a duração da infracção, o que obriga o Tribunal de Justiça a ter em conta o contexto regulamentar e económico do comportamento arguido (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.° 612).

  39. Contrariamente ao que defende a recorrente, o contexto regulamentar e económico dos acordos controvertidos foi suficientemente tido em consideração pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 63 do acórdão recorrido.

  40. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância recordou não apenas que a Comissão teve em conta o nexo existente entre os mercados da rede electrossoldada para betão e do fio-máquina, mas também que as hipóteses em causa no acórdão Suiker Unie e no presente processo eram fundamentalmente diferentes.

  41. Importa, com efeito, sublinhar que no processo Suiker Unie estava em causa o mercado de um produto submetido a uma organização comum de mercado no âmbito da qual se aplicavam, nomeadamente, quotas nacionais de produção de açúcar repartidas entre os principais produtores. Ao invés, no caso em apreço, o mercado pertinente, isto é, o da rede electrossoldada para betão, é livre e não está submetido a qualquer medida desta natureza.

  42. Para obter uma redução da coima, a recorrente avança em seguida outros argumentos que não terão sido suficientemente tidos em conta pelo Tribunal de Primeira Instância.

  43. Deste modo recorda, em primeiro lugar, ter agido unicamente para salvaguardar o mercado do fio-máquina, em conformidade com as disposições adoptadas pela Comissão nesse sector.

  44. Este argumento diz respeito ao n.° 64 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal de Primeira Instância considerou:

    «64    Por outro lado, pressupondo que a aplicação dos acordos em causa tenha conduzido indirectamente a uma subida dos preços do fio-máquina, subida que era desejada pela Comissão, a recorrente não pode invocar essa circunstância como uma circunstância atenuante. Com efeito, as empresas não podem invocar o facto de que os seus acordos de preços e de quotas relativamente a um produto tiveram indirectamente uma influência positiva nos preços de um outro produto, abrangido por um sistema de quotas de produção instaurado pela Comissão, sob pena de acentuar de modo excessivo o impacte desse sistema de quotas. O sistema de quotas instaurado pela Comissão, ao abrigo do Tratado CECA, relativamente ao fio-máquina, era limitado a esse produto. As empresas não estavam autorizadas a tornar esse sistema extensivo a um produto regido pelo Tratado CEE, como a rede electrossoldada para betão.»

  45. Ora, conclui-se claramente deste número que o Tribunal de Primeira Instância examinou por que motivo este argumento não podia ser considerado uma circunstância atenuante.

  46. Em segundo lugar, a recorrente alega não ter retirado qualquer vantagem dos acordos controvertidos e critica o n.° 53 do acórdão recorrido no qual o Tribunal de Primeira Instância afirmou:

    «53    ... o facto de a recorrente não ter beneficiado com a infracção foi tomado em consideração no cálculo da coima que lhe foi aplicada. Com efeito, a Comissão teve em conta que, no sector da rede electrossoldada para betão, a rendabilidade é, regra geral, insuficiente (ponto 201 da decisão), bem como a situação financeira das empresas (ponto 203 da decisão). Alémdisso, a ausência de benefício com a infracção não pode impedir a aplicação de coimas importantes sob pena de as mesmas perderem a sua natureza dissuasora.»

  47. Conclui-se também deste número que o Tribunal examinou suficientemente por que motivo este argumento não era fundado.

  48. Em terceiro lugar, a recorrente alega ter actuado numa perspectiva de integração e não de compartimentação dos mercados.

  49. Contrariamente ao que afirma a Comissão, este argumento foi efectivamente invocado pela recorrente no recurso para o Tribunal de Primeira Instância, mas não foi enquanto tal examinado por este.

  50. Importa, no entanto, afirmar que este argumento se inscreve no contexto mais vasto da infracção cometida intencionalmente ou por negligência e que, a este título, foi suficientemente examinado nos n.os 41 e 42 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal de Primeira Instância decidiu:

    «41    ... para que uma infracção às regras de concorrência do Tratado possa ser considerada como tendo sido cometida deliberadamente, não é necessário que a empresa tenha tido consciência de infringir essas regras, sendo suficiente que não tenha podido ignorar que a sua conduta tinha por objectivo restringir a concorrência...

    42    No caso em apreço, tendo em conta a gravidade intrínseca e o carácter manifesto da infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e em especial às suas alíneas a) e c), o Tribunal considera que a recorrente não pode pretender que não agiu deliberadamente. Igualmente por estas razões a recorrente também não pode argumentar no sentido de que, como produtor de aço cujas actividades são habitualmente regidas pelo Tratado CECA, ignorava que esses acordos eram contrários ao Tratado CEE.»

  51. Em quarto lugar, a recorrente alega não ter participado nos acordos relativos ao mercado do Benelux nem nos relativos ao mercado alemão, apesar de este último mercado ter apresentado para ela um interesse considerável. Alega também nunca ter proposto para o mercado italiano medidas análogas às francesas e alemãs, apesar de ter estado em condições de o fazer, dada a sua importante posição no mercado.

  52. Basta afirmar, quanto a isto, que o Tribunal de Primeira Instância examinou suficientemente e demonstrou no n.° 48 do acórdão recorrido de que modo estes argumentos eram desprovidos de qualquer fundamento afirmando:

    «48    O facto de a recorrente não ter participado nas infracções dos mercados do Benelux e alemão foi tomado em consideração pela decisão, uma vez que a mesma não refere que a recorrente tenha participado neles. Do mesmo modo, a decisão não refere que tenham sido celebrados acordos relativamente ao mercado italiano. A este respeito, a recorrente não pode argumentar no sentido de que a infracção que cometeu não foi assim tão grave para reivindicar uma diminuição da coima que lhe foi aplicada.»

  53. A recorrente alega, em último lugar, que, ainda que o Tribunal de Justiça considerasse a coima justificada, o seu montante deveria ser fortemente reduzido devido à desvalorização da lira italiana relativamente ao ecu desde 2 de Agosto de 1989, data da adopção da decisão controvertida. Em seu entender, o Tribunal de Justiça deverá determinar o montante da coima tendo em conta o valor da lira italiana correspondente à taxa de câmbio do ecu aplicável à data em que foi fixada a coima.

  54. A Comissão defende que, nos termos do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, este fundamento é inadmissível, dado que foi apresentado pela primeira vez na fase da réplica.

  55. Há que recordar que, nos termos do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

  56. Ora, há que reconhecer que o argumento baseado na desvalorização da lira não foi invocado pela recorrente no Tribunal de Primeira Instância nem no âmbito do presente recurso. Ora, para que este fundamento fosse admissível na fase da réplica, a recorrente deveria provar, em conformidade com o artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, que a desvalorização da lira italiana era um elemento de facto que se tinha revelado no decurso da presente instância. Não tendo a recorrente fornecido nenhum elemento neste sentido, há que julgar este fundamento inadmissível.

  57. Não tendo sido acolhido qualquer fundamento, deve ser negado provimento ao recurso no seu conjunto.

    Quanto às despesas

  58. Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a recorrente sido vencida há que condená-la nas despesas da presente instância.

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    decide:

    1. É negado provimento ao recurso.

    2. A recorrente é condenada nas despesas.


    ManciniMurray
    Kapteyn

                Hirsch                Ragnemalm

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Julho de 1997.

    O secretário

    O presidente da Sexta Secção

    R. Grass

    G. F. Mancini


1: Língua do processo: italiano.