Language of document : ECLI:EU:C:2018:12

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

17 de janeiro de 2018 (*)

«Incumprimento de Estado — Auxílios de Estado — Auxílio declarado ilegal e incompatível com o mercado interno — Obrigação de recuperação — Artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE — Regulamento (CE) n.o 659/1999 — Artigo 14.o, n.o 3 — Sociedade beneficiária declarada insolvente — Processos de insolvência — Inscrição dos créditos na tabela dos credores — Cessação das atividades — Suspensão do processo de insolvência para analisar a possibilidade de relançamento das atividades — Dever de informar — Incumprimento»

No processo C‑363/16,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE, entrada em 30 de junho de 2016,

Comissão Europeia, representada por A. Bouchagiar e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República Helénica, representada por K. Boskovits e por V. Karra, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, C. G. Fernlund, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de junho de 2017,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de outubro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua ação, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não ter adotado, nos prazos previstos, todas as medidas necessárias à execução da Decisão 2012/541/UE da Comissão, de 22 de fevereiro de 2012, relativa ao auxílio estatal SA.26534 (C 27/10 ex NN 6/09) executado pela Grécia a favor da Enoméni Klostoÿfanturgía AE (Têxteis Unidos SA) (JO 2012, L 279, p. 30), e, em todo o caso, ao não ter suficientemente informado a Comissão, em conformidade com o disposto no artigo 4.o desta decisão, a respeito das medidas adotadas, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.o a 4.o da referida decisão, bem como por força do Tratado FUE.

 Quadro jurídico

2        O Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), foi revogado pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9). Contudo, tendo em conta a data dos factos, o Regulamento n.o 659/1999 continua a ser aplicável ao presente litígio.

3        O considerando 13 do Regulamento n.o 659/1999 enunciava:

«Considerando que, nos casos de auxílios ilegais incompatíveis com o mercado comum, deve ser restabelecida uma concorrência efetiva; que, para este efeito, é necessário que o auxílio, acrescido de juros, seja recuperado o mais rapidamente possível; que é conveniente que esta recuperação seja efetuada de acordo com o direito processual nacional; que a aplicação deste direito processual não deve, ao impedir uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão, obstar ao restabelecimento de uma concorrência efetiva; que, para obter esse resultado, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para garantir a eficácia da decisão da Comissão».

4        O artigo 14.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999 dispunha:

«Sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça [da União Europeia] nos termos do artigo [278.o TFUE], a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados‑Membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação [da União].»

 Antecedentes do litígio e procedimento précontencioso

5        A Têxteis Unidos SA é uma empresa têxtil grega cuja atividade é a produção de vestuário, fibras e tecidos. A situação desta sociedade deteriorou‑se pelo menos desde 2004, com uma diminuição progressiva das vendas. As suas oficinas deixaram de funcionar desde 2008 por falta de capital de exploração. Desde então, praticamente todos os empréstimos bancários da empresa estão em atraso. A sua produção cessou quase completamente em março de 2009.

6        Em 2007, a República Helénica concedeu à Têxteis Unidos uma garantia para o refinanciamento de um empréstimo bancário existente, tendo‑lhe também concedido um novo empréstimo (a seguir «auxílio de Estado de 2007»). Durante o ano de 2009, a República Helénica procedeu ao reescalonamento das dívidas à segurança social vencidas da Têxteis Unidos relativas ao período compreendido entre 2004 e 2009 (a seguir «auxílio de Estado de 2009»).

7        Em 22 de fevereiro de 2012, a Comissão adotou a Decisão 2012/541, notificada à República Helénica em 23 de fevereiro de 2012, e cujos artigos 1.o a 4.o têm a seguinte redação:

«Artigo 1.o

1.      Os auxílios estatais concedidos pela Grécia em infração do artigo 108.o, n.o 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a favor da Enoméni Klostoÿfanturgía AE, sob a forma de garantia estatal, em 2007, e de reescalonamento das dívidas à segurança social vencidas, em 2009, são incompatíveis com o mercado interno.

[…]

Artigo 2.o

1.      A Grécia deve recuperar junto do beneficiário o auxílio referido no artigo 1.o, n.o 1.

[…]

Artigo 3.o

1.      A recuperação do auxílio referido no artigo 1.o, n.o 1, deve ser imediata e efetiva.

2.      A Grécia deve assegurar a execução da presente decisão no prazo de quatro meses a contar da data da sua notificação.

Artigo 4.o

1.      No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, a Grécia deve apresentar à Comissão os seguintes elementos:

a)      Montante total (capital e juros) a recuperar de cada um dos beneficiários;

b)      Descrição pormenorizada das medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão;

c)      Documentos que demonstrem que os beneficiários foram intimados a reembolsar o auxílio.

2.      A Grécia deve manter a Comissão informada sobre a evolução das medidas nacionais adotadas para dar cumprimento à presente decisão, até estar concluída a recuperação dos auxílios definidos no artigo 1.o, n.o 1. A pedido da Comissão, a Grécia deve transmitir‑lhe de imediato informações sobre as medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão. A Grécia deve prestar também informações pormenorizadas sobre os montantes dos auxílios e dos juros já recuperados dos beneficiários.»

8        Em 21 de junho de 2012, as autoridades helénicas competentes certificaram um crédito de 19 181 729,10 euros que incluía o montante do auxílio de Estado de 2007. Em 29 de agosto de 2012, essas autoridades certificaram um crédito suplementar de 15 827 427,78 euros que incluía o montante do auxílio de Estado de 2009.

9        Neste contexto, e na sequência de pedidos de informações, as autoridades helénicas comunicaram à Comissão por carta de 3 de agosto de 2012 que a insolvência da Têxteis Unidos tinha sido oficialmente declarada em 19 de julho de 2012.

10      No processo de insolvência, o prazo concedido para a comunicação dos créditos começou a correr em 30 de julho de 2012.

11      A República Helénica procedeu à reclamação dos créditos relativos aos montantes a recuperar a título dos auxílios de Estado previstos no artigo 1.o, n.o 1, da Decisão 2012/541.

12      Os créditos foram reclamados na Secretaria do tribunal competente em matéria de insolvências em 3 de agosto de 2012, quanto ao auxílio de Estado de 2007, e em 14 de setembro de 2012, no que respeita ao auxílio de Estado de 2009. A última reclamação foi efetuada em 7 de fevereiro de 2013.

13      Durante o ano de 2013, iniciou‑se um processo de venda em hasta pública dos bens da Têxteis Unidos.

14      Por correios eletrónicos de 7 e 17 de dezembro de 2015, o administrador de insolvência da Têxteis Unidos informou a Comissão a respeito das tentativas do Governo helénico de relançar a atividade desta empresa.

15      A referida instituição, por carta de 18 de dezembro de 2015, pediu que as autoridades helénicas precisassem se existiam efetivamente projetos de relançamento da atividade da Têxteis Unidos.

16      Em correspondência de 19 de janeiro de 2016, estas autoridades indicaram à Comissão que, por ato legislativo datado de 30 de dezembro de 2015 (a seguir «ACL»), tinham decidido suspender por seis meses a contar da data de publicação do referido ato no Jornal Oficial da República Helénica o processo de venda em hasta pública dos bens da Têxteis Unidos, com vista a examinarem mais aprofundadamente a possibilidade de retoma da atividade desta empresa no quadro mais alargado da política de relançamento da indústria helénica e da conservação do emprego. As referidas autoridades também indicaram que entendiam estar a ter em conta a comunicação da Comissão intitulada «Para uma aplicação efetiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados‑Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis» (JO 2007, C 272, p. 4).

17      Por ocasião de uma reunião em Atenas (Grécia), em 11 de fevereiro de 2016, e por carta de 22 de fevereiro de 2016, os serviços da Comissão pediram às autoridades helénicas que procedessem imediatamente à recuperação integral do auxílio ou que retomassem o processo de insolvência da Têxteis Unidos.

18      Por carta de 11 de abril de 2016, as autoridades helénicas comunicaram à Comissão que o plano de relançamento analisado pela República Helénica incluía uma recuperação total e imediata dos auxílios de Estado concedidos, acrescidos de juros, antes da eventual retoma de atividade da Têxteis Unidos. Nesta carta, pediram um prazo de 30 dias úteis para terminar o processo de avaliação do referido plano.

19      Foi nestas condições que a Comissão decidiu propor a presente a ação.

 Quanto à ação

20      Em apoio da sua ação, a Comissão invoca dois argumentos, baseados numa violação, respetivamente, dos artigos 2.o e 3.o da Decisão 2012/541, bem como do artigo 4.o desta decisão.

21      A Comissão defende, em primeiro lugar, que a República Helénica não adotou no prazo fixado todas as medidas necessárias para recuperar os auxílios incompatíveis e, em segundo lugar, que este Estado não a informou suficientemente das medidas tomadas em aplicação da referida decisão.

 Quanto ao primeiro argumento, relativo à falta de recuperação dos auxílios incompatíveis


 Argumentos das partes

22      A Comissão considera que, no termo do prazo previsto no artigo 3.o, n.o 2, da Decisão 2012/541, concretamente em 25 de junho de 2012, a República Helénica não garantiu a execução desta decisão. Essa instituição observa ainda que não prorrogou o prazo de execução da referida decisão.

23      A Comissão considera que, para cumprir a obrigação de recuperar um auxílio incompatível, um Estado‑Membro pode recuperar a totalidade desse auxílio, e os respetivos juros, junto da empresa beneficiária, ou, caso tal não se verifique, pedir a declaração de insolvência da empresa sem atender às suas eventuais dificuldades financeiras e, no contexto do processo de insolvência, inscrever o crédito respeitante ao auxílio em causa na tabela de créditos. Nesta última hipótese, a liquidação da empresa em questão deve ser acompanhada da cessação definitiva da sua atividade.

24      Segundo a Comissão, é manifesto que, no termo do prazo de execução, a República Helénica não tinha cumprido estas obrigações.

25      No que respeita à cessação definitiva da atividade da empresa beneficiária, a Comissão alega que, para garantir a eliminação da vantagem concorrencial, tal empresa deve dissolver‑se a partir do momento em que se encontra na impossibilidade absoluta de devolver os auxílios recebidos. Nesses casos, a empresa está envolvida num processo de dissolução irreversível que não pode ser parado, ainda que temporariamente, pelo facto de o Estado‑Membro pretender analisar a possibilidade de recuperação total e de retoma da atividade da empresa beneficiária.

26      No caso vertente, na medida em que, ao abrigo do artigo 17.o do ACL, as autoridades helénicas suspenderam o processo de insolvência na fase da venda em hasta pública dos bens da Têxteis Unidos, para explorarem a possibilidade de uma retoma da atividade desta empresa, não preencheram o requisito de cessação definitiva da atividade da empresa em causa. Com efeito, estas autoridades procederam a uma suspensão efetiva do processo de insolvência para procederem a uma análise hipotética da possibilidade de retoma da atividade da Têxteis Unidos. Assim sendo, reverteram o processo de dissolução desta sociedade.

27      A República Helénica considera que a circunstância de as empresas beneficiárias de auxílios de Estado estarem em situação difícil ou em insolvência não afeta a obrigação de recuperação desses auxílios.

28      Observa, além disso, que a reposição da situação anterior e a eliminação da distorção da concorrência resultante dos auxílios ilegalmente pagos podem, em princípio, realizar‑se mediante a inscrição na tabela de créditos do crédito relativo à restituição dos auxílios em causa.

29      Esse Estado‑Membro observa, por um lado, que foi em aplicação da Decisão 2012/541 que a Têxteis Unidos foi declarada insolvente em 19 de julho de 2012, e que, por esse facto, não tem qualquer atividade no mercado, não existindo assim nenhuma distorção da concorrência nesse mercado. Por outro lado, as autoridades helénicas mantiveram um contacto permanente com os serviços da Comissão de forma a prestarem todas as informações úteis a respeito do processo de insolvência e, nomeadamente, a respeito da inscrição na tabela de créditos do crédito respeitante à restituição dos auxílios ilegais, a respeito da classificação dos créditos nessa tabela e a respeito da cessação de atividade da Têxteis Unidos. Assim, a República Helénica afirma que adotou todas as medidas necessárias para recuperar os auxílios ilegalmente concedidos à Têxteis Unidos na pendência do seu processo de insolvência.

30      No que respeita ao argumento da Comissão segundo o qual este processo de insolvência deve ser irreversível e culminar na cessação definitiva da atividade da empresa que beneficiou dos auxílios ilegais, a República Helénica observa que nem a jurisprudência nem a prática da Comissão exigem que o processo de insolvência de uma empresa culmine num processo de encerramento irreversível. A finalidade e a lógica do direito dos auxílios de Estado residiriam na eliminação das vantagens concorrenciais obtidas por uma empresa devido ao auxílio, e não na dissolução definitiva desta empresa.

31      Daqui decorre que, segundo a República Helénica, deixa de haver uma distorção da concorrência se, na pendência do processo de insolvência, a empresa beneficiária dos auxílios tiver comprovadamente cessado as suas atividades, uma vez que a vantagem concorrencial relativa ao benefício dos auxílios de Estado terá assim sido suprimida. Nessas condições, nada obsta a que possa ser apresentado à assembleia de credores um plano de retoma durável das atividades da empresa que preveja a recuperação integral dos auxílios em causa antes de qualquer retoma das atividades.

32      Além disso, a República Helénica deduz da comunicação da Comissão, referida no n.o 16 do presente acórdão, e cujo n.o 67 faz expressamente referência à possibilidade de que seja proposto um plano de continuação das atividades, que a abertura e a tramitação do processo de insolvência não obsta, em certos casos, à retoma da atividade da empresa, desde que os auxílios concedidos sejam efetivamente recuperados.

33      Assim, a suspensão por seis meses, ao abrigo do artigo 17.o do ACL, do processo de venda em hasta pública dos bens desta sociedade poderia ser considerada uma medida razoável e limitada no tempo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

34      Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o Estado‑Membro destinatário de uma decisão que o obriga a recuperar auxílios ilegais declarados incompatíveis com o mercado interno é obrigado, ao abrigo do artigo 288.o TFUE, a tomar todas as medidas adequadas para assegurar a execução desta decisão. Esse Estado deve obter uma recuperação efetiva dos montantes devidos por forma a eliminar a distorção da concorrência causada pela vantagem concorrencial proporcionada por esses auxílios (acórdão de 24 de janeiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑529/09, EU:C:2013:31, n.o 91).

35      Resulta do artigo 14.o, n.o 3, primeiro período, do Regulamento n.o 659/1999, lido à luz do considerando 13 deste regulamento, que a recuperação de um auxílio ilegal declarado incompatível com o mercado interno deve ser efetuada imediatamente e em conformidade com os procedimentos previstos pelo direito nacional do Estado‑Membro em causa, desde que estes últimos permitam a execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para este efeito, os Estados‑Membros em causa tomarão todas as medidas previstas nos respetivos sistemas jurídicos, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo do direito da União (acórdão de 11 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha, C‑527/12, EU:C:2014:2193, n.o 38).

36      No que respeita às hipóteses em que os auxílios ilegalmente pagos devam ser recuperados junto de empresas beneficiárias que se encontram em dificuldade ou insolventes, há que recordar que tais dificuldades não afetam a obrigação de recuperação do auxílio (v., neste sentido, acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 71). O Estado‑Membro é, por conseguinte, consoante os casos, obrigado a promover a liquidação da sociedade, a inscrever o seu crédito no passivo daquela ou a adotar todas as medidas que permitam o reembolso do auxílio (v., neste sentido, acórdão de 6 de dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑280/05, não publicado, EU:C:2007:753, n.o 28).

37      Com efeito, de acordo com jurisprudência constante, a reposição da situação anterior e a eliminação da distorção da concorrência resultante desses auxílios podem, em princípio, realizar‑se mediante a inscrição, na tabela de créditos, do crédito relativo à restituição dos auxílios em causa (v. acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 72 e jurisprudência referida).

38      Todavia, importa observar que essa inscrição só permite dar cumprimento à obrigação de recuperação se, quando as autoridades estatais não puderem recuperar a totalidade do montante dos auxílios, o processo de insolvência culminar na liquidação da empresa, ou seja, na cessação definitiva da sua atividade, que as autoridades estatais podem promover na sua qualidade de acionistas ou credoras (acórdão de 13 de outubro de 2011, Comissão/Itália, C‑454/09, não publicado, EU:C:2011:650, n.o 36).

39      Daqui decorre que a cessação definitiva das atividades da empresa beneficiária de um auxílio de Estado só é obrigatória nos casos em que for impossível recuperar na íntegra o montante do auxílio na pendência do processo de insolvência.

40      No que respeita aos aspetos temporais da recuperação de auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno, importa, por um lado, recordar que uma recuperação intempestiva, ou seja, posterior aos prazos fixados, não cumpre as exigências do Tratado (acórdão de 12 de dezembro de 2013, Comissão/Itália, C‑411/12, não publicado, EU:C:2013:832, n.o 29 e jurisprudência referida).

41      Por outro lado, importa observar, como fez a advogada‑geral no n.o 59 das suas conclusões, que se afigura pouco provável que as várias fases do processo de insolvência, desde o pedido inicial de insolvência à declaração de insolvência e inscrições na tabela de créditos até à liquidação do beneficiário e à recuperação integral dos auxílios em causa ou, eventualmente, até à cessação definitiva da atividade do referido beneficiário, estejam concluídas no prazo de quatro meses habitualmente fixado pela Comissão para a recuperação do auxílio ilegal.

42      Nestas condições, a inscrição na tabela de créditos do crédito relativo à restituição dos auxílios em causa deve ser considerada como sendo, em princípio, uma medida adequada suscetível de assegurar a eliminação da distorção da concorrência, como recordado no n.o 37 do presente acórdão, desde que essa medida seja seguida da recuperação da totalidade dos montantes dos referidos auxílios ou da liquidação da empresa e da cessação definitiva das suas atividades, caso essa recuperação continue a ser impossível na pendência do processo de insolvência.

43      Para que essa medida seja eficaz, nomeadamente à luz da exigência de execução imediata da decisão que ordena a recuperação de um auxílio ilegal declarado incompatível com o mercado interno, a mesma deve, como observou a advogada‑geral no n.o 60 das suas conclusões, ser efetuada no prazo estipulado pela Comissão (v., neste sentido, acórdãos de 14 de abril de 2011, Comissão/Polónia, C‑331/09, EU:C:2011:250, n.os 60 a 65; de 13 de outubro de 2011, Comissão/Itália, C‑454/09, não publicado, EU:C:2011:650, n.os 38 a 42; e de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.os 73 a 75).

44      Por conseguinte, no caso vertente, para poder apreciar a existência de uma violação ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, há que determinar a data na qual a República Helénica deveria inscrever os créditos respeitantes à restituição dos auxílios em causa.

45      A este respeito, importa observar que decorre de jurisprudência constante que a data de referência para aplicação do artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE é a prevista na decisão cuja não execução é contestada ou, sendo caso disso, aquela que vier a ser fixada pela Comissão (acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França, C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90, n.o 56 e jurisprudência referida).

46      Ora, quando, num caso concreto, circunstâncias ou motivos relacionados com procedimentos internos impedirem o Estado‑Membro de inscrever na tabela de créditos, no prazo fixado, o crédito relativo ao auxílio em causa, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este Estado deve submeter tais dificuldades à apreciação da Comissão, propondo as alterações adequadas à decisão em causa. O referido Estado e a Comissão devem, por força da regra que impõe aos Estados‑Membros e às instituições da União Europeia deveres recíprocos de cooperação leal, que inspira, nomeadamente, o artigo 4.o, n.o 3, TUE, colaborar de boa‑fé com vista a superar as dificuldades no pleno respeito das disposições do Tratado e, nomeadamente, das relativas aos auxílios (v., neste sentido, acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/França, C‑37/14, não publicado, EU:C:2015:90, n.o 67).

47      Todavia, se o Estado‑Membro não tiver solicitado a prorrogação do prazo fixado na decisão que ordena a recuperação do auxílio ilegalmente pago, a data de referência para a aplicação do artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE e, em particular, para a inscrição na tabela de créditos do crédito relativo à restituição dos auxílios em causa continua a ser a prevista nesta decisão.

48      Por conseguinte, se, na data prevista na decisão que ordena a referida recuperação ou, sendo caso disso, na data posteriormente fixada pela Comissão, o Estado‑Membro em causa não tiver adotado todas as medidas necessárias que permitem dar cumprimento à obrigação de recuperação do auxílio em causa e, em particular, obter o restabelecimento da situação anterior e a eliminação da distorção da concorrência que resulta dos auxílios de Estado em causa, deve, para efeitos do processo de declaração do incumprimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE, considerar‑se que este Estado‑Membro não cumpriu as suas obrigações decorrentes da decisão da Comissão e que, por conseguinte, todas as demais medidas adotadas após o prazo fixado são irrelevantes para efeitos da apreciação da questão de saber se este Estado‑Membro adotou todas as medidas necessárias à execução da referida decisão à data do termo do prazo fixado pela Comissão (v., neste sentido, acórdão de 3 de julho de 2001, Comissão/Bélgica, C‑378/98, EU:C:2001:370, n.o 28).

49      No caso em apreço, a República Helénica estava obrigada, em conformidade com o disposto no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2012/541, a assegurar a recuperação imediata e efetiva do auxílio em causa. Para o efeito, ao abrigo do referido artigo 3.o, n.o 2, este Estado‑Membro dispunha de um prazo de quatro meses a contar da notificação desta decisão.

50      Não tendo a Comissão concedido nenhuma prorrogação desse prazo, a data de referência para a aplicação do artigo 108.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE era a prevista na Decisão 2012/541.

51      Uma vez que a referida decisão foi notificada à República Helénica em 23 de fevereiro de 2012, importa constatar que o prazo fixado a este Estado‑Membro para a recuperação dos auxílios ilegalmente recebidos terminava em 25 de junho de 2012, dado que 23 de junho de 2012 foi um sábado.

52      Todavia, é pacífico que a insolvência da Têxteis Unidos só foi oficialmente declarada em 19 de julho de 2012.

53      Além disso, decorre dos autos que o prazo concedido para reclamação dos créditos começou a correr em 30 de julho de 2012 e que as autoridades helénicas reclamaram os créditos na Secretaria do tribunal competente em matéria de insolvências em 3 de agosto de 2012, relativamente ao auxílio de Estado de 2007, e em 14 de setembro de 2012, relativamente ao auxílio de Estado de 2009.

54      Por último, como decorre das explicações apresentadas pela República Helénica na audiência no Tribunal de Justiça, a última reclamação foi efetuada em 7 de fevereiro de 2013.

55      Por conseguinte, não tendo a República Helénica tomado, nos prazos fixados, todas as medidas necessárias para dar execução à Decisão 2012/541, importa julgar procedente o primeiro argumento da Comissão, baseado na violação dos artigos 2.o e 3.o desta decisão.

 Quanto ao segundo argumento, relativo à falta de informação da Comissão

 Argumentos das partes

56      Com o seu segundo argumento, a Comissão alega que, de qualquer modo, a República Helénica não a informou suficientemente a respeito das medidas tomadas para efeitos da execução da Decisão 2012/541. Antes de mais, a Comissão constata que foi informada da suspensão do processo de venda em hasta pública dos bens da Têxteis Unidos através da carta das autoridades helénicas de 19 de janeiro de 2016. Em seguida, a Comissão observa que este Estado‑Membro não forneceu nenhuma informação concreta no sentido de que a Têxteis Unidos já não operava no mercado e de que esta sociedade já não exercia qualquer atividade no período posterior a dezembro de 2015. Por último, segundo a Comissão, desde a carta de 11 de abril de 2016, as autoridades helénicas não forneceram nenhuma informação a respeito da Têxteis Unidos.

57      A República Helénica alega que informou suficientemente a Comissão das medidas adotadas para dar cumprimento à Decisão 2012/541.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

58      O artigo 4.o, n.o 1, da Decisão 2012/541 obriga a República Helénica a prestar certas informações relativas à recuperação do auxílio num prazo de dois meses a contar da data de notificação desta decisão. Tendo a referida decisão sido notificada à República Helénica em 23 de fevereiro de 2012, importa constatar que o termo do prazo fixado para a prestação dessas informações era 23 de abril de 2012.

59      O artigo 4.o, n.o 2, da mesma decisão prevê que este Estado‑Membro está obrigado, por um lado, a manter a Comissão regularmente informada a respeito da evolução das medidas adotadas para a recuperação do auxílio até ao seu reembolso e, por outro, a transmitir informações detalhadas a respeito dos montantes do auxílio e dos juros sobre o montante a recuperar, já recuperados junto do beneficiário.

60      Não pode deixar de se constatar que a República Helénica não deu cumprimento à obrigação prevista no referido artigo 4.o, n.o 1, dado que, como decorre dos autos, não se dirigiu à Comissão antes de maio de 2012. Além disso, decorre das explicações prestadas pela República Helénica na audiência que as informações relativas à recuperação do auxílio, que deveriam ter sido comunicadas à Comissão, não foram prestadas no prazo fixado no referido artigo 4.o, n.o 1.

61      Quanto à obrigação prevista no artigo 4.o, n.o 2, da Decisão 2012/541, embora resulte dos autos que, desde maio de 2012, a Comissão e a República Helénica trocaram frequentemente correspondência a respeito do estado de avanço do processo de insolvência da Têxteis Unidos, não deixa de ser verdade que este Estado‑Membro não informou devida e previamente a Comissão a respeito da adoção do ACL, através do qual foi suspensa a venda em hasta pública dos bens da Têxteis Unidos. Só após a carta da Comissão de 18 de dezembro de 2015, através da qual esta pediu à República Helénica precisões a respeito da situação, é que aquele Estado‑Membro informou a Comissão, por carta de 19 de janeiro de 2016, de que tinha suspendido a referida venda em hasta pública por um período de seis meses, com vista a avaliar um plano de relançamento da Têxteis Unidos. Por outro lado, desde a carta de 11 de abril de 2016, as autoridades helénicas não prestaram nenhuma informação sobre a Têxteis Unidos.

62      Consequentemente, importa declarar o incumprimento da obrigação de informar a Comissão a respeito das medidas adotadas em aplicação da Decisão 2012/541.

63      Atendendo às considerações precedentes, há que declarar que, não tendo adotado, nos prazos fixados, todas as medidas necessárias à execução da Decisão 2012/541 e não tendo suficientemente informado a Comissão a respeito das medidas adotadas em aplicação desta decisão, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.o a 4.o da referida decisão, bem como por força do Tratado FUE.

 Quanto às despesas

64      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Helénica e tendo esta sido vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      Não tendo adotado, nos prazos fixados, todas as medidas necessárias à execução da Decisão 2012/541/UE da Comissão, de 22 de fevereiro de 2012, relativa ao auxílio estatal SA.26534 (C 27/10 ex NN 6/09) executado pela Grécia a favor da Enoméni Klostoÿfanturgía AE (Têxteis Unidos SA), e não tendo suficientemente informado a Comissão Europeia a respeito das medidas adotadas em aplicação desta decisão, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.o a 4.o da referida decisão, bem como por força do Tratado FUE.

2)      A República Helénica é condenada nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: grego.