Language of document : ECLI:EU:T:2021:904

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

15 de dezembro de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Medidas de apoio adotadas pela Roménia a favor de uma empresa petroquímica — Não execução, acumulação e anulação de créditos públicos – Recurso de anulação — Prazo de recurso — Início — Artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 — Interesse em agir — Existência de uma ou mais medidas — Recursos estatais — Imputabilidade ao Estado — Aplicabilidade do critério do credor privado — Aplicação do critério do credor privado — Dever de fundamentação»

No processo T‑565/19,

Oltchim SA, com sede em Râmnicu Vâlcea (Roménia), representada por C. Arhold, L.‑A. Bondoc, S.‑E. Petrisor e K. Struckmann, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por V. Bottka e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação parcial da Decisão (UE) 2019/1144 da Comissão, de 17 de dezembro de 2018, sobre os auxílios estatais SA.36086 (2016/C) (ex 2016/NN) executados pela Roménia a favor da Oltchim SA (JO 2019, L 181, p. 13),

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: A. Kornezov (relator), presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk, G. Hesse e D. Petrlík, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de maio de 2021,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Contexto factual e procedimento administrativo

1        A recorrente, Oltchim SA, fundada em 1966 e em cujo capital a Roménia detém uma participação de 54,8 %, era uma das maiores empresas petroquímicas da Roménia e do sueste da Europa. Tinha por atividade o fabrico de produtos petroquímicos, principalmente soda cáustica líquida, polióis de óxido de propileno, plastificantes e oxo‑álcoois.

2        No período compreendido entre 2007 e 2012, a situação financeira da recorrente deteriorou‑se na medida em que sofreu um aumento sistemático das suas perdas de exploração, das suas perdas acumuladas e dos seus fundos próprios negativos.

3        A fim de sanar esta situação, a Roménia notificou à Comissão das Comunidades Europeias, em 17 de julho de 2009, nomeadamente, uma medida de apoio que consistia na conversão da dívida pública da Oltchim em ações. Em 7 de março de 2012, com a Decisão 2013/246/UE, relativa ao auxílio estatal n.o SA.29041 (C 28/2009, ex N 433/2009) Medidas de apoio a favor da empresa Oltchim SA Râmnicu Vâlcea (JO 2013, L 148, p. 33, a seguir «Decisão de 2012»), a Comissão considerou que a conversão em ações da dívida da recorrente no montante de 1 049 000 000 lei romenos (RON) (correspondente a cerca de 231 milhões de euros) não constituía um auxílio de Estado.

4        Em 23 de novembro de 2012, o Ministério das Finanças romeno, o Ministério da Economia romeno, o Ministério dos Transportes e das Infraestruturas romeno, o Oficiul Participaților Statului și Privatizării în Industrie (Serviço de Participações do Estado e da privatização na indústria, Roménia) e a Autoritatea pentru Valorificarea Activelor Statului (autoridade de valorização dos ativos do Estado, Roménia), tendo esta última sido em seguida redenominada Autoritatea pentru Administrarea Activelor Atatului (autoridade de gestão de ativos do Estado, Roménia, a seguir «AAAS»), e ainda quatro empresas públicas credoras da recorrente, a saber, a Electrica SA, a Salrom SA, a CFR Marfă SA e a CEC Bank SA, dois bancos privados credores da recorrente, a saber, a Banca Transilvania SA e a Banca Comercială Română SA, tendo esta passado a ser posteriormente Erste Bank, e a recorrente celebraram um Memorando de acordo (a seguir «Memorando»), com vista ao financiamento da retoma da produção desta.

5        Tendo tomado conhecimento da existência do Memorando através da imprensa, a Comissão abriu oficiosamente um inquérito em 16 de janeiro de 2013.

6        Em 30 de janeiro de 2013, a recorrente foi, a seu pedido, objeto de um processo de insolvência. No âmbito desse processo, o seu administrador judicial finalizou, em 9 de janeiro de 2015, a lista definitiva dos credores, indicando o montante, a prioridade e a natureza de cada crédito e enviou‑o à autoridade judicial nacional competente.

7        Em 9 de março de 2015, os credores da recorrente aprovaram um plano de reestruturação da empresa, que previa, em substância, a sua venda a um novo investidor que retomasse os seus ativos ou as suas atividades (a seguir «plano de reestruturação» ou «plano»). O plano aprovado previa ainda uma anulação parcial da dívida da recorrente. Em 22 de abril de 2015, a autoridade judicial nacional competente adotou o plano de reestruturação, aprovando a anulação parcial da dívida da recorrente, a criação de uma nova entidade (Oltchim SPV) e a transferência de todos os ativos viáveis da recorrente para esta última. O plano de reestruturação tornou‑se definitivo em 24 de setembro de 2015.

8        Em 8 de abril de 2016, a Comissão informou a Roménia da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

9        Em 6 de março de 2017, os credores da recorrente aprovaram um plano de reestruturação revisto, que passava a prever a venda dos ativos da recorrente por lotes e não por intermédio da criação de uma nova entidade. Esse plano revisto foi confirmado pela autoridade judicial nacional competente em 28 de junho de 2017 e tornou‑se definitivo em 16 de outubro de 2017. De acordo com esse plano revisto, a maior parte dos lotes de ativos da recorrente foi vendida à sociedade Chimcomplex, tendo outro lote sido vendido à sociedade Dynamic Selling Group, ao passo que, quanto aos restantes lotes, foi lançado um novo concurso em maio de 2018.

B.      Decisão recorrida

10      Em 17 de dezembro de 2018, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2019/1144 da Comissão, de 17 de dezembro de 2018, sobre os auxílios estatais SA.36086 (2016/C) (ex 2016/NN) executados pela Roménia a favor da Oltchim SA (JO 2019, L 181, p. 13; a seguir «decisão recorrida»).

11      Na decisão recorrida, a Comissão analisou a qualificação das três seguintes medidas como auxílios de Estado e a sua compatibilidade com o mercado interno:

–        a não execução e a posterior acumulação de dívidas da recorrente à AAAS, entre setembro de 2012 e janeiro de 2013 (a seguir «medida 1»);

–        apoio da CET Govora e Salrom às operações da Oltchim sob a forma de fornecimento contínuo entre setembro de 2012 e janeiro de 2013 (a seguir «medida 2»);

–        anulação da dívida no âmbito do Plano de Reestruturação em 2015 pela AAAS, pela Administrația Națională apele Române (Administração Nacional das Águas romenas, a seguir «ANE»), pela Salrom, Electrica e pela CET Govora (a seguir «medida 3»).

12      Na secção 6.1 da decisão recorrida (considerandos 183 a 301), a Comissão concluiu que as medidas acima referidas no n.o 11 constituíam auxílios de Estado, com exceção do apoio às operações da recorrente pela Salrom no âmbito da medida 2 e da anulação da dívida de 2015 no âmbito do Plano de Reestruturação pela CET Govora no âmbito da medida 3. Segundo essa decisão, as medidas qualificadas de auxílio de Estado foram concedidas em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, sendo, portanto, ilegais.

13      Na secção 6.2 da decisão recorrida (considerandos 302 a 310), a Comissão concluiu que os auxílios de Estado eram incompatíveis com o mercado interno.

14      Nas secções n.os 6.3 (considerandos 311 a 315) e 6.4 (considerandos 316 a 351) da decisão recorrida, a Comissão considerou que as autoridades romenas deviam proceder à recuperação dos montantes correspondentes às medidas de auxílio em causa, não podendo essa recuperação, porém, ser alargada aos adquirentes dos ativos da recorrente, na falta de continuidade económica entre ela e estes.

15      O artigo 1.o da decisão recorrida tem a seguinte redação:

«As seguintes medidas objeto da presente decisão, implementadas ilegalmente pela Roménia em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE, em conjunto e separadamente, constituem auxílios estatais:

a)      A não execução e a nova acumulação de dívidas [pela AAAS] entre setembro de 2012 e janeiro de 2013;

b)      O apoio às operações da Oltchim sob a forma de fornecimento contínuo não pago e de uma nova acumulação de dívidas desde setembro de 2012 pela CET Govora, sem medidas adequadas para proteger os seus créditos no montante a determinar juntamente com a Roménia durante a fase de recuperação;

c)      A anulação da dívida no âmbito do Plano de Reestruturação pela AAAS, pelo [ANE], pela Salrom e pela Electrica SA, num montante agregado, em conjunto com o artigo 1.o, alínea a), de 1 516 598 405 RON.»

16      O artigo 2.o da decisão recorrida tem a seguinte redação:

«As medidas que se seguem, objeto da presente decisão, não constituem auxílios estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE:

a)      O apoio da Salrom às operações da Oltchim sob a forma de fornecimento contínuo desde setembro de 2012;

b)      A anulação da dívida de 2015 no âmbito do Plano de Reestruturação pela CET Govora.»

17      O artigo 3.o da decisão recorrida tem a seguinte redação:

«O auxílio estatal referido no artigo 1.o, alíneas a) e c), que ascende a um total de 1 516 598 405 RON, bem como o auxílio estatal referido no artigo 1.o, alínea b), que a Roménia concedeu ilegalmente à Oltchim, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno.»

18      Nos artigos 4.o e 5.o da decisão recorrida, a Comissão ordenou à Roménia que recuperasse o auxílio de Estado referido no artigo 1.o da referida decisão junto da recorrente, com efeitos imediatos, devendo a decisão recorrida ser integralmente executada no prazo de seis meses a contar da sua notificação. No artigo 6.o da decisão recorrida, a Comissão ordenou à Roménia que lhe comunicasse determinadas informações e que a mantivesse informada do andamento das medidas adotadas para aplicar a decisão recorrida. No artigo 7.o da decisão recorrida, a Comissão precisou que a Roménia era destinatária dessa decisão e que a Comissão podia publicar os montantes dos auxílios e dos juros recuperados em aplicação da mesma.

II.    Tramitação do processo e pedidos das partes

19      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de agosto de 2019, a recorrente interpôs o presente recurso.

20      Em 3 de dezembro de 2019, a Comissão apresentou a contestação.

21      Em 21 de fevereiro de 2020, a recorrente apresentou a réplica.

22      Em 25 de maio de 2020, a Comissão apresentou a tréplica.

23      Em 19 de junho de 2020, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a recorrente apresentou um pedido fundamentado de audiência de alegações.

24      Por carta da Secretaria de 19 de março de 2021, o Tribunal Geral colocou, a título das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, questões escritas às partes, que responderam nos prazos fixados.

25      Foram ouvidas as alegações orais das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 7 de maio de 2021.

26      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o artigo 1.o e os artigos 3.o a 7.o da decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

27      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        A título subsidiário, julgar o recurso improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade do recurso

28      A Comissão invoca duas causas de não conhecimento de mérito contra o presente recurso, relativas, a primeira, à extemporaneidade do recurso e, a segunda, à inexistência de interesse em agir da recorrente.

1.      Quanto à alegada extemporaneidade do recurso

29      A Comissão considera que o recurso é inadmissível por extemporaneidade. Em seu entender, em substância, o prazo de recurso começou a correr a partir do momento em que um representante da recorrente teve conhecimento da decisão recorrida. No caso, de acordo com o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9), a Comissão, por cartas registadas de 16 de maio de 2019, enviou aos administradores judiciais da recorrente, a saber, a Rominsolv S.p.r.l. e a BDO — Business Restructuring S.p.r.l., uma versão não confidencial da decisão recorrida em romeno e em inglês. Segundo a Comissão, a BDO–Business Restructuring recebeu essa comunicação em 30 de maio de 2019 e a Rominsolv recebeu‑a em 4 de junho de 2019. Assim, o prazo de recurso começou a correr a partir do momento em que a primeira delas tomou conhecimento da mesma, no caso, em 30 de maio de 2019, e não a partir da data da publicação da decisão recorrida no Jornal Oficial, a saber, 5 de julho de 2019, pelo que a data‑limite para a interposição do presente recurso era 12 de agosto de 2019. Ora, tendo a petição sido apresentada em 14 de agosto de 2019, o recurso é inadmissível por extemporaneidade.

30      Segundo a Comissão, o início da contagem do prazo de recurso nos termos do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE só é a data da publicação do ato recorrido no Jornal Oficial quando essa publicação condicionar a entrada em vigor ou a produção de efeitos do referido ato e estiver prevista no Tratado FUE. Ora, as decisões adotadas pela Comissão ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento 2015/1589, como a decisão recorrida, produzem efeitos através da sua notificação ao Estado‑Membro em causa, que é o seu único destinatário, e não pela sua publicação no Jornal Oficial. Assim, segundo a Comissão, a publicação dessa decisão no Jornal Oficial, nos termos do artigo 32.o, n.o 3, desse regulamento, não constitui uma publicação na aceção do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, mas sim uma simples tomada de conhecimento da mesma, na aceção desta última disposição. Por conseguinte, em matéria de auxílios de Estado, o início da contagem do prazo de recurso é a data da notificação da decisão recorrida, no que respeita ao seu Estado‑Membro destinatário, ou a data da tomada de conhecimento da referida decisão, no que respeita às partes interessadas. Assim, na opinião da Comissão, se a data da receção, por parte interessada, da comunicação da decisão recorrida prevista no artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, preceder a da sua publicação no Jornal Oficial, é esta primeira data que faz correr o prazo de recurso.

31      A Comissão reconhece que a interpretação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE que preconiza colide com jurisprudência de longa data dos tribunais da União Europeia. Contudo, como confirmou expressamente na audiência, defende que o Tribunal Geral deve reconsiderar essa jurisprudência, nomeadamente à luz do Acórdão de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão (C‑339/16 P, EU:C:2017:384), e das Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Georgsmarienhütte e o. (C‑135/16, EU:C:2018:120), que entende confirmarem a interpretação que ela dá a essa disposição.

32      A recorrente contesta os argumentos da Comissão.

33      Segundo o artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, o recurso de anulação deve ser interposto no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do ato, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do ato.

34      A notificação, na aceção do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE é a operação pela qual o autor de um ato o comunica ao seu ou aos seus destinatários, permitindo‑lhes, assim, tomar conhecimento do mesmo (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, LL/Parlamento, C‑326/16 P, EU:C:2018:83, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

35      No caso, é pacífico que, como resulta do artigo 7.o, n.o 1, da decisão recorrida, a Roménia era o único destinatário da decisão recorrida. Assim, dado não ser a recorrente o seu destinatário, a comunicação que lhe foi feita dessa decisão, nos termos do artigo 24, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, não constitui uma notificação na aceção do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2005, Olsen/Comissão, T‑17/02, EU:T:2005:218, n.os 75 e 76 e jurisprudência aí referida).

36      Nestas condições, há que apreciar se, nas circunstâncias do caso presente, o início da contagem do prazo de recurso em relação à recorrente deve ser determinado por aplicação do critério da publicação ou por aplicação do critério da tomada de conhecimento do ato na aceção do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE.

37      A esse respeito, resulta da própria redação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, nomeadamente da expressão «na falta desta», que o critério da data de tomada de conhecimento do ato tem caráter subsidiário relativamente ao da publicação (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 1998, Alemanha/Conselho, C‑122/95, EU:C:1998:94, n.o 35, e de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 33). Assim, a data da publicação, a existir, é, face à data da tomada de conhecimento do ato, o critério decisivo para determinar o início do prazo de recurso (Despacho de 25 de novembro de 2008, S. A.BA. R./Comissão, C‑501/07 P, não publicado, EU:C:2008:652, n.o 22, e Acórdão de 11 de novembro de 2010, Transportes Evaristo Molina/Comissão, C‑36/09 P, não publicado, EU:C:2010:670, n.o 37).

38      O Tribunal Geral já teve ocasião de sublinhar que, quanto aos atos que, segundo uma prática constante da instituição em causa, eram objeto de publicação no Jornal Oficial, embora essa publicação não fosse uma condição da sua aplicabilidade, o critério da data da tomada de conhecimento não era aplicável e que era a data da publicação que fazia correr o prazo de recurso. Com efeito, em tais circunstâncias, o terceiro a quem o ato diz respeito pode esperar legitimamente que o referido ato será publicado. Esta solução, que visa a segurança jurídica e se aplica a todos os terceiros interessados, vale, nomeadamente, quando o terceiro interessado autor do recurso tem conhecimento do ato antes da sua publicação (v. Acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

39      A jurisprudência acima recordada no n.o 38 é válida, por maioria de razão, para os atos cuja publicação no Jornal Oficial se tornou obrigatória pelo direito da União. É o que acontece no caso presente, uma vez que o artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589 exige a publicação no Jornal Oficial das decisões da Comissão tomadas em aplicação, nomeadamente, do artigo 9.o desse regulamento. Por força desta obrigação, foi publicada integralmente uma versão não confidencial da decisão recorrida no Jornal Oficial de 5 de julho de 2019 (JO 2019, L 181, p. 13).

40      A Comissão sustenta, no entanto, que o Tribunal Geral deve reconsiderar essa jurisprudência. Em seu entender, o critério da publicação na aceção do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE visa unicamente a hipótese de a publicação do ato recorrido no Jornal Oficial condicionar a entrada em vigor ou a sua produção de efeitos e estar prevista no Tratado FUE.

41      Para examinar se há que reconsiderar a jurisprudência existente no sentido preconizado pela Comissão, há que ter em conta, num primeiro momento, a interpretação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE e, num segundo momento, a eventual incidência do Acórdão de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão (C‑339/16 P, EU:C:2017:384), e das Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Georgsmarienhütte e o. (C‑135/16, EU:C:2018:120), invocados pela Comissão, nessa interpretação.

a)      Quanto à interpretação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE

42      Segundo jurisprudência constante, a interpretação de uma disposição do direito da União deve ter em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela legislação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2018, SNCF Mobilités/Comissão, C‑127/16 P, EU:C:2018:165, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

43      Em primeiro lugar, quanto à redação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, em primeiro lugar, refira‑se que esta disposição utiliza os termos «publicação do ato», sem nada acrescentar e sem exigir que essa publicação deva necessariamente condicionar a entrada em vigor ou a produção de efeitos de tal ato, ou estar prevista no Tratado FUE. A redação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE não revela, portanto, que os autores do Tratado tenham querido restringir o conceito de publicação na aceção dessa disposição apenas ao caso de a publicação condicionar a entrada em vigor ou a produção de efeitos do ato recorrido e de este estar previsto no Tratado FUE.

44      Segundo, a utilização da locução «na falta» demonstra que a tomada de conhecimento do ato recorrido foi conscientemente designada pelos autores do Tratado como um critério subsidiário que só é aplicável na falta de publicação do ato recorrido.

45      Em segundo lugar, a interpretação contextual e teleológica do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE confirma estas conclusões. Refira‑se, a este respeito, que o artigo 263.o TFUE, que faz parte da secção 5, intitulada «O Tribunal de Justiça da União Europeia» do capítulo 1, denominado «As instituições», do título I da parte VI do Tratado FUE, regula, em especial, as condições em que os sujeitos de direito podem interpor para o juiz da União um recurso de anulação de um ato de uma instituição, de um órgão ou de um organismo da União.

46      A este respeito, importa recordar que as disposições do Tratado FUE relativas ao direito de ação dos sujeitos de direito não podem ser interpretadas restritivamente (Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 222, e Despacho de 25 de maio de 2004, Schmoldt e o./Comissão, T‑264/03, EU:T:2004:157, n.o 59).

47      Ora, a interpretação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, preconizada pela Comissão, equivale, em substância, a conceber o critério da publicação na aceção desta disposição de forma mais restritiva do que resulta da sua redação, acrescentando‑lhe uma condição suplementar, o de a publicação condicionar a entrada em vigor ou a produção de efeitos do ato recorrido e estar prevista no Tratado FUE. Ora, para além de essa condição suplementar não resultar da redação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE (v. n.o 43, supra), colide igualmente com o objetivo subjacente a essa disposição.

48      Com efeito, a finalidade do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE consiste em salvaguardar a segurança jurídica, evitando que sejam indefinidamente postos em causa atos da União que produzem efeitos jurídicos (v., neste sentido, Despacho de 5 de setembro de 2019, Fryč/Comissão, C‑230/19 P, não publicado, EU:C:2019:685, n.o 18 e jurisprudência aí referida. O princípio da segurança jurídica exige que os prazos de recurso e o seu início sejam definidos de modo suficientemente preciso, claro, previsível e facilmente verificável [v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 2010, Uniplex (UK), C‑406/08, EU:C:2010:45, n.o 39 e jurisprudência aí referida]. Com efeito, é do interesse da segurança jurídica, e mais geralmente da estabilidade da ordem jurídica da União, poder determinar com certeza a data a partir da qual os atos da União se tornam definitivos, por não terem sido objeto de recurso.

49      Foi prosseguindo o objetivo de segurança jurídica que os autores do Tratado FUE pretenderam dar primazia à data da publicação do ato como ponto de partida do prazo de recurso, uma vez que essa data pode ser determinada por qualquer parte interessada com a certeza exigida e sem dúvida possível, sobre a data da tomada de conhecimento do ato recorrido.

50      Com efeito, por um lado, esta última data pode variar consoante o conhecimento individual de cada pessoa em causa, pelo que o início da contagem do prazo de recurso e, assim, a data do seu termo não podem ser uniformemente determinados. Por outro lado, a data da tomada de conhecimento do ato recorrido pode, em certos casos, ser difícil de determinar e estar sujeita a controvérsia, sendo a prova da tomada de conhecimento eminentemente factual e circunstancial.

51      As exigências ligadas à segurança jurídica impõem, portanto, que se privilegie, para efeitos da determinação do início do prazo de recurso, o caráter certo, previsível e facilmente verificável da publicação do ato da União no Jornal Oficial, independentemente de essa publicação condicionar ou não a entrada em vigor ou a produção de efeitos desse ato e estar prevista no Tratado FUE ou no direito secundário.

52      Há que lembrar ainda que as regras dos prazos de recurso devem ser aplicadas pelo tribunal de forma a garantir não só a segurança jurídica mas também a igualdade dos sujeitos de direito face à lei (v. Acórdão de 19 de junho de 2019, RF/Comissão, C‑660/17 P, EU:C:2019:509, n.o 58 e jurisprudência aí referida).

53      A esse respeito, é certo que não está excluído que, na prática, como acertadamente salienta a Comissão, uma parte interessada receba a comunicação do ato recorrido nos termos do artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 várias semanas ou mesmo vários meses antes da sua publicação no Jornal Oficial, de modo a poder beneficiar, nessas circunstâncias, de um prazo superior a dois meses para preparar o seu recurso e, portanto, mais longo do que aquele de que dispõe o Estado‑Membro em causa.

54      Contudo, qualquer eventual distância no tempo entre a comunicação de uma decisão às partes interessadas nos termos do artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 e a sua publicação no Jornal Oficial depende largamente da celeridade com que os serviços da Comissão preparam a versão da decisão em causa para publicação, bem como de eventuais atrasos na sua publicação no Jornal Oficial. A origem desta diferença é, portanto, administrativa, ou mesmo conjuntural, e, portanto, de modo nenhum é imputável à parte interessada em causa. Por conseguinte, cabe à Comissão velar pelo respeito do princípio da igualdade de tratamento, evitando, na medida do possível, essa distância através da aplicação de medidas administrativas adequadas, e não através de uma interpretação restritiva do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, tal como preconiza.

55      A Comissão também não pode argumentar com o facto de, em seu entender, a interpretação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE seguida na jurisprudência acima recordada nos n.os 37 e 38 retirar qualquer efeito útil ao artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589. Basta observar, a este respeito, que esta última disposição não visa regular o início do prazo de recurso e que, de qualquer forma, não pode condicionar a interpretação de uma disposição de direito primário.

56      Por conseguinte, resulta de uma interpretação literal, contextual e teleológica do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o conceito de publicação do ato recorrido, enquanto ponto de partida do prazo para interpor um recurso de anulação por um recorrente que não é o destinatário desse ato, não deve ser interpretado no sentido de que visa unicamente a hipótese de a publicação no Jornal Oficial condicionar a entrada em vigor ou a produção de efeitos do referido ato e estar prevista no Tratado FUE.

b)      Quanto à incidência do Acórdão de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão (C339/16 P), e das Conclusões do advogadogeral M. Campos SánchezBordona no processo Georgsmarienhütte e o. (C135/16)

57      Há que analisar se, como defende a Comissão, o Acórdão de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão (C‑339/16 P, EU:C:2017:384), e as Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Georgsmarienhütte e o. (C‑135/16, EU:C:2018:120) fizeram evoluir a jurisprudência no sentido defendido pela Comissão.

58      Refira‑se, em primeiro lugar, que o processo que deu origem ao Acórdão de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão (C‑339/16 P, EU:C:2017:384), dizia respeito a uma situação completamente diferente da que está em causa no presente processo, uma vez que estava em causa nesse processo a articulação entre o critério da publicação e o critério da notificação relativamente a um recorrente que era o destinatário do ato recorrido e este tinha sido notificado.

59      Foi neste contexto que o Tribunal de Justiça considerou que resultava da leitura conjugada do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE e do artigo 297.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE que, no que respeita aos recursos de anulação, a data a ter em conta para determinar o início do prazo de recurso era a da publicação, quando essa publicação, que condicionava a entrada em vigor do ato, estivesse prevista nesse Tratado e a da notificação nos outros casos mencionados no artigo 297.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, entre os quais figurava o das decisões que designassem o seu destinatário. Segundo o Tribunal de Justiça, a notificação de um ato não tem caráter subsidiário, face à sua publicação no Jornal Oficial, para a determinação do início do prazo de recurso aplicável ao destinatário desse ato (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão, C‑337/16 P, EU:C:2017:381, n.os 36, 38 e 40; de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão, C‑338/16 P, EU:C:2017:382, n.os 36, 38 e 40, e de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão, C‑339/16 P, EU:C:2017:384, n.os 36, 38 e 40).

60      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça fez referência ao artigo 297.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE para clarificar a articulação entre o critério da publicação e o da notificação relativamente ao Estado‑Membro destinatário do ato recorrido. Uma vez que o artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE não indica se um desses critérios prevalece sobre o outro, o Tribunal de Justiça baseou‑se no artigo 297.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE para os delimitar.

61      Em contrapartida, o presente processo diz respeito à articulação entre o critério da publicação e o critério da tomada de conhecimento em relação a um recorrente que não é o destinatário do ato recorrido. Ora, nesta hipótese, o próprio artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE prevê o caráter subsidiário do critério da tomada de conhecimento face ao da publicação.

62      Além disso, nada indica que, no Acórdão de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão (C‑339/16 P, EU:C:2017:384), o Tribunal de Justiça tenha pretendido abandonar a sua jurisprudência acima recordada no n.o 37. Pelo contrário, no n.o 39 do seu acórdão, o Tribunal de Justiça confirmou os ensinamentos decorrentes do n.o 35 do Acórdão de 10 de março de 1998, Alemanha/Conselho (C‑122/95, EU:C:1998:94), nos termos do qual resulta da própria redação do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE que o critério da data de tomada de conhecimento do ato como ponto de partida para o prazo de recurso tem caráter subsidiário relativamente às datas de publicação ou de notificação do ato.

63      Ora, o processo que deu origem ao Acórdão de 10 de março de 1998, Alemanha/Conselho (C‑122/95, EU:C:1998:94), suscitava, em substância, a mesma questão que está em causa no presente processo a respeito do início do prazo de recurso. Nesse processo, estava em causa a admissibilidade de um recurso interposto por um Estado‑Membro contra uma decisão do Conselho da União Europeia relativa à celebração de um acordo internacional que vinculava a União, cujo conteúdo era conhecido por esse Estado‑Membro desde o próprio dia da sua adoção, devido à sua participação na referida adoção no Conselho. Posteriormente, a referida decisão tinha sido objeto de publicação no Jornal Oficial, sem que essa publicação condicionasse a sua entrada em vigor. No Tribunal de Justiça, o Conselho tinha sustentado, no essencial, pelos mesmos motivos invocados pela Comissão no presente processo, que o recurso era inadmissível, alegando que a data da publicação no Jornal Oficial só podia ser considerada início da contagem do prazo de recurso para os atos para os quais esta era uma condição da sua aplicabilidade.

64      Ora, o Tribunal de Justiça não seguiu a interpretação defendida pelo Conselho, uma vez que resulta, implícita mas necessariamente, dos n.os 34 a 40 do Acórdão de 10 de março de 1998, Alemanha/Conselho (C‑122/95, EU:C:1998:94), que, quando o ato recorrido não indica o destinatário ou, se indicar, quando o recorrente não é destinatário desse ato, a sua publicação no Jornal Oficial constitui o início da contagem do prazo de recurso, mesmo quando a referida publicação não condiciona a entrada em vigor ou a produção de efeitos do ato em causa e mesmo se o recorrente tiver tomado conhecimento do ato, antes da data da publicação, por outros meios igualmente fiáveis.

65      Segundo, quanto às Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Georgsmarienhütte e o. (C‑135/16, EU:C:2018:120, n.o 63), basta observar que, no seu Acórdão de 25 de julho de 2018, Georgsmarienhütte e o. (C‑135/16, EU:C:2018:582), o Tribunal de Justiça não retomou, por sua conta, a afirmação feita no n.o 63 dessas conclusões.

66      Em terceiro lugar, o facto, invocado pela Comissão, de a jurisprudência acima referida nos n.os 37 e 38, preceder a entrada em vigor do Regulamento 2015/1589 é desprovido de pertinência, dado que o artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE permaneceu inalterado e, evidentemente, as alterações introduzidas no direito secundário da União não podem alterar a interpretação das disposições do Tratado. De resto, não se pode deixar de observar que o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, sobre o qual a Comissão construiu uma parte da sua argumentação, bem como o artigo 32.o, n.o 3, desse regulamento, permaneceram, em substância, inalterados em relação às disposições análogas do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1).

c)      Conclusão

67      Em face do exposto, há que considerar que o início do prazo do recurso de anulação de uma decisão da Comissão tomada ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento 2015/1589, relativamente a um recorrente que não é o seu destinatário, é a data da publicação dessa decisão no Jornal Oficial.

68      Tendo a decisão recorrida sido publicada no Jornal Oficial em 5 de julho de 2019 e tendo a petição sido apresentada em 14 de agosto de 2019, há que declarar que o presente recurso foi interposto dentro do prazo de dois meses previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, acrescido, em conformidade com os artigos 59.o e 60.o do Regulamento de Processo, respetivamente, dos prazos de catorze e de dez dias.

69      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira causa de não conhecimento de mérito arguida pela Comissão, relativa à extemporaneidade do recurso.

2.      Quanto à alegada inexistência de interesse da recorrente em agir

70      A Comissão sustenta que a recorrente não tem interesse em agir pelo facto de, por um lado, deixar de existir provavelmente antes do termo do presente processo devido à sua liquidação definitiva iminente e, por outro, o presente recurso apenas servir o interesse de certos credores privados privilegiados da recorrente, e não o da própria recorrente.

71      A recorrente contesta os argumentos da Comissão.

72      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a própria anulação do ato recorrido seja suscetível de ter consequências jurídicas e que o recurso possa, desse modo, conferir um benefício a quem o interpõe (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, Colet., EU:C:2015:609, n.o 55 e jurisprudência aí referida). O interesse de um recorrente em agir deve, face ao objeto do recurso, existir na fase da sua interposição, sob pena de inadmissibilidade, e perdurar até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento de mérito (v. Acórdão de 20 de junho de 2013, Cañas/Comissão, C‑269/12 P, não publicado, EU:C:2013:415, n.o 15 e jurisprudência aí referida).

73      Em primeiro lugar, no caso, é pacífico que, no momento da interposição do presente recurso, a recorrente existia como pessoa coletiva. O argumento da Comissão de que a recorrente pode deixar de existir antes do fim do presente processo é puramente hipotético, uma vez que nenhum elemento dos autos permite determinar com certeza se e quando a recorrente pode deixar de existir.

74      Em segundo lugar, importa recordar que um dos objetivos de qualquer processo de insolvência é maximizar a massa do património da empresa insolvente, incluindo através da interposição de ações destinadas a impugnar as dívidas que reduzem essa massa. Ora, se o Tribunal Geral vier a anular a decisão recorrida, nomeadamente a recuperação do auxílio em causa, essa anulação poderá repercutir‑se na massa insolvente da recorrente. Daí resulta que, no âmbito do presente processo, a recorrente atua no seu próprio interesse.

75      Por outro lado, o facto de esse interesse poder coincidir com o de outras pessoas não obsta à admissibilidade do recurso (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o., C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 84).

76      Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda causa de não conhecimento de mérito arguida pela Comissão a respeito da falta de interesse da recorrente em agir.

B.      Quanto ao mérito

77      A recorrente invoca nove fundamentos relativos, em substância, à qualificação de auxílio de Estado de cada uma das três medidas acima referidas no n.o 11. Em especial, no que respeita às medidas 1 e 2, entende que a decisão recorrida está ferida de erro manifesto de apreciação no que respeita à existência de uma vantagem económica e à falta ou insuficiência de fundamentação. Quanto à medida 3, invoca três fundamentos relativos a erros manifestos de apreciação no que respeita, respetivamente, à existência de uma transferência de recursos estatais para a Electrica, à imputabilidade dessa medida ao Estado e à existência de uma vantagem económica, bem como um fundamento relativo à violação do dever de fundamentação e igualmente um fundamento relativo ao cálculo do montante do auxílio a recuperar.

78      Refira‑se primeiro que, nas secções 6.1.1 e 6.1.2.1 a 6.1.2.3 da decisão recorrida, a Comissão examinou separadamente cada uma das três medidas acima enumeradas no n.o 11 e que, no considerando 298 da referida decisão, qualificou cada uma delas separadamente de auxílios de Estado. Em seguida, na secção 6.1.2.4 da decisão recorrida, a Comissão considerou que as medidas 1, 2 e 3 estavam intrinsecamente ligadas e prosseguiam o mesmo objetivo e concluiu, no considerando 299 da referida decisão, que «[a]s Medidas 1, 2 e 3 tomadas em conjunto constitu[íam]um auxílio estatal». Por último, a Comissão, enumerando embora no artigo 1.o, alíneas a) a c), da decisão recorrida cada uma dessas três medidas, concluiu, no referido artigo, que constituíam auxílios de Estado «em conjunto e separadamente».

79      Assim, há que analisar desde logo se as medidas 1, 2 e 3 constituem três intervenções distintas ou uma única intervenção.

1.      Quanto à questão de saber se as medidas 1, 2 e 3 constituem três intervenções distintas ou uma única intervenção

80      Sem invocar um fundamento distinto relativo à qualificação das medidas 1, 2 e 3 como intervenções distintas ou como uma única intervenção, a recorrente alega, em substância, que a existência de um auxílio de Estado no caso presente só podia ser demonstrada individualmente, medida por medida e credor por credor.

81      Assim, na petição, a recorrente sublinha, fazendo referência à secção 6.1.2.4 da decisão recorrida, que a Comissão «devia demonstrar que a conclusão do Memorando era imputável ao Estado no que respeita[va] a cada credor público individualmente considerado» e que «[a] s medidas tomadas por cada um dos credores públicos deviam ser avaliadas separadamente». Além disso, na parte do pedido intitulada «A imputabilidade ao Estado deve ser examinada individualmente no respeitante a todos os credores públicos em causa», alega, em substância, que «a Comissão deve demonstrar a imputabilidade relativamente a cada empresa pública considerada individualmente».

82      Além disso, segundo a recorrente, quando a Comissão aplicou o critério do credor privado para determinar se existia uma vantagem económica na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, deveria ter procedido, «[r]elativamente a cada medida», a uma «avaliação individual de cada uma das empresas públicas em causa».

83      Na réplica, a recorrente alega ainda que «a imputabilidade ao Estado (bem como todos os outros elementos constitutivos do conceito de auxílio de Estado, como a vantagem económica) deve ser apreciada em relação a cada medida de cada credor público individualmente».

84      Na sua resposta à medida de organização do processo do Tribunal Geral, a recorrente acrescentou, em substância, que, tendo em conta o objeto, a natureza, a cronologia, a finalidade e o contexto das medidas 1, 2 e 3, bem como a identidade diferente de cada uma das entidades que a concederam e a sua situação diferente no momento em que estas medidas foram adotadas, estas constituíam três intervenções distintas, e não uma única intervenção, na aceção do Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues et Bouygues Télécom/Comissão e o. (C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175). (C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.os 103 e 104).

85      Na sua resposta à medida de organização do processo do Tribunal Geral, a Comissão alega, em substância, que, na petição, a recorrente não contestou a existência de uma vantagem económica decorrente da natureza interligada das medidas em causa e que, portanto, qualquer fundamento novo invocado pela recorrente a este respeito, mesmo em resposta à referida medida de organização do processo, é intempestivo e inadmissível. Quanto ao mérito, a Comissão reitera algumas constatações que figuram na secção 6.1.2.4 da decisão recorrida e considera ter demonstrado, nessa decisão, que as medidas em causa estavam intrinsecamente ligadas e que prosseguiam o mesmo objetivo, a saber, apoiar e manter a recorrente no mercado e proteger os seus empregados e que, portanto, globalmente, tinham concedido uma vantagem económica à recorrente e constituíam um auxílio de Estado.

a)      Quanto à admissibilidade dos argumentos apresentados pela recorrente

86      A Comissão entende, no essencial, que os argumentos invocados pela recorrente na sua resposta à medida de organização do processo do Tribunal a respeito da qualificação das medidas 1, 2 e 3 como uma única intervenção ou como intervenções separadas constituem um fundamento novo inadmissível.

87      Há que lembrar que, segundo o artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, é proibido apresentar deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No entanto, um fundamento ou um argumento que constitua a ampliação de um fundamento enunciado anteriormente, direta ou implicitamente, na petição inicial e que com este apresente um nexo estreito deve ser julgado admissível (v. Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.o 66 e jurisprudência aí referida).

88      No caso, como acima resulta dos n.os 81 e 82, todos os fundamentos e argumentos apresentados pela recorrente na petição assentam na premissa, por um lado, de que cada uma das medidas 1, 2 e 3 deve ser objeto de uma apreciação separada e, por outro, de que essa apreciação deve incidir individualmente sobre cada credor afetado por essas medidas. Além disso, a recorrente sublinha, por várias vezes na petição e na réplica, que a Comissão tinha que provar que cada uma dessas medidas, individualmente considerada, e, consequentemente, os comportamentos de cada credor no contexto de cada uma dessas medidas eram imputáveis ao Estado e lhe conferiam uma vantagem.

89      O simples facto de a recorrente não ter apresentado esta argumentação como um fundamento distinto em apoio do seu recurso não é determinante. Com efeito, segundo jurisprudência constante, a petição deve ser interpretada com a preocupação de lhe dar um efeito útil, procedendo‑se a uma apreciação de conjunto da mesma (v. Acórdão de 29 de abril de 2020, Intercontact Budapest/CdT, T‑640/18, não publicado, EU:T:2020:167, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

90      Nestas circunstâncias, os argumentos invocados pela recorrente na sua resposta à medida de organização do processo do Tribunal Geral, acima resumidos no n.o 84, vêm a acrescer e desenvolver mais a argumentação já enunciada na petição e na réplica, pelo que constituem a ampliação dessa argumentação e apresentam um nexo estreito com ela. Por conseguinte, esses argumentos não podem ser qualificados de fundamento novo na aceção do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

91      De resto, a questão de saber se as medidas 1, 2 e 3 constituem três intervenções distintas ou uma única intervenção é prévia e necessária à fiscalização jurisdicional da legalidade da decisão recorrida. Com efeito, para verificar se a Comissão conseguiu fazer prova bastante de que as medidas em causa eram imputáveis ao Estado e conferiam uma vantagem económica seletiva, é necessário determinar, previamente, se esses critérios tinham que estar preenchidos relativamente a cada medida considerada separadamente ou para o conjunto das medidas, concebidas como uma única intervenção.

92      Daí resulta que a causa de não conhecimento de mérito arguida pela Comissão deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à qualificação das medidas 1, 2 e 3 como três intervenções distintas ou como uma única intervenção

93      Na decisão recorrida, a Comissão considerou que as medidas 1, 2 e 3 estavam intrinsecamente ligadas e faziam parte do mesmo objetivo principal, conforme tinha sido explicitado pelo Memorando e pelas declarações públicas das autoridades romenas (a seguir «declarações públicas»), a saber, apoiar e manter a recorrente no mercado e proteger os empregos dos seus trabalhadores, tendo em conta a mesma identidade das entidades que concedem as medidas, a cronologia destas, a sua finalidade e a situação da recorrente no momento em que tinha sido tomada a decisão de adotar cada uma dessas medidas. A Comissão concluiu que a medida 3 não podia ser dissociada das medidas 1 e 2 e que o conjunto destas medidas constituía uma série de intervenções estreitamente ligadas imputáveis ao Estado, que conferiram uma vantagem à recorrente, como indica o Memorando (secção 6.1.2.4 da decisão recorrida).

94      Segundo a jurisprudência, não se pode excluir que várias medidas consecutivas de intervenção do Estado devam, para efeitos de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ser consideradas uma única intervenção. Pode ser nomeadamente o caso quando intervenções consecutivas apresentem, nomeadamente em face da sua cronologia, da sua finalidade e da situação da empresa no momento dessas intervenções, laços tão estreitos entre si que seja impossível dissociá‑las (Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues et Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.os 103 e 104).

95      Para esse efeito, a Comissão deve basear‑se em todos os elementos de facto e de direito pertinentes, tais como, para além dos critérios acima mencionados no n.o 94, o objeto, a natureza e o contexto das intervenções em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de setembro de 2010, Grécia e o./Comissão, T‑415/05, T‑416/05 e T‑423/05, EU:T:2010:386, n.os 176 e 178, e de 15 de janeiro de 2015, França/Comissão, T‑1/12, EU:T:2015:17, n.os 45 a 48), a identidade de quem as concedeu ou dos seus beneficiários (v., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 2015, França/Comissão, T‑1/12, EU:T:2015:17, n.os 38, 47 e 48), e a questão de saber se as diferentes intervenções em causa estavam previstas ou eram previsíveis no momento da primeira intervenção (v., neste sentido, Acórdão de 12 de março de 2020, Valencia Club de Fútbol/Comissão, T‑732/16, pendente de recurso, EU:T:2020:98, n.o 169).

96      Há que verificar, portanto, se, tendo em conta os critérios acima lembrados nos n.os 94 e 95, a Comissão podia considerar, sem cometer erro de apreciação, que as medidas 1, 2 e 3 constituíam uma única intervenção estatal.

1)      Quanto ao objeto e à natureza das medidas 1, 2 e 3

97      Na decisão recorrida, a Comissão não analisou, pelo menos explicitamente, as diferenças ou as semelhanças de objeto e de natureza das medidas 1, 2 e 3.

98      A recorrente alega, em substância, que o objeto e a natureza das três medidas em causa são diferentes. Assim, a medida 1 foi adotada pela AAAS, atuando como um credor «clássico», ao passo que a medida 2 se caracterizava pela existência de uma situação de interdependência tecnológica entre quem a concedeu, a CET Govora, e o beneficiário, a saber, a recorrente. Quanto à medida 3, apresenta‑se como o ponto culminante do processo de insolvência aberto contra esta última.

99      Refira‑se, com faz a recorrente, que o objeto e a natureza das medidas 1, 2 e 3 não são os mesmos. A medida 1 consiste na não execução e na acumulação das dívidas pela AAAS. Trata‑se, em substância, de um comportamento passivo por parte da AAAS, pelo qual esta se absteve, durante um período relativamente curto de quatro meses, de proceder à execução dos seus créditos junto da recorrente. Por outro lado, a acumulação de créditos pela AAAS durante esse período não consistiu em novos créditos contraídos nesse mesmo período, mas unicamente na acumulação de juros vencidos sobre créditos já existentes. A medida 2 consiste, por seu turno, na continuação das entregas de matérias‑primas a título gratuito e na acumulação das dívidas sem medidas adequadas para proteger os créditos da CET Govora. A medida 3 consiste, por seu turno, num comportamento ativo por parte da AAAS, da ANE, da Salrom e da Electrica, pelo qual estas anularam uma parte dos seus créditos, no âmbito do plano de reestruturação.

100    Assim, cada uma dessas medidas caracteriza‑se por um objeto e natureza específicos. Além disso, como refere a recorrente, e como resulta nomeadamente dos considerandos 246, 248 e 251 da decisão recorrida, a medida 2 foi adotada pela CET Govora num contexto muito particular caracterizado pela interdependência tecnológica existente entre a CET Govora e a recorrente, na medida em que, por um lado, a recorrente era um comprador importante, nomeadamente do vapor industrial fornecido pela CET Govora, e, por outro, as atividades da CET Govora dependiam do fornecimento de água industrial pela recorrente. Quanto à medida 3, é, pelo seu objeto e pela sua natureza, igualmente diferente das medidas 1 e 2, na medida em que consiste na anulação parcial dos créditos de certos credores no âmbito de um plano de reestruturação, o que não é o caso das medidas 1 e 2.

2)      Quanto às entidades que concederam as medidas 1, 2 e 3

101    No considerando 286 da decisão recorrida, a Comissão referiu «a mesma identidade das empresas que concedem as medidas».

102    A recorrente alega, em substância, que as entidades que concederam as medidas 1, 2 e 3 eram diferentes e se encontravam em situações diferentes quando as adotaram.

103    Refira‑se, como faz a recorrente, que a AAAS concedeu o auxílio no âmbito da medida 1, que a CET Govora concedeu o auxílio no âmbito da medida 2 e que a AAAS, a ANE, a Salrom e a Electrica concederam o auxílio no âmbito da medida 3. Trata‑se, portanto, de diferentes entidades que concederam o auxílio, com exceção da AAAS que surge nas medidas 1 e 3.

104    Além disso, essas diferentes entidades que o concederam são entidades de natureza jurídica diferente. Com efeito, enquanto a AAAS faz parte da Administração Pública, a ANE, a Salrom e a CET Govora são empresas públicas e a Electrica é uma empresa cujo capital é maioritariamente detido por particulares desde julho de 2014.

3)      Quanto à cronologia das medidas 1, 2 e 3

105    No considerando 286 da decisão recorrida, a Comissão justificou a sua conclusão de que as três medidas em causa constituíam uma única intervenção estatal, nomeadamente, pela «cronologia das medidas em causa», sem desenvolver mais a apreciação desse critério.

106    A recorrente alega que havia uma diferença de quase três anos entre a adoção das medidas 1 e 2, por um lado, e da medida 3, por outro.

107    Refira‑se, a esse respeito, que as medidas 1 e 2 se referem ao mesmo período, a saber, o período compreendido entre setembro de 2012 e janeiro de 2013. Em contrapartida, a anulação parcial das dívidas da recorrente, que constitui o objeto da medida 3 ocorreu em 2015 (v. n.o 7, supra). Assim, enquanto as medidas 1 e 2 foram concomitantes, a medida 3 só ocorreu mais de dois anos depois.

108    Por outro lado, nenhum elemento da decisão recorrida ou dos autos de que o Tribunal Geral dispõe sugere que a medida 3 estava prevista ou era previsível no momento da adoção das medidas 1 e 2, precisando‑se que este critério figura entre os elementos pertinentes que a Comissão deve ter em conta em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 95.

4)      Quanto à finalidade das medidas 1, 2 e 3

109    Nos considerandos 285 e 286 da decisão recorrida, a Comissão afirmou que as medidas 1, 2 e 3 se enquadravam no mesmo objetivo principal, a saber, apoiar e manter a recorrente no mercado e proteger os empregos dos seus trabalhadores.

110    A recorrente alega que a finalidade das medidas em causa não era a mesma. Em seu entender, com a medida 1, a AAAS tinha por objetivo «ganhar tempo» para avaliar a sua situação. Através da medida 2, a CET Govora visou proteger os seus próprios interesses económicos, tendo em conta a sua interdependência tecnológica em relação à recorrente. Com a medida 3, as entidades que concederam as medidas tiveram por objetivo executar os seus créditos, anulando simultaneamente uma parte destes, a fim de maximizar a sua cobrança, no âmbito do processo de insolvência.

111    Quanto à medida 1, importa notar que, no seu exame, a Comissão censura, em substância, à AAAS uma certa passividade durante um período relativamente curto de quatro meses, durante o qual não teria procedido à execução dos seus créditos junto da recorrente. Segundo esta, porém, o direito romeno impedia a AAAS de proceder a essa execução. Nestas circunstâncias, parece difícil atribuir um objetivo claro a esta medida.

112    Quanto à medida 2, basta notar que não é contestado que esta visava, nomeadamente, proteger os interesses económicos próprios da CET Govora e mesmo assegurar a sua sobrevivência no mercado, num contexto caracterizado pela interdependência tecnológica existente entre a CET Govora e a recorrente, como acima referido no n.o 100.

113    Quanto ao objetivo da medida 3, há que lembrar que esta se inscreve no âmbito de um processo de insolvência no qual tanto os credores públicos como os credores privados votaram a favor de um plano de reestruturação que implicava a anulação parcial dos créditos detidos por esses credores sobre a recorrente. Ora, com essa anulação, esses credores prosseguiam o duplo objetivo de proceder à reestruturação da recorrente e à recuperação dos seus créditos remanescentes ou de parte deles. Assim, a finalidade da medida 3 não coincidia com a das medidas 1 e 2.

5)      Quanto à situação da recorrente no momento em que foram adotadas as medidas 1, 2 e 3

114    No considerando 286 da decisão recorrida, a Comissão justificou a sua conclusão de que as três medidas em causa constituíam uma única intervenção, fazendo referência à «situação (financeira e os riscos) da empresa na altura em que foi tomada a decisão de adotar cada uma das medidas, ou seja, o encerramento da Oltchim com vista à insolvência».

115    A recorrente salienta, no entanto, que a sua situação no momento da adoção da medida 3 era diferente da sua situação no momento da adoção das medidas 1 e 2, tendo a medida 3 sido adotada no âmbito do processo de insolvência aberto contra ela.

116    Primeiro, o Tribunal Geral verifica que não foi aberto nenhum processo de insolvência contra a recorrente ao longo do período abrangido a que dizem respeito as medidas 1 e 2. Em contrapartida, a medida 3 insere‑se no âmbito do processo de insolvência aberto contra ela em 30 de janeiro de 2013. A situação jurídica em que se encontrava a recorrente quando foi adotada a medida era, portanto, diferente da que prevalecia no momento da execução das medidas 1 e 2.

117    Segundo, resulta dos considerandos 77 e 78 da decisão recorrida que a situação financeira da recorrente, por sua vez, também tinha evoluído entre o período abrangido pelas medidas 1 e 2 e o momento em que foi adotada a medida 3. Com efeito, durante o processo de insolvência antes da aprovação do plano de reestruturação, a recorrente levou a cabo medidas para reduzir os seus custos, decidindo nomeadamente o despedimento de trabalhadores, a substituição de um eletrolisador nas principais instalações de produção e o recomeço da atividade da sua unidade de produção de oxo‑álcoois. Estas medidas permitiram à recorrente melhorar os seus resultados económicos e financeiros, tendo o seu volume de negócios de 2015 aumentado 31 % em relação a 2014 e 59 % em relação a 2013, tendo também melhorado o seu lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações (EBITDA).

6)      Quanto ao contexto em que se inscrevem as medidas 1, 2 e 3

118    Nos considerandos 285, 288 e 290 da decisão recorrida, a Comissão considerou que as três medidas em causa estavam intrinsecamente ligadas e eram indissociáveis igualmente devido ao contexto em que se inscreviam, o qual se caracterizava nomeadamente pela existência do Memorando e de determinadas declarações públicas das autoridades romenas.

119    A recorrente sustenta que nem o Memorando nem as declarações públicas permitem considerar que as medidas em causa estavam intrinsecamente ligadas e eram indissociáveis, dado que, em substância, não há nenhuma ligação entre o Memorando e as referidas medidas. A recorrente sublinha que o Memorando mais não fez do que estabelecer um quadro de cooperação entre os seus principais credores e acionistas, tanto públicos como privados, e que não continha nenhuma obrigação do Estado ou de outras entidades públicas de lhe conceder um auxílio de Estado. Esse Memorando também não continha obrigações contratuais destinadas à renúncia aos créditos. As declarações públicas, por seu turno, também não demonstram que o Estado assumiu compromissos vinculativos a seu respeito.

i)      Quanto ao Memorando

120    Primeiro, há que observar desde logo que a Comissão não qualificou o Memorando de medida constitutiva de um auxílio de Estado. Trata‑se, portanto, apenas de um elemento do contexto em que se inseriam as medidas em causa.

121    Segundo, refira‑se que o Memorando foi assinado não apenas por representantes da Administração mas também por empresas públicas e por dois bancos privados, que faziam parte dos principais credores da recorrente. A Comissão não alega que esses credores tenham sido obrigados pelo Estado a celebrar o referido Memorando. O facto de credores tanto públicos como privados terem decidido celebrá‑lo sugere que pelo menos alguns signatários do Memorando poderiam ter sido guiados pela salvaguarda dos seus próprios interesses económicos na celebração do Memorando e não por um alegado objetivo de apoiar e manter a recorrente no mercado.

122    Terceiro, refira‑se que algumas das entidades que concederam as alegadas medidas de auxílio, a saber, a CET Govora, no âmbito da medida 2, e a ANE, no âmbito da medida 3, não são partes no referido Memorando.

123    Quarto, quanto ao seu teor, o Memorando previa, em substância, que os seus signatários se obrigavam a cooperar para elaborar uma estratégia que garantisse a viabilidade da recorrente a longo prazo e que lhe permitisse atingir um nível duradouro de rentabilidade, de solvabilidade e de liquidez, nomeadamente com o objetivo de proteger os seus credores e de assegurar a sua reestruturação. O Memorando continha compromissos por parte dos bancos signatários, do Estado e da recorrente para assegurar a execução dessa estratégia.

124    Contudo, nenhuma cláusula do Memorando menciona, expressa ou implicitamente, as medidas 1, 2 e 3. Em particular, nenhuma cláusula impede a AAAS de proceder à execução dos seus créditos contra a recorrente ou de levar a cabo outras diligências face a esta com vista a proteger os seus créditos, o que constitui o objeto da medida 1. Do mesmo modo, nenhuma das suas cláusulas obriga a AAAS, a ANE, a Salrom ou a Electrica a aceitar qualquer anulação dos seus créditos nem a aprovar um dado plano de reestruturação, o que constitui o objeto da medida 3. Quanto à medida 2, basta referir que a única entidade que a concedeu, a saber, a CET Govora, não era parte nesse Memorando.

125    Além disso, a cláusula 8.1 do Memorando previa o seguinte:

«Nenhuma disposição do presente acordo pode ser interpretada como uma renúncia, restrição, limitação ou suspensão de direitos, prerrogativas ou interesses de uma parte nos termos ou em relação a um contrato no qual seja parte ou que possa decorrer de qualquer legislação aplicável. Para evitar qualquer ambiguidade, as partes acordam que o presente acordo não pode ser interpretado como uma moratória da suspensão dos pagamentos ou da reestruturação, nem como uma obrigação de os bancos, Electrica ou [AAAS], concordarem com um reescalonamento da dívida ou qualquer outra medida de reestruturação, ou de fornecer um financiamento, de implementar uma anulação de dívidas, uma suspensão dos pagamentos ou outras medidas semelhantes relacionadas com a Oltchim.»

126    Assim, esta cláusula do Memorando estabeleceu expressamente que, «[p]ara evitar qualquer ambiguidade», este não obrigava os seus signatários a renunciarem aos seus créditos sobre a recorrente nem a aceitarem qualquer plano de reestruturação nem, mais genericamente, a renunciarem a qualquer direito contratual ou outro em relação à recorrente.

127    Quinto, resulta do que a Comissão apurou na decisão recorrida que, na realidade, o alegado impacto do Memorando foi diferente no que dizia respeito a cada uma das três medidas em causa e a cada entidade que concedia os alegados auxílios. Os exemplos seguintes são disso testemunho. No que respeita à medida 1, conforme resulta do considerando 231 da decisão recorrida, o facto de a Electrica ter assinado o Memorando não a impediu de adotar medidas para cobrar os seus créditos a partir de novembro de 2012, ao contrário do AAAS, que também tinha assinado o Memorando. No que respeita à medida 2, como refere a recorrente, e como resulta dos considerandos 255 a 257 e 263 da decisão recorrida, o facto de a Salrom ter assinado o Memorando também não a impediu de se comportar como um credor privado, o que levou a Comissão a concluir que a Salrom não tinha concedido nenhum auxílio de Estado à recorrente no âmbito da medida 2. No que respeita à medida 3, basta referir que, conforme resulta da nota n.o 84 da decisão recorrida, a CFR Marfă, uma empresa pública parte no Memorando, votou contra a aprovação do plano de reestruturação.

128    Por conseguinte, tendo em conta o teor do Memorando e o comportamento dos seus diferentes signatários no âmbito das medidas 1, 2 e 3, verifica‑se, por um lado, que o Memorando teve apenas um impacto limitado no alcance dessas medidas e, por outro, que o seu eventual impacto sobre cada uma dessas medidas não foi o mesmo.

129    Esta conclusão não é posta em causa pelo facto, sublinhado pela Comissão, de o Memorando ter sido assinado por representantes de três ministérios e aprovado pelo primeiro‑ministro. Como alega a recorrente, à data dos factos, ela era maioritariamente detida pelo Estado e era, ela própria, parte no Memorando, pelo que a assinatura do Memorando por altos funcionários do Estado parece decorrer do quadro jurídico que rege a organização e o funcionamento dos seus principais acionistas estatais. De qualquer forma, isto em nada altera o teor do Memorando e também não impediu os seus diferentes signatários de agir de forma diferente e não coordenada no âmbito de cada uma das medidas em causa, como acima referido no n.o 127.

ii)    Quanto às declarações públicas

130    No considerando 285 da decisão recorrida, a Comissão, remetendo para outros considerandos dessa decisão, fez igualmente referência a várias declarações públicas das autoridades romenas para demonstrar que as três medidas em causa se inscreviam numa estratégia global destinada a manter a recorrente em atividade e a evitar a sua liquidação.

131    Refira‑se, desde logo, que a Comissão não qualificou as declarações públicas de medidas constitutivas de auxílios de Estado.

132    Assim, há que examinar se as declarações públicas enquanto elementos de contexto são suscetíveis de demonstrar que as medidas 1, 2 e 3 apresentavam laços tão estreitos entre si que era impossível dissociá‑las, devendo, assim, ser consideradas um único auxílio de Estado.

133    A Comissão fez referência às seguintes declarações:

–        uma declaração do primeiro‑ministro romeno num artigo de imprensa de 1 de outubro de 2012, na qual declarou, nomeadamente, que era necessário «explicar agora o plano de reserva para retomar as atividades, preservar postos de trabalho e preparar um novo processo de privatização, em condições muito diferentes e bem melhores», que «[o] plano de recomeço da Oltchim» seria apresentado proximamente, que as autoridades encetariam oficialmente conversações com os seus principais credores para esse fim (considerando 27 da decisão recorrida). Esta declaração anuncia o início das discussões que levaram à adoção do Memorando cerca de um mês e meio mais tarde. Não tem, portanto, conteúdo autónomo em relação ao próprio Memorando;

–        uma declaração do Secretário de Estado do Ministério da Economia, de 17 de outubro de 2012, na qual anunciou a reabertura parcial da recorrente e a intenção do Governo de lhe conceder um auxílio estatal de emergência (considerando 28). Contudo, o referido «auxílio estatal» de emergência não foi concedido e não é, em todo o caso, objeto da decisão recorrida;

–        uma declaração do ministro da Economia, de 15 de novembro de 2012, na qual declarou, em substância, que «[a] ideia de insolvência [era] imediatamente posta de lado se houve[sse] um acordo com os principais credores [da Oltchim]» e anunciou a adoção do Memorando, que foi assinado oito dias mais tarde, e cujo objetivo era, segundo essa declaração, «recomeçar, auxiliar e reestruturar a Oltchim de forma controlada, com o acordo dos credores» (considerando 30 da decisão recorrida). Por um lado, o impacto desta declaração é limitado, pois, contrariamente ao que esse ministro acabava de anunciar, cerca de dois meses mais tarde foi movido o processo de insolvência. Por outro lado, esta declaração mais não faz do que anunciar a assinatura do Memorando e não tem, portanto, conteúdo autónomo em relação a este;

–        declarações dos dirigentes do sindicato dos trabalhadores da recorrente [considerando 204, alínea b), e nota n.o 72 da decisão recorrida]. Contudo, estas, não sendo declarações de representantes do Estado, são desprovidas de pertinência;

–        um artigo de imprensa de 26 de janeiro de 2013, no qual se refere que o antigo ministro da Economia teria discutido as consequências do fracasso da privatização da recorrente, referindo nomeadamente que «a entrada em insolvência da Oltchim [seria] uma oportunidade para a reestruturação e a valorização das partes viáveis» [considerando 204, alínea c), da decisão recorrida]. Esta declaração não inclui nenhum compromisso do Estado;

–        um artigo de imprensa de 29 de março de 2013, segundo o qual, em substância, o primeiro‑ministro romeno indicou que a Comissão não aprovaria a concessão de um auxílio de Estado à recorrente, que, por essa razão, esta deveria obter um financiamento junto dos bancos e dos operadores que compram a produção e que o governo tinha «interesse na preservação dos postos de trabalho» [considerando 204, alínea d), da decisão recorrida]. Esta declaração indica, ao contrário do que sugere a Comissão, que o Estado‑Membro em causa não tinha qualquer intenção de conceder um auxílio de Estado à recorrente. Quanto ao facto de o Governo «ter interesse» em que fossem preservados postos de trabalho, o Tribunal Geral não vê aí nenhuma censura possível nem nenhum indício da vontade do Estado de conceder um auxílio à recorrente;

–        uma declaração do ministro da Economia datada de março de 2013, em que indicou ter uma preferência para encontrar um investidor estratégico no capital da recorrente, o que teria sido mais importante do que o preço de venda [considerando 204, alínea e), da decisão recorrida]. Esta declaração não contém nenhum compromisso por parte das autoridades romenas;

–        uma declaração do ministro da Economia, de 30 de maio de 2013, na qual indicou que, «além da sua marca, a Oltchim det[inha] um grande número de patentes que val[iam] milhões de euros» e que «a destruição desta empresa seria equivalente à destruição de um tesouro de propriedade intelectual», [considerando 204, alínea f), da decisão recorrida]. Ora, esta declaração não tem nenhuma relação com as medidas em causa;

–        uma declaração do ministro da Economia, de 9 de julho de 2013, na qual afirmou, nomeadamente, que «[era] possível encontrar soluções para salvar a sociedade», que o problema da recorrente se prendia «com o orgulho e a dignidade nacionais» e que «val[ia] a pena recuperá‑la» [considerando 204, alínea g), da decisão recorrida] Embora seja certo que esta declaração dá a entender que as autoridades romenas desejavam «salvar» a recorrente, trata‑se de uma simples declaração de natureza política destinada a tranquilizar os trabalhadores, e mais geralmente o público. Além disso, esta declaração não contém nenhum compromisso claro, preciso, concreto e firme por parte das autoridades romenas de fazer adotar o plano de reestruturação, cujos contornos ainda não eram conhecidos à data dessa declaração;

–        uma declaração do ministro da Economia datada de setembro de 2013, na qual anunciou, em substância, que os credores da recorrente iriam em breve aprovar «um financiamento», que esta obteria créditos de bancos privados e que «a Oltchim n.o 2» ficaria livre de dívidas «no final de setembro» [considerando 204, alínea h), da decisão recorrida]. Esta declaração parece referir‑se a um financiamento privado e não contém nenhum compromisso claro, preciso, concreto e firme do Estado. Por outro lado, o facto de o referido ministro ter manifestado ser «contrário à liquidação de grandes [empresas públicas]» traduz igualmente uma simples declaração de natureza política que não contém nenhum compromisso claro do Estado;

–        uma declaração do primeiro‑ministro romeno de 19 de fevereiro de 2014, na qual exortou o novo ministro da Economia a tratar do «problema Oltchim», acrescentando que «não gostaria que a situação se deteriorasse […] por falta de capacidade política» [considerando 204, alínea i), da decisão recorrida] Esta declaração é muito genérica;

–        declarações do ministro da Economia de 2014, de que a recorrente «[era] uma empresa de interesse nacional e estratégico», de que havia o «interesse dos investidores em adquirir também a refinaria Arpechim» e de que «a Oltchim nunca ser[ia] encerrada» [considerando 204, alínea j), da decisão recorrida] Com efeito, embora esta última afirmação possa sugerir que as autoridades romenas desejavam evitar o encerramento da recorrente, não é menos verdade que a referida declaração não é suficientemente específica e concreta.

134    Por outro lado, o simples facto de os credores públicos e privados terem em conta as declarações públicas dos responsáveis para determinarem o seu comportamento no mercado não basta para demonstrar que existiam laços tão estreitos entre as medidas 1, 2 e 3 que fosse impossível dissociá‑las.

135    Além disso, no que respeita mais especificamente à medida 3, adotada em 9 de março de 2015, estas diferentes declarações públicas são anteriores a ela em cerca de um ou dois anos, sendo a data da declaração mais próxima da data dessa medida 3 de junho de 2014, ou seja, cerca de nove meses antes da adoção da referida medida. Por conseguinte, embora essas declarações possam ser tidas em conta, enquanto elemento de contexto, não foi demonstrado, tendo em conta o tempo decorrido entre estas e a data da adoção da medida 3, que as mesmas apresentavam um nexo suficientemente estreito com a referida medida.

136    Por conseguinte, embora a Comissão pudesse validamente ter em conta essas declarações enquanto elemento do contexto em que se inscreviam as medidas 1, 2 e 3, o seu teor não revela que existiam laços tão estreitos entre as medidas 1, 2 e 3 que fosse impossível dissociá‑las e que devessem, por isso, ser consideradas um único auxílio de Estado.

7)      Conclusão

137    Tendo em conta todos os critérios previstos na jurisprudência acima referida nos n.os 94 e 95, nomeadamente o objeto e a natureza das medidas 1, 2 e 3, a identidade diferente das entidades que as concedem, a cronologia dessas medidas, pelo facto de não estarem previstas nem serem previsíveis no momento da primeira intervenção, a sua finalidade, a situação da recorrente no momento da execução de cada uma delas, bem como o contexto em que se inserem, há que concluir que, contrariamente ao que considera a Comissão na secção 6.1.2.4 da decisão recorrida, as medidas em causa não apresentavam laços tão estreitos entre si que impossibilitassem a sua dissociação. Por conseguinte, as medidas 1, 2 e 3 devem ser consideradas três intervenções distintas para efeitos de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

2.      Quanto à qualificação das medidas em causa de auxílios de Estado

138    Há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, a qualificação de uma medida como «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes pressupostos. Primeiro, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais. Segundo, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Terceiro, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão de 21 de outubro de 2020, Eco TLC, C‑556/19, EU:C:2020:844, n.o 18 e jurisprudência aí referida).

139    No âmbito da fiscalização dos auxílios de Estado, em princípio, cabe à Comissão, na decisão recorrida, fazer prova da existência de um auxílio de Estado. Com efeito, cabe à Comissão demonstrar que estão preenchidos os pressupostos da existência de um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v. Acórdão de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão, T‑760/15 e T‑636/16, EU:T:2019:669, n.os 194 e 196 e jurisprudência aí referida).

140    No caso, a recorrente não contesta que as medidas 1 e 2 implicam recursos estatais e são imputáveis ao Estado. Em contrapartida, contesta que esse pressuposto esteja preenchido no respeitante à medida 3. Além disso, a recorrente considera que nenhuma das medidas em causa lhe confere uma vantagem.

a)      Quanto à existência de uma transferência de recursos estatais no âmbito da medida 3 e quanto à imputabilidade desta ao Estado

141    Na secção 6.1.1.3 da decisão recorrida, a Comissão referiu que a anulação de uma parte dos seus créditos respetivos pela AAAS, pela Electrica, pela Salrom, pela CET Govora e pela ANE no âmbito do plano de reestruturação implicava uma transferência de recursos estatais e era imputável ao Estado.

142    A recorrente sustenta, em substância, em primeiro lugar, que a anulação parcial dos créditos da Electrica no âmbito da medida 3 não implicava uma transferência de recursos estatais e, em segundo lugar, que a medida 3, considerada no seu conjunto, não era imputável ao Estado.

1)      Quanto à questão de saber se a anulação parcial dos créditos da Electrica no âmbito do plano de reestruturação implicava uma transferência de recursos estatais

143    A recorrente refere que, em julho de 2014, a Electrica, que era até então uma empresa pública, foi privatizada, pelo que já não era, a partir dessa data, uma empresa pública que se encontrasse sob a influência dominante do Estado. Por conseguinte, os recursos da Electrica não eram recursos estatais, pelo que a anulação de uma parte dos créditos detidos por essa empresa sobre a recorrente não implicava nenhuma transferência de recursos estatais.

144    A Comissão alega, em substância, que a questão de saber se a Electrica era uma empresa pública não é pertinente no caso presente, uma vez que a Roménia desempenhou um papel essencial na execução da medida 3 e na escolha das suas modalidades de financiamento.

145    Na decisão recorrida, a Comissão referiu que, desde julho de 2014, a maioria das participações da Electrica era privada, detendo o Estado apenas 48,78 % do seu capital.

146    A decisão recorrida não contém nenhum outro fundamento relativo à situação da Electrica, tal como se apresentava na sequência da sua privatização, suscetível de explicar por que razões a Comissão considerou que a anulação parcial dos seus créditos no âmbito da medida 3 implicava uma transferência de recursos estatais.

147    Segundo a jurisprudência, para as vantagens poderem ser qualificadas de «auxílios», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, têm que ser concedidas direta ou indiretamente através de recursos estatais (v. Acórdão de 13 de setembro de 2017, ENEA, C‑329/15, EU:C:2017:671, n.o 20 e jurisprudência aí referida). Deste modo, o conceito de intervenção «através de recursos estatais», na aceção desta disposição, visa incluir, além das vantagens conferidas diretamente pelo Estado, as conferidas por intermédio de um organismo público ou privado, designado ou instituído por esse Estado com o objetivo de gerir o auxílio (v. Acórdão de 9 de novembro de 2017, Viasat Broadcasting UK/TV2/Danmark, C‑657/15 P, EU:C:2017:837, n.o 36 e jurisprudência aí referida). Assim, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas possam efetivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo pertinente que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado. Mesmo que as quantias correspondentes à medida em causa não se encontrem de modo permanente na posse do Estado, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e, portanto, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificadas de «recursos estatais» (v. Acórdãos de 15 de maio de 2019, Achema e o., C‑706/17, EU:C:2019:407, n.o 53 e jurisprudência aí referida; v. ainda, neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 70 e jurisprudência aí referida, e de 13 de setembro de 2017, ENEA, C‑329/15, EU:C:2017:671, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

148    No caso presente, a Comissão não impugna a afirmação da recorrente de que, desde julho de 2014, a Roménia já não controlava a maioria dos direitos de voto na Electrica, não podia nomear a maioria dos membros dos órgãos de administração, de direção ou de fiscalização dessa empresa e não dispunha de nenhum direito especial previsto nos estatutos dessa empresa que lhe permitisse controlar as suas decisões.

149    Nenhum elemento dos autos de que o Tribunal Geral dispõe permite concluir que os recursos da Electrica utilizados no âmbito da medida 3 estivessem constantemente sob controlo público e, portanto, à disposição das autoridades nacionais competentes, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 147.

150    O simples facto de uma empresa como a Electrica ter assinado o Memorando em 2012 (considerando 203 da decisão recorrida) não significa que os seus recursos estivessem sob o controlo do Estado. Em todo o caso, no momento da execução da medida 3, em 2015, o Estado já não controlava os recursos da Electrica.

151    Do mesmo modo, o facto de uma empresa privada poder ter em conta declarações públicas das autoridades (considerando 205 da decisão recorrida) quando decide do seu comportamento no mercado de modo nenhum significa, na falta de qualquer outro elemento concreto nesse sentido, que os seus recursos se encontrem sob o controlo do Estado ou à sua disposição.

152    Por outro lado, o facto, sublinhado pela Comissão, de os créditos da Electrica em causa no âmbito da medida 3 terem sido contraídos antes da sua privatização é desprovido de pertinência, uma vez que, por um lado, as dívidas e os créditos anteriores à privatização de uma empresa são habitualmente repercutidos no preço de venda desta e, por outro, a decisão da Electrica de aprovar o plano de reestruturação foi tomada em 2015, ou seja, após a sua privatização.

153    Do mesmo modo, o facto de, após a privatização da Electrica, o Estado deter 48,78 % do seu capital e de, desse modo, conservar, segundo a Comissão, um «elevado grau de influência» na política comercial da Electrica não significa, na falta de outros elementos concretos nesse sentido, que os recursos desta estivessem constantemente sob o controlo do Estado ou à sua disposição na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 147. Pelo contrário, a análise que acima figura nos n.os 148 a 152 sugere que, apesar da sua participação, é certo que considerável, mas que se tornou minoritária no capital da Electrica, o Estado não dispunha de nenhum mecanismo que lhe permitisse controlar a forma como esta empresa geria os seus recursos no âmbito da medida 3.

154    Por último, a Comissão também não pode basear a sua argumentação no Acórdão de 27 de setembro de 2012, França/Comissão (T‑139/09, EU:T:2012:496). Nesse acórdão, o Tribunal Geral concluiu que as medidas de auxílio adotadas a favor de certas organizações de produtores agrícolas, financiadas em parte por contribuições privadas facultativas, implicavam uma transferência de recursos estatais pelo facto de, no essencial, as autoridades francesas decidirem unilateralmente medidas financiadas pelo regime de auxílios e as modalidades da sua execução, ao passo que os beneficiários das referidas medidas apenas dispunham do poder de participar ou não nesse sistema definido pelo Estado, aceitando ou recusando pagar as contribuições por ele fixadas. Ora, ao contrário desse processo, no caso presente, a Comissão não demonstrou que as autoridades romenas tinham decidido unilateralmente a forma como os recursos da Electrica deviam ser utilizados no âmbito da medida 3.

155    No que respeita à Electrica Furnizare, outro credor da recorrente, a maior parte de cujas ações eram detidas pela Electrica entre 2011 e 2017, basta observar que, na decisão recorrida, a Comissão não qualificou o comportamento dessa sociedade de medida constitutiva de um auxílio de Estado, pelo que os argumentos das partes a este respeito não têm incidência na legalidade da decisão recorrida.

156    Resulta do exposto que a Comissão não conseguiu fazer prova bastante de que a medida 3 implicava uma transferência de recursos estatais no respeitante à anulação parcial dos créditos da Electrica nem, portanto, que era constitutiva de um auxílio de Estado por ser concedida por intermédio deste.

2)      Quanto à imputabilidade ao Estado da parte remanescente da medida 3

157    A recorrente sustenta que a parte remanescente da medida 3, isto é, a anulação parcial dos créditos da AAAS, da Salrom, da CET Govora e da ANE no âmbito do plano de reestruturação, não era imputável ao Estado.

158    A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Alega que, na decisão recorrida, fez prova bastante de que a medida 3 era imputável ao Estado.

159    Na decisão recorrida, a Comissão concluiu que a medida 3 era imputável ao Estado, primeiro, porque, segundo o direito romeno em matéria de insolvência, o plano de reestruturação não podia ser aprovado sem o acordo da AAAS ou da CET Govora (considerando 201 da decisão recorrida). Segundo, esse plano foi elaborado pelo administrador judicial, que fazia parte do Estado (considerando 202 da decisão recorrida). Terceiro, o referido plano foi aprovado graças aos credores privados e públicos que assinaram, em novembro de 2012, o Memorando, sendo este último o instrumento utilizado pelo Estado para manter a recorrente no mercado e para reunir a maioria exigida na assembleia de credores a fim de garantir a aprovação do referido plano (considerandos 202, 203 e 205 a 210 da decisão recorrida). Quarto, a intenção do Estado de manter a recorrente no mercado foi confirmada pelas declarações públicas (considerando 204 da decisão recorrida). Quinto, a Comissão apresentou determinados elementos mais pontuais que demonstram a imputabilidade ao Estado do comportamento da ANE no âmbito da medida 3 (considerandos 212 a 217 da decisão recorrida).

160    Resulta da jurisprudência que, para que as vantagens possam ser qualificadas de «auxílios», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, têm que ser imputáveis ao Estado (v. Acórdão de 13 de setembro de 2017, ENEA, C‑329/15, EU:C:2017:671, n.o 20 e jurisprudência aí referida). Refira‑se, a este respeito, que, quando uma vantagem é concedida por uma autoridade pública, é, por definição, imputável ao Estado, mesmo que a autoridade em questão goze de autonomia jurídica relativamente a outras autoridades públicas (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 1996, Air France/Comissão, T‑358/94, EU:T:1996:194, n.o 62).

161    No caso, tendo o artigo 1.o, alínea c), da decisão recorrida definido a medida 3 como a anulação da dívida «no âmbito do Plano de Reestruturação» por certos credores, há que examinar se o referido plano, cuja aprovação pelos credores da recorrente conduziu à anulação parcial da sua dívida, era, no seu conjunto, imputável ao Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

162    Com efeito, há que observar que a anulação parcial de certas dívidas no âmbito da medida 3 não era uma anulação unilateral, decidida separadamente por cada um dos credores em causa, mas uma anulação coletiva, ocorrida no âmbito de um processo de insolvência, sujeita a regras legais específicas relativas, nomeadamente, à maioria exigida na assembleia de credores para aprovar o plano de reestruturação. Por outras palavras, o voto individual de um dado credor a favor do plano não podia levar à aprovação do referido plano, a menos que os seus créditos preenchessem, por si só, os requisitos legais no que respeita à maioria necessária para esse fim.

163    Há que observar igualmente que a lista dos credores incluía muitos credores tanto públicos como privados e que os votos a favor deste plano provinham tanto dos credores públicos como dos credores privados.

164    Nestas circunstâncias, para verificar se a Comissão considerou corretamente que o plano de reestruturação era imputável ao Estado, num primeiro momento, há que verificar se a votação a favor da aprovação do plano de reestruturação pela AAAS, pela ANE, pela Salrom e pela CET Govora era imputável ao Estado. Num segundo momento, há que determinar se, em conjunto, os credores cujo voto a favor da aprovação do plano de reestruturação era imputável ao Estado tinham a maioria exigida, segundo o direito nacional, para aprovar esse plano.

i)      Quanto à imputabilidade ao Estado dos votos da AAAS, da Salrom, da CET Govora e da ANE

–       Quanto à imputabilidade ao Estado do voto da AAAS

165    Resulta dos considerandos 186, 187 e 201 da decisão recorrida que a Comissão considerou que o voto da AAAS era imputável ao Estado, nomeadamente pelo facto de esta fazer parte da Administração Pública e estar subordinada ao governo.

166    Esta conclusão não é impugnada pela recorrente.

–       Quanto à imputabilidade ao Estado do voto da Salrom

167    A recorrente sustenta que a decisão recorrida não contém nenhuma avaliação da questão de saber se o voto da Salrom a favor do plano de reestruturação era imputável ao Estado. É certo que o facto de o Estado deter a maioria das ações da Salrom, de ter nomeado representantes no seu conselho de administração e de o orçamento anual da Salrom dever ser aprovado pelo Estado basta para demonstrar que a Salrom era uma empresa pública, mas não que o seu voto a favor da aprovação do referido plano era imputável ao Estado.

168    A Comissão alega, em substância, que a imputabilidade do voto da Salrom ao Estado decorre do «elevado grau de intervenção do Estado na definição da medida e das suas modalidades de financiamento», nomeadamente do Memorando e das declarações públicas.

169    Primeiro, o Tribunal observa que, na secção 6.1.1.3 da decisão recorrida (considerandos 201 a 218), consagrada à imputabilidade da medida 3 ao Estado, a Comissão não examinou se o voto da Salrom, credor e fornecedor da recorrente, nomeadamente em soluções salinas, era imputável ao Estado. Com efeito, este ponto contém apenas duas referências à Salrom, uma na nota n.o 70 da decisão recorrida, que se limita a assinalar que a Salrom era um dos signatários do Memorando, e outra no considerando 218 da referida decisão, que é o considerando conclusivo deste ponto da decisão recorrida e no qual a Comissão conclui que a concessão da medida 3 nomeadamente pela Salrom era imputável ao Estado. Nesse mesmo ponto, a Comissão fez referência, de forma geral e sem mencionar especificamente a Salrom, à assinatura do Memorando por alguns dos credores da recorrente e às declarações públicas para justificar a imputabilidade da medida 3 ao Estado.

170    A esse respeito, é pacífico que a Salrom era uma empresa pública no momento da adoção da medida 3. Contudo, segundo a jurisprudência, não é possível inferir a imputabilidade de uma medida ao Estado unicamente do facto de ter sido tomada por uma empresa pública. Com efeito, mesmo que o Estado tenha as condições para controlar uma empresa pública e exercer uma influência dominante nas suas operações, não se pode presumir automaticamente o exercício efetivo desse controlo num caso concreto, precisando‑se que não se pode exigir que se demonstre, com base numa instrução precisa, que as autoridades públicas incitaram concretamente a empresa pública a tomar a medida de auxílio em causa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.os 51 a 53).

171    No caso das vantagens concedidas por empresas públicas, é necessário examinar se as autoridades públicas devem ser consideradas envolvidas, de uma forma ou de outra, na adoção da medida em causa, podendo a imputabilidade ao Estado ser inferida de um conjunto de indícios resultantes das circunstâncias do caso concreto e do contexto em que essa medida ocorreu. A este respeito, o Tribunal de Justiça já tomou em consideração o facto de o organismo em questão não poder tomar a decisão controvertida sem ter em conta as exigências dos poderes públicos, ou de, além dos elementos de natureza orgânica que as ligavam ao Estado, as empresas públicas, por intermédio das quais os auxílios tinham sido concedidos, deverem ter em conta as orientações emanadas de um organismo público. Outros indícios podem eventualmente ser pertinentes para se concluir pela imputabilidade ao Estado de uma medida de auxílio adotada por uma empresa pública, tais como, nomeadamente, a sua integração nas estruturas da administração pública, a natureza das suas atividades e o seu exercício no mercado em condições normais de concorrência com operadores privados, o estatuto jurídico da empresa, sujeito ao direito público ou ao direito comum das sociedades, a intensidade da tutela exercida pelas autoridades públicas sobre a gestão da empresa ou qualquer outro indício, no caso concreto, de um envolvimento ou da improbabilidade da inexistência de envolvimento das autoridades públicas na adoção de uma medida, tendo igualmente em conta o alcance desta, o seu conteúdo e as condições de que contém (Acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.os 52, 55 e 56).

172    Ora, há que observar que, na secção 6.1.1.3 da decisão recorrida, para além de dar por provada a existência do Memorando e das declarações públicas, a Comissão não referiu a existência de indícios como os que acima figuram no n.o 171, que permitam demonstrar a imputabilidade ao Estado do comportamento da Salrom no âmbito da medida 3.

173    Quanto ao facto de a Salrom ter assinado o Memorando, há que observar, como faz a recorrente, por um lado, que este previa expressamente que os seus signatários não tinham nenhuma obrigação de renunciar aos seus créditos sobre a recorrente, de aceitar um plano de reestruturação determinado, ou, mais genericamente, de renunciar a qualquer direito contratual ou outro em relação à recorrente, pelo que esse Memorando não impunha à Salrom nenhuma obrigação no âmbito do plano de reestruturação.

174    Por outro lado, nenhum elemento da decisão recorrida permite verificar por que razões o Memorando teve um papel decisivo no comportamento da Salrom no âmbito da medida 3. Pelo contrário, o comportamento dessa empresa no âmbito da medida 2 tende a demonstrar que não foi esse o caso, conforme acima resulta do n.o 127.

175    O mesmo acontece no que respeita às declarações públicas, como acima referido nos n.os 134 e 136.

176    Em segundo lugar, é certo que, na secção 6.1.1.2 da decisão recorrida (considerandos 188 a 200), dedicada à imputabilidade ao Estado da medida 2, a Comissão observou que a Roménia detinha 51 % das participações da Salrom, tinha nomeado os seus representantes no conselho de administração desta e que o orçamento anual da Salrom tinha que ser aprovado pelo Estado, respeitando esta aprovação ex ante, nomeadamente, aos montantes correspondentes aos créditos comerciais dos clientes como a recorrente (considerandos 191 e 192 da decisão recorrida). Contudo, a Comissão salientou que não era necessário concluir que o comportamento da Salrom no âmbito da medida 2 era imputável ao Estado, pois esta medida não constituía um auxílio da parte da Salrom pelo facto de, em substância, esta última ter agido como teria feito um credor privado (considerandos 193 e 263 da decisão recorrida).

177    No entanto, dado que a medida 2 se refere ao período entre setembro de 2012 e janeiro de 2013, não se pode deixar de observar que a decisão recorrida não contém nenhum elemento suscetível de demonstrar que esses elementos continuavam a ser atuais em 2015, quando foi adotada a medida 3. Ora, para se analisar se o critério da imputabilidade está preenchido, temos que nos colocar no momento em que a medida é adotada (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 2 de julho de 2015, França e Orange/Comissão, T‑425/04 RENV e T‑444/04 RENV, EU:T:2015:450, n.os 221 e 229).

178    Mesmo admitindo que todos esses elementos continuassem a ser atuais em 2015, não se pode, porém, deixar de observar que a Comissão não concluiu pela imputabilidade ao Estado do comportamento da Salrom no âmbito da medida 2. Nestas circunstâncias, não é possível conhecer a apreciação desses elementos pela Comissão, nomeadamente saber se estes teriam bastado para imputar ao Estado a medida 2, na medida em que dizia respeito à Salrom. Por conseguinte, mesmo admitindo que esses elementos fossem ainda pertinentes em 2015, o Tribunal Geral não pode substituir a inexistente apreciação da Comissão pela sua própria apreciação.

179    Por conseguinte, há que concluir, como faz a recorrente, que, na decisão recorrida, a Comissão não fez prova bastante de que o voto da Salrom a favor da aprovação do plano de reestruturação era imputável ao Estado.

–       Quanto à imputabilidade do voto da CET Govora ao Estado

180    A recorrente alega que a decisão recorrida não contém nenhuma apreciação da questão de saber se o voto da CET Govora sobre o plano de reestruturação era imputável ao Estado. Ora, a CET Govora não assinou o Memorando e, portanto, é improvável que este tenha podido influenciar o seu voto. Além disso, segundo a recorrente, as decisões do Conselho do distrito de Vâlcea, entidade pública que resulta do considerando 194 da decisão recorrida ser a única acionista da CET Govora, mencionadas no considerando 195 dessa decisão, não diziam respeito à medida 3.

181    A Comissão alega, em substância, que, conforme resulta do considerando 196 da decisão recorrida, «não seria plausível», tendo em conta o contexto geral em que se inscreve o comportamento da CET Govora, que esta não tivesse sofrido nenhuma influência do Estado, tendo em conta, nomeadamente, o Memorando e as declarações públicas.

182    Nos considerandos 201 e 205 da decisão recorrida, a Comissão remeteu expressamente para a sua análise da imputabilidade da medida 2 ao Estado, na medida em que dizia respeito à CET Govora, credor e fornecedor da recorrente, nomeadamente em eletricidade e em vapor, para sustentar a sua conclusão de que o voto da CET Govora a favor da aprovação do plano de reestruturação era imputável ao Estado. Assim, no considerando 201 da decisão recorrida, a Comissão remeteu para o seu considerando 200, que é o ponto conclusivo da análise da imputabilidade da medida 2 ao Estado, devendo essa remissão global, portanto, ser entendida como uma remissão para o conjunto dos elementos referidos para esse efeito no âmbito da análise da imputabilidade da medida 2 ao Estado. A esse respeito, a Comissão referiu, em substância, desde logo, que a CET Govora era integralmente detida pelo Estado, seguidamente, que a prossecução dos fornecimentos de eletricidade a título gratuito a favor da recorrente, que era o objeto da medida 2, tinha sido levada a cabo em execução de várias decisões do conselho distrital de Vâlcea e, por último, que o «contexto mais global» demonstrava que «não [era] plausível considerar que a CET Govora estava livre de qualquer influência do Estado» (considerandos 194 à 198 da decisão recorrida). Além disso, na secção 6.1.1.3 da decisão recorrida, a Comissão fez referência, de um modo geral, à assinatura do Memorando por alguns dos credores da recorrente e às declarações públicas para justificar a imputabilidade da medida 3 ao Estado.

183    Refira‑se, a esse respeito, que é pacífico que a CET Govora tenha sido uma empresa pública no momento da adoção da medida 3. Contudo, conforme acima referido no n.o 170, segundo a jurisprudência, não se pode presumir a imputabilidade de uma medida ao Estado unicamente com base no facto de ter sido tomada por uma empresa pública.

184    Com efeito, em conformidade com a jurisprudência acima lembrada no n.o 171, a Comissão deve ter em conta um conjunto de indícios pertinentes para determinar se o comportamento da CET Govora no âmbito da medida 3 era imputável ao Estado.

185    A esse respeito, a Comissão não pode invocar validamente o Memorando, pois a CET Govora nem sequer o assinou. De resto, mesmo admitindo que a CET Govora o tenha tido em conta na votação no âmbito da medida 3, não deixa de ser verdade, como foi acima referido no n.o 173, que o Memorando previa expressamente que os seus signatários não tinham nenhuma obrigação de renunciar aos seus créditos sobre a recorrente, de aceitar um plano de reestruturação determinado, ou, mais genericamente, de renunciar a qualquer direito contratual ou outro em relação à recorrente. Quanto às declarações públicas, basta remeter para o n.o 136, supra.

186    Quanto aos indícios referidos na decisão recorrida no âmbito da medida 2, para os quais a Comissão remeteu, não se pode deixar de observar que se referem ao período entre setembro de 2012 e janeiro de 2013 e que a decisão recorrida não contém nenhum elemento suscetível de demonstrar que esses elementos ainda estavam atuais em 2015, no momento da adoção da medida 3, precisando‑se que, segundo a jurisprudência acima referida no n.o 177, para analisar se o critério da imputabilidade está preenchido, há que atender ao momento em que a medida é adotada.

187    Além disso, certos elementos relativos ao comportamento da CET Govora referidos no âmbito da medida 2 são desprovidos de pertinência para efeitos do exame da imputabilidade ao Estado do voto da CET Govora a favor do plano de reestruturação. Assim, como alega a recorrente, as decisões do Conselho do distrito de Vâlcea mencionadas nos considerandos 29, 85 e 195 da decisão recorrida diziam exclusivamente respeito à medida 2 e não tinham nenhuma relação com a aprovação do plano de reestruturação ocorrido mais de dois anos depois.

188    Quanto aos elementos do «contexto mais global» a que fazem referência os considerandos 196 e 197 da decisão recorrida, não são diretamente pertinentes para a questão de saber se o voto da CET Govora a favor do plano de reestruturação era imputável ao Estado. Com efeito, a Comissão não define claramente a relação que estabelece entre, por um lado, o facto de o presidente executivo da CET Govora ter sido condenado pelos tribunais penais nacionais por abuso de poder e tráfico de influência cometidos durante o período entre outubro de 2011 e julho de 2014 e, por outro, o voto da CET Govora a favor do plano de reestruturação. Do mesmo modo, o facto de o presidente‑executivo da CET Govora ter sido, seguidamente, presidente‑executivo da recorrente entre outubro de 2012 e fevereiro de 2013 e de ter voltado a ser, depois de fevereiro de 2013, presidente‑executivo da CET Govora não é pertinente. Com efeito, além de também esse facto dizer respeito a um período anterior ao abrangido pela medida 3, o simples facto de uma determinada pessoa singular ter sido, em momentos diferentes, nomeada presidente‑executivo de duas empresas públicas não significa, enquanto tal, que as ações adotadas por uma delas dois anos mais tarde sejam imputáveis ao Estado.

189    Por conseguinte, na falta de outros indícios pertinentes e contemporâneos na decisão recorrida, há que concluir, como faz a recorrente, que a Comissão não conseguiu fazer prova bastante de que o voto da CET Govora a favor da aprovação do plano de reestruturação era imputável ao Estado.

–       Quanto à imputabilidade do voto da ANE ao Estado

190    Na decisão recorrida, a Comissão baseou a sua conclusão de que o voto da ANE a favor da aprovação do plano de reestruturação era imputável ao Estado, nomeadamente, no facto de a ANE ser uma instituição pública de interesse nacional com capacidade jurídica, coordenada pela administração pública central de gestão da água; de o seu objeto ser, nomeadamente, aplicar a estratégia e a política nacionais no domínio da gestão dos recursos hídricos, garantir o respeito das regulamentações nesse domínio, gerir e explorar a infraestrutura do sistema nacional de gestão da água e assegurar o exercício de um certo número de atividades de interesse nacional e social; de os membros do seu conselho de administração serem nomeados por ordem do diretor da administração pública central de gestão da água e incluírem um representante do Ministério das Finanças Públicas e um representante da administração pública central de gestão da água e de o diretor‑geral da ANE ser nomeado, suspenso e demitido das suas funções por ordem do diretor da administração pública central de gestão da água e de os seus rendimentos e as suas despesas serem aprovados pelo conselho de administração com o acordo do diretor da administração pública central de gestão da água.

191    A recorrente sustenta que, na decisão recorrida, a Comissão confundiu duas instituições distintas. Em particular, a referência à ANE feita na categoria «credores [comuns] nos termos do artigo 96.o da Lei [Romena] da Insolvência») do quadro 1 do considerando 67 da decisão recorrida é errada, uma vez que esse crédito pertence a outra instituição pública, a saber, a Administração Nacional da Água — Administração da bacia de Olt (a seguir «ANE‑ABO»). Segundo a recorrente, a ANE‑ABO votou a favor do plano de reestruturação, ao passo que a ANE não votou nem a favor nem contra o referido plano. Portanto, na decisão recorrida, a Comissão não analisou a imputabilidade do voto da ANE‑ABO ao Estado.

192    A Comissão refere que a ANE‑ABO é uma das onze sucursais regionais da ANE. As considerações expostas nos considerandos 212 a 217 da decisão recorrida no que respeita à ANE aplicam‑se também a essa sucursal.

193    A recorrente limita‑se, em substância, a afirmar que a Comissão se referiu, por erro, a um órgão que não é o que detém créditos sobre si. Ora, a recorrente não impugna o facto, alegado pela Comissão na contestação, de a ANE‑ABO ser uma sucursal da ANE, nem a conclusão da Comissão de que, em substância, as considerações expostas nos considerandos 212 a 217 da decisão recorrida no que respeita à ANE se aplicam, mutatis mutandis, à sua sucursal. Com efeito, na falta de qualquer elemento em sentido contrário, os elementos referidos na decisão recorrida no que respeita à ANE são igualmente válidos para as suas sucursais.

194    Nestas condições, embora seja lamentável que, na decisão recorrida, a Comissão tenha confundido a ANE com a sua sucursal, trata‑se, quando muito, de um erro formal sem incidência sobre o mérito da decisão recorrida.

195    Por conseguinte, há que rejeitar os argumentos da recorrente a este respeito.

–       Conclusões intermédias

196    À luz destas considerações, há que concluir que, na decisão recorrida, a Comissão conseguiu demonstrar que o voto da AAAS e o voto da sucursal da ANE a favor da aprovação do plano de reestruturação eram imputáveis ao Estado. Em contrapartida, não conseguiu fazer prova bastante da imputabilidade ao Estado do voto da Salrom e da CET Govora no âmbito desse plano.

ii)    Quanto à imputabilidade ao Estado do plano de reestruturação

197    Em primeiro lugar, na decisão recorrida, a Comissão afirmou, no seu considerando 201, em substância, que a medida 3 era imputável ao Estado porque o plano de reestruturação não podia ser aprovado sem o acordo da AAAS ou da CET Govora.

198    Contudo, esta conclusão é errada.

199    Primeiro, como acima resulta dos n.os 180 a 189, a Comissão não conseguiu fazer prova bastante de que o voto da CET Govora a favor da aprovação do plano de reestruturação era imputável ao Estado.

200    Segundo, mesmo admitindo que o voto da CET Govora a favor da aprovação do plano de reestruturação fosse imputável ao Estado, há que observar, como faz a recorrente, que a conclusão da Comissão que figura no considerando 201 da decisão recorrida não é compatível com a descrição das normas nacionais aplicáveis em matéria de insolvência que figura na decisão recorrida.

201    A este respeito, resulta do considerando 42 da decisão recorrida que, em conformidade com os artigos 100.o e 101.o da legea n.o 85 privind procedura insolvendentes ei (Lei n.o 85 Relativa aos Processos de Insolvência, a seguir «Lei Romena da Insolvência»), de 5 de abril de 2006 (Monitorul Oficial al României, Partea I, n.o 359, de 21 de abril de 2006), deve considerar‑se aceite um plano de reestruturação se uma maioria absoluta das categorias de credores votar a favor do plano, desde que pelo menos uma das categorias desfavorecidas aceite o plano. O plano é considerado aceite por uma categoria de credores se, nessa categoria, for aceite por credores que detenham uma maioria absoluta do valor dos créditos pertencentes a essa categoria;

202    Além disso, resulta do considerando 43 da decisão recorrida que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 21, da Lei Romena da Insolvência, se entende por «categoria desfavorecida» uma categoria de créditos relativamente à qual o plano de reestruturação prevê, nomeadamente, uma diminuição do montante do crédito.

203    No caso, como resulta do quadro 1, que figura no considerando 67 da decisão recorrida, os credores da recorrente foram repartidos em cinco categorias, o que significava que, para aprovar o plano, era necessário que pelo menos três dessas categorias votassem a favor. Não se discute que, no caso, todas estas categorias de credores eram categorias desfavorecidas, na aceção do artigo 3.o, n.o 21, da Lei Romena da Insolvência, como resulta da nota n.o 42 da decisão recorrida.

204    Resulta ainda desse mesmo quadro que a AAAS e a CET Govora só detiveram, em conjunto, uma maioria absoluta do valor dos créditos em duas categorias, a saber, a dos «credores orçamentais» e a dos «credores [comuns] nos termos do artigo 96.o da Lei [Romena] da Insolvência», como aliás reconhece a Comissão no considerando 201 da decisão recorrida.

205    Por conseguinte, a AAAS e a CET Govora não detinham a maioria exigida para aprovar, por si só, o plano de reestruturação.

206    O facto referido no considerando 205 da decisão recorrida, de uma terceira categoria, a saber, a dos trabalhadores, ter «naturalmente» privilegiado o plano, dado que este não previa nenhuma diminuição dos créditos dos trabalhadores, é desprovido de pertinência, uma vez que a Comissão não sustentou em nenhum momento que o voto dos trabalhadores era imputável ao Estado.

207    Além disso, a Comissão não demonstrou que a AAAS e a CET Govora conjuntamente tivessem o poder de bloquear a adoção do plano de reestruturação. Pelo contrário, resulta das informações sobre a orientação do voto dos diferentes credores que figuram no considerando 74 da decisão recorrida e no quadro do n.o 75 das observações da Roménia de maio de 2018 que teria havido um número suficiente de credores a votar a favor do referido plano para que este fosse considerado aceite por três das cinco categorias de credores, incluindo pelo menos por uma «categoria desfavorecida», mesmo na hipótese de a AAAS e a CET Govora terem votado contra o plano de reestruturação.

208    Terceiro, a AAAS e a sucursal da ANE, cujo voto era imputável ao Estado, como a Comissão concluiu com razão, só detinham, em conjunto, a maioria absoluta dos créditos numa única categoria, a saber, a dos credores orçamentais. Por conseguinte, não podiam, por si só, fazer adotar o plano de reestruturação nem bloquear a sua aprovação pela assembleia de credores.

209    Quarto, mesmo admitindo que o voto da CET Govora a favor da aprovação do plano de reestruturação fosse imputável ao Estado e viesse a ser junto aos da AAAS e da sucursal da ANE, há que observar que só detinham, em conjunto, uma maioria absoluta do valor dos créditos em duas categorias, a saber, a dos «credores orçamentais» e a dos «credores [comuns]» nos termos do artigo 96.o da Lei [Romena] da Insolvência». Além disso, mesmo na hipótese de estas terem votado contra o plano de reestruturação, teria havido um número suficiente de credores que votavam a favor do referido plano para que este fosse considerado aceite por três das cinco categorias de credores, incluindo por pelo menos uma categoria desfavorecida. Por conseguinte, não podiam, por si só, fazer adotar o plano de reestruturação nem bloquear a sua aprovação pela assembleia de credores.

210    Segundo, não se pode deixar de rejeitar a afirmação, que figura no considerando 202 da decisão recorrida, de que, em substância, a medida 3 é imputável ao Estado porque o plano de reestruturação tinha sido «elaborado» pelo administrador judicial, que fazia parte do Estado. Com efeito, resulta do considerando 41 da decisão recorrida que o administrador judicial «prepara» o plano de reestruturação, o qual deve, em seguida, ser examinado e aprovado pelos credores. O administrador judicial não tem, portanto, o poder de adotar o plano de reestruturação.

211    Em terceiro lugar, é certo que, como sublinha a Comissão, o tribunal competente, que é uma emanação do Estado, deve igualmente homologar o plano, em conformidade com o direito nacional aplicável. Contudo, esse tribunal não pode homologar um plano que não tenha sido aprovado pelos credores. Na realidade, a tese da Comissão, a ser seguida, equivaleria a considerar qualquer plano de reestruturação aprovado no âmbito de um processo de insolvência imputável ao Estado pelo simples envolvimento de um administrador judicial e de um juiz no processo.

212    A esse respeito, a Comissão não pode basear a sua argumento nos Acórdãos de 26 de outubro de 2016, DEI e Comissão/Alouminion tis Ellados (C‑590/14 P, EU:C:2016:797, n.os 59, 77 e 81), e de 3 de março de 2016, Simet/Comissão (T‑15/14, EU:T:2016:124, n.os 38, 44 e 45). Com efeito, não se pode deixar de observar que as medidas de auxílio em causa nesses processos em nada eram comparáveis à medida 3 em causa no presente processo. O processo que deu origem ao primeiro acórdão acima referido dizia respeito a um auxílio de Estado concedido a produtores de alumínio e alterado por um despacho de medidas provisórias do tribunal nacional competente, que prolongava a aplicação de uma tarifa preferencial de fornecimento de eletricidade. O processo que deu origem ao segundo acórdão acima referido dizia respeito a um auxílio de Estado concedido pelas autoridades italianas em execução de um despacho de um tribunal nacional. Nesses processos, a origem das medidas de auxílio em causa, cuja natureza e objeto nada têm de comparável com os de um plano de reestruturação adotado no âmbito de um processo de insolvência, era estatal, ao passo que a decisão de anular uma parte das dívidas da recorrente foi tomada, no presente processo, como referiu a própria Comissão, pelos credores desta e não pelo administrador judicial ou pelo tribunal competente.

213    Quarto, a afirmação, que figura nomeadamente nos considerandos 203 a 205 e 209 da decisão recorrida, de que, em substância, a existência do Memorando e das declarações públicas demonstra que a medida 3 era, no seu conjunto, imputável ao Estado, deve ser rejeitada pelas razões acima expostas nos n.os 128 e 136.

214    Em especial, o facto, referido no considerando 205 da decisão recorrida, de os signatários do Memorando e CET Govora deterem conjuntamente a maioria necessária em quatro das categorias de credores é desprovido de pertinência. Com efeito, por um lado, a Comissão nunca alegou, e menos ainda demonstrou, que o voto dos bancos privados signatários do Memorando era imputável ao Estado. Por outro lado, no que respeita aos votos da Electrica e da Salrom, basta remeter para os n.os 156 e 167 a 179, supra, ao passo que, no que respeita à CET Govora, esta nem sequer assinou esse Memorando. Por conseguinte, a Comissão não podia concluir, no considerando 206 da decisão recorrida, que o Memorando tinha permitido reunir a maioria exigida na assembleia de credores.

215    Resulta do exposto que a Comissão não conseguiu fazer prova bastante de que a medida 3 era imputável ao Estado e que era, portanto, constitutiva de um auxílio de Estado.

b)      Quanto aos fundamentos relativos às medidas 1 e 2 relativos a erros manifestos de apreciação no que respeita à existência de uma vantagem económica

216    Em primeiro lugar, no considerando 219 da decisão recorrida, a Comissão referiu que o caráter seletivo do auxílio não colocava dificuldades, uma vez que as medidas 1 e 2 eram exclusivamente concedidas à recorrente, ao passo que outras empresas, do setor da petroquímica ou de outros setores que se encontravam numa situação jurídica e factual semelhante, à luz do objetivo prosseguido pelas referidas medidas, não tinham beneficiado delas.

217    Em segundo lugar, nos considerandos 221 e 222 da decisão recorrida, a Comissão considerou que o critério do credor privado não era aplicável no caso presente.

218    Em terceiro lugar, no considerando 223 da decisão recorrida, a Comissão explicou que, «por uma questão de exaustividade», tinha ainda assim verificado se as medidas em causa respeitavam o critério do credor privado. Assim, nas secções 6.1.2.1 (considerandos 224 a 243) e 6.1.2.2 (considerandos 244 a 263) da decisão recorrida, aplicou esse critério, respetivamente, às medidas 1 e 2, e concluiu que estas concediam à recorrente uma vantagem económica seletiva, com exceção do apoio dado às atividades da recorrente pela Salrom no âmbito da medida 2, uma vez que esta empresa se comportou, segundo a Comissão, como um credor privado e, portanto, não concedeu nenhuma vantagem económica à recorrente.

219    A recorrente contesta as conclusões da Comissão de que, primeiro, o critério do credor privado não era aplicável no caso presente e, segundo, foi‑lhe concedida uma vantagem económica no âmbito das medidas 1 e 2, na medida acima indicada no n.o 218.

220    Há que precisar, desde logo, que deixou de ser necessário analisar o fundamento da recorrente relativo a erros manifestos de apreciação no que respeita à existência de uma vantagem económica no âmbito da medida 3. Com efeito, como acima referido nos n.os 156 e 215, a Comissão não fez prova bastante de que essa medida implicava uma transferência de recursos estatais e era imputável ao Estado, o que basta para concluir que a medida 3 não constitui um auxílio de Estado, tendo em conta a natureza cumulativa dos pressupostos previstos no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, conforme resulta da jurisprudência acima referida no n.o 138.

1)      Quanto à aplicabilidade do critério do credor privado

221    Nos considerandos 221 e 222 da decisão recorrida, a Comissão considerou que, contrariamente ao que tinha defendido a Roménia no procedimento administrativo, o critério do operador numa economia de mercado não era aplicável no caso presente, uma vez que, em substância, a Roménia agiu permanente e claramente na sua capacidade de autoridade pública para salvar a recorrente da insolvência, incluindo através de declarações públicas e através do Memorando, e não enquanto acionista que investiu na mesma ou enquanto credor desta.

222    O considerando 222 da decisão recorrida remete, a esse respeito, para os considerandos «204 e seguintes», 274 e 276 dessa decisão. Ora, refira‑se desde já que essas remissões não parecem trazer nenhum elemento suplementar face aos fundamentos enunciados nos considerandos 221 e 222 da decisão recorrida. Com efeito, os considerandos «204 e seguintes» da decisão recorrida fazem referência, nomeadamente, às declarações públicas, já mencionadas no considerando 222 da decisão recorrida, ao passo que os considerandos 274 e 276 dessa decisão dizem respeito à aplicação, e não à aplicabilidade, do critério do credor privado no quadro específico da medida 3.

223    Quanto à aplicabilidade desse critério, a recorrente alega, em substância, que as medidas em causa não implicam o exercício pelo Estado de prerrogativas de poder público, como demonstra o facto de poderem igualmente ter sido, e terem sido efetivamente, tomadas por credores privados. Além disso, a sua natureza, o seu objeto, o contexto em que se inserem, os objetivos que prosseguiam e as regras a que estavam sujeitas indicam igualmente que o referido critério é aplicável no caso presente. Segundo a recorrente, nem o Memorando nem as declarações públicas são suscetíveis de excluir a aplicabilidade do referido critério.

224    A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Alega, em substância, que o critério do credor privado não é aplicável no caso presente porque, quando a Roménia adotou as medidas em causa, agiu na sua capacidade de autoridade ou de poder público, e não enquanto credor privado, como demonstram o Memorando e as declarações públicas.

225    Há que lembrar que o teste do credor privado e o teste do investidor privado são expressões específicas do critério do operador numa economia de mercado que são utilizadas para examinar se o comportamento, respetivamente, de um credor público ou de um investidor público podem dar origem a um auxílio de Estado.

226    Segundo a jurisprudência, há que distinguir os papéis do Estado acionista de uma empresa, por um lado, e do Estado atuando como poder público, por outro. Assim, o critério do investidor privado aplica‑se quando o Estado‑Membro em causa concede, na sua qualidade de acionista, e não na sua qualidade de poder público, uma vantagem económica a uma empresa. Para apreciar se uma medida é obra do Estado na sua qualidade de acionista, e não na de poder público, há que efetuar uma apreciação global que tenha em conta, em especial, a natureza e o objeto da medida, o contexto em que se insere, o objetivo prosseguido e as regras a que a referida medida está sujeita (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.os 80, 81 e 86).

227    Se, no procedimento administrativo, um Estado‑Membro invocar o critério do investidor privado, cabe‑lhe, em caso de dúvida, demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos, verificáveis e contemporâneos que a medida levada a cabo decorre da sua qualidade de acionista. Se o Estado‑Membro em causa apresentar à Comissão elementos da natureza exigida, cabe a esta última efetuar uma apreciação global, tendo em conta, além dos elementos fornecidos pelo Estado‑Membro, qualquer outro elemento pertinente. Contudo, o Tribunal de Justiça precisou que o critério do investidor privado não constituía uma exceção que só se aplicava a pedido de um Estado‑Membro, mas sim que, quando aplicável, figurava entre os elementos que a Comissão devia ter em conta para demonstrar a existência de um auxílio de Estado. Consequentemente, quando se verifique que o critério do investidor privado pode ser aplicável, cabe à Comissão pedir ao Estado‑Membro em causa todas as informações pertinentes que lhe permitam verificar se estão preenchidos os pressupostos de aplicabilidade e de aplicação desse critério e só pode recusar‑se a examinar essas informações se os elementos de prova apresentados tiverem sido elaborados depois da adoção da decisão de efetuar o investimento em questão (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.os 82 a 86, 103 e 104).

228    O Tribunal de Justiça teve igualmente a ocasião de precisar que, quando um credor público concedia facilidades de pagamento de uma dívida de uma empresa, o critério do credor privado, em princípio, era aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 71).

229    Além disso, o Tribunal de Justiça salientou que a natureza económica da ação do Estado‑Membro devia ser o «ponto de partida» da análise da aplicabilidade do critério do credor privado e que, quando se verificasse que o critério do credor privado poderia ser aplicável, cabia à Comissão analisar essa hipótese independentemente de qualquer pedido nesse sentido (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.os 25 e 27).

230    Em alguns casos, pode mesmo presumir‑se a aplicabilidade do critério do investidor privado, devido à própria natureza da medida em causa (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2018, BTB Holding Investments e Duferco Participations Holding/Comissão, T‑100/17, não publicado, EU:T:2018:900, n.o 53).

231    No caso presente, refira‑se que, nos considerandos 221 e 222 da decisão recorrida, a Comissão baseou a sua conclusão quanto à inaplicabilidade do critério do credor privado, em substância, na existência do Memorando e das declarações públicas. Ora, na medida em que a Comissão não qualificou o referido Memorando e as referidas declarações de auxílio de Estado, estes devem ser vistos unicamente como elementos do contexto em que se inserem as medidas em causa.

232    Ao fazê‑lo, a Comissão não procedeu à apreciação global de todos os fatores pertinentes, em particular, dos relativos à natureza e ao objeto da medida, ao objetivo prosseguido e às regras a que a referida medida estava sujeita, como exige a jurisprudência acima lembrada nos n.os 226 e 227.

233    É certo que não está excluída a possibilidade de a decisão recorrida ser lida no sentido de indicar, implícita mas necessariamente, que, segundo a Comissão, os elementos do contexto tinham uma tal importância no caso presente que bastavam, por si sós, para concluir pela inaplicabilidade do critério do credor privado, independentemente dos outros fatores desenvolvidos pela jurisprudência.

234    A recorrente alega, porém, que esses outros fatores demonstravam que o critério do credor privado era aplicável no caso presente.

235    Importa, portanto, examinar se, tendo em conta todos os fatores pertinentes, relativos à natureza e ao objeto das medidas 1 e 2, ao contexto em que se inscrevem, ao objetivo prosseguido e às regras a que estão sujeitas, a Comissão podia concluir, sem cometer nenhum erro, pela inaplicabilidade do critério do credor privado às medidas 1 e 2.

236    Em primeiro lugar, no que respeita ao objeto e à natureza das medidas 1 e 2, decorre do n.o 99, supra, que a medida 1 diz respeito, em substância, à oportunidade, ao calendário e às modalidades de uma eventual execução dos créditos da AAAS. Qualquer credor privado poderia igualmente ser confrontado com tal escolha.

237    Do mesmo modo, a medida 2 diz respeito às modalidades segundo as quais há que prosseguir ou interromper fornecimentos de matérias‑primas a uma empresa em dificuldade. Qualquer fornecedor privado poderia igualmente ser confrontado com tal escolha.

238    A natureza das medidas 1 e 2 é, portanto, essencialmente económica e não implica, enquanto tal, o exercício de prerrogativas de poder público.

239    Em segundo lugar, quanto ao contexto em que essas medidas se inserem, primeiro, há que observar que, como refere a recorrente, o período pertinente das medidas 1 e 2 tinha início em setembro de 2012, ao passo que o Memorando foi assinado em 23 de novembro de 2012. Assim, as medidas 1 e 2 foram aplicadas cerca de dois meses antes da assinatura do Memorando, pelo que este não podia ser a razão da sua adoção.

240    Segundo, como alega a recorrente e como acima referido no n.o 124, nenhuma cláusula do Memorando impunha à AAAS que não executasse os seus créditos contra a recorrente. Quanto à CET Govora, a única entidade que concedeu um auxílio no âmbito da medida 2, nem sequer é signatária do Memorando.

241    Terceiro, como acima referido no n.o 127, o facto de ter assinado o Memorando não impediu que alguns dos signatários se comportassem como credores privados.

242    Quanto às declarações públicas, basta remeter para os n.os 130 a 136, supra, dos quais resulta que estas não continham quaisquer compromissos claros, precisos, concretos e definitivos do Estado que impusessem à AAAS e à CET Govora a adoção de um comportamento caracterizado pelo exercício de prerrogativas de poder público (v., neste sentido, Acórdão de 2 de julho de 2015, França e Orange/Comissão, T‑425/04 RENV e T‑444/04 RENV, EU:T:2015:450, n.os 235 a 245).

243    Em terceiro lugar, quanto aos objetivos das medidas 1 e 2, remete‑se para os n.os 111 e 112, supra, dos quais resulta que nenhum objetivo claro pode ser atribuído à medida 1, ao passo que a medida 2 prossegue o objetivo de manter a viabilidade da CET Govora.

244    Em quarto lugar, quanto às regras a que estavam sujeitas as medidas 1 e 2, também estas não implicam o exercício de prerrogativas de poder público.

245    Com efeito, as regras aplicáveis à medida 1 são, em substância, as relativas aos processos de execução de créditos. Embora seja verdade que existem leis especiais que enquadram a cobrança das dívidas do Estado, as quais preveem designadamente a possibilidade de execução direta dos créditos sem decisão de um tribunal, não é menos verdade que a AAAS, cujo comportamento passivo é objeto da medida 1, não utilizou essa possibilidade no caso presente (v. adiante n.os 266 a 275).

246    Quanto à medida 2, refere‑se, no essencial, às relações contratuais entre a CET Govora, a Salrom e a recorrente durante o período compreendido entre setembro de 2012 e janeiro de 2013.

247    Por conseguinte, resulta da natureza, do objeto, do contexto, do objetivo e das normas jurídicas a que estavam sujeitas as medidas 1 e 2 que estas fazem parte da esfera económica e comercial e não estão relacionadas com o exercício de prerrogativas de poder público pelo Estado.

248    Por conseguinte, a Comissão considerou erradamente que o critério do credor privado não era aplicável às medidas 1 e 2.

2)      Quanto à existência de uma vantagem económica no que respeita à medida 1

249    Na secção 6.1.2.1 da decisão recorrida (considerandos 224 a 243), a Comissão considerou que a AAAS tinha conferido uma vantagem económica à recorrente em razão da não execução e da acumulação de créditos durante o período compreendido entre setembro de 2012 e janeiro de 2013, pelo facto, em substância, de a AAAS não ter agido como teria feito um credor privado. Entende que, com efeito, mesmo apesar de ter conhecimento da situação financeira difícil e deteriorada da recorrente, a AAAS não adotou medidas para tentar executar os seus créditos ou, pelo menos, para obter uma melhor posição enquanto credor.

250    Em particular, na decisão recorrida, a Comissão baseou‑se em vários elementos para demonstrar que a AAAS tinha concedido uma vantagem económica à recorrente no âmbito da medida 1, a saber:

–        Ao contrário das circunstâncias que rodearam a adoção da Decisão de 2012, a não execução e a acumulação dos créditos pela AAAS durante o período em causa não se podiam justificar por um projeto de privatização iminente;

–        o período em causa foi suficientemente longo para que a AAAS pudesse tomar medidas de execução;

–        a AAAS podia ter invocado os direitos especiais que detinha enquanto administração pública para executar os seus créditos;

–        a legea n.o 137 privind unele măsuri pentru accelerarea privatizării (Lei n.o 137 Relativa às Medidas Destinadas a Acelerar a Privatização, a seguir «Lei Romena sobre a Privatização»), de 28 de março de 2002 (Monitorul Oficial al României, Partea I, n.o 215, de 28 de março de 2002), não impediu a AAAS de cobrar os seus créditos;

–        a AAAS não apresentou nenhum relatório ou documento interno contemporâneo que demonstrasse que tinha agido como um credor privado;

–        ao contrário da AAAS, outros credores da recorrente tomaram medidas para cobrar ou proteger os seus créditos;

–        o Memorando prova que a AAAS aceitou a não cobrança e a acumulação das dívidas;

–        a AAAS podia ter invocado as disposições da Lei Romena da Insolvência que lhe permitiam propor um plano de reestruturação alternativo;

–        a AAAS podia ter ameaçado a recorrente com a abertura de um processo de insolvência;

–        a AAAS podia ter penhorado as contas da recorrente ou obtido garantias imobiliárias.

251    A recorrente impugna cada um destes elementos. Sustenta, em substância, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao declarar que a medida 1 não era conforme com o critério do credor privado. Com efeito, a Comissão não demonstrou que manifestamente não obteve as mesmas vantagens de um credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS.

252    A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Alega que, na decisão recorrida, fez prova bastante de que a AAAS tinha conferido uma vantagem económica à recorrente em razão da não execução e da acumulação dos seus créditos sobre esta.

253    Segundo a jurisprudência, o critério do credor privado dirige‑se a examinar se a empresa beneficiária não teria manifestamente obtido facilidades comparáveis de um credor privado que se encontrasse numa situação tão próxima quanto possível da do credor público que tentasse obter o pagamento das quantias que lhe são devidas por um devedor em dificuldades financeiras e, portanto, se essa empresa poderia ter obtido a mesma vantagem que lhe foi disponibilizada por meio de recursos estatais em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 28, e jurisprudência aí referida).

254    Há que lembrar ainda que, segundo a jurisprudência, confrontado com um devedor que sofre uma grande deterioração da sua situação financeira, cada credor deve fazer uma escolha quanto às possibilidades e às modalidades de uma eventual recuperação dos seus créditos. A sua escolha é influenciada por uma série de fatores, tais como a sua qualidade de credor hipotecário, privilegiado ou comum, a natureza e amplitude das garantias que eventualmente detém, a sua apreciação sobre as hipóteses de recuperação da empresa e o ganho que teria no caso de liquidação. Daí resulta que cabe à Comissão determinar, quanto a cada organismo público em causa e tendo em conta os fatores acima referidos, se as facilidades que este concedeu eram manifestamente superiores às que teria concedido um hipotético credor privado que se encontrasse, relativamente à empresa beneficiária, numa situação comparável à do organismo público em causa e que tentasse recuperar as quantias que lhe eram devidas (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2011, Buczek Automotive/Comissão, T‑1/08, EU:T:2011:216, n.o 84 e jurisprudência aí referida).

255    Há que examinar, portanto, se a Comissão fez prova bastante de que, ao não executar os seus créditos e ao acumular outros durante o período em causa, a AAAS tinha concedido à recorrente facilidades que manifestamente esta não teria obtido de um credor privado que se encontrasse numa situação o mais semelhante possível à da AAAS, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 253.

256    Em primeiro lugar, a recorrente alega que, durante o período, muito curto, desta medida, a AAAS não executou os seus créditos, uma vez que estava ainda a procurar a melhor solução possível para os cobrar, como demonstra o Memorando. Além disso, durante o período em causa, a AAAS podia ainda apoiar‑se nas conclusões e na análise económica da Comissão que figuravam na Decisão de 2012 e que confirmavam que a conversão da dívida e a privatização eram mais rentáveis do que uma liquidação. Por outro lado, como acima referido no n.o 99, a recorrente sublinha, sem impugnação da Comissão nesse ponto, que a acumulação de créditos pela AAAS durante esse período não consistiu em novos créditos contraídos durante esta, mas unicamente na acumulação de juros vencidos sobre créditos já existentes.

257    Refira‑se, a esse respeito, que, na Decisão de 2012, adotada apenas cerca de seis meses antes do início do período abrangido pela medida 1, a Comissão tinha concluído, nomeadamente, que a conversão das dívidas da recorrente em capital não constituía um auxílio de Estado e que uma privatização seria mais vantajosa do que uma liquidação, precisando‑se que as autoridades romenas se tinham comprometido a privatizar integralmente a recorrente a curto prazo (considerandos 17, 52, 73, 86, 153, 160 e artigo 2.o da Decisão de 2012).

258    Ora, resulta da decisão recorrida que a tentativa de privatização da recorrente fracassou em 22 de setembro de 2012, devido ao facto de alguns acionistas minoritários terem bloqueado a conversão prevista da dívida em ações.

259    Assim, o período pertinente da medida 1 começou a correr, segundo o considerando 224 da decisão recorrida, na sequência do fracasso dessa tentativa. Assim, segundo a decisão recorrida, a AAAS devia ter procedido à execução dos seus créditos sobre a recorrente imediatamente após o referido insucesso ou, no máximo, no período de quatro meses na sequência deste, ou tomar outras medidas destinadas a obter uma melhor posição enquanto credor nesse mesmo período de tempo.

260    Ora, por um lado, como alega a recorrente, a Comissão não demonstrou que um credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS tivesse necessariamente considerado, nesse momento, que não seria possível nenhuma outra tentativa de privatização, uma vez que o fracasso desta não era devido à falta de potenciais investidores nem à rentabilidade do investimento previsto nem à situação financeira da recorrente.

261    Embora seja certo que a Comissão referiu que outras tentativas antes desta também tinham fracassado e que não havia mais nenhum projeto de privatização iminente nesse momento, não demonstrou, no entanto, que um credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS teria necessariamente esperado que a privatização da recorrente ficasse excluída a partir de então, tendo em conta não apenas as razões específicas deste último fracasso mas também o facto de, apenas seis meses antes, a própria Comissão ter considerado que isso era uma possibilidade a curto prazo.

262    Por outro lado, há que observar, como faz a recorrente, que o período pertinente da medida 1 era relativamente curto, a saber, de 22 de setembro de 2012 a 31 de janeiro de 2013, ou seja, cerca de quatro meses. Ora, na medida em que, na Decisão de 2012, a Comissão tinha concluído que o cenário da privatização era mais vantajoso do que o cenário da liquidação, teria sido legítimo que um credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS refletisse sobre as opções de que dispunha durante um certo tempo em vez de proceder imediatamente à execução dos seus créditos, que poderia ter levado à liquidação da recorrente, um cenário que, segundo essa decisão, teria sido desvantajoso.

263    Embora não haja regras quanto à prontidão com que um credor deve agir para executar os seus créditos, não se pode esperar que os hipotéticos credores privados exijam a insolvência da empresa ao primeiro incumprimento, sem ter nada em conta o potencial desta a mais longo prazo, embora não se possa admitir que os poderes públicos tolerem passivamente uma acumulação de dívidas durante longos períodos sem se desenhar a mínima perspetiva de uma melhoria (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral J. Mischo no processo Espanha/Comissão, C‑480/98, EU:C:2000:305, n.os 36 e 37).

264    O critério do credor privado não exige, portanto, que se peça a insolvência imediata de uma empresa em dificuldade, na medida em que poderá ser perfeitamente concebível que um credor privado, dotado de meios consideráveis, tenha interesse em manter um certo tempo a atividade de uma empresa devedora, se os custos de uma liquidação imediata se revelarem superiores aos custos da concessão de um auxílio (Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Espanha/Comissão, C‑276/02, EU:C:2004:211, n.o 39).

265    Por outro lado, o facto, referido no considerando 234 da decisão recorrida, de a recorrente ter suspendido a sua produção e não ter nenhuma perspetiva de receitas de exploração num futuro próximo, o que, segundo a Comissão, deveria ter levado a AAAS a mover um processo de execução, carece parcialmente de base factual. Com efeito, resulta dos considerandos 29 e 244 da decisão recorrida que, em 24 de outubro de 2012, ou seja, no início do período abrangido pela medida 1, a recorrente retomou a sua produção e pôde, portanto, obter receitas.

266    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a AAAS estava legalmente impedida de reclamar os seus créditos, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 5, alínea c), da Lei Romena sobre a Privatização, enquanto ela própria estivesse sob administração especial. Ora, era esse o caso desde o despacho do ministro da Economia de 2 de julho de 2012.

267    A este respeito, é pacífico que, como resulta do considerando 228 da decisão recorrida, as leis especiais que enquadram a cobrança das dívidas do Estado, em especial o artigo 50.o, n.os 1 e 2, do ordonanță n.o 51 de urgenmática ă privind valorificarea unor ative ale Statului (Despacho n.o 51 de urgência sobre a recuperação de determinados bens do Estado), de 15 de dezembro de 1998 (Monitorul Oficial al României, Partea I, n.o 482, de 15 de dezembro de 1998), conferem à AAAS direitos especiais que incluem, nomeadamente, a execução direta dos seus créditos, com o seu próprio corpo de oficiais de diligências, sem decisão de um tribunal.

268    Contudo, o artigo 16.o, n.o 5, alínea c), da Lei Romena sobre a Privatização impedia os credores fiscais de procederem à execução dos seus créditos sobre a recorrente. Com efeito, esta disposição, conforme aplicável à data dos factos, previa o seguinte:

«A partir da data de abertura do processo especial de administração durante o período de privatização, são aplicáveis à sociedade as seguintes medidas excecionais: […] os credores fiscais devem suspender, até à transferência de propriedade das ações, a aplicação das medidas de execução tomadas contra a sociedade e não podem tomar qualquer medida para introduzir medidas desse tipo. As mesmas disposições são aplicáveis à instituição pública em causa se for um credor.»

269    Ora, é pacífico que, durante o período abrangido pela medida 1, a recorrente estava sujeita ao regime do processo especial de administração. Também não é impugnado que a AAAS era um credor fiscal na aceção do artigo 16.o, n.o 5, alínea c), da Lei Romena sobre a Privatização.

270    Por conseguinte, como refere a recorrente, esta disposição do direito nacional aplicava‑se à AAAS.

271    Contudo, por um lado, a Comissão alega, no considerando 229 da decisão recorrida que o Ministério da Economia tinha, «por razões que se desconhecem», mantido a recorrente sob o regime do processo especial de administração mesmo após o fracasso da privatização em setembro de 2012.

272    Todavia, esta crítica é inoperante, uma vez que a Comissão não qualificou de auxílio de Estado a decisão do ministro da Economia de manter a recorrente sob o regime do processo especial de administração, mas unicamente o comportamento da AAAS.

273    Por outro lado, no considerando 229 da decisão recorrida, a Comissão afirmou que a AAAS poderia ter tentado impugnar «a decisão do Ministério de prolongar sem explicação [o] estatuto especial [da recorrente]».

274    Contudo, a Comissão não demonstrou que um hipotético credor privado em situação comparável à da AAAS teria decidido mover esse processo judicial, nomeadamente tendo em conta a sua duração expectável face ao muito curto período abrangido pela medida 1. Ora, a duração de um processo judicial é um elemento suscetível de influenciar, de forma não negligenciável, o processo decisório de um credor privado normalmente prudente e diligente (v., neste sentido, Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 81).

275    No Tribunal Geral, a Comissão afirma que a Roménia podia ter alterado a Lei Romena sobre a Privatização. Todavia, tal consideração não consta da decisão recorrida. Ora, a Comissão não pode completar a fundamentação da decisão recorrida na pendência da instância (v., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2007, Duales System Deutschland/Comissão, T‑289/01, EU:T:2007:155, n.o 132).

276    Terceiro, na decisão recorrida, a Comissão declarou que, contrariamente à AAAS, alguns credores públicos e privados, nomeadamente a Electrica, a Salrom, a Polcheme S. A. e a Bulrom Gas, tinham movido processos de execução durante esse período.

277    A recorrente sustenta que a grande maioria dos credores privados agiu da mesma forma que a AAAS.

278    A este respeito, importa observar, antes de mais, que, na decisão recorrida, a Comissão não apresentou nenhum elemento suscetível de demonstrar, nem explícita nem implicitamente, que a AAAS e três dos quatro credores acima mencionados no n.o 276, a saber, a Salrom, a Polcheme e a Bulrom Gas, se encontravam, durante o período pertinente, em situação comparável. Pelo contrário, resulta do considerando 231 da decisão recorrida que a Polcheme e a Bulrom Gas figuravam entre os credores privilegiados, ao passo que a quase totalidade dos créditos detidos pela AAAS não estava garantida.

279    Quanto à Electrica, é certo que a Comissão referiu, no considerando 231 da decisão recorrida, tinha «o mesmo rácio de recuperação» que a AAAS, segundo um estudo do banco Raiffeisen de 2011. Todavia, a Electrica era, em 2012, ou seja, antes da sua privatização, um credor público. Ora, para efeitos da aplicação do critério do credor privado, só é pertinente o comportamento dos credores privados que se encontrem numa situação o mais semelhante possível à da AAAS (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice,C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 28 e jurisprudência aí referida).

280    Além disso, a Comissão não pôs em causa o argumento da recorrente de que a maior parte dos seus credores privados não tinha procedido, como a AAAS, à execução dos seus créditos ou adotado outras medidas cautelares durante o período em causa. Embora a Comissão acuse a recorrente de não ter demonstrado que esses outros credores privados se encontravam numa situação comparável à da AAAS, esta mesma crítica pode ser oposta à própria Comissão, na medida em que não demonstrou que os quatro credores que mencionou na decisão recorrida se encontravam numa situação comparável à da AAAS. Ora, segundo a jurisprudência, cabe à Comissão demonstrar que o comportamento de um credor público não era compatível com o critério do credor privado e que, por conseguinte, concedeu uma vantagem (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 29).

281    Há que observar ainda, por uma questão de exaustividade, que a aplicação do critério do credor privado se pode basear no comportamento de um hipotético credor privado que se encontre numa situação comparável à do credor público em causa (v. jurisprudência acima referida no n.o 254). A aplicação desse critério não exige, portanto, necessariamente, que seja identificado um credor privado real que se encontre em tal situação comparável. Contudo, na decisão recorrida, a Comissão também não demonstrou que um hipotético credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS tivesse procedido à execução dos seus créditos ou adotado outras medidas cautelares durante o período em causa, cuja duração era relativamente curta.

282    A esse respeito, e sem que isso seja impugnado de forma sustentada pela Comissão, era verosímil que, tendo em conta o montante dos créditos da AAAS, a sua execução tivesse dado origem à abertura de um processo de insolvência.

283    Ora, é importante ter em conta o facto de que quase nenhuns créditos da AAAS estavam garantidos. A este respeito, a Comissão não demonstrou que um credor privado com uma exposição semelhante à da AAAS teria tido um interesse económico em provocar a abertura de um processo de insolvência, uma vez que, ao contrário dos credores privilegiados, corria o risco de perder uma parte maior dos seus créditos no âmbito desse processo. Assim, para esse credor, uma eventual privatização ou outra solução poderiam, nessa época, apresentar‑se como simultaneamente possíveis e mais interessantes pelas razões já acima expostas no n.o 262. No mínimo, seria legítimo que esse credor avaliasse as opções que se lhe apresentassem durante um certo tempo em vez de se precipitar numa diligência como a defendida pela Comissão.

284    O fundamento, que figura no considerando 242 da decisão recorrida, segundo o qual a AAAS poderia ter provocado a abertura de um processo de insolvência para seguidamente propor um plano de reestruturação alternativo não tem suporte suficiente nem é convincente. Com efeito, mesmo que a AAAS pudesse propor um plano de reestruturação alternativo no âmbito de um processo de insolvência, a Comissão não demonstrou que poderia, por si só, conseguir a sua aprovação nem que esse plano alternativo teria conduzido a uma melhor cobrança dos créditos não garantidos da AAAS.

285    Do mesmo modo, a Comissão não demonstrou que um credor privado hipotético que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS teria procedido, durante o período em causa, à penhora das contas da recorrente ou teria podido obter garantias para os seus créditos, tais como uma garantia imobiliária. Com efeito, a Comissão limitou‑se a mencionar essa possibilidade sem com isso efetuar um exame concreto e fundamentado para esse efeito. Assim, a título de exemplo, a Comissão não examinou a disponibilidade de liquidez ou de bens imóveis de valor suficiente no património da recorrente que um hipotético credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS pudesse ter acionado ou sobre os quais pudesse ter obtido uma garantia. Também não examinou os procedimentos a seguir e os requisitos exigidos para esse efeito e se, tendo em conta estes, esse hipotético credor privado teria agido da forma que ela defendia, durante o período relativamente curto de 22 de setembro de 2012 a 31 de janeiro de 2013. De qualquer modo, de acordo com a jurisprudência acima lembrada no n.o 254, cabe à Comissão demonstrar que era manifesto que esse hipotético credor privado teria agido da forma que ela defende durante o período abrangido pela medida 1. Quanto aos exemplos concretos dados pela Comissão na decisão recorrida, não dizem respeito a credores com uma exposição comparável à da AAAS.

286    Por outro lado, a recorrente alega, sem impugnação da Comissão neste ponto, que, em todo o caso, o artigo 16.o, n.o 5, alínea c), da Lei Romena sobre a Privatização impedia a AAAS de lhe impor tais medidas.

287    Quarto, na decisão recorrida, a Comissão criticou as autoridades romenas por não terem apresentado nenhum relatório ou documento interno contemporâneo que demonstrasse que a AAAS tinha agido, durante o período em causa, como um credor privado.

288    A recorrente sustenta, em substância, que era legítimo que a AAAS não procedesse à preparação imediata desses documentos, tendo em conta que assinou o Memorando precisamente com o objetivo de manter todas as opções em aberto e de avaliar a sua viabilidade.

289    A esse respeito, refira‑se, antes de mais, que a AAAS dispunha, durante o período pertinente, da análise económica da Comissão que figura na Decisão de 2012, que constituía uma avaliação contemporânea e acessível a qualquer credor, relativa, nomeadamente, às vantagens e desvantagens do cenário da liquidação face ao da privatização. Pelas razões já acima expostas nos n.os 256 a 265, e como alega a recorrente, era legítimo que um credor considerasse que essa avaliação continuava a ser pertinente durante o período em causa.

290    Seguidamente, os credores, incluindo a AAAS, dispunham igualmente do estudo do banco Raiffeisen de outubro de 2011, qualificado pela Comissão de «o último estudo disponível na altura» (considerando 230 da decisão recorrida). Esse estudo, apresentado pelas autoridades romenas à Comissão no procedimento administrativo que levou à adoção da Decisão de 2012, comparava o produto de uma liquidação da recorrente com o de uma privatização. Resulta da decisão recorrida que, segundo esse estudo, em caso de liquidação, a AAAS teria recuperado cerca de 23 000 000 euros, ao passo que, em caso de conversão da dívida e de privatização, teria recuperado entre 22 900 000 euros e 79 500 000 euros. Embora seja verdade que esse estudo é anterior, em um ano, à adoção da medida 1, a Comissão não alega que os dados que figuram no mesmo já não eram atuais durante o período pertinente dessa medida. Além disso, uma vez que este estudo foi apresentado à Comissão pela Roménia e contém dados específicos sobre a cobrança dos créditos da AAAS, é verosímil que esta última tenha tido acesso ou estivesse em condições de ter acesso ao referido estudo, sem que tal tenha sido impugnado pela Comissão.

291    Por último, a cláusula 1.1.b) do Memorando previa a elaboração de um estudo de viabilidade. Esse estudo foi encomendado em 23 de novembro de 2012, ou seja, no próprio dia da assinatura do Memorando e foi elaborado pela Alvarez & Marsal. Daí resulta que os credores signatários do Memorando, entre os quais a AAAS, agiram prontamente, ao encomendarem esse estudo cerca de dois meses após o insucesso da última tentativa de privatização da recorrente.

292    Nestas circunstâncias, é legítimo que um credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS aguardasse os resultados do referido estudo sobre a viabilidade do devedor, para decidir, com pleno conhecimento de causa, as diligências a empreender com base nesse estudo, em vez de proceder imediatamente à execução dos seus créditos, precisando‑se, de resto, que a acumulação de créditos pela AAAS contra a recorrente durante o período em causa não consistiu em novos créditos contraídos durante esse período, mas unicamente na acumulação de juros vencidos sobre créditos pré‑existentes.

293    A Comissão alega que a Roménia não demonstrou que esse estudo tinha sido realizado para a AAAS ou por sua conta, nem mesmo que tinha sido utilizado pela AAAS.

294    Todavia, nenhuma norma jurídica exige que um credor privado efetue o seu próprio estudo económico. Com efeito, esses estudos podem ser encomendados coletivamente pelos credores e postos à sua disposição, como no caso presente. De qualquer modo, a Comissão nem sequer alegou que um credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS teria, por exemplo, em razão de certas características que lhe fossem específicas, necessariamente efetuado um estudo distinto.

295    Quinto, no que respeita à afirmação, na decisão recorrida, de que o Memorando prova que a AAAS aceitou a não cobrança e a acumulação das dívidas, basta remeter para o n.o 124, supra, do qual resulta que o Memorando não continha esse compromisso.

296    Sexto, quanto às considerações da Comissão que figuram nos considerandos 231 e 241 da decisão recorrida segundo as quais a AAS podia «ameaçar» a recorrente com a abertura com um processo de insolvência, basta observar que parece duvidoso que essa ameaça tivesse sido considerada credível pelas razões acima expostas no n.o 283.

297    Por conseguinte, há que concluir que, na decisão recorrida, a Comissão não fez prova bastante de que, ao não executar os seus créditos e ao acumular outros durante o período em causa, a AAAS tinha concedido à recorrente facilidades que esta manifestamente não teria obtido de um credor privado que se encontrasse numa situação o mais semelhante possível à da AAAS, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 253. Com efeito, a Comissão não demonstrou que um hipotético credor privado que se encontrasse numa situação comparável à da AAAS tivesse procedido à execução imediata dos seus créditos ou tivesse tomado outras medidas para os cobrar ou para os proteger durante o período relativamente curto de 22 de setembro de 2012 a 31 de janeiro de 2013, nem que essa execução ou essas medidas lhe teriam permitido cobrar ou proteger uma parte dos seus créditos.

298    Resulta do exposto que a Comissão não conseguiu fazer prova bastante de que a medida 1 conferia uma vantagem à recorrente e que, portanto, era constitutiva de um auxílio de Estado.

3)      Quanto à existência de uma vantagem económica no que respeita à medida 2

299    Na secção 6.1.2.2 da decisão recorrida (considerandos 244 a 263), a Comissão referiu que existia uma interdependência tecnológica entre a CET Govora e a Salrom, por um lado, e a recorrente, por outro, no sentido de que cada uma delas era simultaneamente fornecedor e cliente da outra. Com efeito, enquanto a CET Govora fornecia eletricidade e vapor à recorrente e a Salrom lhe fornecia soluções salinas e giz, a recorrente fornecia à CET Govora e à Salrom água industrial necessária às atividades destas últimas. Assim, estas empresas eram clientes cativos umas das outras, pelo que o desaparecimento de uma delas teria conduzido ao desaparecimento das outras.

300    Todavia, a Comissão considerou que o comportamento da CET Govora não estava em conformidade com o de um credor privado e conferiu uma vantagem à recorrente, nomeadamente porque a CET Govora teria decidido prosseguir os seus fornecimentos de eletricidade e de vapor à recorrente «a título gratuito», sem pedir pagamentos antecipados em troca da retoma dos referidos fornecimentos, nem uma garantia imobiliária relativa às dívidas anteriores da recorrente para com ela. Além disso, segundo a Comissão, a prossecução dos fornecimentos foi decidida pelo Conselho do distrito de Vâlcea com base em considerações políticas que um credor privado não teria seguido.

301    Em contrapartida, segundo a Comissão, a Salrom agiu como teria feito um credor privado e não conferiu, portanto, uma vantagem à recorrente, pois condicionou a continuação dos seus fornecimentos a pagamentos antecipados e à constituição de uma garantia imobiliária.

302    A recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o comportamento da CET Govora no âmbito da medida 2 não era conforme com o critério do credor privado.

303    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

304    No caso, refira‑se, primeiro, que, na decisão recorrida, a Comissão baseou a sua tese de que a CET Govora não agiu como teria feito um credor privado, em substância, numa comparação entre o comportamento desta e o da Salrom. Para esse efeito, a Comissão referiu que estas duas empresas continuaram as suas entregas à recorrente entre setembro de 2012 e janeiro de 2013, apesar do não pagamento das dívidas desta. Ora, enquanto a Salrom exigiu à recorrente pagamentos antecipados bem como uma garantia imobiliária, a CET Govora não impôs condições semelhantes.

305    A recorrente considera, em substância, que não basta comparar a atuação da CET Govora com a da Salrom para concluir que a CET Govora não agiu como teria feito um credor privado.

306    No caso, antes de mais, há que observar que a natureza e o objeto dos comportamentos respetivos da CET Govora e da Salrom, a saber, a continuação dos fornecimentos de matérias‑primas à recorrente, eram comparáveis e que esses fornecimentos ocorreram em paralelo, durante o mesmo período, que se inscreviam, portanto, num contexto semelhante.

307    Em seguida, importa igualmente observar que existia uma interdependência tecnológica entre a CET Govora e a Salrom, por um lado, e a recorrente, por outro, como a própria Comissão observou na decisão recorrida.

308    Por último, os dados contidos nos quadros 7 e 8 da decisão recorrida, que não são impugnados, revelam que a evolução das dívidas da recorrente para com a CET Govora e a Salrom eram globalmente comparáveis durante o período abrangido pela medida 2. Com efeito, resulta daí que os créditos destas últimas quase duplicaram durante esse período, seguindo trajetórias semelhantes.

309    Nestas condições, a Comissão podia, na decisão recorrida, sem cometer qualquer erro, considerar, implícita mas necessariamente, que a CET Govora e a Salrom se encontravam numa situação comparável no âmbito da medida 2.

310    É verdade, como acima se expõe no n.o 279, que, para efeitos da aplicação do critério do credor privado, é necessário comparar o comportamento de um credor público com o de um credor privado, real ou hipotético, ao passo que, no caso presente, a Comissão comparou o comportamento de duas empresas públicas.

311    Contudo, há que salientar que, devido à sua situação de interdependência tecnológica com a recorrente, tanto a CET Govora como a Salrom se encontravam numa situação muito especial, ou mesmo única, em relação a esta. Era esta situação muito especial e comum à CET Govora e à Salrom que justificava, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, a comparação de uma com a outra.

312    Além disso, a Comissão concluiu que a Salrom tinha agido como um credor privado no âmbito da medida 2. Assim, sendo uma empresa pública que, apesar disso, tinha agido como credor privado, a comparação com esta, enquanto referência para ilustrar o comportamento de um hipotético credor privado em situação comparável à da CET Govora, é justificada.

313    Segundo, há que observar que a CET Govora e a Salrom agiram de forma muito diferente no âmbito da medida 2, como acertadamente refere a Comissão na decisão recorrida.

314    Com efeito, enquanto a Salrom pediu e obteve pagamentos antecipados para as suas entregas e garantiu, tanto quanto possível, os seus créditos através de uma garantia imobiliária, a CET Govora não tomou medidas comparáveis.

315    A recorrente considera, porém, que a CET Govora tomou, ainda assim, certas medidas para garantir os seus créditos sobre ela.

316    Antes de mais, a recorrente alega que a CET Govora recebeu pagamentos da sua parte no montante de 8 milhões de RON entre setembro de 2012 e janeiro de 2013. Contudo, como resulta do considerando 254 da decisão recorrida, durante esse período, a CET Govora efetuou entregas à recorrente no montante de cerca de 50 milhões de RON, pelo que os pagamentos recebidos constituem apenas uma parte mínima delas.

317    Seguidamente, a recorrente menciona a existência de um «compromisso» da sua parte a fim de pagar a eletricidade fornecida pela CET Govora por adiantamentos até fevereiro de 2013. Contudo, quanto ao montante desses pagamentos por conta e à questão de saber se os pagou efetivamente, não fornece mais informações que permitam apreender o alcance e a pertinência desse compromisso.

318    Por último, a recorrente alega que a CET Govora acrescentou penalidades aos créditos que detinha em relação a ela, constituídos entre fevereiro de 2008 e dezembro de 2012. Ora, tal medida não tem por objeto garantir os créditos da CET Govora.

319    Terceiro, resulta do considerando 260 da decisão recorrida que a continuação, pela CET Govora, dos fornecimentos à recorrente, sem negociar nem proteger os seus créditos, foi decidida pelo conselho do distrito de Vâlcea. A afirmação da recorrente de que essa autoridade tomou essa decisão com base nas propostas da CET Govora e em considerações puramente económicas não é apoiada por nenhum elemento de prova. Por outro lado, é desmentida pelos fundamentos de ordem pública invocados pelas autoridades municipais para justificar a adoção dessa decisão, referidos na nota n.o 110 da decisão recorrida e não impugnados pela recorrente.

320    Quarto, a recorrente alega que, se a CET Govora não tivesse continuado a abastecer‑se, teria sofrido prejuízos e teria entrado, por sua vez, em insolvência.

321    A este respeito, basta observar que a Comissão não criticou a CET Govora pelo facto de ter continuado os seus fornecimentos à recorrente enquanto tal, mas pelo facto de os ter processado sem qualquer medida para proteger os seus créditos. O argumento da recorrente sobre este ponto é, portanto, inoperante.

322    Quinto, a recorrente alega que «numerosos fornecedores privados» continuaram, à semelhança da CET Govora, a abastecerem‑na apesar da existência de créditos não pagos. Todavia, este argumento não tem suporte, uma vez que a recorrente nem sequer identificou esses outros «numerosos fornecedores privados».

323    Sexto, a recorrente acusa a Comissão de se ter baseado nas declarações da PCC, um dos seus acionistas minoritários, ou nas declarações do administrador judicial da CET Govora, nomeadamente, nos considerandos 258, 259, 261 e 262 da decisão recorrida. Segundo a recorrente, essas declarações não são pertinentes e estão em contradição com as observações da Roménia durante o procedimento administrativo. Além disso, a PCC apenas goza de uma «credibilidade limitada».

324    Estes argumentos são, no entanto, inoperantes. Com efeito, essas declarações só revestem uma pertinência secundária na sistemática dessa parte da decisão recorrida, uma vez que as conclusões da Comissão assentam principalmente na comparação do comportamento da CET Govora com o da Salrom e no facto de ter sido o conselho do distrito de Vâlcea que impôs à CET Govora que prosseguisse os seus fornecimentos.

325    Sétimo, a recorrente sublinha que a CET Govora tem a obrigação legal de não interromper o serviço de fornecimento de aquecimento e de energia térmica ao público.

326    Todavia, este argumento não tem qualquer pertinência, uma vez que a recorrente é um cliente industrial da CET Govora, pelo que a referida obrigação não é aplicável nas relações contratuais entre elas.

327    Daí resulta que o fundamento relativo a um erro manifesto de apreciação no que respeita à existência de uma vantagem económica no âmbito da medida 2 deve ser julgado improcedente.

3.      Quanto ao fundamento relativo à falta ou insuficiência de fundamentação no que respeita à medida 2

328    A recorrente sustenta ainda que, na decisão recorrida, a Comissão violou o seu dever de fundamentação, em substância, porque, por um lado, não basta comparar as atuações da CET Govora com as da Salrom para concluir que a CET Govora não agiu como teria feito um credor privado e, por outro, a Comissão se baseou em declarações da PCC e do administrador judicial da CET Govora sem explicar por que razão estas eram mais credíveis do que as autoridades romenas.

329    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

330    De acordo com o artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, a Comissão tem o dever de fundamentar as suas decisões. Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 253.o CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao Tribunal exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, EU:C:2001:178, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

331    No caso, primeiro, conforme acima referido nos n.os 306 a 309, a leitura global da secção 6.1.2.2 da decisão recorrida revela claramente os elementos pertinentes que justificaram a comparação entre a CET Govora e a Salrom no âmbito da medida 2. A fundamentação da decisão recorrida a esse respeito é coerente e suficiente.

332    Segundo, quanto à fundamentação da decisão recorrida no que respeita à credibilidade das declarações da PCC e do administrador judicial da CET Govora, esse argumento não é, de qualquer forma, suscetível de levar à anulação da decisão recorrida quanto a este ponto pelas razões já acima expostas no n.o 324.

333    Daí resulta que o fundamento relativo à falta ou insuficiência de fundamentação no que respeita à medida 2 deve ser julgado improcedente.

4.      Conclusões

334    Em face do exposto, há que concluir que a Comissão não fez prova bastante de que as medidas 1 e 3 eram constitutivas de um auxílio de Estado, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos suscitados pela recorrente no que respeita a essas medidas.

335    Em contrapartida, improcedem todos os fundamentos da recorrente relativos à medida 2.

336    Por conseguinte, há que anular o artigo 1.o, alíneas a) e c), da decisão recorrida, e os artigos 3.o a 5.o dessa decisão, na parte em que se referem às medidas previstas no artigo 1.o, alíneas a) e c), da decisão recorrida.

337    Há que anular também o artigo 6.o da decisão recorrida, na medida em que a obrigação da Roménia de comunicar à Comissão determinadas informações, prevista nesse artigo, diz respeito às medidas 1 e 3.

338    A recorrente pede igualmente a anulação do artigo 7.o da decisão recorrida. Todavia, o seu artigo 7.o, n.o 1, limita‑se a indicar que a Roménia é a destinatária dessa decisão, em conformidade com o artigo 31.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589. Ora, não tendo a recorrente invocado nenhum fundamento ou argumento a esse respeito, há que julgar improcedente o pedido de anulação do artigo 7.o, n.o 1, da decisão recorrida.

339    Quanto ao artigo 7.o, n.o 2, da decisão recorrida, esta disposição prevê a publicação dos montantes dos auxílios e dos juros recuperados em aplicação da decisão recorrida. Por conseguinte, o artigo 7.o, n.o 2, desta decisão deve igualmente ser anulado, na parte em que se refere às medidas mencionadas no artigo 1.o, alíneas a) e c), da referida decisão.

IV.    Quanto às despesas

340    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se revelar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal Geral pode decidir que, para além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

341    Tendo o Tribunal Geral julgado improcedentes as causas de não conhecimento de mérito arguidas pela Comissão e dado que o recurso foi julgado procedente no que respeita a duas das três medidas objeto da decisão recorrida, será feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo que a recorrente suportará um quarto das suas próprias despesas, sendo o restante das suas despesas suportado pela Comissão, suportando esta última igualmente as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      É anulado o artigo 1.o, alíneas a) e c), da Decisão (UE) 2019/1144 da Comissão, de 17 de dezembro de 2018, sobre os auxílios estatais SA.36086 (2016/C) (ex 2016/NN) executados pela Roménia a favor da Oltchim SA.

2)      São anulados os artigos 3.o a 6.o e o artigo 7.o, n.o 2, da Decisão 2019/1144 na parte em que dizem respeito às medidas mencionadas no artigo 1.o, alíneas a) e c), dessa decisão.

3)      Negase provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      A Oltchim suportará um quarto das suas próprias despesas.

5)      A Comissão Europeia suportará, além das suas próprias despesas, três quartos das despesas da Oltchim.

Kornezov

Buttigieg

Kowalik‑Bańczyk

Hesse

 

      Petrlík

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de dezembro de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.