Language of document : ECLI:EU:C:2020:650

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 3 de setembro de 2020 (1)

Processo C637/19

BY

contra

CX

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Svea hovrätt, Patent‑ och marknadsöverdomstolen (Tribunal de Recurso com sede em Estocolmo, enquanto Tribunal de Recurso da propriedade intelectual e do comércio, Suécia)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/29/CE — Harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos — Artigo 3.o, n.o 1 — Direito de comunicação ao público — Artigo 4.o, n.o 1 — Direito de distribuição — Significado do termo “público” — Apresentação em juízo de uma cópia de uma obra protegida como prova — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito à ação e a um tribunal imparcial — Artigo 17.o, n.o 2 — Direito à propriedade intelectual»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de agosto de 2019, resulta de um litígio entre duas pessoas singulares, BY e CX,  no âmbito de  um processo cível (2) pendente no Svea hovrätt, Patent‑ och marknadsöverdomstolen (Tribunal de Recurso com sede em Estocolmo, enquanto Tribunal de Recurso da propriedade intelectual e do comércio, Suécia). Suscita questões de alguma importância no que se refere à interação entre a legislação da União em matéria de direito de autor e a liberdade de informação a nível nacional, bem como no que respeita ao direito à ação e a um tribunal imparcial (conforme garantido pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a seguir «Carta»).

2.        Em especial, suscita‑se a questão de saber se a apresentação em juízo de uma obra protegida por direito de autor (neste caso, uma fotografia) constitui uma «comunicação ao público» e/ou uma «distribuição ao público» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (3).

3.        Antes de prosseguir é, no entanto, necessário, estabelecer o quadro jurídico relevante.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito internacional

4.        A Organização Mundial da Propriedade Intelectual («OMPI») adotou em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor (a seguir «WCT»). Este tratado foi aprovado em nome da Comunidade Económica Europeia pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (4).

5.        O artigo 6.o do WCT, sob a epígrafe «Direito de distribuição», prevê:

«1.      Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar a colocação à disposição do público do original e de cópias das suas obras, por meio da venda ou por outra forma de transferência de propriedade

[…]»

B.      Direito da União

6.        Os considerandos 3, 9, 10, 15 e 31 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(3)      A harmonização proposta deve contribuir para a implementação das quatro liberdades do mercado interno e enquadra‑se no respeito dos princípios fundamentais do direito e, em particular, da propriedade — incluindo a propriedade intelectual — da liberdade de expressão e do interesse geral.

[…]

(9)      Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e o público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

(10)      Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os serviços “a pedido”. É necessária uma proteção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento.

[…]

(15)      A Conferência Diplomática realizada sob os auspícios da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em dezembro de 1996, conduziu à aprovação de dois novos tratados, o Tratado da OMPI sobre o Direito de Autor e o Tratado da OMPI sobre Prestações e Fonogramas, que tratam, respetivamente, da proteção dos autores e da proteção dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas. Estes tratados atualizam significativamente a proteção internacional do direito de autor e dos direitos conexos, incluindo no que diz respeito à denominada “agenda digital”, e melhoram os meios de combate contra a pirataria a nível mundial. A Comunidade e a maioria dos seus Estados‑Membros assinaram já os tratados e estão em curso os procedimentos para a sua ratificação pela Comunidade e pelos seus Estados‑Membros. A presente diretiva destina‑se também a dar execução a algumas destas novas obrigações internacionais

[…]

(31)      Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. As exceções ou limitações existentes aos direitos estabelecidos a nível dos Estados‑Membros devem ser reapreciadas à luz do novo ambiente eletrónico. As exceções ou limitações existentes aos direitos estabelecidos a nível dos Estados‑Membros devem ser reapreciadas à luz do novo ambiente eletrónico. As diferenças existentes em termos de exceções e limitações a certos atos sujeitos a restrição têm efeitos negativos diretos no funcionamento do mercado interno do direito de autor e dos direitos conexos. Tais diferenças podem vir a acentuar‑se tendo em conta o desenvolvimento da exploração das obras através das fronteiras e das atividades transfronteiras. No sentido de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, tais exceções e limitações devem ser definidas de uma forma mais harmonizada. O grau desta harmonização deve depender do seu impacto no bom funcionamento do mercado interno».

7.        O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

[…]»

8.        O artigo 4.o da Diretiva 2001/29, sob a epígrafe «Direito de distribuição», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio.

[…]»

9.        O artigo 5.o da Diretiva 2001/29, intitulado «Exceções e limitações», estabelece, no seu n.o 3:

«Os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações aos direitos previstos nos artigos 2.o e 3.o nos seguintes casos:

[…]

e)      Utilização para efeitos de segurança pública ou para assegurar o bom desenrolar ou o relato de processos administrativos, parlamentares ou judiciais;

[…]»

C.      Direito nacional

10.      O § 2 da lagen (1960:729) om upphovsrätt até litterära och konstnärliga verk (upphovsrättslagen) (Lei n.o 729 de 1960 Relativa ao Direito de Autor sobre Obras Literárias e Artísticas; a seguir «Lei sobre o Direito de Autor»), prevê:

«[(1)]      Sem prejuízo das limitações previstas na presente lei, o direito de autor compreende o direito exclusivo de dispor da obra através da sua reprodução e da sua colocação à disposição do público, seja na sua forma original ou modificada, traduzida, ou em adaptação a outro género literário ou artístico ou a outra tecnologia.

[(2)]      Qualquer reprodução direta ou indireta, temporária ou permanente de uma obra, por qualquer meio e sob qualquer forma, no todo ou em parte, será considerada reprodução.

[(3)]      A obra é colocada à disposição do público nos seguintes casos:

1.      Quando a obra é objeto de uma comunicação ao público. A comunicação ao público verifica‑se quando a obra é colocada à disposição do público, por fio ou sem fio, a partir de um local diferente daquele onde o público pode aceder a tal obra. Inclui qualquer comunicação efetuada por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

[…]

4.      Quando uma reprodução da obra é disponibilizada para venda, aluguer ou empréstimo ou distribuída ao público de outro modo.

Qualquer comunicação ou execução de uma obra destinada a um círculo fechado de grande dimensão, num contexto profissional, será considerada uma comunicação ao público ou uma execução pública, consoante o caso».

11.      O § 49a da mesma lei prevê:

«O autor de uma fotografia tem o direito exclusivo de a reproduzir e de a colocar à disposição do público. O direito aplica‑se independentemente de a mesma ser utilizada na sua forma original ou numa forma modificada e independentemente da técnica utilizada».

12.      Nos termos do § 1, do capítulo 2, da Tryckfrihetsförordningen (Lei sobre a Liberdade de Imprensa), a promoção da liberdade de expressão e de uma informação pluralista implica que qualquer pessoa tenha acesso aos documentos públicos. A Lei sobre a Liberdade de Imprensa é uma das quatro leis fundamentais da Suécia, que goza de um estatuto particular e especial, semelhante ao de uma constituição noutros Estados‑Membros.

13.      A Lei sobre a Liberdade de Imprensa prevê também, nomeadamente, que qualquer ato processual apresentado em juízo, por qualquer meio e sob qualquer forma, é um documento público. Por conseguinte, o § 1 do capítulo 2 da Lei sobre a Liberdade de Imprensa tem por efeito que qualquer pessoa possa obter acesso a um ato processual apresentado em juízo. Esta regra de princípio conhece contudo uma exceção relativa a informações confidenciais.

14.      O princípio é que o direito de acesso aos documentos diz igualmente respeito aos documentos abrangidos pelo direito de autor e pelos direitos conexos.

III. Factos do litígio no processo principal e pedido de decisão prejudicial

15.      BY e CX são duas pessoas singulares que dispõem, cada uma, de um sítio Internet. No decurso de um litígio anterior entre as partes perante os tribunais cíveis, CX apresentou como prova, no âmbito do processo judicial subjacente, uma cópia de uma página de texto, incluindo uma fotografia, extraída do sítio Internet de BY. A fotografia consta, por conseguinte, dos autos desse processo.

16.      BY alega que é titular do direito de autor sobre essa fotografia e pede que CX seja condenado a pagar‑lhe uma indemnização, a título principal, pela violação do direito de autor e, a título subsidiário, pela violação da proteção especial conferida às fotografias pelo § 49a da Lei sobre o Direito de Autor. CX contesta ter qualquer obrigação de indemnização e alega que a apresentação em juízo da fotografia no âmbito desse processo não constitui uma violação do direito de autor.

17.      Em primeira instância, o Patent‑ och marknadsdomstolen (Tribunal da propriedade intelectual e do comércio) considerou que a fotografia era protegida por um direito conexo com o direito de autor, a saber, a proteção especial conferida às fotografias. Aquele órgão jurisdicional observou, no entanto, que uma vez que essa fotografia tinha sido apresentada em juízo como ato processual, a sua comunicação podia ser pedida por qualquer pessoa, em conformidade com as disposições aplicáveis da Lei Constitucional Sueca sobre o Direito de Acesso aos Documentos. Embora o Patent‑ och marknadsdomstolen (Tribunal da propriedade intelectual e do comércio, Suécia) tenha concluído que CX distribuiu essa fotografia ao público na aceção da Lei sobre o Direito de Autor, considerou que não tinha sido demonstrado que BY tivesse sofrido um prejuízo julgando, por conseguinte, improcedente o seu pedido.

18.      BY interpôs recurso dessa sentença no órgão jurisdicional de reenvio.

19.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que deve pronunciar‑se, nomeadamente, sobre a questão de saber se a apresentação em juízo de uma cópia dessa fotografia como ato processual é suscetível de constituir uma disponibilização ilícita da obra para efeitos da legislação nacional aplicável em matéria de direito de autor, sob a forma de uma distribuição ou comunicação ao público.

20.      Não é contestado que a fotografia tenha sido transmitida por via eletrónica (através de correio eletrónico) ao órgão jurisdicional a que foi submetido o litígio entre as partes. O órgão jurisdicional de reenvio pretende igualmente saber se um órgão jurisdicional pode ser considerado abrangido pelo âmbito de aplicação do termo «público», para este efeito.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que existe um certo grau de incerteza quanto à interpretação dos conceitos de «comunicação ao público» e «distribuição ao público» do direito da União, quando uma obra protegida para efeitos do direito de autor é apresentada em juízo, no âmbito de um processo cível. Trata‑se, em primeiro lugar, de saber se se pode considerar que um órgão jurisdicional é abrangido pelo âmbito de aplicação do termo «público», na aceção da Diretiva 2001/29 e, em segundo lugar, se o termo «público» deve ter o mesmo significado no âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29.

22.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o Tribunal de Justiça considerou que o conceito de «público» visa um número indeterminado de destinatários potenciais e implica, por outro lado, um número de pessoas bastante importante. O Tribunal de Justiça salientou ainda que o objetivo é tornar uma obra percetível, de modo adequado, às «pessoas em geral», por oposição a pessoas específicas pertencentes a um grupo privado (5).

23.      Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «distribuição», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, tem o mesmo significado que a expressão «colocação à disposição do público […] por meio da venda», nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do WCT. No entanto, parece resultar do Acórdão de 13 de maio de 2015, Dimensione Direct Sales e Labianca (C‑516/13, EU:C:2015:315), que, para que haja «distribuição ao público», basta que a obra protegida tenha sido entregue a um elemento do público.

24.      É igualmente necessário determinar se, quando um documento processual é apresentado em juízo, seja sob a forma de um documento físico (papel) ou de um anexo a uma mensagem de correio eletrónico, essa apresentação constitui uma «comunicação ao público» ou uma «distribuição ao público», tendo em conta que produz os mesmos efeitos e prossegue o mesmo objetivo em ambos os casos.

25.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que nem o próprio órgão jurisdicional nem o seu pessoal podem ser considerados «público» na aceção geral do termo. Mas também não se pode considerar que pertencem a um grupo privado.

26.      Além disso, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, embora o número de pessoas que após a transmissão podem ter acesso à obra seja limitado ao pessoal do órgão jurisdicional, esse número pode necessariamente variar e deve ser, a priori, considerado elevado. Por último, o direito nacional prevê que qualquer pessoa tem o direito de consultar um documento que tenha sido recebido por um órgão jurisdicional.

27.      Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      O termo “público” constante dos artigos 3.o, n.o 1, e 4.o, n.o 1, da Diretiva [2001/29] tem um significado uniforme?

2.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, são os órgãos jurisdicionais abrangidos pelo âmbito de aplicação do termo “público”, na aceção das referidas disposições?

3.      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

(a)      se uma obra protegida for comunicada a um órgão jurisdicional, pode esse órgão jurisdicional ser abrangido pelo âmbito de aplicação do termo “público”

(b)      se uma obra protegida for distribuída a um órgão jurisdicional, pode esse órgão jurisdicional ser abrangido pelo âmbito de aplicação do termo “público”?

4.      O facto de a legislação nacional estabelecer um princípio geral de acesso a documentos públicos, segundo o qual qualquer pessoa que o requeira pode aceder a atos processuais apresentados [em] juízo, exceto quando contenham informação confidencial, afeta a apreciação da questão de saber se a apresentação [em] juízo de uma obra protegida equivale a uma “comunicação ao público” ou a uma “distribuição ao público”?».

IV.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

28.      Foram apresentadas observações escritas pela Comissão Europeia.

29.      O Tribunal de Justiça dirigiu uma série de perguntas escritas ao Governo sueco. O Governo sueco respondeu a essas perguntas em 6 de maio de 2020.

V.      Análise

A.      Primeira questão

30.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o termo «público», constante do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, tem um significado uniforme (6).

31.      No âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas, após extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (7).

32.      A meu ver, a primeira questão não carece de resposta por parte do Tribunal de Justiça e as outras questões devem, por conseguinte, ser reformuladas. Neste sentido, resulta claro dos n.os 3 e 6 do pedido de decisão prejudicial que a fotografia protegida (8), objeto do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio, foi enviada por correio eletrónico como prova aos tribunais cíveis no âmbito do litígio que lhes foi submetido.

33.      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, os autores beneficiam do direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido. Além disso, o artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva prevê que os autores dispõem do direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias. O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29 prevê ainda que este direito se esgota em caso de primeira venda ou de qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade na União do original da obra ou respetiva cópia pelo titular do direito ou com o seu consentimento (9).

34.      Decorre claramente, em especial, dos n.os 39 a 45 e 51 e 52 do Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111) que, para que ocorra uma «distribuição ao público» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, a obra tem de ser posta em circulação por intermédio de cópias materiais, suportes materiais ou objetos materiais (10). Este requisito específico do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não é observado quando a obra é transmitida por correio eletrónico sob forma imaterial (11).

35.      A transmissão de uma obra por correio eletrónico constitui antes um ato de comunicação ou de colocação à disposição da obra, por fio ou sem fio, por forma a torná‑la acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhida, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Ora, a questão fundamental que se coloca no presente processo é a de saber se tal transmissão constitui um ato de comunicação ou de colocação à disposição do «público» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 (12).

36.      Considero, como tal, desnecessário que o Tribunal de Justiça interprete o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 no presente processo.

37.      De qualquer modo, independentemente da questão de saber se o artigo 3.o, n.o 1, ou mesmo o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, são aplicáveis aos factos no processo principal, conforme refere o Acórdão de 13 de maio de 2015, Dimensione Direct Sales e Labianca (C‑516/13, EU:C:2015:315, n.o 34), a Diretiva 2001/29 deve ser interpretada de modo a garantir ao titular do direito de autor uma proteção eficaz e rigorosa.

38.      Este requisito estrito é igualmente exigido pelo artigo 17.o, n.o 2, da Carta, nos termos do qual a propriedade intelectual «é protegida» (13).

39.      É à luz destes requisitos que proponho abordar as restantes questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, após as necessárias reformulações.

B.      Segunda, terceira e quarta questões prejudiciais

40.      A segunda, terceira e quarta questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio visam essencialmente esclarecer, não obstante a sua sobreposição, se e em que medida é que a apresentação em juízo, por correio eletrónico, de obras protegidas por direito de autor como elementos de prova no âmbito de um processo judicial pode constituir uma «comunicação ao público», para efeitos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Em primeiro lugar, abordarei estas questões gerais, para depois concluir respondendo às questões específicas apresentadas.

41.      O cerne da proteção conferida pelo artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 reside na ideia de que o titular do direito de autor deve gozar de proteção contra a comunicação ou a colocação à disposição do público das suas obras (14). Por conseguinte, sem prejuízo das exceções e limitações previstas no artigo 5.o da Diretiva 2001/29, todos os atos de comunicação de uma obra ao público por um terceiro exigem o consentimento prévio do seu autor.

42.      Embora a comunicação da obra protegida a terceiros no exercício das suas funções administrativas ou judiciais possa perfeitamente ultrapassar «um certo limiar de minimis», dado o número de pessoas potencialmente envolvidas (15), tal não constitui, em princípio, a meu ver, uma «comunicação ao público» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, precisamente porque essas pessoas, apesar de não fazerem parte de um grupo privado (16) em si, estão, no entanto, limitadas pela natureza das suas funções. Em especial, não teriam o direito de dispor da obra protegida por direito de autor como se estivesse desprovida dessa proteção.

43.      Por exemplo, a comunicação dessa obra a funcionários judiciais ou titulares de cargos judiciais por uma parte no âmbito de um processo judicial, para além de não ter qualquer significado económico em si (17), não permitiria que os destinatários dessa obra dispusessem livremente da mesma. No fundo, neste caso, a obra seria comunicada a essas pessoas na sua qualidade de funcionários administrativos ou, consoante o caso, de funcionários judiciais, e qualquer reprodução, comunicação ou distribuição posterior por tais pessoas estaria sujeita a certas restrições de natureza jurídica e ética, expressas ou implícitas, decorrentes, nomeadamente, da legislação em matéria de direito de autor, em conformidade com as regras estabelecidas no direito nacional.

44.      Apesar do número potencialmente elevado de funcionários judiciais envolvidos, a comunicação não seria, portanto, dirigida a um número indeterminado de destinatários potenciais, conforme exigido pelo Tribunal de Justiça no n.o 37 do seu Acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764). A comunicação visa, pelo contrário, um grupo claramente definido e limitado ou fechado de pessoas que exercem as suas funções no interesse público e que estão, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, vinculadas por normas de natureza jurídica e ética, nomeadamente, em matéria de utilização e divulgação de informações e provas obtidas no âmbito de processos judiciais.

45.      A meu ver, a comunicação de uma obra protegida por direito de autor a um órgão jurisdicional como prova no âmbito de um processo judicial não prejudica, em princípio, os direitos exclusivos do titular do direito de autor sobre essa obra, por exemplo, privando‑o da possibilidade de exigir uma remuneração adequada pela utilização da sua obra. A possibilidade de apresentar em juízo obras protegidas por direito de autor como elementos de prova no âmbito de processos cíveis serve antes para garantir o direito à ação e a um tribunal imparcial, conforme garantido pelo artigo 47.o da Carta. Os direitos de defesa das partes ficariam seriamente comprometidos se estas fossem privadas da possibilidade de apresentarem provas em juízo, caso outra parte do mesmo processo, ou mesmo um terceiro, invocasse a proteção de tais provas ao abrigo do direito de autor (18).

46.      A este respeito, importa sublinhar que os direitos de propriedade intelectual consagrados no artigo 17.o, n.o 2, da Carta não são direitos absolutos, devendo antes ser equilibrados e ponderados com outros direitos garantidos pela Carta (19).

47.      O facto de uma lei ou prática nacional permitir às partes, no âmbito de um processo judicial, utilizarem ou remeterem para obras protegidas por direito de autor não prejudica o conteúdo deste direito, até porque tal proteção não cessa pelo simples facto de se remeter para essas obras no âmbito de tais processos.

48.      Com a sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o facto de a legislação sueca prever um princípio geral de acesso aos documentos públicos, segundo o qual qualquer pessoa que o solicite pode aceder a documentos públicos apresentados em juízo, exceto quando contenham informação confidencial, tem incidência nesta apreciação (20). A meu ver, como salientaram a Comissão (21) e o Governo sueco (22), a apresentação por uma parte de obras protegidas pelo direito de autor a um órgão jurisdicional nestas circunstâncias não constitui uma comunicação ao público efetuada pela parte, uma vez que é o próprio órgão jurisdicional (ou funcionários judiciais) que, em última instância, poderá eventualmente conceder acesso às obras, ao abrigo de disposições nacionais em matéria de liberdade de informação ou transparência (23).

49.      A esse respeito, não resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que os órgãos jurisdicionais ou os funcionários judiciais na Suécia tenham efetivamente concedido acesso à obra em causa ou que tal acesso tenha sido solicitado.

50.      O órgão jurisdicional de reenvio limitou‑se a referir, no seu pedido de decisão prejudicial, que a legislação nacional em matéria de liberdade de informação reconhece ao público em geral o direito de acesso a essas obras (24). Este é, no fundo, o objeto geral da legislação em matéria de liberdade de informação, tanto a nível nacional como da União (25). Com efeito, este conceito está no cerne da Lei Sueca sobre a Liberdade de Imprensa (26) — a qual serve de inspiração às legislações em matéria de liberdade de informação de vários Estados‑Membros, bem como a nível da União — na medida em que, por força do § 1 do capítulo 2 dessa lei, o público dispõe geralmente do direito de acesso aos documentos processuais (27). O Governo sueco observou igualmente que os direitos de autor são protegidos pela Constituição sueca, em conformidade com as disposições previstas na Lei Sueca sobre o Direito de Autor. No entanto, o § 26b, n.o 1, da Lei Sueca sobre o Direito de Autor prevê que, não obstante as disposições em matéria de direito de autor, os documentos públicos devem ser comunicados ao público em conformidade com as condições previstas no capítulo 2 da Lei sobre a Liberdade de Imprensa.

51.      No entanto, existem exceções a este princípio geral de transparência. Embora esta seja, em última instância, uma questão que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o Tribunal de Justiça foi informado pelo Governo sueco, em resposta a uma pergunta escrita colocada pelo Tribunal de Justiça, de que o § 23 do capítulo 31 da OSL (28) prevê uma exceção relativa às obras protegidas por direito de autor. O efeito desta exceção parece, portanto, ser — mais uma vez, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio — que a informação contida nas obras protegidas por direito de autor é considerada, em determinadas condições, confidencial, e não pode ser divulgada, a menos que exista uma disposição específica em sentido contrário (29).

52.      Além disso, e talvez mais importante ainda, o Governo sueco declarou que, embora o § 26b, n.o 1, da Lei sobre o Direito de Autor regule a divulgação de documentos públicos, não reconhece um direito de utilização de tais documentos. Segundo o Governo sueco, «qualquer pessoa à qual tenha sido fornecida uma cópia da obra nos termos desta disposição não pode dispor da mesma em violação da [Lei sobre o Direito de Autor]. Qualquer utilização posterior requer a autorização do autor ou deve ser basear‑se numa das exceções à proteção conferida pelo direito de autor previstas na [Lei sobre o Direito de Autor]».

53.      Afigura‑se, como tal, que a obra protegida por direito de autor não entra no domínio público por força das disposições em matéria de liberdade de informação da Lei sobre a Liberdade de Imprensa, pelo simples facto de ter sido comunicada, apresentada ou disponibilizada por qualquer outra forma como prova no âmbito de um processo judicial.

54.      Por outras palavras, a comunicação, ao abrigo de regras de transparência, de uma obra protegida por direito de autor não tem o efeito substantivo de fazer cessar a proteção conferida pelo direito de autor, fazendo com que a obra entre, consequentemente, no domínio público.

55.      Por conseguinte, resulta claro, sob reserva, naturalmente, de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a legislação sueca não prevê nem permite a cessação da proteção conferida pelo direito de autor pelo simples facto de uma das partes ter apresentado essa obra no âmbito de um processo cível e que um terceiro possa, subsequentemente, ter acesso a essa obra por força da Lei Sueca sobre a Liberdade de Imprensa.

56.      Em conclusão, poder‑se‑á observar que, se esta lei fosse de facto diferente e a proteção conferida pelo direito de autor pudesse efetivamente cessar pelo simples facto de o documento protegido por direito de autor ser apresentado no âmbito de um processo cível, então, a meu ver, o Reino da Suécia não teria transposto corretamente os requisitos da Diretiva 2001/29 e, além disso, não teria cumprido os requisitos do artigo 17.o, n.o 2, da Carta, no que respeita a uma proteção efetiva da propriedade intelectual. Tal situação comprometeria manifestamente a essência do nível de proteção do direito de autor, garantido aos titulares pela Diretiva 2001/29 (e, por outro lado, pelo artigo 17.o, n.o 2, da Carta), uma vez que estes ficariam desprovidos de uma proteção efetiva contra a perda do seu direito de autor.

57.      No entanto, uma vez que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, isto não é claramente o caso, é desnecessário abordar esta questão.

58.      Considero, por conseguinte, que a apresentação em juízo, por via eletrónica, de uma obra protegida por direito de autor como prova por um litigante ou uma parte num processo não constitui uma «comunicação ao público» ou uma «distribuição ao público» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. O simples facto dessa prova ser considerada um documento público e de o público poder, assim, em princípio, ter acesso à obra protegida pelo direito de autor em causa, por força das disposições nacionais em matéria de liberdade de informação ou de transparência, não implica que essa obra entre no domínio público ou que fique desprovida de proteção ao abrigo do direito de autor.

VI.    Conclusão

59.      À luz das considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Svea hovrätt, Patent‑ och marknadsöverdomstolen (Tribunal de Recurso com sede em Estocolmo, enquanto Tribunal de Recurso da propriedade intelectual e do comércio, Suécia) do seguinte modo:

«A apresentação em juízo, por via eletrónica, de uma obra protegida por direito de autor como prova por um litigante ou uma parte num processo, não constitui uma ”comunicação ao público” ou uma “distribuição ao público”, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação. O simples facto dessa prova ser considerada um documento público e de o público poder, assim, em princípio, ter acesso à obra protegida pelo direito de autor em causa, por força de disposições nacionais em matéria de liberdade de informação ou de transparência, não implica que a obra entre no domínio público ou que fique desprovida de proteção ao abrigo do direito de autor».


1      Língua original: inglês.


2      Note‑se que não resulta claro do pedido de decisão prejudicial qual é a natureza do processo cível em causa, nem tão pouco se a prova em questão é relevante no contexto desse processo.


3      JO 2001, L 167, p. 10.


4      Decisão do Conselho 2000/278/CE, de 16 de março de 2000, relativa à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, do Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre o direito de autor e do Tratado da OMPI sobre prestações e fonogramas (JO 2000, L 89, p. 6).


5      V. Acórdão de 31 de maio de 2016, Reha Training (C 117/15, EU:C:2016:379, n.os 41 e 42, e jurisprudência referida).


6      O termo «público» não está definido na Diretiva 2001/29.


7      V., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 31 e 32, e jurisprudência referida).


8      V., por analogia, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff (C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 14), no qual o Tribunal de Justiça recordou que uma fotografia é suscetível de ser protegida por direito de autor, desde que seja uma criação intelectual do autor que reflita a sua personalidade e se manifeste pelas suas escolhas livres e criativas durante a realização dessa fotografia.


9      Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 35 e 36).


10      Utilizo estes termos indistintamente apenas a título ilustrativo. No entanto, considero que uma «distribuição ao público» ocorre no mundo «real» e não no mundo «virtual» e que, nessa medida, pressupõe a circulação de um objeto físico ou tangível.


11      Além disso, nos n.os 22 e 26 do Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Syed (C‑572/17, EU:C:2018:1033), o Tribunal de Justiça declarou que a distribuição ao público se caracteriza por uma série de operações que vão, pelo menos, da celebração de um contrato de compra e venda à sua execução por meio da entrega a um elemento do público. Além disso, pode constituir uma violação do direito de distribuição, conforme definido no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, um ato prévio à realização de uma venda de uma obra ou de uma cópia de uma obra protegida por um direito de autor, praticado sem a autorização do titular deste direito e com o objetivo de realizar essa venda. Resulta claro dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que a transmissão da fotografia, como prova, no âmbito de um processo judicial, não constitui uma venda dessa obra ou a transferência da sua propriedade, nem tão pouco um ato preparatório da venda dessa obra.


12      Segundo jurisprudência constante, conceito de «comunicação ao público» previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 associa dois elementos cumulativos, a saber, um «ato de comunicação» de uma obra e a comunicação desta última a um «público». No que diz respeito ao primeiro destes elementos, a saber, a existência de um «ato de comunicação», como resulta do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, para que exista um tal ato basta, designadamente, que uma obra seja posta à disposição do público de modo que as pessoas que o compõem possam ter acesso a ela, sem que seja determinante que utilizem ou não essa possibilidade. No que diz respeito ao segundo dos elementos acima mencionados, a saber, que a obra protegida seja efetivamente comunicada a um «público», resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «público» visa um número indeterminado de destinatários potenciais e implica, por outro lado, um número considerável de pessoas. V. Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff (C‑161/17, EU:C:2018:634, n.os 19, 20 e 22, e jurisprudência referida). No n.o 68 do Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111), o Tribunal de Justiça recordou que o conceito de «público» contém um certo limiar de minimis, o que exclui deste conceito um conjunto de pessoas afetadas demasiado pequeno, e, por outro, que importa ter em conta os efeitos cumulativos que resultam da colocação à disposição de uma obra protegida, por transferência, aos potenciais destinatários. Há, portanto, que ter em conta, nomeadamente, o número de pessoas que podem ter acesso à mesma obra paralelamente, mas também o número de entre elas que podem ter sucessivamente acesso à mesma.


13      No n.o 18 do Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff (C‑161/17, EU:C:2018:634), o Tribunal de Justiça recordou que resulta dos considerandos 4, 9 e 10 da Diretiva 2001/29 que esta tem por principal objetivo instituir um elevado nível de proteção dos autores, que lhes permita receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, designadamente na sua comunicação ao público. Daqui resulta que o conceito de «comunicação ao público» deve ser entendido em sentido amplo, como refere expressamente o considerando 23 da diretiva.


14      A Comissão considera que o termo «público» se refere a pessoas singulares e que, por conseguinte, não abrange pessoas coletivas ou órgão jurisdicionais. Todavia, não concordo que o termo «público» seja limitado a pessoas singulares, na medida em que considero que pode abranger igualmente pessoas coletivas, tais como empresas.


15      Tal grupo pode não ser pequeno ou insignificante, mas pode abranger um número considerável de pessoas. V. Acórdão de 31 de maio de 2016, Reha Training (C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 43).


16      V. Acórdão de 31 de maio de 2016, Reha Training (C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 42 e jurisprudência referida).


17      V., por analogia, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29.


18      No n.o 71 do Acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis NV e o. (C‑199/11, EU:C:2012:684), o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da igualdade de armas, que é um corolário do próprio conceito de processo equitativo, implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo as provas, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário. Com efeito, considero que a prevenção de tal risco é a função da exceção ou limitação facultativa à proteção do direito de autor para efeitos de utilizações em processos administrativos e judiciais, prevista no artigo 5.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2001/29. No entanto, deve salientar‑se que o órgão jurisdicional de reenvio especificou, no n.o 6 do seu pedido de decisão prejudicial, que as questões por ele apresentadas não dizem respeito à aplicação do artigo 5.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2001/29.


19      V., por analogia, Acórdão de 29 de julho de 2019, Pelham e o. (C‑476/17, EU:C:2019:624, n.os 33 e 34). V., igualmente, Acórdão de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW (C‑469/17, EU:C:2019:623, n.o 72).


20      Embora não resulte claro dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, o cerne desta questão será porventura o risco de os processos judiciais serem instrumentalizados em virtude da apresentação oportunista, nesses processos, de obras protegidas por direito de autor, a fim de permitir que o público tenha acesso a essas obras ao abrigo da liberdade de informação ou de regras de transparência, prejudicando assim os direitos exclusivos dos autores.


21      V. n.o 20 das Observações da Comissão.


22      V. n.o 25 da resposta do Governo sueco, de 6 de maio de 2020, às perguntas escritas do Tribunal de Justiça.


23      V. artigo 9.o da Diretiva 2001/29, que prevê que esta última não prejudica as disposições relativas, nomeadamente, ao acesso aos documentos públicos. O Governo sueco assinalou que, de acordo com a legislação sueca, os documentos fornecidos por uma parte num processo a um órgão jurisdicional são documentos públicos e que, portanto, são, em princípio, acessíveis ao público. No n.o 26 do Acórdão de 1 de março de 2017, ITV Broadcasting e o. (C‑275/15, EU:C:2017:144), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 9.o da Diretiva 2001/29, lido à luz do considerando 60 dessa diretiva, visa manter as disposições aplicáveis a domínios distintos do harmonizado pela diretiva.


24      V. n.o 18 do pedido de decisão prejudicial.


25      V. artigo 15.o, n.o 3, TFUE.


26      O Governo sueco salientou que o acesso do público a alegações e provas transmitidas a um órgão jurisdicional é regulado pela offentlighets ‑ och sekretesslag (2009:400) (Lei n.o 400 de 2009 sobre a Transparência e a Confidencialidade dos Documentos Públicos, «OSL») e pelo capítulo 2 da Lei sobre a Liberdade de Imprensa.


27      O Governo sueco sublinhou que, embora todas as pessoas que solicitem o acesso a um documento público também tenham direito a uma cópia desse documento mediante o pagamento de uma taxa administrativa, a administração pública não é, em princípio, obrigada a comunicar esse documento por via eletrónica. V. n.o 37 da resposta do Governo sueco. Por conseguinte, tal parece garantir, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a obra protegida por direito de autor não é, em princípio, comunicada ao público pelos órgãos jurisdicionais.


28      Segundo esta disposição:


      «É confidencial a informação contida numa obra protegida por direito de autor e que não se possa presumir ser desprovida de qualquer interesse comercial, salvo se for manifesto que essa informação pode ser divulgada sem prejuízo para o titular do direito, e


      1)      existam motivos razoáveis para crer que a obra ainda não foi tornada pública na aceção da Lei sobre o Direito de Autor; e


      2)      existam motivos razoáveis para crer que a obra foi comunicada à administração sem o consentimento do titular do direito; e


      3)      a divulgação da informação constitua uma disponibilização na aceção do direito de autor.


      Para efeitos de aplicação do n.o 1, a obra comunicada ao abrigo do capítulo 2 da Lei sobre a Liberdade de Imprensa ou transmitida por um órgão da administração pública a um terceiro não é considerada como tendo sido tornada pública».


29      V. § 1 do capítulo 8 da OSL.