Language of document : ECLI:EU:C:2019:267

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

28 de março de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços — Diretiva 2004/18/CE — Artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b) — Situação pessoal do candidato ou do proponente — Possibilidade de os Estados‑Membros excluírem da participação no procedimento de contratação pública operadores que tenham pendente processos de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios — Regulamentação nacional que prevê a exclusão das pessoas contra as quais esteja “pendente” um processo de acordo de credores, salvo no caso em que o plano do acordo preveja a prossecução da atividade — Operador que apresentou um pedido de acordo de credores, reservando‑se o direito de apresentar um plano que preveja a prossecução da atividade»

No processo C‑101/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 11 de janeiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de fevereiro de 2018, no processo

Idi Srl

contra

Agenzia Regionale Campana Difesa Suolo (Arcadis),

com a intervenção de:

Regione Campania,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de Secção, E. Juhász (relator) e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Idi Srl, por L. Lentini, avvocato,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por V. Fedeli e C. Colelli, avvocati dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, P. Ondrůšek e L. Haasbeek, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Idi Srl à Agenzia Regionale Campana Difesa Suolo (Arcadis) (Agência Regional de Campânia para a Proteção dos Solos, Itália), a propósito da exclusão do agrupamento temporário de empresas (a seguir «ATE»), de que a Idi era mandatária, da participação num processo de adjudicação de um contrato público de serviços.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 45.o da Diretiva 2004/18, sob a epígrafe «Situação pessoal do candidato ou do proponente», dispõe, no seu n.o 2:

«Pode ser excluído do procedimento de contratação [qualquer operador económico que]:

a)      Se encontre em situação de falência, de liquidação, ou de cessação de atividade, ou se encontre sujeito a qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios ou em qualquer situação análoga resultante de um processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

b)      Tenha pendente processo de declaração de falência, de liquidação, de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios ou qualquer outro processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

[…]

Em conformidade com a sua legislação nacional e na observância do direito comunitário, os Estados‑Membros especificarão as condições de aplicação do presente número.»

4        A Diretiva 2004/18 foi revogada e substituída, com efeitos a partir de 18 de abril de 2016, pela Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), que, no entanto, não é aplicável ao litígio no processo principal.

5        O artigo 57.o da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Motivos de exclusão», prevê, no seu n.o 4:

«As autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das seguintes situações:

[…]

b)      Se o operador económico tiver sido declarado em estado de insolvência ou em processo de insolvência, se os seus bens estiverem sob administração judicial ou por um liquidatário, se tiver celebrado um acordo com os credores, se as suas atividades estiverem suspensas ou se encontrarem em qualquer situação análoga resultante de um processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

[…]»

 Direito italiano

6        O artigo 38.o, n.o 1, do decreto legislativo n. 163 — Codice dei contratti pubblici relativi a lavori, servizi e forniture in attuazione delle direttive 2004/17/CE e 2004/18/CE (Decreto Legislativo n.o 163, que aprova o Código dos Contratos de Empreitada de Obras Públicas, dos Contratos Públicos de Fornecimento e de Serviços que transpõe as Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE), de 12 de abril de 2006 (suplemento ordinário do GURI, n.o 100, de 2 de maio de 2006), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Código dos Contratos Públicos»), dispõe:

«São excluídas da participação nos processos de adjudicação de concessões e de contratos de empreitada de obras públicas, de contratos públicos de fornecimentos e de serviços, nem podem ser subcontratadas ou celebrar os correspondentes contratos as pessoas:

a)      que se encontrem em situação de insolvência, de liquidação forçada, de acordo de credores, exceto no caso previsto no artigo 186.o bis do Decreto Régio n.o 267, de 16 de março de 1942, ou relativamente às quais esteja pendente um processo de declaração de uma destas situações.

[…]»

7        O artigo 161.o da legge fallimentare (Lei da insolvência), aprovada pelo regio decreto n. 267 (Decreto Régio n.o 267), de 16 de março de 1942 (GURI n.o 81, de 6 de abril de 1942, a seguir «lei da insolvência»), sob a epígrafe «Pedido de acordo de credores», dispõe:

«1.      O pedido de acordo de credores é apresentado, sob a forma de requerimento assinado pelo devedor, no tribunal da sede principal da empresa; a transferência da sede, durante o ano que precede a apresentação do requerimento não é relevante para a determinação da competência.

2.      O devedor deve juntar ao requerimento:

[…]

e)      um plano que contenha a descrição analítica das modalidades e dos prazos de execução da proposta; em qualquer caso, a proposta deve indicar o benefício especificamente individualizado e economicamente avaliável que o proponente se compromete a garantir a cada um dos credores.

[…]

6.      O empreiteiro pode apresentar o requerimento que contém o pedido de acordo de credores, juntando‑lhe apenas os balanços relativos aos três últimos exercícios e a lista nominativa dos credores com indicação dos respetivos créditos, reservando‑se o direito de apresentar a proposta, o plano e a documentação previstos nos n.os 2 e 3 do referido artigo, num prazo fixado pelo juiz, de sessenta a cento e vinte dias e prorrogável, quando existam motivos justificados, num prazo máximo de sessenta dias. […] Por decisão fundamentada que fixa o prazo previsto na primeira frase, o tribunal pode nomear o administrador judicial previsto no artigo 163.o, n.o 2, ponto 3. É aplicável o artigo 170.o, n.o 2. […]

7.      Após apresentação do requerimento […], o devedor pode adotar medidas urgentes de administração extraordinária, mediante autorização prévia do tribunal, o qual pode recolher informações sumárias e deve obter o parecer do administrador judicial, caso tenha sido nomeado. Simultaneamente, e no mesmo prazo, o devedor pode igualmente adotar medidas de administração ordinária. […]»

8        O artigo 168.o da lei da insolvência, sob a epígrafe «Efeitos da apresentação do requerimento», enuncia:

«1.      A partir da inscrição do requerimento no registo das sociedades e até à data em que a decisão de homologação do acordo de credores se torne definitiva, os credores cujo título ou causa são anteriores não podem, sob pena de nulidade, intentar ou prosseguir ações executórias e cautelares quanto ao património do devedor.

[…]

3.      Os credores não podem adquirir direitos de preferência relativamente a credores concorrentes, a não ser com autorização do juiz nos casos previstos no artigo anterior. As hipotecas judiciais registadas nos 90 dias anteriores à data da inscrição do requerimento no registo das empresas não produzem efeitos em relação aos credores anteriores ao acordo.»

9        O artigo 186.o bis da lei da insolvência, sob a epígrafe «Acordo com manutenção da empresa em funcionamento», dispõe:

«1.      Quando o plano de acordo a que se refere o artigo 161.o, n.o 2, alínea e), previr a prossecução da atividade empresarial pelo devedor ou a cessão da exploração a uma ou mais sociedades, mesmo recentemente constituídas, é aplicável o disposto no presente artigo. O plano pode prever igualmente a liquidação de bens não essenciais para o funcionamento da empresa.

[…]

4.      Após a apresentação do requerimento, a participação em processos de adjudicação de contratos públicos deve ser autorizada pelo tribunal, ouvido o administrador judicial, caso tenha sido nomeado; na falta de tal nomeação, o tribunal decidirá.

5.      A admissão do acordo de credores não impede a participação em processos de adjudicação de contratos públicos, quando a empresa apresentar no âmbito do concurso público:

a)      um relatório de um profissional que preencha os requisitos previstos no artigo 67.o, n.o 3, alínea d), que ateste que a participação está em conformidade com o plano e que um eventual contrato poderia razoavelmente ser executado;

b)      a declaração de outro operador que preencha os requisitos de caráter geral, de capacidade financeira, técnica, económica e de certificação, exigidos para a adjudicação do contrato, que se tenha comprometido com o proponente e com a entidade adjudicante a colocar à disposição, durante a vigência do contrato, os recursos necessários à sua execução e a suceder à empresa auxiliada em caso de insolvência da mesma durante o concurso público ou após a assinatura do contrato ou se esta, por qualquer razão, deixar de poder assegurar a regular execução do contrato. É aplicável o artigo 49.o do Decreto Legislativo n.o 163, de 12 de abril de 2006.

6.      Sem prejuízo do disposto no número anterior, a empresa em situação de acordo de credores pode até participar no âmbito de um agrupamento temporário de empresas, desde que não assuma a qualidade de mandatária e se as outras empresas que integram o agrupamento não forem objeto de um processo de insolvência. Em tal caso, a declaração prevista no n.o 4, alínea b), pode igualmente provir de um operador que faça parte do agrupamento.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      Resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que, por anúncio de 24 de julho de 2013, a Arcadis lançou um concurso público para a adjudicação de um contrato público de serviços relativo à direção de obras, medição e contabilidade, assistência na receção e na coordenação da segurança e em matéria de saúde. O valor estimado desse contrato de serviços ascendia a 1 028 096,59 euros.

11      Na qualidade de mandante do ATE, a TEI Srl apresentou, em 14 de outubro de 2013, um pedido de participação no concurso público mencionado no número anterior.

12      Em 29 de abril de 2014, o contrato público de serviços foi provisoriamente adjudicado ao ATE.

13      Em 18 de junho de 2014, a TEI apresentou no Tribunale di Milano (Tribunal de Milão, Itália) um pedido de acordo de credores, reservando‑se o direito de, nos termos do artigo 161.o, n.o 6, da lei da insolvência, apresentar posteriormente um plano para manutenção da empresa em funcionamento.

14      Por decisão comunicada em 9 de dezembro de 2014 (a seguir «decisão de exclusão»), a Arcadis excluiu o ATE do processo de adjudicação do contrato público. A este respeito, a Arcadis baseou‑se no facto de, em conformidade com o artigo 38.o, n.o 1, do Código dos Contratos Públicos, a apresentação por uma sociedade de um pedido de acordo de credores impedir a sua participação num processo de adjudicação de um contrato público, exceto na hipótese, distinta da do caso em apreço, em que o devedor tenha juntado ao seu pedido um plano que preveja a prossecução da atividade (concordato in continuità aziendale).

15      Por sentença de 29 de abril de 2015, o Tribunale amministrativo regionale per la Campania (Tribunal Administrativo Regional da Campânia, Itália) negou provimento ao recurso de anulação interposto pela Idi da decisão de exclusão. Este tribunal considerou que a apresentação, pela TEI, de um pedido de acordo de credores constituía uma confissão, por parte desta, de que se encontrava numa situação de crise, o que justificava a exclusão do ATE de qualquer participação em processos de adjudicação de contratos públicos.

16      A Idi interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, a saber, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália).

17      Este órgão jurisdicional salienta que a decisão de exclusão está em conformidade com a sua jurisprudência.

18      Segundo essa jurisprudência, um operador económico que tenha apresentado um pedido de acordo de credores só pode participar em processos de adjudicação de contratos públicos quando beneficiar de um acordo de credores para manutenção da empresa em funcionamento, previsto no artigo 186.o bis da lei da insolvência, ou quando, tendo requerido a sua admissão nesse processo, tiver sido autorizado pelo juiz competente a participar nos processos de adjudicação de contratos públicos.

19      Em contrapartida, ainda segundo essa jurisprudência, é excluído dos processos de adjudicação de contratos públicos qualquer operador cujo pedido de acordo de credores não seja acompanhado de um plano que preveja expressamente a prossecução da atividade da empresa. Com efeito, nessa situação, denominada de «acordo em branco» (concordato in bianco), a falta de tal plano constitui a confissão, por parte do operador, das dificuldades económicas que enfrenta.

20      O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o «acordo em branco», que é um acordo de credores «sob reserva», na aceção do artigo 161.o, n.o 6, da lei da insolvência, permite ao recorrente, por um lado, «congelar» temporariamente (geralmente entre 30 e 120 dias) os pedidos de insolvência apresentados pelos credores e, por outro, escolher entre a apresentação de um plano de acordo ou de um acordo de recuperação da empresa, com o objetivo de, para tal escolha, esperar pelo resultado de uma negociação com o conjunto dos credores.

21      No entanto, este órgão jurisdicional manifesta as suas dúvidas quanto à conformidade dessa jurisprudência com o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2004/18.

22      A este respeito, sublinha que, quando a abertura de um processo de insolvência é solicitada pelos credores, esse processo só é considerado «aberto» quando o juiz competente declarar a insolvência do devedor. Em contrapartida, quando um operador económico solicita o benefício de um «acordo em branco», o processo é considerado «aberto» a partir da apresentação do pedido.

23      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, assim, sobre a questão de saber se o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que abrange a situação de um operador económico, como o que está em causa no processo principal, que apresentou um pedido de «acordo em branco».

24      Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com o artigo 45.o, n.o 2, [primeiro parágrafo,] alíneas a) e b), da Diretiva 2004/18 […], considerar “processo pendente” o simples pedido de acordo de credores, apresentado ao órgão jurisdicional competente pelo devedor?

2)      É compatível com a referida disposição considerar a confissão do devedor de que se encontra em situação de insolvência e pretende apresentar um pedido de acordo de credores “em branco” (cujas características foram anteriormente especificadas) como causa de exclusão do procedimento de concurso público, interpretando assim extensivamente o conceito de “processo pendente” estabelecido na regulamentação [da União] (artigo 45.o da Diretiva [2004/18]) e nacional (artigo 38.o do [Código dos Contratos Públicos]) referidas?»

 Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

25      O Governo italiano interroga‑se quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

26      Em primeiro lugar, o Governo italiano observa que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) se limitou, na decisão de reenvio, a recordar o teor da sua jurisprudência relativa aos efeitos de um pedido de «acordo em branco» nos processos de adjudicação de contratos públicos e a reproduzir o disposto no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2004/18, sem expor as razões pelas quais duvida da conformidade da regulamentação nacional com este artigo 45.o

27      Em seguida, o Governo italiano afirma que as questões submetidas pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) são hipotéticas. A este respeito, alega que a participação da TEI no processo de adjudicação do contrato público em causa no processo principal foi recusada pelo facto de o Tribunale di Milano (Tribunal de Milão), ao qual esta tinha apresentado um pedido de acordo, não a ter autorizado a participar no processo de adjudicação deste contrato público. Isto implica que «[a] questão de exclusão [dessa participação] existe independentemente […] da data a partir da qual o processo de insolvência pode ser considerado como [estando] pendente».

28      A este propósito, importa salientar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União, submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas, o que implica que o órgão jurisdicional nacional defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam (Acórdãos de 21 de setembro de 2016, Etablissements Fr. Colruyt, C‑221/15, EU:C:2016:704, n.o 14, e de 31 de maio de 2018, Zheng, C‑190/17, EU:C:2018:357, n.o 48 e jurisprudência referida).

29      No caso em apreço, e como o confirmam as observações desenvolvidas pelo Governo italiano no que se refere à resposta a dar às questões prejudiciais, os elementos de facto e de direito mencionados na decisão de reenvio permitem compreender as razões pelas quais o órgão jurisdicional de reenvio questionou o Tribunal de Justiça a este respeito.

30      Além disso, no que respeita ao caráter pretensamente hipotético das questões submetidas, há que observar que a legalidade da decisão de exclusão em causa no processo principal depende necessariamente da resposta à questão submetida. Com efeito, através da mesma, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto à questão de saber se o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2004/18, que reconhece aos Estados‑Membros a faculdade de excluir do procedimento de contratação pública os operadores que tenham pendente processo de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios, abrange a situação de uma sociedade que tenha apresentado um pedido de «acordo em branco». Ora, resulta dos elementos constantes da decisão de reenvio que o ATE foi excluído, porque, precisamente, a TEI se encontrava nessa situação.

31      Por conseguinte, as questões prejudiciais são admissíveis.

 Quanto às questões prejudiciais

32      Importa salientar, a título preliminar, que o órgão jurisdicional de reenvio se refere, na redação das suas questões, tanto ao artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), como ao artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/18.

33      Uma vez que a exclusão de um operador económico de processos de adjudicação de contratos públicos só pode decorrer do artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), ou do artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/18, há que considerar que, à luz das circunstâncias que caracterizam o processo principal, só é pertinente a última destas disposições.

34      Nestas condições, com as suas duas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite excluir de um processo de adjudicação de um contrato público um operador económico que, à data da decisão de exclusão, tenha apresentado um pedido de acordo de credores, reservando‑se o direito de apresentar um plano que preveja a prossecução da atividade.

35      De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quanto aos contratos públicos abrangidos pela Diretiva 2004/18, o artigo 45.o, n.o 2, dessa diretiva deixa aos Estados‑Membros a aplicação dos sete casos de exclusão que refere, relativos à honestidade profissional, à solvabilidade ou à fiabilidade dos candidatos de um contrato, como revela a expressão «[p]ode ser excluído do procedimento de contratação» que consta do início dessa disposição (Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Connexxion Taxi Services, C‑171/15, EU:C:2016:948, n.o 28).

36      O artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da referida diretiva permite, mais precisamente, para garantir a solvabilidade da contraparte da entidade adjudicante, que seja excluído da participação num procedimento de contratação pública qualquer operador económico que, nomeadamente, tenha pendente processo de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios.

37      Nos termos do artigo 45.o, n.o 2, segundo parágrafo, da referida diretiva, em conformidade com a sua legislação nacional e na observância do direito da União, os Estados‑Membros especificarão as condições de aplicação deste número. Daqui resulta que os conceitos que figuram no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, entre os quais a expressão «ter pendente processo de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios», podem ser precisados e explicitados, na legislação nacional, desde que, contudo, seja respeitado o direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2017, Esaprojekt, C‑387/14, EU:C:2017:338, n.o 74 e jurisprudência referida).

38      No caso em apreço, como resulta da legislação nacional, em especial do artigo 168.o da lei da insolvência, a apresentação de um pedido de acordo de credores tem, nomeadamente, por consequência impedir os credores, durante um período determinado pela lei da insolvência, de intentar ações judiciais contra o património do devedor e de limitar os direitos de que o requerente dispõe sobre o seu património, na medida em que, a partir da data da apresentação do pedido, este não pode adotar sozinho, ou seja, sem autorização de um tribunal, medidas de administração extraordinária em relação a esse património.

39      Assim, a apresentação desse pedido produz efeitos jurídicos quanto aos direitos e às obrigações tanto do requerente como dos credores. Isto implica que a apresentação deste pedido deve ser considerada, antes mesmo de qualquer decisão do juiz competente, o ponto de partida para o processo de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios referido no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/18 e, consequentemente, o ato que dá início a este processo.

40      Esta conclusão é igualmente justificada pela situação económica e financeira do requerente. Com efeito, ao apresentar esse pedido, o operador económico reconhece que se encontra num estado de dificuldade financeira que pode pôr em causa a sua fiabilidade económica. Ora, como se precisou no n.o 35 do presente acórdão, a causa de exclusão facultativa a que se refere o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/18 visa precisamente garantir à entidade adjudicante que celebrará um contrato com um operador económico que dispõe de uma fiabilidade económica suficiente.

41      Daqui decorre que, desde a apresentação do pedido, se deve considerar que o operador económico tem pendente processo de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios, na aceção desta disposição.

42      A circunstância de, no seu pedido de acordo de credores, o operador económico se reservar o direito de apresentar um plano que preveja a prossecução da sua atividade não é suscetível de alterar esta conclusão.

43      É certo que resulta da decisão de reenvio que um operador económico que apresentou um pedido de acordo judicial que inclui um plano para a prossecução da sua atividade pode, em condições fixadas pelo direito nacional, participar em processos de adjudicação de contratos públicos. Por conseguinte, a legislação italiana cria uma diferença de tratamento entre os operadores económicos que apresentaram um pedido de acordo de credores, quanto à sua capacidade de participar em processos de adjudicação de contratos públicos, consoante esses operadores económicos tenham ou não incluído, no seu pedido de acordo, um plano que preveja a prossecução da atividade.

44      Contudo, esta diferença de tratamento não é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

45      Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18 não prevê uma aplicação uniforme das causas de exclusão que aí são indicadas, a nível da União, na medida em que os Estados‑Membros têm a faculdade de não aplicar de todo essas causas de exclusão, ou de as integrar na regulamentação nacional com um grau de rigor que poderá variar consoante os casos, em função de considerações de ordem jurídica, económica ou social que prevaleçam a nível nacional. Neste contexto, os Estados‑Membros têm o poder de moderar ou de flexibilizar os critérios estabelecidos nessa disposição (Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Connexxion Taxi Services, C‑171/15, EU:C:2016:948, n.o 29 e jurisprudência referida).

46      Nesse caso, o Estado‑Membro em causa pode também determinar as condições em que a causa de exclusão facultativa não se aplica (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Impresa di Costruzioni Ing. E. Mantovani e Guerrato, C‑178/16, EU:C:2017:1000, n.o 41).

47      Assim, como sublinhou o Governo italiano, o facto de um operador económico ter pendente processo de aplicação de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios, na aceção do artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/18, não impede no entanto que a legislação nacional em causa autorize esse operador económico a participar em processos de adjudicação de contratos públicos, segundo as condições definidas por essa legislação.

48      É igualmente conforme com o direito da União e especialmente com o princípio da igualdade no processo de adjudicação dos contratos públicos que a legislação nacional exclua, ou que não exclua, da participação num procedimento de contratação pública, um operador económico que apresenta um pedido de «acordo em branco».

49      Além disso, a situação em que o referido operador ainda não se comprometeu, à data da adoção da decisão de exclusão, a proceder a um acordo de credores para prosseguir a sua atividade, não é comparável, no que respeita à sua fiabilidade económica, à situação de um operador económico que se compromete nessa data a prosseguir a sua atividade económica.

50      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite excluir de um processo de adjudicação de um contrato público um operador económico que, à data da decisão de exclusão, tenha apresentado um pedido de acordo de credores, reservando‑se o direito de apresentar um plano que preveja a prossecução da atividade.

 Quanto às despesas

51      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite excluir de um processo de adjudicação de um contrato público um operador económico que, à data da decisão de exclusão, tenha apresentado um pedido de acordo de credores, reservandose o direito de apresentar um plano que preveja a prossecução da atividade.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.