Language of document : ECLI:EU:C:2012:762

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 29 de novembro de 2012 (1)

Processo C‑427/11

Margaret Kenny

Patricia Quinn

Nuala Condon

Eileen Norton

Ursula Ennis

Loretta Barrett

Joan Healy

Kathleen Coyne

Sharon Fitzpatrick

Breda Fitzpatrick

Sandra Hennelly

Marian Troy

Antoinette Fitzpatrick

Helena Gatley

contra

Minister for Justice, Equality and Law Reform

Minister for Finance

Commissioner of An Garda Síochána

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court (Irlanda)]

«Igualdade de remuneração — Discriminação baseada no sexo — Diretiva 75/117/CEE — Discriminação indireta — Justificação objetiva — Negociação coletiva»





1.        A High Court da República da Irlanda coloca uma série de questões referentes à obrigação de o empregador apresentar uma justificação «em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação indireta em razão do sexo quanto ao salário». A High Court pergunta, além do mais, se o interesse em manter boas relações laborais pode constituir, entre outros, um critério legítimo de justificação e qual o respetivo âmbito de aplicação.

2.        Neste contexto, a presente questão prejudicial oferece uma nova oportunidade para atender a certos aspetos específicos da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de discriminação indireta em razão do género (2). Por um lado, ao estabelecimento de termos de comparação que permitam fazer um juízo de igualdade (tertium comparationis); por outro, à ponderação dos direitos e interesses especificamente inerentes aos processos de reorganização administrativa que implicam uma reafetação de funções em áreas da atividade laboral que ainda se caracterizam pela presença dominante de um dos sexos.

I —    Quadro legal

A —    Direito da União

3.        O artigo 1.° da Diretiva 75/117 (3) dispõe o seguinte:

«O princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos, que consta do artigo 119.° do Tratado e a seguir denominado por ‘princípio da igualdade da remuneração’, implica, para um mesmo trabalho ou para um trabalho a que for atribuído um valor igual, a eliminação, no conjunto dos elementos e condições de remuneração, de qualquer discriminação em razão do sexo.

Em especial, quando for utilizado um sistema de classificação profissional para a determinação das remunerações, este sistema deve basear‑se em critérios comuns aos trabalhadores masculinos e femininos e ser estabelecido de modo a excluir as discriminações em razão do sexo.»

4.        Em conformidade com o artigo 3.° da Diretiva 75/117:

«Os Estados‑Membros devem suprimir as discriminações entre homens e mulheres que decorram de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e que sejam contrárias ao princípio da igualdade de remuneração.»

5.        Nos termos do artigo 4.° da mesma diretiva:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as disposições contrárias ao princípio da igualdade de remuneração que figurem em convenções coletivas, tabelas ou acordos salariais ou em contratos individuais de trabalho, sejam nulas, anuláveis ou possam ser alteradas.»

6.        O artigo 6.° da referida diretiva prevê o seguinte:

«Os Estados‑Membros devem, de acordo com as respetivas situações nacionais e respetivos sistemas jurídicos, tomar as medidas necessárias para garantir a aplicação do princípio da igualdade de remuneração. Devem certificar‑se da existência de meios eficazes que permitam assegurar o respeito deste princípio.»

7.        A Diretiva 75/117 foi revogada, com efeitos a partir de 15 de agosto de 2009, pela Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (4), entendendo‑se feitas para esta nova diretiva todas as remissões feitas noutras disposições (artigo 34.°).

8.        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/54, para efeitos da mesma, entende‑se por discriminação indireta «sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários» (5).

B —    Direito nacional

9.        As Employment Equality Acts de 1998 e 2004 (leis relativas à igualdade no trabalho de 1998 e 2004) proíbem a discriminação no trabalho em razão do sexo (6). O capítulo III da Lei de 1998 diz respeito à igualdade entre homens e mulheres. O artigo 18.°, n.° 1, alínea a), conforme alterado, dispõe o seguinte:

«Sem prejuízo do disposto na alínea b), para efeitos do presente capítulo, ‘A’ e ‘B’ representam duas pessoas de sexo oposto em que, quando A é mulher, B é homem, e vice‑versa.»

10.      O artigo 19.°, conforme alterado, dispõe, nos seus n.os 1, 4 e 5, o que se segue:

«1.      O contrato de trabalho da pessoa A deve conter uma cláusula segundo a qual, por força da presente lei, a pessoa A tem, a todo o momento, direito a auferir, pelo trabalho para o qual foi contratada, o mesmo salário que, naquele ou noutro momento relevante, a pessoa B receba do mesmo empregador ou de um empregador associado a este para executar trabalho idêntico.

[…]

4.      a)      Verifica‑se uma discriminação indireta quando uma disposição aparentemente neutra coloca pessoas de determinado sexo (A ou B) em particular desvantagem em matéria salarial comparativamente com outros trabalhadores do mesmo empregador.

b)      Quando a alínea a) seja aplicável, a situação de cada uma das pessoas aí referidas, para efeitos do n.° 1, é conforme ou não conforme com a disposição em causa consoante dela resulte ou não a remuneração mais elevada, salvo se a disposição for objetivamente justificada por um objetivo legítimo e os meios para atingir esse objetivo forem apropriados e necessários.

c)      Em qualquer processo, as estatísticas são admissíveis a fim de determinar se esse número é aplicável a A ou a B.

5.      Sem prejuízo do n.° 4, o disposto neste capítulo não impede um empregador de pagar, por outras razões que não o sexo, salários diferentes a trabalhadores distintos.»

II — Factos

11.      As recorrentes no processo a quo são funcionários de carreira do Department of Justice, Equality and Law Reform, e encontram‑se afetas ao An Garda Síochána (Serviço Nacional de Polícia Irlandês; a seguir «o Garda») para o desempenho de funções administrativas. Estas funções administrativas também são desempenhadas por funcionários do próprio Garda («trabalhadores comparáveis»); existem lugares administrativos específicos reservados a esses membros do Garda, denominados lugares «designados» ou «reservados». Os salários de uns e de outros são fixados em função do quadro profissional a que pertencem.

12.      O sindicato das recorrentes intentou várias ações com base nos Employment Equality Acts de 1998 e 2004 no Equality Tribunal, o qual, por decisão de 22 de novembro de 2005, deu ganho de causa a sete das catorze recorrentes.

13.      Da decisão do Equality Tribunal foi interposto recurso por ambas as partes para a Labour Court. No essencial, os recorridos sustentaram: a) que as ações tinham como objeto uma discriminação direta, b) que o salário pago às recorrentes correspondia ao grau de funcionário administrativo, enquanto os trabalhadores comparáveis auferiam um salário correspondente à sua posição na hierarquia como membros do Garda –, e c) que os diferentes salários eram pagos com base em razões diferentes do sexo, em conformidade com o disposto no artigo 19.°, n.° 5, da Lei de 1998. Além disso, e a título subsidiário, alegaram que, mesmo no caso de se verificar uma discriminação indireta, a diferença salarial se justifica por motivos objetivos ao abrigo do artigo 19.°, n.° 4, da Lei de 1998. As recorrentes, por seu lado, argumentaram essencialmente que o processo dizia respeito a uma discriminação indireta para a qual não existia qualquer justificação objetiva.

14.      A Labour Court entendeu que as ações das recorrentes eram efetivamente relativas a uma discriminação indireta e que as proporções de homens e mulheres nos grupos correspondentes revelavam, prima facie, uma discriminação dessa natureza na remuneração. Com o acordo das partes, a Labour Court decidiu apreciar a questão da justificação objetiva a título preliminar. Para esse efeito, presumiu, sem o afirmar, que os recorrentes e os trabalhadores comparáveis por eles escolhidos desempenhavam «trabalho igual» na aceção do artigo 7.°, n.° 1, da Lei de 1998. Esta presunção limitava‑se aos dois grupos de pessoas escolhidos.

15.      Posto isto, a Labour Court pediu aos recorridos que apresentassem provas da existência de uma justificação objetiva. Estes alegaram que a afetação desses lugares administrativos reservados aos membros do Garda se justificava objetivamente para satisfazer as necessidades operacionais do Garda e que era adequado e necessário à prossecução dessas necessidades pagar aos funcionários dessa força policial afetos às referidas funções o salário aplicável à sua categoria.

16.      As provas apresentadas pelos recorridos demonstravam ainda que o número de lugares designados tinha sido determinado por um acordo laboral entre a direção e os órgãos representativos do Garda e que, por outro lado, o terceiro recorrido estava a reduzir o número de lugares designados ocupados por agentes policiais, em colaboração com os referidos órgãos representativos. Este processo de redução é conhecido como «civilianisation» (atribuição dos lugares a pessoal civil). Os recorridos admitiram que existia um pequeno número de lugares preenchidos por agentes policiais relativamente aos quais não havia qualquer necessidade operacional que justificasse serem desempenhados por oficiais de polícia especializados, mas precisaram que tais lugares não eram representativos da generalidade dos lugares reservados a membros do Garda, para os quais se exigia experiência e conhecimentos policiais.

17.      Atendendo aos factos do processo, a Labour Court concluiu que, à data das petições iniciais, em julho de 2000, existiam 353 lugares designados ocupados por polícias, dos quais 279 por homens e 74 por mulheres. Além disso, nas forças do Garda, existiam 761 funcionários administrativos, predominantemente do sexo feminino. A Labour Court concluiu igualmente que, à data da realização da audiência, em maio de 2007, existiam 298 lugares designados e que a política dos recorridos ir reduzindo esse número para 219.

18.      Por acórdão de 27 de julho de 2007, a Labour Court julgou procedente o recurso do Minister for Justice, Equality and Law Reform. Na opinião do tribunal, a afetação de agentes policiais a tarefas burocráticas visa satisfazer ou necessidades operacionais da força policial ou a necessidade de efetuar o processo de «civilianisation» de uma forma e a um ritmo que garantam a adesão dos órgãos representativos dessa força policial. Este propósito seria especialmente visado pelo facto de os agentes policiais afetos a estes lugares administrativos auferirem o salário correspondente aos funcionários do corpo policial. Além disso, o acórdão conclui que, tendo em conta o pequeno número de lugares «designados», a manutenção do acordo celebrado com os órgãos representativos até terminar o processo de «civilianisation» é uma medida proporcional às necessidades operacionais do Garda.

19.      Da decisão da Labour Court as recorrentes interpuseram recurso para a High Court. Estes alegaram que, com base na prova produzida, não é possível concluir que a discriminação indireta fosse objetivamente justificada, uma vez que as necessidades operacionais invocadas a este respeito não se verificam relativamente a todos os lugares designados, em especial aos lugares ocupados pelos trabalhadores escolhidos como termo de comparação. Em seu entender, a justificação objetiva necessária não resulta da prova de que os trabalhadores comparáveis devem auferir um salário mais elevado, sendo que o que deve ser justificado é o facto de o salário das recorrentes ser mais baixo e que esta seja a única forma de atingir os objetivos prosseguidos pelos recorridos. De qualquer modo, o interesse nas boas relações laborais não pode justificar a violação do princípio da igualdade.

III — Questão submetida

20.      Neste contexto, a High Court submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«Primeira questão:

Em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação indireta em razão do sexo quanto ao salário, em violação do artigo 141.° CE (atual artigo 157.° TFUE) e da Diretiva 75/117/CEE do Conselho, para fazer prova da existência de uma justificação objetiva, o empregador está obrigado a apresentar:

a)      justificação da colocação dos trabalhadores comparáveis nos lugares por eles ocupados;

b)      justificação do pagamento de salários mais elevados aos trabalhadores comparáveis, ou

c)      justificação do pagamento de salários mais baixos aos recorrentes?

Segunda questão:

Em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação indireta em razão do sexo quanto ao salário, para fazer prova da existência de uma justificação objetiva, está o empregador obrigado a apresentar a justificação:

a)      em relação aos trabalhadores comparáveis específicos citados pelos recorridos e/ou

b)      em relação à generalidade dos trabalhadores comparáveis?

Terceira questão:

Se a resposta à questão, 2.b for afirmativa, pode essa justificação objetiva considerar‑se realizada mesmo que não se aplique aos trabalhadores comparáveis escolhidos?

Quarta questão:

A Labour Court cometeu um erro de direito, à luz do direito da União, ao aceitar que o ‘interesse das boas relações laborais’ possa ser tomado em conta para determinar se o empregador podia justificar objetivamente as diferenças salariais?

Quinta questão:

Em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação indireta em razão do sexo quanto ao salário, pode considerar‑se justificação objetiva a que se prende com o interesse em manter boas relações laborais? Deve atribuir‑se alguma relevância a interesses dessa natureza para apreciar a existência de uma justificação?»

21.      A High Court alega que no processo a quo se suscitam importantes questões de direito comunitário sobre as quais o Tribunal de Justiça não se pronunciou especificamente, apesar da jurisprudência estabelecida a partir do acórdão de 13 de maio de 1986, Bilka (7).

IV — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

22.      A questão prejudicial foi registada no Tribunal de Justiça em 16 de agosto de 2011.

23.      Apresentaram observações escritas as recorrentes no processo principal, os Governos de Espanha e da Irlanda e a Comissão.

24.      Na audiência, realizada em 12 de julho de 2012, compareceram para alegações as recorrentes principais, o Governo da Irlanda e a Comissão.

V —    Alegações

25.      As recorrentes no processo principal defendem que, embora efetuem o mesmo trabalho que os funcionários de polícia afetos aos lugares «designados» ou «reservados», estes auferem um salário mais elevado na qualidade de agentes policiais. Na sua opinião, o recorrido não fez prova de alguns dos motivos invocados para justificar a existência destes lugares «designados», nomeadamente, que os seus titulares devem elaborar planos de manutenção da ordem, ou que sejam necessários para assegurar a continuidade do serviço ou a comunicação com organizações internacionais que só pode ser feita por agentes policiais. A isto acresce o facto de se ter provado que alguns agentes policiais estão afetos a funções que não requerem o exercício de competências policiais e que, em determinados casos, as suas funções são intercambiáveis com as do pessoal civil.

26.      No que respeita à primeira das questões submetidas, as recorrentes alegam que o empregador deve justificar o facto de lhes pagar um salário mais baixo e, se for esse o caso, que não existem outros meios que permitam garantir a eficácia operacional do Garda. Quanto à segunda e terceira questões, as recorrentes defendem que a justificação deve ser referida aos trabalhadores comparáveis por elas especificamente mencionados, os quais, tal como elas, não estão afetos a nenhuma atividade burocrática do Garda que exija competências policiais. Por fim, relativamente à quarta e quinta questões, as recorrentes alegam que o interesse nas boas relações laborais não pode justificar a diferença na remuneração.

27.      O Governo irlandês começa por salientar que o Minister não admitiu que o trabalho desempenhado pelos recorrentes e pelos trabalhadores comparáveis seja igual, alegando que existem razões diferentes do sexo que justificam a diferença salarial. De qualquer forma, a equivalência do trabalho é apenas uma hipótese adotada pela Labour Court por razões de economia processual.

28.      Relativamente à primeira questão, o Governo da Irlanda alega que o que deve ser objeto de justificação é a disposição, o critério ou a prática, aparentemente neutros, que discriminam as mulheres, e não uma determinada retribuição ou a utilização de trabalhadores de referência específicos. Neste caso, a prática controvertida consiste na afetação, por motivos de serviço, de lugares administrativos a agentes policiais, pagando‑lhes o salário correspondente à sua categoria. Já quanto à segunda questão, o Governo irlandês entende que a justificação deve ter por objeto a totalidade dos lugares de referência e que, justificada a prática em causa, o facto de abranger maioritariamente mulheres não é suficiente para que se verifique uma violação do artigo 157.° TFUE. No que respeita à terceira questão, o Governo irlandês defende que a Labour Court concluiu que a justificação deve referir‑se a todos os lugares administrativos, considerando que as funções inerentes a determinados lugares exigem experiência e conhecimentos policiais, que é necessário assegurar a continuidade do serviço ou que, por razões operacionais o número de lugares «designados» não pode ser inferior a 219. Finalmente, o Governo irlandês entende que nada impede que, neste contexto, possam ser tidas em conta considerações de ordem laboral, embora a Labour Court só o tenha feito relativamente a um reduzido número de lugares «designados» que não são estritamente necessários. Tratar‑se‑ia, assim, de um critério que, no geral, não se mostrou relevante.

29.      O Governo espanhol entende que, no que respeita às três primeiras questões, a justificação deve referir‑se à diferença salarial entre as recorrentes e os trabalhadores comparáveis, deixando de lado as outras pessoas afetas a lugares «designados». Para este Governo, por último, o interesse das boas relações laborais não constitui uma justificação suficiente para derrogar o direito à igualdade salarial.

30.      Por seu lado, a Comissão defende, relativamente às primeiras três questões, que qualquer diferença salarial deve ser objetivamente justificada, importando esclarecer, no caso em análise, o modo como os trabalhadores de referência foram recrutados para os respetivos lugares. Na sua opinião, provando‑se que as funções desempenhadas são iguais — como sucede com os agentes policiais que ocuparam um lugar administrativo durante anos sem nunca terem desempenhado funções de manutenção da ordem — dificilmente se poderia justificar a diferença salarial. Em todo o caso, a Comissão entende que a justificação deve ter por objeto a diferença salarial para um trabalho igual e não a atribuição de um salário mais ou menos elevado a um grupo ou a outro. Neste sentido, deve abranger apenas o grupo de pessoas que efetuam um trabalho igual ao das recorrentes. Quanto à quarta e quinta questões, a Comissão alega que a prossecução do diálogo social não exonera o empregador da necessidade de justificar objetivamente as diferenças salariais quando existe, prima facie, uma discriminação em razão do sexo.

VI — Apreciação

A —    Observação prévia

31.      Para delimitar o objeto deste processo é necessário não esquecer que o órgão judicial de reenvio não pretende que o Tribunal de Justiça esclareça se existe ou não a discriminação em razão do sexo alegada no processo a quo pelas recorrentes principais. É aos tribunais irlandeses que compete averiguar se estas sofreram ou não essa discriminação.

32.      A High Court submete as suas questões advertindo expressamente de que o faz «em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação indireta em razão do sexo quanto ao salário». A discriminação é, assim, uma mera hipótese utilizada como ponto de partida para delimitar o contexto em que devem ser consideradas as questões aqui colocadas. Portanto, não é necessário fazer aqui um juízo de igualdade, mas sim solucionar questões muito específicas relativas à definição dos termos que tornam possível um juízo dessa natureza.

33.      As cinco questões suscitadas pela High Court podem juntar‑se, na minha opinião, em três grupos.

34.      No primeiro seria incluída a primeira das questões submetidas, a saber, se o empregador, nestas circunstâncias concretas, é obrigado a justificar: a) que determinados lugares sejam afetados a trabalhadores tomados como referência pelas autoras; b) que essas pessoas recebam mais; ou c) que as autoras recebam menos. Cada uma destas hipóteses refere‑se a uma desigualdade de tratamento eventualmente constitutiva de uma discriminação. Questiona‑se, em suma, o que deve ser justificado: a afetação de certos lugares a determinados trabalhadores ou as diferenças salariais verificadas entre pessoas diferentes.

35.      O segundo grupo abrangeria a segunda e terceira questões, mediante as quais se pretende ver esclarecido se a justificação exigida deve referir‑se: a) aos trabalhadores de referência especificamente referidos, ou b) ao conjunto dos lugares ocupados por esses trabalhadores e qual o respetivo âmbito. Com estas perguntas a High Court quer ver esclarecido, em última análise, qual o termo subjetivo de comparação pertinente para efeitos do juízo de igualdade necessário para se pronunciar sobre a realidade da discriminação denunciada pelos recorrentes.

36.      Por fim, a quarta e quinta questões integrariam um terceiro grupo, relativo ao valor justificativo do interesse em manter boas relações laborais. A este respeito, a High Court pergunta se esse interesse pode constituir uma justificação objetiva aceitável para a diferença em causa. Por conseguinte, a dúvida do tribunal de reenvio apenas se refere, neste ponto, a um aspeto muito específico de um dos elementos constitutivos do juízo de igualdade: a justificação da diferença de tratamento apontada como discriminatória. E nunca para obter uma resposta sobre a possibilidade de justificar a diferença em causa ou sobre o específico valor justificativo do interesse invocado; apenas para saber se, entre os critérios a utilizar para verificar se a diferença salarial é objetivamente justificada, se pode incluir, e em que medida, o interesse na manutenção das boas relações laborais.

37.      Neste contexto, o objeto deste processo centra‑se, na minha opinião, em três dos elementos que integram a estrutura específica do juízo de igualdade: a) a desigualdade de tratamento a justificar; b) o tertium comparationis de cujo confronto decorre a existência da desigualdade de tratamento; e c) o valor justificativo dos eventuais critérios nos quais se baseou a desigualdade de tratamento supostamente discriminatória (8).

B —    A desigualdade de tratamento

38.      Tal como resulta do despacho de reenvio, os agentes policiais afetos aos chamados «postos designados» ou «reservados» auferem uma remuneração superior ao dos recorrentes principais pelo facto de pertencerem ao Garda. A remuneração mais elevada não está, assim, relacionada com o lugar «designado ou reservado», que é, na realidade, um lugar administrativo equivalente ao ocupado pelos recorrentes, independentemente de, em determinados casos se tratar de lugares administrativos que, por exigirem o exercício de competências especificamente policiais, só podem ser ocupados por funcionários de polícia. No entanto, até mesmo estes «lugares administrativos que exigem o exercício de competências especificamente policiais», por assim dizer, não implicam per se uma remuneração superior neste caso, esse salário mais elevado resulta da qualidade de agente policial do funcionário que o desempenha.

39.      Consequentemente, considero que não faria qualquer sentido justificar a afetação de lugares que, por si próprios, não implicam necessariamente uma diferença de remuneração.

40.      O que efetivamente deve ser justificado é que, além dos que designei por «lugares administrativos que exigem o exercício de competências especificamente policiais», existam no Garda uma série de lugares administrativos que, partindo da hipótese de que comportam tarefas essencialmente idênticas, dão lugar a uma remuneração diferente em função das funções da pessoa que os ocupa em termos de carreira, o que, além do mais, se traduz, na prática, numa desigualdade que prejudica sobretudo as mulheres, levando assim, de forma indireta, a uma discriminação em razão do sexo.

41.      Por isso, entendo que a justificação deve ter por objeto apenas a diferença de remuneração. Na minha opinião, não é relevante que essa diferença seja analisada partindo do ponto de vista da remuneração mais elevada ou da remuneração inferior. O que importa é a diferença em si. Verificada a existência da diferença e, se for esse o caso, após o necessário juízo de igualdade, provada a sua natureza discriminatória, é então necessário proceder à reposição da igualdade e, para esse efeito, decidir se a diferença deve ser feita corrigida igualando‑se as remunerações num e noutro sentido, isto é, aumentando a remuneração dos que auferiam menos e diminuindo o dos funcionários mais bem pagos ou, em suma, nivelando o salário de uns e outros com base num meio termo. De igual modo, haverá então igualmente que abordar outros aspetos relativos à reposição da igualdade, em especial a cronologia da sua implementação. De qualquer forma, não é nessa fase do juízo de igualdade que se encontram os autos principais e, sobretudo, não é essa que está em causa neste processo prejudicial no Tribunal de Justiça.

42.      Assim, como primeira conclusão, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão no sentido de que, em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação indireta em razão do sexo quanto ao salário, o empregador é obrigado a apresentar justificação do pagamento de salários diferentes a um e ao outro grupo, considerada a diferente composição de cada um deles em termos de género, já assente, sem ser necessário verificar se o problema reside nos salários quantitativamente superiores ou nos inferiores. Para tais efeitos o que é relevante é a disparidade entre ambos.

C —    A identificação do tertium comparationis

43.      A segunda e terceira questões dizem respeito ao termo de comparação que o tribunal de reenvio deve ter em conta para verificar se as recorrentes principais são objeto de um tratamento discriminatório.

44.      Julgo quase desnecessário dizer que a igualdade é, por definição, um princípio relativo ou relacional. O direito à igualdade não é outra coisa senão o direito a ser tratado nos mesmos termos que aquele que está numa situação jurídica equivalente. É um direito, portanto, cujo ponto de partida é sempre o confronto entre, pelo menos, dois sujeitos, objetos, circunstâncias ou situações.

45.      Assim, a denúncia de um tratamento diferente implica sempre a comparação com um terceiro numa posição ou situação jurídica supostamente diferente. A invocação de um tertium comparationis capaz de comprovar a desigualdade denunciada constitui assim o elemento determinante da própria prova dessa desigualdade. Se a desigualdade resulta do confronto, a sua existência depende de uma correta individualização dos termos a confrontar.

46.      Esta é, assim, uma área muito próxima da do ónus da prova em matéria de igualdade. O facto de se encontrar um termo de comparação adequado à verificação da existência de uma desigualdade não é, propriamente, a prova de que tenha havido discriminação. É, isso sim, o ponto de partida dessa prova, pois se a discriminação é constituída por todo e qualquer tratamento diferente desprovido de uma justificação razoável, o tertium comparationis é o termo do confronto que revela a existência de uma desigualdade que necessita de justificação.

47.      O ónus da prova da existência de uma desigualdade de tratamento cabe a quem alega o caráter injustificado ou discriminatório da diferença em causa. Por conseguinte, são aqui aplicáveis os padrões seguidos pelo Tribunal de Justiça relativamente ao ónus da prova em matéria de desigualdade. Basta relembrar que, nos termos do acórdão de 26 de junho de 2001, Brunnhofer (9), «compete normalmente à pessoa que alega factos em apoio de um pedido fazer a prova da sua existência. O ónus da prova da existência de uma discriminação em matéria de remuneração baseada no sexo recai, portanto, em princípio, sobre o trabalhador que, considerando‑se vítima de tal discriminação, intenta uma ação judicial contra a sua entidade patronal para obter a eliminação desta discriminação (v. acórdão de 27 de outubro de 1993, Enderby, C‑127/92, Colet., p. I‑5535, n.° 13)».

48.      Assim, é às recorrentes principais que cabe provar, em primeiro lugar, a existência de um tratamento diferente, apresentando para esse efeito um termo de comparação válido que revele a existência de um grupo de pessoas que, numa situação equivalente à sua, é objeto de um tratamento remuneratório diferente.

49.      Uma vez demonstrada a existência da diferença há que provar se a mesma é, ou não, discriminatória, isto é, se é ou não justificada. Mas, no que respeita à determinação do tertium comparationis, o juízo de igualdade também comporta o momento da identificação da diferença.

50.      Entendo que, nas circunstâncias do caso em análise no processo principal, o problema não é tanto o de saber se o termo de comparação pertinente devem ser os trabalhadores comparáveis especificamente mencionados pelas recorrentes ou o conjunto dos lugares ocupados por esses trabalhadores e, neste segundo caso, quais as consequências de uma eventual justificação da diferença relativa a esses lugares não abranger igualmente os trabalhadores indicados pelas autoras. Na minha opinião, o essencial é, sobretudo, que as recorrentes conseguiram demonstrar a existência de um número relativamente elevado de trabalhadores que, embora desempenhem uma função equivalente à delas, auferem uma remuneração superior.

51.      Assim o entendeu o Tribunal de Justiça, no já referido processo Brunnhofer, ao declarar que cabe ao empregador provar que a sua prática salarial não é discriminatória «sempre que o trabalhador do sexo feminino demonstre, em relação a um número relativamente elevado de assalariados, que a remuneração média dos trabalhadores femininos é inferior à dos trabalhadores masculinos (acórdão de 17 de outubro de 1989, Danfoss, 109/88, Colet., p. 3199, n.° 16)» (10).

52.      Em suma, é necessário que as recorrentes tenham conseguido encontrar um termo de comparação adequado demonstração da existência de «um número relativamente elevado de assalariados» que, desempenhando as mesmas funções, auferem uma remuneração superior.

53.      Posto isto, portanto, trata‑se agora de um problema de valoração da prova junta ao processo e, assim sendo, de uma questão para cuja decisão são competentes os tribunais nacionais. Neste sentido é aqui aplicável a jurisprudência estabelecida pelo Tribunal de Justiça relativamente ao valor provatório dos dados estatísticos juntos a um processo para demonstrar a existência de uma discriminação indireta. Tal como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de 27 de outubro de 1993, Enderby (11), «[c]abe ao juiz nacional apreciar se pode tomar em linha de conta estes dados estatísticos, isto é, se dizem respeito a um número suficiente de indivíduos, se não são mera expressão de fenómenos puramente fortuitos ou conjunturais e se, de uma maneira geral, parecem significativos».

54.      Num caso como este, de discriminação indireta em razão do sexo, cabe às autoras juntar aos autos os indícios suficientes da existência de uma diferença que origina efetivamente um prejuízo para as mulheres. Como ficou dito, cabe‑lhes provar que existe um número «relativamente elevado» ou «suficiente» de trabalhadores masculinos que, desempenhando funções equivalentes, auferem uma remuneração superior à sua e, em general, ao de um grupo de pessoas maioritariamente composto por trabalhadores do sexo feminino. E isto em termos que permitam concluir que não se trata de um fenómeno «fortuito» ou «conjuntural», mas sim estrutural e característico de um regime retributivo intrinsecamente discriminatório.

55.      É certo que, a questão de saber se esta apreciação da existência da desigualdade denunciada parte do confronto entre a situação das autoras e a dos trabalhadores por elas especificamente indicados ou entre a situação daquelas e a dos que ocupam o conjunto dos chamados lugares «designados» ou «reservados» deve ser decidida pelo tribunal nacional. Na minha opinião, o importante é que, com base nos dados juntos pelas recorrentes, o tribunal nacional tenha possibilidade de formar (em conformidade com o sistema de produção e valoração da prova vigente no direito processual interno) a convicção de que a desigualdade invocada existe efetivamente quando um número inequivocamente representativo de trabalhadores que desempenham funções iguais às das autoras aufere, todavia, uma remuneração superior.

56.      Consequentemente, e como segunda conclusão, devo sugerir ao Tribunal de Justiça que responda à segunda e terceira questões no sentido de que, em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação indireta em razão do sexo quanto ao salário, o empregador é obrigado a apresentar uma justificação em relação a um número relativamente elevado de trabalhadores que desempenham funções iguais às das recorrentes.

D —    Algumas considerações sobre a justificação das diferenças surgidas nos processos de reorganização das condições de trabalho

57.      Com a quarta e quinta questões, a High Court pergunta se o interesse em manter boas relações laborais pode constituir uma justificação objetiva aceitável para a diferença remuneratória em causa. Como já ficou dito, o tribunal de reenvio não pretende uma resposta sobre o concreto valor justificativo do interesse só por si. Apenas pergunta se, entre os critérios a utilizar para verificar se a diferença remuneratória é objetivamente justificada, se pode incluir, e em que medida, o interesse na manutenção das boas relações laborais.

58.      Previamente à análise desta questão importa salientar que, na minha opinião, o confronto entre o teor literal das duas perguntas causa alguma perplexidade. Assim, na primeira questiona‑se se a Labour Court «cometeu um erro de direito, à luz do direito da União, ao aceitar que o ‘interesse das boas relações laborais’ possa ser tomado em conta para determinar se o empregador podia justificar objetivamente as diferenças salariais». Na segunda, por seu lado, pergunta‑se se, nas circunstâncias do caso, «pode considerar‑se justificação objetiva a que se prende com o interesse em manter boas relações laborais», acrescentando‑se a questão de saber se esse interesse tem «alguma relevância […] para apreciar a existência de uma justificação».

59.      Confesso que não me é fácil apreender a discrepância no sentido de ambas as questões. Penso que se deve entender tratar‑se, efetivamente, de uma única pergunta a propósito do valor justificativo do interesse em manter boas relações laborais, referindo‑se cada uma das questões a um eventual grau ou natureza da força justificativa do referido interesse. Assim, ao perguntar se esse interesse pode «ser tomado em conta» para verificar se a diferença remuneratória é objetivamente justificada, a High Court quer saber se esse critério pode, pura e simplesmente, ser valorado. Pelo contrário, ao perguntar se pode considerar‑se justificação objetiva «a que se prende com o interesse em manter boas relações laborais», o que efetivamente se pretende saber é se o referido interesse pode, não já ser tido em conta, inter alia, como um elemento da justificação, mas, mais ainda, ser o fundamento («[com o qual] se prende») da própria justificação.

60.      Desde já fica dito que esta segunda hipótese é, em meu entender, inaceitável.

61.      Ao expor os motivos que me conduzem a esta solução é preciso começar por fazer referência ao contexto no qual a manutenção das boas relações laborais chegou a constituir um interesse relevante.

62.      Com efeito, a diferença remuneratória denunciada pelas recorrentes principais parece ter surgido em consequência de um processo de reorganização do Garda, nos termos do qual determinados lugares administrativos cujas funções eram tradicionalmente desempenhadas por agentes policiais passam a ser ocupados por funcionários civis. A diferença remuneratória baseia‑se no facto de que, enquanto estes últimos são pagos de acordo com a sua qualidade de civis, aqueles continuaram a ser pagos na qualidade de agentes policiais, motivo pelo qual a diferença não resulta do lugar, mas da posição hierárquica de quem o ocupa.

63.      O Garda alega que a justificação objetiva desta diferença reside no facto de ter sido necessário manter o regime remuneratório dos agentes policiais para que aqueles que desempenham funções administrativas não se considerassem prejudicados em relação à generalidade dos funcionários policiais. Efetivamente, o acordo alcançado para esse efeito com as associações representativas destes últimos foi determinante, ao que parece, para o êxito do processo de reorganização do Garda.

64.      Como já tive oportunidade de defender nas conclusões do processo Prigge e o. (12), «a autonomia da negociação coletiva merece uma adequada tutela no âmbito da União». Como é evidente, a adequação dessa tutela deve integrar o respeito pelas exigências do princípio de igualdade. Princípio que, além de se encontrar garantido no título III da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na sua variante de proibição da discriminação em razão do sexo quanto ao salário, é consagrado no artigo 157.° TFUE como um dos princípios que «faz parte dos fundamentos da Comunidade» (13).

65.      No processo Prigge e o., recordava‑se que «existe jurisprudência abundante no sentido de que as convenções coletivas não estão excluídas do âmbito de aplicação das disposições relativas às liberdades protegidas no Tratado» e, designadamente, «que o princípio da proibição da discriminação retributiva entre trabalhadores masculinos e femininos, tal como resulta dos Tratados (sucessivamente, artigos 119.° CE e 141.° CE, atual artigo 157.° TFUE) e do direito secundário, se aplica às convenções visto ser uma norma imperativa» (14).

66.      Na minha opinião, o exposto impede que o acordado no âmbito da negociação com os órgãos representativos do Garda possa constituir um motivo suficiente para justificar objetivamente uma diferença como a analisada no processo principal.

67.      É verdade que não se questiona especificamente se o acordo celebrado com os referidos órgãos representativos é suscetível de produzir esse efeito. Mas ficou claro que, na questão submetida, o respeito do acordado é condição necessária para a manutenção das boas relações, objeto do interesse que podia eventualmente justificar a diferença analisada.

68.      Desde logo, entendo que esse interesse, em princípio perfeitamente legítimo, não pode constituir, por si só, fundamento suficiente para a justificação de uma diferença salarial em razão do sexo (15).

69.      Tal não impede que, em conjunto com outros critérios, esse interesse possa dar origem a um motivo justificativo aceitável. Cabe ao tribunal nacional determinar se, no caso analisado, se verifica a existência desses motivos justificativos, bem como ponderar o peso relativo que, para esse efeito, pode ter o interesse aqui em causa.

70.      Ora, o Tribunal de Justiça não pode deixar de salientar que, nas circunstâncias do caso, esse peso relativo depende do tempo requerido para o processo de reorganização administrativa no decurso do qual se verificou, e se manteve, a diferença salarial controvertida.

71.      Isto significa que o interesse na manutenção das boas relações laborais não pode ser igualmente valorado numa situação em que a reorganização que as pode prejudicar é, porque iminente e incisiva, mais agressiva para os direitos ou para as expectativas dos visados, e noutra em que o processo de reorganização demora mais tempo, mitigando as suas consequências em virtude de uma execução previsível, gradual e programada.

72.      Assim, compete aos tribunais irlandeses ponderar a relevância desse interesse no contexto de um processo de reorganização que, iniciado na última década do século passado, deu origem, atualmente, aos resultados constantes da informação que as partes juntaram aos autos.

73.      Consequentemente, como terceira e última conclusão, devo sugerir ao Tribunal de Justiça que responda à quarta e quinta questões no sentido de que, em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação salarial indireta em razão do sexo, não pode considerar‑se justificação objetiva unicamente com base no interesse em manter boas relações laborais. Todavia, esse interesse pode ter alguma relevância na apreciação da existência de uma justificação objetiva, dependendo sempre do contexto em que o mesmo seja invocado.

VII — Conclusão

74.      Em face do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão submetida pela High Court:

«1)      Em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação salarial indireta em razão de sexo, que viola o disposto no artigo 141.° CE (atual artigo 157.° TFUE) e na Diretiva 75/117/CEE do Conselho, para fazer prova da existência de uma justificação objetiva, o empregador é obrigado a apresentar justificação da diferença de remuneração enquanto tal.

2)      Em circunstâncias em que, prima facie, há uma discriminação salarial indireta em razão do sexo, o empregador é obrigado a apresentar uma justificação em relação a um número relativamente elevado de trabalhadores que desempenham funções iguais às das autoras.

3)      Em circunstâncias em que, prima facie, há uma aparente discriminação salarial indireta em razão do sexo, não pode considerar‑se justificação objetiva unicamente o interesse em manter boas relações laborais. Esse interesse pode ter alguma relevância na apreciação da existência de uma justificação objetiva, dependendo sempre do contexto em que o mesmo seja invocado.»


1 —      Língua original: espanhol.


2 —      Uma relação de decisões relevantes nesta matéria e que mantém a sua atualidade pode encontrar‑se no acórdão de 3 de outubro de 2006, Cadman (C‑17/05, Colet., p. I‑9583).


3 —      Diretiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros no que se refere à aplicação do princípio de igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52).


4 —      JO L 204, p. 23.


5 —      Definição que, no seguimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça, coincide também com a contida no artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 97/80/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo (JO 1998, L 14, p. 6) e no artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, que altera a Diretiva 76/207/CEE do Conselho relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 269, p. 15).


6 —      O Employment Equality Act de 1998 revogou e substituiu legislação anterior que transpunha para a ordem jurídica irlandesa, entre outras, a Diretiva 75/117. O Equality Act de 2004 alterou a Lei de 1998 para transpor determinadas diretivas em matéria de igualdade.


7 —      Processo 170/84, Colet., p. 1607.


8 —      Sobre a estrutura típica do juízo de igualdade, entre muitos outros, Alexy, R., «Das allgemeine Gleichheitsrecht», em Theorie der Grundrechte, Suhrkamp, Frankfurt am Main, 5.ª ed., 2006, pp. 357 a 393, e Sachs, M., «Zur dogmatischen Struktur der Gleichheitsrechte als Abwehrrechte», em DÖV, 1984, pp. 411 a 419.


9 —      Processo C‑381/99 (Colet., p. I‑4961, n.° 52).


10 —      Processo Brunnhofer (n.° 54).


11 —      Processo C‑127/92 (Colet., p. I‑5535, n.° 17).


12 —      Apresentadas em 19 de maio de 2011 (C‑447/09, Colet. 2011, p. I‑8006, n.° 46).


13 —      Acórdão Cadman, já referido (n.° 28). O próprio artigo 157.º TFUE foi definido como a «disposição fundamental sobre a igualdade de tratamento no Direito do Trabalho» (Krebber, S., «Art. 157, Rn. 1», em Callies/Ruffert, EUV.AEUV Kommentar, C.H. Beck, Munique, 4.ª ed., 2011.


14 —      N.° 45. Citam‑se acórdãos de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, Colet., p. 193, n.° 39); de 8 de novembro de 1983, Comissão/Reino Unido (165/82, Recueil, p. 3431, n.° 11); de 27 de junho de 1990, Kowalska (C‑33/89, Colet., p. I‑2591, n.°12); de 7 de fevereiro de 1991, Nimz (C‑184/89, Colet., p. I‑297, n.°11); de 21 de outubro de 1999, Lewen (C‑333/97, Colet., p. I‑7243, n.° 26); de 18 de novembro de 2004, Sass (C‑284/02, Colet., p. I‑11143, n.° 25); e de 9 de dezembro de 2004, Hlozek (C‑19/02, Colet., p. I‑11491, n.° 43).


15 —      Sobre a justificação dessa diferença, com caráter geral, Hervey, T.K., «EC law on justifications for sex discrimination in working life», em Collective bargaining, discrimination, social security and European integration, Bulletin of comparative labour relations, 48, 2003, pp. 103‑152.