Language of document : ECLI:EU:T:1998:140

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada)

25 de Junho de 1998 (1)

«Auxílio de Estado — Transportes aéreos — Companhia aérea em situação de crise financeira — Autorização para um aumento de capital»

Nos processos apensos T-371/94 e T-394/94,

British Airways PLC, sociedade de direito inglês, com sede em Hounslow (Reino Unido),

Scandinavian Airlines System Denmark-Norway-Sweden, sociedade de direito dinamarquês, norueguês e sueco, com sede em Estocolmo,

Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV, sociedade de direito neerlandês, com sede em Amstelveen (Países Baixos),

Air UK Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Stansted (Reino Unido),

Euralair International, sociedade de direito francês, com sede em Bonneuil (França),

TAT European Airlines, sociedade de direito francês, com sede em Tours (França),

representadas por Romano Subiotto, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de advogados Elvinger, Hoss et Prussen, 15, Côte d'Eich,

recorrentes no processo T-371/94,

e

British Midland Airways Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Castle Donington (Reino Unido), representada por Kevin F. Bodley, solicitor, e Konstantinos Adamantopoulos, advogado no foro de Atenas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Arsène Kronshagen, 12, boulevard de la Foire,

recorrente no processo T-394/94,

apoiadas por

Reino da Suécia, representado por Staffan Sandström, na qualidade de agente,

Reino da Noruega, representado por Margit Tveiten, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede do Consulado Real da Noruega, 3, boulevard Royal,

Maersk Air I/S, sociedade de direito dinamarquês, com sede em Dragøer (Dinamarca),

e

Maersk Air Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Birmingham (Reino Unido),

representados por Roderic O'Sullivan e Philip Wareham, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de advogados Arendt et Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

intervenientes no processo T-371/94,

Reino da Dinamarca, representado por Peter Biering, chefe de divisão no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada da Dinamarca, 4, boulevard Royal,

e

Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por John E. Collins, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, e Richard Plender, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

intervenientes nos dois processos,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Nicholas Kahn e Ben Smulders, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por Ami Barav, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales, e advogado no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por Marc Perrin de Brichambaut, director dos Assuntos Jurídicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, Edwige Belliard, Catherine de Salins e Jean-Marc Belorgey, respectivamente directora-adjunta, subdirectora e encarregado de missão na direcção dos Assuntos Jurídicos do mesmo Ministério, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da França, 8 B, boulevard Joseph II,

e

Compagnie nationale Air France, sociedade de direito francês, com sede em Paris, representada por Olivier d'Ormesson, advogado no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Jacques Loesch, 11, rue Goethe,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 94/653/CE da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa ao aumento de capital notificado da Air France (JO L 254, p. 73),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção Alargada),

composto por: C. W. Bellamy, presidente, K. Lenaerts, C. P. Briët, A. Kalogeropoulos e A. Potocki, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 e 7 de Maio de 1997,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto subjacente aos recursos e tramitação processual

Procedimento administrativo

1.
    Por carta de 18 de Março de 1994, as autoridades francesas informaram a Comissão, nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado CE, da sua intenção de injectar 20 mil milhões de FF no capital da Compagnie nationale Air France (a seguir «Air France»). A essa notificação foi junto um plano de reestruturação intitulado «Projet pour l'entreprise» (a seguir «Projecto»).

2.
    Na sequência de uma reunião organizada com os representantes de Air France e do Governo francês, bem como de uma troca de correspondência com estes últimos, a Comissão deu início ao processo previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado. Informou deste facto as autoridades francesas por carta de 30 de Maio de 1994 que foi objecto, em 3 de Junho de 1994, de uma comunicação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (C 152, p. 2 a seguir «comunicação de 3 de Junho de 1994»).

3.
    Nesta comunicação, a Comissão considerava que o aumento de capital proposto constituía um auxílio do Estado, salientando embora que deveria ainda analisar se o projecto de auxílio afectava as trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum. A este propósito, a Comissão afirmava designadamente:

— que a realidade económica impunha a tomada em consideração da situação e das perspectivas económicas do conjunto do grupo Air France;

— que teria de examinar os efeitos do auxílio sobre a situação concorrencial da Air France nas linhas internacionais e internas, nas quais a Air France devia fazer face à concorrência de outros transportadores europeus.

4.
    Posteriormente as autoridades francesas enviaram à Comissão uma série de cartas e participaram, com representantes da Air France, em várias reuniões organizadas pela Comissão. Até 4 de Julho de 1994, a Comissão recebeu as observações das 23 partes interessadas, entre as quais se contavam o Reino da Dinamarca, o Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte, o Reino da Suécia, o Reino da Noruega, a Associação das Companhias Aéreas da Comunidade Europeia (a seguir «ACE») e um grande número de companhias aéreas europeias, entre as quais, as ora recorrentes.

5.
    A maioria das partes interessadas comungava nas dúvidas da Comissão quanto à legitimidade do auxílio em causa. Entre as suas principais objecções, contavam-se designadamente as seguintes:

    — o auxílio iria beneficiar não só a Air France, mas também o conjunto do grupo;

    — o auxílio traduzir-se-ia por uma sobrecapitalização do grupo Air France;

    — a compra de 17 novos aviões ao preço de 11,5 mil milhões de FF seria inaceitável;

    — a avaliação da compatibilidade do auxílio com o mercado comum não deveria fazer-se apenas sob o ângulo da evolução do beneficiário desse auxílio;

    — em caso de autorização do auxílio, deveria ser imposta uma redução enorme das capacidades da Air France.

6.
    Os comentários das partes interessadas foram comunicados às autoridades francesas, que responderam por carta transmitida em 13 de Julho de 1994 aos serviços competentes da Comissão. Em 14 de Julho de 1994, o Primeiro Ministro francês enviou ao membro competente da Comissão uma carta expondo os compromissos que o seu Governo assumiria em caso de aprovação do Projecto. Em 18 de Julho de 1994, foram comunicados à Comissão dois compromissos suplementares do Governo francês. Por último, em 26 de Julho de 1994, as autoridades francesas fizeram chegar à Comissão um complemento de informação.

A decisão impugnada

7.
    Em 27 de Julho de 1994, a Comissão adoptou a Decisão 94/653/CEE, relativa ao aumento de capital notificado da Air France (JO L 254, p. 73, a seguir «decisão impugnada»), que pode ser assim resumida.

8.
    Depois de descrever a estrutura do grupo Air France (activo no transporte aéreo, na hotelaria, no turismo, na restauração, na manutenção, e na formação de pilotos), a Comissão salienta que este grupo é, juntamente com a British Airways e a Lufthansa, um dos três grandes transportadores aéreos europeus. Desde o início de 1990, teria prosseguido uma política de aquisição de participações noutras companhias aéreas (UTA, Air Inter, Sabena e CSA), tendo designadamente como objectivo consolidar a sua influência no mercado interno e fazer face à concorrência nas ligações internacionais. O grupo Air France ter-se-ia lançado num programa de modernização e expansão da frota, financiado por empréstimos cujos encargos financeiros teriam onerado o resultado final do grupo, que se teria saldado por uma primeira perda de 717,2 milhões de FF em 1990. Perante esta

situação, o grupo Air France teria adoptado vários planos de reestruturação, que teriam todos acabado, no entanto, por falhar.

9.
    Resumindo, a Comissão afirma que o grupo Air France atravessa uma crise económica e financeira muito grave: depois de ter sofrido uma perda de 3,2 mil milhões de FF em 1992, teria registado, em 1993, o quarto resultado anual negativo consecutivo, que se teria elevado a 8,4 mil milhões de FF. Nos três últimos anos, a situação do grupo não teria parado de se deteriorar. O fosso entre o grupo Air France e os seus concorrentes ter-se-ia ainda aprofundado mais com os maus resultados de 1993, explicáveis, principalmente, por uma produtividade baixa e por elevados custos de exploração, bem como pelos pesados encargos financeiros suportados pelo grupo.

10.
    A Comissão descreve, a seguir, as grandes linhas do Projecto destinado a «transformar a Air France numa verdadeira empresa», objectivo este a atingir durante o período de 1 de Janeiro de 1994 a 31 de Dezembro de 1996, e isto, graças a uma redução dos custos e das despesas financeiras, a uma modificação na concepção dos produtos e a uma melhor utilização dos meios, a uma reorganização da companhia, bem como à participação dos trabalhadores.

11.
    Neste contexto, a Comissão explica designadamente que o número de aviões a receber durante o período da reestruturação seria reduzido de 22 para 17 e que o investimento correspondente baixaria assim para 11,5 mil milhões de FF. A frota operacional (145 aviões) só seria aumentada de uma unidade; o número de lugares oferecidos sofreria uma ligeira redução. Além disso, a Air France racionalizaria a sua frota, fazendo desaparecer um determinado número de aparelhos. Com efeito, a heterogeneidade da frota (24 tipos ou versões diferentes de aviões) seria um dos factores de agravação dos custos de exploração. A Air France simplificaria também a sua rede, aumentaria as frequências nas rotas rentáveis, expandiria as rotas de longo curso, abandonaria as rotas marginais e centrar-se-ia nas rotas que apresentassem boas perspectivas de expansão. No plano social, o Projecto previa designadamente uma redução dos efectivos em 5 000 pessoas, a estagnação dos salários (sem prejuízo de um eventual reexame da questão) e o bloqueio das promoções. A Air France seria reestruturada em onze centros operacionais responsáveis pelos seus próprios resultados financeiros, sendo cada centro dotado de meios próprios. A execução do Projecto seria financiada pelo aumento de capital e pela venda dos activos não associados às actividades principais.

12.
    A Comissão refere que, no decurso das negociações com o Governo francês, este teria assumido uma série de compromissos quanto à execução do Projecto e à utilização do capital concedido à Air France, devendo a injecção do capital operar-se em três vezes: 10 mil milhões de FF em 1994, 5 mil milhões em 1995 e5 mil milhões em 1996. Estes compromissos constam, sob a forma de condições, do dispositivo da decisão impugnada.

13.
    Baseando-se nos elementos referidos, a Comissão entendeu que a injecção de capital em causa constituía um auxílio de Estado na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado e do artigo 61.°, n.° 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «Acordo EEE») que, tendo em consideração a vasta rede europeia da Air France e a grande concorrência que existe na maioria dessas rotas, falseava a concorrência no EEE. Por outro lado, o auxílio afectaria também o comércio entre os países do EEE, tendo em conta que a aviação civil é um sector de actividade com carácter internacional.

14.
    Depois de excluir a aplicação de outras derrogações prevista pelo Tratado e pelo Acordo EEE, a Comissão verificou em que medida é que os critérios fixados pelo artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado e pelo artigo 61.°, n.° 3, alínea c), do Acordo EEE se encontravam satisfeitos.

15.
    Ao examinar a situação actual da aviação civil, a Comissão afirma que este sector parece ter ultrapassado a crise económica existente desde 1990. Apesar dos resultados positivos (aumento do tráfego de passageiros), determinadas companhias aéreas europeias continuariam, no entanto, a registar perdas, fruto da sobrecapacidade existente no mercado. As perspectivas para o sector da aviação civil europeia continuariam, porém, a ser bastante favoráveis a médio prazo. Tendo em conta estas previsões, a sobrecapacidade deveria ser apenas um fenómeno temporário. Em consequência, a Comissão entende que o mercado não está afectado por uma crise estrutural de sobrecapacidade e que a situação do sector da aviação não justifica uma redução global das capacidades.

16.
    Depois de avaliar o Projecto, a Comissão considera que este é susceptível de viabilizar económica e financeiramente a Air France e que uma verdadeira reestruturação da companhia contribuiria para o desenvolvimento do transporte aéreo europeu, melhorando a sua competitividade; seria, pois, conforme ao interesse comum. Neste contexto, uma nota de pé de página remete para o programa de acção da Comissão «O futuro da aviação civil na Europa» [COM(94) 218].

17.
    Ao verificar se o auxílio previsto é proporcionado às necessidades de reestruturação da Air France, a Comissão entende que a medida em causa é simultaneamente necessária e adequada para dar à companhia os meios de aplicar com êxito o plano de reestruturação e recuperar a viabilidade. A este propósito, a Comissão examina os diferentes instrumentos financeiros emitidos pela Air France entre 1989 e 1993, daí concluindo que a ratio de endividamento (dívida/capitais próprios) deveria ser de 1,12:1 no final de 1996. Com efeito, a estrutura do balanço do grupo Air France apresentar-se-ia do seguinte modo: capitais próprios = 18, 65 mil milhões e dívida = 20, 85 mil milhões de FF. Esta ratio seria superior à ratio média da aviação civil, na qual uma ratio de 1,5:1 é considerada aceitável. A Comissão explica, a seguir, que se se fizer abstracção do auxílio, a Air France poderia, para melhorar ela própria a sua situação financeira,

designadamente diferir as encomendas de aviões e vender activos. Quanto à primeira possibilidade, a Comissão sublinha que a Air France já diferiu algumas encomendas; quaisquer adiamentos suplementares aumentariam a idade média da frota para mais de dez anos, valor este demasiado elevado para uma transportadora aérea que procura recuperar todo o seu vigor concorrencial. Quanto à venda de activos, a Comissão salienta que apenas um número limitado de activos, como por exemplo, o Méridien, a Sabena ou a Air Inter poderia proporcionar montantes suficientes. A Sabena e a Air Inter seriam importantes elementos constitutivos da actividade de transporte aéreo da Air France. A venda dos restantes activos encontrar-se-ia já prevista no projecto e não deveria traduzir-se por uma redução significativa do montante do auxílio.

18.
    Ao verificar se o auxílio não afecta as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum, a Comissão remete para os compromissos assumidos pelo Governo francês no decurso do procedimento administrativo — designadamente o de fazer com que a Air France fosse a única beneficiária do auxílio — para daí deduzir que esses compromissos atenuam a sua apreensão quanto aos efeitos do auxílio porque impedem a Air France de utilizar o auxílio para subsidiar as actividades da Air Inter. A Comissão limitou, pois, à Air France, verdadeira beneficiária do auxílio, a análise dos efeitos do mesmo nas trocas comerciais.

19.
    A Comissão entende que esses compromissos impõem à Air France grandes limitações em termos de capacidade, de oferta e de fixação de preços e a impedem de prosseguir uma política de preços agressiva em todas as rotas que explora no interior do EEE. Por outro lado, nos quatro primeiros meses de 1994, a Air France teria já reduzido a sua oferta no mercado europeu de 6,4 % em relação ao período correspondente de 1993, ao passo que todas as outras transportadoras europeias registavam um aumento médio de 3,8 %. A limitação da oferta da Air France a níveis inferiores ao crescimento do mercado determinaria um decréscimo da sua parte de mercado no EEE em benefício dos seus concorrentes. Deste modo, o auxílio não poderia afectar as trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum.

20.
    A Comissão sublinha que, para analisar os efeitos do auxílio no EEE, tem igualmente que tomar em consideração a liberalização crescente do sector dos transportes aéreos na Comunidade, na sequência da adopção, em 1992, de vários regulamentos do Conselho, denominados «terceiro pacote». Neste contexto, a Comissão considera que a supressão dos obstáculos que protegem a Air France da concorrência constitui uma contrapartida adequada à concessão de um auxílio compatível com o interesse comum.

21.
    A Comissão entende, por último, que os efeitos negativos do auxílio não são amplificados pela exploração de direitos exclusivos ou pela aplicação de um tratamento privilegiado reservado à Air France, dado que as autoridades francesas se comprometeram a alterar as regras da distribuição do tráfego aplicáveis ao

sistema aeroportuário parisiense de modo a torná-las não discriminatórias, por um lado, e, por outro, a assegurar que os trabalhos necessários para adaptar os dois terminais do aeroporto, Orly Sud e Orly Ouest, não afectem as condições de concorrência em detrimento das companhias aéreas que utilizam o aeroporto de Orly. A Comissão lembra, além disso, que adoptou, em 27 de Abril de 1994, uma decisão que obriga a França a autorizar os transportadores da Comunidade a exercer os seus direitos de tráfego nas rotas entre Paris (Orly) e Toulouse e entre Paris (Orly) e Marselha, o mais tardar, a partir de 27 de Outubro de 1994.

22.
    Finalmente, a Comissão entende que o conjunto dos compromissos assumidos pelas autoridades francesas responde às preocupações por ela expressas quando deu início ao procedimento administrativo.

23.
    Nos termos do artigo 1.° da decisão impugnada, o auxílio a conceder à Air France durante o período de 1994 a 1996, sob a forma de um aumento de capital de 20 mil milhões de FF, a pagar em três parcelas, e destinado à reestruturação da empresa de acordo com o Projecto, é compatível com o mercado comum e o Acordo EEE, nos termos do n.° 3, alínea c), do artigo 92.° do Tratado e do n.° 3, alínea c), do artigo 61.° do Acordo EEE, na condição de o Estado francês respeitar os 16 compromissos que constam desse mesmo artigo 1.°

24.
    O artigo 2.° da decisão impugnada subordina o pagamento das segunda e terceira parcelas do auxílio ao respeito dos referidos compromissos, à aplicação efectiva do Projecto e à concretização dos resultados nele previstos, a fim de assegurar que o montante do auxílio permanece compatível com o mercado comum. O Governo francês fica obrigado a apresentar à Comissão, antes do pagamento da segunda e terceira parcelas do auxílio em 1995 e 1996, um relatório sobre o avanço do programa de reestruturação e a situação económica e financeira da Air France, confiando a Comissão a consultores independentes a verificação da correcta execução do plano e da observância das condições associadas à aprovação do auxílio.

Tramitações processuais

25.
    Foi nestas circunstâncias que as recorrentes interpuseram os presentes recursos, que deram entrada na Secretaria do Tribunal em 21 de Novembro e 22 de Dezembro de 1994, respectivamente.

26.
    A fase escrita, nos dois processos, desenvolveu-se normalmente.

27.
    Por despachos do Presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal, de 10 de Março, 8 de Maio e 12 de Junho de 1995, o Reino da Dinamarca, o Reino Unido, o Reino da Suécia, o Reino da Noruega, Maersk Air I/S e Maersk Air Ltd (a seguir «sociedades Maersk» ou «Maersk») foram admitidos como intervenientes em apoio dos pedidos das respectivas recorrentes.

28.
    Por despachos do Presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal, de 12 de Junho de 1995, a República Francesa foi admitida como interveniente em apoio dos pedidos da recorrida.

29.
    Por despachos do Tribunal (Primeira Secção Alargada), de 12 de Junho de 1995, a Air France foi admitida como interveniente em apoio dos pedidos da recorrida e foi autorizada a apresentar as suas alegações em francês na fase oral dos processos.

30.
    Por decisão do Tribunal, o juiz-relator foi designado para a Segunda Secção Alargada, à qual os processos foram consequentemente atribuídos.

31.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção Alargada) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Convidou, porém, as partes a aprofundarem vários pontos nas suas alegações.

32.
    As alegações das partes e as respostas destas às perguntas do Tribunal foram ouvidas na audiência que teve lugar em 6 e 7 de Maio de 1997.

33.
    Na mesma ocasião, o Tribunal decidiu, ao abrigo do artigo 64.° do Regulamento de Processo, uma medida de organização do processo, convidando as recorrentes bem como os intervenientes em apoio dos seus pedidos a entregarem na Secretaria as observações que tinham apresentado à Comissão no decurso do procedimento administrativo, caso estas ainda não constassem dos autos. Na sequência desta medida, deram entrada na Secretaria, em 8 de Maio de 1997, as observações da British Airways plc (a seguir «British Airways»), da TAT European Airlines (a seguir «TAT»), da Scandinavian Airlines System Demnark-Norway-Sweden (a seguir «SAS»), da Euralair international (a seguir «Euralair») e da Air UK Ltd (a seguir «Air UK»); as observações do Reino da Dinamarca, do Reino Unido, do Reino da Suécia e do Reino da Noruega tinham já sido juntas aos autos na audiência.

34.
    Ouvidas as partes na audiência quanto a este ponto e não tendo havido objecções, o Tribunal (Segunda Secção Alargada) decidiu apensar os dois processos para efeitos do acórdão.

Pedidos das partes

35.
    As recorrentes concluem, nos dois processos, pedindo que o Tribunal se digne:

— anular a decisão impugnada;

— condenar a Comissão nas despesas.

A recorrente no processo T-394/94 pede ainda que o Tribunal ordene medidas de organização processual e medidas de instrução, nos termos dos artigos 64.° e 65.°

do Regulamento de Processo, ordenando à Comissão que junte aos autos todos os processos e documentos pertinentes de que dispõe.

36.
    O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

— anular a decisão impugnada;

— condenar a Comissão nas despesas, incluindo as do Reino Unido.

37.
    O Reino da Dinamarca, o Reino da Suécia e o Reino da Noruega concluem pedindo que o Tribunal se digne:

— anular a decisão impugnada.

38.
    As sociedades Maersk concluem pedindo que o Tribunal se digne:

— anular a decisão impugnada;

— condenar a Comissão nas despesas da sua intervenção, se for da competência do Tribunal decidir quanto a este ponto.

39.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

— negar provimento aos recursos;

— condenar as recorrentes nas despesas;

— condenar o Reino da Dinamarca, o Reino Unido, o Reino da Suécia, o Reino da Noruega e as sociedades Maersk a suportar uma parte das despesas da Comissão.

40.
    A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

— negar provimento aos recursos;

41.
    A sociedade Air France conclui pedindo que o Tribunal se digne:

— negar provimento aos recursos;

— condenar as recorrentes nas despesas, incluindo as incorridas pela Air France.

Quanto ao mérito

42.
    As recorrentes invocam vários fundamentos que podem ser agrupados. Num primeiro grupo (I) inserem-se os fundamentos em que acusam a Comissão, por um lado, de violação das regras relativas ao procedimento administrativo a que se

refere o artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, por ter negligenciado a recolha de informações suficientes e/ou a comunicação aos interessados, entre os quais se contam as recorrentes, de informações suficientes para lhes permitir serem ouvidas lealmente e exercer efectivamente os direitos que lhes conferem os artigos 93.°, n.° 2, do Tratado e 62.°, n.° 1, alínea a), do acordo EEE. Por outro lado, acusam a Comissão de não ter recorrido a peritos independentes para avaliar a compatibilidade do auxílio controvertido com os artigos 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado e 61.°, n.° 3, alínea c), do acordo EEE e de não ter tomado todas as medidas necessárias para verificar a exactidão das informações fornecidas pelas autoridades francesas e pela companhia Air France.

43.
    Num segundo grupo de fundamentos (II) insere-se a alegação de vários erros cometidos pela Comissão na aplicação do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado e do artigo 61.°, n.° 3, alínea c), do Acordo EEE. Neste contexto, sustentam que a Comissão infringiu o princípio da proporcionalidade aplicável em matéria de auxílios de Estado, em primeiro lugar, por ter autorizado, sem razão, a compra pela Air France de 17 aviões novos (A), em segundo lugar, por ter autorizado, sem razão, o financiamento de despesas de exploração e de medidas operacionais da Air France (B), em terceiro lugar, por ter classificado erradamente os títulos emitidos pela Air France entre 1989 e 1993 (C), em quarto lugar, por ter ignorado a ratio de endividamento da Air France (D) e, em quinto lugar, por se ter abstido, sem razão, de exigir a venda de determinados activos da Air France susceptíveis de serem alienados (E). As recorrentes criticam ainda a Comissão por ter erradamente considerado que o auxílio se destinava a facilitar o desenvolvimento de uma certa actividade económica sem alterar as condições do comércio em medida contrária ao interesse comum. Neste contexto, as suas críticas são designadamente dirigidas contra 12 das 16 condições de autorização às quais foi subordinada a aprovação do auxílio. Finalmente, as recorrentes põem ainda em causa, sob diversos aspectos, a adequação do plano de reestruturação da Air France e criticam a Comissão por ter erradamente concluído que esse plano era susceptível de viabilizar economicamente a Air France. No quadro destes diferentes fundamentos, as recorrentes sustentam igualmente que a decisão impugnada não foi suficientemente fundamentada pela Comissão. Através de um último fundamento, a recorrente no processo T-394/94, British Midland Airways Ltd (a seguir «British Midland»), alega que houve violação do artigo 155.° do Tratado.

I —    Quanto aos fundamentos baseados num desenvolvimento incorrecto do procedimento administrativo

Exposição sumária da argumentação das partes

44.
    A recorrente no processo T-394/94 alega essencialmente que o procedimento administrativo previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado tem carácter contraditório e que a Comissão deve, consequentemente, fornecer às partes interessadas informações suficientes para lhes permitir apreciar plenamente o efeito potencial de um auxílio em relação a elas próprias. No caso em apreço, a comunicação da

Comissão de 3 de Junho de 1994 teria sido insuficiente. Designadamente, a Comissão

— não teria explicado o cálculo dos 20 mil milhões de FF,

— não teria indicado, relativamente à aquisição de 17 novos aviões, que tipo de aparelhos seriam adquiridos nem de que tipo de aparelhos se iria compor a frota,

— não teria comunicado o texto do plano de reestruturação,

— não teria explicado em que é que baseava o cálculo de um aumento da produtividade da Air France de 30% ou 33,3% ,

— não teria indicado o custo das saídas voluntárias de pessoal propostas,

— não teria fornecido quaisquer detalhes a respeito dos activos da Air France nem indicado a repartição dos activos ligados às actividades principais e dos activos ligados às outras actividades,

— não teria indicado qualquer estimativa do valor da cadeia hoteleira Méridien,

— não teria indicado nenhum pormenor a respeito do valor das participações da Air France na Air Inter, na Sabena ou noutras sociedades, nem teria explicado por que razão estes activos não foram considerados como activos ligados a actividades não principais,

— não teria dado nenhuma informação detalhada sobre o projecto de rede da Air France, de modo a permitir calcular os seus efeitos eventuais sobre a concorrência,

— não teria referido nenhuma informação sobre os «novos produtos» propostos pela Air France, de modo a permitir avaliar os respectivos efeitos sobre a concorrência,

— não teria tido ao seu dispor as contas anuais da Air France no momento da adopção da decisão impugnada,

— não teria explicado a razão por que não solicitou a comunicação de informações essenciais, necessárias à adopção de uma decisão fundamentada, acerca da compatibilidade do auxílio com o mercado comum,

— não teria tomado em consideração as filiais, e designadamente a Air Inter, pelo facto de o plano de reestruturação se concentrar exclusivamente na Air France,

— não teria explicado como é que as propostas destinadas ao prosseguimento dos projectos de expansão da Air France se podiam conciliar com os objectivos do

Tratado, à luz designadamente do falhanço das duas injecções de capitais precedentes num montante de 5,8 mil milhões de FF.

45.
    Nas observações que apresentou na Comissão no decurso do procedimento administrativo, a British Midland já tinha invocado a maior parte das críticas acima mencionadas, pedindo nomeadamente à Comissão que lhe comunicasse o plano de reestruturação apresentado pela Air France, alegando que, sem essa divulgação, não disporia de informações suficientes para se pronunciar utilmente sobre o projecto de auxílio.

46.
    As recorrentes no processo T-371/94 alegam igualmente que as informações constantes da comunicação de 3 de Junho de 1994 eram insuficientes. Uma maior precisão na comunicação acerca das intenções da Air France de aumentar a frequência nas rotas rentáveis, de desenvolver os voos de longo curso, de abandonar as linhas marginais e de se concentrar nas ligações que apresentam boas perspectivas de crescimento teria permitido às recorrentes ajudar a Comissão a avaliar esses aspectos do plano de reestruturação. A Comissão não teria designadamente evocado as justificações da Air France quanto à necessidade de adquirir 17 novos aparelhos, de modo que as partes interessadas não teriam podido fornecer à Comissão as informações necessárias que lhe teriam permitido examinar cuidadosa e imparcialmente este aspecto da questão.

47.
    Sublinham ainda que a comunicação não faz qualquer referência à unidade de medida utilizada, expressa em «equivalente passageiros-quilómetros transportados» (a seguir «EPKT»). Teriam sido confrontadas pela primeira vez com essa unidade de medida elaborada especificamente para a Air France e aplicada ao cálculo dos seus próprios objectivos de produtividade actuais e futuros na decisão impugnada.

48.
    Salientam ainda que a Comissão devia ter verificado a versão francesa da comunicação na parte respeitante a uma eventual sobrecapitalização da Air France. Com efeito, a transferência das ORA (obligations remboursables en actions) e TSDI (titres subordonnés à durée indéterminée reconditionnés), segundo a versão inglesa, «from the side of debts into equity» teria sido traduzida como uma transferência «do passivo para o activo». Este erro de tradução tornou a formulação de comentários pertinentes mais difícil para os terceiros interessados que utilizassem a versão francesa.

49.
    As recorrentes consideram, por último, que, dada a complexidade do processo, a Comissão deveria ter sido assistida por peritos independentes em economia, financiamento e gestão de transportes aéreos. Como se pode ver no artigo 2.° da decisão impugnada, que prevê a intervenção de consultores independentes antes do pagamento das segunda e terceira parcelas do auxílio, a própria Comissão reconhece que é indispensável fazer verificar por peritos externos a correcta aplicação do plano de reestruturação. Reconhecendo assim implicitamente que não tem conhecimentos técnicos suficientes para proceder ela própria a essa verificação.

50.
    As recorrentes nos dois processos sustentam que a Comissão, ao adoptar a decisão impugnada, fez prova de demasiada precipitação, incompatível com o respeito dos seus direitos fundamentais e dos das outras partes interessadas. Com efeito, a decisão impugnada teria sido tomada só 16 dias úteis depois da expiração do prazo fixado às partes interessadas para apresentarem as suas observações, o que é um prazo excepcionalmente reduzido para analisar, debater e resolver os complexos problemas levantados pelo projecto de auxílio em discussão. Entre a data de início do procedimento ao abrigo do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado e a data de adopção da decisão impugnada (3 de Junho e 27 de Julho de 1994) só teriam passado 37 dias úteis, prazo este bem inferior à média em processos similares.

51.
    O Reino da Dinamarca lembrou, na audiência, que tinha pedido, em vão, à Comissão, durante o procedimento administrativo, que transmitisse aos outros Estados-Membros a resposta do Governo francês à comunicação de 3 de Junho de 1994, para poderem apresentar as suas observações antes da decisão da Comissão.

52.
    A Comissão responde que o procedimento previsto pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado não exige um debate contraditórios com terceiros interessados. Estes não poderiam pretender ser tratados do mesmo modo que o destinatário da decisão final. A este respeito, a Comissão remete para a jurisprudência elaborada em matéria de concorrência, segundo a qual os direitos processuais dos autores das denúncias não são tão extensos como o direito de defesa das empresas contra as quais o inquérito da Comissão é dirigido.

53.
    Quanto à comunicação que dá início ao procedimento nos termos do artigo 93.°, n.° 2, a Comissão sublinha que ela se destina exclusivamente a obter, por parte dos interessados, quaisquer informações susceptíveis de a esclarecer na sua acção futura. No presente caso, a comunicação de 3 de Junho de 1994 teria enumerado todos os aspectos a propósito dos quais pretendia receber observações, a fim de poder pronunciar-se sobre o projecto de auxílio notificado pelas autoridades francesas. Nesta comunicação, teria dado todas as informações necessárias para permitir às partes interessadas expressarem os seus pontos de vista.

54.
    Num plano mais geral, a Comissão afirma que só pode fazer constar da suacomunicação as informações de que dispõe no momento da publicação e que não nem são destituídas de interesse nem estão cobertas pelo segredo profissional ou comercial. De resto, o objectivo de uma comunicação, ao abrigo do artigo 93.°, n.° 2, não é o de expressar uma opinião definitiva, mas levantar questões. Quanto às numerosas informações que, segundo as recorrentes, deveriam ter constado da comunicação de 3 de Junho de 1994, a Comissão sublinha que a maior parte dos pontos referidos ou estavam cobertos pelo segredo comercial ou não lhe suscitavam dúvidas a propósito das quais tivesse necessidade de informações suplementares.

55.
    Relativamente ao prazo de exame, a Comissão lembra que o projecto de auxílio controvertido lhe foi notificado em 18 de Março de 1994 e que a decisão

impugnada foi tomada 131 dias mais tarde, ou seja, em 27 de Julho de 1994. O prazo transcorrido entre estas duas datas é sensivelmente o mesmo que se verifica em processos semelhantes [Decisão 91/555/CEE da Comissão, de 24 de Julho de 1991, relativa aos auxílios a conceder pela Bélgica a favor da transportadora aérea comunitária SABENA, JO L 300, p. 48, a seguir «decisão Sabena», Decisão 94/118/CE da Comissão, de 21 de Dezembro de 1993, relativa a um auxílio do Estado irlandês ao grupo Aer Lingus, JO L 54, p. 30, a seguir «decisão Aer Lingus», Decisão 94/698/CE da Comissão, de 6 de Julho de 1994, relativa ao aumento de capital, garantias de crédito e isenção fiscal existente a favor da TAP, JO L 279, p. 29, a seguir «decisão TAP»]. A normalidade deste prazo seria ainda confirmada pelo n.° 3 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 4064/89»), segundo o qual uma decisão que declare uma concentração notificada compatível com o mercado comum deve ser tomada no prazo de quatro meses.

56.
    A Comissão sustenta, por último, que não tem qualquer obrigação jurídica de recorrer a peritos externos antes de tomar as suas decisões.

Apreciação do Tribunal

Generalidades

57.
    Há que recordar, liminarmente, que o projecto de auxílio controvertido foi oficialmente notificado pelas autoridades francesas à Comissão que, tendo decidido dar início ao processo previsto pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, estava obrigada, antes de decidir sobre o projecto, a notificar «os interessados para apresentarem as suas observações».

58.
    Quanto à finalidade desta última parte do artigo 93.°, n.° 2, deve recordar-se, a seguir, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta disposição tem como objectivo, por um lado, obrigar a Comissão a proceder de modo a que todas as pessoas potencialmente interessadas sejam avisadas e tenham oportunidade de fazer valer os seus argumentos (acórdão de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 17) e, por outro, permitir à Comissão ficar completamente esclarecida sobre a totalidade dos dados do caso antes de tomar a sua decisão (acórdão de 20 de Março de 1984, Alemanha/Comissão, 84/82, Recueil, p. 1451, n.° 13).

59.
    No que se refere mais especialmente ao dever da Comissão de informar os interessados, o Tribunal de Justiça considerou que a publicação de um aviso no Jornal Oficial das Comunidades Europeias constituía um meio adequado para dar a conhecer a todos os interessados o início de um procedimento (acórdão Intermills/Comissão, já referido, n.° 17), precisando no entanto que «esta comunicação visa exclusivamente obter, da parte dos interessados, todas as informações destinadas a esclarecer a Comissão na sua acção futura» (acórdão de

12 de Julho de 1973, Comissão/Alemanha, 70/72, Colect., p. 309, n.° 19). O Tribunal seguiu esta jurisprudência que confia essencialmente aos interessados o papel de fontes de informação para a Comissão no quadro do procedimento administrativo iniciado ao abrigo do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado (acórdão de 22 de Outubro de 1996, Skibsværftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1399, n.° 256).

60.
    De onde se deduz que os interessados, longe de poderem invocar os direitos da defesa reconhecidos às pessoas contra quem está aberto um procedimento (v., neste sentido o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.os 19 e 20, proferido em matéria de concorrência, bem como o acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p. I-959, n.° 46), gozam exclusivamente do direito a ser associados ao procedimento administrativo na medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

61.
    Ora, a extensão do direito a participar e a ser informado de que gozam os interessados no quadro do procedimento administrativo aberto nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado pode ser restringida por duas ordens de razões.

62.
    Por um lado, quando — como no presente caso — um Estado-Membro notifica à Comissão um projecto de auxílio ao qual junta documentos comprovativos, e os serviços competentes da segunda têm, a seguir, uma série de reuniões com os responsáveis do primeiro, o nível de informação da Comissão pode já ter atingido um grau relativamente elevado que só deixe lugar a um número reduzido de dúvidas susceptíveis de serem afastadas através de informações dos interessados. Com efeito, no que se refere aos pormenores do projecto de auxílio, à situação económica, financeira e concorrencial da empresa beneficiária, bem como ao funcionamento interno desta, o debate entre o Estado-Membro e a Comissão tem necessariamente um carácter mais aprofundado do que o debate com as partes interessadas. Em consequência, ao fornecer aos interessados informações gerais sobre os elementos essenciais do projecto de auxílio, a Comissão pode limitar-se a centrar a sua comunicação no Jornal Oficial sobre os pontos do projecto relativamente aos quais tem ainda algumas dúvidas.

63.
    Por outro lado, a Comissão está obrigada, por força do disposto no artigo 214.° do Tratado, a não divulgar aos interessados informações que, pela sua natureza, estejam cobertas pelo segredo profissional, como acontece designadamente no caso dos dados relativos ao funcionamento interno da empresa beneficiária. Quanto a este aspecto, a situação dos interessados não se distingue da situação dos autores de denúncias em matéria de concorrência aos quais, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não devem ser comunicados os segredos comerciais (acórdão BAT e Reynolds/Comissão, já referido no n.° 60, n.° 21).

64.
    O carácter limitado do direito à participação e à informação acima referidos no que diz respeito unicamente ao desenrolar do procedimento administrativo, não é contraditório com o dever, imposto à Comissão pelo artigo 190.° do Tratado, de dotar a sua decisão final de autorização do projecto de auxílio de fundamentação suficiente, que deve pronunciar-se sobre todas as acusações essenciais formuladas pelos interessados directa e individualmente afectados por essa decisão, quer espontaneamente quer na sequência de informações que lhes tenham sido comunicadas pela Comissão. Portanto, mesmo admitindo que a Comissão possa, num caso concreto, preferir legitimamente explorar outras fontes de informação, reduzindo, por isso mesmo, a importância da participação dos interessados, tal não a dispensa de dotar a sua decisão de fundamentação adequada (v. infra, n.° 96).

65.
    É à luz dos princípios acima desenvolvidos que se devem examinar as alegadas irregularidades de que teria padecido o procedimento administrativo, tendo presente que não foi contestado que as recorrentes e os intervenientes em apoio destas, bem com a ACE que, no decurso do procedimento administrativo na Comissão, se opuseram à autorização do projecto de auxílio controvertido, devem ser consideradas interessados na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Intermilss/Comissão (já referido no n.° 58, n.° 16).

A comunicação de 3 de Junho de 1994

66.
    No que se refere, em primeiro lugar, ao carácter alegadamente insuficiente da comunicação de 3 de Junho de 1994, deve assinalar-se que esta comunicação expõe

— a situação económica e financeira da Air France anterior à elaboração do projecto de auxílio, designadamente os planos de reestruturação e as injecções de capitais anteriores, bem como as perdas acumuladas,

— as «grandes linhas de orientação» do novo plano de reestruturação,

— o montante do auxílio previsto de 20 mil milhões de FF, e

— as principais dúvidas expressas pela Comissão nessa fase do processo, relativas, designadamente, aos ganhos de produtividade da Air France, à estrutura do grupo Air France, à situação concorrencial da Air France, e à eventualidade de uma sobrecapitalização desta.

Este Tribunal entende que essa informação era suficiente para permitir aos interessados fazer valer os seus argumentos perante a Comissão.

67.
    No que respeita à alegação das recorrentes no processo T-371/94 de que a unidade de medida EPKT, a rede aérea da Air France e o seu futuro desenvolvimento, bem como as razões que justificam a aquisição de 17 novos aviões deviam também ter constado da comunicação, a resposta da Comissão, afirmando que não tinha

dúvidas quanto a esses pontos específicos basta para justificar o silêncio da comunicação quanto a estes aspectos, o que não priva as recorrentes do direito de fazerem examinar pelo Tribunal se a decisão final da Comissão contém fundamentação suficiente à luz destes elementos ou ainda erros manifestos de apreciação ou de direito.

68.
    No que respeita às acusações da recorrente no processo T-394/94 quanto à falta de comunicação dos numerosos aspectos acima mencionados (V. supra, n.° 44), é de acolher a invocação pela Comissão do segredo comercial, que lhe proibia a divulgação aos concorrentes da Air France de informações comercialmente sensíveis da companhia aérea. Designadamente, o plano de reestruturação — na fase anterior à sua aprovação pela Comissão e ao início da sua execução — continha esse tipo de informações e não incumbia evidentemente aos concorrentes a avaliação e a comparação com as suas próprias medidas de gestão das medidas de reestruturação que a Air France se propunha adoptar. Caso contrário, os concorrentes poderiam imiscuir-se na reestruturação interna da Air France e tentar «ditar-lhe» as medidas que lhe parecessem boas, depois de terem obtido informações preciosas sobre a sua concorrente. Esta análise não é contrariada pelo facto de outros interessados, como a ACE (p. 27, último parágrafo das observações desta) terem aparentemente conseguido acesso a esse plano de reestruturação. Tal facto não pode levar a Comissão a infringir o disposto no artigo 214.° do Tratado.

69.
    Além disso, as contas anuais da Air France para 1993 foram publicadas no Boletim das publicações obrigatórias, de 17 de Junho de 1994, na página 10207 (n.° 319 do articulado de intervenção da Air France no processo T-371/94) podendo, portanto, os interessados a elas ter acesso. Não podem, pois, criticar a Comissão por não ter divulgado os dados definitivos na sua comunicação de 3 de Junho e por ter tomado a sua decisão final sem conhecer esses dados.

70.
    Finalmente, a crítica à Comissão por não ter procurado obter informações essenciais antes de adoptar a sua decisão final e por não ter verificado suficientemente todos os aspectos pertinentes do processo reduz-se a meras afirmações gerais e suposições que não são apoiadas por nenhuma prova concreta. A Comissão podia, pois, limitar-se a responder que tinha efectivamente obtidotodas as informações úteis e necessárias e que as tinha submetido a uma verificação cuidadosa. Acresce que esta acusação se refere, de facto, não à fase da comunicação de 3 de Junho de 1994, mas à fase, posterior, da decisão impugnada. O mesmo acontece em relação às duas acusações da recorrente no processo T-394/94 (v. supra, n.° 44) que constituem, na realidade, uma contestação da legalidade da decisão impugnada baseada na fundamentação e na apreciação quanto ao fundo da questão. Serão, portanto, examinadas adiante num contexto diferente.

O prazo para exame do processo

71.
    As recorrentes sustentam que, tendo em consideração a complexidade do projecto de auxílio, o prazo que a Comissão se deu para o examinar antes de adoptar a decisão impugnada foi demasiado curto. Deve salientar-se a este propósito que nenhum texto do Tratado ou da legislação comunitária prevê que as decisões em matéria de auxílios do Estado, adoptadas no termo de um procedimento ao abrigo do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, estejam sujeitas a um prazo fixo. Por outro lado, mesmo admitindo que a Comissão tenha agido com demasiada precipitação e não se tenha dado tempo suficiente para examinar o projecto controvertido, esse comportamento não poderia justificar, por si só, a anulação da decisão impugnada. A anulação pressuporia antes que esse comportamento se tivesse traduzido por uma violação das regras específicas de processo, do dever de fundamentação ou da legalidade interna da decisão impugnada. Em consequência, sem que seja necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a pertinência da prática decisória da Comissão em matéria de concentrações, esta acusação não colhe.

Os peritos externos

72.
    A acusação de que a Comissão não recorreu a peritos externos para elaborar a decisão impugnada é manifestamente desprovida de fundamento, dado que nenhuma disposição do Tratado ou da legislação comunitária impõe à Comissão tal obrigação. Deve acrescentar-se que, de qualquer modo, a Comissão dispunha de um nível relativamente elevado de informações na área do transporte aéreo antes da adopção da decisão impugnada. Recorde-se a este propósito que a Comissão já se tinha familiarizado com a situação do transporte aéreo, que tinha sido nomeadamente objecto do relatório «Expanding Horizons», publicado no início de 1994 pelo «Comité de Peritos» do Programa «O futuro da aviação civil europeia», bem como de publicações da International Air Transport Association (IATA) e da Association of European Airlines (AEA). Além disso, a Comissão tinha adoptado outras decisões no sector do transporte aéreo, como as decisões Sabena, Aer Lingus e TAP (já referidas no n.° 55). Finalmente, nenhum elemento específico ao caso em apreço permite pensar que a Comissão teria tido necessidade de recorrer a peritos externos.

O erro de tradução

73.
    O erro constante da versão francesa da comunicação de 3 de Junho de 1994, mencionado pelas recorrentes no processo T-371/94 é de tal modo evidente que os meios iniciados do sector aéreo no processo T-371/94 podiam facilmente detectá-lo. Com efeito, é evidente que os títulos de um empréstimo não podem, segundo os princípios da contabilidade, ser transferidos «do passivo para o activo» («from the side of debts into the equity», segundo o texto inglês da comunicação) mas que a sua qualificação deve ser efectuada exclusivamente no quadro do passivo, constituindo quer fundos próprios, quer dívidas.

74.
    De qualquer modo, a Comissão referiu expressamente nesta parte da sua comunicação que teria ainda que analisar de modo mais aprofundado a

classificação dos títulos em causa. De onde resulta que a apreciação da Comissão não era ainda definitiva, também em relação ao ponto falseado pelo erro em questão. Este erro não pode, pois, afectar a legalidade do procedimento administrativo, sendo a questão decisiva neste contexto unicamente a de saber se a decisão final ainda padecia desse erro — o que nem sequer foi alegado pelas recorrentes.

A participação dos outros Estados-Membros

75.
    O fundamento invocado pelo Reino da Dinamarca, de que a Comissão deveria ter transmitido aos outros Estados-Membros a resposta do Governo francês à comunicação de 3 de Junho de 1994, deve ser julgado inadmissível, uma vez que não foi invocado pelas recorrentes. Com efeito, devendo os intervenientes, nos termos do n.° 3 do artigo 116.° do Regulamento de Processo, aceitar o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção e não podendo as conclusões do seu pedido de intervenção, segundo o artigo 37.°, quarto parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, ter outro objecto do que sustentar as conclusões de uma das partes, o Reino da Dinamarca, na sua qualidade de interveniente, não pode invocar este fundamento (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.os 19 a 22).

76.
    De qualquer modo, o texto do artigo 93.° do Tratado não obriga a Comissão a transmitir aos outros Estados-Membros as observações que lhe tenham sido apresentadas pelo Governo do Estado que pede autorização para conceder um auxílio. Bem pelo contrário, resulta do artigo 93.°, n.° 2, terceiro parágrafo, do Tratado, que os outros Estados-Membros só são envolvidos num processo de auxílio específico no caso de esse processo, a pedido do Estado interessado, ser submetido a apreciação do Conselho.

Conclusões

77.
    Resulta do que precede que o procedimento do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, tal como se desenvolveu no presente caso, não padece de nenhum vício, de modo que os fundamentos correspondentes devem ser rejeitados.

II — Quanto aos fundamentos baseados em erros de apreciação e em erros de direito cometidos pela Comissão em violação dos artigo 92, n.° 3, alínea c), do Tratado e 61.°, n.° 3, alínea c), do Acordo EEE

Generalidades

78.
    Na decisão impugnada, a Comissão analisou a legalidade do auxílio controvertido à luz do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado e do artigo 61.°, n.° 3, alínea c), do Acordo EEE. No quadro dessa análise, verificou que uma verdadeira

reestruturação da Air France seria consentânea com o interesse comum, que o montante do auxílio não parecia excessivo e que o auxílio não afectava as condições de comércio em medida contrária ao interesse comum.

79.
    É jurisprudência constante que a Comissão goza de um largo poder de apreciação na aplicação do artigo 92.°, n.° 3, do Tratado (v., por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Justiça, de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris/Comissão, 730/79, Recueil, p. 2671, n.os 17 e 24, de 24 de Fevereiro de 1987, Deufil/Comissão, 310/85, Colect., p. 901, n.° 18, e de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-301/87, Colect., p. I-307, n.° 49). Sempre que esse poder discricionário implique apreciações complexas a nível económico e social, o controlo jurisdicional de uma decisão adoptada nesse quadro deve limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e da fundamentação, da exactidão da matéria de facto em que se baseou a opção contestada, da ausência de erro manifesto na apreciação da matéria de facto e da ausência de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723, n.° 11, e jurisprudência aí citada). Mais especificamente, não cabe na competência do Tribunal substituir a sua apreciação económica à do autor da decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n.° 23). O Tribunal entende que esta jurisprudência é igualmente pertinente para efeitos da análise ao abrigo do artigo 61.°, n.° 3, alínea c), do Acordo EEE.

80.
    No caso em apreço, a Comissão faz notar que uma parte das acusações formuladas pelas recorrentes se baseia em acontecimentos posteriores à adopção da decisão impugnada. As recorrentes respondem que alguns desses acontecimentos posteriores se inscrevem numa sequência ininterrupta de factos que deviam ser do conhecimento da Comissão. Além disso, alguns factos posteriores ilustrariam claramente os comentários apresentados pelas recorrentes no quadro do procedimento administrativo.

81.
    Quanto a este aspecto, importa recordar que, no quadro de um recurso de anulação nos termos do artigo 173.° do Tratado, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi praticado (acórdãos, do Tribunal de Justiça, de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Recueil, p. 321, n.° 7, e do Tribunal de Primeira Instância, de 15 de Janeiro de 1997, SFEI e o./Comissão, T-77/95, Colect., p. II-1, n.° 74) e não pode depender de considerações retrospectivas a respeito do seu grau de eficácia (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1973, Schröder, 40/72, Colect., p. 59, n.° 14). E mais particularmente as apreciações complexas efectuadas pela Comissão só devem ser examinadas em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que as fez (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, n.° 16, e de 26 de Setembro de 1996, França/Comissão, C-241/94, Colect., p. I-4551, n.° 33).

82.
    É à luz destes princípios que devem ser examinados os fundamentos e argumentos de mérito invocados no presente caso pelas recorrentes, que põem em causa a proporcionalidade do auxílio, a apreciação do impacto do auxílio no sector da aviação civil do EEE e a apreciação da adequação do plano de reestruturação ligado ao auxílio controvertido.

Quanto às acusações baseadas em violação do princípio da proporcionalidade aplicável em matéria de auxílios do Estado

83.
    Com estas acusações, as recorrentes e os intervenientes em seu apoio criticam a Comissão por ter autorizado um auxílio de um montante excessivo em relação às necessidades de restruturação da Air France. Estas acusações baseiam-se, no fundo, no acórdão Philip Morris/Comissão (já referido no n.° 79, n.° 17), no qual o Tribunal de Justiça declarou que os Estados-Membros não podiam ser autorizados a efectuar pagamentos que impliquem uma melhoria da situação da empresa beneficiária «sem serem necessários para atingir os objectivos previstos pelo artigo 92.°, n.° 3».

A — Quanto à acusação de que a Comissão teria erradamente autorizado a compra, pela Air France, de 17 novos aviões

Exposição sumária da argumentação das partes

84.
    As recorrentes consideram desproporcionada a aprovação de um auxílio cujo objectivo era permitir à Air France comprar 17 novos aviões. A Comissão teria cometido um erro manifesto ao considerar que o montante do auxílio não podia ser diminuído pela anulação ou o adiamento da encomenda da Air France num montante de 11,5 mil milhões de FF. Com efeito, o custo da necessária renovação periódica da frota seria um investimento em equipamento e faria, em princípio, parte das despesas de exploração normais de uma companhia aérea. Este tipo de renovação deveria ser efectuado sem auxílio do Estado. De qualquer modo, a compra de novos aparelhos não era indispensável à Air France.

85.
    As recorrentes no processo T-371/94 acusam ainda a Comissão por não ter fundamentado suficientemente este ponto, embora tivesse sido informada, no decurso do procedimento administrativo, de que a compra de 17 novos aviões nãoera um elemento essencial do plano de reestruturação, devendo, portanto, ser anulada. A Comissão não teria analisado seriamente os comentários apresentados pelos terceiros interessados em resposta à sua comunicação de 3 de Junho de 1994. A recorrente no processo T-394/94 e as intervenientes Maersk sustentam, em termos gerais, que a Comissão negligenciou fundamentar adequadamente a decisão impugnada, esquecendo-se designadamente de tomar em devida conta as observações pormenorizadas apresentadas pelos terceiros interessados no decurso do procedimento administrativo.

86.
    A Comissão sustenta que a aquisição dos 17 novos aparelhos era necessária à Air France. Lembra, a este propósito, o texto da decisão impugnada, segundo o qual os custos elevados de exploração da Air France eram, em parte, devidos à heterogeneidade da sua frota, cuja racionalização se encontrava consequentemente prevista no plano de reestruturação (JO, pp. 75 e 76). Este plano, longe de «rejuvenescer» a frota da Air France, mais não faria do que retardar o seu envelhecimento. Por outro lado, os novos aviões com reactores consumiriam significativamente menos carburante, seriam conformes à regulamentação em matéria de protecção do ambiente e os custos de reparação e de manutenção seriam pouco elevados. Finalmente, seriam mais atractivos para os passageiros.

87.
    Quanto à obrigação de fundamentação, a Comissão entende que a decisão impugnada observa o disposto no artigo 190.° do Tratado. Seria, com efeito, suficiente explicitar numa decisão os principais pontos de direito e de facto que lhe servem de suporte e são necessários para tornar compreensível o raciocínio que determinou a Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça, de 4 de Julho de 1963, Alemanha/Comissão, 24/62, Colect., p. 251, 256). Não seria necessário à Comissão discutir todos os pontos de facto e de direito invocados por todos os interessados no decurso do procedimento administrativo (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça, de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 66). Por último, a exigência de fundamentação deveria ser apreciada em função das circunstâncias de cada caso, nomeadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários podem ter em receber explicações. A Comissão entende que as condições elaboradas pela jurisprudência acima referida foram plenamente observadas na decisão impugnada, que expõe, ao longo de 17 páginas do Jornal Oficial, todos os elementos de facto e de direito pertinentes no presente processo e que resume igualmente as objecções levantadas por terceiros no decurso do procedimento administrativo. A Comissão contesta especificamente a alegação de que não teve em conta as observações apresentadas no decurso do procedimento administrativo. Essas observações teriam sido devidamente analisadas e transmitidas às autoridades francesas para que estas sobre elas se pronunciassem.

Apreciação do Tribunal

88.
    Tendo em consideração o teor das acusações das recorrentes, o Tribunal entende que deve verificar, em primeiro lugar, se a decisão impugnada está suficientemente fundamentada quanto à autorização de compra, pela Air France, de 17 novos aviões. Deve recordar-se a este propósito, em primeiro lugar, que, baseando-se em jurisprudência constante, segundo a qual qualquer eventual falta de fundamentação pode ser conhecida oficiosamente (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1959, Nold/Alta Autoridade, 18/57, Recueil, p. 89, 115; Colect., p. 315, e de 20 de Fevereiro de 1997, Comissão/Daffix, C-166/95 P, Colect., p. I-983, n.os 24 e 25, e do Tribunal de Primeira Instância, de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect., p. II-1931, n.° 129), o Tribunal convidou as recorrentes e os intervenientes em apoio dos seus pedidos a juntarem

aos autos as observações que tinham apresentado na Comissão no decurso do procedimento administrativo, na qualidade de interessados, na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, no caso de ainda o não terem feito (v. supra, n.° 33).

89.
    Nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela autoridade comunitária, autora do acto impugnado, por forma a permitir ao Tribunal exercer o seu controlo e aos interessados conhecer as razões da medida adoptada, a fim de poderem defender os seus direitos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colect., p. I-395, n.° 15, e jurisprudência aí referida).

90.
    Quanto à interpretação do conceito de «interessados» na acepção dessa jurisprudência, o Tribunal de Justiça declarou, num processo relativo a uma decisão da Comissão de recusa de autorização de um projecto de auxílio concebido por um Estado-Membro a favor de uma empresa nacional, que a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função designadamente do interesse que os destinatários ou «outras pessoas atingidas directa e individualmente» pelo acto impugnado, na acepção do artigo 173.° do Tratado, podem ter em receber explicações (acórdão de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n.° 19).

91.
    O Tribunal de Justiça precisou, a seguir, que uma empresa que esteja em concorrência com a empresa beneficiária do auxílio pode ser considerada «interessada», na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado e, nessa qualidade, tratada como sendo directa e individualmente atingida pela decisão da Comissão que autoriza o pagamento desse auxílio. O Tribunal de Justiça lembrou, assim, que os interessados, na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado já tinham sido definidos como as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio de Estado, isto é, nomeadamente, as empresas concorrentes e as organizações profissionais (acórdão de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C-198/91, Colect., p. I-2487, n.os 24 a 26, e jurisprudência aí referida).

92.
    É assim patente que a exigência de fundamentação de uma decisão tomada em matéria de auxílios do Estado não pode ser determinada em função unicamente do interesse em ser informado do Estado-Membro ao qual a decisão é dirigida. Com efeito, quando um Estado-Membro obtem da Comissão o que pretende, isto é, a autorização de um projecto de auxílio, o seu interesse numa decisão fundamentada, ao contrário do que acontece no caso dos concorrentes do beneficiário do auxílio, pode ser muito limitado, designadamente quando recebeu, ao longo das negociações com a Comissão e nomeadamente através da troca de correspondência com esta antes de a decisão de autorização ter sido tomada, informações suficientes.

93.
    No caso em apreço, é pacífico que as recorrentes e as intervenientes Maersk e ACE são interessados, para efeitos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, e que a decisão impugnada as atinge directa e individualmente na acepção do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado, dado que a sua posição no mercado é substancialmente afectada pela medida de autorização do auxílio constante da decisão impugnada (acórdão do Tribunal de Justiça, de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz/Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.° 25).

94.
    Segundo jurisprudência constante, a questão de saber se a fundamentação de uma decisão satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz, não somente do seu teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (ver acórdão Delacre e o./Comissão, já referido no n.° 89, n.° 16, e jurisprudência aí referida). Ainda que a Comissão não esteja obrigada a responder, na fundamentação de uma decisão, a todas as questões de facto e de direito suscitadas pelos interessados no decurso do procedimento administrativo (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1995, Publishers Association/Comissão, C-360/92 P, Colect., p. I-23, n.° 39), deve tomar em consideração todas as circunstâncias e todos os elementos relevantes do caso (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Alemanha e o./Comissão, C-329/93, C-62/95 e C-63/95, Colect., p. I-5151, n.° 32, a seguir «acórdão Bremer Vulkan/Comissão»), a fim de permitir ao tribunal comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade e dar a conhecer, tanto aos Estados-Membros como aos cidadãos interessados as condições em que aplicou o Tratado (acórdão Publishers Association, já referido, n.° 39).

95.
    Cabe acrescentar que a Comissão adoptou a decisão impugnada em aplicação do artigo 92.°, n.° 3, do Tratado, isto é num domínio em que dispõe de um largo poder de apreciação (v. supra, n.° 79). Tendo o Tribunal considerado que o poder discricionário da Comissão tem como contrapartida a obrigação de examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1991, Technische Universität München, C-269/90, Colect., p. I-5469, n.° 14), o controlo do cumprimento desta obrigação exige uma fundamentação suficientemente precisa para permitir ao Tribunal verificar esse cumprimento.

96.
    Tem, portanto, que se verificar se transparece, através da fundamentação da decisão, de modo claro e inequívoco, o raciocínio da Comissão, tendo designadamente em consideração acusações essenciais relacionadas com a avaliação do projecto de auxílio controvertido, tal como foram dadas a conhecer à Comissão no decurso do procedimento administrativo, pelas companhias British Airways, TAT, Koninklijke Luchtvaart Maatschappij, a seguir «KLM», SAS, Air UK, Euralair e British Midland, bem como pela ACE, em nome designadamente da Euralair e da Maersk, pelo Reino da Dinamarca, Reino Unido, Reino da Suécia e Reino da Noruega (a seguir «partes interessadas»).

97.
    Pode ver-se pela leitura do conjunto das observações juntas aos autos que algumas partes tinham insistido nomeadamente, junto da Comissão, no carácter inaceitável da compra de 17 novos aviões por 11,5 mil milhões de FF, prevista no plano de reestruturação. Todas as companhias aéreas não subsidiadas, confrontadas a uma crise de sobrecapacidade, teriam tido que anular ou adiar, no início dos anos 1990, as encomendas de novos aviões, pelo que a Air France não poderia escapar a essa obrigação. A decisão de investir 11,5 mil milhões de FF na aquisição de aviões aumentaria as necessidades de capital adicional e, portanto, as dívidas da Air France. Tendo em conta a sua situação financeira desastrosa, a utilização das receitas da venda de outros activos para esse financiamento não poderia justificar-se. Para assegurar a homogeneidade da frota da Air France, prevista no plano de reestruturação, seria mais indicado transformar os aviões existentes.

98.
    A companhia TAT (observações, p. 18) e o Reino Unido (observações, p. 6) sublinharam que o investimento que constitui a compra de 17 novos aviões diz respeito às actividades operacionais a curto prazo da Air France e não à sua reestruturação. Tratar-se-ia de uma modernização normal destinada a manter a competitividade da companhia. Ora, uma medida deste tipo deveria ser financiada por recursos próprios da empresa e não por um auxílio do Estado. No caso em apreço, seria inevitável, contrariamente às exigências decorrentes da jurisprudência e da prática decisória da Comissão, a utilização do auxílio controvertido para o financiamento da compra desses aviões. Este auxílio deveria ser visto como um auxílio para funcionamento, não compatível com as exigências do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado. Remetem, a este propósito, para os acórdãos do Tribunal de Justiça Deufil/Comissão (já referido no n.° 79) e de 8 de Março de 1988, Exécutif régional wallon e Glaverbel/Comissão (62/87 e 72/87, Colect., p. 1573), bem como para a Decisão 90/70/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1989, relativa aos auxílios concedidos pela França a determinadas empresas siderúrgicasde primeira transformação do aço (JO 1990 L 47, p. 28).

99.
    O Tribunal verifica que a Comissão salienta, na decisão impugnada, que um dos problemas do grupo Air France é a heterogeneidade da frota, que é composta por um grande número de aeronaves diferentes (24 tipos ou modelos diferentes), sendo essa heterogeneidade um dos factores de agravação das despesas de exploração (sendo os custos de manutenção particularmente elevados devido à grande diversidade das peças e acessórios necessários e às disparidades de qualificação do pessoal de voo e de terra). Em 31 de Dezembro de 1993, o grupo teria ao seu dispor uma frota de 208 aviões (sendo a frota da Air France composta por 145 aparelhos) com uma idade média de 8,6 anos (JO, p. 75).

100.
    Quanto às «grandes linhas de orientação» do plano de reestruturação, a Comissão explica que está previsto reduzir de 22 para 17 o número de aviões a entregar durante o período de reestruturação. O investimento correspondente situar-se-ia, assim, em 11,5 mil milhões de FF (JO, p. 75). Quanto aos capitais necessários para este investimento, a Comissão regista o adiamento das encomendas, que faz passar

a idade média da frota, no termo do período de reestruturação, para cerca de 9,3 anos. Qualquer atraso suplementar na renovação da frota faria aumentar ainda mais a antiguidade dos aviões e arriscaria pôr em perigo a competitividade da Air France e a viabilidade da sua reestruturação (JO, p. 82).

101.
    Analisando a proporcionalidade do auxílio relativamente às necessidades da reestruturação (JO, p. 83), a Comissão considera que, se se abstrair do auxílio, a Air France tem três possibilidades de melhorar por ela própria a sua situação financeira, consistindo uma dessas possibilidades no adiamento das encomendas de aviões. Ora, tendo a companhia já diferido algumas encomendas, novos adiamentos implicariam um aumento da idade média da frota para mais de 10 anos, idade esta demasiado elevada para uma companhia que procura recuperar toda a sua capacidade concorrencial (JO, p. 85).

102.
    O Tribunal considera que esta fundamentação deixa transparecer, de modo claro e inequívoco, as razões por que a Comissão considera que é indispensável, no caso específico da Air France, proceder à compra dos 17 novos aviões. A fundamentação contém os elementos justificativos qualificados como essenciais pela Comissão, ou seja, a necessidade, para a Air France, de dispor de uma frota com uma idade média razoável, o facto de o número de aviões a adquirir só constituir uma parcela do número inicialmente previsto e o facto de o investimento projectado servir para homogeneizar a frota da Air France, saldando-se, portanto, por uma redução dos custos de exploração. A Comissão deu, deste modo, ao mesmo tempo, uma resposta suficiente à primeira parte das observações apresentadas pelas partes interessadas no decurso do procedimento administrativo.

103.
    Na segunda parte das suas observações, as partes interessadas qualificaram uma parte do auxílio controvertido como auxílio ao funcionamento proibido pela jurisprudência, por se destinar a financiar actividades puramente operacionais da Air France, isto é, a renovação dos aviões da sua frota enquanto bens de equipamento.

104.
    Deve declarar-se a este propósito que, no acórdão Deufil/Comissão (já referido no n.° 79), o Tribunal de Justiça aprovou o ponto de vista da Comissão, ao considerar que um investimento consagrado a uma modernização normal destinada a manter a competitividade de uma empresa devia ser financiado pelos recursos próprios dessa empresa e não por um auxílio do Estado (n.os 16 a 19). No acórdão Exécutif régional wallon/Comissão (já referido no n.° 98), o Tribunal entendeu que as considerações expostas pela Comissão, segundo as quais um investimento tendo como finalidade a renovação e a modernização tecnológica de uma linha de produção, que deve efectuar-se periodicamente, não podia considerar-se como sendo destinado a facilitar o desenvolvimento de determinadas actividades económicas na acepção do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, constituíam um linha de raciocínio compreensível e que cabia no seu poder de apreciação (n.os 31, 32 e 34).

105.
    Referindo-se a esta jurisprudência, as partes interessadas sublinharam que o montante do auxílio autorizado arriscava tornar-se excessivo, uma vez que uma parte desse auxílio não se destinava à reestruturação da Air France propriamente dita. Ora, no acórdão Philip Morris/Comissão (já referido no n.° 79, n.° 17), o Tribunal de Justiça entendeu que não era permitido aos Estados-Membros efectuar pagamentos que implicassem uma melhoria da situação financeira da empresa beneficiária «sem serem necessários para atingir os objectivos previstos pelo artigo 92.°, n.° 3».

106.
    As partes interessadas salientaram, pois, a eventualidade de um erro de direito, no presente caso, violação do princípio da proporcionalidade especificamente consagrado, em matéria de auxílios do Estado, pelo artigo 92.°, n.° 3, do Tratado. Este Tribunal entende que se trata de uma aspecto essencial à avaliação do projecto de auxílio controvertido. A Comissão estava, portanto, obrigada a responder às críticas formuladas nos fundamentos da decisão impugnada.

107.
    Há que reconhecer, neste contexto, que a Comissão considera, na decisão impugnada, que o investimento na renovação da frota era necessário à viabilidade da reestruturação da Air France (JO, p. 82) e que o adiamento das encomendas de novos aviões faria subir a idade média da frota da Air France a mais de dez anos, idade esta demasiado elevada para uma companhia que pretende recuperar a sua competitividade (JO, p. 85). O investimento na renovação da frota num montante de 11,5 mil milhões de FF, que figura nas «grandes linhas de orientação» do plano de reestruturação (JO, p. 75), é assim considerado pela Comissão como parte integrante da reestruturação da Air France.

108.
    No Tribunal, a Comissão confirmou, aliás, este ponto de vista ao declarar que a aquisição de 17 novos aviões se justificava «no quadro da execução do Projecto» (n.° 40 da tréplica no processo T-371/94). Além disso, segundo o relatório Ernst & Young apresentado pela Comissão (documento n.° 2 junto à contestação no processo T-371/94), a compra dos aviões era «um elemento integral do programa destinado a racionalizar a frota..., constituindo este investimento um elemento-chave do plano» (p. 22, n.° 22 do relatório).

109.
    No que se refere às modalidades de financiamento deste investimento, a decisão impugnada indica que a execução do plano de reestruturação iria ser financiada pelo aumento de capital e pela cessão dos activos não associados às actividades principais, da qual a Air France esperava retirar cerca de 7 mil milhões de FF, isto é, pela venda de um determinado número de aviões, que deveria render cerca de 4,1 mil milhões de FF, bem como pela cessão de um stock de peças e acessórios (1,2 mil milhões de FF), de um edifício (0,4 mil milhões de FF) e da cadeia hoteleira Méridien (JO, p. 76). A decisão impugnada acrescenta que as autoridades francesas assumiram o compromisso de garantir que o auxílio, durante a execução do plano, fosse exclusivamente utilizado pela Air France para as finalidades de reestruturação da companhia (JO, pp. 78 e 79).

110.
    Na avaliação que efectuou sobre a viabilidade do plano de reestruturação, a Comissão declarou que o auxílio em questão se destina a financiar a execução do plano e a reestruturar as finanças da Air France (JO, p. 82). Em resumo, a Comissão entende que o auxílio concedido à Air France é simultaneamente necessário e adequado para dar à companhia os meios de levar a bom termo o seu plano de reestruturação e de recuperar a sua viabilidade (JO, p. 86). Finalmente, a condição de autorização n.° 6 impõe às autoridades francesas que garantam que «o auxílio será utilizado exclusivamente pela Air France para a sua reestruturação» (JO, p. 89).

111.
    Como resulta destes fundamentos, a decisão impugnada considera que, se o auxílio do Estado serve para reduzir o endividamento da Air France, se destina igualmente a financiar a execução do plano de reestruturação, co-financiada pela cessão dos activos. Ora, a Comissão entende igualmente que o investimento na renovação da frota constitui, ele próprio, um elemento indispensável da reestruturação da Air France. Verifica-se assim, portanto, que a decisão impugnada admite que o auxílio servirá ao financiamento do investimento na frota que implica a compra de 17 novos aviões. Em qualquer caso, a decisão não proíbe que o auxílio possa ser utilizado, pelo menos parcialmente, para o financiamento desse investimento. Com efeito, o único meio financeiro autónomo da Air France destinado a contribuir para o financiamento deste investimento, isto é, a cessão de activos, só deve render 7 mil milhões de FF, quando o custo do financiamento em causa ascende a 11,5 mil milhões de FF.

112.
    Embora essa compra, acompanhada da cessão de velhos aviões, constitua manifestamente uma modernização da frota da Air France, a decisão impugnada não se pronuncia sobre a pertinência, afirmada pelas partes interessadas, da jurisprudência Deufil/Comissão e Exécutif régional wallon/Comissão (já referidos nos n.os 79 e 98). A Comissão descurou, assim, precisar se tolerava, a título excepcional, o financiamento em causa, porque considerava essa jurisprudência impertinente nas circunstâncias particulares do presente caso ou se pretendia demarcar-se do próprio princípio afirmado por essa jurisprudência.

113.
    Uma tomada de posição da Comissão quanto a este aspecto era tanto mais necessária quanto a sua própria prática decisória traduz uma oposição de princípio a todos os auxílios para funcionamento, destinados ao financiamento da modernização normal das instalações. Com efeito, a Comissão entende que os investimentos destinados a essa modernização não podem ser havidos como reestruturação e devem, pois, ser financiados por recursos próprios das empresas em causa, sem intervenção do Estado (Decisão 85/471/CEE da Comissão, de 10 de Julho de 1985, relativa a um auxílio concedido pelo Governo alemão a um produtor de fios de poliamida e de propileno instalado em Bergkamen, JO L 278, pp. 26, 29; Decisão 89/228/CEE da Comissão, de 30 de Novembro de 1988, relativa ao decreto-lei n.° 370/87, do Governo italiano, de 7 de Setembro de 1987, convertido na Lei n.° 460, de 4 de Novembro de 1987, relativa à produção e à comercialização, contendo, nomeadamente, novas normas em matéria de produção

e comercialização dos produtos vitivinícolas (JO 1989 L 94, pp. 38, 41; Decisão 92/389/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1990, relativa aos auxílios estatais previstos nos decretos-leis n.° 174, de 15 de Maio de 1989, e n.° 254, de 13 de Julho de 1989, bem como no projecto de lei n.° 4230, que regulariza os efeitos produzidos pelos referidos decretos-leis, JO 1992 L 207, pp. 47, 51).

114.
    De onde resulta que não se vislumbra através da fundamentação da decisão impugnada se a Comissão examinou efectivamente se — e, em caso afirmativo, por que razões — a modernização da frota da Air France podia ser parcialmente financiada por um auxílio destinado à reestruturação da companhia, e isso contrariamente à jurisprudência acima mencionada e à sua própria prática decisória.

115.
    Esta constatação não é infirmada pelos esclarecimentos que a República Francesa e a Air France deram no Tribunal a propósito dos investimentos aeronáuticos de 11,5 mil milhões de FF previstos no plano de reestruturação. Tendo estas intervenientes indicado que a soma de 11,5 mil milhões de FF seria fraccionada em três partes, ou seja, 7,6 mil milhões para a compra de 17 aviões, 3 mil milhões para a compra de peças e acessórios e 0,9 mil milhões para obras aeronáuticas, é evidente que as obras aeronáuticas e as peças e acessórios servem, ao mesmo títuloque os novos aviões, à modernização da companhia.

116.
    É verdade que a Comissão alegou posteriormente, no decurso do presente processo, que o auxílio controvertido se destinava exclusivamente ao desendividamento da Air France e não à compra dos 17 novos aviões, devendo o investimento da frota ser financiado exclusivamente pelas receitas de exploração da Air France. Há que reconhecer, porém, que este raciocínio, desenvolvido pelos agentes da Comissão no Tribunal, não só não consta da decisão impugnada, mas é mesmo contrariado pelos fundamentos desta, segundo os quais o auxílio se destinava a financiar, pelo menos parcialmente, a execução do plano de reestruturação que abrangia a modernização da frota da Air France. Ora, como o Tribunal de Justiça decidiu no seu acórdão de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C-137/92 P, Colect., p. I-2555, n.os 66 a 68), a parte decisória e a fundamentação de uma decisão que deva ser obrigatoriamente fundamentada por força do artigo 190.° do Tratado constituem um todo indissociável, pelo que compete unicamente ao colectivo dos membros da Comissão, por força do princípio da colegialidade, aprovar uma e outra, cabendo qualquer outra alteração que ultrapasse o nível de correcções puramente gramaticais ou ortográficas exclusivamente ao colectivo.

117.
    Estas considerações, baseadas no princípio da colegialidade, são igualmente pertinentes em relação à decisão ora impugnada, que também devia ser fundamentada nos termos do artigo 190.° do Tratado e através da qual o colectivo de membros da Comissão exercia o poder discricionário que lhe é atribuído, em exclusivo, para a aplicação do disposto no artigo 92.°, n.° 3, do Tratado. De onde

decorre que a argumentação dos agentes da Comissão no Tribunal não pode ser acolhida (v., neste sentido, também o acórdão Bremer Vulkan/Comissão, já referido no n.° 94, n.os 47 e 48).

118.
    O mesmo acontece e por maioria de razão em relação às explicações dadas no Tribunal pelas intervenientes em apoio da Comissão, a Air France e a República Francesa, que sublinharam, em primeiro lugar, que era impossível anular ou adiar as encomendas de 17 novos aviões, porque havia compromissos contratuais definitivos cujo incumprimento acarretaria a imposição de sanções, em segundo lugar, que dos 34 aviões cuja revenda se encontrava prevista no plano de reestruturação, sete eram novos, de modo que as receitas da respectiva venda corresponderiam a sete aviões novos ainda não adquiridos, em terceiro lugar, que, dos 17 novos aviões, sete seriam imediatamente revendidos sem utilização nas linhas e, em quarto lugar, que o total dos recursos de exploração da Air France tinha sido fixado em 19,2 mil milhões de FF no plano de reestruturação, de modo que estes recursos seriam suficientes para cobrir as despesas de investimento na renovação da sua frota. Estas afirmações não são cobertas pelo princípio da colegialidade e não podem, portanto, remediar o vício de falta de fundamentação de que padece a decisão impugnada.

119.
    Acrescente-se, ainda que tal seja redundante, que as explicações dadas no Tribunal — mesmo que pudessem ser julgadas admissíveis — segundo as quais a aplicação das medidas previstas pelo plano de reestruturação devia dar lugar a uma margem bruta de autofinanciamento que permitiria à Air France fazer face às suas despesas de exploração e investimento, seriam de qualquer modo contrariadas pela fundamentação da decisão impugnada, da qual resulta que o equilíbrio financeiro e a rentabilidade da Air France só deveriam ser restabelecidos no final de 1996 (JO, p. 75).

120.
    Resulta de quanto precede que a fundamentação da decisão impugnada não satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado relativamente à compra dos 17 novos aviões.

B — Quanto à acusação de que a Comissão teria erradamente autorizado o financiamento de despesas de exploração e de medidas operacionais da Air France

Exposição sumária da argumentação das partes

121.
    As recorrentes no processo T-371/94 entendem que a Comissão não examinou se o auxílio era indispensável à reestruturação da Air France e não apenas útil ao financiamento do desenvolvimento das suas actividades e à modernização do seu equipamento. Segundo as recorrentes, o artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado não autoriza um auxílio operacional, destinado a modernizar as actividades do respectivo beneficiário.

122.
    Explicam que os únicos custos estruturais decorrentes da execução do plano de reestruturação são os correspondentes às 5 000 saídas voluntárias de pessoal, cujo montante exacto continua em aberto, visto que a decisão impugnada não contém qualquer informação quanto a este ponto. Os custos eventualmente decorrentes de outras medidas previstas no plano de reestruturação deveriam ser considerados despesas de exploração, designadamente a política comercial de reconquista da clientela, bem como o lançamento de Euroconcept e de Première Club. A utilização, pela Air France, do auxílio para financiar outras medidas operacionais não expressamente previstas no plano de reestruturação seria verosímil. Mais especificamente, a Air France iria fazer baixar consideravelmente os preços nas ligações entre os países da EEE e os países terceiros.

123.
    Estas recorrentes precisam que detêm a prova de que a introdução pela Air France de novas classes nas ligações de médio curso e a introdução de uma nova classe nas ligações de longo curso, no Outono de 1995, custarão à companhia respectivamente 150 milhões de FF e cerca de 500 milhões de FF, como se poderia ver em dois artigos de imprensa publicados em Março de 1995. Consideram, assim, que as despesas de exploração efectuadas antes do final de 1996, por exemplo, para a introdução de duas novas classes, foram financiadas através do auxílio impugnado.

124.
    A recorrente no processo T-394/94 pretende igualmente que o auxílio irá servir em grande parte ao financiamento de novos produtos da Air France, como, por exemplo, a sua operação «class club». Neste contexto, as recorrentes no processo T-371/94 lembram que a Air France beneficia de uma «margem de segurança» (JO, p. 85), que pode utilizar para apoiar e modernizar as suas actividades. O auxílio seria suficientemente excessivo para permitir à Air France prever a recapitalização da sua filial Jet Tours ou para prever a transferência de uma parte do auxílio para a sua filial Air Charter.

125.
    As recorrentes nos dois processos contestam a tese da Comissão, segundo a qual o auxílio impugnado se destina unicamente a reduzir os encargos financeiros da Air France através da diminuição da sua taxa de endividamento e não a financiar os seus custos de exploração. Sustentam a este propósito que a mera eventualidade de o auxílio se destinar a manter e desenvolver as actividades da Air France basta para o tornar incompatível com o artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado. Para sustentar este argumento, referem-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão (C-303/88, Colect., p. I-1433, n.os 10 e 14), segundo o qual não é necessário provar que fundos de dotação recebidos do Estado se destinam expressa e especificamente a atingir um objectivo preciso, bastando que se possa concluir que, em todo o caso, o facto de receber fundos permite libertar outros recursos para atingir o mesmo resultado.

126.
    As recorrentes no processo T-371/94 acrescentam que a Comissão não explicou a diferença entre o montante do auxílio controvertido e o montante que teria sido necessário para aplicar o programa anterior «PRE 2», por um lado, ou o montante

de 8 mil milhões de FF que, antes da adopção da decisão impugnada, tinha sido considerado necessário à execução do plano de reestruturação, por outro. Além disso, a Comissão não teria examinado se e em que medida a reestruturação empreendida por outras companhias aéreas sem o auxílio financeiro do Estado não provava que o livre jogo das forças de mercado teria levado a Air France a reestruturar as suas actividades sem intervenção das autoridades públicas.

127.
    Na audiência, estas mesmas recorrentes salientaram que o auxílio à reestruturação devia ser ligado a cada uma das medidas previstas. A Comissão deveria ter imposto condições quanto ao modo como o auxílio deveria ser utilizado. Seria inaceitável admitir um equilíbrio geral quanto ao auxílio concedido globalmente «para cobrir as necessidades da Air France».

128.
    A Comissão afirma ter apreciado a coerência e a eficácia do plano de reestruturação, bem como a adequação do montante do auxílio necessário para permitir à Air France executá-lo com êxito. Para efectuar essa apreciação, a Comissão não precisaria de analisar questões estranhas às características intrínsecas do plano, nem, por maioria de razão, as experiências de outras companhias aéreas.

129.
    A Comissão acrescenta que o auxílio autorizado se destina unicamente a reduzir os encargos financeiros da Air France, através da baixa do seu nível de endividamento. Ao invés do que pretendem as recorrentes, o auxílio não seria utilizado para financiar as despesas de exploração da Air France. A aplicação das medidas rigorosas previstas no plano de reestruturação, incluindo a venda de activos, deveria criar uma margem bruta de autofinanciamento que permitiria à Air France fazer face às suas despesas de exploração e de investimento. Mas tal não seria, porém, suficiente para fazer face aos encargos financeiros. Sem uma redução do nível de endividamento, a Air France não poderia sobreviver. No final de 1996, a Air France poderia fazer face a todos os seus custos, quer de exploração, quer financeiros.

130.
    A Comissão lembra que os melhores resultados de exploração a obter através do plano de reestruturação deveriam produzir, durante a sua vigência, 5 mil milhões de FF. Este montante permitiria certamente à Air France cobrir as suas despesas de exploração, mas não o reembolso do capital e dos juros. Graças ao auxílio, os encargos financeiros da Air France passariam de 3,2 mil milhões de FF em 1993 para 1,8 mil milhões em 1996 (JO, p. 75). Remetendo para o relatório Ernst & Young (documento n.° 2 junto à contestação no processo C-371/94), a Comissão afirma que a dívida da Air France será reduzida de 18,9 mil milhões de FF e acrescenta que, sem o auxílio, as perdas líquidas previstas para 1996 rondariam os 694 milhões de FF, ao passo que, com o auxílio, a Air France deveria registar um lucro líquido de 457 milhões de FF. O risco de sobrecapitalização seria evitado pelo facto de o auxílio aprovado ser pago por três vezes.

131.
    Quanto ao acórdão Itália/Comissão (já referido no n.° 125), a Comissão considera que este acórdão não sustenta a tese das recorrentes. Neste processo, o Tribunal

de Justiça teria considerado que a injecção de capital pelo Estado podia constituir um auxílio, tendo em conta os prejuízos de exploração continuados da empresa em causa que eram compensados pelo Estado respectivo, sem que houvesse qualquer plano de reestruturação. Ao assim decidir, o Tribunal teria respondido à afirmação do Governo em causa, segundo a qual os fundos em questão não eram auxílios do Estado. As passagens do acórdão citadas pelas recorrentes diriam exclusivamente respeito a este aspecto da questão, enquanto que, no presente caso, as recorrentes invocam o acórdão para fundar a sua alegação, bem diferente, de que a Comissão teria utilizado um critério jurídico incorrecto para tirar a conclusão de que o auxílio à Air France era indispensável.

132.
    A República Francesa e a Air France contestam a tese de que o auxílio controvertido — embora calculado para reduzir os encargos da dívida da Air France e não para cobrir uma parte das despesas de exploração — beneficiaria, aindaassim, a exploração. A aceitação desta posição implicaria a proibição de qualquer auxílio à reestruturação, porque seria sempre possível sustentar que um auxílio centrado num determinado objectivo de saneamento, se substitui às receitas de exploração que teriam sido consagradas a esse objectivo, caso não houvesse auxílio. Ora, seria necessário distinguir claramente os auxílios à reestruturação, que participam ma melhoria das condições de exploração das empresas em causa e que podem ser perfeitamente compatíveis com o mercado comum, dos puros auxílios de funcionamento ou dos auxílios prolongados para salvamento que, em princípio, não podem sê-lo.

Apreciação do Tribunal

133.
    Na parte em que as recorrentes criticam a Comissão por ter permitido à Air France transferir o auxílio para algumas das suas filiais, ao mesmo tempo que afirmam que lhes parece verossímil que a Air France financiará globalmente despesas de exploração, o Tribunal entende que os seus argumentos são demasiados vagos para merecer acolhimento e que se limitam a simples suposições não sustentadas por factos precisos.

134.
    O argumento baseado no anterior plano de reestruturação «PRE 2» também não colhe. Com efeito, este plano defrontou-se com a oposição dos sindicatos e do pessoal da Air France; não pôde, portanto, ser levado à prática. Nestas circunstâncias, nada obrigava a Comissão a ter em conta, a título comparativo, determinados elementos de um plano de reestruturação que tinha falhado. O mesmo se diga em relação ao montante de 8 mil milhões de FF que teria sido mencionado antes da adopção da decisão impugnada. Como não foi esse o número oficialmente submetido pelas autoridades francesas à Comissão no quadro do plano de reestruturação formalmente apresentado, a Comissão não estava obrigada a tomá-lo em consideração.

135.
    Não sendo de excluir a possibilidade, para a Comissão, de comparar as medidas de reestruturação previstas pela Air France com as adoptadas por outras companhias aéreas, nem por isso deixa de ser verdade que a reestruturação de uma empresa deve centrar-se sobre os seus problemas intrínsecos e que as experiências feitas por outras empresas, em contextos económicos e políticos diferentes, noutros momentos, podem ser destituídas de qualquer pertinência.

136.
    A alegação das recorrentes de que o auxílio deveria ter sido fraccionado em diferentes parcelas, ligando-se cada uma delas a uma medida de reestruturação individual, o Tribunal considera que essa abordagem teria necessariamente revelado o custo de cada medida e divulgado assim as estruturas de funcionamento internas da Air France. Ora, esses dados revestem, pelo menos durante um certo período, natureza confidencial e devem ser mantidos secretos em relação ao público e nomeadamente em relação aos concorrentes da Air France. Nestas circunstâncias, o mecanismo dos controlos posteriores instituído pelo artigo 2.° da decisão impugnada, combinado, em especial, com a condição de autorização n.° 6, deve ser considerado um sistema adequado para impedir a sobrecapitalização da Air France, devida a uma utilização do auxílio para fins diferentes dos da sua reestruturação.

137.
    Na parte em que as recorrentes pretendem que a única medida de reestruturação verdadeira do plano controvertido diz respeito à redução do pessoal da Air France (5 000 saídas voluntárias), sendo todas as outras medidas, na realidade, de natureza puramente operacional, há que recordar que, como já foi esclarecido supra nos n.os 110, 111, 116 e 117, o auxílio controvertido se destina a financiar, pelo menos parcialmente, a reestruturação da Air France e que a afirmação de que o auxílio foi exclusivamente afecto à redução do seu endividamento deve ser rejeitada, por não constar do texto da decisão impugnada. Em consequência, importa examinar a natureza estrutural das diferentes medidas referidas pelas recorrentes.

138.
    Deve sublinhar-se, a este propósito, que, como resulta dos autos, a Air France não dispõe nem de fábricas nem de instalações industriais dotadas de procedimentos de fabrico susceptíveis de serem tecnicamente reestruturados. Para uma companhia deste tipo, o essencial da actividade centra-se na oferta de transporte de pessoas e de carga, bem como nos meios utilizados para a prestação destes serviços. É, assim, unicamente a estrutura desta oferta, bem como a da organização da companhia, que serve de suporte à oferta, que pode validamente ser objecto de reestruturação.

139.
    Dito isto, o Tribunal entende que a supressão dos 5 000 postos de trabalho, bem como a reorganização da Air France em 11 centros operacionais responsáveis pelos seus resultados financeiros, podiam razoavelmente ser considerados pela Comissão medidas estruturais. Isto já parece menos certo a respeito das iniciativas comerciais (Euroconcept, Classe Club e Première club) e das modificações da rede aérea, dado que a Air France se limita assim a seguir a evolução comercial do mercado, sem intervir nas próprias estruturas da companhia. Estas medidas parecem, pois,

ser de natureza puramente operacional e relacionar-se unicamente com o funcionamento da Air France.

140.
    Porém, e sem que seja necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a pertinência da jurisprudência e da prática decisória já referidas nos n.os 98 e 113, deve recordar-se que o plano de reestruturação da Air France devia ser financiado por um aumento de capital, através do auxílio, bem como pela cessão de activos através da qual a Air France prevê «obter cerca de 7 mil milhões de FF» (JO, p. 76). Ora, tendo em consideração os números relativamente modestos a que as recorrentes no processo C-371/94 fazem referência a este propósito (150 milhões de FF e 500 milhões de FF), o Tribunal considera que a Comissão podia admitir que essas medidas seriam cobertas pelas receitas provenientes da venda, pela Air France, dos seus próprios activos e pelas receitas da sua exploração corrente.

141.
    Neste contexto, há que rejeitar a argumentação baseada no «carácter fungível» do auxílio, baseada no acórdão Itália/Comissão (já referido no n.° 125), segundo a qual o facto de a Air France receber o auxílio lhe permite libertar outras receitas de exploração que, em vez de serem afectas ao reembolso da dívida, poderiam assim ser utilizadas para financiar as medidas acima mencionadas. Tratando-se neste caso de medidas de investimento e de exploração de envergadura normal que é razoável que qualquer companhia tome a fim de poder manter as suas actividades operacionais face à concorrência do mercado, a República Francesa e a Air France sublinharam, com razão, que a tese do «carácter fungível» equivaleria, na prática, a proibir qualquer auxílio à reestruturação e condenaria, em última análise, a empresa beneficiária a cessar as suas actividades de exploração.

142.
    É verdade que a solução podia ser diferente relativamente ao investimento de 11,5 mil milhões de FF definido na decisão impugnada como um «investimento em termos de frota» (JO, p. 75). Deve recordar-se, no entanto, que o Tribunal não está em condições de examinar o fundo desta problemática, visto que a decisão impugnada não está fundamentada sob este aspecto essencial (v. supra, n.os 111 a 120). Quanto à argumentação relativa à prática tarifária da Air France nas linhas fora do EEE, alegadamente financiadas pelo auxílio, o exame deste aspecto pressupõe uma análise da situação concorrencial da Air France nestas rotas. Esta análise será efectuada num contexto diferente (v. infra, n.os 259 a 280).

143.
    De onde resulta, que, com esta última ressalva, a acusação de que a Comissão teria erradamente autorizado o financiamento das despesas de exploração e das medidas operacionais deve ser rejeitada.

C — Quanto à acusação baseada numa classificação errada dos títulos emitidos pela Air France entre 1989 e 1993

Exposição sumária da argumentação das partes

144.
    As recorrentes no processo T-371/94 sublinham que, segundo o princípio da proporcionalidade, um auxílio do Estado não deve ser de tal modo importante que dê ao beneficiário uma ratio de endividamento melhor do que a dos seus concorrentes. Ora, no caso em apreço, a Comissão teria classificado erradamente as ORA (obrigações reembolsáveis em acções), os TSDI (titres subordonnés à durée indéterminée reconditionnés) e os TSIP-BSA (titres subordonnés à intérêts progressifs assortis de bons de souscription d'actions), emitidos pela Air France entre os anos de 1989 e 1993, para calcular a ratio de endividamento desta em 1996. Uma classificação correcta destes títulos teria demonstrado, segundo as recorrentes, que a ratio de endividamento da Air France é muito melhor do que a de todas as outras companhias aéreas.

145.
    Na decisão impugnada, a Comissão teria concluído que, para efeitos de cálculo da ratio de endividamento da Air France, as ORA representam «capital quase-próprio»; a Comissão teria, porém, pressuposto erradamente que as ORA de 1993 — tal como as TSIP-BSA aliás — seriam substituídas por dívidas convencionais pelo facto de, na sequência da sua Decisão 94/662/CE, de 27 de Julho de 1994, relativa à subscrição pela CDC-Participations de obrigações emitidas pela Air France (JO L 258, p. 26, a seguir «Decisão 94/662/CE»), deverem ser reembolsadas enquanto auxílios ilegais do Estado. Ora, a Air France não teria sido obrigada e não se teria comprometido a substituir as ORA de 1993 por dívidas convencionais. Além disso, a liquidez de que beneficiará a Air France depois de receber o auxílio deverá, na prática, tornar inútil a substituição das receitas das ORA e das TSIP-BSA de 1993 por outras formas de liquidez complementares.

146.
    Segundo as recorrentes, a evolução da situação desde a adopção da decisão impugnada ilustra a sua tese. Segundo um artigo de imprensa, a Comissão teria pedido, em 5 de Abril de 1995, que a França (e não a Air France) depositasse um montante de 1,5 mil milhões de FF numa conta bloqueada, enquanto se aguardava o resultado do processo intentado no Tribunal de Justiça e no Tribunal de Primeira Instância a respeito da anulação da Decisão 94/662/CE. Em consequência, a Air France teria continuado a beneficiar do valor dos ORA e TSIP-BSA emitidos em 1993, pelo menos até ser proferido o acórdão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal de Primeira Instância, quer dizer durante a maior parte do período de reestruturação.

147.
    As recorrentes sustentam que, na realidade, as ORA e os TSP-BSA, bem como uma parte do valor do empréstimo proveniente dos TSDI deviam ter sido classificados na rubrica «capitais próprios» para calcular a ratio de endividamento da Air France, porque são capitais que estão em permanência à disposição da Air France até à sua liquidação.

148.
    No que diz respeito mais especificamente aos TSDI, as recorrentes sublinham que os subscritores são reembolsados através de um fundo bancário no qual a Air France depositou uma parte (25%) do valor inicial dos TSDI, enquanto outra parte importante (75%) do valor desses títulos é conservada pela Air France a título

permanente. Ao invés do que acontece com a extinção de uma dívida resultante do seu reembolso pelo mutuário, os TSDI continuariam a existir legalmente mesmo após o reembolso do capital. Por outro lado, a própria Comissão teria declarado, na sua comunicação de 3 de Junho de 1994 (JO, p. 8), que o reembolso «automático» dos TSDI era assegurado por um fundo bancário, que a obrigação de reembolso só se torna efectiva para a Air France em caso de liquidação da companhia e que, na análise efectuada pela Comissão, em 1992, da situação financeira da Air France, os TSDI foram, com o acordo do Governo francês, incorporados nos fundos próprios. Segundo as recorrentes, os TSDI constituem fundos que estão permanentemente à disposição da Air France e que lhe proporcionam, portanto, uma vantagem do ponto de vista da concorrência face àscompanhias concorrentes. As recorrentes acrescentam que, se se incluir só nos fundos próprios a parte do valor dos TSDI conservada a título permanente pela Air France, tal tem uma incidência significativa sobre a sua ratio de endividamento para o ano de 1996, porque esta seria então de 0,76:1 e não de 1,12:1.

149.
    Além disso, as recorrentes alegam que a Comissão entendeu mal os conceitos financeiros em causa ao classificar esses instrumentos financeiros. Afirmam, quanto a este aspecto, que, tanto no caso dos TSDI como no caso dos TSIP-BSA, o pagamento de juros está dependente do resultado da Air France e pode ser suspenso. As recorrentes acrescentam que o critério de convertibilidade dos instrumentos em questão é inadequado, dado que a Comissão indica que os TSIP-BSA se tornarão, a prazo, capitais próprios «caso as condições de mercado permitam ao detentor o exercício de BSA». Ao assim entender, a Comissão teria esquecido que o BSA é um direito distinto, complementar, destacável e independente, cujo titular pode ser ou não o mesmo do TSIP. Este último não seria convertível, por se tratar de um título subordinado perpétuo. O conceito de «convertibilidade» seria também inaplicável aos TSDI, porque se trataria de títulos subordinados perpétuos podendo ser reembolsados em caso de liquidação da Air France. As recorrentes sustentam finalmente que a tomada em consideração, pela Comissão, dos direitos que os ORA, TSDI e TSIP-BSA conferem aos seus titulares é impertinente.

150.
    A Comissão lembra, em primeiro lugar, que sublinhou, na decisão impugnada, a natureza financeira, por vezes ambígua, dos títulos em causa (JO p. 84). Recorda, a seguir, que, nos termos da sua Decisão 94/662/CE, o montante pago pela subscrição de ORA e de TSIP-BSA emitidos em Abril de 1993 deveria ser reembolsado pela Air France, de modo que o valor destes títulos devia ser considerado como dívida. Relativamente às ORA de 1991, estas deviam ser havidas como fundos próprios, porque seriam inevitavelmente convertidas em acções em devido tempo, enquanto que os TSDI emitidos em 1989 e 1992 deveriam ser considerados como uma dívida, porque seriam reembolsáveis 15 anos depois e porque não poderiam ser objecto de nenhuma conversão em acções (JO, p. 85).

151.
    Relativamente à invocação pelas recorrentes da decisão da Comissão de 5 de Abril de 1995 (v. supra, n.° 146), esta última sustenta que essa decisão, posterior à data da decisão ora impugnada, não tem qualquer incidência na classificação dos títulos em causa. A Comissão acrescenta que, enquanto existir uma obrigação legal de reembolso dos montantes das ORA e dos TSIP-BSA, tem o direito de considerar que esses montantes são substituídos por dívidas convencionais.

152.
    Relativamente aos TSDI, a Comissão sublinha o seu carácter recondicionado. O facto de uma parte da receita dos TSDI ser conservada pela Air France não teria qualquer incidência na sua qualificação. Esta conclusão seria conformada pelo parecer do Conselho Superior da Ordem dos Contabilistas francesa. O importante seria a obrigação de reembolso do capital. A Comissão precisa que o fluxo financeiro líquido entre a Air France e o Trust junto do qual estão depositados alguns fundos será nulo decorridos que sejam quinze anos. O empréstimo representado pelos TSDI seria efectivamente reembolsado pela extinção do Trust e pela extinção subsequente da dívida da Air France. A totalidade do montante recolhido através da emissão dos TSDI recondicionados seria, pois, reembolsada pela Air France no termo do período de quinze anos. A parte da receita dos TSDI que não é depositada no Trust não ficaria permanentemente nas mãos do emissor dos títulos. Este montante corresponderia à obrigação do emissor de pagar juros numa base anual durante 15 anos sobre o montante total dos TSDI. Para a Comissão, a obstinação das recorrentes ao sustentar que o emissor conserva em permanência uma parte da receita dos TSDI recondicionados assenta numa abordagem analítica subjectiva segundo a qual qualquer empréstimo poderia ser considerado como uma injecção de fundos próprios.

153.
    Ainda que o pagamento de juros possa ser suspenso tanto no caso dos TSDI como dos TSIP-BSA, a Comissão entende que a Air France continua, no entanto, obrigada a pagar os juros acumulados sobre esses montantes. Por outras palavras, o pagamento dos juros seria apenas adiado. Relativamente às considerações das recorrentes a respeito dos direitos que os instrumentos financeiros em questão conferem aos seus portadores, a Comissão sublinha que a decisão impugnada não atribuiu uma importância especial à natureza dos direitos que esses instrumentos conferiam ou não aos seus titulares. O elemento essencial teria sido a conversão obrigatória dos títulos em acções.

154.
    A respeito dos TSDI recondicionados, a Air France precisa que os especialistas da contabilidade só se preocuparam com a definição da natureza desses títulos a partir de finais de 1991. A comissão francesa das operações da Bolsa, num comunicado de 6 de Março de 1992, ter-se-ia oposto à inclusão como capitais próprios dos TSDI recondicionados. A partir de finais de 1993, os peritos contabilistas teriam tido conhecimento do projecto de parecer da Ordem dos Contabilistas francesa que qualificava os TSDI como dívida. A posição do Conselho Superior da Ordem dos Contabilistas teria sido definitivamente fixada em 7 de Julho de 1994 neste sentido.

Apreciação do Tribunal

155.
    Há que reconhecer, em primeiro lugar, que, ao verificar a proporcionalidade do auxílio, a Comissão sublinha, na decisão impugnada, que a ratio de endividamento da Air France é, em larga medida, função da classificação de vários títulos emitidos pela companhia, sofrendo as ratio de endividamento da Air France variações consideráveis em função da classificação dos títulos como capitais próprios ou como dívidas (JO, p. 83). A Comissão descreve, a seguir, os montantes e as características dos instrumentos financeiros emitidos pela Air France no decurso dos últimos cinco anos anteriores à decisão impugnada, isto é, as ORA emitidas em Dezembro de 1991 e em Abril de 1993, os TSDI, emitidos em Junho de 1989 e Maio de 1992, bem como os TSIP-BSA, emitidos em Abril de 1993 (JO, pp. 83 e 84). Finalmente, a Comissão expõe os critérios que distinguem os capitais próprios dos empréstimos, em função, designadamente, das disposições aplicáveis do direito francês, da Quarta Directiva comunitária respeitante às contas anuais das sociedades, bem como da opinião do comité profissional de doutrina contabilística (JO, pp. 84 e 85).

156.
    As partes são unânimes na classificação das ORA como «capitais próprios» ou «fundos próprios», dado que estes títulos nunca serão reembolsados mas serão objecto de uma conversão obrigatória em acções. Por outro lado, a Comissão procedeu efectivamente a essa classificação na decisão impugnada (JO, p. 85).

157.
    No que se refere mais especificamente às ORA emitidas pela Air France em Abril de 1993 e subscritas pela sociedade CDC-Participations, deve recordar-se que a Comissão, na sua decisão 94/662/CE, ordenou o seu reembolso, por serem auxílios do Estado ilegais. Embora a República Francesa tenha impugnado esta decisão no Tribunal de Justiça (processo C-282/94) e a Air France tenha interposto recurso para o Tribunal de Primeira Instância (processo T-358/94), estas acções não têm efeito suspensivo, de modo que os fundos correspondentes às ORA emitidas deviam ser reembolsados pela Air France. Por outro lado, a decisão da Comissão já se tornou definitiva, uma vez que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 12 de Dezembro de 1996, Air France/Comissão (T-358/94, Colect., p. II-2109), que rejeitou o recurso interposto contra esta decisão, transitou em julgado, e que o processo C-282/94 foi cancelado por despacho do Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 1997.

158.
    Pouco importa, neste contexto, que a Air France tenha podido efectivamente beneficiar, até ser proferido o referido acórdão, do valor representado por essas ORA. Com efeito, a disponibilidade de um capital durante um determinado período não constitui um critério de distinção entre fundos próprios e dívidas. Qualquer capital de que uma empresa possa dispor deve ser sempre classificado no balanço de uma empresa na rubrica do «passivo», como «dívidas», quando deva ser reembolsado, ou como «fundos próprios» quando fique em permanência à disposição da empresa. Ora, devendo as ORA em questão ser reembolsadas a partir de 27 de Julho de 1994, a Comissão teve razão ao qualificá-las como dívidas.

159.
    O mesmo se passa em relação aos TSIP-BSA emitidos em Abril de 1993, que foram igualmente objecto da decisão 94/662/CE. Em consequência, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre a sua classificação de princípio.

160.
    Quanto aos TSDI recondicionados, as partes apresentaram vários relatórios de peritos financeiros e de contabilistas relativos à sua classificação. As recorrentes referem-se ao parecer do Professor Pene (documento n.° 40 junto à petição e documento n.° 16 junto às observações sobre as intervenções), ao passo que a Comissão e a Air France se apoiam respectivamente no gabinete Ernst & Young (documento n.° 2 junto à contestação, com uma nota específica sobre os TSDI recondicionados em Anexo A, e documento junto à tréplica) e no Professor Vermaelen (documento n.° 7 junto ao articulado de intervenção da Air France). A Comissão remete ainda para o parecer do Conselho Superior da Ordem dos Contabilistas, aprovado em 7 de Julho de 1994 (pp. 18/19 do Anexo B ao relatório Ernst & Young junto como documento n.° 2 à contestação).

161.
    Resulta destas peritagens contraditórias que a classificação dos TSDI recondicionados exige apreciações complexas de natureza económica e financeira. Assim sendo, a Comissão dispõe de um largo poder de apreciação nessa matéria, e o Tribunal só poderia pôr em causa a sua decisão quanto a este aspecto em presença de um erro manifesto de apreciação. Ora, não se verifica que a Comissão tenha erradamente considerado o mecanismo de reembolso dos TSDI como o elemento decisivo — além da impossibilidade da sua conversão em acções — para a sua qualificação como dívidas.

162.
    Esta conclusão não é infirmada pelo facto de o pagamento dos juros desses TSDI poder ser suspenso, em caso de maus resultados financeiros da Air France. Com efeito, a natureza de empréstimo de uma operação de financiamento não é posta em causa pelo facto de as condições de remuneração serem, quanto a um aspecto específico, desvantajosas para o subscritor.

163.
    Finalmente, esta conclusão também não é contrariada pelo facto de a Comissão se ter inclinado inicialmente para a qualificação dos TSDI como «fundos próprios» (comunicação de 3 de Junho de 1994, JO, p. 8). Com efeito, como a Air France explicou no Tribunal, esta mudança de atitude reflecte a evolução sofrida pela qualificação dos TSDI entre 1991 e 1994 no próprio sector profissional da contabilidade. Há que recordar que, neste contexto, o Conselho Superior da Ordem dos Contabilistas francesa, no seu parecer de 7 de Julho de 1994 — isto é, imediatamente antes da adopção da decisão impugnada — considerou definitivamente como dívidas os TSDI recondicionados. O Tribunal entende que não pode criticar-se a Comissão por ter adoptado, para efeitos da qualificação de títulos franceses, o parecer definitivo do organismo francês que representa a profissão competente nessa matéria.

164.
    Não tendo a Comissão cometido um erro manifesto de apreciação na classificação dos títulos emitidos pela Air France, há que rejeitar esta alegação.

D — Quanto à acusação baseada em ignorância da ratio de endividamento da Air France

Exposição sumária da argumentação das partes

165.
    As recorrentes no processo T-371/94 sustentam que a ratio de endividamento da Air France prevista para 1996 demonstra que o seu endividamento será reduzido a um nível muito inferior ao do das suas concorrentes. Com efeito, ao calcular queessa ratio seria de 1,12:1 e ao declarar que esta é superior à ratio média da aviação civil, na qual 1,5:1 é considerada uma ratio aceitável, a Comissão teria interpretado incorrectamente o estudo realizado pela KPMG — uma sociedade internacional de consultadoria — e pela IATA, a que se refere a decisão impugnada (JO, p. 85). Na realidade, este estudo demonstraria que a ratio de endividamento projectada para a Air France é inferior à considerada óptima, e consideravelmente inferior à média efectiva que é referida para o ano de 1992 (2,3:1 ou 2,1:1, segundo o modo de cálculo). O carácter excessivo do auxílio seria aumentado se se comparasse a ratio de endividamento da Air France (1,12:1) às ratio médias de endividamento (2,57:1, em 1992 e 3,17:1, em 1993) indicadas na publicação da IATA «Airline Economic Results and Prospects» (anexo 12 à réplica).

166.
    O carácter excessivo do auxílio concedido à Air France não poderia tornar-se proporcionado apenas através da comparação com as outras ratio financeiras, como a ratio de cobertura das despesas financeiras. O reconhecimento, feito pela Comissão na decisão impugnada, de que a ratio da Air France se elevaria, em 1996, a 2,44:1, ficando assim muito próxima da taxa média de 2,42:1 das suas concorrentes em 1993 (JO, p. 85) não teria, pois, qualquer relevância. Além disso, essa ratio seria incompleta e reflectiria apenas a capacidade de uma empresa de utilizar os lucros que obtem para reembolsar os seus encargos financeiros. Por outro lado, o critério utilizado pela Comissão para seleccionar as companhias aéreas às quais compara a ratio da Air France em 1996 não seria claro.

167.
    As recorrentes acrescentam que, no próprio relatório da peritagem Ernst & Young (documento n.° 2 junto à contestação), em que se baseia a Comissão, se declara que a Air France teria podido atingir a ratio de endividamento teoricamente óptima de 1,5:1 com um auxílio limitado a um montante de 15,25 mil milhões de FF no máximo. Seria, assim, surpreendente que o mesmo relatório procure justificar a obtenção pela Air France de 20 mil milhões de FF, alegando que não há qualquer razão especial que justifique que a Air France tenha uma ratio de endividamento «média».

168.
    Por outro lado, qualquer comparação entre várias ratio de endividamento seria de utilidade contestável. Resultaria do estudo realizado pela KPMG e pela IATA que existem diferenças importantes no modo de cálculo das ratio de endividamento, sendo portanto difícil fazer comparações válidas entre companhias aéreas. Finalmente, não seria claro se o cálculo efectuado pela Comissão da ratio de

endividamento da Air France assenta em resultados brutos ou líquidos e não teria sido dada nenhuma explicação quanto ao modo de cálculo desses resultados.

169.
    Além disso, a Comissão teria erradamente limitado a sua análise a um período muito curto, o ano de 1996, durante o qual o auxílio ainda estaria a ser pago, sem ter em conta os efeitos do auxílio sobre a situação financeira posterior da Air France, que se tornaria, graças ao auxílio, muito mais forte no terreno financeiro do que as suas concorrentes. Segundo as recorrentes, a Comissão deveria ter feito uma análise dinâmica do efeito do auxílio, para além do período de reestruturação, quanto à posição concorrencial da Air France relativamente às suas concorrentes para determinar se o auxílio não é excessivo. Segundo as projecções das recorrentes, o auxílio contribuiria para colocar a Air France numa situação financeira muito melhor, relativamente às suas concorrentes, do que a que é sugerida pelas ratio em que a Comissão se baseou na decisão impugnada.

170.
    Referindo-se ao relatório Ernst & Young, a Comissão sustenta que a entrada de capital em discussão foi calculada de modo a constituir o montante mínimo suficiente para restabelecer o equilíbrio financeiro da Air France. Quanto ao montante da dívida utilizado para o cálculo da ratio de endividamento, a Comissão afirma que, nos termos de uma tendência verificada de análise financeira, teve em conta um resultado líquido. Em consequência, a ratio de endividamento não teria sido aumentada pelo uso de um montante bruto da dívida.

171.
    A Comissão lembra que a ratio de endividamento de 1,12:1 não foi o único elemento tomado em consideração na decisão impugnada para apreciar a proporcionalidade do auxílio relativamente às necessidades de reestruturação da Air France, e que a ratio de cobertura das despesas financeiras também teve importância. Nada exigiria que a ratio de endividamento da Air France em 1996 fosse igual à ratio média do sector da aviação civil. Bastaria que fosse razoavelmente próxima do coeficiente 1,5:1.

172.
    A Comissão faz notar que não recorreu à ratio de cobertura das despesas financeiras para tornar proporcionado um auxílio cujo carácter desproporcionado resultaria da ratio de endividamento da Air France. A pertinência da ratio de cobertura das despesas financeiras seria indubitável. Esta ratio daria a medida da capacidade da companhia de fazer face às suas despesas financeiras, quando o objectivo do auxílio controvertido é precisamente o de sanear os encargos financeiros da Air France. A Comissão acrescenta que a menção, na decisão impugnada, da ratio de cobertura das despesas financeiras dos concorrentes da Air France em 1993 é uma mera ilustração da ratio realizada por companhias aéreas com uma situação sã.

173.
    A Comissão sublinha, por último, que teve igualmente em conta outras ratio financeiras. Quanto à ratio de rentabilidade dos fundos próprios, a Comissão indica que o relatório Ernst & Young precisava unicamente que esta ratio constitui um indicador suplementar do nível de auxílio necessário para permitir à Air France

recuperar a sua viabilidade económica. O facto de o montante de auxílio autorizado ter sido o mínimo exigível teria sido verificado com base nas diferentes projecções das ratio financeiras.

174.
    A Air France refere-se às decisões Sabena e Aer Lingus (já referidas no n.° 55), bem como à Decisão 94/696/CE da Comissão, de 7 de Outubro de 1994, relativa aos auxílios concedidos pelo Estado grego à companhia Olympic Airways (JO L 273, p. 22, a seguir «decisão Olympic Airways»), pelas quais a Comissão autorizou auxílios do Estado no sector da aviação civil. Sublinha que as ratio de endividamento destas companhias, no final do respectivo plano de reestruturação, serão semelhantes à ratio da Air France, ou mesmo melhores. Seriam, portanto, reveladoras de uma proporção de fundos próprios igual ou até superior à da Air France. A Comissão teria aceite nesses casos as ratio de 1,25:1 (Sabena), de 0,75:1 e de 0,41:1 (Aer Lingus) e de 0,78:1 (Olympic Airways).

Apreciação do Tribunal

175.
    Faz-se notar que a problemática das ratio financeiras da Air France, designadamente da ratio de endividamento, levanta problemas muito técnicos de natureza financeira e contabilística. Facto este corroborado pela remissão, pelas partes, para sete relatórios de peritagem como prova das teses que sustentam, isto é, os do gabinete Ernst & Young (documento n.° 2 junto à contestação e documento junto à tréplica), do Professor Pene (documento n.° 40 junto à petição e documentos n.os 9 e 10 juntos à réplica), do Professor Vermaelen (documento n.° 7 junto ao articulado de intervenção da Air France) e do Dr. Weinstein (documento n.° 1 junto ao articulado de intervenção do Reino Unido).

176.
    Deve recordar-se a este propósito que o consultor Lazard Frères fixou o montante necessário à recapitalização da Air France no quadro da sua reestruturação tendo em conta as receitas e custos previsíveis e a sua futura rentabilidade (JO, p. 75) e que este montante foi aceite pela Comissão no exercício do seu poder de apreciação. Deve acrescentar-se que estes últimos dados revestiam, pelo menos na fase de elaboração do plano de reestruturação e da sua execução, um carácter altamente sensível e confidencial, designadamente perante as companhias aéreas que estão em concorrência com a Air France. Em consequência, não cabe às recorrentes, nem aliás ao Tribunal, pôr em questão o próprio princípio da necessidade, para a Air France, de obter o montante de 20 mil milhões de FF para atingir os objectivos de reestruturação e de redução do endividamento fixados.

177.
    Devendo o cálculo dos 20 mil milhões de FF ser aceite como ponto de partida do controlo da proporcionalidade do montante do auxílio, a questão da incidência desta injecção financeira sobre as ratio financeiras da Air France reduz-se, em princípio, a uma simples operação matemática.

178.
    A este propósito, recorde-se que o consultor Lazard Frères analisou o impacto do auxílio controvertido sobre as ratio financeiras da Air France, sublinhando a necessidade de ter em conta as ratio de estrutura financeira, a ratio de cobertura das despesas financeiras e a ratio de rentabilidade dos fundos próprios (JO, p. 84). Foi depois de analisar estes dados que a Comissão chegou à ratio de endividamento de 1,12:1, declarando que «esta ratio é superior à média registada na... aviação civil, em que o valor 1,5 é considerado... aceitável» (JO, p. 85).

179.
    Saliente-se que esta comparação entre os dois valores da ratio de endividamento se baseia num estudo realizado pela KPMG em associação com a IATA. Este estudo (documento n.° 45 junto à petição no processo T-371/94), redigido em Agosto de 1992, refere nomeadamente (pp. 26/27):

    «ratio dívida/fundos próprios

    [...]

    Foi perguntado a determinados responsáveis de companhias aéreas qual era, do seu ponto de vista, a ratio de endividamento óptima de uma companhia aérea. O leque de respostas variou entre 0,5:1 e 4:1; não se percebe claramente, no entanto, se os contratos de locação a longo prazo estão ou não incluídos nestas respostas. A média de respostas recebidas aponta para um rendimento óptimo de 1,5:1.

    Foi-lhes pedido, a seguir, que indicassem as ratio de endividamento das respectivas companhias, incluindo primeiro e excluindo, a seguir, os contratos de locação a longo prazo. A ratio de endividamento médio das companhias que responderam é de 2,3:1, se se incluírem os contratos de locação a longo prazo e de 2,1:1, se estes contratos forem excluídos.

    [...]

    Há variações assinaláveis no modo de cálculo das ratio de endividamento. Em consequência, é difícil proceder a comparações úteis entre as diferentes companhias aéreas...».

180.
    Como se pode ver por este excerto, o carácter representativo dos valores estabelecidos pelo inquérito efectuado na aviação civil é muito fraco. Tendo em conta as «variações assinaláveis» verificadas no modo de cálculo das ratio de endividamento, a diferença existente entre os valores de 1,12:1, 1,5:1, 2,1:1 e 2,3:1 não pode ser considerada, por si só, como significativa para demonstrar o desconhecimento, pela Comissão, da posição financeira da Air France relativamente à posição média da aviação civil.

181.
    Dito isto, não parece que o valor de 1,12:1, previsto para o final do ano de 1996 seja desproporcionado, tendo em conta os valores acima mencionados que vão

desde 0,5:1 a 4:1, bem como as ratio de 1,25:1, de 0,78:1, de 0,75:1 e de 0,41:1 aprovadas pela Comissão nas suas decisões Sabena, Olympic Airways e Aer Lingus (já referidas nos n.os 55 e 174). A mesma conclusão é válida em relação à ratio de cobertura das despesas financeiras da Air France, relativamente à qual a Comissão indica que, em 1996, se elevará a 2,44:1, sendo assim muito próxima da taxa média de 2,42:1 realizada pelas suas concorrentes em 1993 (JO, p. 85).

182.
    Pelas razões expostas no n.° 176 supra, o argumento de que o próprio relatório Ernst & Young teria considerado que 15,25 mil milhões de FF eram suficientes para que a Air France atingisse uma ratio de endividamento óptima de 1,5:1 não merece acolhimento. Acrescente-se, embora seja redundante, que, como aComissão o fez notar, o excerto do relatório em questão citado pelas recorrentes (p. 21, nota de rodapé n.° 21) se limita a efectuar uma correcção do cálculo por elas efectuado do montante necessário para atingir a ratio de 1,5:1, devendo o montante necessário para este fim ser, segundo a Ernst & Young, de 15,25 e não de 13,9 mil milhões de FF. Além disso, o relatório Ernst & Young afirma, em continuação, que, de qualquer modo, não existe nenhuma razão especial que imponha que a ratio de endividamento da Air France seja de 1,5:1.

183.
    A Comissão tem razão quando afirma que o relatório da IATA intitulado «Airline Economic Results and Prospects» a que as recorrentes se referem reproduz as ratio de endividamento médias de mais de 30 companhias aéreas no mundo inteiro, incluindo a Iran Air, a Royal Air Maroc, a Tunis Air, que não têm qualquer semelhança com a Air France no plano da estrutura industrial e financeira e que não estão em verdadeiramente em concorrência com ela. A Comissão não estava, pois, obrigada a comparar a ratio de endividamento da Air France com as das companhias aéreas que foram objecto desse relatório.

184.
    Relativamente à dúvida expressa pelas recorrentes na petição quanto à questão de saber se o cálculo da ratio de endividamento da Air France se tinha baseado em resultados brutos ou líquidos, basta verificar que a Comissão sublinhou, na contestação, sem que tal tenha sido contestado pelas recorrentes, que teve em conta resultados líquidos, de modo que a ratio de endividamento não foi aumentada pela utilização do montante bruto das dívidas. Finalmente, nada impunha à Comissão que calculasse a ratio de endividamento da Air France para além do período de reestruturação, visto que este constituía o único período de referência em que a República Francesa e a Air France estavam sujeitas à maior parte das condições de autorização do auxílio.

185.
    Não tendo a Comissão cometido nenhum erro manifesto de apreciação quanto ao cálculo e à tomada em consideração das ratio financeiras mencionadas na decisão impugnada, a acusação não colhe.

E — Quanto à acusação de que a Comissão se teria abstido erradamente de exigir a venda de activos da Air France susceptíveis de serem alienados

Exposição sumária da argumentação das partes

186.
    As recorrentes sustentam que a Comissão não teve manifestamente razão ao concluir que o montante do auxílio controvertido não podia ser diminuído pela venda de outros activos da Air France para além dos previstos no plano de reestruturação. Com efeito, o princípio da proporcionalidade exigiria que uma empresa que pretende reestruturar-se utilize integralmente os seus próprios recursos antes de recorrer ao auxílio do Estado. Em consequência, a Comissão deveria ter exigido à Air France que esta angariasse liquidez pela cessão da totalidade dos seus activos não aéreos, qualquer que fosse a importância dos montantes obtidos. Se assim tivesse acontecido, o montante do auxílio poderia ter sido muito inferior.

187.
    A este propósito, as recorrentes sublinham que o grupo Air France é composto por 103 sociedades activas nos sectores conexos às viagens mas distintos dos transportes aéreos, como o turismo, a restauração, a manutenção aeronáutica, a informática comercial e o trânsito de cargas, entre as quais se encontram sociedades da importância do grupo Servair e da Jet Tours, que realizaram, em 1993, um volume de negócios de 2,6 e de 2,4 mil milhões de FF, respectivamente. As actividades destas sociedades abarcariam indústrias tão afastadas do transporte aéreo como por exemplo o fabrico de queijos. Mais de 20% das receitas da Air France proviriam de actividades sem qualquer relação com o transporte aéreo. Além disso, a Air France possuiria participações em 20 companhias aéreas.

188.
    A venda de um determinado número de participações detidas pela Air France noutras companhias, designadamente na Air Inter e na Sabena, poderia libertar, segundo as recorrentes, montantes suficientemente importantes para tornar inútil uma grande parte do auxílio. Sem o auxílio controvertido, a Air France deveria, como qualquer outra sociedade-mãe com prejuízos, dirigir-se às filiais, incluindo a Air Inter, para que estas contribuíssem para limitar os prejuízos. A título indicativo, as recorrentes calcularam o valor das participações da Air France em oito companhias aéreas (Air Charter, Air Inter, Sabena, MEA, Austrian Airlines, Tunis Air, Air Mauritius, Royal Air Maroc) e numa outra sociedade (Servair). No conjunto, estas participações poderiam ser avaliadas entre 3,1 mil milhões e 6 mil milhões de FF.

189.
    Relativamente à Air Inter, as recorrentes salientaram, na audiência, que a sua alegada utilidade para a Air France era, na realidade, muito restrita. O papel da Air Inter limitar-se-ia a atrair os passageiros franceses da província à plataforma («hub») da Air France no aeroporto Charles de Gaulle, à partida dos voos internacionais. Ora, a Air France poderia chegar exactamente ao mesmo resultado, quer utilizando os seus próprios aviões, quer celebrando acordos de colaboração com outras companhias, incluindo a Air Inter. As recorrentes consideram, portanto, que a Air Inter não é um activo indispensável ao funcionamento da Air France.

190.
    As recorrentes afirmam que a participação de 37,5% detida pela Air France no capital da companhia Sabena pode ser avaliado em 6 mil milhões de BFR. A Air France teria comprado essas acções em 1992, o que, segundo as recorrentes, faz presumir que essa participação pode dificilmente ser considerada vital para a Air France, visto que pôde funcionar sem ela durante muitos anos. Por outro lado, o presidente da Sabena teria declarado publicamente, em Setembro de 1994, que a Air France deveria ceder a sua participação. As recorrentes lembram que informaram a Comissão, logo na fase do procedimento administrativo, de que numerosos indícios pareciam provar que a manutenção da aliança entre a Air France e a Sabena já não tinha razão de ser. Referem-se neste contexto a um artigo de imprensa publicado em Junho de 1994 (anexo 46 à petição), segundo o qual a companhia belga desejaria que a Air France cedesse a sua participação.

191.
    Acresce que o pagamento, pela Air France, de um quarto da soma devida pela sua tomada de participação no capital da Sabena teria sido efectuado alguns dias depois da adopção da decisão impugnada. A Air France teria manifestamente utilizado o auxílio para fazer face a esta despesa, dada a sua falta de liquidez. A Comissão deveria ter impedido a Air France de pagar esse saldo, uma vez que o auxílio autorizado para a reestruturação não podia ser utilizado para a aquisição de participações noutras companhias. Se tivesse sido impedida de efectuar esse pagamento, a Air France teria, sem dúvida nenhuma, sentido a necessidade de ceder a sua participação na Sabena no quadro do seu esforço de reestruturação.

192.
    As recorrentes sublinham que não exigem que a Air France venda activos que fazem inegavelmente parte dos seus activos estratégicos. Consideram, no entanto, que a Air France devia ter vendido, designadamente, activos que ela própria descreve como não essenciais no seu relatório anual de exercício respeitante a 1993. Referindo-se a um artigo de imprensa, as recorrentes acrescentam que a Air France previa aparentemente, em Setembro de 1994, a venda de determinados activos que, um mês antes, a Comissão considerava como não podendo ser cedidos, como por exemplo a participação no grupo Servair ou a participação no Amadeus, um sistema informático de reservas. Por si só, este facto anularia a conclusão da Comissão de que a Air France não teria necessidade de vender outros activos, porque nenhum deles lhe permitiria mobilizar recursos suficientes.

193.
    Em resposta à afirmação da Comissão, de que não lhe era possível, por dever de confidencialidade, revelar quais os outros activos que a Air France tinha a intenção de alienar, as recorrentes afirmam que essa é, no entanto, a prática da Comissão quando exige de uma empresa, como condição prévia à aprovação de concentrações ao abrigo do Regulamento n.° 4064/89 (já referido no n.° 55), que ela venda activos. A Comissão teria assim exigido a venda de activos nominalmente identificados na sua Decisão 91/403/CEE, de 29 de Maio de 1991, declarando a compatibilidade com o mercado comum de uma concentração (processo IV/M043 — Magneti Marelli/CEAc, JO L 222, p. 38) e na sua Decisão 92/553/CEE, de 22 de Julho de 1992, relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE)

n.° 4064/89 do Conselho (processo IV/M.190 — Nestlé/Perrier, JO L 356, p. 1). Além disso, mesmo que os activos não essenciais da Air France não pudessem ter sido vendidos antes da autorização do auxílio, a Comissão teria podido exigir que os activos fossem confiados à guarda de um depositário, como por exemplo um banco de investimento, que teria podido organizar a venda. As recorrentes referem-se, a título de exemplo, ao processo do Crédit Lyonnais (JO 1995, C 121, p. 4), em que foi criada uma nova estrutura, o consórcio de realizações, filial a 100% do Crédit Lyonnais, que devia comprar activos ao Crédit Lyonnais destinados a serem cedidos ou liquidados. Do mesmo modo, no caso em apreço, a participação da Air France na Sabena teria podido ser transferida para um banco que teria podido avançar o dinheiro até à venda a um terceiro.

194.
    Na audiência, as recorrentes sublinharam ainda que, uma vez que a decisão impugnada não impunha a venda de activos nominalmente identificados, a Air France não tinha qualquer interesse em vender activos durante o período de reestruturação, porque essa venda teria implicado uma diminuição do auxílio concedido. Esta constatação seria confirmada pela evolução posterior, que permitiu à Air France «contrabalançar» a venda da sua participação na Sabena com o lucro cessante derivado do facto de ter vendido menos aviões do que previa. O que comprovaria que a venda dos activos não essenciais devia ter sido avaliada pela Comissão desde o início.

195.
    O Reino da Dinamarca sustenta que, na sua decisão Aer Lingus (já referida no n.° 55), a Comissão obrigou a Aer Lingus a alienar activos estranhos ao transporte, a fim de contribuir para a reestruturação com um montante mais importante do que o auxílio recebido. Este interveniente lembra, além disso, que a Air France vendeu efectivamente as suas participações na companhia checa CSA. Não se compreenderia por que razão a Air France não poderia vender também as suas participações na Sabena ou na Air Inter.

196.
    O Reino Unido entende que a Comissão devia ter tomado seriamente em consideração a possibilidade, para a Air France, de ceder a sua participação na Sabena. Esta cessão não teria necessariamente impedido a continuação dos acordos comerciais existentes entre as duas companhias. Com efeito, muitas companhias aéreas celebraram entre elas esse tipo de acordos, sem que tenha sido julgado necessário que cada companhia possuísse uma participação minoritária importante na outra. A Comissão também não teria explicado por que razão é que a Air France não podia ceder as suas partes na Air Inter, quando o controlo da primeira sobre a segunda resultaria de uma aquisição relativamente recente. Finalmente, determinadas sociedades pertencentes ao grupo Air France seriam muito rentáveis, como por exemplo, o grupo Servair, e teriam, portanto, podido produzir receitas apreciáveis na venda. Outras sociedades seriam efectivamente deficitárias, de modo que a sua venda ou a cessação de actividade teriam podido levar a uma redução importante dos défices do grupo Air France e, por aí, a uma diminuição do montante do auxílio necessário.

197.
    O Reino da Noruega entende que a Comissão descurou exigir à Air France a venda de todos os seus activos «não aéreos». Esta venda seria um elemento importante do plano de reestruturação, não só pela contribuição para a liquidez da empresa em causa, mas também para efeitos de redução dos seus custos, do restabelecimento da sua identidade e do concentrar das suas actividades. Ora, no caso em apreço, há um grande número de actividades da Air France de natureza marginal em relação às actividades essenciais de uma companhia aérea. A British Airways, a SAS, a KLM e outras companhias aéreas internacionais teriam adoptadomedidas para a subcontratação de determinadas prestações de serviços que podiam ser asseguradas, com menores custos, por terceiros independentes. Estas companhias teriam alienado muitos activos não aéreos, mesmo quando as receitas obtidas em cada venda de per si podiam parecer sem significado.

198.
    A Comissão contesta a alegada falta de tomada em consideração das possibilidades existentes, para a Air France, de vender determinados activos. Depois de analisar as diferentes participações de que a Air France é titular, a Comissão teria chegado à conclusão de que a venda dos activos prevista no plano era adequada no quadro da reestruturação. Porém, as participações da Air France na Sabena ou na Air Inter não teriam sido avaliadas, pelo facto de a sua venda não fazer parte do plano de reestruturação e de essas participações poderem ser consideradas como activos essenciais para a Air France.

199.
    Na audiência, a Comissão precisou que, constituindo o transporte aéreo o essencial das actividades da Air France e da Air Inter, não podia haver a mínima dúvida sobre o facto de que a Air Inter constitui um activo essencial da Air France. A importância da Air Inter para a Air France decorreria do facto de a Air France, ao contrário de outras companhias aéreas, não ter uma rede nacional. Foi por isso que a Comissão admitiu que a Air Inter era efectivamente um activo essencial para a Air France, que não devia correr o risco de a ver passar para o controlo da concorrência. A Air France acrescentou que as sinergias comerciais com a Air Inter eram indispensáveis à sua sobrevivência, sendo o domínio de uma rede interna um elemento vital para uma grande companhia aérea. A Air France teria necessidade da Air Inter para beneficiar das correspondências da rede doméstica para alimentar os seus voos de longo curso. Aliás todas as grandes companhias aéreas europeias controlariam a sua rede interna, preferindo, portanto, ter uma participação maioritária na sua rede doméstica, em vez de passarem acordos comerciais com essa rede.

200.
    A Comissão sublinha que a alienação de activos pela Air France foi examinada tendo devidamente em conta o conjunto dos seus interesses e da sua estratégia global. Ao assim proceder, a Comissão teria criado a convicção de que as alienações de activos previstas pela Air France eram suficientes. Neste contexto, a venda de activos por outras companhias aéreas, noutras circunstâncias e noutras épocas, não seria pertinente para examinar a questão de saber que activos

deveriam ser alienados pela Air France. Com efeito, a natureza e a dimensão dos interesses das diversas companhias aéreas tornariam inútil qualquer comparação.

201.
    A Comissão acrescenta que não lhe foi possível designar nominalmente outros activos e participações que a Air France tencionava alienar, porque essa divulgação teria constituído uma ingerência na condução das negociações em curso sobre esses activos e teria podido prejudicá-las. Além disso, a decisão impugnada não proibiria a alienação de outros activos. As condições do mercado poderiam evoluir e criar incentivos à alienação de activos não previstos no plano de reestruturação ou influenciar os preços daqueles cuja alienação foi prevista. Ao verificar a proporcionalidade do auxílio relativamente às necessidades de reestruturação, a Comissão teria sublinhado (JO, p. 86) que os montantes a pagar podiam ser ajustados, se necessário, a fim de ter em conta a evolução da situação financeira da Air France na sequência, designadamente, da venda de activos.

202.
    A referência das recorrentes aos poderes que o regulamento sobre as concentrações confere à Comissão seria impertinente, dado que as concentrações afectam a própria estrutura do mercado considerado. A invocação da possibilidade de confiar activos a um mandatário que se encarregaria de organizar a sua venda também não serve de sustento à argumentação das recorrentes. Com efeito, o controlo de uma empresa seria a questão-chave que se coloca em direito das concentrações, o que não aconteceria no presente caso. Quanto ao consórcio de realizações instituído pelo plano do Crédit Lyonnais, a Comissão sublinha que se trata, nesse caso, de uma filial a 100%, correspondendo essa operação a uma reorganização interna do grupo.

203.
    De qualquer modo, nenhuma parcela do auxílio impugnado teria sido destinada a servir à Air France para pagar a última prestação da sua participação na Sabena. O auxílio teria sido autorizado para reduzir o peso dos encargos financeiros da Air France. Acresce que seria ilegal incitar a Air France a não honrar os seus compromissos contratuais com a Sabena, favorecendo desse modo a ruptura do contrato.

204.
    A República Francesa e a Air France sublinham que a participação da Air France no capital da Sabena era um dos seus activos essenciais e estratégicos. Em Julho de 1994, tudo levaria a crer que a renegociação do acordo relativo a essa tomada de capital implicaria, para a Air France, um prejuízo muito elevado e que colocaria a Sabena numa posição delicada. Segundo estas intervenientes, só em Outubro de 1994 é que o Governo belga anunciou a sua decisão de recapitalizar a Sabena. Em Julho de 1994, nem a Air France nem o Governo francês teriam conhecimento das intenções do Governo belga a este respeito. Não tendo a Air France podido acompanhar o aumento do capital preconizado pelo Governo belga, este ter-lhe-ia então proposto readquirir a sua participação, visto que se previa uma nova associação entre a Sabena e a Swissair.

205.
    A Air France precisa que alguns dos seus activos não ligados às actividades principais já tinham sido cedidos no âmbito de um começo de execução do Projecto. Assim, a sua participação no capital da companhia aérea checa CSA teria já sido cedido em 25 de Março de 1994. A participação da Servair (na qual a Air France detém 75% do capital) no capital da Saresco e, consequentemente, na sua filial que opera no sector da indústria dos queijos, teria igualmente sido cedida. A cessão do grupo hoteleiro Méridien, efectivamente ocorrida entretanto, teria abrangido 20 das 103 empresas do grupo. Resultaria claramente da decisão impugnada que estão previstas outras cessões no quadro do Projecto. O calendário previsto, bem como uma estimativa do montante dessas cessões, teriam sido comunicados à Comissão relativamente a todos os activos não aéreos com um valor significativo. Estes activos não teriam, porém, sido explicitamente nomeados no texto da decisão por razões de confidencialidade evidentes.

206.
    A Air France salientou na audiência que o sistema informatizado de reservas Amadeus constitui certamente uma actividade não aérea mas que é essencial para todas as actividades aéreas do grupo. Ao contrário do que as recorrentes insinuam, a participação da Air France no Amadeus não teria sido vendida nem a Air France teria qualquer intenção de o fazer.

207.
    Quanto à Servair, a Air France confirmou, também na audiência, que a cessão estava prevista no plano de reestruturação. As receitas da venda da Servair teriam constado das projecções financeiras e teriam, portanto, sido tomadas em consideração para diminuir o montante da recapitalização. Esta informação teria, no entanto, sido guardada em segredo, por um lado, a fim de poder negociar a venda da Servair pelo melhor preço e, por outro, tendo em consideração os riscos de agitação social que essa notícia teria inevitavelmente suscitado na Servair, o que teria posto perigosamente em causa a qualidade do serviço de voo da Air France, muito dependente deste fornecedor essencial de refeições prontas. O acompanhamento da venda da Servair teria sido efectuado, em pormenor, pela Comissão e pelos peritos desta, no momento da concessão de autorizações para as segunda e terceira parcelas do auxílio.

208.
    Quanto aos outros activos, como por exemplo, a Air Charter e Jet Tours, a Air France sublinhou, na mesma altura, que estes fazem indiscutivelmente parte dos seus activos estratégicos. Além disso, as vendas da Jet Tours e da Air Charter ter-lhe-iam proporcionado receitas insignificantes. Finalmente, as vendas das participações minoritárias da Air France na Royal Air Marroc, Austrian Airlines, Tunis Air, Air Mauritius e Aéropostale teriam sido pormenorizadamente analisadas pela Comissão. Não teriam podido dar origem a receitas significativas e não teriam tido qualquer efeito sobre o montante da recapitalização.

Apreciação do Tribunal

209.
    Convém lembrar que a Comissão, no quadro da análise do auxílio controvertido, afirmou que a reestruturação da Air France, a maior companhia aérea francesa e uma das três maiores companhias europeias, contribuiria para o desenvolvimento do transporte aéreo europeu, aumentando a competitividade do sector da aviação e apresentando, por tal facto, interesse comum (JO, p. 83). A Comissão indicou assim que não prosseguia uma política de desmantelamento completo do grupo Air France, preferindo manter a Air France entre as maiores companhias aéreas europeias, como a Lufthansa e a British Airways. Exigindo o exercício do poder discricionário que cabe à Comissão nos termos do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, que levou à adopção da decisão impugnada, apreciações complexas de política económica, só pode ser criticado com base em erro manifesto de apreciação ou em erro de direito, tanto mais que a Comissão teve o cuidado de organizar, através do escalonamento em três parcelas do pagamento do auxílio, um controlo da evolução da situação financeira da Air France, que lhe permitiria adaptar, se necessário fosse, os montantes a pagar (JO, p. 86).

210.
    Foi no quadro do exercício do seu poder discricionário que a Comissão se limitou a designar um número restrito de activos não associados às actividades principais da empresa — isto é, a cadeia hoteleira Méridien, um edifício, aviões que tinham atingido o limite de idade e peças e acessórios (JO, pp. 75 e 76) — cuja cessão se impunha à Air France para que o limite do auxílio se situasse em 20 mil milhões de FF.

211.
    São, assim, impertinentes tanto o argumento que o Reino da Dinamarca retira da Decisão Aer Lingus (já referida no n.° 55), através da qual a Comissão teria imposto ao beneficiário do auxílio a venda de todos os seus activos não associados à actividade principal, como a referência do Reino da Noruega ao exemplo da British Airways, da SAS, da KLM e de outras companhias aéreas internacionais, que, no quadro da sua reestruturação, teriam cedido numerosos activos não aéreos. Com efeito, as circunstâncias de uma reestruturação são condicionadas unicamente pela situação concreta da empresa em causa. O facto de as companhias acima referidas terem sido levadas, ou obrigadas, no contexto factual da sua própria reestruturação, a ceder numerosos activos não pode, portanto, por si só, pôr em causa a decisão tomada pela Comissão, na situação específica do mês de Julho de 1994, destinada a manter a Air France entre as três maiores companhias aéreas europeias e a autorizá-la a conservar a maior parte dos seus activos.

212.
    A Comissão podia, por conseguinte, considerar como activos não susceptíveis de serem alienados pela Air France as seguintes três categorias de activos: em primeiro lugar, os essenciais ao funcionamento actual e futuro da companhia, enquanto transportadora aérea; em segundo lugar, os que lhe serviam de elementos para estratégias de cooperação e relativamente aos quais lhe era necessário evitar que pudessem passar para o controlo de um concorrente; finalmente, os relacionados com actividades estreitamente ligadas ao funcionamento de uma grande companhia aérea. Como resulta dos autos, a Comissão qualificou como

inalienáveis esses activos, designadamente a Air Charter, a Air Inter, a Sabena, Amadeus e Jet Tours.

213.
    Quanto à companhia Air Charter, basta salientar que esta companhia exerce a sua actividade, tal como a Air France, no próprio sector aéreo. Faz, portanto, parte das actividades principais da Air France. Se é verdade que a Air Charter é uma companhia especializada no transporte aéreo charter, quer dizer, num mercado específico relativamente ao do transporte aéreo regular, não é menos verdade que esses são dois aspectos de uma mesma actividade aérea, cuja divisão em duascompanhias separadas mais não traduz, finalmente, do que uma divisão interna de funções. De onde se conclui que a Comissão podia, com razão, considerar que a Air Charter constituía um elemento essencial da actividade aérea da Air France.

214.
    Relativamente à companhia Air Inter, há que recordar que, na decisão impugnada, a Comissão refere que o Governo francês se comprometeu a que a Air France fosse a única beneficiária do auxílio em causa e a criar, para este efeito, uma holding que controlaria tanto a Air Inter como a Air France (compromisso n.° 1). A Comissão considera que este compromisso reduz as suas apreensões quanto aos efeitos secundários do auxílio, porque impede a Air France de utilizar o auxílio para subsidiar as actividades da Air Inter. Baseando-se nas informações recebidas a respeito da estrutura futura da holding, bem como no compromisso correspondente das autoridades francesas, a Comissão considera que o beneficiário do auxílio é a companhia nacional Air France e as suas filiais, entre as quais a Air Charter (JO, pp. 81 e 86).

215.
    Ora, não oferece dúvidas que a Air France, ao contrário da Lufthansa e da British Airways, não dispunha de uma rede doméstica, antes de ter tomado o controlo da Air Inter em 1990. A Comissão teve, pois, razão ao considerar que este controlo — adaptado, durante o período de reestruturação, pelo mecanismo de holding acima descrito — era essencial ao funcionamento actual e futuro da Air France, dado que a sua perda arriscava afectar seriamente o tráfego aéreo afluente («feeder traffic»), de que se encarregava a Air Inter. Com efeito, as actividades da Air Inter concentram-se essencialmente no transporte aéreo no interior do território francês. Ora, este mercado interno francês fornece um fluxo substancial de passageiros à plataforma da Air France no aeroporto de Paris-Charles-de-Gaulle [a seguir «Paris (CDG)»]. É evidente que, nestas circunstâncias, a Air France não pode correr o risco de ver a Air Inter passar, depois de ter sido cedida, para o controlo de uma companhia concorrente, perdendo assim o controlo de uma parte substancial do seu tráfego aéreo afluente.

216.
    A ligação directa da Air Inter à Air France também não podia ser validamente substituída pela transferência da Air Inter para um banco e pela celebração concomitante de acordos comerciais relativos a esse tráfego aéreo afluente com a Air Inter ou com outras companhias. Com efeito, as recorrentes não demonstraram que essa solução podia afastar o risco de ver a Air Inter absorvida por uma

companhia concorrente, comprometendo assim o funcionamento do tráfego aéreo afluente da Air France. Quanto à celebração desses acordos com outras companhias aéreas, basta salientar que, em Julho de 1994, a posição concorrencial da Air Inter no mercado doméstico francês, era de tal modo forte que não se podia exigir à Air France, que pretendia reestruturar-se e recuperar a sua rentabilidade, que substituísse as suas relações bem estabelecidas com a Air Inter por contratos com companhias que não dispunham ainda de infra-estruturas no mercado francês comparáveis às da Air Inter.

217.
    Para responder ao argumento das recorrentes de que a Air France podia, ela própria, tomar a cargo o seu tráfego aéreo afluente, designadamente na rede doméstica francesa, é de salientar que o plano de reestruturação da Air France prevê uma frota operacional de 146 aviões, não afectando esta frota especificamente ao tráfego aéreo afluente. Pelo contrário, é sobretudo ao nível dos voos de longo curso que este plano prevê um aumento da oferta da Air France, o que pressupõe uma utilização acrescida da sua frota neste domínio. Nesta óptica, o serviço do mercado doméstico cabe essencialmente à Air Inter que tem de utilizar os seus próprios aviões para o efeito. Ora, não incumbia à Comissão ordenar à Air France que se concentrasse no mercado doméstico, posto que uma medida desse tipo podia provocar um risco de enfraquecimento nos voos internacionais.

218.
    Quanto à participação da Air France no capital da Sabena, tem que se reconhecer que a Air France só possuía, na altura, uma participação minoritária (37,58%) no capital da companhia belga. O que não exclui, no entanto, que essa participação constituía um elemento estratégico importante da actividade aérea da Air France. Recorde-se, com efeito, a decisão de 5 de Outubro de 1992 (documento n.° 24 junto às observações das recorrentes sobre as intervenções no processo T-371/94), na qual a Comissão declarou não se opor ao protocolo de acordo assinado pela Air France, pela Sabena e pelo Estado belga, acordo este que conferiu à Air France, através da sociedade Finacta, uma participação de 37,58% no capital da Sabena (37,5% para efeitos de direito de voto).

219.
    Esta decisão, acessível a qualquer interessado (v. a comunicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 21 de Outubro de 1992, C 272, p. 5), demonstra designadamente que:

— a Finacta, controlada pela Air France, tem que aprovar a nomeação do presidente e do vice-presidente da Sabena (direito de veto) e pode bloquear as decisões do conselho de administração da Sabena que impliquem uma mudança de estratégia, do «business plan», do plano de investimento e do plano de cooperação industrial,

— os presidentes da Air France e da Sabena concertar-se-ão em caso de dificuldade importante no funcionamento dos órgãos ou na execução da estratégia,

— os elementos fundamentais da estratégia futura da Sabena foram co-decididos pela Air France.

220.
    Nesta decisão de 1992, a Comissão qualifica, no fundo, a Sabena como uma empresa comum controlada conjuntamente pelo Estado belga e pela Air France, dispondo esta de direitos que excedem largamente os que são normalmente reconhecidos aos accionistas minoritários, e de meios para controlar o comportamento da Sabena no mercado. Quanto ao objectivo do acordo, a Comissão salienta que este visa desenvolver a cooperação entre a Air France e a Sabena, fazer funcionar o conjunto das sinergias possíveis entre os dois parceiros, e, designadamente, criar uma rede intra-comunitária centrada no aeroporto de Bruxelas-Zaventem.

221.
    Tendo em consideração esta decisão de 5 de Outubro de 1992, que as partes interessadas são supostas conhecer, a Comissão podia, portanto, razoavelmente considerar que era necessário evitar que a participação da Air France no capital da Sabena, que constituía um instrumento de aliança estratégica para a Air France, fosse abandonada, deixando a um concorrente a possibilidade de ocupar o lugar privilegiado até então ocupado pela Air France.

222.
    Quanto à tese do Reino Unido, segundo a qual esta participação podia ter sido substituída por acordos de cooperação, basta salientar que essa tese ignora o carácter especial dessa participação que, apesar de minoritária, conferia à Air France um poder de controlo sobre o comportamento comercial da Sabena e excedia, portanto, a influência que um parceiro contratual pode exercer normalmente. O Reino Unido não provou que a Air France teria igualmente podido aceder a essa posição privilegiada sem a participação no capital da Sabena. A especificidade da aliança entre a Air France e a Sabena opõe-se, além disso, a qualquer comparação com a venda, efectivamente ocorrida em Março de 1994, da participação que a Air France deteve no capital da companhia checa CSA.

223.
    É certo que pouco depois da adopção da decisão impugnada, a Air France pagou 170 milhões de FF para cobrir a última prestação do preço de aquisição da sua participação no capital da Sabena. Porém, nada permite considerar que o auxílio controvertido tenha sido destinado a esse fim. Por um lado, como o salientaram a República Francesa e a Air France, esse pagamento resultava de obrigações contratuais assumidas em 1992 e portanto anteriores à autorização do auxílio (v. a decisão da Comissão de 5 de Outubro de 1992, já referida nos n.os 218 e 219). Como o recordou o Governo francês no Tribunal, essas obrigações incluíam um calendário de pagamentos a efectuar pela Air France em 1992, em 1993 e, relativamente à última prestação, entre 15 e 31 de Julho de 1994. A existência desta última obrigação de pagamento que impendia sobre a Air France não podia razoavelmente ter como efeito, por si só, bloquear, mesmo parcialmente, um auxílio destinado ao desendividamento e à reestruturação da Air France. Por outro lado, tendo em conta o seu montante relativamente modesto, o pagamento em

causa não excedia os limites de um investimento normal. Em consequência, a Comissão podia admitir que o auxílio seria coberto pelos recursos provenientes da venda, pela Air France, dos seus activos e pelas suas receitas de exploração correntes (v. supra, n.os 140 e 141).

224.
    Também é certo que a participação da Air France no capital da Sabena foi posteriormente cedida por 680 milhões de FF (comunicação da Comissão respeitante à terceira prestação de auxílio à reestruturação da Air France, aprovada pela Comissão em 27 de Julho de 1994, JO 1996 C 374, pp. 9, 14). Porém, como o sublinharam tanto a República Francesa como a Air France, sem terem sido contestadas quanto a este aspecto, só em Outubro de 1994 é que o Governo belga, accionista maioritário da Sabena, decidiu que uma recapitalização da Sabena era necessária, o que significava de facto a exclusão da Air France, que não podia acompanhar essa recapitalização. Além disso, a saída da Air France do capital da Sabena só se concluiu em Julho de 1995. O Tribunal verifica, pois, que, na data da adopção da decisão impugnada, nada indicava à Comissão que a Air France podia seriamente pôr termo à sua aliança com a Sabena e ceder a sua participação. Nestas circunstâncias, a Comissão não podia inferir dos rumores na imprensa invocados pelas recorrentes e que se referiam a uma aquisição iminente pela Swissair dessa participação que, já em Julho de 1994, a Air France não considerava a sua participação no capital da Sabena como um elemento estratégico importante da sua actividade aérea.

225.
    Convém acrescentar que a Comissão referiu expressamente, na sua decisão de 21 de Junho de 1995, que autorizou o pagamento da segunda parcela do auxílio controvertido (comunicação publicada no JO C 295, pp. 2 e 5), que a incidência financeira da venda dessa participação seria tomada em conta no quadro da sua decisão sobre o pagamento da terceira parcela do auxílio. Ora, a legalidade destas decisões, posteriores à decisão ora impugnada, não pode ser examinada no quadro dos presentes litígios que incidem unicamente sobre a legalidade da decisão de 27 de Julho de 1994.

226.
    Quanto a uma eventual venda de Amadeus, deve precisar-se que este activo constitui o sistema informatizado de reservas da Air France. A Air France explicou a este respeito que tinha confiado a Amadeus toda a actividade de reservas dos seus bilhetes, que era completamente dependente deste sistema para a sua distribuição e que esse sistema lhe era indispensável para o desenvolvimento da actividade aérea, razão pela qual a grande maioria das companhias aéreas dele disporiam. O Tribunal entende que, assim sendo, a Comissão podia razoavelmente considerar que este activo da Air France não era susceptível de cessão na medida em que participava de uma actividade estreitamente ligada ao funcionamento de uma grande companhia aérea.

227.
    O mesmo se passa em relação à participação da Air France no capital da sociedade Jet Tours, activa no sector do turismo. Trata-se de um sector económico conexo, pelo menos parcialmente, ao sector aéreo. A Comissão podia, portanto,

considerar a Jet Tours como um activo destinado a angariar clientes turistas, tanto para a Air France como para a Air Charter. Em consequência, a Comissão podia legitimamente concluir que a Air France não podia ser forçada a aliená-lo.

228.
    As recorrentes também não podem acusar a Comissão de não ter imposto à Air France a venda global das suas participações minoritárias noutras companhias aéreas como a Tunis Air, a Air Mauritius, a Royal Air Maroc e a Austrian Airlines. Com efeito, tendo em conta o carácter negligenciável dessa venda, a saída completa da Air France do capital dessas companhias não teria revestido um nexo directo essencial com o seu plano de reestruturação.

229.
    Quanto à declaração, feita pela Air France na audiência, de que a cessão de outros activos não nominalmente designados na decisão impugnada, como a do grupo Servair, se encontrava prevista no plano de reestruturação e à eventual confidencialidade destes dados, deve reconhecer-se que a receita das cessões em causa, se se destinava a co-financiar a execução do plano de reestruturação, não devia ser automaticamente deduzida do montante do auxílio de 20 mil milhões de FF considerado como necessário e autorizado pela decisão impugnada. Aliás, mesmo os 7 mil milhões que a Air France esperava realizar através da cessão do Méridien, de um edifício e de 34 aviões serviam apenas para reduzir o auxílio a 20 mil milhões e não a reduzir este montante. Foi só no momento do pagamento das segunda e terceira parcelas do auxílio que a Comissão se reservou o direito de tomar em consideração a situação financeira global da Air France, tendo em conta as vendas de activos entretanto ocorridas. O Tribunal considera que as questões financeiras levantadas em relação a estas vendas, incluindo as da proporcionalidade e da confidencialidade, só podem, portanto, ser examinadas em relação às decisões respeitantes a essas segunda e terceira parcelas. Ora, nos presentes litígios, não está em discussão a legalidade dessas decisões.

230.
    A argumentação das recorrentes, segundo a qual a Air France teria ela própria definido, no seu relatório anual relativo ao exercício de 1993, uma série de activos como «non core activities» («actividades não essenciais da empresa»), para exigir a sua venda, não tem fundamentos de facto. Com efeito, a passagem invocada pelas recorrentes só consta da tradução inglesa desse relatório (pp. 26 e 27; documento n.° 4 junto à petição no processo T-371/94), enquanto o texto francês fala de «actividades não aéreas» e não contém, portanto, nenhum juízo de valor sobre os activos em questão. Ora, sendo a Air France uma companhia francesa, é evidente que o seu relatório anual de referência é o que está redigido em língua francesa.

231.
    Não tendo a Comissão cometido nenhum erro manifesto ao abster-se de exigir que a Air France vendesse os activos designados pelas recorrentes e pelos intervenientes em apoio destas, este fundamento não colhe.

232.
    Resulta de quanto precede que, sem prejuízo do referido nos n.os 84 a 120 supra, devem ser rejeitados todos os argumentos baseados em violação do princípio da proporcionalidade aplicável em matéria de auxílios do Estado. Quanto a este aspecto, as recorrentes e os intervenientes em apoio das conclusões destas puderam defender os seus direitos e o Tribunal pôde exercer o seu controlo jurisdicional. Em consequência e, salvo no que se refere à autorização de compra dos 17 novos aviões, a decisão impugnada é, deste ponto de vista, conforme às exigências do artigo 190.° do Tratado, de modo que a acusação baseada em insuficiência de fundamentação deve ser rejeitada.

Quanto às acusações baseadas em erros alegadamente cometidos pela Comissão por considerar que o auxílio se destina a facilitar o desenvolvimento de uma determinada actividade económica, sem alterar as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum

A — Quanto à acusação baseada na alegada errada autorização da Comissão a um auxílio destinado a desenvolver não uma determinada actividade económica mas uma empresa determinada

Breve resumo da argumentação das partes

233.
    Na petição, a recorrente no processo T-394/94 sustenta que o auxílio em discussão beneficia uma empresa determinada e não contribui para o desenvolvimento de uma actividade económica. Ao autorizar o auxílio, a Comissão teria manifestamente atribuído uma importância primordial à sobrevivência da Air France, em vez de ponderar este objectivo em relação com os efeitos negativos do auxílio sobre os seus concorrentes e sobre o mercado do transporte aéreo da Comunidade.

234.
    A Comissão considera as alegações da recorrente manifestamente destituídas de fundamento. Na decisão impugnada, a Comissão teria sublinhado que devia ter em conta a evolução de um sector no seu conjunto e não apenas a evolução do beneficiário do auxílio. A Comissão teria, a seguir, discorrido largamente sobre a questão de saber se o auxílio podia beneficiar da derrogação prevista no artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado.

Apreciação do Tribunal

235.
    Há que reconhecer que, no caso de uma empresa da envergadura da Air France, uma das três maiores companhias aéreas europeias, uma verdadeira reestruturação teria por efeito favorecer o desenvolvimento económico do sector da aviação civil europeia (v., neste sentido, as conclusões do advogado-geral W. Van Gerven no processo em que foi proferido acórdão pelo Tribunal de Justiça em 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, Colect., pp. I-1603, 1630, n.° 17). Por conseguinte, esta acusação não merece acolhimento.

236.
    Por outro lado, a recorrente admitiu expressamente, na réplica, que não pretendia que um auxílio a uma única empresa fosse em si mesmo ilegal, acrescentando que numerosos auxílios concedidos a empresas individuais se justificam porque aproveitam a sectores tomados no seu conjunto.

237.
    Na parte em que a recorrente critica a Comissão por ter unilateralmente favorecido a Air France, tendo em conta apenas os elementos positivos da sua reestruturação, sem tomar em consideração os seus efeitos negativos, estas acusações serão examinadas adiante no contexto correspondente.

B — Quanto à acusação baseada no facto de a Comissão ter alegadamente errado ao autorizar um auxílio que altera as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum

Breve resumo da argumentação das partes

238.
    As recorrentes sustentam que o auxílio altera as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum. O auxílio serviria para baixar artificialmente os custos da Air France e transferiria, em consequência, o encargo da baixa dos custos para as companhias aéreas não subsidiadas. As recorrentes lembram a este propósito que a própria Comissão considerou, no processo França/Comissão (já referido no n.° 79, n.° 44), que a manutenção artificial de uma empresa em actividade enfraquece a competitividade de outros fabricantes que foram levados a proceder a uma reorganização sem auxílios do Estado. No acórdão proferido neste mesmo processo (n.° 50), o Tribunal confirmou a decisão da Comissão de recusa de autorização do auxílio Estado, pelo facto de esse auxílio enfraquecer a competitividade de outros fabricantes da Comunidade, ameaçando obrigá-los a retirarem-se do mercado, mesmo que até então tivessem podido prosseguir as suas actividades graças a uma reestruturação financiada pelos seus próprios recursos. As recorrentes referem-se ainda às conclusões do advogado-geral Slynn no acórdão Alemanha/Comissão (já referidas no n.° 58), bem como ao acórdão Philip Morris/Comissão (já referido no n.° 79, n.° 26), dos quais resulta que a Comissão, ao aplicar o artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, deve ter em conta o enquadramento comunitário e designadamente a situação global do sector em causa.

239.
    A recorrente no processo T-394/94 sublinha que a decisão impugnada confirma que o auxílio em causa falseia o jogo da concorrência no EEE. Lembra que nas observações que submeteu à Comissão na fase do procedimento administrativo, tinha sugerido que a Comissão procedesse à análise de cada um dos mercados geográficos atingidos pelo auxílio, isto é, as ligações particulares em que os transportadores aéreos em causa estão em concorrência directa. Esta tese seria confortada pelo acórdão França/Comissão (já referido no n.° 79, n.° 50), em que o Tribunal de Justiça teria decidido que se justificava analisar o efeito do auxílio sobre o conjunto dos concorrentes da empresa beneficiária. A recorrente precisa

que está em concorrência com a Air France nas linhas Londres/Nice, Londres/Paris e Glasgow/Paris. A Comissão teria concluído, porém, que todos os efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais eram aceitáveis. Ao assim decidir, a Comissão teria favorecido a Air France, empresa pertencente ao sector público, relativamente à recorrente, empresa independente pertencente ao sector privado. A Comissão teria deste modo efectuado uma discriminação que provoca distorções da concorrência em medida contrária ao interesse comum (acórdão do Tribunal de Justiça, de 24 de Fevereiro de 1987, Falck/Comissão, 304/85, Colect., p. 871, n.° 27).

240.
    Neste contexto, a recorrente no processo T-394/94 alega ainda violação pela Comissão do artigo 190.° do Tratado, por ter descurado fundamentar de modo adequado a sua afirmação de que o auxílio não afecta as trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum e responder validamente às observações apresentadas pela recorrente no procedimento administrativo. As recorrentes no processo T-371/94 alegam igualmente que a Comissão não examinou seriamente os comentários feitos em resposta à sua comunicação de 3 de Junho de 1994 pelos terceiros interessados. No Tribunal, apresentaram cálculos com uma enumeração das linhas individuais com as estimativas das partes de mercado das diferentes companhias aéreas em situação de concorrência nessas linhas (n.° 21 e notas de rodapé 33 a 42 da petição no processo T-371/94).

241.
    As sociedades Maersk consideram igualmente que a Comissão devia ter prestado mais atenção ao efeito do auxílio sobre as pequenas e médias companhias aéreas que exercem a sua actividade nas linhas regionais. Acusam a Comissão de ter negligenciado examinar o efeito negativo do auxílio controvertido sobre a concorrência nos serviços aéreos regionais. Afirmam a este propósito que asseguram a linha Lyon-Birmingham e que pretendiam assegurar, a partir de 16 de Outubro de 1995, a linha Billund/Paris (CDG). Consideram que os efeitos de um auxílio se manifestam não só no mercado restrito assegurado pelo transportador beneficiário, definido por referência a ligações intercidades, mas também num mercado mais vasto de transportes aéreos e em ligações indirectamente concorrentes.

242.
    Os efeitos indirectos da decisão impugnada sobre os pequenos transportadores que exploram quer linhas secundárias para os centros principais, a partir dos quais operam os grandes transportadores, quer ligações indirectamente concorrentes, seriam ilustrados pela ligação, explorada pela Maersk, entre Birmingham e Lyon. Esta ligação estaria em concorrência indirecta com a linha que liga Londres (Heathrow) a Paris e com a que liga Birmingham a Paris e sofreria a concorrência de uma e outra. Ora, a taxa de ocupação da Air France na linha Birmingham-Paris teria sido de apenas 32%, segundo dados respeitantes ao ano de 1992, enquanto a das suas concorrentes teria sido de 61%. Companhias aéreas com uma gestão eficaz poderiam ser obrigadas a abandonar determinadas ligações, ou mesmo ficar impedidas de desenvolver novas ligações, se a presença de uma companhia subsidiada por fundos públicos provocasse uma diminuição das taxas de rendimento.

243.
    Acrescentam que a Comissão não analisou de modo suficiente a incidência do auxílio controvertido sobre a concorrência potencial no sector do transporte aéreo. Facto este que seria ilustrado pela ligação Copenhaga-Paris, em que a taxa de ocupação da Air France atingiu apenas, segundo dados do ano de 1992, 49%, enquanto a das companhias suas concorrentes se teria elevado a 61%. Embora o efeito sobre a concorrência potencial não possa ser plenamente medido, este seria, porém, demonstrado pela decisão tomada pela Maersk, aquando da adopção da decisão impugnada, de diferir os seus planos de criar um serviço entre Billund e Paris (CDG).

244.
    O Reino da Suécia considera igualmente que o auxílio impugnado acentua a pressão sobre as companhias regionais concorrentes e tende a fazê-las abandonaras suas linhas de periferia. Estas companhias poderiam vir a ficar com a sua posição fortemente afectada mesmo por medidas globalmente limitadas tomadas por um dos grandes actores no mercado, ao passo que as outras grandes companhias não seriam afectadas no mesmo grau.

245.
    Na audiência, os Governos sueco e norueguês precisaram que as companhias aéreas escandinavas que estão em concorrência com a Air France em linhas entre a França e as maiores cidades da Escandinávia têm também linhas internas com uma taxa de ocupação reduzida, devido a uma densidade populacional muito baixa, mas que são necessárias no interesse do desenvolvimento económico das regiões periféricas. Estas ligações seriam extremamente vulneráveis a qualquer distorção da concorrência através de auxílios de Estado concedidos a um grande concorrente como a Air France. As grandes companhias só raramente se interessariam pelas linhas de periferia. As distorções da concorrência nas linhas com tráfego intenso poderiam, portanto, levar a uma redução ou ao desaparecimento do serviço das regiões periféricas. Tal prejudicaria o interesse comum, que é o de assegurar ligações aéreas suficientes mesmo na periferia do EEE.

246.
    A recorrente no processo T-394/94 sublinha que nenhum elemento da decisão impugnada prova que a Comissão cumpriu a sua obrigação de ponderar o interesse em garantir a sobrevivência da Air France e os efeitos negativos que deve inevitavelmente ter sobre a concorrência a injecção, a título de auxílio, de um montante exorbitante de 20 mil milhões de FF. A Comissão nunca teria explicado por que razão considera que os efeitos benéficos bastam para neutralizar os efeitos negativos do plano de reestruturação, tendo-se limitado a analisar simplesmente os efeitos benéficos do auxílio para o seu beneficiário.

247.
    Esta recorrente lembra que a Air France acumulou prejuízos consideráveis durante os últimos anos, e isto apesar da injecção, autorizada pela Comissão, de 5,8 mil milhões de FF. Tendo em consideração os prejuízos contínuos e crescentes da Air France, a Comissão devia ter-se apercebido retrospectivamente que as suas investigações, baseadas então em informações fornecidas pela Air France, tinham sido fundamentalmente falseadas. Ao contrário da Air France, a maioria dos seus

concorrentes, das companhias aéreas não subsidiadas e independentes teriam tido que tomar medidas rigorosas de redução dos custos e de reestruturação para poderem adaptar-se a um meio comercial que evolui rapidamente no mercado liberalizado. Estas medidas, necessárias à sua sobrevivência, só teriam podido ser tomadas graças a importantes reduções de pessoal, ao abandono das ligações não rentáveis, à anulação das encomendas de novos aviões, à retirada de investimentos efectuados noutras companhias aéreas e à venda de activos não associados às actividades principais. A recorrente teria, por exemplo, lançado uma importante campanha de redução dos custos que implicaria, designadamente, a supressão de postos de trabalho e o abandono de ligações não rentáveis, incluindo as ligações entre Edimburgo e Paris, que a Air France continua a explorar.

248.
    O Reino da Dinamarca e o Reino Unido acrescentam que a Comissão devia ter procedido a uma comparação entre a Air France e as outras sociedades que fizeram uma reestruturação com ou sem o auxílio do Estado. Só assim a Comissão poderia ter uma ideia do mercado e das sociedades que operam neste mercado, o que constitui uma condição prévia para que a Comissão possa exercer correctamente o seu poder discricionário. A experiência adquirida por determinadas companhias concorrentes da Air France demonstraria o que é necessário fazer para restaurar a viabilidade de uma grande companhia aérea internacional sem auxílios do Estado. A British Airways, por exemplo, teria deixado de assegurar 16 ligações internacionais, teria vendido um número significativo de aparelhos e teria suprimido 13 500 postos de trabalho nos anos 80. No caso da Lufthansa, a reestruturação teria exigido uma diminuição de 17% do número de empregados desde 1992.

249.
    As recorrentes, o Reino da Dinamarca e o Reino Unido consideram que as condições de que a Comissão fez depender a aprovação do auxílio são ineficazes e não podem, portanto, impedir o auxílio de ter efeitos nefastos sobre as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum. Sublinham que o alcance das condições está limitado à duração do plano de reestruturação, quer dizer que se tornam caducas no final do ano de 1996, ao passo que o auxílio continuará a produzir os seus efeitos sobre a Air France e no mercado do transporte aéreo para além dessa data. O erro cometido ao limitar a aplicação das condições à duração do plano seria demonstrado pela fusão prevista das actividades europeias da Air France com as da Air Inter no início de 1997. O facto de a Comissão ter fixado essas condições a respeitar pelo Governo francês, em vez de ter submetido o plano de reestruturação a uma análise detalhada, estaria em contradição com as regras que se aplicam ao poder de apreciação da Comissão nesta matéria. A Comissão não poderia abster-se de proceder à apreciação imposta pelo direito comunitário, enunciando, em vez disso, um certo número de condições.

250.
    As recorrentes e as intervenientes em apoio dos seus pedidos sublinham, em especial, a possibilidade de que goza a Air France de contornar as condições de autorização impostas ao Estado francês pela decisão impugnada. Assim, a sociedade holding que controla a Air France e a Air Inter poderia permitir à Air

Inter, não sujeita a essas condições, a adopção de medidas proibidas à Air France. Se a decisão impugnada não for anulada, qualquer destinatário de um auxílio de Estado poderá criar filiais ou sociedades-irmãs para se subtrair às condições de autorização e para continuar a agir no mercado sem qualquer restrição.

251.
    A Comissão sustenta que as recorrentes confundem, sem razão, os auxílios que falseiam a concorrência e afectam as trocas comerciais entre Estados-Membros, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, com os que alteram as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum, na acepção do artigo 92.°, n.° 3, alínea c). Afirma que nunca considerou que o auxílio controvertido não falseava a concorrência ou não afectava as trocas comerciais. Porém, esse auxílio não constituiria forçosamente um auxílio que altera as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum. Segundo a Comissão, as recorrentes partem do princípio que qualquer esforço da Air France para sobreviver prejudicará os seus concorrentes. Ora, esta tese seria indefensável à luz de uma correcta interpretação dos artigos 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado e 61.°, n.° 3, alínea c), do acordo EEE.

252.
    No processo França/Comissão (já referido no n.° 79), a Comissão teria considerado que o auxílio autorizado era uma medida de salvamento que, além disso, não satisfazia os critérios definidos para esse tipo de auxílio. A Comissão sublinha que, no caso ora em apreço, estas considerações não se aplicam. O auxílio controvertido não seria uma medida de salvamento, mas estaria efectivamente associado a um verdadeiro plano de reestruturação. Não haveria, pois, qualquer incompatibilidade entre a posição adoptada pela Comissão nesse processo e no presente caso.

253.
    A Comissão acrescenta que o excerto das conclusões do advogado-geral Slynn no processo Comissão/Alemanha (já referido no n.° 58) incidia sobre a questão de saber se o auxílio então em causa podia ser considerado um auxílio destinado a facilitar o desenvolvimento de determinadas actividades económicas e não sobre a questão de saber se alterava as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum. O excerto do acórdão Philip Morris/Comissão (já referido no n.° 79) ligar-se-ia igualmente à primeira condição do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado e não ao efeito nocivo sobre as condições das trocas comerciais.

254.
    A Comissão sublinha que verificou se o auxílio podia considerar-se compatível na acepção dos artigos 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado e 61.°, n.° 3, alínea c), do Acordo EEE. Pelas razões indicadas na sua decisão, a Comissão teria podido concluir que o auxílio podia beneficiar da derrogação prevista e que era compatível com o mercado comum, desde que fossem respeitados determinados compromissos e que determinadas condições fossem satisfeitas. A Comissão, na decisão impugnada, teria explicado que, ao analisar os efeitos do auxílio no EEE, tinha tido em conta a liberalização crescente do transporte aéreo na sequência da adopção do «terceiro pacote» e que tinha verificado que os efeitos negativos do auxílio não

seriam amplificados pela exploração de direitos exclusivos ou pela aplicação de um tratamento de favor à Air France.

255.
    A Comissão afirma que certos compromissos que conseguiu obter do Governo francês não têm precedente e que são de uma severidade inigualada. Nenhum outro Governo se teria comprometido a privatizar uma empresa beneficiária de um auxílio (compromisso n.° 2) e nunca teria havido anteriormente restrições à liberdade de fixação dos preços (compromisso n.° 9). A Comissão salienta ainda que apenas metade do montante total do auxílio pôde ser imediatamente pago, ficando o pagamento do saldo restante, em duas parcelas, subordinado à observância de um determinado número de condições e à sua autorização (artigo 2.° da decisão impugnada). Além disso, o Governo francês teria subscrito o compromisso de não conceder mais à Air France novas dotações ou outros auxílios, qualquer que seja a sua forma (compromisso n.° 5) e de não interferir na sua gestão por outras razões que não as ligadas ao seu estatuto de accionista (compromisso n.° 4).

256.
    Relativamente à alegação das sociedades Maersk de que não teria considerado na sua análise o papel das transportadoras aéreas de pequena e média importância, a Comissão sublinha que a sua apreciação não se limitou às grandes companhias europeias. A fim de garantir que o auxílio não afectava as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum, a Comissão teria tido designadamente que se certificar que o auxílio não era utilizado para baixar os preços e que a capacidade não seria aumentada a um ritmo superior ao do crescimento do mercado. Esta preocupação teria estado presente em relação a todos os concorrentes da Air France e ao sector da aviação civil europeia no seu conjunto.

257.
    Quanto à alegação de que não teria examinado o efeito negativo do auxílio sobre a concorrência nos serviços aéreos regionais, a Comissão sustenta que os intervenientes não apresentam a mínima prova de que o auxílio desfavorece o desenvolvimento dos serviços com destino ou com origem nos aeroportos regionais. Quanto aos alegados efeitos do auxílio num mercado mais largo do que o efectivamente coberto pela Air France, sobre as linhas concorrenciais indirectas e sobre a concorrência potencial, a Comissão declara que as alegações respeitantes a este aspecto são destituídas de fundamento. A Comissão desconheceria o significado do adiamento do projecto das intervenientes Maersk de criar uma ligação Billund-Paris. As hesitações destas teriam provavelmente origem na chegada da British Airways à linha Copenhaga-Paris em 1993, na qual se apoderou imediatamente de 18% do mercado. Em termos gerais, a Comissão considera que a decisão impugnada satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado quanto à avaliação do impacto do auxílio nas condições de troca comerciais.

258.
    Para a Air France, tudo na decisão impugnada comprova que os efeitos do auxílio foram apreciados num contexto comunitário. Com efeito, a Comissão teria analisado a situação e a evolução do transporte aéreo europeu, bem como os

efeitos do auxílio sobre a situação concorrencial da Air France, tendo em conta aliberalização crescente do transporte aéreo. Finalmente, o objectivo dos compromissos assumidos pelo Governo francês teria sido precisamente o de evitar que o auxílio pudesse ser utilizado pela Air France em detrimento dos seus concorrentes.

Apreciação do Tribunal

1. Quanto à fundamentação

259.
    Tendo em consideração as alegações das recorrentes e das intervenientes em apoio dos seus pedidos, o Tribunal considera que deve verificar, em primeiro lugar, se a decisão impugnada está suficientemente fundamentada relativamente à apreciação dos efeitos do auxílio sobre as companhias concorrentes da Air France e sobre as ligações aéreas pertinentes. O Tribunal recorda a este respeito que convidou as recorrentes e os intervenientes a apresentarem as observações que tinham apresentado à Comissão durante o procedimento administrativo, na sua qualidade de interessados, na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado (v. supra, n.° 33).

260.
    Como já foi salientado (n.os 89 a 96), o Tribunal terá que examinar se a fundamentação da decisão impugnada revela, de modo claro e inequívoco, o raciocínio da Comissão, tendo em conta designadamente as alegações essenciais para a avaliação do projecto de auxílio sob o ângulo dos seus efeitos que as partes interessadas apresentaram à Comissão no decurso do procedimento administrativo.

261.
    Verifica-se pela leitura do conjunto das observações apresentadas no Tribunal que alguns interessados tinham insistido junto da Comissão nomeadamente na necessidade de que fossem avaliados pela Comissão os efeitos do auxílio sobre as companhias aéreas concorrentes da Air France e sobre as diferentes ligações aéreas em causa. Com efeito, foi afirmado que o auxílio permitiria às companhias pertencentes ao grupo Air France continuar a explorar a sua posição dominante no mercado doméstico francês. Por outro lado, sendo o mercado geográfico relevante no sector aéreo constituído pelas ligações que os utilizadores consideram substituíveis, quer dizer, pelas linhas entre cidades, a possibilidade dessa substituição deverá ser analisada. Com efeito, outras companhias mais competitivas poderiam retomar as ligações até então asseguradas pela Air France. Além disso, a Comissão deveria estar atenta aos efeitos do auxílio sobre a situação das pequenas companhias aéreas, muitas vezes dependentes de algumas ligações específicas. O facto de uma grande transportadora como a Air France obter um auxílio do Estado poderia afectar o equilíbrio da concorrência nestas linhas.

262.
    Alguns interessados sublinharam o impacto do auxílio impugnado na concorrência que reina nas linhas internacionais fora do EEE. Com efeito, a Air France teria feito uma publicidade agressiva nos Países Baixos, praticando tarifas muito baixas para voos via Paris com destino designadamente a Hong-Kong, Singapura, Jacarta,

Tóquio, Cabo e Joanesburgo (KLM, observações, p. 1). A Air France estaria em concorrência em 8 das 20 linhas internacionais em que a concorrência é mais renhida (Reino Unido, observações, p. 6). As outras companhias comunitárias presentes nas linhas extra-comunitárias seriam afectadas pela possibilidade de substituição, por exemplo, entre Roma e Londres para um voo com destino a Nova Iorque. Existiria, assim, uma situação de concorrência em todas as linhas entre a Europa e a América do Norte, por um lado, e o Extremo Oriente, por outro. Assim, a British Airways estaria em concorrência com outras companhias nos voos Roma—Nova Iorque e Paris—Nova Iorque. Para muitas companhias europeias, o mercado doméstico seria muito reduzido. Em consequência, as linhas extra-comunitárias seriam vitais para a sua sobrevivência a longo prazo, razão pela qual muitos se baseiam, em larga medida, no tráfego transatlântico (pp. ii, 57 e 58 do relatório Lexecon sobre o impacto concorrencial dos auxílio de Estado na indústria aérea europeia, apresentado pela British Airways no decurso do procedimento administrativo e junto como documento n.° 17 à petição no processo T-371/94).

263.
    Por parte da Comissão, deve recordar-se que os seus serviços estavam eles próprios conscientes dos problemas provocados pelos efeitos do auxílio sobre a situação concorrencial da Air France, a tal ponto que já tinham declarado, na comunicação de 3 de Junho de 1994, que deveriam examinar esses efeitos em relação às ligações internacionais e internas, nas quais a Air France se defronta com a concorrência de outros transportadores europeus, acrescentando que o plano de reestruturação da Air France não continha qualquer análise da rede e do seu futuro desenvolvimento (JO, p. 8).

264.
    Quanto à decisão impugnada, deve declarar-se que, ao verificar se o auxílio não afecta as condições das trocas comerciais de maneira que contrarie o interesse comum, a Comissão lembra que declarou, no início do procedimento administrativo, que devia analisar os efeitos do auxílio sobre a situação concorrencial da Air France tanto nas linhas internacionais como internas onde a Air France está em concorrência com outras companhias europeias. A Comissão sublinha, a seguir, que o Governo francês se comprometeu, na vigência do plano de reestruturação:

— a não aumentar o número de aviões da frota da Air France por ela explorados para mais de 146 (condição n.° 7);

— a não aumentar a oferta da Air France para níveis superiores aos atingidos em 1993, nas rotas entre a França e os outros países do EEE (condição n.° 8);

— a zelar para que a Air France não adoptasse práticas que levassem a propor tarifas inferiores às praticadas pelos seus concorrentes para uma oferta equivalente, nas rotas exploradas no interior do Espaço Económico Europeu (condição n.° 9);

— a não conceder à Air France um tratamento preferencial em matéria de direitos de tráfego (condição n.° 10);

— a zelar para que a Air France não explore entre a França e os restantes países do Espaço Económico Europeu um número de linhas regulares superior ao explorado em 1993, ou seja, 89 linhas (condição n.° 11);

— a limitar a oferta da Air Charter aos níveis de 1993 (condição n.° 12) (JO, pp. 79, 86, 88 e 89).

265.
    A Comissão considera que estes compromissos, transformados em condições de autorização do auxílio, limitam muito severamente a liberdade de que dispõe a Air France em matéria de capacidade, de oferta e de fixação dos preços, e que estas limitações são necessárias para que o auxílio não seja utilizado para repercutir as dificuldades da companhia sobre os seus concorrentes. Os compromissos assumidos impediriam a Air France de praticar uma política tarifária agressiva em todas as linhas que explora no interior do EEE (JO, p. 86).

266.
    No que se refere mais particularmente aos efeitos do auxílio sobre o mercado interno francês, a Comissão refere ainda que:

— as autoridades francesas se comprometeram a alterar as regras de distribuição do tráfego aplicáveis ao sistema de aeroportos de Paris, em conformidade com a decisão da Comissão de 27 de Abril de 1994 relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 (processo VII/AMA/II/93-TAT-Paris/Orly-Londres, JO L 127, p. 22), de modo a torná-las não discriminatórias (condição n.° 15),

— as autoridades francesas se comprometeram a zelar para que as obras de renovação do terminal do aeroporto de Orly Sud, reservado ao tráfego internacional, e do terminal de Orly Ouest, reservado ao tráfego interno, não afectem as condições de concorrência em detrimento das transportadoras aéreas que utilizam o aeroporto de Orly (condição n.° 16),

— adoptou, em 27 de Abril de 1994, uma decisão que impõe à França que autorize os transportadores da Comunidade a exercer os seus direitos de tráfego nas ligações entre Paris (Orly) e Toulouse, bem como entre Paris (Orly) e Marselha, a partir de 27 de Outubro de 1994, o mais tardar (JO, pp. 87 e 88).

267.
    Verifica-se pela leitura desta fundamentação que a Comissão se absteve de examinar a situação concorrencial «linha a linha», quando essa análise lhe tinha sido sugerida pelas partes interessadas e prevista pela própria Comissão. Em vez de analisar pormenorizadamente os efeitos do auxílio sobre as diferentes linhas servidas pela Air France, a Comissão preferiu impor ao Estado francês as 16 condições de autorização do auxílio reproduzidas no artigo 1.° da decisão

impugnada. De onde resulta que a Comissão considera estas condições adequadas e suficientes para garantir que os efeitos do auxílio no sector da aviação civil que cabem no âmbito de aplicação do artigo 92.° do Tratado CE e 61.° do Acordo EEE não contrariem o interesse comum.

268.
    Há que precisar que as condições respeitantes ao número máximo de aviões da Air France (n.° 7), à proibição de conceder à Air France um tratamento preferencial em matéria de direitos de tráfego (n.° 10) e à limitação da oferta da Air Charter (n.° 12), cujo alcance não tem limites geográficos, cobrem, de qualquer modo, a área do EEE. As condições respeitantes ao nível da oferta da Air France (n.° 8), às práticas tarifárias da Air France (n.° 9), ao número máximo de linhas a explorar (n.° 11), às regras de distribuição do tráfego no sistema aeroportuário parisiense (n.° 15) e à renovação dos dois terminais do aeroporto de Orly (n.° 16) visam especificamente o mercado geográfico interno ao EEE, incluindo o mercado doméstico francês. A Comissão refere expressamente que, na sua opinião, estas condições restringem a liberdade da Air France e a impedem de praticar uma política tarifária agressiva «em todas as rotas em que opera no interior do Espaço Económico Europeu» (JO, p. 86).

269.
    O Tribunal considera que, no plano da fundamentação, esta abordagem da problemática em causa demonstra que a Comissão se debruçou efectivamente sobre a situação concorrencial no interior do EEE, embora naturalmente a questão de saber se as condições de autorização acima mencionadas são realmente suficientes e adequadas para este fim se enquadre na análise do mérito da questão. Ainda que esta fundamentação não dê seguimento às observações das partes interessadas, que tinham sugerido um exame «linha a linha», demonstra, no entanto, claramente, que a Comissão julgou oportuno substituir esse exame pelo mecanismo das 16 condições de autorização impostas ao Estado francês. Tal permite às partes interessadas identificar a reacção da Comissão às suas observações, verificar a correcção da abordagem escolhida pela Comissão e defender os seus interesses perante o Tribunal comunitário, contestando o carácter completo e adequado do mecanismo das 16 condições à luz da situação concorrencial vigente no interior do EEE.

270.
    Deve, reconhecer-se, porém, que a fundamentação da decisão impugnada não inclui qualquer indicação, mesmo mínima, da situação concorrencial da Air France fora do EEE. Por um lado, não existe nenhuma análise da rede internacional da Air France que tome em conta as ligações aéreas em que esta companhia está em concorrência com outras companhias aéreas que têm a sua sede no interior do EEE. Por outro, as condições de autorização relativas ao nível da oferta da Air France (n.° 8), às práticas tarifárias (n.° 9) e ao número máximo de linhas exploradas (n.° 11) não abrangem as ligações que a Air France explora com os países fora do EEE, isto é, os voos de longo curso, nomeadamente os transatlânticos. Na óptica da Comissão, a Air France — financeiramente reforçada pelo auxílio autorizado — tem, pois, toda a liberdade de aumentar as suas

capacidades, de aumentar o número das suas ligações e de praticar tarifas tão baixas quanto quiser nas linhas internacionais fora do EEE.

271.
    Ora, o plano de reestruturação da Air France prevê expressamente o desenvolvimento dos voos de longo curso, bem como o aumento da frequência das ligações rentáveis, e as autoridades francesas anunciaram um aumento da oferta da Air France nos voos de longo curso de 10,2% (JO, pp. 76 e 77). Além disso, as partes interessadas tinham chamado a atenção da Comissão, em primeiro lugar,para a problemática da definição do mercado pertinente em matéria de transportes aéreos, mercado esse que, na sua opinião, era constituído pelas linhas específicas que os utilizadores consideram substituíveis, em segundo lugar, para o facto de a Air France ter tentado atrair, através de uma campanha publicitária, a clientela dos Países Baixos para voos com destinos fora do EEE, via Paris, tendo a Air France demonstrado deste modo, ela própria, que esses voos são largamente substituíveis entre si, através de um tráfego aéreo de afluência apropriado, e, em terceiro lugar, para o carácter vital desses voos para a sobrevivência a longo prazo de numerosas companhias aéreas.

272.
    Deve acrescentar-se que a Comissão definiu, na sua decisão de 5 de Outubro de 1992 (Air France/Sabena, já referida nos n.os 218 e 219), o mercado relevante como sendo o do transporte aéreo regular que permite ligar duas zonas geográficas, isto é, um feixe de ligações aéreas, desde que haja possibilidades de substituição entre as ligações que constituem esse feixe, sendo essas possibilidades fruto de diferentes factores, como por exemplo, a extensão das ligações, a distância que separa os diferentes aeroportos situados na extremidade de cada uma das ligações que compõem esse feixe ou o número de frequências em cada ligação (ponto 25). A Comissão concluiu, por conseguinte, em matéria de ligações entre a Europa e a África negra não francófona, que o mercado relevante podia ser definido como um feixe de ligações entre o conjunto dos pontos de partida do EEE, por um lado, e cada um dos destinos africanos individualmente tomados, por outro (ponto 39).

273.
    O Tribunal entende que, tendo em consideração esta prática decisória e as observações feitas a este respeito pelas partes interessadas, a Comissão estava obrigada a pronunciar-se sobre a problemática das ligações aéreas fora do EEE asseguradas pela Air France, beneficiária do auxílio autorizado, em situação de concorrência com outras companhias situadas no interior do EEE. Com efeito, como o Tribunal de Justiça decidiu no seu acórdão Bremer Vulkan/Comissão (já referido no n.° 94, n.os 53 e 54), indicações sobre a situação dos mercados considerados, designadamente a posição da empresa beneficiária de um auxílio e a das empresas concorrentes, constitui um elemento essencial da fundamentação de uma decisão relativa à compatibilidade de um projecto de auxílio com o mercado comum, na acepção do artigo 92.° do Tratado. Embora este acórdão tenha sido proferido em aplicação do n.° 1 do artigo, o Tribunal entende que essa fundamentação se impõe igualmente no âmbito dos artigos 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado e 61.°, n.° 3, alínea c), do acordo EEE, para responder à questão de saber

se o auxílio altera as condições das trocas em medida contrária ao interesse comum.

274.
    Não tendo alargado as condições de autorização n.os 8, 9 e 11 às linhas fora do EEE asseguradas pela Air France, a Comissão estava obrigada a avaliar — no quadro do seu exame do mercado relevante — as eventuais possibilidades de substituição dos voos fora do EEE operados, por exemplo, a partir de Paris, Londres, Roma, Francforte, Copenhaga, Amsterdão ou Bruxelas e, portanto, a eventual situação de concorrência, nesses voos, entre as companhias aéreas cujo terminal está situado numa destas cidades.

275.
    A importância desta fundamentação é demonstrada pelos dados que as recorrentes no processo T-371/94 apresentaram no Tribunal, sem terem sido contestadas quanto a este aspecto, para prova de que uma grande parte dos volumes de negócios e dos lucros da British Airways, da SAS e da KLM provêm das linhas fora do EEE, nomeadamente das ligações com os Estados Unidos, o Canadá, a África, o Médio Oriente, a Índia e o Extremo Oriente (petição, ponto 212, e nota de rodapé n.° 282). Como o Tribunal de Justiça já decidiu no acórdão Bremer Vulkan/Comissão (já referido no n.° 94, n.° 34), estes elementos, posteriores à adopção da decisão impugnada, podem ser tidos em consideração para ilustrar o dever de fundamentação que recai sobre a Comissão. De qualquer modo, algumas partes interessadas já tinham sublinhado, perante a Comissão, que as linhas extra-comunitárias e designadamente as transatlânticas, eram vitais para a sobrevivência de numerosas companhias europeias e que a concorrência, nesta linhas, era o mais renhida possível.

276.
    É além disso evidente que um aumento das capacidades da Air France e a liderança desta em matéria de tarifas baixas numa determinada linha fora do EEE a partir do seu terminal do aeroporto de Paris (CDG) pode ter repercussões no tráfego aéreo de afluência para este terminal. Com efeito, na medida em que a importância económica do terminal de Paris aumente em detrimento de outros terminais situados no interior do EEE, o tráfego aéreo de afluência para Paris aumentará na proporção e, por conseguinte, em detrimento do tráfego aéreo de afluência para outros terminais. A argumentação das partes interessadas respeitante à situação das pequenas companhias aéreas, muitas vezes dependentes de algumas linhas específicas, parece, portanto, essencial, de modo que a Comissão devia ter-se pronunciado também a este respeito. Acrescente-se, a título de exemplo, que, na audiência no Tribunal, a British Midland sublinhou, sem ter sido contestada quanto a este aspecto, que 30% dos seus passageiros eram passageiros entre linhas, que iam para outros destinos situados em linhas de longo curso. Em consequência, a Comissão não podia deixar de se pronunciar sobre a situação das pequenas companhias activas no tráfego aéreo de afluência.

277.
    A problemática das linhas fora do EEE e do tráfego aéreo correspondente não pode ser considerada resolvida pelo efeito combinado das condições de autorização n.° 7 (limitação do número de aviões da Air France) e n.° 9 (restrição do

«price-leadership» da Air France no tráfego aéreo de afluência no interior do EEE), bem como do dever da Air France de atingir os objectivos da sua reestruturação. Com efeito, se é verdade que são as linhas fora do EEE que originam os maiores lucros, a Air France terá todo o interesse em utilizar a maior parte dos seus aviões nas linhas internacionais mais lucrativas, sem comprometer em nada o sucesso da sua reestruturação. Quanto ao tráfego aéreo de afluência, basta salientar que nada obriga a Air France a encarregar-se dele ela própria, uma vez que esse tráfego para o terminal de Paris pode ser assegurado por qualquer companhia aérea distinta da Air France, como a Air Inter, não sujeita às condições de autorização impostas pela Comissão (v. supra, n.° 215); a importância económica da condição n.° 9, que cobre o tráfego aéreo de afluência assegurado pela Air France no interior do EEE, parece assim insignificante à luz da problemática global das linhas fora do EEE.

278.
    Finalmente, se é verdade que a condição de autorização n.° 12 impõe à Air Charter limites de oferta absolutos, que são, portanto, igualmente aplicáveis nas linhas fora do EEE, a sua importância económica com 17 aviões é de tal modo mínima em relação à da Air France que a existência desta condição de autorização não é susceptível, por si só, de suprir a falta de fundamentação respeitante à situação da Air France nessas linhas. O mesmo se diga em relação à condição de autorização n.° 10 que proíbe as autoridades francesas de conceder à Air France um tratamento preferencial em matéria de direitos de tráfego. Com efeito, se esta condição se aplica também aos direitos relativos às linhas fora do EEE, só pode reverter a favor das companhias aéreas susceptíveis de dela beneficiar. São essencialmente as companhias de países terceiros e as companhias francesas como a Air France, a Air Inter, a Air Charter, a Air Liberté, a Corsair, a AOM, a TAT e a Euralair, no caso de pretenderem assegurar essas linhas à partida e com destino à França. Em contrapartida, as outras companhias europeias que, em concorrência com a Air France, asseguram as linhas fora do EEE essencialmente a partir dos seus próprios terminais situados fora de França só beneficiam da condição n.° 10 de modo irrelevante.

279.
    É verdade que a Comissão, tal como os intervenientes, a Air France e a República Francesa, alegaram, no quadro do presente processo, que os direitos de tráfego nas ligações fora do EEE, designadamente transatlânticas, se regiam por acordos bilaterais e que uma restrição imposta relativamente às tarifas, à capacidade e ao número de linhas teria prejudicado à Air France, reduzindo a sua competitividade nos mercados externos. Sustentaram que essa restrição só teria beneficiado as companhias externas ao EEE e seria, portanto, manifestamente contrária ao interesse comum. Há que reconhecer, porém, que este argumento, desenvolvido pelos agentes da Comissão e pelas intervenientes no Tribunal, não figura na decisão impugnada. De onde se conclui que esta argumentação não está coberta pelo princípio da colegialidade e não pode, pois, ser aceite. Não pode, portanto, remediar a falta de fundamentação de que está viciada a decisão impugnada quanto a este aspecto (v. supra, n.os 116 a 118).

280.
    Resulta de quanto precede que a fundamentação da decisão impugnada não satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado no que diz respeito à avaliação dos efeitos do auxílio sobre a situação concorrencial da Air France relativamente à sua rede de linhas fora do EEE e ao tráfego aéreo de afluência correspondente. Esta falta de fundamentação não permite ao Tribunal avaliar a procedência dos argumentos desenvolvidos quanto a estes aspectos (v. supra, n.os 238 e seguintes). Além disso, o Tribunal não está em condições de se pronunciar sobre a argumentação relativa às práticas tarifárias da Air France na sua rede fora do EEE, alegadamente financiadas pelo auxílio, enquanto medidas operacionais (v. supra, n.os 142 e 143).

281.
    Em contrapartida, o Tribunal está em condições de examinar se a apreciação, efectuada pela Comissão, dos efeitos do auxílio sobre a situação concorrencial da Air France no interior do EEE resiste às críticas de fundo expressas pelas recorrentes e pelos intervenientes em apoio destas.

2. Quanto à procedência

282.
    Recorde-se, antes de mais, que as apreciações económicas no quadro da aplicação do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, relativamente às quais a Comissão goza de um largo poder discricionário, devem ser efectuadas num contexto comunitário (acórdão Philip Morris/Comissão, já referido no n.° 79, n.° 24), o que significa que a Comissão tem a obrigação de examinar o impacto de um auxílio sobre a concorrência e o comércio intra-comunitário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, AITEC e o./Comissão, T-447/93, T-448/93 e T-449/93, Colect., p. II-1971, n.° 136). No caso em apreço, tendo a decisão impugnada sido adoptada igualmente com base no artigo 61.° do acordo EEE, o Tribunal verifica que o contexto do exame definido pela referida jurisprudência deve ser alargado ao Espaço Económico Europeu.

283.
    Acrescente-se que no acórdão de 25 de Junho de 1970, França/Comissão (47/69, Colect., p. 391, n.° 7), o Tribunal de Justiça decidiu que, para avaliar se um auxílio afecta as trocas comerciais entre os Estados-Membros em medida contrária ao interesse comum, é necessário verificar, nomeadamente, se não existe um desequilíbrio entre, por um lado, os encargos a suportar pelas empresas interessadas e, por outro, as vantagens que resultam da atribuição desse auxílio. Daí o Tribunal conclui que incumbe à Comissão, no quadro do seu exame do impacto de um auxílio de Estado, como a própria Comissão refere no seu décimo quarto Relatório sobre a política da concorrência (1984, p. 143, n.° 202), comparar os efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos sobre as trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada.

284.
    Relativamente à questão de saber se a Comissão, procedeu, no presente caso, a essa ponderação, recorde-se, em primeiro lugar, que a decisão impugnada rememora os diferentes planos de reestruturação da Air France desde 1991 para fazer face aos seus problemas financeiros: o CAP'93, no quadro do qual foram

atribuídos à Air France 5,8 mil milhões de FF, o PRE 1 e o PRE 2 (JO, p. 74). A Comissão teve, pois, em conta os antecedentes do Projecto controvertido e designadamente os 5,8 mil milhões já pagos a título de auxílio, quando avaliou os efeitos benéficos e negativos do auxílio que está em causa nos presentes litígios.

285.
    Ao reconhecer que o Governo francês é o accionista maioritário da Air France (JO, p. 76) e ao impôr às autoridades francesas que iniciem o processo da sua privatização (artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada, JO, p. 88), a Comissão teve igualmente em consideração o facto de a Air France estar incluída no sector público. Ora, o facto de a Comissão aprovar um auxílio pago a uma empresa pública não equivale, por si só, a uma discriminação das empresas privadas concorrentes do beneficiário do auxílio. Com efeito, como resulta do acórdão Itália/Comissão (já referido no n.° 125, n.° 19), a Comissão deve respeitar, mesmo em matéria de auxílios do Estado, o princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas. De onde resulta que a Comissão podia autorizar o auxílio de Estado controvertido sem discriminar os concorrentes privados da Air France, desde que o auxílio não alterasse as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum.

286.
    A Comissão também não estava obrigada a comparar, no presente contexto, as medidas de reestruturação previstas pela Air France com as adoptadas por outras companhias aéreas nem, por maioria de razão, a exigir que a reestruturação da Air France fosse decalcada sobre a de outra companhia (v. o que já se disse supra nos n.os 135 e 211). Com efeito, a adequação das medidas de reestruturação de uma empresa é função da sua situação individual e do contexto económico e político em que se inscreve a adopção das medidas em causa. No caso em apreço, a Comissão verificou, na data da adopção da decisão impugnada, em Julho de 1994, uma certa retoma económica no sector da aviação civil europeia, a criação de perspectivas bastante favoráveis para este sector e a inexistência de uma crise estrutural de sobrecapacidade (JO, pp. 81 e 82). Estes elementos podiam justificar que as medidas de reestruturação previstas pela Air France e aceites pela Comissão fossem menos severas do que as executadas por outras companhias tendo em conta a respectiva situação e contexto específicos.

287.
    Embora, como já acima foi dito (n.° 267), a Comissão se tenha abstido de verificar, no seu exame do impacto do auxílio sobre a concorrência e o comércio no interior do EEE, a situação concorrencial «linha a linha» e não tenha analisado, portanto, relativamente a cada uma das ligações efectiva ou potencialmente asseguradas pela Air France, as condições de concorrência directa ou indirecta com outras companhias aéreas, impôs, porém, ao Estado francês uma série de condições destinadas a limitar a margem de actuação da Air France, designadamente em matéria de capacidade, de oferta e de fixação de preços (v. supra, n.os 264 a 268).

288.
    O Tribunal considera que esta escolha de princípio cabe no poder de apreciação de que a Comissão dispõe neste domínio. Por um lado, a Comissão tem a

competência, de princípio, para sujeitar a condições destinadas a garantir que o auxílio não altera as trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum, uma decisão de autorização de um auxílio ao abrigo do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Setembro de 1995, TWD/Comissão, T-244/93 e T-486/93, Colect., p. II-2265, n.° 55). Por outro lado, a Air France, uma das três grandes companhias aéreas europeias, é activa no interior do EEE no seu conjunto. A Comissão podia, pois, considerar que os efeitos do auxílio deviam ser avaliados, não em relação a esta ou àquela região específica, mas em relação ao EEE no seu conjunto. Não parece errado, para este fim, cobrir o conjunto do território de acção da Air France com uma rede de obrigações que têm como objectivo a protecção do conjunto dos seus concorrentes actuais e potenciais contra qualquer política agressiva que esta pudesse ser tentada a levar a cabo, e isto tanto mais quanto a Comissão reforçou o mecanismo das condições de autorização, determinando, no terceiro parágrafo do artigo 2.° da decisão impugnada, a verificação da sua observância por consultores independentes.

289.
    Esta conclusão não é contrariada pela abordagem escolhida pela Comissão designadamente nas decisões Aer Lingus (já referida no n.° 55, JO, p. 39) e Olympic Airways (já referida no n.° 174, JO, pp. 30 e 35), nas quais procedeu efectivamente à avaliação de determinadas linhas específicas asseguradas por essas companhias aéreas. Com efeito, no caso destas duas companhias, com uma dimensão relativamente modesta quando comparadas com a Air France, uma determinada linha pode revestir uma importância primordial para as suas actividades, o que justifica que o exame do impacto de um auxílio concedido a uma dessas companhias seja concentrado desse modo, ao passo que a rede aérea assegurada pela Air France no interior do EEE tem um carácter mais homogéneo.

290.
    Como a eficácia das condições impostas ao Estado francês foi contestada no Tribunal, designadamente tendo em conta a possibilidade, para a Air France, de fugir a essas condições, deve reconhecer-se que a utilidade jurídica e prática dessas condições de autorização consiste no facto de que, se a empresa beneficiária se afastar das condições da autorização, compete ao Estado-Membro velar pela boa execução da decisão de autorização e à Comissão apreciar se há que exigir a restituição do auxílio (acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T-380/94, Colect., p. II-2169, n.° 128). Recorde-se a este propósito que, no seu acórdão de 4 de Fevereiro de 1992, British Aerospace e Rover/Comissão (C-294/90, Colect., p. I-493, n.° 11), o Tribunal de Justiça entendeu que, se um Estado não observar as condições a que a Comissão sujeitou uma decisão de aprovação de um auxílio, a Comissão pode, nos termos do artigo 93.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Tratado, submeter imediatamente o problema ao Tribunal de Justiça, em derrogação ao disposto nos artigos 169.° e 170.° do Tratado.

291.
    Tendo em conta este sistema de funcionamento das condições que estão na base de uma decisão de autorização de um auxílio, a mera afirmação de que não será respeitada uma das condições que estão na base de uma decisão que autorizou um

auxílio não pode pôr em causa a legalidade dessa decisão (acórdão AIUFFASS e AKT/Comissão, já referido no n.° 290, n.° 128). Com efeito, de um modo geral, a legalidade de um acto comunitário não pode depender de eventuais possibilidades de desvios ao regime, nem de considerações retrospectivas relativas ao seu grau de eficácia (acórdãos Schröder, já referido no n.° 81, n.° 14).

292.
    Há, assim que afastar da análise, por serem improcedentes, todas as alegações contra a legalidade da decisão impugnada baseadas na ineficácia do controlo da aplicação das condições de autorização impostas ao Estado francês ou nas possibilidades, para a Air France, de contornar essas condições. Se se vier a verificar posteriormente que essas condições não foram integralmente respeitadas ou que a Air France conseguiu efectivamente subtrair-se ao seu cumprimento, competirá à Comissão examinar, se necessário, na altura do pagamento da segunda e da terceira parcelas do auxílio, uma eventual redução do montante autorizado ou apreciar se deve exigir da República Francesa a recuperação total ou parcial do auxílio pago.

293.
    Assim, só as acusações baseadas na natureza intrínseca e manifestamente inadequada das condições de autorização, designadamente do seu alcance juridicamente insuficiente, podem ser susceptíveis de pôr em causa a legalidade da decisão impugnada.

294.
    O Tribunal entende que, ao contrário do que alega, neste contexto, a recorrente no processo T-394/94, a Comissão não cometeu qualquer erro ao limitar o alcance da maior parte dessas condições ao período de duração do plano de reestruturação. É evidente, com efeito, que as restrições impostas a fim de limitar o impacto do auxílio não podiam durar indefinidamente. Nas circunstâncias do caso ora em apreço, não parece arbitrário fazer coincidir a expiração das condições com o termo da aplicação do plano de reestruturação.

295.
    É à luz das considerações que acabamos de fazer que serão analisadas, a seguir, as acusações contra determinadas condições de autorização específicas. Esta análise permitirá apurar definitivamente se a Comissão, em vez de autorizar o auxílio e de combinar a decisão com várias condições de autorização, devia ter decidido que o auxílio alterava as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum.

296.
    Com esta reserva, a acusação baseada em erro do método escolhido pela Comissão para examinar o impacto do auxílio sobre o interesse comum não colhe.

a) Quanto à condição de autorização n.° 1

297.
    Deve recordar-se que esta condição obriga as autoridades francesas a assegurar que «a totalidade do auxílio beneficiará exclusivamente a Air France. Por Air France entende-se a Compagnie Nationale Air France e qualquer empresa sobre

a qual a mesma exerça um controlo superior a 50 %, com excepção da Air Inter. De modo a evitar quaisquer transferências do auxílio para a empresa Air Inter, será criada, antes de 31 de Dezembro de 1994, uma holding que terá uma participação maioritária nas empresas Air France e Air Inter. Não será efectuada entre as empresas do grupo, antes ou depois da criação efectiva da holding, qualquer transferência financeira que não constitua uma operação comercial normal. Deste modo, todas as prestações de serviços e cessões de bens entre as empresas serão efectuadas aos preços de mercado; em caso algum a Air France aplicará tarifas preferenciais a favor da Air Inter».

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

298.
    As recorrentes sustentam que a Comissão, ao não incluir a Air Inter na sua apreciação, cometeu um erro que esvaziou de conteúdo as condições de autorização do auxílio. Por exemplo, a redução da capacidade mínima exigida da Air France ficaria largamente facilitada pelo facto de a Air Inter ter possibilidades ilimitadas de proceder a um aumento da sua capacidade. A Comissão teria erradamente considerado que a estrutura da holding prevista impediria a Air Inter de beneficiar de qualquer forma do auxílio. A Air France e a Air Inter constituiriam uma unidade económica, de modo que deviam ser consideradas como uma única empresa para efeitos de aplicação das regras comunitárias que regem os auxílios de Estado. A mudança da relação entre a Air France e Air Inter, que deixaria de ser a da sociedade-mãe com uma filial, para passar a ser a de duas companhias controladas pela mesma holding, em nada alteraria essa conclusão. Ao mesmo tempo, a concorrência entre a Air France e a Air Inter seria inconcebível, dado que têm os mesmos interesses económicos.

299.
    Neste contexto, as recorrentes no processo T-371/94, baseando-se em artigos de imprensa publicados em Agosto e Setembro de 1994, afirmam que o presidente da holding será Christian Blanc, que manterá o seu lugar como presidente da AirFrance; catorze outros directores seriam escolhidos de entre os directores e empregados da Air France e da Air Inter. O presidente da Air Inter faria igualmente parte do conselho de administração da holding e teria sido, por outro lado, nomeado presidente do novo centro da Air France para as suas actividades europeias, o «Centre de Résultat Europe» («centro de resultados» Europa). A Air Inter efectuaria uma fusão com o «Centre de Résultat Europe» da Air France logo a seguir ao termo do plano de reestruturação, ou seja, em 1 de Janeiro de 1997. No intervalo, a Air Inter começaria a explorar algumas linhas europeias da Air France em vez desta. Além disso, a Air France e a Air Inter deteriam participações nas mesmas empresas e teriam reforçado a sua cooperação em vários domínios. A Comissão teria ela própria identificado a Air Inter como representando um activo associado às actividades principais da Air France, que não poderia ser cedido.

300.
    Segundo estas recorrentes, o facto de a Air Inter pertencer ao mesmo grupo que a Air France, bem como a declaração de que a Air Inter fará uma fusão com a Air France, permite à Air Inter «contar com» o auxílio. A Air Inter poderia assim dar

a garantia aos bancos de que o seu financiamento implica relativamente poucos riscos e que, na sequência da fusão, as suas obrigações serão cumpridas pela nova companhia.

301.
    Relativamente à exigência da Comissão, na decisão impugnada, de que só se estabeleçam entre as companhias do grupo relações comerciais normais, as recorrentes consideram que esta condição não pode impedir a Air Inter de beneficiar do auxílio impugnado. Com efeito, existiriam muitas maneiras através das quais duas companhias do mesmo grupo, designadamente quando têm actividades e filiais conjuntas, podem trocar bens ou serviços em condições que não têm qualquer relação com as condições do mercado, sem qualquer possibilidade de verificação.

302.
    Sublinham, neste contexto, que o direito fiscal francês, designadamente a teoria fiscal do «acto anormal de gestão», relativa às despesas dedutíveis das receitas no interior de um grupo de sociedades, não faculta qualquer meio de verificação de que a Air Inter não irá beneficiar nem directa, nem indirectamente, do auxílio concedido à Air France. Com efeito, transferências directas, bem como a concessão de vantagens financeiras através de comissões ou preços preferenciais da Air France à Air Inter, por antecipação à fusão entre as duas companhias, não poderiam ser considerados actos anormais de gestão.

303.
    As recorrentes acrescentam que o âmbito de aplicação da condição imposta é limitado, porque não cobre a transferência pela Air France para a Air Inter das ligações europeias e dos horários rentáveis.

304.
    No que se refere às trocas de horários entre a Air France e a Air Inter, estas recorrentes precisam que essas trocas ocorrem frequentemente entre companhias aéreas. Com efeito, um horário aeroportuário seria um activo essencial que permitiria a uma companhia aérea explorar uma determinada rota. Existiria, portanto, um mercado, em que os horários são negociados. Não existiriam, porém, «preços de mercado». As companhias aéreas que fazem parte do mesmo grupo poderiam trocar horários para porem em prática uma estratégia de grupo. Ora, a estratégia do grupo Air France visaria estender as operações da Air Inter para fora das fronteiras francesas, para a Europa e além dela, na expectativa da fusão prevista para 1 de Janeiro de 1997. A Air France poderia, pois, muito facilmente, oferecer à Air Inter um horário de ponta muito rentável para a exploração de uma determinada ligação. Por isso, a condição imposta pela Comissão, destinada a manter a separação entra a Air France e a Air Inter, não seria operante.

305.
    Relativamente ao conjunto das ligações, a possibilidade, para a Air Inter, de conhecer antecipadamente, por intermédio da Air France, as ligações que esta tenciona abandonar, proporcionar-lhe-ia uma vantagem considerável em relação aos concorrentes independentes. Com efeito, a Air Inter poderia desse modo preparar a sua entrada numa determinada rota para estar pronta quando a Air

France anunciar publicamente a sua saída da rota em causa. Além disso, a possibilidade, para a Air Inter, de utilizar a infra-estrutura da Air France nos aeroportos e países em causa representaria uma vantagem importante relativamente às companhias concorrentes desejosas de se implantarem nessas rotas.

306.
    Seriam estas as razões por que a Air France pode efectivamente transferir as suas ligações para a Air Inter. Este facto seria ilustrado por artigos publicados na imprensa em Setembro de 1994, que citam declarações oficiais da Air France (documento n.° 33 junto à petição). As recorrentes salientam, ainda, que um acordo datado de 1992 entre a Air France e a Air Inter prevê a transferência do pessoal navegante da Air France para a Air Inter em todas as ligações europeias que a Air Inter começasse a explorar. Tratar-se-ia de um tipo de acordo que não poderia ser celebrado por duas companhias aéreas independentes no quadro do EEE.

307.
    Para demonstrar a estratégia de grupo prosseguida pela Air France e pela Air Inter, as recorrentes remetem para o «ABC World Airways Guide» do mês de Junho de 1994, que reproduz os horários de numerosas companhias aéreas que operam no mundo inteiro. Este guia agruparia os voos da Air Inter num código «AF». Ora, esta utilização do código «AF» permitiria apresentar uma ligação composta por um voo interno assegurado pela Air Inter e por um voo internacional assegurado pela Air France como um único voo sem escala, razão pela qual seria atribuída a este voo uma prioridade no sistema de reservas por computador.

308.
    As sociedades Maersk acrescentam que o comportamento posterior da Air France e do seu grupo demonstra o desrespeito da condição destinada a manter a autonomia comercial e financeira da Air Inter. Com efeito, os números de voo da Air Inter teriam retomado, para efeitos de coordenação dos sistemas de reservas electrónicas, o código informático da Air France; a Air Inter teria adoptado o nome da futura companhia europeia do grupo e estaria a propor o seu produto simplificado e as suas tarifas baixas em múltiplas linhas europeias, essencialmente com partidas em Orly. Além disso, a baixa de preços praticada pela Air Inter só poderia explicar-se pelo facto de, dentro de poucos anos, todos os prejuízos da Air Inter irem ser absorvidos nos da Air France que, entretanto, terá beneficiado do auxílio e estará, pois, em melhores condições para suportar esses prejuízos.

309.
    Os intervenientes sublinham ainda que a Air France e a Air Inter puseram em serviço, no dia 2 de Janeiro de 1995, o primeiro aparelho de um novo serviço comum, regional e de afluência, que se intitula «Air France e Air Inter Express». Segundo a própria documentação da Air France, este tratamento em comum seria a expressão de uma política comum na perspectiva da fusão das duas companhias. O facto de as frotas já terem sido parcialmente integradas demonstraria não só o erro cometido pela Comissão ao considerar que a Air Inter não seria beneficiária do auxílio, mas também a insuficiência das medidas destinadas a impedir que retirasse qualquer proveito desse auxílio.

310.
    Por outro lado, as companhias aéreas em processo de reestruturação aplicariam, regra geral, programas de redução de custos no conjunto do grupo, a fim de contribuir desse modo para a diminuição dos prejuízos. A Air France poderia, graças ao auxílio controvertido, evitar a reclamação dessa contribuição por parte da Air Inter. Em consequência, a Air Inter estaria em condições de financiar o desenvolvimento actual das suas actividades, quando, sem esse auxílio, teria sido obrigada a pôr em prática medidas de austeridade. Portanto, a Air Inter seria, no mínimo, indirectamente beneficiária do auxílio em causa.

311.
    Na audiência, as recorrentes no processo T-371/94 lembraram que, segundo a condição n.° 1, o auxílio controvertido se destinava à Air France, bem como a qualquer outra sociedade em que a Air France detivesse mais de 50%. Estas sociedades deveriam, portanto, beneficiar do auxílio. No entanto, nenhuma delas teria tido necessidade de ser reestruturada ou, se essa necessidade existia, não teriam apresentado nenhum plano de reestruturação. A autorização do auxílio a favor da Air France e das suas 80 filiais seria, portanto, manifestamente ilegal, designadamente no que diz respeito às filiais activas em sectores não aéreos.

312.
    A Comissão, a República Francesa e a Air France contestam a procedência das alegações das recorrentes.

Apreciação do Tribunal

313.
    Quanto aos argumentos baseados no carácter intrinsecamente inadequado da condição de autorização n.° 1, pelo facto de a não inclusão da Air Inter no âmbito de aplicação da decisão impugnada ignorar as realidades económicas, designadamente a unidade económica constituída pela Air France e pela Air Inter, há que recordar que o auxílio controvertido prosseguia a dupla finalidade de contribuir para o desendividamento da Air France e para o financiamento do seu plano de reestruturação que expirava a 31 de Dezembro de 1996. Ao autorizar o auxílio, a Comissão devia, pois, estar atenta a que a prossecução destes objectivos não fosse comprometida pelas relações existentes entre a companhia nacional Air France e a companhia Air Inter no seio do grupo Air France, nomeadamente através da transferência, directa ou indirecta, para a Air Inter de uma parte do auxílio. Além disso, com acima se disse (n.os 214 a 216), a Comissão devia ter em consideração que a Air Inter constituía um activo estratégico importante da Air France, de modo que não podia exigir-se às duas companhias que procedessem à sua separação total e definitiva.

314.
    Nestas circunstâncias, o Tribunal entende que a Comissão, no exercício do seu largo poder de apreciação, estava autorizada a considerar que, uma vez instaurado o mecanismo da holding, a Air France e a Air Inter constituiriam companhias jurídica e financeiramente autónomas, para efeitos de aplicação do regime específico dos auxílios do Estado. Com efeito, este mecanismo — combinado com o sistema de verificação por consultores independentes e com o escalonamento do

pagamento do auxílio em três parcelas, nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada — podia ser havido como um meio suficiente e adequado para garantir que a Air France fosse a única beneficiária do auxílio e para transformar a estrutura jurídica da Air France e da Air Inter, que passavam do regime de dependência entre filial e sociedade-mãe ao de sociedades-irmãs independentes.

315.
    A separação jurídica e financeira das duas companhias, para efeitos do regime de auxílios do Estado, não é posta em causa pelo facto de elas terem em comum filiais e membros das suas equipas dirigentes, nem pelos seus interesses aéreos concordantes. Trata-se, neste caso, de elementos puramente factuais que podem, quando muito, levar a Comissão e os consultores independentes a serem particularmente vigilantes na sua fiscalização, nos termos do disposto no artigo 2.° da decisão impugnada, da boa aplicação do plano de reestruturação, bem como da observância das condições ligadas à aprovação do auxílio.

316.
    O mesmo se diga em relação à fusão das duas companhias prevista para 1 de Janeiro de 1997. Independentemente do facto de a Comissão não dispor, em Julho de 1994, de um projecto específico e pormenorizado dessa fusão, que pudesse ter tomado em consideração na decisão impugnada, deve reconhecer-se que a possibilidade de aderir ao grupo Air France no termo do período de reestruturação não estava limitada unicamente à companhia Air Inter. Sob este aspecto, a Air Inter não se distinguia de qualquer outra companhia aérea independente da Air France, para efeitos do regime de auxílios do Estado. Por outro lado, é evidente que a Air France, como qualquer outra empresa que tenha recebido um auxílio do Estado, devia poder recuperar a sua liberdade de actuação no termo da fase de reestruturação subordinada a restrições impostas pela Comissão.

317.
    Se é verdade que a fundamentação da decisão impugnada não incide, ela própria, sobre a interdependência de facto da Air France e da Air Inter nem sobre as perspectivas de uma eventual fusão das duas companhias, o Tribunal entende, no entanto, que a referência à holding, cuja consequência era garantir a sua independência jurídica recíproca, torna supérflua qualquer outra fundamentação a este respeito. Com efeito, na economia geral da decisão, a Air Inter constitui uma companhia autónoma, que está excluída do benefício do auxílio. De onde resulta que deve ser tratada, enquanto essa autonomia durar, como qualquer outra companhia aérea não beneficiária do auxílio e independente da Air France.

318.
    No que se refere às trocas de linhas e de horários entre a Air France e a Air Inter, há que reconhecer que essas transações não constituem uma particularidade das relações entre estas duas companhias. Trata-se, ao invés, de uma prática corrente de todas as companhias aéreas. Assim, como o Governo francês declarou na audiência sem ter sido contestado quanto a este aspecto, a Air France trocou, em 1996, no aeroporto de Paris (CDG), 50 horários com cerca e 30 companhias estranhas ao grupo Air France, dos quais dois com a British Airways, um com a British Midland e um com a KLM. Com a Air Inter não teria havido qualquer troca durante o Inverno de 1994/1995; no Verão de 1995, só teria havido uma troca

e quatro, no Inverno de 1995/1996. Quanto às trocas de linhas, o Governo francês indicou que a linha Paris-Dresde foi retomada pela Lufthansa depois de a Air France a ter abandonado e que a linha Paris-Glasgow foi retomada pela Jersey Air European e a linha Bordéus-Genebra, pela Crossair.

319.
    Neste contexto, é de acrescentar que a eventual transferência pela Air France para a Air Inter das linhas e horários rentáveis, em troca de linhas e horários não rentáveis, iria contra a reestruturação, tal como a própria Air France a concebeu no seu Projecto, e poria em risco a realização dos objectivos de exploração e de produtividade fixados na decisão impugnada. A Comissão podia, por conseguinte, considerar que o mecanismo de controlo instituído pelo artigo 2.° da decisão impugnada era suficiente para fazer face a essa hipótese pouco provável.

320.
    Relativamente ao argumento de que a Air Inter era, pelo menos, beneficiária indirecta do auxílio, benefício esse sem o qual a Air France lhe deveria ter exigido uma contribuição financeira para a sua reestruturação, recorde-se que a Comissão estava habilitada, no exercício do seu vasto poder de apreciação, a considerar justificada a manutenção da companhia Air France reestruturada ao nível das duas outras maiores companhias europeias (v. supra, n.° 209) e que a Air Inter constituía um activo estratégico importante, e, portanto, inalienável, da Air France (v. supra, n.os 214 a 216). Em consequência, a Comissão podia entender que esta posição da Air France seria enfraquecida se, em vez da autorização do auxílio acompanhada da instauração da holding acima descrita, a Air Inter tivesse que mobilizar fundos próprios ou endividar-se ela própria, a fim de contribuir para o financiamento da reestruturação da Air France. Nestas circunstâncias, a Air Inter não pode ser havida como beneficiária indirecta do auxílio.

321.
    Os argumento baseados na ineficácia de um controlo da execução da condição de autorização n.° 1 ou na eventualidade de desvios, por parte da Air France, na sua execução não são susceptíveis de afectar a própria legalidade da decisão impugnada, uma vez que só dizem respeito à fase posterior à adopção dessa decisão e mesmo à fase posterior à reestruturação da Air France (v. supra, n.° 292). Pela mesma razão, devem afastar-se todas as referências que as recorrentes e os intervenientes fizeram, em apoio dos seus pedidos, a propósito do comportamento da Air France e/ou da Air Inter posterior à adopção da decisão impugnada (v. supra, n.° 81).

322.
    Quanto aos problemas de controlo levantados em função do direito fiscal francês, basta ter presente que os consultores independentes — encarregados, nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada, de verificar a correcta aplicação do plano de reestruturação e a realização das condições ligadas à aprovação do auxílio — longe de estarem limitados aos conceitos de direito fiscal francês, são livres de proceder ao controlo do carácter estanque da separação jurídica e financeira da Air France e da Air Inter, segundo os métodos económicos, financeiros e contabilísticos que considerarem adequados. A execução do acordo de 1992, que prevê a transferência

do pessoal navegante da Air France para a Air Inter durante o período de validade das condições de autorização impostas pela decisão impugnada, deverá evidentemente satisfazer essas condições, designadamente a condição n.° 1, segundo a qual todas as prestações de serviços entre a Air France e a Air Inter deverão efectuar-se aos preços de mercado, sendo o controlo da observância desta condição posterior à decisão impugnada.

323.
    Por último, relativamente à afirmação de que a condição de autorização n.° 1 permitia o pagamento do auxílio a filiais da Air France que não estão sujeitas a nenhuma obrigação de reestruturação, basta salientar que a condição de autorização n.° 6 impõe que o auxílio seja exclusivamente utilizado pela Air France «para a sua reestruturação», o que a impede de dele fazer beneficiar as filiais não sujeitas a reestruturação. Quanto à Air Charter, que é aliás objecto das condições de autorização n.os 12 e 13, há que precisar que o sector charter da Air France está englobado no plano de reestruturação em discussão (p. 22 do plano). O Tribunal entende que a Comissão, no exercício do seu largo poder de apreciação, podia limitar-se a essa regulamentação geral, reforçada pelo mecanismo de controlo do artigo 2.° da decisão impugnada, e considerar que só as condições essenciais respeitantes à própria Air France, à Air Inter e à Air Charter exigiam uma regulamentação mais pormenorizada.

324.
    De onde resulta que as alegações dirigidas contra a condição de autorização n.° 1 não colhem.

b) Quanto à condição de autorização n.° 3

325.
    Há que recordar que esta condição obriga as autoridades francesas a assegurar que que «a Air France prosseguirá a execução integral do 'Projet pour l'entreprise‘, apresentado à Comissão Europeia em 18 de Março de 1994, nomeadamente no que respeita aos objectivos de produtividade abaixo referidos, expressos na ratio EPKT/empregado durante a execução do plano de reestruturação:

    - 1994: 1 556 200 EPKT/empregado,

    - 1995: 1 725 500 EPKT/empregado,

    - 1996: 1 829 200 EPKT/empregado.»

326.
    Acrescente-se que a Comissão precisou que o indicador de eficiência EPKT representa o número de passageiros por quilómetro transportados e as toneladas por quilómetro transportadas (sendo uma tonelada por quilómetro transportado, para efeitos da comparação, considerada equivalente ao rendimento de 3,5 passageiros por quilómetro), por membro do pessoal. Este indicador seria representativo do nível total da procura de transporte tanto de viajantes como de carga (JO, p. 83).

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

327.
    As recorrentes entendem que o EPKT é uma unidade de medida que não é fiável. Dada a diversidade das actividades dos transportadores, seria muito difícil criar uma unidade de medida composta única, capaz de ter validamente em conta o conjunto dos parâmetros. Idealmente, deveria, por conseguinte, utilizar-se uma larga gama de indicadores para medir a performance em vários domínios específicos do sector dos transportes aéreos. A Comissão teria violado esta regra elementar ao avaliar a produtividade actual e futura da Air France por meio de uma única unidade de medida, isto é, o EPKT, que, ao que as recorrentes julgam saber, nunca é utilizada no mercado dos transportes aéreos.

328.
    As recorrentes sublinham que, no que lhes diz respeito, medem a sua produtividade normalmente com base em «toneladas por quilómetro transportadas» (a seguir «TKT»), por empregado, ou em «passageiros por quilómetro transportados» (a seguir «PKT»), por empregado, sem combinar as duas unidades. Uma unidade de medida como o EPKT, que amalgama os passageiros-quilómetros e as toneladas-quilómetros, duplicaria a importância dos passageiros. Além disso, esta unidade de medida combinaria prestações de serviços totalmente diferentes, isto é o transporte de mercadorias e o transporte de passageiros. Quanto mais elevada é a percentagem de carga transportada, mais baixos seriam os custos unitários, designadamente quando uma companhia explora aparelhos que só transportam carga. Este facto contribuiria para apresentar uma companhia que transporta carga como sendo extremamente eficaz em relação a uma companhia que transporta passageiros.

329.
    Além disso, como o EPKT representa apenas a multiplicação do número de passageiros transportados (incluindo a carga convertida em número de passageiros) pelo número de quilómetros percorridos, um meio simples de aumentar o número dos EPKT seria o de assegurar linhas de longo curso, que aumentam o número de quilómetros percorridos. As estatísticas disponíveis permitiriam pensar que é precisamente isso o que a Air France está a fazer nas linhas transatlânticas: estaria a aumentar a sua capacidade, e isso apesar de todas as outras companhias aéreas estarem a diminuir a delas. Acresce que esta unidade de medida não daria qualquer indicação sobre a rentabilidade das actividades de uma companhia aérea, porque a multiplicação do número de passageiros pelo número de quilómetros percorridos nada diria sobre as receitas daí resultantes e sobre o custo do transporte de passageiros. Em consequência, a Air France poderia apresentar resultados satisfatórios do ponto de vista do número de passageiros multiplicado pelos quilómetros percorridos, mas as suas receitas poderiam continuar a ser desastrosas.

330.
    Finalmente, mesmo que o EPKT fosse uma unidade de medida adequada, um certo número de factores poria em dúvida a sua fiabilidade. Primeiro, na sua comunicação de 3 de Junho de 1994, a Comissão só fez referência à produtividade da Air France em termos de «lugares por quilómetro oferecidos» (a seguir «SKO»). A seguir na sua decisão 94/662/CE (já referida no n.° 145), a Comissão

teria medido a produtividade da Air France unicamente em termos de empregados por avião, de passageiros transportados por empregados, de lugares/quilómetros oferecidos por empregado e de passageiros/quilómetros pagos por empregado. Por último, não existiria qualquer consenso sobre um critério de equivalência «correcto» entre os rendimentos das operações de transporte de mercadorias e de passageiros.

331.
    As recorrentes sublinham ainda que os dados sobre a produtividade da Air France não têm em conta as prestações de serviços fornecidas pelas tripulações de aparelhos em regime de locação dita «molhada», quer dizer de locação de aparelhos com as suas tripulações, nem das do pessoal da subcontratação. Com efeito, a produtividade medida «por empregado» seria aumentada artificialmente se pessoas que não fazem parte dos efectivos da Air France contassem, de facto, para a sua produtividade. Actualmente, a Air France estaria a alugar aparelhos em sistema de locação «molhada» junto de várias companhias. Os limiares de EPKT/empregado exigidos para o pagamento das três parcelas do auxílio poderiam ser atingidos, aumentando simplesmente as locações «molhadas» ou a subcontratação, visto que os compromissos impostos pela Comissão não vedam essa possibilidade. Neste contexto, as recorrentes precisam que a Air France alugava junto da TAT aparelhos e tripulações completas, quer dizer não só pessoal navegante técnico. A Air France teria ainda alugado e continuaria a alugar aparelhos e tripulações completos junto da Air Littoral e da Brit'Air.

332.
    As recorrentes consideram, finalmente, que os objectivos de produtividade fixados pela condição n.° 3 são demasiado baixos quando comparados com os atingidos por outras companhias aéreas. Neste aspecto, criticam a Comissão por se ter limitado a comparar a produtividade da Air France com a que sete outras companhias aéreas europeias deveriam atingir em 1996 (JO, p. 83). Este grupo incluiria a Alitalia e a Iberia, que se defrontam com graves dificuldades e cujo futuro é duvidoso. A Comissão teria ainda incluído nas sete companhias aéreas, duas outras companhias, a SAS e a Swissair, que asseguram em média ligações muito mais curtas do que a Air France e cuja produtividade parece, pois, anormalmente baixa. Só se justificaria a comparação com companhias com actividades e que cobrem distâncias semelhantes às da Air France. Para medir a eficácia da Air France no mercado dos transportes aéreos, teria sido mais útil comparar a sua produtividade futura à das companhias aéreas de «boa saúde», como a KLM, a British Airways, a SAS e a Lufthansa. De qualquer modo, essa comparação seria necessariamente uma aproximação, dado que a Comissão não podia ter uma ideia precisa das medidas de reestruturação aplicadas por este grupo de companhias.

333.
    A Comissão, a República Francesa e a Air France contestam a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

334.
    Há que reconhecer que a condição n.° 3 não se limita a exigir a realização de objectivos de produtividade expressos em EPKT, antes impõe às autoridades francesas que actuem de modo a que a Air France execute integralmente o seu plano de reestruturação, servindo os objectivos em termos de EPKT apenas como exemplo específico. Por força do artigo 2.° da decisão impugnada, o pagamento das segunda e terceira parcelas do auxílio está dependente designadamente da realização efectiva do Projecto para a empresa e dos resultados previstos («nomeadamente no que respeita aos objectivos de produtividade... expressos na ratio EPKT/empregado»). De onde se conclui que a melhoria da produtividade global da Air France não será medida exclusivamente em EPKT, devendo igualmente ser apreciada à luz dos outros objectivos de melhoria da produtividade referidos no plano de reestruturação, designadamente os respeitantes à redução do pessoal e dos investimentos, às economias nas compras, à melhoria da utilização do tempo de trabalho e ao bloqueamento dos salários.

335.
    Reduzido deste modo às suas reais dimensões o significado da unidade EPKT/empregado, há que salientar que esta unidade de medida constitui um indicador de produtividade física que contabiliza simultaneamente os passageiros e a carga transportada, tendo em conta — através da utilização do coeficiente de correcção 3,5 — a realidade económica segundo a qual os custos de transporte de uma tonelada de carga e os efectivos necessários para este fim são muito inferiores aos referentes ao transporte de passageiros, sendo a situação inversa no que se refere às receitas originadas por estes dois tipos de transporte. Esta unidade de medida, longe de duplicar a importância dos passageiros, permite portanto verificar se uma companhia, com o mesmo número de empregados, transporta mais passageiros e carga do que anteriormente em distâncias globalmente idênticas ou se transporta o mesmo número e quantidade com menos empregados, melhorando assim a sua produtividade física.

336.
    É verdade que — e a própria Comissão o admitiu no Tribunal — o EPKT não é um critério infalível em todas as circunstâncias. É possível, pois, que o coeficiente de conversão de 3,5 varie durante o período de reestruturação da Air France. Porém, é também um facto que o EPKT é um indicador particularmente adequado para medir a produtividade de uma companhia como a Air France, na qual o transporte de carga representa uma componente essencial da actividade aérea, que atinge 40% da carga comercial global. Além disso, a Air France utiliza tradicionalmente, desde 1978, esta unidade de medida. Nestas circunstâncias, a Comissão podia legitimamente escolher o EPKT, entre os outros elementos relevantes para a produtividade da companhia, para medir a melhoria da produtividade da Air France.

337.
    Esta conclusão não é infirmada por nenhum dos elementos avançados pelas recorrentes e pelos intervenientes em apoio dos seus pedidos.

338.
    Quanto à falta de coerência assacada à Comissão, pelo facto de o indicador EPKT não figurar na Decisão 94/662/CE (já referida no n.° 145), adoptada na mesma data que a decisão objecto dos presentes recursos, basta verificar que a Decisão 94/662/CE, ao contrário da ora impugnada, concluiu pela incompatibilidade, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado do auxílio concedido à Air France num momento anterior e recusou aplicar o n.° 3 deste artigo, por não haver um verdadeiro plano de reestruturação da Air France. Nestas circunstâncias, estava fora de questão a fixação, na Decisão 94/662/CE, de objectivos de produtividade a atingir pela Air France, expressos em EPKT.

339.
    Quanto a uma eventual amplificação artificial do número de EPKT através de um simples aumento dos quilómetros percorridos, a Comissão sublinhou, com razão, que parece irracional que a Air France, com o único objectivo de percorrer quilómetros, faça voar aviões insuficientemente cheios, comprometendo desse modo, sob o controlo da Comissão e dos consultores independentes nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada, o sucesso do plano de reestruturação no seu conjunto. Por outro lado, os indicadores utilizados pelas companhias aéreas recorrentes para medir a sua própria produtividade, os TKT e os PKT, correm o mesmo risco de manipulação, visto que o seu multiplicador é igualmente o número de quilómetros percorridos.

340.
    O mesmo se diga em relação à locação «molhada». Se é verdade que o recurso ao afretamento de aviões com tripulação permite melhorar a ratio EPKT/empregado, visto que estes aviões contribuem para o aumento do EPKT sem que as suas tripulações sejam contadas no denominador da ratio, esta distorção existe qualquer que seja a unidade de medida utilizada, a partir do momento em que esta se refere ao número de empregados (SKO, TKT, PKT) e não é, portanto, específica do EPKT. Acresce que as locações «molhadas» são uma prática corrente no sector do transporte aéreo, de modo que a situação da Air France não difere fundamentalmente, quanto a este aspecto, da de outros transportadores europeus. Finalmente, se a Air France recorresse efectivamente a numerosas locações «molhadas», comprometeria, sob o controlo da Comissão e dos consultores independentes, a realização do seu próprio plano de reestruturação, que prevê justamente uma redução de pessoal, a melhor utilização da sua frota e das suas tripulações, bem como a compressão das despesas. Em consequência, a Comissão podia legitimamente ignorar, neste contexto, o impacto de eventuais locações «molhadas».

341.
    Relativamente à acusação dirigida contra a escolha das sete companhias aéreas escolhidas para efeitos de comparação da sua produtividade com a da Air France, o Tribunal entende que a Comissão estava autorizada a efectuar esta comparação com um número relativamente elevado de companhias, para atingir, na medida do possível, uma verdadeira média característica do sector. Ao assim proceder, a Comissão não estava obrigada a escolher unicamente as companhias com melhores resultados ou mais especializadas nos voos de longo curso, podendo igualmente incluir na comparação outras companhias como a Alitalia, a Iberia, a SAS e a

Swissair, considerando que esta abordagem tinha em conta a complexidade da actividade de transporte aéreo no seu conjunto. Em consequência, não se prova nenhum erro manifesto de apreciação na escolha das sete companhias aéreas.

342.
    O mesmo se diga ainda em relação à tese de que os objectivos de produtividade fixados pela condição n.° 3 eram demasiado baixos. Trata-se de uma simples afirmação não apoiada por elementos concretos susceptíveis de demonstrar um erro manifesto da Comissão quanto a este ponto. Nestas circunstâncias, a Comissão podia limitar-se a contrariar esta afirmação, precisando que, do seu ponto de vista, os objectivos de produtividade eram razoáveis, suficientes e realizáveis.

343.
    Resulta de quanto precede que as alegações dirigidas contra a condição de autorização n.° 3 não colhem.

c) Quanto à condição de autorização n.° 6

344.
    Deve recordar-se que esta condição obriga as autoridades francesas a assegurar que que «durante a vigência do plano, o auxílio será utilizado exclusivamente pela Air France para a sua reestruturação e não para adquirir novas participações noutras transportadoras aéreas.»

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

345.
    Segundo as recorrentes, esta condição é intrinsecamente deficiente, porque o auxílio será essencialmente utilizado para apoio das diferentes operações da Air France. O alcance desta condição seria igualmente limitado pela interpretação que a Air France lhe deu. Segundo esta, a proibição de adquirir participações no capital de outras companhias aéreas não se aplicaria ao pagamento de aquisições negociadas antes da adopção da decisão impugnada, nem ao aumento de uma participação já tomada noutras companhias aéreas, como a Sabena. Por outro lado, a condição enunciada no artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, segundo a qual o auxílio do Estado só deve ser utilizado para a reestruturação do beneficiário, implicaria, por si só, que o beneficiário não seja autorizado a adquirir participações noutras companhias aéreas. Com efeito, a aquisição de participações noutras companhias não poderia, em nenhum caso, ser havida como uma medida de reestruturação.

346.
    A Comissão contesta a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

347.
    Verifica-se que, como a Comissão sublinhou no Tribunal, o texto desta condição proíbe a utilização do auxílio tanto para adquirir novas participações como para aumentar participações já existentes. Quanto à argumentação respeitante ao financiamento ilegal tanto de actividades operacionais como da última prestação

do preço de aquisição da participação no capital da Sabena, basta recordar que as acusações a este respeito já foram rejeitadas (v. supra, n.os 137 a 141 e 223).

348.
    No que diz respeito, por último, ao carácter alegadamente supérfluo da condição n.° 6, há que salientar que, mesmo admitindo que a proibição de utilização de um auxílio para aquisição de participações já consta do artigo 92.°, 3, alínea c), do Tratado, a utilidade desta condição consiste em permitir à Comissão dirigir-se directamente ao Tribunal, nos termos do artigo 93.°, n.° 2, segundo parágrafo, sem ser obrigada a iniciar previamente o processo do artigo 93.°, n.° 2, primeiro parágrafo, ou o do artigo 169.° (v. acórdão British Aerospace e Rover/Comissão, já referido no n.° 290, n.° 11). Por outro lado, a condição n.° 6 não se limita a proibir a aquisição de participações, impondo igualmente a utilização exclusiva do auxílio para as finalidades de reestruturação da Air France.

349.
    De onde resulta que a contestação da condição de autorização n.° 6 não merece acolhimento.

d) Quanto à condição de autorização n.° 7

350.
    Há que recordar que esta condição obriga as autoridades francesas a assegurar que «durante a vigência do plano, o número de aviões da frota da Compagnie Nationale Air France explorados pela mesma não será aumentado para mais de 146.»

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

351.
    As recorrentes entendem que a Comissão errou ao considerar que esta condição era operante. Com efeito, as actividades de locação «molhada», através das quais a Air France poderia aumentar o número de aparelhos efectivamente à sua disposição, não estariam cobertas por esta condição. Além disso, a Comissão não teria tido em conta o facto de a Air France poder continuar a encomendar novos aviões e a alargar a sua frota através da Air Inter, não só porque a presença da Air Inter no grupo Air France significa que estas duas companhias têm em comum importantes interesses económicos, mas igualmente por causa da fusão entre ambas prevista para o início do ano de 1997. Todos os novos aparelhos encomendados e recebidos pela Air Inter reverteriam para a Air France em 1997. Além disso, nada impediria a Air France de financiar a aquisição de aparelhos pela Air Inter. A estratégia do grupo Air France consistiria em fazer da Air Inter um transportador europeu. A este propósito, a exploração de determinadas linhas antes exploradas pela Air France estaria a ser transferida para a Air Inter. Este mecanismo equivaleria, na prática, a permitir à Air France o aumento da sua frota operacional para além do número de 146 aparelhos, recorrendo à frota da sua sociedade-irmã, cuja expansão não está limitada por nenhum compromisso.

352.
    A Comissão contesta a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

353.
    Quanto às eventuais locações «molhadas», verifica-se que, como a Comissão declarou no Tribunal, a condição n.° 7 se aplica igualmente aos aviões fretados com as suas tripulações. Com efeito, ao impor um limite ao número de aviões da frota «explorada» pela Air France, esta condição visa não só os próprios aviões da Air France, mas igualmente os que outra companhia ponha à sua disposição para exploração. Por outro lado, esta condição deve ser lida em conjunto com o plano de reestruturação da Air France que, sob o controlo da Comissão e dos consultores independentes, nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada, prevê que o número de lugares oferecidos seja ligeiramente diminuído relativamente a 1993 (JO, p. 75).

354.
    Relativamente às referências à Air Inter, basta recordar que, durante a reestruturação da Air France, a Air Inter deve considerar-se como uma companhia autónoma, que as relações comerciais entre as duas companhias se regem pela condição de autorização n.° 1, que um eventual desvio, através da Air Inter, às condições impostas à Air France, se pode levar a Comissão a reclamar a recuperação do auxílio pago, não afecta a legalidade da decisão impugnada e que a eventual fusão da Air France com a Air Inter diz respeito a esta última nos mesmos termos que qualquer outra companhia aérea independente da Air France (v. supra, n.os 292 e 313 a 315).

355.
    Em consequência, as alegações dirigidas contra a condição de autorização n.° 7 devem ser rejeitadas.

e) Quanto à condição de autorização n.° 8

356.
    Recorde-se que esta condição obriga as autoridades francesas do seguinte modo: «Durante a vigência do plano, a oferta da Compagnie Nationale Air France não será aumentada para níveis superiores aos atingidos em 1993, nas rotas... [entre] Paris [e] destinos situados no Espaço Económico Europeu (7 045 milhões de SKO) [e entre a]    província [e os] destinos situados no Espaço Económico Europeu (1 413,4 milhões de SKO). Esta oferta poderá ser aumentada de 2,7 % por ano, excepto no caso de a taxa de crescimento de cada mercado correspondente ser inferior. Todavia, se a taxa de crescimento anual dos mercados em causa exceder 5 %, a oferta poderá ser aumentada, além de 2,7 %, da percentagem do crescimento superior a 5 %».

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

357.
    A recorrente no processo T-394/94 critica a Comissão por ter cometido um erro manifesto de apreciação ao concluir, na decisão impugnada, que o sector do transporte aéreo europeu não está afectado por uma crise estrutural de sobrecapacidade. Ao assim julgar, a Comissão não teria aparentemente tomado em

consideração a existência, passada e actual, de sobrecapacidade, embora esta última tivesse sido expressamente confirmada pelo «Comité de peritos» no relatório deste sobre a aviação civil europeia, elaborado em Janeiro de 1994 a pedido da própria Comissão. O «Comité de peritos» teria designadamente entendido que a sobrecapacidade era, em parte, devida aos auxílios do Estado concedidos. A tese da Comissão de que a sobrecapacidade é um «fenómeno temporário» seria, pois, contestada, pelas próprias fontes da Comissão.

358.
    As recorrentes consideram que, num sector que padece de sobrecapacidade, a contrapartida de um auxílio de Estado deve ser a redução da oferta do beneficiário, mesmo que o mercado esteja em expansão. Esta obrigação subsistiria, ainda que a sobrecapacidade fosse apenas um fenómeno temporário. As recorrentes no processo T-371/94 entendem que o conceito de «compensação justificativa» ocupa um lugar central em numerosas decisões da Comissão, incluindo as relativas aos auxílios do Estado concedidos a fabricantes de automóveis, datadas dos anos 80, época em que o mercado automóvel sofria uma crise de sobrecapacidade, mas estava em expansão significativa (v. designadamente a Decisão 89/661/CEE da Comissão, de 31 de Maio de 1989, relativa ao auxílio concedido pelo Governo italiano ao grupo Alfa Romeo, JO L 394, p. 9). Acrescentam que a compensação justificativa não pode ser evitada apenas porque o mercado se expande, dado que nunca se pode excluir o risco do ressurgimento da sobrecapacidade. O Reino da Dinamarca considera que a comparação com as decisões Sabena, TAP, Aer Lingus e Olympic Airways (já referidas nos n.os 55 e 174) demonstra que estes processos implicaram todos reduções de capacidade impostas ao beneficiário do auxílio do Estado.

359.
    Por outro lado, a Comissão não teria razão ao declarar — com fundamento nas estatísticas da IATA, que prevêem um aumento anual do tráfego de 6% — que a sobrecapacidade no mercado dos transportes aéreos poderia desaparecer até 1995. Com efeito, as estatísticas da IATA seriam pouco sólidas e as suas estimativas revelar-se-iam frequentemente falsas. Além disso, o aumento do tráfego não poderia ser examinado sem ter em conta os factores que estão na sua origem. No mercado dos transportes aéreos, o aumento actual do tráfego teria sido em grande parte obtido através de uma redução das tarifas e, portanto, através de uma baixa do rendimento abaixo do nível necessário à sobrevivência de numerosas companhias aéreas.

360.
    As recorrentes afirmam que a Air France poderia utilizar a Air Inter para aumentar a sua capacidade e a sua parte do mercado sem restrições até à fusão em 1997. Lembram, quanto a este aspecto, que, se é pouco provável que a Air France explore um maior número de linhas internas, tal é função do seu plano estratégico no quadro do qual a exploração da rede nacional e de determinadas linhas europeias foi confiado à Air Inter.

361.
    As recorrentes sublinham que as limitações da capacidade se aplicam unicamente às ligações entre a França e os destinos não franceses no interior do EEE. Com

excepção da linha Paris (CDG)-Nice, a Air France só explorava no interior do EEE, as ligações entre a França e outros países do EEE. Desde a entrada em vigor do Regulamento n.° 2408/92 do Conselho, de 23 de Julho de 1992, relativo ao acesso das transportadoras aéreas comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias (JO L 240, p. 8, a seguir «Regulamento n.° 2408/92»), as transportadoras aéreas do EEE seriam livres de explorar qualquer ligação entre dois Estados-Membros do EEE e de propor serviços limitados de cabotagem no interior de qualquer outro Estado-Membro que não o próprio. Daí resultaria que a Air France é totalmente livre no que se refere à capacidade que pode oferecer nas ligações entre dois Estados-Membros do EEE que não a França, bem como nas ligações no interior de outro Estado-Membro que não a França.

362.
    Parece às recorrentes que a condição n.° 8 não visa cobrir a capacidade oferecida pela Air France inteiramente no interior da França. Além disso, as limitações de capacidade teriam pouca importância, porque, em 1993 — o ano de referência — a oferta da Air France tinha atingido um nível record. Aliás esta condição só se aplicaria ao tráfego de passageiros. A Comissão não explicaria por que é que não foi imposto qualquer limite à capacidade da Air France em matéria de carga. Finalmente, o compromisso respeitante aos aumentos de capacidade não impediria a Air France de recorrer a «locações molhadas», para aumentar a sua capacidade.

363.
    As recorrentes criticam a Comissão por ter cometido um erro manifesto de apreciação, ao estabelecer um nexo entre a limitação da capacidade da Air France e a redução da sua parte de mercado no EEE. A Comissão teria declarado, com efeito, na decisão impugnada, que, ao limitar a oferta da Air France abaixo da taxa de crescimento do mercado, a «sua parte do mercado no EEE» seria restringida em benefício das suas concorrentes (JO, p. 87). Ora, segundo as recorrentes, ainda que se aplicasse a limitação máxima de 2,3% (isto é 5%-2,7%) da taxa de crescimento da Air France, esta poderia conservar a sua parte do mercado, aumentando apenas em pouco mais de 1% o seu coeficiente de ocupação. O Reino Unido fala deste mesmo erro manifesto de apreciação, acrescentando que resulta de um aumento de 3,8% do coeficiente de ocupação (JO, p. 87) e de um aumento autorizado de 2,7% da capacidade que o número de passageiros da Air France deveria aumentar 6,6% (isto é, 1,038 x 1,027 = 1,066), sendo este número superior à previsão de crescimento do mercado de 5,5% ao ano (JO, p. 77).

364.
    A Comissão, a República Francesa e a Air France contestam a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

365.
    Ao afirmar, na decisão impugnada, que o sector da aviação civil europeia não sofria de sobrecapacidade estrutural, não devendo a sobrecapacidade existente ser mais do que um fenómeno temporário, a Comissão baseou-se essencialmente em estatísticas da IATA de 1993 e que previam, para o tráfego aéreo, um crescimento

anual de 6% (JO, p. 82). Ora, a IATA é um organismo internacional de renome mundial que conta nas suas fileiras a quase totalidade das companhias aéreas e que publica regularmente previsões de tráfego reconhecidas na profissão. De onde resulta que a Comissão podia, sem cometer nenhum erro manifesto, basear-se nos números publicados por este organismo para concluir pela inexistência de uma sobrecapacidade estrutural.

366.
    Esta análise não é contrariada pelo relatório do «Comité de peritos» que, ao recomendar, em termos gerais, uma redução da capacidade, não se pronuncia sobre a natureza, estrutural ou temporária, da sobrecapacidade existente (pp. 18 e 22 do anexo 13 à petição no processo T-394/94). Além disso, como a Air France sublinhou no Tribunal, não tendo sido contestada quanto a este aspecto, a evolução do transporte aéreo confirmou a análise da Comissão, tendo a sobrecapacidade sido entretanto reabsorvida.

367.
    O Tribunal entende, a seguir, que a afirmação da inexistência de sobrecapacidade estrutural autorizava a Comissão a concluir que a situação do sector da aviação não justificava uma redução global das capacidades (JO, p. 82). De onde resulta como corolário necessário que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação, ao abster-se de impor uma redução das capacidades da Air France ou da Air Charter. Nesta óptica, a Comissão não estava, pois, obrigada a proceder a uma análise, por causa da situação das capacidades, das ligações aéreas em que aAir France e as suas filiais estavam em concorrência com outras companhias europeias, podendo limitar-se a fixar limites à expansão da Air France, na medida em que esses limites não comprometessem as possibilidades, para a companhia, de recuperar a sua viabilidade financeira e a sua competitividade. Estas considerações aplicam-se igualmente ao sector da carga que, como foi acima visto (n.° 336), constitui uma actividade importante da Air France.

368.
    Tendo em conta a situação particular da Air France, uma das três maiores companhias aéreas europeias, a referência a eventuais reduções de capacidade efectuadas por outras companhias de dimensão muito mais modesta, como a Aer Lingus, a TAP, a Sabena ou a Olympic Airways, é impertinente. O mesmo se diga em relação à referência ao mercado do automóvel dos anos 80, visto que não foi indicado nenhum elemento susceptível de comprovar a relevância específica deste mercado para a análise do sector da aviação civil dos anos de 1992 a 1994, e das suas perspectivas a médio prazo (1994 a 1997). Quanto ao risco de utilização da Air Inter para aumentar a capacidade da Air France, basta recordar que as duas companhias devem ser consideradas independentes durante a reestruturação da Air France. Finalmente, no que se refere às locações «molhadas», a Comissão declarou no Tribunal que qualquer voo de um aparelho fretado com a sua tripulação seria contado como um voo Air France, para efeitos da condição n.° 8. As recorrentes ouviram esta declaração, sem a contestarem.

369.
    Quanto ao carácter alegadamente demasiado restrito da condição n.° 8, há que admitir que esta só cobre as ligações entre a França e os outros países do EEE,

não limitando, portanto, a oferta da Air France nas linhas entre dois países do EEE que não a França, nas linhas no interior de um país do EEE que não a França e nas linhas domésticas francesas. Ao limitar-se à rede França-EEE, a Comissão não excedeu, no entanto, os limites do seu largo poder de apreciação.

370.
    Com efeito, a Comissão podia negligenciar o mercado interno francês, pelo facto de a Air France só explorar uma única linha doméstica, sendo o transportador nacional francês — que continuaria a sê-lo a médio prazo — a companhia Air Inter, de modo que a exclusão das linhas domésticas francesas só podia ter um impacto económico despiciendo. O mesmo acontece em relação às linhas no interior de qualquer país do EEE que não a França, dado que os Estados do EEE não estavam obrigados — nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2408/92 e do ponto 64.A, capítulo IV, do Anexo XIII do Acordo EEE (Transportes — Lista prevista no artigo 47.°, JO 1994, L 1, p. 422), alterado pela decisão do Comité Misto do EEE n.° 7/94, que altera o protocolo 47 e certos anexos do acordo EEE (JO 1994, L 160, pp. 1, 87) — a autorizar, antes do final do período de reestruturação da Air France, o exercício de direitos de cabotagem. Em consequência, a exploração dessas linhas podia ser considerada excepcional e economicamente insignificante. Este raciocínio é igualmente pertinente relativamente à exploração das linhas entre dois países do EEE que não a França, podendo a Comissão justificadamente ignorar a importância económica dessa actividade sem qualquer ligação ao terminal da Air France em Paris.

371.
    Quanto à acusação baseada em ignorância dos efeitos de uma limitação da capacidade da Air France sobre a evolução da sua parte do mercado, há que admitir que a frase que consta da decisão impugnada, segundo a qual «a limitação da oferta da Air France a níveis inferiores ao crescimento do mercado determinará um decréscimo da sua parte de mercado no EEE em benefício dos seus concorrentes» (JO, p. 87), pode parecer errada, uma vez que a parte de mercado de uma empresa é função não do volume das suas capacidades, mas do grau da sua utilização. Deve recordar-se, porém, que a oferta da Air France, quer dizer, as capacidades da companhia, se exprime, nos termos da condição n.° 8, em número de lugares oferecidos à clientela. Ao afirmar que essa oferta seria limitada a níveis inferiores ao crescimento previsto do mercado, a Comissão só pretendeu restringir a faculdade da Air France de participar nesse crescimento, quer dizer, a sua parte de mercado potencial definida em número de lugares oferecidos. Com efeito, a Comissão declarou expressamente, no Tribunal, que as limitações da oferta impostas à Air France não se destinavam de modo nenhum a impedir a realização do seu plano de reestruturação, que prevê o crescimento da produtividade da companhia, podendo essa produtividade bem como a sua parte do mercado efectiva aumentar graças à melhoria do coeficiente de ocupação. Colocada no contexto das finalidades da reestruturação da Air France, a frase controvertida não exprime, pois, nenhum erro manifesto da Comissão.

372.
    Quanto à crítica feita à Comissão por ter autorizado a Air France a ultrapassar a previsão de crescimento do tráfego de 5,5%, basta verificar que a Comissão declarou, sem ter sido contestada, que a previsão de um aumento de 3,8% do coeficiente de ocupação da Air France dizia respeito a um período de três anos de reestruturação e não constituía uma taxa anual, elevando-se esta última a cerca de 1,2%. Ao aplicar o método de cálculo proposto pelo Reino Unido, o número de passageiros da Air France deveria, consequentemente, crescer 3,9% (1,012 x 1,027 = 1,039), devendo esta percentagem ser inferior ao crescimento previsto de 5% ao ano.

373.
    Resulta de quanto precede que as alegações dirigidas contra a condição de autorização n.° 8 devem ser rejeitadas.

f) Quanto à condição de autorização n.° 9

374.
    Recorde-se que esta condição impõe às autoridades francesas que assegurem que «durante a vigência do plano, a Air France não adoptará práticas que levem a propor tarifas inferiores às praticadas pelos seus concorrentes para uma oferta equivalente, nas rotas exploradas no interior do Espaço Económico Europeu.»

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

375.
    As recorrentes consideram ineficazes os limites impostos à Air France em matéria de fixação dos preços. O texto desta condição permitiria deduzir que só se aplica às linhas da Air France existentes, quer dizer, às linhas actualmente exploradas entre Paris e a província francesa, por um lado, e os outros destinos no interior do EEE, por outro. Afirmam que a Air France oferece todo um leque de tarifas em promoção. Como essas tarifas já existiam no momento da adopção da decisão impugnada, poder-se-ia pensar que não estão abrangidas por esta condição. Depois da decisão impugnada, a Air France teria continuado a oferecer o mesmo tipo de promoções. De qualquer modo, as companhias aéreas ajustariam as suas tarifas médias não tanto através de um aumento ou de uma redução do seu nível, mas mais através do controlo do acesso dos passageiros às diferentes categorias tarifárias. Seria, pois, através do aumento do número de lugares propostos com essas tarifas em promoção que a Air France poderia fazer baixar os preços. Por outro lado, seria muitas vezes impossível a um terceiro conhecer as tarifas aplicadas por um concorrente, porque essas tarifas seriam secretas. Além disso, os produtos oferecidos pelas transportadoras numa mesma rota seriam tão variados e tão difíceis de comparar entre si que seria muito difícil, na maior parte dos casos, apurar se uma determinada tarifa é inferior a outra.

376.
    A Air France não teria sido impedida de exercer pressão no sentido da baixa dos preços, inundando uma determinada linha com uma oferta excedentária, desde que diminua a sua capacidade noutros destinos. Finalmente, a condição considerada não abrangeria a sua política tarifária para os produtos ou prestações de serviço noutros domínios ligados aos transportes aéreos, como por exemplo a manutenção

dos aparelhos. Seria igualmente impossível saber se a expressão «nas rotas exploradas no interior do Espaço Económico Europeu» abrange os serviços propostos pela Air Charter.

377.
    As sociedades Maersk acrescentam que, devido à imprecisão da condição n.° 9, a Air France pode utilizar o auxílio para pôr de pé e financiar serviços pouco dispendiosos, propostos sob a aparência de «oferta equivalente». O recente anúncio, pela Air France, da modernização do seu serviço longo curso, cujo custo está orçado em 500 milhões de FF, constituiria um exemplo típico. Em consequência, os concorrentes que não beneficiam de um auxílio de Estado deveriam reagir, quer criando níveis de serviço mais elevados, quer baixando os preços. O Reino da Suécia salienta igualmente o carácter muito vasto dos conceitos «price leadership» e «oferta equivalente», que seriam uma fonte de incerteza jurídica. Estes conceitos não teriam a virtude de impedir a Air France de aumentar a oferta de preços em promoção, graças ao aumento de capacidades em determinadas linhas específicas.

378.
    A Comissão contesta a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

379.
    Recorde-se, em primeiro lugar, que nada no texto da condição n.° 9 autoriza a interpretação de que esta condição só se aplica às linhas asseguradas pela Air France no momento da adopção da decisão impugnada. Antes pelo contrário, resulta desse texto que a proibição de leadership em matéria de tarifas se aplica a todas as linhas exploradas pela Air France «durante a vigência do plano», o que cobre igualmente as linhas iniciadas após a adopção da decisão impugnada.

380.
    Há que reconhecer, a seguir, que, nos termos da condição de autorização n.° 1, a Air Charter está também, enquanto sociedade controlada a mais de 50% pela Air France, englobada na condição n.° 9.

381.
    No que se refere às alegadas possibilidades da Air France de maleabilizar as condições de acesso às tarifas em promoção ou de inundar determinadas linhas com uma oferta excedentária, o Tribunal entende que a Comissão teve razão ao considerar essas possibilidades pouco realistas, dado que a Air France estava obrigada, sob o controlo da Comissão e dos consultores independentes, nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada, a executar integralmente o seu plano de reestruturação que previa designadamente uma melhoria do seu rendimento.

382.
    As outras acusações limitam-se a questionar a possibilidade de pôr eficazmente em prática a condição n.° 9 e não podem ser acolhidas no presente contexto (v. supra, n.° 292).

383.
    Em consequência, as alegações contra a condição de autorização n.° 9 não colhem.

g) Quanto à condição de autorização n.° 10

384.
    Há que recordar que esta condição obriga as autoridades francesas a «não conceder(...) à Air France um tratamento preferencial em matéria de direitos de tráfego».

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

385.
    As recorrentes entendem que a Comissão não teve razão ao considerar esta condição operante. Com efeito, desde a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1993, do Regulamento n.° 2408/92, a concessão dos direitos de tráfego ter-se-ia tornado sem objecto no que se refere às ligações internacionais no interior da Comunidade e, desde 1 de Julho de 1994, no interior do EEE. Estes direitos estariam automaticamente adquiridos pelas companhias aéreas do EEE. Por outro lado, acusam as autoridades francesas da não aplicação correcta das disposições do Regulamento n.° 2408/92 e de protegerem os interesses da Air France e da Air Inter.

386.
    Afirmam que a condição só se aplica, de facto, à exploração das linhas internas.Mesmo neste caso, seria largamente desprovida de relevância, por a Air France só explorar uma linha interna e as companhias aéreas não francesas do EEE não estarem obrigadas a obter direitos de tráfego para o mercado interno francês. De qualquer modo, o acesso destas companhias aéreas a esse mercado estaria limitado até 1 de Abril de 1997. Além disso, os direitos da Air Inter estariam protegidos na maior parte das ligações rentáveis pelas autoridades francesas com base no artigo 5.° do Regulamento n.° 2408/92, que prevê que as concessões exclusivas nas ligações internas possam subsistir temporariamente.

387.
    Salientam que, mesmo que a condição fosse válida, seria inoperante porque as pessoas às quais foi delegada a concessão de direitos de tráfego fazem parte, ou do conselho de administração da Air France, ou do conselho de administração da holding. Isto originaria um risco de discriminação para as transportadoras aéreas concorrentes que não poderia ser evitado através de uma simples condição.

388.
    Neste contexto, as recorrentes precisam que os Estados-Membros podem pedir às companhias aéreas que apresentem o seu programa de exploração para uma determinada ligação antes da abertura do serviço em causa. Em França, a aceitação ou a recusa de programas de exploração incumbiria à direcção-geral da aviação civil e ao serviço de tráfego aéreo. Estas autoridades poderiam efectivamente impedir uma companhia aérea de fazer valer direitos de tráfego automáticos, recusando ilegalmente autorizar os seus programas de exploração. Os acontecimentos que levaram e que se seguiram à Decisão 94/290/CE da Comissão (já referida no n.° 266) ilustrariam este ponto. A este respeito, as recorrentes remetem para várias cartas das referidas autoridades em que são expressas essas recusas de autorização.

389.
    De qualquer modo, a Air France, a direcção-geral da aviação civil e o serviço de tráfego aéreo estariam todos sob a tutela geral do ministro dos transportes. A jurisprudência do Tribunal de Justiça confirmaria que uma ligação orgânica entre uma empresa em concorrência num mercado com outras empresas e os organismos que regulam esse mercado é contrária às disposições conjugadas dos artigos 90.° e 86.° do Tratado, precisamente pelo risco de discriminação inerente a essa situação (acórdãos de 19 de Março de 1991, França/Comissão, C-202/88, Colect., p. I-1223, n.os 51 e 52, e de 27 de Outubro de 1993, Decoster, C-69/91, Colect., p. I-5335, n.os 12 a 22).

390.
    A Comissão contesta a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

391.
    Quanto às acusações baseadas no carácter demasiado restrito da condição n.° 10, há que declarar que as companhias aéreas europeias continuam a necessitar de obter direitos de tráfego para as ligações entre o EEE e os destinos exteriores ao EEE, que não estão abrangidas pelo Regulamento n.° 2408/92. Como a Comissão salientou no Tribunal, a Air France está em concorrência, nestas linhas, com outras companhias aéreas francesas, como a TAT, a Euralair, a Corsair, a AOM e a Air Liberté. De onde resulta que a condição n.° 10 é pertinente para esta área do tráfego aéreo. O mesmo vale para o tráfego abrangido pelo Regulamento n.° 2408/92, dado que as autoridades nacionais, independentemente dos direitos de tráfego propriamente ditos, decidem, na sequência de um procedimento formal de autorização, as modalidades de aplicação do regulamento. Por outro lado, as recorrentes e os intervenientes em apoio dos seus pedidos acusaram expressamente as autoridades francesas de terem feito uma incorrecta aplicação das disposições do regulamento em causa, com o objectivo de protegerem os interesses da Air France e da Air Inter.

392.
    Deve acrescentar-se que, se é por força do princípio da não discriminação que as autoridades francesas estão obrigadas a não conceder um tratamento preferencial à Air France, a utilidade da condição n.° 10 consiste, como já acima se disse (n.° 348), em permitir à Comissão colocar directamente o problema ao Tribunal, sem ser obrigada a dar início previamente ao procedimento do artigo 93.°, n.° 2, primeiro parágrafo, ou ao do artigo 169.° do Tratado.

393.
    As outras acusações referem-se ao risco de as autoridades francesas, pelas suas relações estreitas com a Air France, impedirem outras companhias de fazerem valer os seus direitos de tráfego. Limitam-se, pois, a pôr em causa a possibilidade de aplicar eficazmente a condição n.° 10 e não podem, portanto, ser acolhidas no presente contexto (v. supra, n.° 292).

394.
    De onde se conclui que as alegações dirigidas contra a condição de autorização n.° 10 não merecem acolhimento.

h) Quanto à condição de autorização n.° 11

395.
    Recorde-se que esta condição impõe às autoridades francesas que assegurem que «durante a vigência do plano, a Air France não explorará entre a França e os restantes países do Espaço Económico Europeu um número de linhas regulares superior ao explorado em 1993 (89 linhas).»

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

396.
    As recorrentes consideram que esta condição é inoperante, porque indica um número máximo, que não proíbe a Air France de abrir novas linhas e pôr termo a outras. Além disso, a Air France poderia aumentar o número de destinos que serve para além do limite dos 89 impostos, através das locações «molhadas» e o número de ligações asseguradas com destino ou à partida de França, introduzindo ligações indirectas que passem por outros Estados-Membros, no prolongamento de determinadas linhas já existentes, a linha Londres-Paris passando, por exemplo, a ser uma linha Londres-Paris-Roma. A Air Inter já teria começado a assegurar destinos europeus explorados até então pela Air France, na perspectiva da fusão prevista para 1997. Em consequência, a Air France poderia abrir novas linhas no limite das 89. De cada vez que a Air France pretendesse abrir uma nova linha, bastar-lhe-ia transferir para a Air Inter uma das linhas por ela asseguradas, sabendo que o conjunto das actividades europeias das duas companhias fusionaria, de qualquer modo, em 1997.

397.
    Quanto à transferência das linhas da Air France para a Air Inter, lembram a opinião expressa pelo director do grupo Air France, tal como consta de um artigo de imprensa publicado em Setembro de 1994. Concluir-se-ia desse artigo que a Air Inter iria recuperar um certo número de linhas da Air France nos dois anos seguintes: a Air Inter deveria explorar sob o seu pavilhão os voos para o Magrebe, a Península Ibérica, a Grã Bretanha e a Irlanda. Os dirigentes do grupo considerariam ter toda a latitude para procederem a essas permutas de pavilhão, tanto mais quanto a Air Inter não foi visada pelas limitações de capacidade.

398.
    Fazem notar, por último, que as estatísticas recolhidas pelo Official Airline Guide revelam que a Air France só explorava 64 linhas no EEE em Maio de 1994. Em consequência, o facto de a Comissão ter aceitado uma limitação da rede da Air France em 89 linhas permitiria à companhia abrir 25 linhas suplementares entre a França e outros Estados do EEE. Por outro lado, a condição n.° 11 não abrangeria nem as ligações internas à França nem as ligações entre dois Estados do EEE que não a França.

399.
    A Comissão, a República Francesa e a Air France contestaram a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

400.
    Quanto às «locações molhadas» e ao prolongamento das linhas existentes, verifica-se que a Comissão declarou, no Tribunal, que estes dois tipos de medidas estavam abrangidas pela condição n.° 11. As recorrentes ouviram esta interpretação e não a contestaram.

401.
    No que se refere à Air Inter, basta lembrar que o comportamento desta companhia, independente da Air France durante a fase da reestruturação, não tem pertinência no presente contexto, tanto mais quanto as alegações sobre a transferência de linhas entre a Air France e a Air Inter se baseiam num artigo de imprensa que data de um período posterior à data de adopção da decisão impugnada.

402.
    Quanto à exclusão das linhas domésticas francesas, bem como das linhas entre Estados do EEE que não a França, basta lembrar que a Comissão podia legitimamente considerar que o impacto económico destas linhas era insignificante, de modo que pode ser ignorado no presente contexto (v. supra, n.° 370).

403.
    No que se refere à possibilidade, para a Air France, de abrir novas linhas e de encerrar outras, respeitando o número máximo de 89 linhas, a Comissão declarou, com razão, no Tribunal, que não podia ter a intenção de impedir a Air France de reagir à procura no mercado, desde que o conjunto das condições de autorização fosse respeitado. Com efeito, a execução do plano de reestruturação destinado a restaurar a viabilidade financeira e a competitividade da Air France ficaria comprometida sem essa flexibilidade.

404.
    Finalmente, relativamente à alegação de que a Air France só explorava 64 linhas no EEE em Maio de 1994, de modo que o facto de a Comissão ter aceitado uma rede de 89 linhas autorizaria a Air France a abrir 25 linhas suplementares, o Tribunal entende que a Comissão não excedeu os limites do seu vasto poder de apreciação ao basear-se no número de linhas exploradas pela Air France em 1993, tal como limitou, pelas condições de autorização n.os 8 e 12, a oferta respectiva da Air France e da Air Charter ao nível atingido em 1993.

405.
    De onde se conclui que as alegações dirigidas contra a condição de autorização n.° 11 não merecem acolhimento.

i) Quanto à condição de autorização n.° 12

406.
    Deve recordar-se que esta condição obriga as autoridades francesas a assegurar que «durante a vigência do plano, a oferta da Air Charter será limitada aos níveis de 1993 (3 047 lugares e 17 aviões), com a possibilidade de um aumento anual correspondente à taxa de crescimento do mercado.»

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

407.
    As recorrentes sustentam que a limitação da oferta da Air Charter não é eficaz. A Air Charter não seria uma transportadora aérea mas mais exactamente uma agência comercial cuja actividade é afretar charters para os organizadores de viagens. Ora, dos 17 aviões explorados pela Air Charter em 1993, só oito pertenciam ao grupo Air France, sendo os nove restantes alugados. Os contratos de locação expirariam durante o ano de 1995. A limitação da oferta teria sido proposta pelas autoridades francesas e aceite pela Comissão numa altura em que a Air Charter já tinha informado os locadores de que não iria renovar os seus contratos de locação. A Air Charter ficaria, assim, autorizada a introduzir até nove aviões de substituição na sua frota e portanto, potencialmente, a aumentar a sua capacidade de 20 a 25% num mercado já altamente competitivo. Os locadores, que recuperam nove aviões serão necessariamente concorrentes da Air Charter que, como beneficiária do auxílio, poderia alugar os seus aviões aos organizadores de viagens a preços artificialmente baixos.

408.
    Acrescentam que o Projecto não prevê medidas de reestruturação da Air Charter e que esta receberá, apesar disso, uma parte do auxílio. Em consequência, a limitação da oferta teria constituído um convite a uma sociedade subsidiada pelo Estado, não sujeita a medidas de reestruturação, para utilizar o auxílio duplicando a sua frota ou, pelo menos, para aumentar a sua oferta no mercado dos charters franceses.

409.
    O Reino Unido considera que a Air France ou a Air Charter deveriam ter assumido o compromisso de que a Air Charter só adquiriria o número de aparelhos necessários para substituição da capacidade perdida na sequência da não prorrogação dos contratos de locação.

410.
    A Comissão, a República Francesa e a Air France contestaram a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

411.
    Quanto ao risco de ver a Air Charter praticar preços artificialmente baixos, basta lembrar que a companhia, controlada pela Air France em mais de 50%, está obrigada a respeitar a condição de autorização n.° 9, que lhe proíbe a oferta de tarifas inferiores às praticadas pelas suas concorrentes por uma oferta equivalente. Em consequência, a Comissão podia legitimamente considerar que a Air Charter iria gerir a sua oferta, como qualquer outra empresa comercial, em função exclusivamente das necessidades do mercado.

412.
    Há que reconhecer, a seguir, que a condição n.° 12, ao proibir qualquer acréscimo da oferta da Air Charter para além do nível de 1993, salvo crescimento do mercado, não tem como efeito autorizar a duplicação da frota explorada pela companhia. Como a Comissão sublinhou no Tribunal, nada a obrigava a impor à Air Charter nem a renovação dos contratos de locação que tinha acabado de rescindir por razões comerciais e financeiras, nem que se abstivesse de substituir

os aviões cujos contratos de locação iam expirar, o que teria penalizado a Air Charter, através da redução em mais de 50% da sua frota operacional.

413.
    Quanto à afirmação de que a Air Charter receberia uma parte do auxílio, embora o Projecto não preveja nenhuma medida de reestruturação da companhia, basta verificar que o plano de reestruturação da Air France integra efectivamente o sector charter do grupo Air France (p. 22 do plano) e que, de qualquer modo, a condição de autorização n.° 6 proíbe a utilização do auxílio para quaisquer fins que não os da reestruturação.

414.
    Em consequência, as alegações dirigidas contra a condição de autorização n.° 12 devem ser rejeitadas.

j) Quanto à condição de autorização n.° 13

415.
    Recorde-se que esta condição impõe às autoridades francesas que garantam que «qualquer cedência de bens e prestações de serviços da Air France a favor da Air Charter será feita aos preços do mercado.»

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

416.
    As recorrentes consideram esta condição ineficaz. Por um lado, seria impossível pô-la em prática, porque o conceito de «preços do mercado» é impreciso e porque exige que a Air France trate uma das suas filiais — cujo presidente foi nomeado director das operações francesas da Air France — como não lhe estando associada, embora concedendo-lhe simultaneamente uma parte do auxílio. De resto, esta condição não se destinaria a controlar a venda de bens e a prestação de serviços da Air Charter à Air France. Estas não teriam assim que reflectir os preços do mercado.

417.
    A Comissão contesta a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

418.
    Na parte em que se limitam a pôr em causa a possibilidade de aplicação eficaz da condição n.° 13, estas alegações devem ser afastadas do presente contexto (v. supra, n.° 292).

419.
    Na parte em que se sublinha que esta condição não visa nem a venda de bens nem a prestação de serviços da Air Charter à Air France, verifica-se que a Comissão declarou no Tribunal, sem ter sido contestada, que a Air Charter não fornecia bens ou serviços importantes à Air France. Por outro lado, as recorrentes no processo T-371/94 admitiram elas próprias, no quadro da condição de autorização n.° 12, que a Air Charter não era uma transportadora aérea, mas sim uma agência comercial cuja actividade consistia no afretamento de charters para os organizadores de

viagens e que dispunha de um efectivo de cerca de 40 empregados, sem mecânicos nem pessoal navegante (n.° 234 da petição no processo T-371/94). Nestas circunstâncias, a Comissão podia legitimamente ignorar o impacto económico dessas cessões ou prestações de serviços.

420.
    De onde se conclui que as alegações dirigidas contra a condição de autorização n.° 13 não podem ser acolhidas.

k) Quanto às condições de autorização n.os 15 e 16

421.
    Recorde-se que estas condições obrigam as autoridades francesas a

—«prosseguir(...), nos melhores prazos e em cooperação com a empresa dos aeroportos de Paris, a alteração das regras de distribuição do tráfego aplicáveis ao sistema de aeroportos de Paris, em conformidade com a decisão da Comissão de 27 de Abril de 1994 relativa à abertura da ligação Orly-Londres» e

—«[a] velar por que os trabalhos necessários à renovação dos dois terminais do aeroporto de Orly efectuados pela empresa dos aeroportos de Paris, bem como uma eventual saturação de um dos referidos terminais, não afecte as condições de concorrência em detrimento das transportadoras aéreas que os utilizam.»

Exposição sumária da argumentação das recorrentes

422.
    As recorrentes alegam que a condição n.° 15 mais não foi do que um simulacro, dado que as autoridades francesas não têm, manifestamente, como intenção respeitar a decisão de 27 de Abril de 1994, como o prova a adopção, logo em Maio de 1994, das regras de atribuição dos direitos de tráfego no interior do sistema aeroportuário de Paris, em flagrante violação da legislação comunitária. Acrescentam que, enquanto a decisão impugnada autorizava a Air France a receber a primeira parcela do auxílio imediatamente, a condição n.° 15 exigia que a vantagem concorrencial da Air France resultante das regras de distribuição do tráfego no sistema aeroportuário parisiense fosse suprimida num momento que é definido apenas como «nos melhores prazos».

423.
    Sublinham o carácter ilusório da condição n.° 16, que teria sido infringida antes mesmo de ter sido imposta, em função de condições discriminatórias que regulam a transferência de todas as companhias francesas que não pertencem ao grupo Air France de Orly Ouest para Orly Sud e da reunião da Air France e da Air Inter em Orly Ouest, condições essas fixadas antes da adopção da decisão. Com efeito, a empresa dos aeroportos de Paris e a Air France estariam ambas sob a tutela do ministro dos transportes. Ora, estas ligações orgânicas seriam contrárias às disposições conjugadas dos artigos 90.° e 86.° do Tratado, pelo risco inerente de discriminação daí resultante. O projecto de renovação dos terminais de Orly teria sido concebido de modo a tornar a instituição de novos serviços pelos concorrentes da Air Inter a partir de Orly Sud difícil e dispendiosa. Em consequência, só uma

modificação radical do plano teria permitido evitar a discriminação dos concorrentes da Air France.

424.
    De um modo geral, sustentam, a respeito destas condições, que um compromisso cujo objectivo é a observância da legislação não pode considerar-se uma contrapartida adequada aos efeitos secundários do auxílio, uma vez que as autoridades francesas estão, de qualquer modo, obrigadas a cumprir a lei.

425.
    A Comissão contesta a procedência destas alegações.

Apreciação do Tribunal

426.
    Há que reconhecer que as críticas contra as condições n.os 15 e 16 se limitam a sublinhar tanto a ineficácia como a inutilidade destas condições. Basta, pois, lembrar, por um lado, que as alegações destinadas a pôr em causa a possibilidade de aplicação eficaz de uma condição de autorização do auxílio devem ser afastadas do presente contexto (v. supra, n.° 292). e, por outro, que, admitindo que as autoridades francesas já estivessem vinculadas, por força de outras disposições do direito comunitário, a cumprir as obrigações que constam das condições de autorização n.os 15 e 16, a utilidade destas condições consiste em permitir à Comissão que se dirija imediatamente ao Tribunal, sem necessidade de dar início previamente a um procedimento administrativo (v. supra, n.° 348).

427.
    Em consequência, as alegações dirigidas contra as condições de autorização n.os 15 e 16 devem ser rejeitadas.

428.
    Não tendo merecido acolhimento nenhuma das críticas contra as condições de autorização, há que rejeitar definitivamente o fundamento baseado no carácter errado do método escolhido pela Comissão para examinar o impacto do auxílio sobre o interesse comum (v. supra, n.os 295 e 296).

429.
    Resulta de quanto precede que, sem prejuízo do que ficou dito nos n.os 238 a 280 supra, devem ser rejeitados todos os argumentos baseados em erros alegadamente cometidos pela Comissão, ao considerar que o auxílio se destinava a facilitar o desenvolvimento de uma determinada actividade económica, sem alterar as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum. Nesta medida, as recorrentes e os intervenientes em apoio dos seus pedidos puderam defender os seus direitos, e o Tribunal pôde exercer o seu controlo jurisdicional. Em consequência, e salvo no que diz respeito à avaliação dos efeitos do auxílio sobre a situação concorrencial da Air France na sua rede de ligações fora do EEE e no tráfego aéreo de afluência correspondente, a decisão impugnada é, deste ponto de vista, conforme às exigências do artigo 190.° do Tratado, de modo que o fundamento baseado em insuficiência de fundamentação deve ser rejeitado.

Quanto às acusações baseadas em erros alegadamente cometidos pela Comissão ao considerar que o plano de reestruturação era susceptível de restabelecer a viabilidade económica da Air France

Quanto à alegada insuficiência geral do plano de reestruturação

— Exposição sumária da argumentação das partes

430.
    As recorrentes e os intervenientes em apoio das suas conclusões criticam, de um modo geral, a insuficiência e a imprecisão do plano de reestruturação. Neste quadro, a recorrente no processo T-394/94 sustenta que a Comissão não indicou, de modo adequado, na decisão impugnada, em que medida é que o auxílio era necessário ao financiamento das propostas vagas e inadequadas constantes do plano e critica-a por não ter insistido na obtenção de um plano com detalhes precisos quanto às medidas necessárias para restaurar a viabilidade da Air France. As recorrentes nos dois processos acusam a Comissão de ter descurado dotar a decisão impugnada de fundamentação suficiente, pelo facto de não ter tido em conta as observações apresentadas por terceiros interessados durante o procedimento administrativo.

431.
    A Comissão considera, ao invés, que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada quanto a este aspecto. Quanto ao fundo, afirma que avaliou a coerência e a eficácia do plano de reestruturação intrinsecamente considerado, sem cometer erros de apreciação ou de direito.

— Apreciação do Tribunal

432.
    O Tribunal deve verificar, em primeiro lugar, se a decisão impugnada contém fundamentação suficiente relativamente ao plano de reestruturação elaborado e apresentado pela Air France, e isso tendo em conta, designadamente, as críticas essenciais que os interessados formularam durante o procedimento administrativo (v. supra, n.° 96).

433.
    A este propósito, verifica-se que as partes declararam, durante o procedimento administrativo, que o plano de reestruturação, pelo seu carácter inadequado, insuficiente e demasiado vago, não era susceptível de restaurar a viabilidade da Air France. Seria ainda menos rigoroso que o plano anterior, o «PRE 2» que já teria sido considerado, em Agosto de 1992, insuficiente. Não representaria o que seria necessário à Air France mas apenas o que é aceitável para a França, tendo o «PRE 2», mais estrito do que o plano controvertido, sido retirado na sequência do protesto social. Por outro lado, a Comissão deveria ter em conta, neste contexto, o conjunto dos planos de reestruturação lançados pela Air France anteriormente e que teriam falhado todos em função da sua situação política e do poder dos sindicatos.

434.
    As partes interessadas sublinharam que o plano de reestruturação não teria qualquer possibilidade de sucesso se não fosse possível despedir os efectivos excedentários, reduzir os salários e impor ao pessoal uma melhoria da produtividade. Ora, a única maneira realista de reduzir os custos da Air France, isto é, através de um aumento da produtividade do seu pessoal, estaria prevista numa base voluntária. Seria, assim, altamente improvável que a melhoria da produtividade esperada de 30% fosse atingida. O plano não preconizaria nenhuma redução das prerrogativas adquiridas dos trabalhadores da Air France. Só previria a redução de 5 000 postos de trabalho em três anos, enquanto a Lufthansa suprimiu 8 000 em dois anos e a British Airways, 4 000 num ano. Além disso, o plano não teria em conta a crise de sobrecapacidade no sector comunitário do transporte aéreo; faria mesmo parte das previsões do plano um aumento da frota e das capacidades.

435.
    Acrescentaram que o montante de 20 mil milhões de FF previstos no plano como auxílio do Estado não era claro. Remetendo para um artigo de imprensa, indicaram que havia indícios de falta de clareza na contabilidade da Air France. A Comissão deveria estar atenta a que as contas da Air France não escondessem nada a este respeito. Por outro lado, o presidente da Air France teria declarado em Fevereiro de 1994, num artigo de imprensa, que a companhia deveria obter 8 mil milhões de FF no final do mês de Março; no contexto do PRE 2, teria sido discutido um montante de 5 mil milhões de FF.

436.
    Por último, alegaram que o plano de reestruturação não mencionava nunca o grupo Air France e não impunha qualquer restrição à totalidade do grupo. Só diria respeito à Air France e não divulgaria as intenções do grupo relativamente à Air Inter. Ora, a Air Inter teria igualmente que ser reestruturada. A Comissão deveria, portanto, exigir que o plano cobrisse igualmente as operações da Air Inter e da Air Charter.

437.
    Relativamente a estas observações, o Tribunal lembra que, na decisão impugnada, a Comissão faz o historial dos diferentes planos de reestruturação adoptados pela Air France para afrontar os seus problemas financeiros. Assim, em Setembro de 1991, a Air France teria adoptado um primeiro plano de reestruturação («CAP'93»), que previa designadamente uma entrada de capital de 5,8 mil milhões de FF. Em Outubro de 1992, depois de verificar que havia uma nova deterioração da sua situação financeira, o grupo Air France teria adoptado um segundo plano de reestruturação («PRE 1») que, nos primeiros meses de 1993, se teria, no entanto, revelado inapto a sanear a situação do grupo e que teria, por isso, sido abandonado. Em Setembro de 1993, um terceiro plano («PRE 2») teria sido lançado e depois, por ter sido rejeitado pelos sindicatos, retirado em proveito do Projecto (JO, p. 74). Quanto ao plano de reestruturação ora em discussão, a Comissão refere que este foi elaborado pela Air France com base num documento elaborado por um consultor, Lazard Frères, que fixou igualmente o montante da recapitalização necessária ao saneamento da estrutura financeira e à rentabilidade

da Air France. Explica que o plano, cujo objectivo deveria ser atingido entre 1 de Janeiro de 1994 e 31 de Dezembro de 1996, prevê um aumento da produtividade da Air France de 30% (JO, p. 75).

438.
    A Comissão descreve, a seguir, e precisa «as grandes linhas de orientação do plano», isto é, a redução dos custos e das despesas financeiras (através de uma diminuição dos investimentos, de uma redução dos custos de exploração e de um aumento da produtividade, bem como de uma diminuição dos encargos financeiros), a modificação da concepção dos produtos e a melhor utilização dos meios (designadamente através de iniciativas comerciais e ao nível da frota e da rede), a reorganização da companhia e a participação dos assalariados. A Comissão acrescenta que a execução do plano será financiada por um aumento de capital e pela cessão de activos não associados às actividades principais (JO, pp. 75 e 76).

439.
    Quanto à avaliação da viabilidade do plano de reestruturação, a Comissão considera que o plano reune várias medidas que são testemunho de uma real vontade de reestruturar a companhia. Reconhece, em particular, a amplitude dos esforços desenvolvidos na esfera social (estagnação dos salários, bloqueio das promoções, melhor utilização do tempo de trabalho, distribuição de acções gratuitas aos empregados como compensação pelo decréscimo dos salários). O pessoal teria aprovado o plano através de um referendo. Como consequência da sua aprovação pelos sindicatos, a Comissão declara estar convencida de que a parte social do plano pode ser adoptada na íntegra e aplicada com êxito (JO, p. 82).

440.
    A Comissão considera ainda a reestruturação da companhia em centros de lucro, com o intuito de racionalizar o respectivo funcionamento, um dos pontos fortes do plano. Entende que os ganhos de produtividade previstos pelo plano colocarão a Air France na «boa média» das outras transportadoras aéreas, precisando que baseia a sua análise numa comparação dos valores do indicador de eficiência EPKT. Depois de explicar o funcionamento desta unidade de medida, a Comissão verifica que a produtividade da Air France registará um aumento de 33,3 % no período de reestruturação. A ratio a atingir pela Air France em 1996 seria superior à ratio média prevista das sete outras grandes companhias europeias (Lufthansa, British Airways, KLM, Alitalia, Iberia, SAS e Swissair). Em resumo, a Comissão considera que a aplicação correcta do projecto permitirá restabelecer a viabilidade económica e financeira da Air France, tanto mais quanto o Governo francês assumiu o compromisso de que a Air France seria gerida de acordo com princípios comerciais e tratada como uma empresa normal (JO, p. 83).

441.
    O Tribunal entende que esta fundamentação responde adequadamente às observações dos interessados e que demonstra de modo suficiente o raciocínio da Comissão no que se refere aos aspectos gerais do plano de reestruturação. Com efeito demonstra que a Comissão não ignorou os planos de reestruturação anteriores, que não tinham permitido recuperar a situação da Air France. A Comissão refere em particular que o «PRE 2» tinha falhado porque não tinha sido aceite, nem pelo pessoal da Air France nem pelos sindicatos, ao passo que o novo

plano teria obtido essa aprovação. Ora, é evidente que só um plano de reestruturação realizável, mesmo menos rigoroso do que um plano anterior irrealizável, pode ter hipóteses de êxito. Em consequência, a Comissão não estava obrigada a aprofundar a sua fundamentação quanto a este ponto.

442.
    Quanto à questão de saber se as medidas constantes do plano de reestruturação são suficientes para atingir os objectivos de racionalização e de desendividamento prosseguidos, a descrição das medidas previstas e a instituição de dispositivo de controlo que a Comissão pode fazer funcionar nos termos dos artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada bastam para explicar, como fundamentação, que a Comissão, por um lado, acredita na possibilidade da realização do plano de reestruturação em causa e, por outro, se reserva os meios julgados convenientes no caso de essa realização vir a ser comprometida. Com efeito, se as condições enumeradas no artigo 1.° não fossem respeitadas, a Comissão tem a possibilidade de recorrer directamente ao Tribunal, nos termos do artigo 93.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Tratado (v. supra, n.° 348). Além disso, o artigo 2.° prevê que a realização efectiva do plano de reestruturação seja uma condição do pagamento da segunda e terceira parcelas do auxílio.

443.
    Tendo em consideração este enquadramento do plano de reestruturação, a Comissão não estava obrigada a dar explicações específicas sobre a comparação do plano da Air France com os planos de reestruturação de outras companhias aéreas como a Lufthansa ou a British Airways. Com efeito, estes planos diziam respeito a outras companhias, reestruturadas noutras alturas.

444.
    O argumento baseado numa alegada falta de clareza da contabilidade da Air France não é apoiado por nenhum facto. Limita-se a fazer referência a um artigo de jornal, convidando a Comissão a estar atenta a que as contas da Air France nada escondam a este respeito. A Comissão não estava, pois, obrigada a pronunciar-se explicitamente sobre este aspecto, indicando, por exemplo, se tinha ou não seguido o convite.

445.
    Quanto à alegação de que o plano de reestruturação controvertido não podia limitar-se unicamente à companhia Air France, mas deveria abranger outras companhias do grupo, basta salientar que a Comissão não pode impor a um Estado-Membro que estabeleça um plano de reestruturação de uma sociedade que, segundo esse Estado, não precisa de ser reestruturada. A questão de saber se e em que medida a Comissão, ao examinar e autorizar um plano que visa a reestruturação de uma sociedade parte de um grupo, deve eventualmente ter em consideração outras sociedades do grupo não é, porém, pertinente para a fundamentação da decisão impugnada, no que respeita ao carácter suficiente do plano de reestruturação em causa, que se limita à companhia Air France. As questões relativas à implicação do grupo na sua totalidade foram abordadas supra num contexto diferente (n.os 298 a 324). O mesmo se diga quanto à questão

específica das capacidades da Air France que foi, também esta, objecto de um exame específico supra (n.os 357 a 373).

446.
    De onde se conclui que a fundamentação desta parte da decisão deve ser considerada conforme às exigências do artigo 190.° do Tratado.

447.
    Quanto às acusações baseadas, de um modo geral, em insuficiência e imprecisão do plano de reestruturação, basta recordar que a Comissão dispõe de um largo poder discricionário na avaliação dos planos de reestruturação de empresas em situação económica e financeira difícil, incidindo frequentemente esta avaliação em dados confidenciais não acessíveis a concorrentes das empresas em causa. Em consequência, só perante um erro particularmente manifesto e grava da Comissão na apreciação desses planos, é que o Tribunal pode censurar a autorização de um auxílio destinado a financiar essa reestruturação. Ora, no caso em apreço, a existência de um erro dessa natureza não foi demonstrada. O Tribunal recorda, no entanto, que não pôde analisar os objectivos de produtividade a atingir pela Air France especificamente em relação às suas linhas aéreas fora do EEE, visto que a decisão impugnada padece do vício de falta de fundamentação quanto a este aspecto (v. supra, n.° 280).

448.
    Com esta última ressalva, as alegações dirigidas contra a aprovação, pela Comissão, do plano de reestruturação da Air France são julgadas improcedentes.

449.
    Nestas circunstâncias, as alegações das recorrentes no processo T-371/94 a respeito do facto de este plano se destinar, na realidade, não a restabelecer a viabilidade da Air France, mas a satisfazer objectivos governamentais, não têm fundamento nem de facto nem em direito.

Quanto às outras acusações

450.
    Verifica-se que as recorrentes e os intervenientes em apoio dos seus pedidos alegam que o plano de reestruturação da Air France exclui, erradamente, a tomada em consideração da companhia Air Inter, a venda pela Air France de um máximo de activos não aéreos e a redução global das capacidades. Este plano seria, além disso, largamente baseado no indicador EPKT destinado a medir a produtividade da Air France, embora esta unidade de medida seja inadequada para esse fim. Por outro lado, as medidas previstas pelo plano de reestruturação da Air France seriam muito menos severas do que as aplicadas por outras companhias aéreas.

451.
    A este propósito, basta remeter para o que foi dito acima, no quadro do exame de outras alegações, para concluir que nenhuma destas acusações contra o plano de reestruturação da Air France merece acolhimento.

452.
    Quanto à alegação das recorrentes e dos intervenientes em apoio destas de que a Comissão teria errado ao autorizar a compra de 17 novos aviões, como um elemento do plano de reestruturação, o Tribunal lembra que não está em

condições de examinar este fundamento, dada a falta de fundamentação sobre o financiamento deste investimento e sobre a sua natureza jurídica.

III — Quanto ao fundamento baseado em violação do artigo 151.° do Tratado

453.
    Quanto à alegação da recorrente no processo T-394/94 de que a Comissão, ao não aplicar correctamente os artigos 92.° e 93.° do Tratado, infringiu igualmente o artigo 155.° do mesmo Tratado, verifica-se que a análise de mérito dos fundamentos invocados pelas recorrentes e pelos intervenientes em apoio destas não revelou qualquer erro de apreciação ou de direito na aplicação dos artigos 92.° e 93.° Por outro lado, o artigo 155.° do Tratado tem por objecto fixar, de um modo geral, as competências da Comissão. Não se pode, assim, pretender que, sempre que a Comissão viola uma disposição específica do Tratado, essa violação implica a violação da disposição geral do artigo 155.° De onde resulta que este fundamento deve, em qualquer caso, ser rejeitado.

IV — Conclusões

454.
    A análise do conjunto dos fundamentos invocados nos presentes processos revelou que a decisão padece de um vício de falta de fundamentação em dois pontos, relativos, respectivamente, à compra de 17 novos aviões que representa um montante de 11,5 mil milhões de FF (v. supra, n.os 84 a 120) e à situação concorrencial da Air France na rede de linhas fora do EEE com o correspondente tráfego aéreo de afluência (v. supra, n.os 238 a 280). O Tribunal considera que estes dois pontos são de uma importância crucial na economia geral da decisão impugnada. Em consequência, a decisão deve ser anulada. Nestas condições, não é necessário decidir sobre o pedido da recorrente no processo T-394/94 de exigir a apresentação de todos os dossiers e documentos pertinentes na posse da Comissão.

Quanto às despesas

455.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a Comissão sido vencida, e tendo as recorrentes, bem como as intervenientes Maersk apresentado o correspondente pedido, há que condenar a Comissão nas despesas.

456.
    Nos termos do n.° 4 do artigo 87.°, do Regulamento de Processo, a República Francesa, o Reino da Dinamarca, o Reino Unido, o Reino da Suécia, o Reino da Noruega e a Air France suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada),

decide:

1.
    Os processos T-371/94 e T-394/94 são apensos para efeitos do acórdão.

2.
    A decisão 94/653/CE da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa ao aumento de capital notificado da Air France, é anulada.

3.
    A Comissão é condenada nas despesas, incluindo as das intervenientes Maersk I/S e Maersk Air Ltd.

4.
    A Compagnie nationale Air France, a República Francesa, o Reino da Dinamarca, o Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte, o Reino da Suécia e o Reino da Noruega suportarão as suas próprias despesas.

Bellamy                Lenaerts                    Briët

        Kalogeropoulos                Potocki

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Junho de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Kalogeropoulos

Índice

     Matéria de facto subjacente aos recursos e tramitação processual

II - 4

         Procedimento administrativo

II - 4

         A decisão impugnada

II - 5

         Tramitações processuais

II - 9

     Pedidos das partes

II - 10

     Quanto ao mérito

II - 11

         I —    Quanto aos fundamentos baseados num desenvolvimento incorrecto do procedimento administrativo

II - 12

             Exposição sumária da argumentação das partes

II - 12

             Apreciação do Tribunal

II - 16

                 Generalidades

II - 16

                 A comunicação de 3 de Junho de 1994

II - 18

                 O prazo para exame do processo

II - 19

                 Os peritos externos

II - 20

                 O erro de tradução

II - 20

                 A participação dos outros Estados-Membros

II - 21

                 Conclusões

II - 21

         II — Quanto aos fundamentos baseados em erros de apreciação e em erros de direito cometidos pela Comissão em violação dos artigo 92, n.° 3, alínea c), do Tratado e 61.°, n.° 3, alínea c), do Acordo EEE

II - 21

             Generalidades

II - 21

             Quanto às acusações baseadas em violação do princípio da proporcionalidade aplicável em matéria de auxílios do Estado

II - 23

             A — Quanto à acusação de que a Comissão teria erradamente autorizado a compra, pela Air France, de 17 novos aviões

II - 23

                 Exposição sumária da argumentação das partes

II - 23

                 Apreciação do Tribunal

II - 24

             B — Quanto à acusação de que a Comissão teria erradamente autorizado o financiamento de despesas de exploração e de medidas operacionais da Air France

II - 32

                 Exposição sumária da argumentação das partes

II - 32

                 Apreciação do Tribunal

II - 35

             C — Quanto à acusação baseada numa classificação errada dos títulos emitidos pela Air France entre 1989 e 1993

II - 37

                 Exposição sumária da argumentação das partes

II - 37

                 Apreciação do Tribunal

II - 40

             D — Quanto à acusação baseada em ignorância da ratio de endividamento da Air France

II - 43

                 Exposição sumária da argumentação das partes

II - 43

                 Apreciação do Tribunal

II - 45

             E — Quanto à acusação de que a Comissão se teria abstido erradamente de exigir a venda de activos da Air France susceptíveis de serem alienados

II - 47

                 Exposição sumária da argumentação das partes

II - 48

                 Apreciação do Tribunal

II - 53

         Quanto às acusações baseadas em erros alegadamente cometidos pela Comissão por considerar que o auxílio se destina a facilitar o desenvolvimento de uma determinada actividade económica, sem alterar as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum

II - 60

             A — Quanto à acusação baseada na alegada errada autorização da Comissão a um auxílio destinado a desenvolver não uma determinada actividade económica mas uma empresa determinada

II - 60

                 Breve resumo da argumentação das partes

II - 60

                 Apreciação do Tribunal

II - 60

             B — Quanto à acusação baseada no facto de a Comissão ter alegadamente errado ao autorizar um auxílio que altera as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum

II - 61

                 Breve resumo da argumentação das partes

II - 61

                 Apreciação do Tribunal

II - 67

                     1. Quanto à fundamentação

II - 67

                     2. Quanto à procedência

II - 74

                     a) Quanto à condição de autorização n.° 1

II - 77

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 78

                     Apreciação do Tribunal

II - 81

                     b) Quanto à condição de autorização n.° 3

II - 84

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 84

                     Apreciação do Tribunal

II - 86

                     c) Quanto à condição de autorização n.° 6

II - 89

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 89

                     Apreciação do Tribunal

II - 89

                     d) Quanto à condição de autorização n.° 7

II - 90

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 90

                     Apreciação do Tribunal

II - 91

                     e) Quanto à condição de autorização n.° 8

II - 91

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 91

                     Apreciação do Tribunal

II - 93

                     f) Quanto à condição de autorização n.° 9

II - 96

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 96

                     Apreciação do Tribunal

II - 97

                     g) Quanto à condição de autorização n.° 10

II - 98

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 98

                     Apreciação do Tribunal

II - 99

                     h) Quanto à condição de autorização n.° 11

II - 100

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 100

                     Apreciação do Tribunal

II - 100

                     i) Quanto à condição de autorização n.° 12

II - 101

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 101

                     Apreciação do Tribunal

II - 102

                     j) Quanto à condição de autorização n.° 13

II - 103

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 103

                     Apreciação do Tribunal

II - 103

                     k) Quanto às condições de autorização n.os 15 e 16

II - 104

                     Exposição sumária da argumentação das recorrentes

II - 104

                     Apreciação do Tribunal

II - 105

         Quanto às acusações baseadas em erros alegadamente cometidos pela Comissão ao considerar que o plano de reestruturação era susceptível de restabelecer a viabilidade económica da Air France

II - 106

             Quanto à alegada insuficiência geral do plano de reestruturação

II - 106

                 — Exposição sumária da argumentação das partes

II - 106

                 — Apreciação do Tribunal

II - 106

             Quanto às outras acusações

II - 110

         III — Quanto ao fundamento baseado em violação do artigo 151.° do Tratado

II - 111

         IV — Conclusões

II - 111

     Quanto às despesas

II - 111


1: Língua do processo: inglês.