Language of document : ECLI:EU:C:2018:40

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 25 de janeiro de 2018 (1) (i)

Processo C‑160/17

Raoul Thybaut,

Johnny De Coster,

Frédéric Romain

contra

Région wallonne

Intervenientes:

Commune d’Orp‑Jauche,

Bodymat SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica)]

«Pedido de decisão prejudicial — Ambiente — Diretiva 2001/42/CE — Avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente — Planos e programas — Definição — Zona de emparcelamento urbano — Facilitação da introdução de desvios às diretrizes de ordenamento do território»






I.      Introdução

1.        O binómio «Planos e programas» tem importância central para a determinação do âmbito de aplicação da Diretiva 2001/42/CE, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (2) (a seguir «Diretiva AAE»; «AAE» significa avaliação ambiental estratégica). Embora o Tribunal de Justiça tenha, recentemente, precisado a interpretação desta expressão (3), continua a haver questões que carecem de resposta neste contexto, como mostra o processo Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑671/16), em que também hoje apresento conclusões.

2.        No presente processo de reenvio prejudicial, há, assim, que esclarecer se o simples estabelecimento, pelo Governo da Valónia, de uma «zona de emparcelamento urbano» deve ser tida como plano ou programa e se, consequentemente, poderá carecer de avaliação ambiental. Esse estabelecimento limita‑se à definição do perímetro da zona, mas facilita, sobretudo, a introdução de desvios, dentro dessa zona, às diretrizes constantes de determinadas medidas de ordenamento do território já existentes.

3.        Por isso, o Tribunal de Justiça é, simultaneamente, chamado a debruçar‑se sobre a sua jurisprudência segundo a qual a revogação de planos e programas pode, por sua vez, carecer de avaliação ambiental, enquanto plano ou programa (4).

4.        Na resposta a este pedido de decisão prejudicial, haverá, por último, que ter em conta que a necessidade de uma avaliação ambiental estratégica também depende de saber que tipo de projetos está abrangido pelo competente ato jurídico. Isto porque a Diretiva AAE prevê a avaliação ambiental não só se o plano ou programa estabelecer um enquadramento para projetos sujeitos à Diretiva 2011/92/UE (a seguir «Diretiva AIE») (5) [artigo 3.o, n.o 2, alínea a)] mas também se for estabelecido um enquadramento para outros projetos que sejam suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente (artigo 3.o, n.o 4) e ainda para planos e programas sujeitos a avaliação especial nos termos do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 94/43/CEE (6) [artigo 3.o, n.o 2, alínea b)].

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        Os objetivos da Diretiva AAE resultam, em especial, do seu artigo 1.o:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer um nível elevado de proteção do ambiente e contribuir para a integração das considerações ambientais na preparação e aprovação de planos e programas, com vista a promover um desenvolvimento sustentável. Para tal, visa garantir que determinados planos e programas, suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, sejam sujeitos a uma avaliação ambiental em conformidade com o nela disposto.»

6.        Os planos e programas são definidos pelo artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Planos e programas”, qualquer plano ou programa, incluindo os cofinanciados pela Comunidade Europeia, bem como as respetivas alterações, que:

–        seja sujeito a preparação e/ou aprovação por uma autoridade a nível nacional, regional [ou] local, ou que seja preparado por uma autoridade para aprovação, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo, e

–        seja exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas».

7.        Para o processo principal tem interesse, em especial, a obrigação de proceder a uma avaliação ambiental estratégica nos termos do artigo 3.o, n.os 2, 4 e 5 da Diretiva AAE:

«2.      Sob reserva do disposto no n.o 3, deve ser efetuada uma avaliação ambiental de todos os planos e programas:

a)      Que tenham sido preparados para a agricultura, silvicultura, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos, e que constituam enquadramento para a futura aprovação dos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva 85/337/CEE […]

b)      Em relação aos quais, atendendo aos seus eventuais efeitos em sítios protegidos, tenha sido determinado que é necessária uma avaliação nos termos dos artigos 6.o ou 7.o da Diretiva 92/43/CEE.

[…]

4.      Os Estados‑Membros devem determinar se os planos e programas que não os referidos no n.o 2 que constituam enquadramento para a futura aprovação de projetos, são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

5.      Os Estados‑Membros devem determinar se os planos ou programas referidos nos n.os 3 e 4 são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, quer por uma investigação caso a caso, quer pela especificação de tipos de planos e programas, quer por uma combinação de ambas as metodologias. Para esse efeito, os Estados‑Membros terão sempre em consideração os critérios pertinentes definidos no anexo II, a fim de garantir que os planos e programas com eventuais efeitos significativos sobre o ambiente sejam abrangidos pela presente diretiva.»

B.      Direito nacional

8.        No artigo 127.° do Código do Ordenamento do Território, do Urbanismo e do Património valão, há normas sobre a relação entre uma zona de emparcelamento urbano e a licença de urbanização:

«§ 1. Por derrogação dos artigos 88.o, 89.o, 107.o e 109.o, a licença [de urbanização] é emitida pelo Governo […]:

[…]

8o quando diga respeito a atos e obras localizados numa zona de emparcelamento urbano;

a zona é decretada pelo Governo; […] a zona visa qualquer projeto de urbanismo de requalificação e de desenvolvimento de funções urbanas que necessitem da criação, modificação, ampliação, supressão ou elevação da via terrestre e dos espaços públicos;

[…]

§ 3. […] a licença pode ser concedida em desvio do plano de setor, de um plano municipal de ordenamento, de um regulamento municipal de urbanismo ou de um plano de alinhamento.»

9.        O artigo 181.o do Código do Ordenamento do Território, do Urbanismo e do Património valão permite a expropriação, por utilidade pública, de bens imóveis numa zona de emparcelamento urbano:

«O Governo pode declarar a expropriação por utilidade pública de bens imóveis compreendidos:

[…]

5o numa zona de emparcelamento urbano.»

III. Tramitação processual e pedido de decisão prejudicial

10.      Raoul Thybaut e o. interpuseram no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) um recurso de anulação do Decreto do Governo da Valónia, de 3 de maio de 2012, que define, na aldeia de Orp‑Jauche (Brabante da Valónia, Bélgica), uma «zona de emparcelamento urbano» com uma superfície de mais de 4 hectares que atualmente compreende, em especial, os hangares da antiga fábrica de equipamentos agrícolas Ed. de Saint‑Hubert.

11.      Os projetos localizados nessa zona beneficiam, no essencial, de um procedimento simplificado de emissão de licenças de urbanização, que pode derrogar as normas urbanísticas em vigor, e de um procedimento simplificado de expropriação, em que se presume a utilidade pública. Além disso, o município deixa de ter competência para emitir a licença de urbanização, competência essa que passa para o Governo da Valónia.

12.      O pedido de «zona de emparcelamento urbano» deve ser acompanhado de um «projeto urbanístico» concreto (demolição e construção de edifícios, remodelação das vias públicas, de espaços abertos, etc.), o qual será, se for caso disso, objeto de uma licença de urbanização posterior distinta. Porém, uma vez que a zona de emparcelamento urbano tem valor regulamentar sem limitação temporal, qualquer projeto futuro, ainda que não associado ao projeto urbanístico inicial concreto, irá beneficiar dos procedimentos simplificados.

13.      No caso em apreço, «a zona de emparcelamento urbano» foi solicitada pela sociedade anónima Bodymat, que pretende «reestruturar os edifícios industriais em torno de um estabelecimento de bricolage, de um estabelecimento alimentar e de outros pequenos estabelecimentos complementares […] [bem como] de habitações […] [e] de novas vias públicas, ligadas à rede existente».

14.      Um gabinete de estudos e consultoria em matéria de ambiente realizou um estudo do impacto ambiental do projeto de urbanização da Bodymat.

15.      Os recorrentes no processo principal são particulares que habitam nas proximidades da zona de emparcelamento urbano. Invocam a Diretiva AAE e sustentam que o estudo realizado no caso em apreço não cumpre os requisitos dessa diretiva, pois é incompleto, errado e irregular.

16.      O Governo da Valónia considera que não é a zona de emparcelamento urbano que exige uma avaliação ambiental, mas sim o projeto urbanístico. No caso em apreço, o projeto urbanístico é acompanhado de uma avaliação ambiental. A autoridade administrativa considerou, com razão, que esta avaliação é completa e adequada a providenciar os elementos necessários para decidir sobre o pedido.

17.      Após ter submetido ao Tribunal Constitucional belga um pedido de decisão prejudicial sobre a compatibilidade das normas sobre zonas de emparcelamento urbano com a Constituição belga, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) submete agora a seguinte questão ao Tribunal de Justiça:

«Deve o artigo 2.o, alínea a), da [Diretiva AAE] ser interpretado no sentido de que integra no conceito de plano ou de programa uma zona prevista por uma disposição de natureza legislativa e aprovada por uma autoridade regional:

–        que tem como único objeto determinar os limites de uma zona geográfica em que seja possível realizar um projeto urbanístico, entendendo‑se que este projeto, que deve prosseguir um objetivo determinado — neste caso, ter por objeto a requalificação e o desenvolvimento de funções urbanas e que imponha a criação, a modificação, a ampliação, a supressão ou a elevação da via terrestre e dos espaços públicos —, fundamenta a aprovação da zona, o que implica por conseguinte a aceitação de princípio do referido projeto, mas que deve ser ainda objeto de licenças que necessitam de uma avaliação de impacto; e

–        que tem como efeito, do ponto de vista procedimental, fazer beneficiar os pedidos de licença para atos ou obras localizados nesta zona de um procedimento derrogatório, entendendo‑se que as normas urbanísticas aplicáveis aos solos envolvidos antes da aprovação da zona devem continuar a ser aplicadas, mas que o benefício deste procedimento pode permitir obter mais facilmente uma derrogação a estas normas;

–        e que beneficia de uma presunção de utilidade pública para a realização de expropriações no âmbito do plano de expropriação anexado?»

18.      R. Thybaut e o., a Bodymat, o Reino da Bélgica e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas e observações orais na audiência de 30 de novembro de 2017, que tinha por objeto quer o presente processo quer também o processo C‑671/16, Inter‑Environnement Bruxelles e o. Além disso, o Reino da Dinamarca também participou nessa audiência.

IV.    Apreciação jurídica

19.      Para responder ao pedido de decisão prejudicial, há que abordar brevemente a «definição» de planos e programas constante do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE e, em seguida, a interpretação deste binómio pelo Tribunal de Justiça.

A.      Quanto à definição do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE

20.      De acordo com o artigo 2.o, alínea), da Diretiva AAE, entende‑se por «[p]lanos e programas» qualquer plano ou programa, bem como as respetivas alterações, primeiro, que seja sujeito a preparação e/ou aprovação por uma autoridade a nível nacional, regional ou local, ou que seja preparado por uma autoridade para aprovação, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo e, segundo, seja exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas.

21.      Da formulação da questão do Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) resulta, desde logo, que, para esse tribunal, estas duas condições são pacíficas. Isto porque, de acordo com esse tribunal, o estabelecimento da zona controvertida é decidido por uma autoridade regional, nomeadamente a Região da Valónia (Bélgica), pelo que é cumprida a primeira condição. No que toca à segunda condição, embora não se vislumbre, de facto, o dever de estabelecer a zona controvertida, basta que uma medida seja regulada por normas legislativas e regulamentares nacionais, que estabelecem as autoridades competentes para a tomar e o procedimento para a sua preparação (7). De acordo com a questão prejudicial, a determinação dessa zona está prevista numa norma legal. E essa norma, o artigo 127.o, § 1, 8o, do Código do Ordenamento do Território, do Urbanismo e do Património valão, também determina as autoridades competentes para tomar a decisão e o procedimento para a sua preparação.

B.      Quanto aos requisitos substantivos dos planos e programas

22.      Na verdade, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) pretende saber se as consequências jurídicas da definição de uma zona de emparcelamento urbano bastam para que essa zona deva ser tida como um plano ou programa na aceção da Diretiva AAE. Esta questão dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de aplicar a uma nova situação a interpretação, que recentemente desenvolveu, do binómio «planos e programas».

23.      Segundo esse acórdão, o binómio «planos e programas» «engloba qualquer ato que, ao definir regras e processos de controlo para o setor em causa, estabelece um conjunto significativo de critérios e modalidades para a autorização e execução de um ou vários projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente» (8).

24.      Sobre esta interpretação, explico nas conclusões que hoje apresentei no processo C‑671/16, Inter‑Environnement Bruxelles, que, quando se analisa se se está perante um plano ou programa na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE, há que averiguar se as estipulações da medida em causa são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente (9).

25.      No processo principal, cabe ao Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) averiguar se a zona de emparcelamento urbano controvertida cumpre estes critérios.

26.      Para esta averiguação, parece, à primeira vista, relevante o facto de o estabelecimento de uma zona de emparcelamento urbano não conter expressamente critérios e modalidades positivos para a autorização e execução de projetos, antes se limitando à definição dessa zona. Isto poderá excluir que o estabelecimento dessa zona seja suscetível de ter efeitos significativos no ambiente.

27.      Duas das três normas especiais em vigor nessa zona, nomeadamente a alteração da competência para emitir licenças e a possibilidade de expropriação de superfícies, tão‑pouco parecem, per se, suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

28.      Porém, a terceira norma especial para as zonas de emparcelamento urbano tem outra qualidade. Nos termos do artigo 127.o, § 3, do Código do Ordenamento do Território, do Urbanismo e do Património valão, a licença de projetos pode ser concedida em desvio de diretrizes de ordenamento existentes. Esta norma refere, nesse sentido, os planos de setor, os planos municipais de ordenamento, os regulamentos municipais de urbanismo e os planos de alinhamento.

29.      A possibilitação de desvios a diretrizes existentes apresenta semelhanças com a revogação dessas diretrizes. Isto porque, devido ao estabelecimento de uma zona de emparcelamento urbano, em princípio, nessa zona, podem ser concretizados projetos com efeitos significativos no ambiente, a que anteriormente as diretrizes dos planos existentes obstavam. Pense‑se, por exemplo, nas limitações às dimensões dos edifícios ou à utilização de superfícies, que já não têm de ser observadas.

30.      Aqui pode verificar‑se indiretamente, porém, uma fixação, potencialmente significativa, de critérios e modalidades para a autorização e a execução de projetos. As superfícies em causa tornam‑se atrativas para toda a espécie de projetos orientados para se desviarem de diretrizes de ordenamento do território existentes.

31.      No tocante à revogação de planos e programas, o Tribunal de Justiça já decidiu que, tendo em conta as características e os efeitos dos atos de revogação de um plano ou programa, seria contrário aos objetivos prosseguidos pelo legislador da União, e suscetível de afetar, em parte, o efeito útil da Diretiva AAE, considerar esses atos excluídos do âmbito de aplicação desta última (10). Isto porque a eliminação das diretrizes de um plano ou programa influenciaria consideravelmente o enquadramento da futura autorização de projetos (11). Estas considerações valem igualmente para a possibilidade de introduzir desvios a diretrizes de ordenamento do território existentes.

32.      Na verdade, por si só, o estabelecimento de uma zona de emparcelamento urbano ainda não significa que sejam efetivamente concretizados projetos que esgotem as possibilidades efetivamente existentes de influenciar o ambiente. Pelo contrário, só a posterior autorização de projetos é que permite a avaliação concreta dos efeitos no ambiente. Porém, esta consideração vale, em última análise, para todas as diretrizes de planos e programas. As mesmas só proporcionam a possibilidade de efeitos no ambiente que podem ser causados por projetos concretos. Contudo, é manifesto que o legislador partiu do princípio de que esta potencial natureza das diretrizes de ordenamento do território e programáticas não obsta a uma avaliação ambiental.

33.      Por isso, tão‑pouco é convincente a alegação do Reino da Bélgica e da Bodymat de que não é de todo claro quais os efeitos no ambiente que devem ser avaliados.

34.      É verdade que a avaliação ambiental do estabelecimento de uma zona de emparcelamento urbano não pode garantir que abranja com precisão os efeitos no ambiente que posterior e efetivamente se venham a verificar. Isto porque as possibilidades de desvios a diretrizes de ordenamento do território não se limitam a um projeto específico, cujos efeitos poderão ser logo avaliados, mas antes favorecem todos os projetos a concretizar futuramente nessa zona, inclusive projetos que ainda não são sequer previsíveis.

35.      Mas uma avaliação ambiental pode, pelo menos, com base nos dados na zona e nas condições estruturais técnicas, procurar descrever os efeitos no ambiente que, numa perspetiva realista, se podem verificar se forem concretizados projetos que já não estejam limitados pelas diretrizes de ordenamento do território existentes. Este procedimento contribuiria significativamente para a transparência, pois obrigaria as autoridades a esclarecer quais os desenvolvimentos futuros que as mesmas viabilizariam através do estabelecimento da zona de emparcelamento urbano.

36.      Por último, também não obsta à qualificação de uma zona de emparcelamento urbano como plano ou programa a circunstância de, em princípio, ser possível considerar plenamente eventuais desvios a diretrizes de planeamento no contexto da avaliação de projetos posteriores nos termos da Diretiva AIE.

37.      Embora a iniciativa da adoção da Diretiva AAE assente no reconhecimento de que, à data da avaliação nos termos da Diretiva AIE, já se verificaram determinados efeitos no ambiente, devido a decisões de ordenamento do território anteriormente tomadas, efeitos esses que já não podem ser postos em causa, independentemente dos resultados da avaliação na fase da decisão sobre o projeto (12), não se pode excluir que a avaliação ambiental seja dispensável se, na aplicação da Diretiva AIE, puderem ser analisadas e avaliadas todas as estipulações.

38.      Isto porque, em primeiro lugar, o direito da União não garante, pelo menos, que todos os projetos concebíveis devam ser avaliados nos termos da Diretiva AIE. Só os tipos de projetos abrangidos pelos anexos I e II dessa diretiva entram, de todo em todo, no seu âmbito de aplicação. Pelo contrário, a Diretiva AAE prevê, no artigo 3.o, n.o 2, alínea b), e n.o 4, que devem ser avaliados planos e programas que não se refiram necessariamente a projetos sujeitos à Diretiva AIE.

39.      Em segundo lugar, a avaliação ambiental deve ter lugar tão cedo quanto possível, para que os seus resultados ainda possam influenciar eventuais decisões. Este objetivo foi estabelecido não só no artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva AAE mas também no artigo 8.o, n.o 1, e no artigo 9.o, n.o 2, do Protocolo de Kiev (13), no sétimo parágrafo do preâmbulo e no artigo 3.o, n.o 1, da Convenção de Espoo (14), no artigo 6.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus (15) e no segundo considerando da Diretiva AIE (16).

40.      E, em terceiro lugar, a eventual existência de avaliações paralelas nos termos de cada uma das diretivas não significa que sejam necessárias avaliações em duplicado supérfluas. Pelo contrário, nos termos do artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva AAE, os resultados da primeira avaliação podem (e devem) ser levados em conta no âmbito da segunda avaliação, desde que (ainda) tenham significado para essa segunda avaliação (17).

41.      Saber se o estabelecimento de uma zona de emparcelamento urbano pode efetivamente ser tido como significativo, na aceção do acórdão D’Oultremont e o. (C‑290/15, EU:C:2016:816), depende, porém, de saber quais as diretrizes dos planos existentes a que é possível introduzir desvios. Quanto mais importantes forem essas diretrizes, mais importante é a possibilidade de introduzir desvios às mesmas.

42.      Por conseguinte, o tribunal nacional tem de averiguar se as diretrizes de ordenamento do território existentes, a que é possível introduzir desvios, obstam, atendendo aos dados locais concretos, a projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

V.      Conclusão

43.      Proponho ao Tribunal de Justiça que decida nos seguintes termos:

Um ato jurídico que permite, numa determinada zona, a introdução de desvios a diretrizes de ordenamento do território constantes de um determinado plano deve ser tido como plano ou programa, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, se as diretrizes de ordenamento do território existentes, a que é possível introduzir desvios, obstarem, atendendo aos dados locais concretos, a projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.


1      Língua original: alemão.


i      O nome dos intervenientes foi aditado na página de rosto, posteriormente à sua disponibilização em linha.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001 (JO 2001, L 197, p. 30).


3      Acórdão de 27 de outubro de 2016, D’Oultremont e o. (C‑290/15, EU:C:2016:816, n.o 49).


4      Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2012:159, n.os 39 e segs.).


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2011, L 26, p. 1), alterada, pela última vez, pela Diretiva 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014 (JO 2014, L 124, p. 1).


6      Diretiva do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), alterada, pela última vez, pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013, que adapta determinadas diretivas no domínio do ambiente, devido à adesão da República da Croácia (JO 2013, L 158, p. 193).


7      Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2012:159, n.o 31).


8      Acórdão de 27 de outubro de 2016, D’Oultremont e o. (C‑290/15, EU:C:2016:816, n.o 49).


9      V. n.os 18 a 27 das minhas conclusões no processo Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑671/16, EU:C:2018:39).


10      Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2012:159, n.o 41).


11      Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2012:159, n.o 39).


12      Proposta de diretiva do Conselho relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente [COM(96) 511 final, p. 6]. V., a este respeito, as minhas conclusões nos processos apensos Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie (C‑105/09 e C‑110/09, EU:C:2010:120, n.os 31 e 32), e as hoje apresentadas no processo Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑671/16, EU:C:2018:39, n.os 43 e 44).


13      Protocolo de 2003 relativo à avaliação ambiental estratégica à Convenção da CEE‑ONU sobre a Avaliação dos Impactes Ambientais num Contexto Transfronteiras, concluída em Espoo em 1991 (JO 2008, L 308, p. 35), aprovado pela Decisão 2008/871/CE do Conselho, de 20 de outubro de 2008 (JO 2008, L 308, p. 33).


14      Convenção relativa à Avaliação dos Impactes Ambientais num Contexto Transfronteiras, de 1991 (JO 1992, C 104, p. 7); de acordo com a proposta de decisão do Conselho relativa à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, da primeira e segunda alterações da Convenção de Espoo da CEE‑ONU, relativa à Avaliação dos Impactes Ambientais num Contexto Transfronteiras [COM(2007) 470 final], a Comunidade aprovou esta Convenção em 27 de junho de 1997, por decisão do Conselho não publicada, que, aparentemente, data de 15 de outubro de 1996 (v. a proposta da primeira decisão do Conselho no JO 1992, C 104, p. 5).


15      Convenção sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, de 1998 (JO 2005, L 124, p. 4), aprovada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1).


16      V., também, as minhas conclusões nos processos apensos Comune di Corridonia e o. (C‑196/16 e C‑197/16, EU:C:2017:249, n.os 25 e 26).


17      V. acórdãos de 22 de setembro de 2011, Valčiukienė e o. (C‑295/10, EU:C:2011:608, n.os 61 e 62), e de 10 de setembro de 2015, Dimos Kropias Attikis (C‑473/14, EU:C:2015:582, n.o 58).