Language of document : ECLI:EU:C:2023:424

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de maio de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo — Diretiva 93/83/CEE — Artigo 1.o, n.o 2 — Comunicação ao público por satélite — Conceito — Fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite — Difusão de programas noutro Estado-Membro — Lugar do ato de exploração pelo qual esse fornecedor participa nessa comunicação»

No processo C-290/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), por Decisão de 20 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de maio de 2021, no processo

Staatlich genehmigte Gesellschaft der Autoren, Komponisten und Musikverleger Reg. Gen. mbH (AKM)

contra

Canal+ Luxembourg Sàrl,

sendo intervenientes:

Tele 5 TM-TV GmbH,

Österreichische Rundfunksender GmbH & Co. KG,

Seven.One Entertainment Group GmbH,

ProSiebenSat.1 PULS 4 GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, L. Bay Larsen, vice-presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, P. G. Xuereb e I. Ziemele (relatora), juízes,

advogado-geral: M. Szpunar,

secretário: S. Beer, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de junho de 2022,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação da Staatlich genehmigte Gesellschaft der Autoren, Komponisten und Musikverleger Reg. Gen. mbH (AKM), por N. Kraft, Rechtsanwalt,

—        em representação da Canal+ Luxemburgo Sàrl, por A. Anderl, Rechtsanwalt,

—        em representação da Seven.One Entertainment Group GmbH e da ProSiebenSat.1 PULS 4 GmbH, por M. Boesch, Rechtsanwalt,

—        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e G. von Rintelen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 22 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) a c), da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (JO 1993, L 248, p. 15), e do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Staatlich genehmigte Gesellschaft der Autoren, Komponisten und Musikverleger Reg. Gen. mbH (AKM), uma sociedade austríaca de gestão coletiva de direitos de autor, à Canal+ Luxembourg Sàrl (a seguir «Canal+»), um operador de televisão por satélite, a respeito da difusão, por esta última sociedade, de programas de televisão na Áustria.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 93/83

3        Os considerandos 5, 14, 15 e 17 da Diretiva 93/83 enunciam:

«(5)      Considerando, no entanto, que a realização destes objetivos no que se refere à difusão transfronteiras de programas por satélite e à sua retransmissão por cabo a partir de outros Estados-Membros ainda encontra obstáculos em virtude das disparidades existentes entre as legislações nacionais sobre direito de autor e de algumas incertezas no plano jurídico; que essa situação expõe os titulares de direitos ao risco de verem as suas obras exploradas sem receberem a respetiva remuneração, ou de a exploração das suas obras ser bloqueada em certos Estados-Membros por titulares individuais de direitos exclusivos; que a incerteza no plano jurídico constitui um obstáculo direto à livre circulação de programas na Comunidade;

[…]

(14)      Considerando que a incerteza no plano jurídico sobre os direitos a adquirir, que entrava a difusão transfronteiras de programas por satélite, será ultrapassada pela definição da noção de comunicação ao público por satélite, à escala comunitária; que essa definição especifica simultaneamente qual o local do ato de comunicação ao público; que é necessário uma definição desse tipo, para evitar a aplicação cumulativa de várias legislações nacionais a um mesmo ato de radiodifusão; que a comunicação ao público por satélite apenas tem lugar se e no Estado-Membro em que são introduzidos sinais portadores de programas sob o controlo e a responsabilidade de um organismo de difusão numa cadeia ininterrupta de comunicação que inclui a transmissão dos referidos sinais ao satélite e o retorno daqueles à Terra; que os processos técnicos normais relativos a sinais portadores de programas não devem ser considerados interrupções à cadeia de radiodifusão;

(15)      Considerando que a aquisição contratual do direito exclusivo de radiodifusão deve respeitar a legislação sobre direito de autor e direitos conexos em vigor no Estado-Membro em que se verifique a comunicação ao público por satélite;

[…]

(17)      Considerando que, para determinar a remuneração devida pelos direitos adquiridos, as partes devem ter em conta todos os aspetos da emissão, tais como a audiência efetiva, a audiência potencial e a versão linguística.»

4        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê, no seu n.o 2, alíneas a) a c):

«a)      Para efeitos da presente diretiva, entende-se por “comunicação ao público por satélite” o ato de introdução, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, de sinais portadores de programas que se destinam a ser captados pelo público numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente ao satélite e deste para a Terra;

b)      A comunicação ao público por satélite verifica-se apenas no Estado-Membro onde os sinais portadores do programa são introduzidos, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente ao satélite e deste para a Terra;

c)      Se os sinais portadores de programas forem codificados, a comunicação ao público por satélite realizar-se-á na condição de os meios para descodificar a emissão serem postos à disposição do público pelo organismo de radiodifusão ou com o seu consentimento.»

5        O artigo 2.o da referida diretiva dispõe:

«Nos termos do disposto no presente capítulo, os Estados-Membros garantirão aos autores o direito exclusivo de autorizar a comunicação ao público por satélite de obras protegidas pelo direito de autor.»

 Diretiva 2001/29

6        O artigo 3.o da Diretiva 2001/29, sob a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.»

 Direito austríaco

7        O § 17b, n.o 1, da l’Urheberrechtsgesetz (Lei dos Direitos de Autor), de 9 de abril de 1936 (BGBl. 111/1936), na sua versão de 27 de dezembro de 2018 (BGBl. I 105/2018), enuncia:

«Na radiodifusão por satélite, o ato de exploração reservado ao autor consiste na introdução, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, de sinais portadores de programas numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente ao satélite e deste para a Terra. Sem prejuízo do disposto no n.o 2, a radiodifusão por satélite verifica-se apenas no Estado em que essa introdução é feita.»

8        O § 59a desta lei dispõe:

«1.      Só as sociedades de gestão coletiva podem invocar o direito de utilizar radiodifusões, incluindo por satélite, de obras para fins de retransmissão simultânea, completa e não modificada por cabo; no entanto, tal não se aplica ao direito de intentar ações judiciais por violações dos direitos de autor.

2.      Podem ser utilizadas radiodifusões para uma retransmissão na aceção do n.o 1 se o organismo de radiodifusão que efetua a retransmissão tiver obtido autorização da entidade de gestão coletiva responsável para esse efeito.

3.      Todavia, os n.os 1 e 2 não são aplicáveis quando o organismo de radiodifusão cuja emissão seja retransmitida disponha do direito de retransmissão na aceção do n.o 1.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        A AKM é titular de uma licença de exploração para obras musicais, que a habilita a exercer, a título fiduciário, direitos de radiodifusão no território austríaco.

10      A Canal+, com sede no Luxemburgo, oferece, por satélite, a título oneroso, na Áustria, pacotes de programas codificados (a seguir «pacotes de canais de televisão por satélite em causa no processo principal») de vários organismos de radiodifusão, situados noutros Estados-Membros, em alta-definição ou em definição padrão.

11      A introdução de cada um dos sinais de satélite portadores de programas na cadeia de comunicação (ligação ascendente) é efetuada, na maior parte das vezes, por esses próprios organismos de radiodifusão, por vezes pela Canal+, nesses outros Estados-Membros. É emitido um feixe de transmissão que contém a totalidade do programa em alta-definição e informações complementares, como dados de áudio e legendas. Depois de ter sido «reenviado» pelo satélite, esse feixe é captado por instalações de receção por satélite situadas na área de cobertura. O referido feixe é então fracionado e o utilizador pode aceder a cada um dos programas num terminal por meio de um descodificador.

12      Os pacotes de canais de televisão por satélite em causa no processo principal contêm programas televisivos pagos e gratuitos. Estes últimos não estão codificados e podem ser captados por qualquer pessoa em qualidade padrão no território austríaco.

13      A AKM intentou uma ação destinada, em substância, à cessação da difusão, pela Canal+, dos sinais de satélite na Áustria, bem como ao pagamento de uma indemnização, alegando que, nos Estados-Membros em que se verifica o ato de emissão ou de comunicação ao público por satélite, não tinha sido obtida uma autorização para essa exploração e que não tinha autorizado essa difusão na Áustria. Com efeito, a AKM considera que a referida difusão serve uma categoria adicional de clientes da Canal+ que não está abrangida pelas autorizações eventualmente obtidas nos Estados-Membros de emissão pelos organismos de radiodifusão em questão para efeitos da comunicação ao público das obras em causa por satélite e que a Canal+ devia ter obtido uma autorização da AKM para a difusão dos sinais de satélite na Áustria. Por conseguinte, a AKM considera que a Canal+ viola os direitos cuja gestão assegura.

14      A Canal+ responde que se limita a disponibilizar, com o consentimento dos organismos de radiodifusão, uma infraestrutura que permite codificar um sinal introduzido por esses organismos fora da Áustria numa cadeia de comunicação conducente a um satélite. Em conformidade com o princípio do Estado-Membro de emissão consagrado no artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83, só as sociedades de gestão coletiva de direitos nos Estados-Membros de emissão, e não a AKM, é que estão habilitadas a agir ao abrigo do ato de exploração em causa no processo principal. Além disso, esse ato de exploração, efetuado pela Canal+, está abrangido pelas autorizações obtidas nos Estados-Membros de emissão pelos organismos de radiodifusão em causa.

15      Quatro sociedades, entre as quais a Seven.One Entertainment Group GmbH, um organismo de radiodifusão estabelecido na Alemanha, e a ProSiebenSat.1 PULS 4 GmbH, um organismo de radiodifusão estabelecido na Áustria, foram admitidas a intervir no litígio no processo principal em apoio da Canal+.

16      Por Sentença de 31 de outubro de 2019, o Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria) julgou improcedente a ação inibitória da difusão de sinais de satélite na Áustria, mas julgou procedente, em grande medida, tanto a ação (em parte subsidiária) inibitória da emissão por satélite, dirigida ao território austríaco, dos sinais do programa em causa como o pedido de apresentação de documentos relativos à mesma. Chamado a pronunciar-se sobre um recurso desta decisão, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria) pronunciou-se, por Acórdão de 30 de junho de 2020, amplamente no mesmo sentido. Este último órgão jurisdicional considerou, nomeadamente, que os pacotes de canais de televisão por satélite em causa no processo principal se dirigiam a um público novo, isto é, a um público diferente do visado pelas transmissões em livre acesso dos operadores de radiodifusão. Tanto a AKM como a Canal+, bem como a Seven.One Entertainment Group GmbH e a ProSiebenSat.1 PULS 4 GmbH interpuseram recursos de «Revision» deste último acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

17      Fazendo referência aos n.os 61 e 69 do Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal (C-431/09 e C-432/09, EU:C:2011:648), que dizia igualmente respeito a um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite, o órgão jurisdicional de reenvio entende que se pode considerar que tanto o ato de exploração do organismo de radiodifusão como a intervenção do fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite devem estar localizados exclusivamente no Estado-Membro onde os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação em causa, limitando-se esse fornecedor, no exercício da sua atividade em paralelo com a do organismo de radiodifusão, a participar no ato originário, único e indivisível de emissão por satélite.

18      A não ser assim, colocar-se-ia a questão de saber em que medida os atos concretos de exploração desse fornecedor violam os direitos de autor pelo facto de um público novo ser potencialmente afetado no Estado-Membro recetor desses sinais. Neste contexto, haveria que determinar se o facto de, nos pacotes de canais de televisão por satélite em causa no processo principal, o referido fornecedor oferecer igualmente programas de televisão gratuitos é pertinente, uma vez que esses programas já estão livremente acessíveis a qualquer utilizador na área de cobertura.

19      Nestas circunstâncias, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da [Diretiva 93/83] ser interpretado no sentido de que não só o organismo de radiodifusão, mas também o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite que participa no ato de transmissão indivisível e uniforme, realiza um ato de utilização — que pode estar sujeito a autorização — apenas no Estado em que os sinais portadores dos programas são introduzidos numa cadeia ininterrupta de comunicação, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, que os transmite para o satélite e [deste para a Terra], com a consequência de que a participação do fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite no ato de transmissão não pode dar origem a uma violação dos direitos de autor no Estado de receção?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

Deve o conceito de “comunicação ao público” que figura no artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) e c), da [Diretiva 93/83], bem como no artigo 3.o, n.o 1, da [Diretiva 2001/29], ser interpretado no sentido de que o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite que contribui como outro operador no âmbito de uma comunicação ao público por satélite, que agrupa num único pacote vários sinais codificados de alta-definição de programas de televisão gratuitos e pagos de diferentes organismos de radiodifusão e oferece o produto audiovisual independente assim criado aos seus clientes mediante pagamento, deve obter uma autorização distinta do titular dos direitos em questão mesmo no que diz respeito ao conteúdo protegido dos programas de televisão gratuitos incluídos no pacote de programas, embora se limite nesse caso a dar aos seus clientes acesso a obras que já estão disponíveis gratuitamente para todos na área de [cobertura] — embora com qualidade inferior à definição padrão?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

20      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite ser obrigado a obter, para o ato de comunicação ao público por satélite em que participa, a autorização dos titulares dos direitos de autor e direitos conexos em causa, essa autorização deve ser obtida, tal como a concedida ao organismo de radiodifusão em questão, apenas no Estado-Membro em que os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação conducente ao satélite.

21      Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83, a comunicação ao público por satélite verifica-se apenas no Estado-Membro onde os sinais portadores do programa são introduzidos, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente ao satélite e deste para a Terra.

22      Para que a regra enunciada no artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83 seja aplicável, deve tratar-se de uma «comunicação ao público por satélite», na aceção deste artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) e c), impondo estas disposições requisitos cumulativos para esse efeito. Assim, uma transmissão constitui uma única «comunicação ao público por satélite» se, primeiro, for desencadeada por um «ato de introdução» de sinais portadores de programas efetuado «sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão»; segundo, esses sinais forem introduzidos «numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente ao satélite e deste para a Terra»; terceiro, os referidos sinais «se destina[rem] a ser captados pelo público», e, em quarto lugar, no caso de os mesmos sinais estarem codificados, os meios para os descodificar serem «postos à disposição do público pelo organismo de radiodifusão ou com o seu consentimento» (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal, C-431/09 e C-432/09, EU:C:2011:648, n.o 52).

23      Tratando-se de uma transmissão como a que está em causa no processo principal, o Tribunal de Justiça já declarou que tanto no que respeita a uma transmissão indireta como a uma transmissão direta de programas televisivos que preencham todos estes requisitos cumulativos se deve considerar que cada uma delas constitui uma comunicação ao público por satélite, sendo, portanto, indivisível. Contudo, a indivisibilidade dessa comunicação, na aceção do referido artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) e c), não significa que a intervenção do fornecedor do pacote de canais de televisão por satélite nessa comunicação possa ser efetuada sem a autorização dos titulares de direitos em causa (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal, C-431/09 e C-432/09, EU:C:2011:648, n.os 69 e 70).

24      Com efeito, importa recordar que resulta do artigo 2.o da Diretiva 93/83, lido em conjugação com o considerando 17 da mesma, que os titulares de direitos de autor devem autorizar qualquer comunicação ao público por satélite das obras protegidas e que, para determinar a remuneração apropriada desses titulares por essa comunicação das suas obras, devem ser tidos em conta todos os parâmetros da emissão, tais como a audiência efetiva e a audiência potencial desta última (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal, C-431/09 e C-432/09, EU:C:2011:648, n.os 71 e 73).

25      Essa autorização deve ser, nomeadamente, obtida pela pessoa que desencadeia essa comunicação ou que intervém no decurso desta, de modo que, através dessa comunicação, torne as obras protegidas acessíveis a um público novo, ou seja, a um público que não foi tomado em conta pelos autores das obras protegidas no âmbito de uma autorização dada a outra pessoa (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal, C-431/09 e C-432/09, EU:C:2011:648, n.o 72).

26      A este respeito, o Tribunal de Justiça já salientou que, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 93/83, uma comunicação ao público por satélite, como a que está em causa no processo principal, é desencadeada pelo organismo de radiodifusão sob cujo controlo e responsabilidade os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação conducente ao satélite. Além disso, é facto assente que esse organismo torna assim as obras protegidas acessíveis, regra geral, a um público novo. Por conseguinte, esse organismo deve obter a autorização prevista no artigo 2.o da Diretiva 93/83 (Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal, C-431/09 e C-432/09, EU:C:2011:648, n.o 75).

27      Na medida em que, em aplicação da regra enunciada no artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83, se considera que essa comunicação ao público por satélite se verifica apenas no Estado-Membro onde os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação conducente ao satélite, o organismo de radiodifusão só está obrigado a obter essa autorização nesse Estado-Membro.

28      No entanto, como foi recordado no n.o 24 do presente acórdão, para determinar a remuneração apropriada dos titulares de direitos de autor por essa comunicação das suas obras, devem ser tidos em conta todos os parâmetros da emissão em causa, tais como a audiência efetiva e a audiência potencial desta última. Por conseguinte, quando uma parte dessa audiência efetiva ou potencial se situa em Estados-Membros diferentes daquele onde os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação conducente ao satélite, cabe, sendo caso disso, às diferentes sociedades de gestão coletiva em causa encontrar soluções adequadas para assegurar uma remuneração equitativa desses titulares.

29      Dito isto, não se pode excluir que outros operadores intervenham no âmbito de uma comunicação ao público por satélite, a fim de tornarem as obras ou os objetos protegidos acessíveis a um público mais vasto do que o visado pelo organismo de radiodifusão em causa, ou seja, a um público que não foi tomado em conta pelos autores dessas obras ou desses objetos quando autorizaram a utilização destes últimos por esse organismo. Nesse caso, a intervenção desses operadores não está abrangida pela autorização concedida ao referido organismo. Isso pode nomeadamente acontecer quando um operador alarga o círculo de pessoas que têm acesso a essa comunicação e torna, assim, as obras ou os objetos protegidos acessíveis a um público novo (Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal, C-431/09 e C-432/09, EU:C:2011:648, n.os 76 e 77).

30      Ora, resulta dos termos do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83 e da sistemática deste artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) a c), que, no caso de um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite ser obrigado a obter, para a comunicação ao público por satélite em que participa, a autorização dos titulares dos direitos de autor e direitos conexos em causa, essa autorização deve ser obtida, como a concedida ao organismo de radiodifusão em causa, apenas no Estado-Membro onde os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação conducente ao satélite.

31      Além disso, esta conclusão é corroborada pelo objetivo prosseguido pelo artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83. A este respeito, há que salientar, por um lado, que resulta dos considerandos 5 e 14 desta diretiva que as incertezas no plano jurídico em virtude das disparidades existentes entre as legislações nacionais sobre direito de autor constitui um obstáculo direto à livre circulação de programas na União Europeia e que a incerteza no plano jurídico sobre os direitos a adquirir, que entrava a difusão transfronteiras de programas por satélite, deve ser ultrapassada pela definição da noção de comunicação ao público por satélite, à escala da União, nomeadamente, para evitar a aplicação cumulativa de várias legislações nacionais a um mesmo ato de radiodifusão. Por outro lado, o considerando 15 da referida diretiva acrescenta que a aquisição contratual do direito exclusivo de radiodifusão deve respeitar a legislação sobre direito de autor e direitos conexos em vigor no Estado-Membro em que se verifique a comunicação ao público por satélite.

32      Resulta assim dos considerandos 5, 14 e 15 da Diretiva 93/83 que o seu artigo 1.o, n.o 2, alínea b), visa assegurar que qualquer «comunicação ao público por satélite», na aceção deste artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) e c), esteja exclusivamente sujeita à legislação em matéria de direitos de autor e direitos conexos em vigor no Estado-Membro em que os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação conducente ao satélite. Por conseguinte, seria contrário a este objetivo que um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite devesse obter a autorização dos titulares dos direitos de autor e direitos conexos em causa também noutros Estados-Membros.

33      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite ser obrigado a obter, para o ato de comunicação ao público por satélite em que participa, a autorização dos titulares dos direitos de autor e direitos conexos em causa, essa autorização deve ser obtida, tal como a concedida ao organismo de radiodifusão em questão, apenas no Estado-Membro em que os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação conducente ao satélite.

 Quanto à segunda questão

34      Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

35      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo:

deve ser interpretado no sentido de que:

no caso de um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite ser obrigado a obter, para o ato de comunicação ao público por satélite em que participa, a autorização dos titulares dos direitos de autor e direitos conexos em causa, essa autorização deve ser obtida, tal como a concedida ao organismo de radiodifusão em questão, apenas no Estado-Membro em que os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação conducente ao satélite.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.