Language of document : ECLI:EU:T:1997:173

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

7 de Novembro de 1997(1)

«Agricultura — Pescas — Aquicultura e ordenamento das zonas marinhas protegidas — Apoio financeiro comunitário — Declaração de inelegibilidade de determinadas despesas — Recurso de anulação — Pedido de indemnização»

No processo T-218/95,

Azienda Agricola «Le Canne» Srl, sociedade de direito italiano, com sede em Porto Viro (Itália), representada por Giulio Schiller, Giuseppe Carraro, Francesca Mazzonetto, advogados no foro de Pádua, e Guy Arendt, advogado no foro do Luxemburgo, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório deste último, 62, avenue Guillaume,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Eugenio de March, consultor jurídico, e Hubertus Van Vliet, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por Alberto Dal Ferro, advogado no foro de Vicenza, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto, por um lado, um recurso de anulação da redução, pela da Comissão, de um apoio financeiro comunitário inicialmente concedido e, por outro, um pedido de indemnização do prejuízo que a recorrente teria sofrido em virtude dessa redução,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),



composto por: B. Vesterdorf, presidente, C. P. Briët e A. Potocki, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Junho de 1997,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico do litígio

  1. O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CEE) n.° 4028/86 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986, relativo a acções comunitárias para o melhoramento e a adaptação das estruturas do sector da pesca e da aquicultura (JO L 376, p. 7, a seguir «Regulamento n.° 4028/86»), dispõe que a Comissão pode prestar um apoio financeiro comunitário às acções realizadas no domínio do desenvolvimento da aquicultura e do ordenamento das zonas marinhas protegidas com vista a uma melhor gestão da faixa de pesca costeira.

  2. Nos termos do artigo 12.°, que remete para o Anexo III do Regulamento n.° 4028/86, o apoio comunitário previsto para a aquicultura é, para a região de Veneto, de 40% das despesas elegíveis, representando a participação da Itália uma percentagem entre 10 e 30%.

  3. O artigo 44.° do Regulamento n.° 4028/86 dispõe:

    «1. Durante todo o período de intervenção comunitária, a autoridade ou o organismo designado para o efeito pelo Estado-Membro em causa transmitirá à Comissão, a pedido desta, todos os justificativos e todos os documentos que comprovem que foram cumpridas as condições financeiras ou outras impostas para cada projecto. A Comissão pode decidir suspender, reduzir ou suprimir o apoio, de acordo com o procedimento previsto no artigo 47.°:

    • se o projecto não for executado como previsto, ou

    [..]

    A decisão será notificada ao Estado-Membro em causa bem como ao beneficiário.

    A Comissão procederá à recuperação dos montantes cujo pagamento não tenha sido ou não for justificado.

    2. As regras de execução do presente artigo serão adoptadas pela Comissão de acordo com o procedimento previsto no artigo 47.°»

  4. Nos termos do artigo 47.°:

    «1. No caso de ser feita referência ao procedimento referido no presente artigo, o presidente do Comité Permanente das Estruturas da Pesca submeterá o assunto ao Comité, quer por iniciativa própria quer a pedido do representante de um Estado-Membro.

    2. O Representante da Comissão apresentará um projecto de medidas a tomar. O Comité formulará o seu parecer num prazo que o presidente pode fixar em função da urgência das questões submetidas à sua apreciação. O Comité delibera por maioria de cinquenta e quatro votos, atribuindo-se aos votos dos Estados-membros a ponderação prevista no n.° 2 do artigo 148.° do Tratado. O presidente não vota.

    3. A Comissão adoptará as medidas que são de aplicação imediata. Todavia, se essas medidas não estiverem em conformidade com o parecer do Comité, a Comissão comunica-as imediatamente ao Conselho; nesse caso, a Comissão pode diferir a sua aplicação por um mês, no máximo, a contar desta comunicação. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode adoptar medidas diferentes no prazo de um mês.»

  5. Através do Regulamento (CEE) n.° 1116/88, de 20 de Abril de 1988 (JO L 112, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1116/88»), a Comissão adoptou as regras de execução das decisões de concessão de apoio financeiro para projectos relativos a acções comunitárias para o melhoramento e a adaptação das estruturas do sector da pesca, da aquicultura e do ordenamento da faixa costeira.

  6. Nos termos do sexto considerando do Regulamento n.° 1116/88, «é conveniente não iniciar o processo de suspensão, redução ou supressão da contribuição sem ter, previamente, consultado o Estado-Membro em causa, o qual pode tomar posição, e sem ter dado aos beneficiários a oportunidade de apresentarem as suas observações».

  7. A esse propósito, o artigo 7.° do Regulamento n.° 1116/88 dispõe:

    «Antes de iniciar os processos de suspensão, de redução ou de supressão do apoio financeiro previstos no n.° 1 do artigo 44.° do Regulamento (CEE) n.° 4028/86, a Comissão:

    —    informa o Estado-Membro em cujo território o projecto deverá ser executado, que pode tomar posição a esse respeito,

    —    consulta a autoridade competente incumbida de transmitir os documentos comprovativos,

    —    convida o ou os beneficiários a exprimirem por intermédio da autoridade ou do organismo, os motivos do incumprimento das condições previstas.»

    Matéria de facto na origem do litígio

  8. Através da Decisão C(90)1923/99, de 30 de Outubro de 1990, a Comissão concedeu à recorrente um apoio financeiro de 1 103 646 181 LIT, ou seja, 40% do montante das despesas elegíveis de 2 759 115 453 LIT, para obras de modernização e adaptação de instalações de piscicultura (projecto I/16/90). Estava prevista uma participação proporcional de 30% das despesas elegíveis, ou seja, 827 734 635 LIT, a cargo do Estado italiano.

  9. A decisão especificava que «o montante do apoio que a Comissão pagará efectivamente para um projecto concluído depende da natureza dos trabalhos realizados em relação aos previstos no projecto». A decisão especificava igualmente que, «em conformidade com a indicação constante da parte B do pedido de apoio apresentado pelo beneficiário, os trabalhos previstos não podem sofrer modificações ou alterações sem acordo prévio da administração nacional e eventualmente da Comissão. Modificações importantes introduzidas sem o acordo da Comissão podem implicar redução ou supressão do apoio, caso sejam consideradas inaceitáveis pela administração nacional ou pela Comissão. Se necessário, a administração nacional indicará a cada beneficiário o procedimento a seguir».

  10. A Comissão pagou à recorrente, em 23 de Junho de 1993, uma primeira parcela de 343 117 600 LIT.

  11. Após inspecção, realizada no local, do estado final do projecto, os serviços de engenharia civil, por ofício de 7 de Abril de 1994, comunicaram à recorrente que, sem prejuízo de algumas modificações introduzidas no projecto, nos limites das obras de alvenaria e obras similares, bem como das obras de escavação, eram de parecer de que as execuções podiam ser consideradas conformes com o projecto aprovado, nos aspectos técnico e económico.

  12. Através da Decisão C(94)1531/99, de 27 de Julho de 1994, a Comissão deferiu um segundo pedido da recorrente para concessão de apoio, relacionado com o acabamento de obras de modernização das suas instalações (projecto I/100/94).

  13. Por carta de 12 de Dezembro de 1994 enviada ao Ministério da Agricultura italiano (a seguir «Ministério») e à Comissão, a recorrente referiu que circunstâncias inteiramente independentes da sua vontade, ocorridas após o envio do projecto ao Ministério, tinham tornado indispensáveis algumas alterações aos trabalhos previstos no âmbito do projecto I/16/90. A recorrente precisava que a sua convicção de ter respeitado os objectivos propostos e de ter feito as opções correctas, por um lado, e a vontade de alcançar rapidamente os resultados previstos, por outro, a tinham lamentavelmente feito esquecer a obrigação de notificar previamente ao Ministério as alterações introduzidas, o que constituía um obstáculo importante à regularização do dossier. A recorrente entendia contudo que o projecto I/16/90 não tinha sofrido, no conjunto, alterações substanciais, com excepção de uma diferença de localização e de configuração dos tanques de cultura intensiva.

  14. Igualmente, ao mesmo tempo que declarava ter consciência, mas apenas depois de concluídos os trabalhos, de não ter respeitado a formalidade da comunicação prévia das alterações, a recorrente pedia ao Ministério e, se necessário, à própria Comissão, que procedesse a um exame técnico das alterações introduzidas, a fim de apurar a sua conformidade e de verificar a necessidade e a oportunidade das opções realizadas. Para esse efeito, a recorrente salientava que todas as alterações referidas tinham sido expostas e homologadas no quadro da aprovação do projecto adicional de ordenamento (I/100/94) admitido a beneficiar do apoio financeiro comunitário através da Decisão C(94)1531/99.

  15. Após ter efectuado a verificação do estado final dos trabalhos, o Ministério transmitiu à recorrente, em 3 de Junho de 1995, o certificado de fiscalização do estado final dos trabalhos (a seguir «certificado») elaborado em 24 de Maio de 1995. O Ministério é de parecer que a recorrente introduziu modificações adicionais em relação às que os serviços de engenharia civil tinham já observado:

    1. Não construção de dezasseis tanques, de uma instalação hidráulica e de uma central térmica, tendo tudo isso sido substituído pela previsão de tanques de cultura a realizar aquando do projecto de acabamento aprovado pela Comissão na Decisão C(94)1531/99;

    2. Não aquisição de uma série de máquinas;

    3. Não construção do novo armazém e dos tanques de cultura exteriores ao pavilhão.

    O Ministério concluía que, em conformidade com as disposições comunitárias aplicáveis, a recorrente estava obrigada a solicitar uma autorização prévia para proceder a essas modificações.

  16. O Ministério reduziu para 1 049 556 101 LIT o montante das despesas elegíveis na fase final do projecto. Tendo em conta as despesas já reconhecidas elegíveis na fase do primeiro adiantamento para obras no montante de 857 794 000 LIT, o montante total das despesas reconhecidas elegíveis representava 1 907 350 101 LIT, ou seja 69,13% das despesas elegíveis do projecto inicialmente aprovado pela Comissão.

  17. Por ordem de pagamento final emitida em 5 de Julho de 1995, a Comissão pagou à recorrente um saldo de 419 822 440 LIT, diminuindo assim de 1 103 646 181 LIT para 762 940 040 LIT o montante total do apoio comunitário devido no âmbito das obras que, com base no certificado, a instituição considerou conformes com o projecto inicialmente aprovado.

  18. O Ministério e a Comissão receberam, em 28 de Julho e 3 de Agosto de 1995, respectivamente, observações escritas da recorrente que apontavam a falta de fundamento do certificado e pediam o seu reexame.

  19. Em resposta ao pedido das autoridades nacionais, a Comissão transmitiu-lhes as suas observações por telex n.° 12497, de 27 de Outubro de 1995. A instituição considerou que das informações disponíveis não se inferia a necessidade de rever o procedimento seguido pelo Ministério para regularizar o dossier I/16/90, uma vez que:

    1)    tinham sido introduzidas no projecto modificações importantes sem terem sido previamente comunicadas à administração nacional;

        a concessão do apoio relativo ao segundo projecto I/100/94 não implicava a aceitação pela Comissão das modificações anteriores;

    2)    algumas obras previstas no âmbito do projecto seguinte I/100/94 tinham sido executadas no âmbito do projecto I/16/90 e não eram portanto elegíveispara o apoio concedido ao projecto I/16/90.

    3)    o artigo 7.° do Regulamento n.° 1116/88, a que se referia o advogado da recorrente, não era aplicável no contexto por ele evocado;

    4)    as informações fornecidas pelo Ministério demonstravam que eram erradas as observações formuladas na página 18 do memorando apresentado pelo advogado da recorrente, relativamente às deduções de despesas que teriam sido feitas por terem sido imputadas em capítulos de despesas não previstos.

  20. Por ofício de 14 de Novembro de 1995, o Ministério indeferiu o pedido de reexame apresentado pela recorrente pelos mesmos fundamentos que os do telex n.° 12457 da Comissão, de 27 de Outubro de 1995.

    Tramitação processual

  21. Foi nessas condições que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Dezembro de 1995, a recorrente interpôs recurso de anulação do telex n.° 12497 da Comissão, de 27 de Outubro de 1995, e deduziu um pedido de indemnização do prejuízo que teria sofrido devido à adopção desse acto.

  22. Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral e convidou as partes a responder a algumas perguntas escritas antes da audiência. As partes corresponderam à solicitação do Tribunal.

  23. Na audiência de 5 de Junho de 1997, as partes foram ouvidas em alegações e em resposta às perguntas formuladas pelo Tribunal.

    Pedidos das partes

  24. A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    • anular o documento n.° 12497, de 27 de Outubro de 1995, da Comissão, que é objecto do presente recurso;

    • condenar a Comissão na reparação do dano, nos termos indicados na petição;

    • condenar a Comissão nas despesas.



  25. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    • negar provimento ao recurso nos termos do artigo 173.° do Tratado CE, por inadmissível e, a título subsidiário, por improcedente;

    • negar provimento ao pedido nos termos dos artigos 178.° e 215.° do Tratado;

    • condenar, de qualquer modo, a recorrente nas despesas do processo.

    Quanto ao pedido de anulação

    1. Quanto à admissibilidade

    Argumentação das partes

  26. No entender da Comissão, o acto recorrido de 27 de Outubro de 1995 não é susceptível de produzir efeitos obrigatórios relativamente à recorrente e, em todo o caso, não lhe diz directamente respeito. Nesse acto, a Comissão ter-se-ia, com efeito, limitado a apreciar o comportamento das autoridades nacionais no âmbito do processo de co-financiamento do projecto estabelecido pelo Regulamento n.° 4028/86.

  27. A recorrente contrapõe, por um lado, que o Estado-Membro em causa se limite a funcionar como «órgão» da Comunidade actuando «por conta» da Comissão, que detém a totalidade do poder de decisão e, por outro lado, que a mera existência formal do acto nacional, tomado em aplicação da medida comunitária, não é suficiente para negar que o acto comunitário diz directamente respeito à recorrente.

    Apreciação do Tribunal

  28. Basta verificar que o telex n.° 12497, de 27 de Outubro de 1995, conjugado com a ordem de pagamento do saldo do apoio comunitário emitida pela Comissão em 5 de Julho de 1995, teve como efeito reduzir o montante do apoio comunitário inicialmente concedido pela Decisão C(90)1923/99 da Comissão.

  29. Uma vez que priva a recorrente da integralidade do apoio que lhe tinha sido inicialmente concedido, sem que o Estado-Membro disponha a este respeito de um poder de apreciação próprio, o telex em causa constitui, relativamente à recorrente, uma decisão individual que produz efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os seus interesses, alterando de modo claro a sua situação jurídica (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9; de 7 de Maio de 1991, Interhotel/Comissão, C-291/89, Colect., p. I-2257, n.os 12 e 13, e Oliveira/Comissão, C-304/89, Colect., p. I-2283, n.os 12 e 13; e de 4 de Junho de 1992, Cipeke/Comissão, C-189/90, Colect., p. I-3573, n.os 11 e 12).

  30. Deve assim ser julgada improcedente a questão prévia de admissibilidade suscitada pela Comissão.

    2. Quanto ao mérito

  31. Em apoio do pedido de anulação, a recorrente invoca cinco fundamentos baseados, respectivamente, na falta de notificação da decisão impugnada, em violação do princípio da colegialidade, das regras processuais, do dever de fundamentar e, por último, em desvio de poder.

    Quanto ao primeiro fundamento, baseado na falta de notificação do acto impugnado

  32. A recorrente salienta que o acto impugnado nunca lhe foi notificado e apenas chegou ao seu conhecimento acidentalmente, sob a forma de cópia que obteve a seu pedido.

  33. A Comissão não apresenta observações quanto a este ponto.

  34. O Tribunal verifica que efectivamente a recorrente teve a possibilidade de tomar devido conhecimento do conteúdo do acto impugnado e de interpor utilmente o presente recurso no prazo previsto. Nestas circunstâncias, não há que decidir quanto à questão de saber se este acto lhe foi formalmente notificado.

    Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do princípio da colegialidade

  35. A recorrente alega que a Comissão não respeitou o princípio da colegialidade. Seria impossível inferir do acto impugnado, que parece simplesmente emanar do «chefe de unidade em exercício», se e quando os membros da Comissão, obrigados colegialmente a assumir a sua responsabilidade, deliberaram em comum.

  36. A Comissão responde, por um lado, que a delegação de poderes constitui o meio normal através do qual a Comissão exerce as suas competências e, por outro lado, que o acto impugnado foi adoptado no quadro da gestão do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), Secção Orientação, que integra a Direcção-Geral Pescas (DG XIV).

  37. O Tribunal observa que, como resulta do Regulamento Interno da Comissão, podem ser delegados em funcionários poderes para tomarem, em seu nome e sob o seu controlo, medidas de gestão ou de administração claramente definidas, como a medida controvertida, e as delegações de poderes constituem o meio normal pelo qual a Comissão exerce as suas funções (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 1990, FUNOC/Comissão, C-200/89, Colect., p. I-3669, n.os 13 e 14).

  38. No caso em apreço, a recorrente não apresentou qualquer indicação que permitisse considerar que a administração comunitária se teria desviado do cumprimento das disposições aplicáveis na matéria. Importa salientar, pelo contrário, que o chefe de unidade em exercício, que assinou a decisão impugnada, integra a DG XIV responsável pelas pescas, o sector económico beneficiário dos apoios comunitários concedidos com base no Regulamento n.° 4028/86.

  39. O segundo fundamento deve, portanto, ser rejeitado.

    Quanto ao terceiro fundamento, baseado em violação das regras processuais

    Argumentação das partes

  40. Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter reduzido o apoio financeiro comunitário inicialmente concedido, sem ter previamente aplicado o procedimento de redução previsto no artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4028/86, nem respeitado, antes de mais, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 7.° do Regulamento n.° 1116/88, entre as quais a de convidar o beneficiário a exprimir, por intermédio da autoridade ou do organismo do Estado-Membro interessado, os motivos do incumprimento das condições previstas.

  41. Em segundo lugar, a recorrente salienta que, na hipótese de uma decisão de redução, o artigo 44.°, n.° 1, primeiro travessão, do Regulamento n.° 4028/86 impõe o procedimento previsto no artigo 47.° do mesmo regulamento.

  42. A Comissão contesta que a decisão impugnada possa ser considerada como exigindo o recurso ao procedimento previsto no artigo 44.° do Regulamento n.° 4028/86. Esta disposição refere-se a situações em que o apoio comunitário é reduzido, quando, na sequência de nova apreciação que implica modificações, o projecto deixa de corresponder ao projecto inicial.

  43. Não se inclui nessa hipótese o caso, como o presente, em que o apoio comunitário permanece inalterado, sendo apenas as despesas elegíveis que diminuem, porque o projecto não é executado de acordo com as previsões. Já não se trata de uma redução do apoio, na acepção do artigo 44.° do Regulamento n.° 4028/86, mas apenas da recusa de admitir determinadas despesas, o que tem como resultado uma adaptação em termos absolutos do montante pago pela Comunidade. Esta mera determinação das despesas elegíveis não implica qualquer nova apreciação jurídica e económica, mas apenas considerações técnicas.

  44. No caso vertente, a recorrente nunca pediu a revisão do projecto apresentado e aprovado pela Decisão C(90)1923/99. Na falta de qualquer comunicação da recorrente relativa a uma modificação do projecto, o Ministério teria declarado, no certificado, que algumas das despesas não correspondiam ao projecto aprovado e não eram portanto elegíveis, e que as outras despesas eram elegíveis. A Comissão pagou, portanto, as despesas consideradas elegíveis, sem que isso tenha implicado uma avaliação ulterior do projecto.

  45. Nessa hipótese, a convocação do Comité Permanente das Estruturas da Pesca, nos termos do procedimento previsto no artigo 47.° do Regulamento n.° 4028/86, não teria qualquer sentido a não ser desvirtuar as actividades do Comité, que já não teria então de se pronunciar sobre projectos, mas sobre a não elegibilidade das diferentes despesas efectuadas.

  46. A Comissão observa que a recorrente, de qualquer o modo, dispôs da possibilidade de apresentar as suas observações na correspondência trocada com as autoridades nacionais, que as teriam transmitido à Comissão. A Comissão exprimiu a sua posição no acto impugnado, o qual menciona expressamente a carta do advogado da recorrente entrada na DG XIV em 3 de Agosto de 1995. Resulta da documentação trocada que foi precisamente na sequência de determinadas observações da recorrente que foi adoptado o acto impugnado.

    Apreciação do Tribunal

  47. Decorre da argumentação que a recorrente desdobra, na realidade, o fundamento em duas partes, alegando na primeira a violação do princípio do contraditório e na segunda a falta de consulta do Comité. Com efeito, uma vez que o artigo 47.° do Regulamento n.° 4028/86 visa regular as modalidades de consulta deste órgão, o Tribunal conclui daí que a recorrente, ao sustentar que o artigo 44.°, n.° 1, primeiro travessão, do Regulamento n.° 4028/86 impõe o procedimento do artigo 47.°, pretendeu com isso deduzir também, para além da acusação baseada na violação do princípio do contraditório, a de falta de consulta do Comité.

    • Quanto à primeira parte do terceiro fundamento



  48. O Tribunal recorda que o respeito pelos direitos de defesa em qualquer processo contra uma pessoa e susceptível de culminar num acto que afecte os seus interesses é um princípio fundamental de direito comunitário e deve ser garantido, mesmo não existindo qualquer regulamentação sobre o procedimento em causa. Este princípio exige que os destinatários de decisões que, como no caso vertente, afectam de modo sensível os seus interesses, sejam colocados em condições de dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C-32/95 P, Colect., p. I-5373, n.° 21).

  49. Resulta contudo do n.° 5 da petição que a recorrente contestou a correcção do certificado e pediu o seu reexame nas observações escritas que entraram no Ministério em 28 de Julho de 1995 e na Comissão em 3 de Agosto seguinte, ou seja, antes de a Comissão ter definitivamente adoptado a decisão pelo telex n.° 12497 de 27 de Outubro de 1995.

  50. O Tribunal observa que a própria recorrente especificou, no mesmo número da petição, que a Comissão decidiu, por telegrama de 7 de Agosto de 1995, aplicar o procedimento de pagamento do apoio comunitário, determinado com base nos cálculos indicados no certificado.

  51. Daí decorre que a recorrente esteve em condições de apresentar, antes da adopção da decisão controvertida, as razões da inobservância das condições previstas, e que as exigências previstas, a esse respeito, no artigo 7.° do Regulamento n.° 1116/88 foram, no essencial, respeitadas pela Comissão.

  52. Nestas circunstâncias, há que rejeitar a primeira parte do terceiro fundamento.

    • Quanto à segunda parte do terceiro fundamento



  53. É ponto assente que, como ela própria reconheceu, a recorrente procedeu a modificações do projecto sem respeitar a formalidade da sua comunicação prévia às autoridades comunitárias e nacionais, o que, como a própria interessadareconheceu, constituía um obstáculo importante à regularização do seu dossier (v. n.° 13, supra).

  54. Ora, a decisão de concessão do apoio especificava expressamente a este respeito que «os trabalhos previstos não (podiam) sofrer modificações nem alterações sem acordo prévio da administração nacional e eventualmente da Comissão».

  55. Nestas condições a Comissão pôde, após análise, limitar-se a concluir, à luz do certificado elaborado pela administração nacional, que as despesas consideradas inelegíveis não podiam ser tomadas em consideração, uma vez que não integravam o projecto aprovado.

  56. O Tribunal considera, em consequência, que a decisão impugnada não constitui uma decisão de redução, na acepção do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4028/86, do apoio inicialmente concedido à recorrente, mas limita-se, na realidade, a constatar que uma parte das despesas cujo pagamento a recorrente pede não está relacionada com o projecto tal como foi inicialmente aprovado.

  57. Deve portanto rejeitar-se a segunda parte do terceiro fundamento.

  58. Pelo que todo o terceiro fundamento deve ser desatendido.

    Quanto ao quarto fundamento, baseado em violação do dever de fundamentar

    Argumentação das partes

  59. A recorrente desdobra este fundamento em duas partes. Em primeiro lugar, observa que, com excepção de uma referência absolutamente genérica ao Regulamento n.° 4028/86, o acto impugnado não indica o seu fundamento jurídico.

  60. A Comissão responde que o objecto do acto impugnado se refere expressamente ao Regulamento n.° 4028/86 e que o próprio acto menciona este regulamento e o Regulamento n.° 1116/88.

  61. Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a fundamentação do acto impugnado não lhe permite conhecer as razões da recusa de concessão de uma parte do apoio inicialmente concedido, e não permite ao Tribunal exercer a sua fiscalização. Em especial, a Comissão não explicou em que consiste o erro que a recorrente teria cometido nas observações relativas à imputação de despesas efectivamente efectuadas em rubricas não previstas, nem qual seria a leitura correcta que deveria fazer-se desses dados técnicos e contabilísticos.

  62. A Comissão responde que resulta da leitura do acto impugnado que a sua justificação reside nos documentos a que o mesmo faz referência e que foram fornecidos pelas autoridades nacionais à Comissão, nomeadamente o certificado.

    Apreciação do Tribunal

    • Quanto à primeira parte do quarto fundamento



  63. O Tribunal constata que a decisão impugnada menciona expressamente os Regulamentos n.os 4028/86 e 1116/88, aplicáveis no caso vertente. Atendendo ao contexto do processo e, designadamente, à argumentação expendida em apoio do terceiro fundamento, a recorrente não podia equivocar-se quanto ao alcance dessas duas referências e não pode portanto considerar-se que foi deixada na incerteza quanto ao fundamento jurídico da decisão impugnada (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, Colect., p. I-1493, n.° 9).

  64. Deve portanto rejeitar-se a primeira parte do fundamento.

    • Quanto à segunda parte do quarto fundamento



  65. Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado deve ser adaptada à natureza jurídica do acto em causa e deve revelar, de forma clara e inequívoca, o percurso lógico seguido pela instituição de que emana o acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões que justificaram a medida adoptada e ao Tribunal exercer a sua fiscalização. Não se pode no entanto exigir que a fundamentação de um acto especifique os diferentes elementos de facto e de direito relevantes, uma vez que o carácter suficiente da fundamentação deve ser apreciado não somente em relação ao seu teor literal, mas também ao seu contexto, bem como ao conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1995, Atlanta e o., C-466/93, Colect., p. I-3799, n.° 16).

  66. No caso em apreço, resulta dos antecedentes do processo, da correspondência trocada entre a recorrente e a administração nacional e a Comissão, bem como da decisão impugnada, que as razões invocadas pela Comissão em apoio dessa decisão surgem de forma suficientemente clara para permitir à recorrente invocar os seus direitos no Tribunal comunitário e para permitir a este a sua fiscalização da legalidade da decisão.

  67. Em primeiro lugar, como resulta da carta de 12 de Dezembro de 1994, que dirigiu ao Ministério e à Comissão, a recorrente admitiu, por um lado, que após a apresentação do projecto algumas condições tinham sofrido uma alteração substancial que implicava adaptações e, por outro, declarou estar consciente de não ter respeitado a formalidade da comunicação prévia das modificações, o que, como a própria interessada reconhece, era um obstáculo importante à regularização do seu dossier (v. n.° 13, supra).

  68. Em segundo lugar, as explicações pormenorizadas que o certificado fornece em apoio da declaração de inelegibilidade das despesas que integram as diversas rubricas em causa revelam com suficiente clareza os fundamentos que justificam a decisão impugnada, como exige a jurisprudência nessa matéria (acórdão Cipeke/Comissão, já referido, n.os 18 a 22).

  69. Em terceiro lugar, a decisão impugnada enuncia, de modo sucinto mas claro, os fundamentos considerados pela Comissão, por um lado respondendo a alguns dos argumentos desenvolvidos pela recorrente nas observações chegadas à Comissão em 3 de Agosto de 1995 e, por outro lado, fazendo referência às explicações fornecidas pelo Ministério no certificado. Ora, tendo em conta o sistema de colaboração estreita entre a Comissão e os Estados-Membros em que assenta a concessão dos apoios financeiros (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Janeiro de 1995, Branco/Comissão, T-85/94, Colect., p. II-45, n.° 36), foi correctamente que a decisão impugnada fez também referência a essas explicações.

  70. Nestas circunstâncias, verifica-se que a fundamentação da decisão impugnada deu à recorrente uma indicação suficiente para conhecer os principais elementos de facto e de direito que estão na base do raciocínio exposto, independentemente da exactidão material desses fundamentos e do montante das despesas declaradas inelegíveis, que não foi invocada pela recorrente perante o Tribunal e que se prende com a justeza da decisão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1957, Geitling/Alta Autoridade, 2/56, Colect. 1954-1961, p. 121; de 8 de Fevereiro de 1966, Acciaierie e Ferriere Pugliesi/Alta Autoridade, 8/65, publicação sumária em Colect. 1965-1968, p. 301, Recueil, p. 1; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Outubro de 1996, Vecchi/Comissão, T-356/94, ColectFP, p. II-1251, n.° 82).

  71. Deve portanto rejeitar-se a segunda parte deste fundamento.

  72. Pelo que todo o quarto fundamento deve ser desatendido.

    Quanto ao quinto fundamento, baseado em desvio de poder

  73. A recorrente sustenta que a Comissão, que tem competência exclusiva em matéria de concessão e redução de apoios, teria, através de um acto apresentado formalmente como um parecer, contornado a aplicação do procedimento de redução previsto no artigo 44.° do Regulamento n.° 4028/86 e no artigo 7.° do Regulamento n.° 1116/88. Ao afirmar que a redução do apoio mediante decisão adoptada após consulta prévia do Comité Permanente das Estruturas da Pesca iria sobrecarregar excessivamente a actividade deste órgão, a Comissão revelou que o acto impugnado teria como verdadeira finalidade obter o efeito prático de uma redução do apoio evitando o recurso ao procedimento previsto para esse efeito.

  74. A Comissão responde que a recorrente atribui erradamente ao acto impugnado carácter vinculativo relativamente às autoridades nacionais.

  75. O Tribunal constata que a recorrente não apresentou indícios objectivos, pertinentes e concordantes susceptíveis de demonstrar que a decisão impugnada foi adoptada com o fim exclusivo, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um procedimento especialmente previsto no Tratado ou pelos actos de direito derivado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1995, Parlamento/Comissão, C-156/93, Colect., p. I-2019, n.° 31).

  76. Resulta, pelo contrário, do que precede que a razão que inspirou a actuação da Comissão residia nas modificações que a recorrente introduziu no projecto I/16/90.

  77. Por conseguinte, deve rejeitar-se o quinto fundamento.

  78. Daqui resulta que deve ser negado provimento ao pedido de anulação na totalidade.

    Quanto ao pedido de indemnização

    Quanto ao mérito

  79. A recorrente sustenta que a Comissão lhe deve a reparação do prejuízo que alega ter sofrido devido à redução de uma parte considerável do apoio financeiro concedido tanto pela Comunidade como pelas autoridades nacionais.

  80. A recorrente pede uma apreciação equitativa do prejuízo pelo Tribunal, ainda que o montante do prejuízo a atribuir não possa ser inferior aos juros compensatórios ou, pelo menos, aos juros de mora vencidos, relativamente ao montante impugnado, a contar da data da interpelação recebida pela Comissão em 3 de Agosto de 1995.

  81. A Comissão alega, por seu turno, que não existe qualquer nexo de causalidade directo entre o acto impugnado e o prejuízo invocado pela recorrente, considerando simultaneamente que não se verificam as duas outras condições para que exista responsabilidade extracontratual da Comunidade, a saber, a ilegalidade do comportamento censurado e a realidade do prejuízo alegado.

  82. O Tribunal recorda que a responsabilidade extracontratual da Comunidade apenas pode ser efectivada caso esteja reunido um conjunto de condições no que respeita à ilegalidade do comportamento censurado à instituição comunitária, à realidade do prejuízo e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1981, Ludwigshafener Walzmühle e o./Conselho e Comissão, 197/80, 198/80, 199/80, 200/80, 243/80, 245/80 e 247/80, Recueil, p. 3211, n.° 18; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Janeiro de 1996, Koelman/Comissão, T-575/93, Colect., p. II-1, n.° 89; e de 16 de Janeiro de 1996, Candiotte/Conselho, T-108/94, Colect., p. II-87, n.° 54).

  83. Ora, como resulta da apreciação dos fundamentos de anulação, a recorrente não apresentou qualquer prova de um vício que afecte a legalidade da decisão impugnada. Nessa medida, a ilegalidade do comportamento censurado à Comissão não foi de modo algum demonstrada e deve, portanto, negar-se provimento ao pedido de indemnização do prejuízo alegado.

  84. Pelo que o pedido de indemnização deve ser julgado improcedente.

  85. Decorre do que precede que deve negar-se provimento ao recurso na totalidade.

    Quanto às despesas

  86. Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida e a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, há que condená-la nas despesas.

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),

    decide:

    1. É negado provimento ao recurso.

    2. A recorrente é condenada nas despesas.


    VesterdorfBriët
    Potocki

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Novembro de 1997.

    O secretário

    O presidente

    H. Jung

    B. Vesterdorf


1: Língua do processo: italiano.