Language of document : ECLI:EU:T:2022:262

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

27 de abril de 2022 (*)

«Saúde pública — Exigência de apresentação de um certificado COVID‑19 digital da União válido para aceder aos edifícios do Parlamento — Base legal — Liberdade e independência dos deputados — Obrigação de assegurar a saúde do pessoal ao serviço da União — Imunidade parlamentar — Tratamento de dados pessoais — Direito ao respeito da vida privada — Direito à integridade física —Direito à segurança — Igualdade de tratamento — Proporcionalidade»

Nos processos apensos T‑710/21, T‑722/21 e T‑723/21,

Robert Roos e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo (1), representados por P. de Bandt, M. Gherghinaru, L. Panepinto e V. Heinen, advogados,

recorrentes,

contra

Parlamento Europeu, representado por S. Alves e A.‑M. Dumbrăvan, na qualidade de agentes,

recorrido,

que têm por objeto

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada),

composto por: S. Papasavvas, presidente, J. Svenningsen, presidente, R. Barents, C. Mac Eochaidh e T. Pynnä (relatora), juízes,

secretário: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 15 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com os seus recursos baseados no artigo 263.o TFUE, os recorrentes, que são todos deputados eleitos ao Parlamento Europeu para a legislatura de 2019‑2024, pedem a anulação da Decisão da Mesa do Parlamento, de 27 de outubro de 2021, sobre regras excecionais em matéria de saúde e de segurança que regem o acesso às instalações do Parlamento nos seus três locais de trabalho (a seguir «decisão recorrida»).

I.      Antecedentes do litígio

2        No âmbito da crise sanitária causada pela pandemia de COVID‑19, o legislador europeu, sob proposta da Comissão Europeia, adotou o Regulamento (UE) 2021/953 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2021, relativo a um regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID‑19 (Certificado Digital COVID da UE), a fim de facilitar a livre circulação durante a pandemia de COVID‑19 (JO 2021, L 211, p. 1), e o Regulamento (UE) 2021/954 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2021, relativo a um regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID‑19 (Certificado Digital COVID da UE) no que respeita a nacionais de países terceiros que permaneçam ou residam no território dos Estados‑Membros durante a pandemia de COVID‑19 (JO 2021, L 211, p. 24).

3        Com base nestes regulamentos, alguns Estados‑Membros decidiram instituir aplicações nacionais do certificado COVID digital da União Europeia (a seguir «certificado COVID») e alargar a sua utilização, nomeadamente ao acesso a certos eventos, edifícios ou transportes, com vista a limitar a propagação do vírus SARS‑CoV‑2 e a preservar a saúde pública. É, nomeadamente, o caso dos três Estados‑Membros onde se situam as sedes do Parlamento, a saber, a Bélgica, a França e o Luxemburgo.

4        Desde o início da crise sanitária em março de 2020, o presidente do Parlamento adotou diversas medidas com o objetivo de proteger a saúde dos deputados, do pessoal e de outras pessoas presentes nos seus edifícios, garantindo ao mesmo tempo a capacidade do Parlamento de assegurar as suas funções essenciais conforme definidas pelos Tratados.

5        Essas medidas temporárias foram regularmente prorrogadas ou alteradas. Em função, nomeadamente, da evolução da situação epidemiológica, certas medidas podiam ser flexibilizadas ou reforçadas. Essas medidas incluem, nomeadamente, desde a primavera de 2020, o uso de máscara e o controlo da temperatura. Até ao outono de 2021, previam igualmente a proibição de numerosas categorias de eventos ou de visitas individuais ou de grupos. As sessões plenárias foram mantidas em Bruxelas (Bélgica) entre março de 2020 e maio de 2021.

6        Além disso, a partir de 16 de março de 2020, o secretário-geral do Parlamento, em resposta à pandemia de COVID‑19, instituiu um regime excecional de teletrabalho integral. Esse regime foi adaptado à evolução da pandemia e foi substituído a partir de 1 de setembro de 2021 pela decisão do secretário-geral de 16 de julho de 2021 relativa ao teletrabalho, que previa que o teletrabalho passaria a ser exercido numa base voluntária, passando a presença física a ser o modo de trabalho por defeito, de acordo com o artigo 20.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»).

7        Em 25 de março de 2021, em estreita cooperação com as autoridades de Bruxelas, o Parlamento abriu um centro de vacinação contra a COVID‑19 nas suas instalações em Bruxelas, a fim de facilitar a vacinação, nomeadamente, dos deputados e dos membros do seu pessoal, sem que necessitassem, eventualmente, de se deslocar ao seu país de origem. Além disso, desde o início da pandemia em março de 2020, o Parlamento instituiu procedimentos excecionais temporários a fim de permitir aos deputados participarem à distância nos debates e nas votações.

8        Em 2 de setembro de 2021, o presidente do Parlamento adotou uma decisão sobre as medidas de segurança destinadas a limitar a propagação da COVID‑19. Nos termos dessa decisão, o acesso dos visitantes, assistentes locais, intervenientes externos e representantes de interesses às instalações do Parlamento está condicionado à apresentação de um certificado COVID ou de um certificado equivalente. Essa decisão prevê igualmente as obrigações de uso de máscara e de respeito do distanciamento social no Parlamento, bem como a proibição de acesso ao Parlamento a qualquer pessoa cuja temperatura seja superior a 37,7 °C, que espirre ou tussa, que tenha testado positivo ao COVID‑19 ou que tenha estado em contacto com alguém que tenha testado positivo à COVID‑19.

9        No mesmo dia, o presidente do Parlamento adotou uma decisão relativa às medidas extraordinárias que permitem ao Parlamento assegurar a continuidade das suas atividades e exercer as prerrogativas que lhe são reconhecidas pelos Tratados. Essa decisão prevê, nomeadamente, o restabelecimento de certas atividades parlamentares, como as missões e as delegações, bem como as obrigações de respeito do distanciamento social e de uso de máscara durante os debates parlamentares.

10      Em 30 de setembro de 2021, o presidente do Parlamento adotou duas decisões que prorrogavam até 17 de outubro de 2021 a aplicação das medidas adotadas pelas decisões de 2 de setembro de 2021.

11      Em 14 de outubro de 2021, o presidente do Parlamento adotou uma nova decisão sobre as medidas de segurança destinadas a limitar a propagação do vírus, e que previa, por um período compreendido entre 18 de outubro e 2 de novembro de 2021, limitar a organização de um grande número de eventos e de visitas nos edifícios do Parlamento, impor o controlo das temperaturas à entrada dos edifícios, impor o distanciamento social e o uso de máscara durante os debates parlamentares e sujeitar o acesso de visitantes, assistentes locais, oradores externos e representantes de interesses aos edifícios à apresentação de um certificado COVID.

12      No mesmo dia, o presidente do Parlamento adotou uma nova decisão relativa às medidas extraordinárias que permitiam ao Parlamento assegurar a continuidade das suas atividades e exercer as prerrogativas que lhe são reconhecidas pelos Tratados, e que previa, para o período compreendido entre 18 de outubro e 2 de novembro de 2021, um regime de participação à distância para a organização de sessões, comissões e delegações interparlamentares, para a realização de reuniões de certos órgãos, para o exercício do direito de voto, etc.

13      Apesar das medidas de distanciamento e das precauções sanitárias instituídas, e apesar da cobertura vacinal estimada em mais de 80 % do pessoal, desde setembro de 2021, foi detetado um número crescente de casos de transmissão no Parlamento.

14      Assim, em 27 de outubro de 2021, a Mesa do Parlamento (a seguir «Mesa») adotou a decisão recorrida. Esta decisão impõe, no período compreendido entre 3 de novembro de 2021 e 31 de janeiro de 2022, a qualquer pessoa que pretenda aceder aos edifícios do Parlamento, nos seus três locais de trabalho, a apresentação de um certificado COVID válido.

15      Especifica‑se no considerando 11 da decisão recorrida que essas medidas prosseguem um duplo objetivo, uma vez que visam, por um lado, assegurar o respeito pela instituição da sua obrigação legal, decorrente dos Tratados, de regressar aos processos normais e, por outro, fornecer garantias suficientes para proteger a vida e a saúde de todas as pessoas presentes nas instalações do Parlamento.

16      Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento 2021/953, o quadro do certificado COVID permite a emissão, a verificação e a aceitação transfronteiriça de um dos seguintes certificados:

–        um certificado que confirme que foi administrada ao titular uma vacina contra a COVID‑19 no Estado‑Membro que emite o certificado (a seguir «certificado de vacinação»);

–        um certificado que confirme que o titular foi sujeito a um teste molecular de amplificação de ácidos nucleicos (a seguir «teste PCR») ou a um teste rápido de deteção de antigénio (a seguir «teste TRA») que figura na lista comum e atualizada dos testes TRA para o diagnóstico da COVID‑19 elaborada com base na recomendação do Conselho da União Europeia de 21 de janeiro de 2021, realizado por profissionais de saúde ou por pessoal habilitado a realizar este tipo de testes no Estado‑Membro que emite o certificado, e que indique o tipo de teste, a data em que o teste foi realizado e o resultado do teste (a seguir «certificado de teste);

–        um certificado que confirme que, na sequência de um resultado positivo a um teste PCR realizado por profissionais de saúde ou por pessoal habilitado a realizar este tipo de testes, o titular recuperou de uma infeção por SARS‑CoV2 (a seguir «certificado de recuperação»).

II.    Pedidos das partes

17      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o Parlamento nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

18      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar os recursos inadmissíveis ou, a título subsidiário, improcedentes;

–        condenar os recorrentes nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade dos recursos

1.      Quanto ao interesse em agir dos recorrentes

19      Por medida de organização do processo e na audiência, as partes foram convidadas a precisar se os recorrentes mantinham interesse em agir contra a decisão recorrida, tendo em conta o facto de só ser aplicável até 31 de janeiro de 2022.

20      Recorde‑se, a este respeito, que, segundo jurisprudência constante, o interesse em agir de um recorrente deve existir, tendo em conta o objeto do recurso, no momento da sua interposição, sob pena de este ser julgado inadmissível. Esse objeto do litígio deve perdurar, tal como o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento de mérito, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (v. Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Leino‑Sandberg/Parlamento, C‑761/18 P, EU:C:2021:52, n.o 32 e jurisprudência referida).

21      Além disso, resulta da jurisprudência que o recorrente pode manter o interesse em pedir a anulação de um ato de uma instituição da União Europeia para evitar que a ilegalidade de que este alegadamente está ferido se reproduza no futuro (Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 50).

22      Esse interesse em agir só pode existir, porém, se a ilegalidade alegada for suscetível de se reproduzir no futuro, independentemente das circunstâncias do processo que deu lugar ao recurso interposto pelo recorrente (Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 52).

23      No caso, como alegaram os recorrentes na audiência, não está excluído que as ilegalidades que invocam se repitam no futuro, independentemente das circunstâncias do processo que deu origem aos recursos por si interpostos.

24      Com efeito, nos seus recursos, os recorrentes invocam várias ilegalidades, relativas, nomeadamente, à falta de base legal adequada da decisão recorrida, à violação dos seus privilégios e imunidades, bem como à violação da sua liberdade e independência, ou ainda à violação do seu direito ao respeito da vida privada, que são suscetíveis de se reproduzir no âmbito de decisões análogas, independentemente das circunstâncias que deram origem aos presentes recursos.

25      Além disso, como indicou o Parlamento na audiência, a decisão recorrida foi prorrogada, num primeiro momento, até 13 de março de 2022, por Decisão da Mesa de 26 de janeiro de 2022 e, num segundo momento, até 10 de abril de 2022, por Decisão da Mesa de 7 de março de 2022. Por conseguinte, não está excluído que a decisão recorrida possa ainda ser prorrogada ou que uma decisão análoga possa ser novamente adotada.

26      Por conseguinte, os recorrentes mantêm interesse em pedir a anulação da decisão recorrida.

2.      Quanto à legitimidade dos recorrentes 

27      O Parlamento contesta a admissibilidade do recurso e considera que os recorrentes não têm legitimidade, conforme definida no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

28      Recorda que o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE prevê três hipóteses em que uma pessoa pode ter legitimidade, a saber, em primeiro lugar, quando essa pessoa é destinatária do ato em questão, em segundo lugar, quando o ato em questão lhe diz direta e individualmente respeito e, em terceiro lugar, quando o ato em questão é um ato regulamentar que lhe diz diretamente respeito e não necessita de medidas de execução. Ora, o Parlamento considera que nenhuma destas hipóteses corresponde ao caso presente.

29      As recorrentes contestam esta argumentação.

30      Importa recordar, a este respeito, que, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, «qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução».

31      Refira‑se, em primeiro lugar, que, como alega o Parlamento, os recorrentes não podem ser considerados destinatários do ato recorrido, na aceção dessa disposição. Com efeito, essa decisão não lhes é dirigida pessoalmente e aplica‑se, por força do seu artigo 2.o, a «todas as pessoas que pretendam aceder aos edifícios do Parlamento nos seus três locais de trabalho, incluindo aos deputados, aos funcionários, aos assistentes parlamentares acreditados e aos outros agentes do Parlamento».

32      Ora, importa recordar que o conceito de «destinatário do ato» na aceção da referida disposição deve ser entendido no sentido formal de que visa a pessoa designada nesse ato como seu destinatário. É certo que o facto de uma pessoa diferente do destinatário formal de um ato poder ser visada pelo seu conteúdo pode conferir legitimidade a essa pessoa, se demonstrar, nomeadamente, que, tendo em conta esse conteúdo, esse ato lhe diz diretamente respeito, mas não enquanto destinatária do referido ato. Além disso, o facto de ter sido enviada aos recorrentes uma cópia da decisão recorrida não é suficiente para os considerar destinatários dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, SACBO/Comissão e INEA, C‑281/14 P, não publicado, EU:C:2016:46, n.o 34).

33      Em segundo lugar, recorde‑se que a admissibilidade de um recurso interposto por uma pessoa singular ou coletiva de um ato do qual não é destinatária, ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, está sujeita à condição de lhe ser reconhecida legitimidade, legitimidade essa que se verifica em duas situações. Por um lado, esse recurso pode ser interposto se esse ato lhe disser direta e individualmente respeito. Por outro, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução, se o mesmo lhe disser diretamente respeito (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Commissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 31 e jurisprudência referida).

34      O Tribunal Geral considera oportuno examinar em primeiro lugar se os recorrentes dispõem de legitimidade processual ao abrigo da segunda hipótese acima referida no n.o 33.

35      A esse respeito, em primeiro lugar, importa recordar que o conceito de «ato regulamentar», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, último segmento de frase, TFUE, abrange todos os atos não legislativos de alcance geral (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 28). A jurisprudência esclareceu que o alcance geral de um ato se pode inferir do facto de se aplicar a situações objetivamente determinadas e de produzir os seus efeitos jurídicos relativamente a categorias de pessoas previstas de uma forma geral e abstrata (v. Acórdão de 31 de maio de 2001, Sadam Zuccherifici e o./Conselho, C‑41/99 P, EU:C:2001:302, n.o 24 e jurisprudência referida).

36      Ora, no caso, há que observar que a decisão recorrida, embora adotada sob a forma de decisão, constitui na realidade um ato regulamentar de alcance geral, na medida em que se aplica objetivamente a situações determinadas e produz os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas consideradas de forma geral e abstrata, o que o Parlamento não contesta.

37      Em segundo lugar, importa recordar que o requisito de a decisão objeto do recurso dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, conforme previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, exige que estejam preenchidos dois critérios cumulativos, a saber, por um lado, que a medida impugnada produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários encarregados da sua execução, tendo tal decisão um caráter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (v. Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Commissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42 e jurisprudência referida).

38      No caso, como alegam os recorrentes, a decisão recorrida produz efeitos jurídicos diretos e obrigatórios a seu respeito, uma vez que, desde a sua entrada em vigor em 3 de novembro de 2021, só podem ter acesso aos edifícios do Parlamento para exercer as suas funções de deputados europeus e participar nos trabalhos deste último se puderem apresentar um certificado COVID válido.

39      A esse respeito, embora o Parlamento tenha decidido reintroduzir, a partir de 22 de novembro de 2021, um regime de teletrabalho obrigatório, à razão de um máximo de três dias por semana em média numa base mensal, para todos os membros do pessoal, desde que isso seja compatível com o exercício das suas funções, e permitir aos deputados participar à distância nos debates e nas votações em plenário e nas comissões, como confirmou o Parlamento na audiência, a decisão recorrida e a obrigação de apresentar um certificado COVID válido para poder aceder aos edifícios do Parlamento continuavam em vigor durante todo esse período.

40      Por outro lado, é pacífico que não existe nenhum poder de apreciação relativamente aos destinatários da decisão recorrida encarregados de a executar, nomeadamente os agentes de segurança do Parlamento encarregados de controlar a apresentação de um certificado COVID válido. Esta tem caráter puramente automático e não necessita de medidas intermédias.

41      Por conseguinte, há que concluir que a decisão recorrida diz diretamente respeito aos recorrentes.

42      Em terceiro lugar, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, a expressão «que não necessitam de medidas de execução», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, último segmento de frase, TFUE, deve ser interpretada à luz do objetivo desta disposição, que consiste, como resulta da sua génese, em evitar que um particular seja obrigado a violar a lei para poder recorrer ao juiz. Ora, quando um ato regulamentar produz diretamente efeitos sobre a situação jurídica de uma pessoa singular ou coletiva sem exigir medidas de execução, esta última arrisca‑se a ficar desprovida de proteção jurisdicional efetiva caso não disponha de uma via direta de recurso para o juiz da União a fim de pôr em causa a legalidade desse ato regulamentar. Com efeito, na falta de medidas de execução, uma pessoa singular ou coletiva, ainda que diretamente afetada pelo ato em causa, só estaria em condições de obter uma fiscalização jurisdicional desse ato depois de ter violado as suas disposições, invocando a ilegalidade das mesmas no âmbito dos processos contra si intentados nos órgãos jurisdicionais nacionais (v. Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 58 e jurisprudência referida).

43      Em contrapartida, quando um ato regulamentar necessita de medidas de execução, a fiscalização jurisdicional do respeito da ordem jurídica da União é assegurada independentemente da questão de saber se as referidas medidas emanam da União ou dos Estados‑Membros. As pessoas singulares ou coletivas que não possam, devido aos pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, impugnar diretamente perante o juiz da União um ato regulamentar da União estão protegidas da aplicação de tal ato, no que lhes diz respeito, através da faculdade de impugnarem as medidas de execução que o referido ato necessita (v. Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 59 e jurisprudência referida).

44      Quando a execução desses atos incumbe às instituições, aos órgãos ou aos organismos da União, as pessoas singulares ou coletivas podem interpor recurso direto nos órgãos jurisdicionais da União dos atos de execução, nas condições referidas no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e, ao abrigo do artigo 277.o TFUE, invocar como fundamento desse recurso a ilegalidade do ato de base em causa (v. Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 60 e jurisprudência referida)

45      Por outro lado, o Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente que, para determinar se um ato regulamentar necessita de medidas de execução, há que considerar a posição da pessoa que invoca o direito de recurso ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, última parte da frase, TFUE. Não é assim pertinente saber se o ato em causa comporta medidas de execução em relação a outros litigantes (v. Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 61 e jurisprudência referida).

46      Assim, resulta da jurisprudência que o conceito de «medidas de execução» implica, por um lado, a adoção de um ato, seja pelas instituições, órgãos ou organismos da União, seja pelos Estados‑Membros, que seja passível de fiscalização jurisdicional (v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2020, Associazione GranoSalus/Comissão, C‑313/19 P, não publicado, EU:C:2020:869, n.o 37) e, por outro, que os efeitos jurídicos do ato recorrido só se materializarão para os recorrentes por meio dessas medidas de execução (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 50; de 13 de março de 2018, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑244/16 P, EU:C:2018:177, n.o 57; e de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 64).

47      Segundo o Parlamento, resulta do artigo 3.o da decisão recorrida que o acesso às instalações do Parlamento é concedido ou recusado após uma inspeção efetuada pelos serviços de segurança do Parlamento. No âmbito desse controlo, não é só verificada a posse de um certificado COVID mas também, sendo caso disso, o facto de a pessoa em causa beneficiar de uma derrogação concedida pelo secretário‑geral ao abrigo do artigo 5.o, n.o 2, da decisão recorrida. Por conseguinte, relativamente aos recorrentes, os efeitos da decisão recorrida só se manifestam na sequência da fiscalização efetuada pelos serviços de segurança do Parlamento.

48      No entanto, há que observar que, contrariamente ao que alega o Parlamento, os efeitos jurídicos da decisão recorrida se materializaram para os recorrentes logo com a entrada em vigor dessa decisão, sem necessitar de nenhuma medida de execução suplementar, na medida em que estes últimos tiveram de dispor, a partir dessa data, de um certificado COVID válido para poderem aceder aos edifícios do Parlamento.

49      Refira‑se ainda que os agentes de segurança do Parlamento, encarregados de controlar a execução da decisão recorrida, não adotam nenhum ato suscetível de ser objeto de fiscalização jurisdicional, limitando‑se a verificar, através da aplicação CovidScanBE ou CovidCheck.lu, se uma pessoa que pretenda aceder aos edifícios do Parlamento dispõe ou não de um certificado COVID válido.

50      Na audiência, o Parlamento alegou, no entanto, que as pessoas a quem fosse recusado o acesso aos seus edifícios por não disporem de certificado COVID válido poderiam obter, a pedido, um documento que confirmasse a recusa de acesso aos edifícios do Parlamento, o que constituiria uma medida de execução da decisão recorrida.

51      Refira‑se, porém, que seria artificial obrigar os recorrentes a pedirem a possibilidade de aceder aos edifícios do Parlamento, apesar de não disporem de um certificado COVID válido, com o objetivo de obterem esse documento que declarasse que não preenchem as condições da decisão recorrida e poderem, seguidamente, impugnar esse ato em juízo e invocar em apoio do seu recurso, nos termos do artigo 277.o TFUE, a ilegalidade da decisão recorrida (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 66); de 14 de janeiro de 2016, Doux/Comissão, T‑434/13, não publicado, EU:T:2016:7, n.os 59 a 64; e de 13 de setembro de 2018, Gazprom Neft/Conselho, T‑735/14 e T‑799/14, EU:T:2018:548, n.o 102).

52      Do mesmo modo, deve ser rejeitado o argumento do Parlamento de que os recorrentes podem requerer uma derrogação ao secretário‑geral do Parlamento, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 2, da decisão recorrida, e impugnar, seguidamente, uma eventual recusa de conceder essa derrogação. Com efeito, como confirmou o Parlamento na audiência, tais derrogações só são concedidas por razões legítimas muito especiais, como a vacinação num país terceiro, e nunca são concedidas de forma discricionária a pessoas que não disponham de um certificado COVID válido sem nenhuma razão válida.

53      Por conseguinte, além de ser artificial exigir aos recorrentes que apresentem tais pedidos de derrogação, refira‑se que estes nunca apresentaram tais pedidos no caso presente, pelo que tais eventuais medidas de execução são, em todo o caso, desprovidas de pertinência no caso em apreço, à luz da jurisprudência acima referida no n.o 46.

54      Por último, o Parlamento não pode invocar utilmente o Acórdão de 20 de novembro de 2017, Petrov e o./Parlamento (T‑452/15, EU:T:2017:822), para alegar que uma eventual recusa de acesso às instalações do Parlamento constitui, no caso presente, um ato que pode ser impugnado pela pessoa em causa perante o juiz da União. Com efeito, nesse processo, os recorrentes, nacionais de um Estado terceiro, contestavam a decisão que recusou conceder‑lhes a acreditação necessária para poderem aceder aos edifícios do Parlamento. Assim, ao contrário dos recorrentes no presente processo, esses recorrentes não dispunham, na falta dessa decisão, de um direito de acesso permanente aos edifícios do Parlamento. Além disso, a decisão em causa nesse processo era uma decisão expressa de recusa de acesso, de caráter individual, e não uma simples medida de fiscalização dos agentes de segurança do Parlamento, encarregados de implementar uma decisão prévia, de alcance geral, que condicionava o acesso aos edifícios do Parlamento, como no caso presente.

55      Por conseguinte, à luz de todas estas considerações, não se pode considerar que a decisão recorrida necessita de medidas de execução em relação aos recorrentes, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

56      Por conseguinte, na medida em que a decisão recorrida constitui um ato regulamentar que diz diretamente respeito aos recorrentes e não necessita de medidas de execução a seu respeito, há que declarar que estes têm legitimidade para agir ao abrigo da terceira hipótese do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

B.      Quanto à admissibilidade dos requerimentos de adaptação das petições

57      Na audiência, o Parlamento indicou que a decisão recorrida tinha sido prorrogada, num primeiro momento, até 13 de março de 2022, por Decisão da Mesa de 26 de janeiro de 2022, e depois, num segundo momento, até 10 de abril de 2022, por Decisão da Mesa de 7 de março de 2022. O Parlamento precisou igualmente que essas novas decisões se baseavam numa avaliação atualizada da situação sanitária e dos dados científicos disponíveis.

58      Interrogados quanto ao impacto destas novas decisões no presente recurso, os recorrentes alegaram, na audiência, que pretendiam adaptar o pedido das suas petições a fim de ter em conta esses elementos novos.

59      Refira‑se, porém, que, segundo o artigo 86.o, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a adaptação da petição deve ser efetuada por requerimento separado antes do encerramento da fase oral do processo ou antes da decisão do Tribunal Geral de decidir sem fase oral.

60      Esse requisito tem nomeadamente por objetivo garantir o respeito do contraditório e os direitos de defesa, permitindo ao demandado reagir aos fundamentos ou argumentos do demandante conforme adaptados, na medida em que digam respeito a novos elementos (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de janeiro de 2019, Haswani/Conselho, C‑313/17 P, EU:C:2019:57; n.os 36 a 40, de 9 de novembro de 2017, HX/Conselho, C‑423/16 P, EU:C:2017:848, n.o 23; e de 30 de novembro de 2016, Rotenberg/Conselho, T‑720/14, EU:T:2016:689, n.o 139).

61      Refira‑se ainda que os recorrentes e os seus representantes tomaram necessariamente conhecimento das novas decisões adotadas pela Mesa antes da audiência, pelo que, se tivessem igualmente querido contestar a legalidade dessas decisões, deveriam ter dado provas da diligência necessária interpondo quer novos recursos, com fundamento no artigo 263.o TFUE, quer adaptações das petições, em conformidade com os requisitos do artigo 86.o do Regulamento de Processo.

62      Por conseguinte, na medida em que os recorrentes não apresentaram requerimentos de adaptação das petições por requerimento separado antes do encerramento da fase oral do processo, os referidos requerimentos, feitos oralmente na audiência, devem ser julgados inadmissíveis.

C.      Quanto ao mérito

63      Nos seus recursos, os recorrentes invocam quatro fundamentos distintos, relativos, em primeiro lugar, à falta de base jurídica válida da decisão recorrida para produzir efeitos para os membros do Parlamento, em segundo lugar, à oposição da decisão recorrida aos princípios da liberdade e da independência dos membros do Parlamento e às imunidades que lhes são conferidas pelo Tratado, em terceiro lugar, à violação dos princípios gerais relativos ao tratamento de dados pessoais e, em quarto lugar, à violação injustificada do direito ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, ao direito à integridade física, ao direito à liberdade e à segurança e ao direito à igualdade perante a lei e à não discriminação.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de base jurídica válida da decisão recorrida para produzir efeitos para os membros do Parlamento 

64      Os recorrentes alegam que o artigo 25.o do Regimento do Parlamento não constitui uma base jurídica válida para a decisão recorrida poder produzir efeitos a seu respeito. Com efeito, sublinham que o n.o 2 desta disposição, que, em seu entender, é o único que poderia ser pertinente, apenas atribui à Mesa competências gerais de organização interna do Parlamento, que não podem justificar a adoção de medidas tão rigorosas como as previstas na decisão recorrida.

65      Os recorrentes alegam igualmente que o artigo 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») exige uma «lei» para determinar os elementos essenciais do tratamento de dados pessoais. Ora, em seu entender, não há dúvida de que uma decisão da Mesa não constitui uma lei na aceção dessa disposição. Qualquer interpretação contrária teria por efeito conferir, a nível das instituições da União, uma proteção menor do que a conferida a nível dos Estados‑Membros, os quais estabelecem como exigência, para o tratamento de dados pessoais, a adoção de uma norma de ordem legislativa, na sequência de um debate parlamentar.

66      Em todo o caso, os recorrentes consideram que o artigo 25.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento não pode servir de base à adoção de medidas que vão contra a Decisão 2005/684/CE, Euratom do Parlamento Europeu, de 28 de setembro de 2005, que aprova o Estatuto dos deputados ao Parlamento Europeu (JO 2005, L 262, p. 1; a seguir «Estatuto dos Deputados»), ou do Protocolo n.o 7 Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 266; a seguir «Protocolo n.o 7»).

67      O Parlamento contesta os argumentos dos recorrentes.

68      Em primeiro lugar, há que lembrar que o artigo 232.o TFUE dispõe que o Parlamento deve adotar o seu Regimento por maioria dos membros que o compõem.

69      No caso, é pacífico que a decisão recorrida foi adotada, nomeadamente, com base no artigo 25.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento. Esta disposição atribui competência à Mesa para regular as questões financeiras, de organização e administrativas relativas à organização interna do Parlamento, ao seu secretariado e aos seus órgãos.

70      Ora, há que observar, como faz o Parlamento, que a decisão recorrida, que visa limitar o acesso aos edifícios do Parlamento apenas às pessoas que dispõem de um certificado COVID válido, se enquadra efetivamente nas questões de organização interna do Parlamento, na aceção do artigo 25.o, n.o 2, do seu regimento.

71      Com efeito, decorre do poder de organização interna do Parlamento que este está autorizado a tomar as medidas adequadas para assegurar o seu bom funcionamento e o desenrolar dos seus processos (Acórdãos de 10 de fevereiro de 1983, Luxemburgo/Parlamento, 230/81, EU:C:1983:32, n.o 38; de 10 de julho de 1986, Wybot, 149/85, EU:C:1986:310, n.o 16; e de 2 de outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, EU:T:2001:242, n.o 144).

72      Ora, como alega o Parlamento, a decisão recorrida constitui uma medida desse tipo, uma vez que, segundo o seu considerando 2, tem por objetivo permitir o regresso a um regime de trabalho presencial a fim de assegurar a continuidade das suas atividades no âmbito dos procedimentos normais decorrentes dos Tratados, garantir a plena aplicação de todos os procedimentos habituais previstos no seu Regimento e restabelecer o seu papel completo e ilimitado enquanto instituição da União democraticamente eleita, que representa diretamente os cidadãos a nível da União.

73      O poder de organização interna do Parlamento, acima referido no n.o 71, é igualmente reconhecido pelos acordos de sede aprovados entre as instituições da União e os Estados‑Membros que acolhem os seus edifícios. Assim, o Acordo em matéria de segurança, assinado em 31 de dezembro de 2004, entre, por um lado, o Parlamento, o Conselho da União Europeia, a Comissão, o Comité Económico e Social Europeu, o Comité das Regiões, e o Banco Europeu de Investimento, e, por outro, o Governo belga, prevê que as instituições são responsáveis pela segurança e pela manutenção da ordem em todos os seus aspetos no interior dos edifícios que ocupam, bem como autorizações e controlos do acesso a esses edifícios. Do mesmo modo, o acordo entre o Parlamento e o Grão‑Ducado do Luxemburgo, de 2 de dezembro de 1983, prevê que o Parlamento é responsável pela segurança no interior das suas instalações e edifícios e aprova regulamentações internas para esse efeito. Por último, no que respeita aos edifícios do Parlamento em Estrasburgo (França), o acordo administrativo entre este último e as autoridades francesas relativo à segurança dos imóveis do Parlamento em Estrasburgo, de 25 de junho de 1998, reconhece igualmente a responsabilidade exclusiva do Parlamento no que respeita às autorizações e controlos do acesso aos seus edifícios.

74      Refira‑se ainda que a decisão recorrida equivale a uma limitação do direito de acesso permanente dos deputados aos edifícios do Parlamento, conforme previsto no artigo 1.o, n.o 1, da Decisão da Mesa de 3 de maio de 2004 que aprova as regras relativas aos livres trânsitos. Dado que esta decisão foi adotada pela Mesa com base, nomeadamente, no artigo 22.o do Regimento do Parlamento, na sua versão anterior, que corresponde ao artigo 25.o do Regimento atualmente em vigor, é coerente que esse mesmo órgão tenha adotado a decisão recorrida, com a mesma base jurídica, de acordo com o princípio do paralelismo de forma (v. Acórdão de 18 de outubro de 2018, ArcelorMittal Tubular Products Ostrava e o./Comissão, T‑364/16, EU:T:2018:696, n.o 69 e jurisprudência referida).

75      Em segundo lugar, e sem que seja necessário conhecer da sua eficácia, há que examinar o argumento dos recorrentes de que a decisão recorrida não é uma «lei», na aceção do artigo 8.o da Carta, que permita determinar os elementos essenciais do tratamento dos dados pessoais dos recorrentes.

76      Há que lembrar que, nos termos do artigo 8.o da Carta, «[t]odas as pessoas têm direito à proteção dos dados de caráter pessoal que lhes digam respeito» e que «[e]sses dados devem ser objeto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei».

77      O artigo 52.o, n.o 1, da Carta prevê igualmente que «[q]ualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades.»

78      O artigo 52.o, n.o 3, da Carta dispõe, por outro lado, que «[n]a medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla».

79      Ora, o artigo 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevê que «[q]ualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada» e que «[n]ão pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem‑estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.» Assim, na interpretação do artigo 8.o da Carta, deve ser tido em conta o artigo 8.o da CEDH como um nível mínimo de proteção, uma vez que ambas as disposições contêm direitos equivalentes (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o., C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.o 54).

80      Por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), a necessidade de qualquer ingerência no exercício dos direitos fundamentais ser «prevista por lei», na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta e do artigo 8.o, n.o 2, da CEDH, implica não só que a medida que prevê a ingerência tem que ter uma base legal de direito interno mas também que essa base legal deve ter certas qualidades de acessibilidade e de previsibilidade de forma que evite o risco de arbitrariedade (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2017, Al Chodor, C‑528/15, EU:C:2017:213, n.o 38; TEDH, 26 de abril de 1979, Sunday Times c. Reino‑Unido, CE:ECHR:1979:0426JUD000653874, § 49, e 4 de dezembro de 2015, Roman Zakharov c. Rússia, CE:ECHR:2015:1204JUD004714306, § 228).

81      Além disso, resulta da jurisprudência do TEDH que o termo «lei» na expressão «prevista por lei», que figura nomeadamente no artigo 8.o, n.o 2, da CEDH, deve ser entendido na sua aceção material e não formal. Inclui, portanto, simultaneamente o direito escrito e o direito não escrito e não se limita aos textos legislativos, mas engloba também os atos e instrumentos jurídicos de grau inferior. Em suma, a «lei» é o texto em vigor tal como interpretado pelos tribunais competentes (v., neste sentido, TEDH, 26 de abril de 1979, Sunday Times c. Reino Unido, CE:ECHR:1979:0426JUD000653874, § 47, e 8 de abril de 2021, Vavřička e outros c. República Checa, CE:ECHR:2021:0408JUD004762113, § 269).

82      Por conseguinte, o facto de a decisão recorrida não constituir uma norma de grau legislativo, adotada na sequência de um debate parlamentar, não basta para considerar que não constitui uma «lei» na aceção do artigo 8.o da Carta, interpretado à luz do artigo 8.o da CEDH.

83      É certo que resulta igualmente da jurisprudência do TEDH que, para responder às exigências de qualidade da lei, o direito interno deve oferecer uma certa proteção contra violações arbitrárias do poder público aos direitos garantidos pela CEDH e que, quando se trate de questões relativas aos direitos fundamentais, a lei iria contra a prevalência do direito, um dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática consagrados pela CEDH, se o poder de apreciação concedido ao executivo não tivesse limites. Deve, por conseguinte, definir o alcance e as modalidades do exercício desse poder com suficiente nitidez [v. TEDH, 15 de março de 2022, Comunauté genevoise d’action syndicale (CGAS) c. Suíça, CE:ECHR:2022:0315JUD002188120, § 78 e jurisprudência referida].

84      No entanto, no caso presente, na medida em que a própria decisão recorrida constitui uma «lei» na aceção do artigo 8.o da Carta, interpretado à luz do artigo 8.o da CEDH, não se pode considerar que o Parlamento tinha necessidade de autorização expressa por parte do legislador da União para poder adotar tais medidas, que têm o seu fundamento no artigo 232.o TFUE e no artigo 25.o, n.o 2, do seu Regimento.

85      Além disso, no caso presente, como alega o Parlamento, a decisão recorrida preenche os critérios de acessibilidade e de previsibilidade exigidos para evitar o risco de arbitrariedade.

86      Neste contexto, importa sublinhar que a decisão recorrida prevê regras claras e precisas que regulam o alcance e a aplicação da medida em causa e que fornece, nomeadamente, às pessoas em causa garantias suficientes que permitam proteger eficazmente os seus dados pessoais contra os riscos de abuso, bem como contra qualquer acesso e qualquer utilização ilícitos desses dados (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o., C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.o 54 e jurisprudência referida).

87      Assim, resulta dos considerandos 22 a 25 e do artigo 4.o da decisão recorrida que as pessoas cujos dados pessoais são tratados pelo Parlamento com base nessa decisão estão protegidas pelo Regulamento (UE) 2018/1725 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições, órgãos e organismos da União e à livre circulação desses dados, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 45/2001 e a Decisão 1247/2002/CE (JO 2018, L 295, p. 39).

88      Refira‑se, por último, como faz o Parlamento, que o argumento dos recorrentes de que o artigo 25.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento não pode servir de base à adoção de medidas que sejam contrárias ao Estatuto dos Deputados ou ao Protocolo n.o 7 não diz respeito à questão da base jurídica adequada da decisão recorrida, mas sim à questão da legalidade dessa decisão à luz das referidas disposições, questão que será adiante examinada no âmbito do segundo fundamento.

89      Em face destas considerações, há que declarar que o artigo 25.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento constituía uma base jurídica válida para a adoção da decisão recorrida.

90      Improcede, portanto, o primeiro fundamento.

2.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos princípios da liberdade e da independência dos deputados e à violação das imunidades que lhes são conferidas pelo Tratado

91      O segundo fundamento dos recorrentes é composto por duas partes, relativas, por um lado, à violação do artigo 2.o do Estatuto dos Deputados, que consagra os princípios da liberdade e da independência dos deputados europeus e, por outro, à violação das imunidades conferidas a esses deputados, nomeadamente pelo Protocolo n.o 7.

a)      Quanto à primeira parte, relativa à incompatibilidade da decisão recorrida com os princípios da liberdade e da independência dos membros do Parlamento 

92      Os recorrentes consideram que a decisão recorrida é muito restritiva e viola gravemente o princípio do exercício livre e independente do mandato de membro do Parlamento, tal como consagrado no artigo 2.o do Estatuto dos Deputados, na medida em que podem, devido a essa decisão, ficar impedidos de integrar e de exercer a sua missão de representação, o que poderá afetar negativamente o equilíbrio dos poderes e o livre exercício da democracia.

93      A este respeito, os recorrentes recordam que a recusa de acesso aos edifícios do Parlamento prevista na decisão recorrida, em caso de não apresentação de um certificado COVID válido, se aplica seja qual for a razão dessa não apresentação. Assim, um deputado pode encontrar‑se impossibilitado de apresentar um certificado COVID válido porque dele não dispõe ou não deseja dispor, mas também porque o esqueceu ou perdeu, ou ainda porque o seu smartphone não funciona no momento do controlo. Sublinham, por outro lado, que os membros do Parlamento que não disponham de um certificado de vacinação ou de um certificado de recuperação deverão ser testados, no mínimo, de dois em dois dias, devido ao período de validade limitado desses testes. Além disso, é necessário prever um tempo de espera considerável entre o momento do teste e o momento em que o código de resposta rápida (a seguir «código QR») será gerado. Por conseguinte, se pretenderem dirigir‑se ao Parlamento na segunda‑feira de manhã, os recorrentes não têm outra alternativa senão efetuar esses testes durante os seus dias de descanso e estão na impossibilidade prática de realizar um teste durante as semanas «vermelhas» de sessões plenárias e «cor‑de‑rosa» de reuniões tripartidas, uma vez que, durante essas semanas, os debates terminam tarde à noite e recomeçam de manhã cedo.

94      O Parlamento contesta estes argumentos.

95      A título preliminar, há que recordar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Estatuto dos deputados, «os deputados são livres e independentes». Do mesmo modo, o artigo 2.o do Regimento do Parlamento dispõe, nomeadamente, que os deputados exercerão o seu mandato de forma livre e independente. O princípio do mandato livre e independente dos deputados é um princípio comum aos sistemas parlamentares democráticos, que constitui um elemento essencial da democracia representativa em que assenta o funcionamento da União, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, TFUE. Este princípio inclui o direito de os deputados europeus acederem sem entraves aos edifícios do Parlamento a fim de poderem participar ativamente nos trabalhos das comissões e delegações do Parlamento, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 4, do Regimento do Parlamento.

96      A decisão recorrida constitui assim uma ingerência no exercício do mandato dos deputados europeus, uma vez que lhes impõe uma condição adicional para poderem aceder às instalações do Parlamento, a saber, a obrigação de apresentarem um certificado COVID válido.

97      No entanto, importa sublinhar que o princípio do mandato livre e independente dos deputados não é um princípio absoluto e que pode estar sujeito a certas limitações, nomeadamente pelo Parlamento, por força do seu poder de organização interna previsto no artigo 232.o TFUE, quando vise prosseguir uma finalidade legítima.

98      No entanto, qualquer ingerência no princípio do mandato livre e independente dos deputados ou qualquer limitação deste deve respeitar o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral do direito da União. Este princípio exige que os atos adotados pelas instituições da União sejam adequados e necessários para atingir o objetivo pretendido, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, EU:T:2001:242, n.o 215 e jurisprudência referida).

99      Em primeiro lugar, como resulta nomeadamente dos seus considerandos 1 a 11, a decisão recorrida prossegue um objetivo legítimo, que visa conciliar dois interesses concorrentes num contexto de pandemia, a saber, a continuidade das atividades do Parlamento, por um lado, e a saúde das pessoas presentes nos edifícios do Parlamento, por outro.

100    Com efeito, por um lado, o Parlamento é obrigado a assegurar a continuidade das suas atividades que decorrem dos Tratados. Assim, durante a pandemia de COVID‑19, a capacidade operacional do Parlamento, em especial a sua atividade legislativa e orçamental, teve de ser mantida. Para o efeito, o Parlamento adotou medidas extraordinárias, baseadas no título XIII A do seu Regimento, que consistem, nomeadamente, na aplicação de métodos de participação à distância. No entanto, como resulta do artigo 237.o‑A do Regimento do Parlamento, essas medidas extraordinárias devem, por definição, ser limitadas no tempo. Por conseguinte, o Parlamento era obrigado a retomar o mais rapidamente possível as suas atividades num formato habitual, ou seja, com a presença física dos deputados, a fim de assegurar o funcionamento normal do Parlamento enquanto instituição da União cujos membros são democraticamente eleitos.

101    Por outro lado, o Parlamento é obrigado, por força do seu dever de diligência e da sua obrigação, decorrente, nomeadamente, do artigo 1.o‑E, n.o 2, do Estatuto, igualmente aplicável aos agentes temporários da União por força do artigo 10.o do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia (a seguir «ROA»), a garantir a saúde e a segurança dos funcionários e dos outros agentes da União. Sem chegar a ser uma obrigação de resultado, tal dever das instituições da União, na sua qualidade de entidade patronal, de garantirem a segurança do seu pessoal impõe‑se com especial rigor e a margem de apreciação da administração na matéria é, sem ser inexistente, reduzida (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 1990, Grifoni/Comissão, C‑308/87, EU:C:1990:134, n.o 14, e de 12 de maio de 2011, Missir Mamachi di Lusignano/Comissão, F‑50/09, EU:F:2011:55, n.o 126). O mesmo se diga da obrigação de assegurar a saúde do pessoal ao serviço da União. Por conseguinte, e na medida em que a presença dos deputados nas instalações do Parlamento implica que estes estarão em contacto com o pessoal desta instituição, o respeito da obrigação de assegurar a saúde desse pessoal implica, para o Parlamento, que esse regresso a uma atividade normal seja possível sem efeitos nefastos generalizados na saúde das pessoas presentes nas suas instalações, que incluem o pessoal dessa instituição.

102    A este respeito, como resulta do considerando 13 da decisão recorrida, o serviço médico do Parlamento considerou o seguinte:

«A presença acrescida de pessoas nos edifícios do Parlamento, o aumento das deslocações devido à retoma das funções, a frequência acrescida dos contactos estreitos nas reuniões presenciais e o aumento do impacto da COVID‑19 na sociedade geram um maior risco de introdução do vírus no Parlamento Europeu e um risco acrescido de transmissão interna da COVID‑19 e de quarentenas. Além disso, enquanto organização internacional e instituição acessível ao público, o Parlamento Europeu deve ter em conta viagens internacionais frequentes como fator de risco adicional que pode fazer dele um foco de transmissão. Por conseguinte, deve ser tida em conta a situação sanitária à escala da União, e não apenas a situação a nível dos Estados‑Membros em que o Parlamento tem a sua sede ou os seus locais de trabalho.»

103    Além disso, conforme resulta do considerando 14 da decisão recorrida, os dados fornecidos pelo serviço médico do Parlamento mostram que, durante as duas primeiras semanas e meia de setembro de 2021, houve mais casos repertoriados de contactos estreitos com pessoas com teste PCR positivo ao COVID‑19 do que durante qualquer mês anterior desde novembro de 2020, e que essa tendência se manteve ao longo de todo o mês de setembro de 2021 e da primeira semana de outubro de 2021.

104    Por conseguinte, em face do exposto, há que considerar que a decisão recorrida prossegue um objetivo legítimo e que não constitui um instrumento manifestamente inadequado para atingir esse objetivo, à luz das informações de que o Parlamento dispunha no momento da adoção dessa decisão.

105    Em segundo lugar, há que examinar se a decisão recorrida não constitui uma ingerência desproporcionada ou desrazoável no mandato dos deputados e se não vai contra a própria essência desse direito (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 148 e jurisprudência referida).

106    A esse respeito, como recorda o Parlamento, existe em toda a União um acesso universal, rápido e acessível às vacinas e aos testes de despistagem da COVID‑19, o que constitui o fundamento da emissão dos certificados COVID. A apresentação de um certificado COVID por deputados que entram nas instalações do Parlamento não pode, portanto, ser entendida como uma ingerência desproporcionada e desrazoável no exercício do direito de livre mandato, tendo em conta o objetivo legítimo da decisão recorrida de proteger a vida e a saúde das pessoas presentes nas instalações do Parlamento, assegurando o regresso a uma atividade normal deste.

107    Importa igualmente recordar que o Parlamento adotou medidas para dar aos seus deputados o apoio necessário para lhes permitir dar cumprimento às novas exigências de acesso, no caso de não possuírem um certificado COVID, tais como a possibilidade de serem testados gratuitamente no local nos seus três locais de trabalho.

108    Além disso, a decisão recorrida limita‑se ao estritamente necessário para assegurar um regresso às atividades normais do Parlamento. Com efeito, segundo o parecer do médico assistente do Parlamento, de 10 de outubro de 2021, o regresso a uma atividade normal do Parlamento implicaria inevitavelmente mais casos de COVID‑19 e mais quarentenas. Ora, segundo esse mesmo parecer, esses riscos poderiam ser reduzidos por medidas como a prevista na decisão recorrida. No que respeita à proteção dos dados pessoais, é exibido um mínimo de dados pessoais na verificação dos certificados COVID nas entradas das instalações do Parlamento, como resulta da prova junta pelo Parlamento (v. n.o 177, infra).

109    Refira‑se ainda que a decisão recorrida não tem caráter permanente. Com efeito, o artigo 6.o da decisão recorrida prevê que a mesma deixa de se aplicar em 31 de janeiro de 2022, salvo renovação, alteração ou revogação, e que é regularmente reexaminada à luz da evolução da situação sanitária.

110    Por outro lado, como alega o Parlamento, a decisão recorrida permite pôr termo às medidas extraordinárias e permite aos membros do Parlamento exercerem de novo os seus direitos através de um regresso às atividades no local, com muito menos restrições ao exercício do seu mandato livre e independente do que no âmbito de um procedimento de participação à distância.

111    Por último, há que observar, como faz o Parlamento, que os recorrentes não indicaram nenhuma medida alternativa que fosse menos intrusiva mas que não deixasse de atingir o objetivo visado de forma semelhante. A este respeito, os recorrentes não demonstraram que uma retoma das atividades do Parlamento em presença física, sem obrigação de apresentar um certificado COVID para poder aceder aos edifícios do Parlamento, permitiria, da mesma forma, contribuir para o objetivo de assegurar a saúde do pessoal.

112    Os recorrentes invocam, no entanto, várias consequências negativas da decisão recorrida sobre a sua situação (v. n.o 93, supra).

113    Em primeiro lugar, na medida em que os recorrentes invocam um prejuízo devido à recusa de apresentar um certificado COVID válido ou a um esquecimento desse certificado, há que observar que o prejuízo que invocam não resulta apenas dos efeitos produzidos pela decisão recorrida, mas sim da sua opção de não apresentarem tal certificado, uma vez que não alegam estar na impossibilidade de o fazer (Despacho de 8 de dezembro de 2021, D’Amato e o./Parlamento, T‑722/21 R, não publicado, EU:T:2021:874, n.o 23).

114    Em segundo lugar, importa salientar que o artigo 5.o, n.o 2, da decisão recorrida dá ao secretário‑geral do Parlamento a possibilidade de conceder derrogações relativas à obrigação de apresentar esse certificado para entrar nos edifícios do Parlamento, a fim de ter em conta determinadas situações específicas.

115    Em terceiro lugar, na medida em que os recorrentes alegam que se poderiam encontrar na impossibilidade de apresentar um certificado COVID válido devido a problemas técnicos relacionados, por exemplo, com a utilização de um smartphone, há que recordar que o certificado COVID é aceite em formato papel e em formato digital, pelo que esses problemas técnicos devem, em princípio, poder ser evitados.

116    Em quarto lugar, os recorrentes alegam que são obrigados a ser testados muito regularmente, ou mesmo durante os seus dias de descanso, e que é impossível testar durante dias de trabalho muito intenso.

117    Sem que seja necessário conhecer da admissibilidade deste argumento, no que respeita à situação dos recorrentes que não estão vacinados nem recuperados, há que declarar que o Parlamento oferece aos seus deputados nos seus três locais de trabalho o apoio necessário para lhes permitir dar cumprimento às novas exigências de acesso, no caso de não possuírem certificado COVID válido. Assim, o Parlamento pôs em prática a possibilidade de ser testado no local, gratuitamente, nos seus três locais de trabalho. Esta possibilidade foi, além disso, comunicada a todo o pessoal do Parlamento em 28 de outubro de 2021, ou seja, antes da entrada em vigor da decisão recorrida. Além disso, é igualmente possível apresentar o resultado negativo de um teste PCR efetuado na Bélgica, no Luxemburgo ou em França para poder aceder aos edifícios do Parlamento. Por último, enquanto inicialmente a duração de validade dos resultados dos testes PCR era de dois dias de calendário após o dia do teste, a duração de validade de um teste PCR foi prorrogada até 72 horas após a realização do referido teste, a partir de 22 de novembro de 2021 até 27 de janeiro de 2022, por força da decisão do secretário‑geral do Parlamento de 19 de novembro de 2021.

118    Em quinto lugar, quanto ao argumento dos recorrentes de que a decisão recorrida implica igualmente um prejuízo direto para o seu poder de representação enquanto deputados eleitos ao Parlamento e à sua capacidade de trabalhar de maneira útil e eficaz, uma vez que se aplica igualmente aos seus assistentes e ao pessoal do Parlamento, refira‑se, como faz o Parlamento, que os recorrentes não apresentam nenhum argumento específico suscetível de demonstrar que essas pessoas não estão em condições de respeitar em tempo útil as condições de acesso impostas pela decisão recorrida.

119    Em sexto e último lugar, os recorrentes observam que, em França, as alterações destinadas a condicionar o acesso dos deputados e senadores aos edifícios da Assembleia Nacional e do Senado à apresentação de um certificado COVID foram todas rejeitadas, nomeadamente devido a uma Decisão do Conseil constitutionnel (Tribunal Constitucional, França) de 11 de maio de 2020, que recorda que várias disposições da Constituição francesa impõem o respeito da liberdade dos membros do Parlamento no exercício do seu mandato e que nunca se poderia recusar a um parlamentar o acesso ao hemiciclo.

120    Basta recordar, a este respeito, que o Parlamento, cujos edifícios se situam não só em França mas também na Bélgica e no Luxemburgo, dispõe de uma base jurídica autónoma para adotar medidas de organização interna como as que foram introduzidas pela decisão recorrida, por força do artigo 232.o TFUE e do artigo 25.o, n.o 2, do seu Regimento, pelo que não pode ficar vinculado pelas apreciações efetuadas ao nível de um Estado‑Membro em particular.

121    Em face do exposto, há que concluir que nenhum dos argumentos avançados pelos recorrentes permite demonstrar que a decisão recorrida prejudicasse de forma desproporcionada ou não razoável o exercício livre e independente do mandato de deputado, nem que a própria substância desse exercício fosse posta em causa.

122    Por conseguinte, improcede a primeira parte do segundo fundamento.

b)      Quanto à segunda parte, relativa, em substância, à violação das imunidades conferidas aos deputados pelo Protocolo n.o 7

123    Os recorrentes consideram que a decisão recorrida viola igualmente o artigo 7.o, primeiro parágrafo, do Protocolo n.o 7, que tem por efeito proibir os Estados‑Membros de criarem restrições administrativas à liberdade de deslocação dos deputados europeus. Esta disposição deve ser interpretada, à luz do artigo 4.o, n.o 3, último parágrafo, TUE, no sentido de que proíbe qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União, incluindo medidas suscetíveis de entravar o funcionamento das instituições da União.

124    Por outro lado, segundo os recorrentes, embora se dirija formalmente aos Estados‑Membros, não há dúvida de que o artigo 7.o, primeiro parágrafo, do Protocolo n.o 7 se aplica igualmente às instituições da União quando adotam elas próprias medidas restritivas, como a decisão recorrida. Com efeito, esta disposição deve ser lida à luz das disposições da Carta, nomeadamente dos artigos relativos à proteção da vida privada e do direito à integridade física. Resulta ainda do artigo 18.o do Protocolo n.o 7 e do artigo 5.o do Regimento do Parlamento que este deve cooperar com os Estados‑Membros a fim de assegurar a execução do Protocolo n.o 7. Em particular, cabe ao Parlamento assegurar a independência dos deputados no exercício das suas funções e preservar o seu direito de participarem ativamente nos trabalhos das comissões e delegações do Parlamento.

125    O Parlamento contesta estes argumentos.

126    O artigo 7.o do Protocolo n.o 7 dispõe que «[a]s deslocações dos membros do Parlamento Europeu, que se dirijam para ou regressem do local de reunião do Parlamento Europeu, não ficam sujeitas a restrições administrativas ou de qualquer outra natureza».

127    Há que examinar se, como alegam os recorrentes, esta disposição impede o Parlamento de adotar medidas destinadas a restringir ou a condicionar o acesso aos seus edifícios, como a prevista pela decisão recorrida.

128    A este respeito, antes de mais, importa salientar que, como reconhecem os recorrentes, o Protocolo n.o 7 se dirige, em primeiro lugar, aos Estados‑Membros, e não às instituições da União.

129    Em seguida, como alegam os recorrentes, o artigo 18.o do Protocolo n.o 7 prevê que, «[p]ara efeitos da aplicação do presente Protocolo, as instituições da União cooperarão com [os] Estados‑Membros interessados». O artigo 5.o do Regimento do Parlamento prevê, nomeadamente, que os deputados gozam dos privilégios e imunidades previstos no Protocolo n.o 7 e que, «[p]ara efeitos do exercício das suas funções parlamentares, todos os deputados têm o direito de participar ativamente nos trabalhos das comissões e das delegações do Parlamento, nos termos do presente Regimento».

130    Todavia, não resulta de forma alguma destas disposições, mesmo interpretadas à luz das disposições da Carta relativas, nomeadamente, aos direitos ao respeito pela vida privada e à integridade física, que o Parlamento não é competente para adotar medidas de organização interna, como as previstas na decisão recorrida, com fundamento no artigo 25.o, n.o 2, do seu Regimento. Pelo contrário, o artigo 5.o desse Regimento prevê expressamente que o direito de os deputados participarem ativamente nos trabalhos das comissões e delegações do Parlamento deve ser exercido «nos termos do presente Regimento».

131    Além disso, conforme resulta do artigo 176.o, n.o 1, último parágrafo, do Regimento do Parlamento, «[o] presidente pode aplicar uma sanção a um deputado nos casos previstos no Regimento ou numa decisão adotada pela Mesa ao abrigo do artigo 25.o, para efeitos da aplicação do disposto no presente artigo». Tal disposição seria, ela própria, ilegal se fosse acolhida a interpretação do Protocolo n.o 7 proposta pelos recorrentes. Ora, importa sublinhar que os recorrentes não arguíram a ilegalidade do Regimento do Parlamento com base no artigo 277.o TFUE.

132    Por último, importa recordar que, segundo a jurisprudência, os privilégios e imunidades reconhecidos à União pelo Protocolo n.o 7 têm apenas caráter funcional, na medida em que visam evitar que seja introduzido um entrave ao funcionamento e à independência da União. Por conseguinte, estes privilégios e imunidades são concedidos exclusivamente no interesse da União. Isto vale necessariamente também para a imunidade dos membros do Parlamento: esta tem por objetivo evitar qualquer entrave ao bom funcionamento da instituição de que são membros e, portanto, ao exercício das competências dessa instituição (v. Despacho de 30 de setembro de 2011, Gollnisch/Parlamento, T‑346/11 R, não publicado, EU:T:2011:553, n.o 23 e jurisprudência referida). No mesmo sentido, o artigo 5.o, n.o 2, segundo período, do Regimento do Parlamento prevê que «[a] imunidade parlamentar não é um privilégio pessoal dos deputados, mas sim uma garantia da independência do Parlamento como um todo, e dos seus membros».

133    Por conseguinte, em face destas considerações, há que declarar que a decisão recorrida não constitui uma violação do protocolo n.o 7, nem do seu artigo 7.o, em particular.

134    Improcede, pois, a segunda parte do segundo fundamento e, com ela, o segundo fundamento na íntegra.

3.      Terceiro fundamento, relativo à violação dos princípios gerais relativos ao tratamento de dados pessoais.

135    O terceiro fundamento invocado pelos recorrentes divide‑se em duas partes, relativas, em primeiro lugar, a uma violação dos princípios da limitação das finalidades do tratamento de dados e da legalidade e, em segundo lugar, a uma violação dos princípios da lealdade, da transparência e da minimização.

a)      Quanto à primeira parte, relativa à violação dos princípios da limitação das finalidades do tratamento de dados e da legalidade

136    Os recorrentes recordam que, por força do princípio da limitação das finalidades, os dados pessoais devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podem ser posteriormente tratados de maneira diferente. Assim, só em casos excecionais taxativamente enumerados no artigo 6.o do Regulamento 2018/1725 é que o responsável pelo tratamento pode alargar as finalidades iniciais do tratamento.

137    Com efeito, para que os dados pessoais que constam dos certificados digitais COVID possam ser utilizados para lhes dar acesso aos edifícios do Parlamento, é legalmente exigido que tenham sido recolhidos para esse efeito.

138    Ora, por um lado, os recorrentes salientam que o Regulamento 2021/953 prevê unicamente o tratamento dos dados para facilitar o exercício do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros durante a pandemia de COVID‑19. Por outro, entendem resultar claramente do considerando 48 do Regulamento 2021/953 que se os Estados‑Membros pretendem utilizar os dados pessoais que são tratados no âmbito da implementação do certificado COVID para fins diferentes dos previstos no Regulamento 2021/953, devem prever uma base jurídica nacional específica para o efeito. Este princípio foi também recentemente recordado no Parecer Conjunto n.o 04/2021 do Comité Europeu de Proteção de Dados (EDPB) e da Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD) sobre a proposta de regulamento do Parlamento e do Conselho relativo a um quadro para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, de testes e de recuperação a fim de facilitar a livre circulação durante a pandemia de COVID‑19 (Certificado Verde Digital) (a seguir «Parecer Conjunto n.o 04/2021»), e pela AEPD nas suas orientações «relativas ao regresso ao local de trabalho e à despistagem do estado de imunidade ou de infeção por COVID pelas instituições europeias».

139    Além disso, na Bélgica, onde os deputados deverão, na maior parte dos casos, ser testados, a regulamentação belga não menciona o acesso ao local de trabalho ou aos parlamentos do país entre as finalidades do tratamento de dados pessoais ligados ao certificado COVID. Afirmam que tal utilização está mesmo expressamente excluída na medida em que conduziria a uma obrigação vacinal disfarçada. Do mesmo modo, em França, a utilização de um certificado COVID foi expressamente excluída no que respeita ao acesso às assembleias parlamentares.

140    Por último, os recorrentes sublinham que nenhuma das exceções previstas no artigo 6.o do Regulamento 2018/1725 se aplica ao caso presente e que, por conseguinte, o Parlamento não se pode basear em nenhuma dessas exceções para justificar «o tratamento com outro fim compatível».

141    Por conseguinte, segundo os recorrentes, na falta de base jurídica nacional que autorize expressamente o tratamento dos dados médicos relativos à vacinação, aos testes ou à recuperação para condicionar o acesso ao local de trabalho e às assembleias parlamentares, o tratamento dos dados pessoais efetuado pelo Parlamento viola o princípio da limitação das finalidades do tratamento e é, por conseguinte, ilícito.

142    O Parlamento contesta estes argumentos.

143    Antes de mais, há que recordar que, segundo o artigo 4.o, n.o 1, da decisão recorrida, «[o] s dados pessoais extraídos do certificado ou do certificado equivalente no processo de leitura do código serão tratados em conformidade com o Regulamento (UE) 2018/1725». Ora, segundo o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2018/1725, que prevê o princípio da limitação das finalidades, os dados pessoais devem ser «recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e não podem ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades».

144    As finalidades do tratamento de dados pessoais constantes dos certificados COVID são definidas no artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento 2021/953, que prevê o seguinte:

«Para efeitos do presente regulamento, os dados pessoais contidos nos certificados emitidos nos termos do presente regulamento são tratados apenas para efeitos de acesso e verificação das informações constantes do certificado, a fim de facilitar o exercício do direito de livre circulação na União durante a pandemia de COVID‑19. Os dados deixarão de ser tratados após o termo do período de aplicação do presente regulamento.»

145    Refira‑se, a este respeito, como faz o Parlamento, que o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento 2021/953 deve ser entendido no sentido de que é «para efeitos do presente regulamento» ou, por outras palavras, quando dão execução a este regulamento, que os Estados‑Membros podem tratar os dados pessoais contidos nos certificados COVID unicamente para facilitar o exercício do direito à livre circulação.

146    Em contrapartida, conforme resulta expressamente do considerando 48 do Regulamento 2021/953 «Os Estados‑Membros poderão tratar dados pessoais para outros fins, se a base jurídica para o tratamento desses dados para outros fins, incluindo os respetivos períodos de conservação, estiver prevista pelo direito nacional, que deverá ser conforme com o direito da União em matéria de proteção de dados e com os princípios da eficácia, da necessidade e da proporcionalidade, e deverá conter disposições que identifiquem claramente o âmbito e o alcance do tratamento, a finalidade especifica em causa, as categorias de entidades que podem verificar o certificado, bem como as salvaguardas necessárias para prevenir discriminações e abusos, tendo em conta os riscos para os direitos e as liberdades dos titulares dos dados».

147    Contrariamente ao que alegam os recorrentes, não se pode inferir deste considerando que as instituições da União, como o Parlamento no caso presente, só estariam habilitadas a tratar os dados pessoais contidos nos certificados COVID para fins diferentes dos previstos pelo Regulamento 2021/953 se uma base jurídica, prevista no direito nacional, as autorizasse expressamente.

148    Com efeito, como alega o Parlamento, o facto de o quarto período do considerando 48 fazer unicamente referência aos Estados‑Membros e ao direito nacional, e não às instituições da União, pode explicar‑se pelo facto de esse regulamento ser dirigido aos Estados‑Membros e não às referidas instituições.

149    Refira‑se seguidamente que, por força do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 2018/1725, o fundamento das atividades de tratamento de dados pessoais necessárias à gestão e ao funcionamento das instituições deve ser inscrito no direito da União.

150    Assim, ao adotar a decisão recorrida, o Parlamento criou uma base jurídica no direito da União, com fundamento no seu poder de organização interna decorrente do artigo 232.o TFUE, que lhe permite tratar os dados pessoais contidos nos certificados COVID para efeitos do acesso aos seus edifícios nos seus três locais de trabalho, no respeito do Regulamento 2018/1725.

151    Por conseguinte, os argumentos dos recorrentes baseados na regulamentação belga ou francesa devem ser julgados inoperantes, na medida em que não é exigida uma base jurídica de direito nacional para permitir ao Parlamento tratar os dados pessoais contidos nos certificados COVID para fins diferentes dos previstos no Regulamento 2021/953.

152    Contrariamente ao que alegam os recorrentes, estas conclusões não são desmentidas pelo Parecer Conjunto n.o 04/2021, nem pelas «orientações relativas ao regresso ao trabalho e à despistagem do estado de imunidade ou de infeção pelo COVID pelas instituições europeias» da AEPD.

153    Por um lado, no ponto 23 do Parecer Conjunto n.o 04/2021, o EDPB e a AEPD precisaram que «qualquer outra eventual utilização do quadro e do Certificado Verde Digital com base no direito dos Estados‑Membros, outra que não a facilitação do direito de livre circulação entre os Estados‑Membros da [União], não é abrangida pelo âmbito de aplicação da proposta [de regulamento do Parlamento e do Conselho relativo a um quadro para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, testes e recuperação a fim de facilitar a livre circulação durante a pandemia de COVID‑19 (Certificado Verde Digital),] nem se insere, por conseguinte, no [presente] parecer conjunto».

154    Por outro lado, no que respeita às «orientações relativas ao regresso ao trabalho e à despistagem do estado de imunidade ou de infeção por COVID pelas instituições europeias» da AEPD, o ponto 6.1 confirma que o conceito de «direito nacional» na aceção do considerando 48 do Regulamento 2021/953 deve ser interpretado, no que respeita às instituições da União, no sentido de que faz referência ao artigo 1.o‑E, n.o 2, do Estatuto, conjuntamente com uma decisão de execução de uma instituição que estabelece medidas adequadas para salvaguardar os direitos fundamentais e os interesses das pessoas em causa.

155    Por último, na medida em que os recorrentes invocam uma violação do artigo 6.o do Regulamento 2018/1725, há que observar que esta disposição prevê uma derrogação do princípio da limitação das finalidades. Com efeito, segundo esse artigo, «[c]aso o tratamento para finalidades diferentes daquelas para as quais os dados pessoais foram recolhidos não seja realizado com base no consentimento do titular dos dados ou em disposições do direito da União que constituam uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar os objetivos referidos no artigo 25.o, n.o 1», o responsável pelo tratamento deve ter em conta certos critérios a fim de verificar se o tratamento para outras finalidades é compatível com a finalidade para a qual os dados pessoais foram inicialmente recolhidos.

156    Ora, no caso, como resulta do considerando 24 da decisão recorrida, o tratamento de dados pessoais tem por objetivo, nomeadamente, a proteção da saúde pública. Prossegue, portanto, um objetivo de interesse público geral da União, visado no artigo 25.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento 2018/1725, pelo que o tratamento dos dados pessoais pretendido pela decisão recorrida, com uma finalidade diferente da prevista no Regulamento 2021/953, é autorizado por esta disposição, desde que respeite a essência das liberdades e dos direitos fundamentais previstos nesse regulamento e constitua uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática, o que será examinado no âmbito do quarto fundamento.

157    À luz destas considerações, e sem prejuízo da análise da proporcionalidade do tratamento dos dados pessoais dos recorrentes previsto na decisão recorrida, há que julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento.

b)      Quanto à segunda parte, relativa à violação dos princípios da lealdade, da transparência e da minimização

158    Em primeiro lugar, os recorrentes recordam que o princípio do tratamento leal e transparente dos dados pessoais exige que a pessoa em causa seja informada da existência da operação de tratamento e das suas finalidades. Consideram, assim, que a utilização dos dados pessoais pelo Parlamento com um objetivo diferente daquele para o qual esses dados foram recolhidos nos termos da legislação nacional viola o princípio da transparência previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), e no artigo 14.o do Regulamento 2018/1725, na medida em que não foram informados, aquando da recolha dos seus dados pessoais, de que estes seriam utilizados para condicionar o acesso ao seu local de trabalho.

159    Em segundo lugar, os recorrentes consideram que o tratamento dos dados pessoais feito pelo Parlamento na execução da decisão recorrida não respeita o princípio da minimização dos dados previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento 2018/1725, na medida em que o artigo 4.o, n.o 3, da decisão recorrida prevê que os dados pessoais relativos à validade do certificado COVID serão tratados e apresentados no processo de leitura do Código QR do certificado.

160    Com efeito, os agentes de segurança encarregados de controlar os certificados COVID à entrada dos edifícios do Parlamento podem facilmente deduzir o tipo de certificado de que beneficia cada pessoa, dado que o período de validade máximo é de 2 dias para os certificados de teste, de 180 dias para os certificados de recuperação e que os certificados de vacinação não têm um prazo máximo de validade. Ora, tais dados relativos à validade dos certificados não são necessários para as finalidades para as quais são tratados.

161    A esse respeito, salientam que o próprio Parlamento tinha identificado este risco no documento intitulado «Medidas de segurança para combater a COVID 19 – Estudo de impacto sobre a proteção de dados» (a seguir «estudo de impacto»), mas considerou que os riscos inerentes eram fracos, tendo em conta as medidas técnicas e organizacionais que tomou para o tratamento desses dados. No entanto, não resulta da decisão recorrida nem de qualquer outra notificação aos recorrentes que tivessem sido tomadas medidas especiais para minimizar esses riscos.

162    Segundo os recorrentes, também é perfeitamente possível que os agentes de segurança façam capturas de ecrã dessas informações confidenciais. Ora, a divulgação deste tipo de dados altamente sensíveis poderia ter consequências muito graves para as pessoas em causa, podendo levar a estigmatizações ou a discriminações no seu local de trabalho. Por conseguinte, o tratamento dos dados pessoais dos recorrentes não pode ser considerado leal.

163    Em terceiro lugar, os recorrentes receiam um tratamento ilícito e desleal dos seus dados pessoais devido ao risco ligado à vulnerabilidade da aplicação CovidScanBe utilizada à entrada dos edifícios do Parlamento para a leitura digital dos códigos QR dos certificados COVID. Este risco foi identificado como um risco potencial no estudo de impacto. Além disso, muito recentemente, foi detetada uma muito grande falha de segurança no âmbito da validação e da leitura dos códigos QR dos certificados COVID através da aplicação CovidScanBe. A este respeito, os recorrentes sublinham que um pedido de medidas provisórias destinado a obter a suspensão da aplicação CovidScanBe devido a múltiplas infrações ao Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1), foi apresentado ao presidente do tribunal de première instance francophone de Bruxelles [Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas (Bélgica)] e que este, por Despacho de 29 de outubro de 2021, considerou o risco de falha suficientemente estabelecido para nomear um perito independente para examinar estas falhas e determinar os possíveis prejuízos. Por último, uma segunda falha da aplicação CovidScanBe diz respeito à possibilidade de ter acesso, na leitura do código QR do certificado COVID com o auxílio do módulo da aplicação aplicável às viagens, a dados pessoais sensíveis, tais como o apelido, o nome próprio, a data de vacinação, o tipo de vacina, o país onde a vacina foi feita ou ainda o número de doses recebidas.

164    Por conseguinte, segundo os recorrentes, estes elementos demonstram que a decisão recorrida viola o princípio do tratamento leal e transparente dos dados pessoais.

165    O Parlamento contesta estes argumentos.

166    Em primeiro lugar, importa recordar que, segundo o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2018/1725, os dados pessoais devem ser «[t]ratados de forma lícita, leal e transparente […] em relação ao titular dos dados».

167    Além disso, o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725 dispõe o seguinte:

«Caso os dados pessoais sejam recolhidos junto do titular dos dados, o responsável pelo tratamento deve prestar‑lhe, aquando da recolha dos dados pessoais, todas as informações seguintes:

[…]

c)      As finalidades do tratamento a que os dados pessoais se destinam, bem como o fundamento jurídico para o tratamento dos dados […]»

168    O artigo 16.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento 2018/1725 prevê que essas informações devem igualmente ser fornecidas caso os dados pessoais não sejam recolhidos junto do titular dos dados.

169    Além disso, o artigo 16.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2018/1725 dispõe que «[c]aso o responsável pelo tratamento tenha a intenção de proceder ao tratamento posterior dos dados pessoais para uma finalidade diferente daquela para a qual os dados pessoais foram obtidos, antes de proceder a esse tratamento posterior, deve prestar ao titular dos dados informações sobre essa finalidade diferente, e outras informações pertinentes referidas no n.o 2».

170    Assim, contrariamente ao que alegam os recorrentes, resulta destas disposições que, em caso de tratamento dos dados pessoais para uma finalidade diferente daquela para a qual esses dados foram inicialmente obtidos, cabe unicamente ao responsável pelo tratamento posterior desses dados fornecer previamente aos titulares dos dados informações sobre essa finalidade e quaisquer outras informações pertinentes.

171    Por conseguinte, na medida em que, no caso presente, como admite o Parlamento, o tratamento dos dados pessoais previsto na decisão recorrida é um tratamento posterior para uma finalidade diferente daquela para a qual os dados pessoais foram obtidos, cabia‑lhe, antes desse tratamento posterior, fornecer aos titulares dos dados informações sobre essa finalidade, em conformidade com as disposições acima referidas.

172    Ora, resulta da prova apresentada pelo Parlamento que este cumpriu essa obrigação.

173    Com efeito, como resulta desses elementos, em primeiro lugar, antes do tratamento dos dados em causa, o Parlamento publicou, no seu registo público das operações de tratamento, o registo n.o 464 sobre essa operação, acompanhado de uma declaração de confidencialidade. Em segundo lugar, enviou uma mensagem de correio eletrónico aos membros e a todo o pessoal do Parlamento em 27 de outubro de 2021, informando‑os das finalidades do tratamento. Em terceiro lugar, como precisado no artigo 6.o, n.o 1, da decisão recorrida, esta última foi «afixada de forma visível em todos os pontos de acesso aos edifícios do Parlamento em que se procede a uma verificação», o que os recorrentes não impugnam.

174    Por conseguinte, há que observar que o Parlamento cumpriu as suas obrigações decorrentes do princípio da transparência e julgar improcedente o argumento dos recorrentes de que deviam ter sido informados, no momento em que os seus dados pessoais foram inicialmente recolhidos, de que estes dados seriam utilizados para efeitos de acesso aos edifícios do Parlamento.

175    Em segundo lugar, importa recordar que o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725 precisa que «[o]s dados pessoais são […] [a]dequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados (“minimização dos dados”)».

176    A este respeito, refira‑se antes de mais que, segundo o artigo 4.o, n.os 2 e 4, da decisão recorrida, a finalidade do tratamento dos dados resultantes do processo de leitura do código QR é estritamente limitada à autorização de acesso aos edifícios do Parlamento e que os dados apresentados na verificação dos certificados COVID não são armazenados, registados ou conservados, nem interna nem externamente, nem transmitidos a outro órgão da União ou a um terceiro e não são utilizados para nenhum outro fim.

177    Em seguida, como confirmou o Parlamento na audiência, sem impugnação dos recorrentes, no que respeita à leitura dos códigos QR dos certificados COVID das pessoas que pretendiam aceder aos edifícios do Parlamento, os agentes de segurança do Parlamento receberam instruções no sentido de só utilizarem a aplicação CovidScanBe em modo «acontecimento». Ora, como resulta da prova apresentada pelo Parlamento, na utilização da aplicação CovidScanBe em modo «acontecimento», só são inscritos a validade do certificado, o apelido e o nome próprio da pessoa. O mesmo sucede com a aplicação luxemburguesa CovidCeck.lu. Assim, ao contrário do que alegam os recorrentes, a duração da validade do certificado não é afixada, pelo que os agentes de segurança não estão em condições de deduzir se a pessoa em causa está vacinada, se efetuou um teste de despistagem cujo resultado é negativo ou se recuperou da COVID‑19.

178    De qualquer modo, mesmo supondo que os agentes de segurança do Parlamento pudessem ter conhecimento da duração de validade dos certificados e daí deduzir que a pessoa em causa está vacinada ou recuperada ou que fez um teste negativo, isso não teria necessariamente as graves consequências que os recorrentes invocam.

179    Com efeito, como alega o Parlamento, os seus agentes são formados no respeito da confidencialidade da atividade de tratamento e receberam instruções para não partilharem os dados pessoais a que têm acesso com pessoas diferentes das envolvidas no controlo do acesso aos edifícios. Uma violação dessas instruções implicaria sanções disciplinares ou contratuais. Além disso, os funcionários e agentes do Parlamento encarregados da verificação dos certificados COVID estão sujeitos às obrigações estritas do segredo profissional por força do artigo 339.o TFUE e estão vinculados pelo artigo 17.o do Estatuto, igualmente aplicável aos agentes temporários por força do artigo 11.o do ROA, que lhes proíbe, mesmo após a cessação das suas funções, «qualquer revelação não autorizada de informação recebida no exercício das suas funções, salvo se essa informação já tiver sido tornada pública ou for acessível ao público».

180    Por outro lado, segundo as informações comunicadas pelo Parlamento na audiência, não impugnadas pelos recorrentes, tecnicamente não é possível efetuar uma captura de ecrã num controlo de um certificado COVID através de uma das aplicações utilizadas pelos agentes de segurança do Parlamento. Por conseguinte, mesmo na hipótese improvável de as informações relativas à duração da validade dos certificados serem reveladas durante o processo de leitura do Código QR que figuram no certificado COVID, o risco de os agentes de segurança poderem registar informações afixadas sobre o dispositivo de leitura da aplicação que utilizam e de poderem divulgar essas informações a pessoas não habilitadas para o efeito deve ser considerado muito reduzido, ou mesmo inexistente.

181    Embora seja verdade que o risco associado a uma potencial vulnerabilidade da aplicação utilizada tinha sido identificado no estudo de impacto, importa salientar que esse risco tinha sido considerado baixo, tendo em conta as medidas técnicas e organizacionais tomadas pelo Parlamento no âmbito das suas atividades de tratamento de dados pessoais, a saber, nomeadamente, o facto de as aplicações utilizadas não serem concebidas para armazenar os dados pessoais após cada controlo individual, de não ser possível nenhuma exportação de dados pessoais com essas aplicações ou ainda o facto de estarem ligadas unicamente à rede Internet interna, e segura, do Parlamento.

182    Em seguida, no que respeita ao Despacho de 29 de outubro de 2021 do presidente do tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas), refira‑se que, ao contrário do que alegam os recorrentes, nesse despacho, o presidente desse tribunal não declarou nenhuma falha de segurança da aplicação CovidScanBE, tendo simplesmente designado um perito judicial que tinha por missão determinar se o nível de segurança ligado à utilização dessa aplicação podia ser considerado suficiente. A este respeito, como alega o Parlamento, resulta do referido despacho que as alegadas falhas de segurança da aplicação CovidScanBE decorrem da acessibilidade do público à base de dados Suspension list, que é gerida pelas autoridades belgas e com a qual comunica a aplicação. Ora, como indicou o Parlamento, essas falhas não dizem respeito aos dados pessoais que figuram nos certificados apresentados aos agentes de segurança do Parlamento na fiscalização do acesso aos edifícios do Parlamento, na medida em que, por força do artigo 4.o, n.o 4, da decisão recorrida, o controlo dos certificados COVID pelos agentes de segurança do Parlamento não implica nenhuma transferência de dados pessoais da aplicação CovidScanBE para a base de dados em causa.

183    Por último, as alegações dos recorrentes relativas ao modo «viagem» da aplicação CovidScanBe devem igualmente ser rejeitadas, na medida em que, como já foi acima referido, os agentes de segurança do Parlamento só utilizam, em princípio, a aplicação em modo «acontecimento». Em todo o caso, como confirmou o Parlamento na audiência, sem impugnação dos recorrentes, a utilização dessa aplicação em modo «viagem» só faz aparecer no ecrã, quando da verificação dos certificados, o nome próprio, o apelido e a data de nascimento do titular do certificado COVID, bem como a validade deste último.

184    Por conseguinte, à luz destas considerações, o tratamento dos dados pessoais efetuado pelo Parlamento nos termos da decisão recorrida não pode ser considerado ilícito ou desleal.

185    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do terceiro fundamento e o terceiro fundamento na íntegra.

4.      Quanto ao quarto fundamento, relativo, em substância, a uma violação injustificada e desproporcionada do direito ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, do direito à integridade física, do direito à liberdade e à segurança, bem como do direito à igualdade de tratamento e à não discriminação

186    Com o seu quarto fundamento, em primeiro lugar, os recorrentes alegam uma violação do seu direito ao respeito pela vida privada e à proteção dos seus dados pessoais, do seu direito à integridade física, à liberdade e à segurança, bem como do seu direito à igualdade perante a lei e à não discriminação. Em segundo lugar, consideram que a violação dos direitos e princípios acima referidos é contrária ao princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

187    A este respeito, os recorrentes recordam a importância dos direitos fundamentais protegidos pela Carta. Recordam também que, mesmo que não se trate de prerrogativas absolutas, qualquer limitação desses direitos deve estar prevista na lei, respeitar o conteúdo essencial dos referidos direitos e respeitar o princípio da proporcionalidade.

a)      Quanto à alegada violação do direito ao respeito pela vida privada, do direito à proteção dos dados pessoais, do direito à integridade física, do direito à liberdade e à segurança, bem como do direito à igualdade de tratamento e à não discriminação

188    Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que a decisão recorrida viola o direito à integridade física, consagrado no artigo 3.o, n.o 1, da Carta, na medida em que obriga os recorrentes que não têm certificado de vacinação ou de recuperação a submeterem‑se, de dois em dois dias, a colheitas nasofaríngeas para despistagem de uma possível infeção por SARS‑CoV‑2. Os recorrentes entendem que essas colheitas são particularmente invasivas e também arriscadas, baseando‑se num comunicado da Académie nationale de médecine (Academia Nacional de Medicina, França) de 8 de abril de 2021, que relata a existência de complicações graves, tais como «brechas no andar anterior da base do crânio associadas a um risco de meningite».

189    Em segundo lugar, os recorrentes consideram que a decisão recorrida viola os princípios da igualdade e da não discriminação, consagrados nos artigos 20.o e 21.o da Carta, na medida em que trata da mesma forma, por um lado, pessoas que se deslocam ocasionalmente ao Parlamento, a saber, os visitantes, os assistentes locais, os intervenientes externos, os representantes de interesses e, por outro, os membros e o pessoal do Parlamento, que se devem deslocar regularmente aos seus edifícios.

190    Além disso, os recorrentes consideram que quem não disponha de certificado de vacinação ou de recuperação será discriminado em relação às pessoas que dele dispõem, na medida em que se deverá submeter, no mínimo de dois em dois dias, a testes de despistagem para poder trabalhar e exercer o seu mandato.

191    Em terceiro lugar, os recorrentes consideram que, por esse motivo, a decisão recorrida viola igualmente o direito ao consentimento livre e esclarecido para qualquer intervenção de ordem médica no corpo humano, consagrado no artigo 3.o, n.o 2, da Carta, bem como o direito à liberdade, consagrado no artigo 6.o da Carta. Com efeito, para evitarem submeter‑se repetidamente a uma despistagem nasofaríngea, que pode ser insuperável para um grande número de pessoas, estas sentir‑se‑ão obrigadas a ser vacinadas. Ora, os recorrentes recordam que a vacinação contra a COVID‑19 não é obrigatória em nenhum Estado‑Membro da União, pelo que tal obrigação vacinal disfarçada é contrária ao direito à liberdade.

192    Em quarto lugar, os recorrentes consideram que, ao condicionar o acesso ao local de trabalho à apresentação de dados médicos altamente sensíveis, como o estado de vacinação, o resultado de um teste de despistagem ou a prova da recuperação da doença, a decisão recorrida viola o direito ao respeito pela vida privada e a proteção dos dados pessoais. Com efeito, por força do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725, o tratamento de dados relativos à saúde é proibido, salvo em casos excecionais.

193    O Parlamento contesta estes argumentos.

194    Em primeiro lugar, como resulta da análise do primeiro fundamento, a decisão recorrida constitui a base jurídica no direito da União que permite a adoção de medidas que limitam os direitos invocados pelos recorrentes no âmbito da primeira parte do quarto fundamento, pelo que tais medidas devem ser consideradas «previstas por lei» na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

195    Em segundo lugar, não se pode deixar de observar que a decisão recorrida não afeta o conteúdo essencial nem a própria substância dos direitos invocados pelos recorrentes.

196    Com efeito, em primeiro lugar, no que respeita à alegada lesão da integridade física dos recorrentes que não disponham de um certificado de vacinação ou de recuperação devido à obrigação de esses recorrentes se sujeitarem regularmente a testes nasofaríngeos que consideram particularmente invasivos, refira‑se, antes de mais, que a decisão recorrida se limita a condicionar o acesso aos seus edifícios à apresentação de um certificado COVID, sem exigir testes específicos que impliquem colheitas nasofaríngeas. Com efeito, por um lado, é possível esses recorrentes efetuarem uma colheita na garganta para efeitos de um teste PCR e, por outro, também é possível um teste TRA efetuado por um profissional de saúde, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento 2021/953.

197    No que respeita, mais especificamente, ao comunicado da Académie nationale de médecine (Academia Nacional de Medicina) de 8 de abril de 2021, referido pelos recorrentes, resulta deste comunicado, em primeiro lugar, que se deve reservar a prática das recolhas nasofaríngeas aos profissionais de saúde formados para a realização desse gesto em condições técnicas rigorosas, em segundo lugar, que devem ser privilegiadas nas crianças as colheitas de saliva, o que não é aplicável aos recorrentes, e, em terceiro lugar, que é necessário avisar os utilizadores de autotestes contra os riscos associados à autocolheita. Ora, como alega o Parlamento, este tipo de complicações inerentes aos autotestes é uma das razões pelas quais o Parlamento não as aceita para dar acesso aos seus edifícios, sendo admitidos apenas os testes TRA efetuados por profissionais de saúde.

198    Por último, importa recordar, à semelhança do Parlamento, que os recorrentes podem, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da decisão recorrida, apresentar ao secretário‑geral do Parlamento um pedido de derrogação da obrigação de apresentar um certificado COVID válido, em casos devidamente justificados.

199    Em segundo lugar, no que respeita à alegada violação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, consagrados nos artigos 20.o e 21.o da Carta, importa recordar que, segundo a jurisprudência, esse princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v. Acórdão de 5 de julho de 2017, Fries, C‑190/16, EU:C:2017:513, n.os 29 e 30 e jurisprudência referida).

200    No que respeita à necessidade de caráter comparável das situações, esta é apreciada tendo em conta o conjunto dos elementos que as caracterizam. Estes elementos devem, nomeadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa. Devem ainda ser tidos em consideração os princípios e objetivos do domínio em que se integra o ato em causa (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão, C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 67 e jurisprudência referida).

201    Ora, no caso, como observa o Parlamento, a comparabilidade dos visitantes externos com os membros e o pessoal do Parlamento deve ser apreciada à luz do objetivo prosseguido pela decisão recorrida e não com base na frequência com que vão aos edifícios do Parlamento. Assim, à luz do objetivo da decisão recorrida de, segundo o seu considerando 11, «fornecer garantias suficientes para proteger a vida e a saúde de todas as pessoas presentes nas instalações do Parlamento», não se pode considerar que os recorrentes não se encontram numa situação comparável à de qualquer outra pessoa que pretenda aceder aos edifícios do Parlamento, mesmo que, no seu caso, a limitação causada pela decisão recorrida seja mais importante, na medida em que tem por efeito condicionar o acesso ao seu local de trabalho. Com efeito, uma vez dentro dos edifícios do Parlamento, o risco de transmissão do COVID‑19 para os deputados e para o pessoal do Parlamento é o mesmo que para qualquer outra pessoa que aceda a esses edifícios.

202    Do mesmo modo, não se pode considerar que aqueles, entre os recorrentes, que não dispõem de certificado de vacinação ou de recuperação são discriminados em relação às pessoas que deles dispõem. Com efeito, a decisão recorrida não privilegia nenhum dos três certificados mencionados no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento 2021/953, limitando‑se a prever o controlo da validade do certificado COVID que atesta a posse de um ou outro destes três certificados, como prevê o artigo 1.o dessa decisão.

203    Por conseguinte, à luz do objetivo prosseguido pela decisão recorrida, não se pode considerar que os recorrentes são objeto de uma desigualdade de tratamento ou que são discriminados em relação a qualquer outra pessoa que deseje aceder aos edifícios do Parlamento ou em relação às pessoas que dispõem de um certificado de vacinação ou de recuperação.

204    Em terceiro lugar, na medida em que os recorrentes invocam o seu direito ao consentimento livre e esclarecido para qualquer intervenção de ordem médica no seu corpo e o seu direito à liberdade, há que lembrar que a decisão recorrida não privilegia nenhum dos três certificados que dão direito a um certificado COVID válido, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento 2021/953, limitando‑se a condicionar o acesso aos edifícios do Parlamento à apresentação de um desses certificados.

205    Ora, uma vez que o Parlamento adotou medidas destinadas a facilitar a obtenção de um certificado de teste através de um teste PCR, que pode ser efetuado gratuitamente num dos centros de despistagem em Bruxelas, em Estrasburgo ou no Luxemburgo (Luxemburgo), embora reconhecendo a validade de um teste PCR realizado na Bélgica, em França ou no Luxemburgo que não tenha sido convertido em certificado COVID, não se pode considerar que a decisão recorrida constitui, na realidade, uma obrigação vacinal disfarçada para as pessoas que não tenham certificado de vacina nem certificado de recuperação.

206    Em quarto lugar, o Parlamento não contesta o facto de a decisão recorrida poder constituir uma ingerência no direito ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais dos recorrentes, consagrados nos artigos 7.o e 8.o da Carta, ao condicionar o acesso ao local de trabalho dos recorrentes à apresentação de um certificado COVID válido, o qual contém dados pessoais relativos ao estado de saúde dos titulares dos dados.

207    A este respeito, como indicam os recorrentes, o tratamento de tais dados é, em princípio, proibido, por força do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725, salvo nos casos excecionais enumerados no artigo 10.o, n.o 2, deste regulamento. Ora, no caso, como alega o Parlamento, o considerando 24 da decisão recorrida indica que o artigo 10.o, n.o 2, alíneas g) e i), do Regulamento 2018/1725, lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), desse regulamento, constitui o fundamento jurídico para o tratamento dos dados pessoais contidos nos certificados COVID, uma vez que o tratamento dos dados em questão é necessário para proteger a saúde pública e limitar a propagação da COVID‑19.

208    Por outro lado, não resulta de nenhum elemento avançado pelos recorrentes que a decisão recorrida afete a própria substância dos direitos que invocam e, em especial, o seu direito à proteção dos dados pessoais. Com efeito, como acima resulta dos n.os 175 a 184, o Parlamento respeitou o princípio da minimização dos dados, e o tratamento dos dados pessoais efetuado nos termos da decisão recorrida não pode ser considerado ilícito ou desleal.

209    Em terceiro lugar, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, importa ainda examinar se as limitações, ainda que mínimas, dos direitos invocados pelos recorrentes, admitindo que estejam provadas, são necessárias e correspondem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, na observância do princípio da proporcionalidade.

b)      Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade

210    Os recorrentes convidam o Tribunal Geral a efetuar uma fiscalização da proporcionalidade, conforme prevista no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, nas suas três componentes.

211    A título preliminar, refira‑se que a legalidade da decisão recorrida deve ser apreciada unicamente à luz dos elementos de facto e de direito existentes no momento em que foi adotada (Acórdãos de 9 de julho de 2007, Sun Chemical Group e o./Comissão, T‑282/06, EU:T:2007:203, n.o 59, e de 26 de outubro de 2012, Oil Turbo Compressor/Conselho, T‑63/12, EU:T:2012:579, n.o 29).

212    Por conseguinte, no caso presente, há que examinar a adequação, a necessidade e a proporcionalidade da decisão recorrida à luz dos objetivos prosseguidos por essa decisão e à luz da situação epidemiológica e dos conhecimentos científicos existentes no momento da adoção da decisão recorrida.

1)      Quanto à necessidade das medidas em causa

213    Num primeiro momento, os recorrentes alegam que a decisão recorrida não é necessária para atingir os objetivos por ela prosseguidos, em especial o de impedir a propagação da COVID‑19 no Parlamento e assim proteger a saúde dos deputados e dos membros do pessoal.  

214    Os recorrentes consideram que outras medidas menos restritivas, que já estavam em vigor, eram suficientes para atingir esses objetivos, nomeadamente a medição da temperatura, o uso de máscara, o distanciamento social, o arejamento e a ventilação regular dos escritórios e das salas de reunião, bem como a desinfeção das mãos. Além disso, entendem não estar demonstrado que os edifícios do Parlamento sejam um lugar de risco particular no respeitante à transmissão da COVID‑19. A esse respeito, os recorrentes lembram que, segundo as instruções da Organização Mundial da Saúde (OMS), a avaliação dos riscos deve ser feita por cada meio de trabalho específico e cada emprego ou grupo de emprego.

215    Daí resulta, segundo os recorrentes, que não era necessária a imposição de medidas suplementares nos edifícios do Parlamento. O simples facto de o Parlamento ser um local onde pode haver uma presença acrescida de pessoas, de as deslocações terem aumentado devido ao reinício de missões e de serem organizadas regularmente reuniões presenciais, como se indica no considerando 13 da decisão recorrida, não é suficiente para demonstrar a necessidade de impor medidas tão extintivas da liberdade como as previstas na decisão recorrida.

216    O Parlamento contesta estes argumentos.

217    Importa recordar, a título preliminar, que o princípio da precaução constitui um princípio geral do direito da União, que decorre do artigo 11.o, do artigo 168.o, n.o 1, do artigo 169.o, n.os 1 e 2, e do artigo 191.o, n.os 1 e 2, TFUE. De acordo com este princípio, quando subsistam incertezas quanto à existência ou ao alcance de riscos para a saúde das pessoas, podem ser adotadas medidas de proteção sem ter de esperar que a realidade e gravidade de tais riscos estejam plenamente demonstradas, desde que não sejam discriminatórias e objetivas (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de abril de 2014, Acino/Comissão, C‑269/13 P, EU:C:2014:255, n.o 57, e de 17 de março de 2016, Zoofachhandel Züpke e o./Comissão, T‑817/14, EU:T:2016:157, n.o 51).

218    Além disso, há que lembrar que o Parlamento, por força do seu dever de diligência e da sua obrigação, decorrente nomeadamente do artigo 1.o‑E, n.o 2, do Estatuto, igualmente aplicável aos agentes temporários da União por força do artigo 10.o do ROA, que constitui uma das bases jurídicas da decisão recorrida, é obrigado a assegurar a saúde do seu pessoal (v. n.o 101, supra).

219    No caso, na adoção da decisão recorrida, o Parlamento baseou‑se nos elementos seguintes.

220    Em primeiro lugar, como resulta, em substância, do considerando 5 da decisão recorrida, desde setembro de 2021, o contexto sanitário na Europa revelava uma tendência para o aumento das infeções para a COVID‑19 e, em 1 de novembro de 2021, o número de novas infeções tinha atingido o nível do mês de novembro de 2020.

221    Por conseguinte, ao contrário do que alegam os recorrentes, no momento da adoção da decisão recorrida, não se pode considerar que a situação epidemiológica era «estável».

222    Em segundo lugar, na sequência do levantamento do teletrabalho a partir de 1 de setembro de 2021, o médico assistente do Parlamento considerou que o regresso ao trabalho presencial comportava um risco acrescido de transmissão do vírus. Conforme resulta, em substância, do considerando 13 da decisão recorrida, o Parlamento teve em conta o facto de a presença acrescida de pessoas nos edifícios do Parlamento e o aumento da incidência da COVID‑19 na sociedade gerarem um maior risco de introdução do vírus no Parlamento e um risco acrescido de transmissão interna da COVID‑19 e de quarentenas. Além disso, o Parlamento teve em conta o facto de os membros do Parlamento estarem em contacto frequente com o seu eleitorado nos 27 Estados‑Membros, que apresentavam uma situação epidemiológica muito variada, pelo que devia ter em conta as viagens internacionais frequentes como fator de risco adicional que podia fazer delas um foco de transmissão.

223    Por conseguinte, à luz destas considerações, há que concluir que o Parlamento podia razoavelmente considerar que era necessária a adoção de medidas sanitárias preventivas reforçadas para proteger a saúde de todas as pessoas presentes nos seus edifícios. Com efeito, como alega o Parlamento, tendo em conta a situação epidemiológica existente no momento da adoção da decisão recorrida, o controlo do certificado COVID à entrada dos seus edifícios podia razoavelmente ser considerado uma medida necessária para limitar o risco de transmissão da COVID‑19 no Parlamento e, portanto, proteger a saúde do seu pessoal, em complemento das outras medidas preventivas já adotadas.

224    É certo que, como observam os recorrentes, desde 22 de novembro de 2021, foi decidido introduzir o teletrabalho obrigatório à razão de três dias por semana para todos os membros do pessoal, na medida em que tal fosse compatível com o exercício das suas funções.

225    Todavia, como foi acima recordado no n.o 211, a legalidade da decisão recorrida deve ser apreciada unicamente à luz dos elementos de facto e de direito existentes no momento em que foi adotada. Por conseguinte, esta circunstância, que é posterior à adoção da decisão recorrida, não pode ser tida em conta para efeitos da apreciação da sua legalidade.

2)      Quanto ao caráter adequado das medidas em causa

226    Num segundo momento, os recorrentes alegam que a decisão recorrida não é adequada para proteger contra a propagação do vírus e impedir a contaminação dos membros do Parlamento e do pessoal que entram nos edifícios do Parlamento. Com efeito, os recorrentes alegam que não existe consenso científico quanto à transmissão do vírus pelas pessoas vacinadas e que numerosos estudos atestam que tanto as pessoas vacinadas como as pessoas não vacinadas podem transmitir o vírus. Afirmam que a própria OMS sublinhou, numa publicação de 5 de fevereiro de 2021, que «exist[iam] ainda grandes lacunas no conhecimento relativamente à eficácia da vacinação para reduzir a transmissão». Os recorrentes consideram, portanto, que um certificado de vacinação ou de recuperação não fornece nenhuma garantia de que as pessoas que dele dispõem não sejam contagiosas. Do mesmo modo, a apresentação de um teste PCR negativo é igualmente uma medida inadequada e desproporcionada, tendo em conta o elevado número de resultados «falsos positivos». Por conseguinte, não se pode validamente sustentar que a obrigação de condicionar o acesso aos edifícios do Parlamento à apresentação de um certificado COVID válido permite atenuar o risco de transmissão do vírus e, assim, proteger as pessoas que entram nesses edifícios.

227    O Parlamento contesta esta argumentação.

228    Antes de mais, importa recordar que, segundo o considerando 11 da decisão recorrida, esta decisão visa, nomeadamente, «fornecer garantias suficientes para proteger a vida e a saúde de todas as pessoas presentes nas instalações do Parlamento». Por conseguinte, há que examinar se a decisão recorrida constitui uma medida adequada à luz desse objetivo.

229    Refira‑se, a esse respeito, que, apesar de certos estudos invocados pelos recorrentes, que demonstram que as pessoas vacinadas podem também transmitir o vírus e que a proteção oferecida pela vacina diminui sensivelmente com o tempo, resulta, em especial, do parecer do médico assistente do Parlamento de 10 de outubro de 2021, no qual a Mesa se baseou com vista à adoção da decisão recorrida, que «[s]egundo dados recentes, o risco de transmissão mais baixo é observado entre duas pessoas vacinadas, ao passo que o risco mais alto de transmissão se verifica entre duas pessoas não vacinadas[; o] risco de infeção de uma pessoa (vacinada) é muito maior quando esta está em contacto com um sujeito não vacinado do que com um sujeito completamente vacinado».

230    Além disso, segundo um estudo fornecido pelo Parlamento [Singanayagam, A., Hakki, S., Dunning, J., et al., «Community transmisssion and viral load kinetics of the SARS‑CoV‑2 delta (B.1.617.2), variant in vaccinated and unvacinated individuals in the UK: a prospective, longitudinal, cohort study», Lancet Infc. Dis. 2022, 29 de outubro de 2021, pp. 183 a 195], a vacinação reduz o risco de contaminação pela variante Delta do vírus, que era a variante dominante na Europa no momento da adoção da decisão recorrida, reduzindo simultaneamente a probabilidade de a pessoa vacinada ser infetada após um contacto de risco e reduzindo a contagiosidade de uma pessoa vacinada infetada, não apenas em intensidade mas também na sua duração.

231    Em seguida, quanto ao argumento dos recorrentes de que a eficácia das vacinas contra a transmissão do vírus diminuiria sensivelmente com o tempo, refira‑se, como faz o Parlamento, que resulta do primeiro estudo citado pelos recorrentes (Riemersma, K. K., et al., «Shedding of Infectious SARS‑CoV‑2 Despite Vaccination», MedRxiv, 15 de outubro de 2021, p. 4) que a administração de uma dose de vacina suplementar depois da série vacinal inicial reduz consideravelmente o risco de infeção pela variante Delta.

232    A esse respeito, há que lembrar também que, segundo o considerando 7 do Regulamento 2021/953, as provas científicas disponíveis demonstram que as pessoas vacinadas ou as que obtiveram um resultado negativo num teste recente de despistagem da COVID‑19 e as pessoas que recuperaram da COVID‑19 nos seis meses anteriores parecem ter um risco reduzido de infetar outras pessoas com o SARS‑CoV‑2. Assim, os recorrentes não podem pôr em causa a validade do Regulamento 2021/953, que beneficia da presunção de legalidade, sem invocarem elementos mais precisos e convincentes, tanto mais que não arguíram formalmente a ilegalidade desse regulamento nos termos do artigo 277.o TFUE.

233    Por último, quanto ao argumento dos recorrentes relativo aos testes com resultados «falsos positivos», há que observar que os recorrentes não apresentaram nenhuma prova que permita considerar que isso diz respeito a um número significativo de testes, suscetível de pôr em causa a própria credibilidade destes enquanto fundamento de um dos três certificados que permitem comprovar a inexistência de contaminação na COVID‑19, nos termos do Regulamento 2021/953.

234    De qualquer forma, como observa o Parlamento, segundo a instituição pública belga Sciensano, os resultados dos testes PCR «positivos» e «ligeiramente positivos» podem, em certos casos, ser considerados uma infeção antiga se estiverem preenchidas determinadas condições e, nesse caso, não é necessária nenhuma medida de isolamento.

235    Assim, embora seja verdade que, como alegam os recorrentes, nem a vacinação nem os testes nem a recuperação permitem evitar completamente a transmissão do vírus, não é menos verdade que, como resulta dos pareceres médicos em que o Parlamento se baseou ao adotar a decisão recorrida, por sua vez baseados no estado dos conhecimentos científicos nesse momento, a obrigação de apresentar um certificado COVID válido permite reduzir esse risco e, assim, reforçar as medidas sanitárias existentes pelo controlo desses três aspetos, de forma objetiva e não discriminatória.

236    Por conseguinte, há que observar que, tendo em conta as informações de que o Parlamento dispunha e, em especial, a situação epidemiológica e os conhecimentos científicos existentes no momento da adoção da decisão recorrida, este podia validamente considerar que a exigência de dispor de um certificado COVID válido para poder aceder aos seus edifícios constituía uma medida adequada à luz do objetivo de proteger a saúde do seu pessoal, bem como a de todas as pessoas presentes nos seus edifícios.

3)      Quanto à proporcionalidade das medidas em causa

237    Num terceiro momento, os recorrentes consideram que a decisão recorrida é manifestamente desproporcionada, na medida em que, segundo o considerando 7 da decisão recorrida, a cobertura vacinal no Parlamento se situa, segundo as estimativas do serviço médico do Parlamento, entre 80 e 85 %. Os recorrentes alegam que, com uma taxa de cobertura tão elevada, sob pena de se considerar que a vacinação contra a COVID‑19 é ineficaz, é manifestamente desproporcionado impor, enquanto medida suplementar, a limitação do acesso aos edifícios do Parlamento apenas às pessoas que dispõem de um certificado COVID válido.

238    A fortiori, os recorrentes alegam que o Parlamento não pode justificar a proporcionalidade da decisão recorrida invocando a necessidade de proteger os membros do Parlamento e do pessoal que não estejam vacinados. Com efeito, trata‑se da livre escolha dessas pessoas e o Parlamento não as pode discriminar com o fundamento de pretender protegê‑las contra os supostos efeitos dessa escolha na sua saúde.

239    O Parlamento contesta estes argumentos.

240    Há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade, que é um dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdãos de 8 de julho de 2010, Afton Chemical, C‑343/09, EU:C:2010:419, n.o 45, e de 4 de junho de 2020, Hungria/Comissão, C‑456/18 P, EU:C:2020:421, n.o 41).

241    Por conseguinte, há que verificar se a obrigação de dispor de um certificado COVID válido nos termos da decisão recorrida constitui uma medida proporcional à luz do objetivo prosseguido, no sentido de que esse objetivo não poderia ser atingido através de medidas menos restritivas mas igualmente eficazes (v., neste sentido, Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, Katoen Natie Bulk Terminals e General Services Antwerp, C‑407/19 e C‑471/19, EU:C:2021:107, n.o 61 e jurisprudência referida).

242    A este respeito, os recorrentes não podem validamente alegar que, devido à elevada taxa de vacinação no Parlamento, estimada entre 80 e 85 %, é manifestamente desproporcionado impor, enquanto medida suplementar, a limitação do acesso aos edifícios do Parlamento apenas às pessoas que dispõem de um certificado COVID válido.

243    Com efeito, tal argumentação assenta na premissa de que essa medida não permite contribuir eficazmente para proteger a saúde do pessoal e de todas as pessoas que se encontram no interior dos edifícios do Parlamento.

244    Ora, como alega o Parlamento e como resulta, em substância, do considerando 14 da decisão recorrida, tendo em conta os casos de infeção repertoriados no Parlamento, o aumento considerável das pessoas que acedem aos edifícios desde setembro de 2021, cuja taxa de vacinação não é conhecida, a predominância da variante Delta do vírus e a tendência da situação pandémica geral, uma aplicação conjugada das medidas sanitárias existentes com o controlo obrigatório dos certificados COVID é proporcionada relativamente ao objetivo prosseguido pela decisão recorrida, que é o de assegurar a proteção da saúde dos deputados e do pessoal e limitar a propagação da COVID‑19.

245    Além disso, como resulta dos estudos científicos apresentados tanto pelos recorrentes como pelo Parlamento, que refletem o estado dos conhecimentos científicos no momento da adoção da decisão recorrida, embora a vacinação não permita eliminar totalmente o risco de transmissão da COVID‑19, permite reduzir esse risco de forma significativa. Por conseguinte, o Parlamento podia validamente considerar que a obrigação de apresentar um certificado COVID válido, na medida em que implica dispor de ou um certificado de vacinação ou de um certificado de recuperação ou de um certificado de teste para poder aceder aos edifícios do Parlamento, contribuiria para reduzir esse risco.

246    Importa sublinhar, a este respeito, que de nenhuma forma os recorrentes demonstraram que existiam outras medidas menos restritivas, mas igualmente eficazes à luz do objetivo prosseguido, que pudessem ter sido adotadas pelo Parlamento.

247    No que respeita, em especial, à manutenção das outras medidas sanitárias existentes no momento da adoção da decisão recorrida, sem nenhuma restrição suplementar, os recorrentes não demonstraram de que modo essa medida teria podido atingir de forma igualmente eficaz o objetivo de reduzir o número de transmissões do vírus no Parlamento, de forma que protegesse a saúde do seu pessoal. Com efeito, como indicou o Parlamento na audiência, o número de contaminações repertoriadas no Parlamento diminuiu fortemente na sequência da adoção da decisão recorrida, o que tende a demonstrar a eficácia da medida em causa.

248    Com efeito, na ausência das medidas suplementares previstas na decisão recorrida, uma pessoa que não estivesse vacinada nem recuperada da COVID‑19, que fosse potencialmente portadora do vírus, por exemplo, teria podido aceder livremente aos edifícios do Parlamento, podendo, desse modo, contaminar as numerosas pessoas que aí trabalham ou aí circulam diariamente, sem que lhe pudesse ser imposto qualquer controlo.

249    O facto de, como alegaram os recorrentes na audiência, a decisão recorrida ter gerado um «falso sentimento de segurança» nas pessoas vacinadas, fazendo‑as crer que não corriam o risco de ser contaminadas pela COVID‑19 ao apresentarem um certificado COVID válido, baseado num certificado de vacinação, admitindo verificado esse sentimento, não é suscetível de pôr em causa o caráter proporcionado da decisão recorrida. Com efeito, esse argumento não permite demonstrar que estivessem disponíveis medidas menos restritivas e igualmente eficazes, mas apenas e eventualmente que poderiam ter sido adotadas outras medidas ainda mais restritivas pelo Parlamento, exigindo, por exemplo, que as pessoas vacinadas se submetessem igualmente a testes regulares.

250    Por outro lado, o facto de outras instituições da União não terem imposto restrições semelhantes não é suscetível de pôr em causa a proporcionalidade da decisão recorrida. Com efeito, como resulta, nomeadamente, do considerando 13 da decisão recorrida, o Parlamento baseou‑se não apenas na situação epidemiológica geral na Europa, mas também nas particularidades do Parlamento, enquanto organização internacional que deve ter em conta viagens internacionais frequentes como fator de risco suplementar que poderia dar origem a um foco de transmissão.

251    Por último, há que dar igualmente importância especial ao facto de as medidas instituídas pela decisão recorrida serem limitadas no tempo e serem regularmente reexaminadas à luz da evolução da situação sanitária (v. considerando 27 da decisão recorrida).

252    Há que lembrar igualmente que a decisão recorrida se limita a submeter o acesso aos seus edifícios nos seus três locais de trabalho à apresentação de um dos certificados previstos no artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) a c), do Regulamento 2021/953 ou de um certificado equivalente referido no artigo 8.o do referido regulamento. Embora seja certo que o facto de ter de apresentar esse certificado possa impor determinados inconvenientes práticos, estes últimos não podem, porém, prevalecer sobre a proteção da saúde humana de outrem nem ser equiparados a violações desproporcionadas dos direitos fundamentais dos recorrentes.

253    Há que considerar, portanto, que, perante a sua obrigação de assegurar a saúde do seu pessoal e do seu dever de precaução (v. n.os 217 e 218, supra), a decisão recorrida é proporcionada relativamente ao objetivo prosseguido.

254    Refira‑se, no entanto, que, dado o contexto flutuante da situação epidemiológica e a evolução dos conhecimentos científicos, nomeadamente relativos ao aparecimento de novas variantes, como indica o considerando 27 da decisão recorrida, «a obrigação de apresentar um certificado COVID válido para aceder aos edifícios do Parlamento só deve ser aplicada enquanto durarem as circunstâncias excecionais que a justificam e é reavaliada periodicamente em função da situação sanitária na União e nos três locais de trabalho do Parlamento, a fim de garantir em qualquer momento um equilíbrio adequado entre os direitos das pessoas em causa e os interesses protegidos pelos direitos em jogo».

255    Improcede, pois, a segunda parte do quarto fundamento, bem como o quarto fundamento na íntegra.

256    À luz de todas as considerações acima efetuadas, há que negar provimento aos presentes recursos.

 Quanto às despesas

257    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

258    Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los nas despesas, incluindo as relativas aos processos de medidas provisórias, de acordo com o pedido do Parlamento.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      Robert Roos e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo são condenados nas despesas, incluindo as relativas aos processos de medidas provisórias.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de abril de 2022.

Assinaturas


Índice PT


I. Antecedentes do litígio

II. Pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto à admissibilidade dos recursos

1. Quanto ao interesse em agir dos recorrentes

2. Quanto à legitimidade dos recorrentes

B. Quanto à admissibilidade dos requerimentos de adaptação das petições

C. Quanto ao mérito

1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de base jurídica válida da decisão recorrida para produzir efeitos para os membros do Parlamento

2. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos princípios da liberdade e da independência dos deputados e à violação das imunidades que lhes são conferidas pelo Tratado

a) Quanto à primeira parte, relativa à incompatibilidade da decisão recorrida com os princípios da liberdade e da independência dos membros do Parlamento

b) Quanto à segunda parte, relativa, em substância, à violação das imunidades conferidas aos deputados pelo Protocolo n.o 7

3. Terceiro fundamento, relativo à violação dos princípios gerais relativos ao tratamento de dados pessoais.

a) Quanto à primeira parte, relativa à violação dos princípios da limitação das finalidades do tratamento de dados e da legalidade

b) Quanto à segunda parte, relativa à violação dos princípios da lealdade, da transparência e da minimização

4. Quanto ao quarto fundamento, relativo, em substância, a uma violação injustificada e desproporcionada do direito ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, do direito à integridade física, do direito à liberdade e à segurança, bem como do direito à igualdade de tratamento e à não discriminação

a) Quanto à alegada violação do direito ao respeito pela vida privada, do direito à proteção dos dados pessoais, do direito à integridade física, do direito à liberdade e à segurança, bem como do direito à igualdade de tratamento e à não discriminação

b) Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade

1) Quanto à necessidade das medidas em causa

2) Quanto ao caráter adequado das medidas em causa

3) Quanto à proporcionalidade das medidas em causa

Quanto às despesas


*      Língua do processo: francês.


1      A lista dos demais recorrentes é anexada apenas à versão notificada às partes.