Language of document : ECLI:EU:C:2012:794

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

13 de dezembro de 2012 (*)

«Regulamento (CE) n.° 1896/2006 — Procedimento europeu de injunção de pagamento — Requerimento de injunção que não preenche os requisitos formais previstos na legislação nacional — Natureza exaustiva dos requisitos que o requerimento deve preencher — Possibilidade de reclamar os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal»

No processo C‑215/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Sąd Okręgowy we Wrocławiu (Polónia), por decisão de 11 de abril de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de maio de 2011, no processo

Iwona Szyrocka

contra

SiGer Technologie GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Ilešič (relator), E. Levits, J.‑J. Kasel e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: K. Sztranc‑Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de abril de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, M. Arciszewski e B. Czech, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo português, por L. Fernandes, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo finlandês, por M. Pere, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de junho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO L 399, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um procedimento europeu de injunção de pagamento iniciado por I. Szyrocka, residente na Polónia, contra a SiGer Technologie GmbH, com sede na Alemanha.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.° 1896/2006

3        Nos termos dos considerandos 8, 9, 10 e 11 do Regulamento n.° 1896/2006:

«(8)      Os consequentes entraves ao acesso a uma justiça eficaz em casos transfronteiriços e as distorções da concorrência no mercado interno decorrentes de desequilíbrios no funcionamento dos meios processuais facultados aos credores nos diferentes Estados‑Membros carecem de legislação comunitária que garanta condições idênticas para os credores e os devedores em toda a União Europeia.

(9)      O presente regulamento tem por objetivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento [...].

(10)      O procedimento estabelecido pelo presente regulamento deverá constituir um meio suplementar e facultativo à disposição do requerente, que manterá toda a liberdade de recorrer aos procedimentos previstos no direito interno. Por conseguinte, o presente regulamento não substituirá nem harmonizará os mecanismos de cobrança de créditos não contestados previstos no direito interno.

(11)      O procedimento deverá ter por base, tanto quanto possível, a utilização de formulários normalizados para todas as comunicações entre o tribunal e as partes, a fim de facilitar a sua administração e permitir o recurso ao tratamento automático de dados.»

4        Segundo o considerando 16 do referido regulamento, «[o] tribunal deverá analisar o requerimento, bem como a questão da competência e a descrição das provas, com base nas informações constantes do formulário de requerimento, o que deverá permitir‑lhe apreciar prima facie o mérito do pedido e, nomeadamente, excluir pedidos manifestamente infundados ou requerimentos inadmissíveis».

5        Nos termos do considerando 29 do Regulamento n.° 1896/2006, o objetivo do referido regulamento é «o estabelecimento de um mecanismo uniforme, rápido e eficiente de liquidação de créditos não contestados em toda a União Europeia».

6        O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 dispõe:

«O presente regulamento tem por objetivo:

a)      Simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento;

[...]»

7        O artigo 2.°, n.° 1, deste regulamento prevê:

«O presente regulamento é aplicável a matéria civil e comercial, em casos transfronteiriços, independentemente da natureza do tribunal. [...]»

8        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, um caso transfronteiriço é aquele em que pelo menos uma das partes tem domicílio ou residência habitual num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro do tribunal demandado.»

9        O artigo 4.° do mesmo regulamento enuncia:

«É criado o procedimento europeu de injunção de pagamento para a cobrança de créditos pecuniários líquidos exigíveis na data em que é apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeia.»

10      O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1896/2006 dispõe:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria [...]»

11      O artigo 7.° deste regulamento prevê:

«1.       O requerimento de injunção de pagamento europeia deve ser apresentado utilizando o formulário normalizado A, constante do Anexo I.

2.      O requerimento deve incluir:

a)      Os nomes e endereços das partes e, se for caso disso, dos seus representantes, bem como do tribunal a que é apresentado;

b)      O montante do crédito, incluindo o crédito principal e, se for caso disso, os juros, as sanções contratuais e os custos;

c)      Se forem reclamados juros sobre o crédito, a taxa de juro e o período em relação ao qual os juros são reclamados, salvo se o capital for automaticamente acrescido de juros legais por força da legislação do Estado‑Membro de origem;

d)      A causa de pedir, incluindo uma descrição das circunstâncias invocadas como fundamento do crédito e, se necessário, dos juros reclamados;

e)      Uma descrição das provas que sustentam o pedido;

f)      O fundamento da competência judiciária;

      e

g)      O caráter transfronteiriço do caso, na aceção do artigo 3.°

3.      No requerimento, o requerente deve declarar que as informações prestadas são verdadeiras tanto quanto, em consciência, seja do seu conhecimento e que está ciente de que a prestação deliberada de informações falsas pode dar lugar à aplicação das sanções adequadas previstas na legislação do Estado‑Membro de origem.

4.      Em apêndice ao requerimento, o requerente pode declarar ao tribunal que se opõe à passagem da ação para a forma de processo civil comum […] em caso de dedução de oposição pelo requerido. O requerente pode informar o tribunal desse facto ulteriormente, mas sempre antes da emissão da injunção.

5.      O requerimento deve ser apresentado em suporte papel ou por quaisquer outros meios de comunicação, inclusive eletrónicos, aceites pelo Estado‑Membro de origem e disponíveis no tribunal de origem.

6.      O requerimento deve ser assinado pelo requerente ou, se for caso disso, pelo seu representante. [...]»

12      O artigo 11.°, n.° 1, do referido regulamento enuncia:

«O tribunal recusa o requerimento se:

a)      Não estiverem preenchidos os requisitos estabelecidos nos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 6.° e 7.°;

[...]»

13      Nos termos do artigo 12.°, n.° 3, do mesmo regulamento:

«Na injunção de pagamento europeia, o requerido é avisado de que pode optar entre:

a)      Pagar ao requerente o montante indicado na injunção;

[...]»

14      O artigo 25.° do Regulamento n.° 1896/2006 prevê:

«1.      A soma das custas judiciais do procedimento europeu de injunção de pagamento e do processo civil comum subsequente à declaração de oposição à injunção de pagamento europeia num Estado‑Membro não deve ser superior às custas judiciais de um processo civil comum que não seja precedido do procedimento europeu de injunção de pagamento nesse Estado‑Membro.

2.      Para efeitos do presente regulamento, as custas judiciais incluem as custas e os encargos a pagar ao tribunal, cujo montante é fixado nos termos da lei nacional.»

15      O artigo 26.° deste regulamento dispõe:

«As questões processuais não reguladas expressamente pelo presente regulamento regem‑se pela lei nacional.»

16      O Anexo I do referido regulamento contém o formulário A, intitulado «Requerimento de injunção de pagamento europeia».

17      O ponto 7 das instruções, intituladas «Instruções para preencher o formulário de requerimento», que figura no Anexo I do mesmo regulamento, prevê:

«Juros. Se forem exigidos, os juros devem ser especificados em relação a cada crédito [...], de acordo com os códigos indicados no formulário. [...] Se os juros exigidos correrem até à decisão do tribunal, a última casa [até] deve ser deixada em branco. [...]»

18      O formulário E para emitir uma injunção de pagamento europeia figura no Anexo V do Regulamento n.° 1896/2006.

 Direito polaco

19      Segundo o artigo 187.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, nos processos relativos a direitos patrimoniais, o requerimento deve indicar o valor da causa, exceto se este não corresponder ao montante pecuniário indicado.

20      O artigo 130.°, n.° 1, do Código de Processo Civil estabelece as consequências da apresentação de um requerimento que enferma de vícios de forma. Nos termos desta disposição, regra geral, o juiz convida o requerente, sob pena de devolução do requerimento, a retificá‑lo, a completá‑lo ou a pagar as custas judiciais no prazo de uma semana.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21      Em 23 de fevereiro de 2011, I. Szyrocka, residente na Polónia, apresentou no órgão jurisdicional de reenvio um requerimento para que fosse emitida uma injunção de pagamento europeia contra a SiGer Technologie GmbH, com sede em Tangermünde (Alemanha).

22      No exame do referido requerimento, o órgão jurisdicional de reenvio verificou que este não respeitava determinados requisitos formais, previstos no direito polaco, nomeadamente que não especificava, como exigido pelo direito polaco, o valor da causa em moeda polaca, de modo a permitir calcular as custas judiciais. Decorre dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que I. Szyrocka indicou, no formulário do requerimento de injunção de pagamento europeia, o montante do crédito principal em euros. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, nesse formulário, I. Szyrocka indicou que reclama o pagamento de juros contados a partir de uma data determinada até ao pagamento do crédito principal.

23      Nestas condições, o Sąd Okręgowy we Wrocławiu decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 7.° do [Regulamento n.° 1896/2006] ser interpretado no sentido de que:

a)      regulamenta de modo exaustivo todos os requisitos que um requerimento de injunção de pagamento europeia deve preencher, ou no sentido de que

b)      apenas define as normas mínimas estabelecidas para esse requerimento e que, para as questões não reguladas nesse diploma, é aplicável a lei nacional?

2)      Em caso de resposta afirmativa à [primeira] questão, alínea b), se o requerimento não preencher os requisitos formais exigidos pela legislação do Estado‑Membro [em causa] (por exemplo, se não for anexada uma cópia do requerimento destinada à outra parte ou [indicado o valor da causa], deve pedir‑se ao requerente que complete o requerimento ao abrigo da lei nacional nos termos do artigo 26.° do [Regulamento n.° 1896/2006] ou nos termos do artigo 9.° do mesmo regulamento?

3)      Deve o artigo 4.° do [Regulamento n.° 1896/2006] ser interpretado no sentido de que os requisitos do crédito pecuniário nele referidos, isto é, tratar‑se de um crédito líquido e exigível na data em que é apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeia, se referem exclusivamente ao crédito principal ou também ao crédito de juros de mora?

4)      Deve o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do [Regulamento n.° 1896/2006] ser interpretado no sentido de que, no procedimento europeu de injunção de pagamento, se a legislação do Estado‑Membro de origem não previr o acréscimo automático dos juros, se podem reclamar, além do crédito principal:

a)      a totalidade dos juros, incluindo os juros vincendos (calculados entre uma data de vencimento precisamente determinada e um dia de pagamento indeterminado, por exemplo, ‘a contar de 20 de março de 2011 até à data do pagamento’);

b)      apenas os juros contados entre uma data de vencimento precisamente determinada e a data em que é apresentado o requerimento ou emitida a injunção de pagamento;

c)      apenas os juros contados entre uma data de vencimento precisamente determinada e a data em que é apresentado o requerimento?

5)      Em caso de resposta afirmativa à [quarta] questão, alínea a), como deve ser formulada nos termos do [Regulamento n.° 1896/2006] a decisão do tribunal sobre os juros da injunção de pagamento?

6)      Em caso de resposta afirmativa à [quarta] questão, alínea b), quem deve indicar o montante dos juros: o requerente ou o tribunal oficiosamente?

7)      Em caso de resposta afirmativa à [quarta] questão, alínea c), o requerente tem o dever de indicar no requerimento o montante dos juros calculados?

8)      Se o requerente não calcular os juros reclamados até à data em que é apresentado o requerimento, o tribunal tem a obrigação de os calcular oficiosamente, ou deve solicitar ao requerente que complete o requerimento nos termos do artigo 9.° do [Regulamento n.° 1896/2006]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

24      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 7.° do Regulamento n.° 1896/2006 deve ser interpretado no sentido de que regula de modo exaustivo os requisitos que um requerimento de injunção de pagamento europeia deve preencher ou de que nele apenas figuram os requisitos mínimos desse requerimento, regulando o direito nacional todos os outros requisitos formais não previstos nessa disposição.

25      Para responder a esta questão, deve ter‑se em conta tanto o teor do artigo 7.° do Regulamento n.° 1896/2006 como a economia e a finalidade deste regulamento.

26      Antes de mais, cumpre recordar que o artigo 7.° do referido regulamento contém uma série de exigências relativas ao conteúdo e à forma de um requerimento de injunção de pagamento europeia. Regula assim, nomeadamente, o requisito da apresentação desse requerimento mediante um formulário normalizado, os seus elementos constitutivos, a declaração do requerente quanto à exatidão das informações fornecidas nesse requerimento, a possibilidade de oposição do requerente a que a ação passe à forma de processo civil comum, bem como as modalidades da assinatura do referido requerimento.

27      Importa observar que a redação do referido artigo não inclui nenhum elemento que permita concluir que os Estados‑Membros são livres de impor requisitos suplementares, previstos no seu direito nacional, quanto ao requerimento de injunção de pagamento europeia.

28      Com efeito, como claramente resulta dos n.os 2, alínea c), 3, 5 e 6 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1896/2006, quando esta disposição autoriza os Estados‑Membros a regularem, através do seu direito nacional, determinados aspetos específicos dos requisitos que um requerimento de injunção de pagamento europeia deve preencher, prevê‑o expressamente. Em contrapartida, não figura nesse artigo nenhuma outra referência expressa ou implícita que autorize, de uma forma geral, a imposição de requisitos suplementares previstos no direito nacional dos Estados‑Membros.

29      Em seguida, esta interpretação literal é corroborada pela economia do Regulamento n.° 1896/2006. A este respeito, deve salientar‑se, por um lado, como resulta do considerando 16 deste regulamento, que o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se só deve examinar o requerimento de injunção de pagamento europeia com base nas informações que constam do mesmo. Por outro lado, os artigos 2.° a 4.° e 6.° do referido regulamento, que precisam determinados requisitos a que está sujeita a emissão da injunção de pagamento europeia, também não preveem nenhuma possibilidade de impor requisitos suplementares com base no direito nacional dos Estados‑Membros. Além do mais, segundo o artigo 11.°, n.° 1, alínea a), do mesmo regulamento, a recusa do requerimento de injunção de pagamento europeia só pode resultar do não preenchimento dos requisitos enunciados nos seus artigos 2.° a 4.°, 6.° e 7.°

30      Por último, há que recordar, como resulta do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1896/2006, que este tem por objetivo, nomeadamente, simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados. Como anunciado nos considerandos 8, 10 e 29 do referido regulamento, embora este não substitua nem harmonize os mecanismos nacionais de cobrança de créditos não contestados, estabelece, de modo a alcançar esse objetivo, um instrumento uniforme de cobrança desses créditos, garantindo condições idênticas aos credores e aos devedores em toda a União.

31      Ora, o referido objetivo seria posto em causa se os Estados‑Membros pudessem, na sua legislação nacional, estabelecer, de forma geral, exigências adicionais que o requerimento de injunção de pagamento europeia deve preencher. Com efeito, essas exigências levariam não só à imposição, nos vários Estados‑Membros, de requisitos diferentes para esse requerimento mas também ao aumento da complexidade, da duração e dos custos do processo europeu de injunção de pagamento.

32      Por conseguinte, só a interpretação segundo a qual o artigo 7.° do Regulamento n.° 1896/2006 regula de modo exaustivo os requisitos que o requerimento de injunção de pagamento europeia deve preencher garante o respeito do objetivo do referido regulamento.

33      No que respeita, mais precisamente, à questão de saber se o órgão jurisdicional nacional pode, numa situação como a que está em causa no processo principal, convidar o requerente a completar o requerimento de injunção de pagamento europeia de modo a que este último indique o valor da causa em moeda polaca, para se poderem calcular as custas judiciais, há que observar que, para este efeito, esse órgão jurisdicional se pode apoiar no artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1896/2006, segundo o qual o montante das custas judiciais é fixado em conformidade com o direito nacional.

34      A este respeito, há que salientar que, na falta de harmonização dos mecanismos nacionais de cobrança de créditos não contestados, as modalidades processuais de determinação das custas judiciais são definidas, sem prejuízo dos requisitos enunciados no artigo 25.° do referido regulamento, pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes últimos. No entanto, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) nem devem ser estabelecidas de forma a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, n.° 46 e jurisprudência referida).

35      Daqui resulta que, em princípio, o órgão jurisdicional nacional permanece livre de se informar sobre o valor da causa de acordo com as modalidades previstas no seu direito nacional, desde que as exigências processuais ligadas à determinação das custas judiciais não provoquem um prolongamento excessivo do procedimento europeu de injunção de pagamento nem a recusa do requerimento dessa injunção.

36      Nestas condições, há que responder à primeira questão submetida que o artigo 7.° do Regulamento n.° 1896/2006 deve ser interpretado no sentido de que regula de modo exaustivo os requisitos que o requerimento de injunção de pagamento europeia deve preencher. O órgão jurisdicional nacional, ao abrigo do artigo 25.° do referido regulamento e sem prejuízo dos requisitos enunciados neste artigo, permanece livre de determinar o montante das custas judiciais de acordo com as modalidades previstas no seu direito nacional, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno e, na prática, não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União.

 Quanto à segunda questão

37      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto à terceira e quarta questões

38      Com a terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se os artigos 4.° e 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1896/2006 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o requerente possa reclamar, no âmbito do requerimento de injunção de pagamento europeia, os juros relativos ao período compreendido entre a data do seu vencimento e a data do pagamento do crédito principal.

39      A título preliminar, deve recordar‑se que, segundo o artigo 4.° do Regulamento n.° 1896/2006, os créditos pecuniários cuja cobrança é requerida no âmbito do procedimento europeu de injunção de pagamento devem ser líquidos e exigíveis, ao passo que o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do referido regulamento dispõe que se forem reclamados juros sobre o crédito, o requerimento de injunção de pagamento deve indicar a taxa de juro e o período em relação ao qual os juros são reclamados.

40      Quanto, por um lado, à questão de saber se os juros reclamados no âmbito do procedimento europeu de injunção de pagamento devem ser líquidos e exigíveis na aceção do artigo 4.° do Regulamento n.° 1896/2006, há que observar que a interpretação literal deste artigo não dá indicações precisas a este respeito, dado que, nomeadamente, esta disposição se refere, de modo geral, aos «créditos pecuniários» que podem ser reclamados no âmbito do procedimento europeu de injunção de pagamento.

41      Deve, no entanto, salientar‑se que decorre do contexto em que essa disposição se insere, nomeadamente da sua leitura conjugada com o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do referido regulamento, que os requisitos de liquidez e de exigibilidade do crédito aí previstos não visam os juros.

42      Com efeito, como com razão salienta a Comissão Europeia, nenhuma disposição do Regulamento n.° 1896/2006 exige que o requerente indique, no seu requerimento de injunção de pagamento europeia, o montante exato dos juros. Em especial, o artigo 7.°, n.° 2, alínea c), deste regulamento apenas prevê, no caso de serem reclamados juros sobre o crédito, que se deve indicar a taxa de juro e o período em relação ao qual os juros são reclamados, o que de resto se reflete no formulário do requerimento de injunção de pagamento europeia que figura no Anexo I do referido regulamento.

43      Por outro lado, relativamente à questão de saber se o mesmo artigo 7.°, n.° 2, alínea c), se opõe ao pedido de juros para o período compreendido entre a data do seu vencimento e a data do pagamento do crédito principal, há que salientar que, embora este artigo não exija a indicação do montante dos juros no requerimento de injunção de pagamento, também não precisa a data até à qual esses juros podem ser reclamados.

44      Nestas circunstâncias, há que interpretar a referida disposição nomeadamente à luz do objetivo do Regulamento n.° 1896/2006, que, como indicado no n.° 30 do presente acórdão, não consiste apenas em instituir um mecanismo simples, rápido e eficaz de cobrança de créditos pecuniários não contestados, mas também em reduzir os custos desse processo.

45      A este respeito, deve salientar‑se que uma interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1896/2006 que privasse o requerente da possibilidade de reclamar os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal não corresponderia ao referido objetivo. Com efeito, como referiu o advogado‑geral no n.° 66 das suas conclusões, se o pedido de juros devesse ser limitado aos juros vencidos na data em que é apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeia ou na data em que essa injunção é emitida, o requerente só estaria em condições de obter a totalidade dos juros que fossem devidos até à data pagamento do crédito principal caso apresentasse vários requerimentos sucessivos, a saber, um requerimento inicial para obter o pagamento do crédito principal e dos juros vencidos, seguido de um requerimento destinado ao pagamento dos restantes juros relativos ao período compreendido entre a introdução do requerimento inicial ou a emissão da injunção de pagamento e o pagamento do crédito principal.

46      Assim, há que declarar que uma interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1896/2006 que não permita reclamar os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal seria suscetível de aumentar a duração e a complexidade do procedimento europeu de injunção de pagamento e de aumentar os respetivos custos.

47      De resto, tal interpretação seria suscetível de dissuadir o requerente de iniciar um procedimento europeu de injunção de pagamento e de o incitar, em contrapartida, a recorrer aos procedimentos nacionais que lhe permitam obter a totalidade dos juros. Embora seja verdade, como enuncia o considerando 10 do Regulamento n.° 1896/2006, que o procedimento instituído por este regulamento mais não é do que um meio suplementar e facultativo relativamente aos previstos no direito interno, não é menos certo que, para que este procedimento represente uma verdadeira escolha para os credores, estes devem poder invocar, nesse procedimento, os mesmos direitos que nos procedimentos nacionais.

48      Consequentemente, os artigos 4.° e 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1896/2006 não se opõem a que o requerente reclame, no âmbito da injunção de pagamento europeia, os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal.

49      Por outro lado, esta interpretação não é posta em causa pelos argumentos aduzidos pelo Governo português e pelo Governo do Reino Unido a favor da interpretação destas disposições no sentido de que os juros não podem ser reclamados para o período que se segue à emissão da injunção de pagamento.

50      Com efeito, contrariamente ao que o Governo do Reino Unido alega, o facto de as instruções para preencher o formulário de requerimento de injunção de pagamento europeia, que figura no Anexo I do Regulamento n.° 1896/2006, só mencionarem, no ponto 7, a possibilidade de reclamar os juros vencidos até à data da decisão do órgão jurisdicional sobre esse requerimento não pode privar o requerente da possibilidade de reclamar também os juros vencidos após essa data. Com efeito, essas instruções, ainda que possam sem dúvida ajudar a interpretar o referido regulamento, só têm, como referiu o advogado‑geral no n.° 86 das suas conclusões, um caráter indicativo, não abrangendo, de maneira exaustiva, todas as situações que na prática se possam verificar.

51      Além disso, no que respeita ao argumento do Governo português relativo ao artigo 12.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento n.° 1896/2006, importa observar que esta disposição prevê que, na injunção de pagamento europeia, o requerido é avisado do montante que deve pagar ao requerente. Ora, o requerido é avisado desse montante não apenas quando os montantes finais do crédito principal e dos juros figuram na injunção de pagamento europeia mas também na hipótese de essa injunção indicar o montante do crédito principal assim como a taxa de juros e o período relativamente ao qual esses juros são reclamados. Além disso, uma interpretação da dita disposição que não permita ao requerente reclamar os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal seria, pelas razões expostas nos n.os 44 a 46 do presente acórdão, contrária ao objetivo do referido regulamento.

52      Importa acrescentar que as disposições do Regulamento n.° 1896/2006 não podem, em si, sem fundamento no direito que regula a relação jurídica entre o requerente e o requerido, constituir uma base jurídica para a reclamação dos juros vencidos até à data do pagamento do referido crédito. Com efeito, na medida em que o Regulamento n.° 1896/2006 apenas regula os aspetos processuais do mecanismo da injunção de pagamento, qualquer questão de direito material, incluindo uma questão respeitante ao tipo de juros que podem ser reclamados no âmbito desse processo, é, em princípio, regulada pelo direito aplicável à relação entre as partes de que decorre o crédito em causa.

53      Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à terceira e quarta questões que os artigos 4.º e 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1896/2006 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o requerente reclame, no âmbito do requerimento de injunção de pagamento europeia, os juros relativos ao período compreendido entre a data do seu vencimento e a data do pagamento do crédito principal.

 Quanto à quinta questão

54      Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, de que modo deve ser preenchido o formulário de injunção de pagamento europeia, que figura no Anexo V do Regulamento n.° 1896/2006, se for ordenado ao requerido que pague ao requerente os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal.

55      A título preliminar, há que precisar que, no referido formulário, figura uma linha horizontal intitulada «Juros (a partir de)» que se cruza com três colunas verticais intituladas, respetivamente, «Moeda», «Montante» e «Data (dia/mês/ano)».

56      A este respeito, deve observar‑se, como resulta do considerando 11 do Regulamento n.° 1896/2006, que o procedimento europeu de injunção de pagamento deverá ter por base, tanto quanto possível, a utilização de formulários normalizados a fim de facilitar a sua administração e de permitir o recurso ao tratamento automático de dados.

57      Ora, tendo os formulários por base as situações mais típicas que podem ocorrer na prática, há que declarar que, em circunstâncias como as do processo principal, em que o formulário de injunção de pagamento europeia não prevê expressamente a possibilidade de indicar que o requerido está obrigado a pagar ao requerente os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal, o conteúdo do referido formulário deve ser adaptado às circunstâncias particulares do processo, de modo a que o órgão jurisdicional possa tomar uma tal decisão.

58      Assim, o formulário de injunção de pagamento europeia deve ser preenchido de maneira a permitir que o requerido, por um lado, apreenda sem nenhuma dúvida a decisão segundo a qual deve pagar ao requerente os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal e, por outro, identifique claramente a taxa de juro e a data a partir da qual esses juros são reclamados. Desde que estas exigências sejam respeitadas, as modalidades concretas relativas ao modo de preencher o referido formulário podem ser determinadas pelo órgão jurisdicional nacional.

59      A título de exemplo, o órgão jurisdicional nacional pode indicar, no formulário de injunção de pagamento europeia, a moeda na coluna prevista para esse fim, a taxa de juro na coluna intitulada «Montante» assim como, na coluna «Data (dia/mês/ano)», a especificação de que o requerido está obrigado a pagar os juros a partir de uma data determinada até à data do pagamento do crédito principal.

60      Consequentemente, há que responder à quinta questão que, quando é ordenado ao requerido que pague ao requerente os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal, o órgão jurisdicional nacional permanece livre de escolher as modalidades concretas para completar o formulário de injunção de pagamento europeia, que figura no Anexo V do Regulamento n.° 1896/2006, desde que o formulário assim preenchido permita ao requerido, por um lado, apreender sem nenhuma dúvida a decisão segundo a qual deve pagar os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal e, por outro, identifique claramente a taxa de juro e a data a partir da qual esses juros são reclamados.

 Quanto à sexta, sétima e oitava questões

61      Tendo em conta a resposta dada à terceira e quarta questões, não há que responder às outras questões submetidas.

 Quanto às despesas

62      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, deve ser interpretado no sentido de que regula de modo exaustivo os requisitos que um requerimento de injunção de pagamento europeia deve preencher.

O órgão jurisdicional nacional, ao abrigo do artigo 25.° do referido regulamento e sem prejuízo dos requisitos enunciados neste artigo, permanece livre de determinar o montante das custas judiciais de acordo com as modalidades previstas no seu direito nacional, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno e, na prática, não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União.

2)      Os artigos 4.° e 7.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 1896/2006 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o requerente reclame, no âmbito de um requerimento de injunção de pagamento europeia, os juros relativos ao período compreendido entre a data do seu vencimento e a data do pagamento do crédito principal.

3)      Quando é ordenado ao requerido que pague ao requerente os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal, o órgão jurisdicional nacional permanece livre de escolher as modalidades concretas para completar o formulário de injunção de pagamento europeia, que figura no Anexo V do Regulamento n.° 1896/2006, desde que o formulário assim preenchido permita ao requerido, por um lado, apreender sem nenhuma dúvida a decisão segundo a qual deve pagar os juros vencidos até à data do pagamento do crédito principal e, por outro, identifique claramente a taxa de juro e a data a partir da qual esses juros são reclamados.

Assinaturas


* Língua do processo: polaco.