Language of document : ECLI:EU:T:2014:268

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

21 de maio de 2014 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública — Função pública — Agentes temporários — Contrato a termo — Decisão de não renovação — Indeferimento da reclamação — Dever de fundamentação — Fundamento apresentado na decisão que indefere a reclamação»

No processo T‑347/12 P,

que tem por objeto um recurso do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Terceira Secção) de 13 de junho de 2012, Mocová/Comissão (F‑41/11), que tem por objeto a anulação desse acórdão,

Dana Mocová, residente em Praga (República Checa), representada por D. de Abreu Caldas, S. Orlandi, A. Coolen, J.‑N. Louis e É. Marchal, advogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por J. Currall e D. Martin, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública),

composto por: M. Jaeger (relator), presidente, O. Czúcz e S. Papasavvas, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de outubro de 2013,

profere o presente

Acórdão (1)(2)(3)

[omissis]

 Quanto ao presente recurso

 Tramitação processual

10      Por carta entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de agosto de 2012, a recorrente apresentou um pedido de apoio judiciário, ao abrigo do artigo 95.º do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, para a interposição do presente recurso. O presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de apoio judiciário por despacho de 20 de dezembro de 2012, Mocová/Comissão (T‑347/12 P AJ, não publicado na Coletânea).

11      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de janeiro de 2013, a recorrente interpôs o presente recurso. Por carta de 25 de abril de 2013, a recorrente apresentou um pedido fundamentado, ao abrigo do artigo 146.° do Regulamento de Processo, para ser ouvida no âmbito da fase oral do processo.

12      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 8 de outubro de 2013.

 Pedidos das partes

13      A recorrente conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

¾        anular o acórdão recorrido;

¾        por conseguinte, anular a decisão que indeferiu o pedido de renovação do seu contrato;

¾        condenar a Comissão no pagamento das despesas do processo em primeira instância e no âmbito do presente recurso.

14      Na contestação, apresentada em 10 de abril de 2013, a Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

¾        negar provimento ao recurso por ser, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente;

¾        condenar a recorrente no pagamento das despesas por si suportadas no âmbito da presente instância.

 Questão de direito

[omissis]

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à «inexistência de fundamentação pertinente»

[omissis]

–       Quanto ao alegado erro de direito relativo à alteração da fundamentação da recusa em renovar o contrato da recorrente na fase pré‑contenciosa

26      A recorrente considera que o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito ao basear o seu raciocínio num fundamento — a saber, na existência de restrições orçamentais — alheio à decisão de 15 de outubro de 2010 e que só foi exposto pela EHCA na fase da resposta à reclamação.

27      Desta forma, o Tribunal da Função Pública violou, em primeiro lugar, a jurisprudência segundo a qual a fundamentação da decisão de indeferimento de uma reclamação deve coincidir com a fundamentação da decisão contra a qual a reclamação foi dirigida (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 19 de outubro de 1995, Obst/Comissão, T‑562/93, ColetFP, pp. I‑A‑247 e II‑737, n.º 79, e de 6 de novembro de 1997, Berlingieri Vinzek/Comissão, T‑71/96, ColetFP, pp. I‑A‑339 e II‑921, n.º 79), em segundo lugar, o princípio da legalidade, nos termos do qual os fundamentos de uma decisão só se podem basear em elementos anteriores ou contemporâneos desta, e, em terceiro lugar, a finalidade do procedimento pré‑contencioso, que consiste em dar às partes a possibilidade de encontrarem uma resolução amigável para o litígio (acórdão do Tribunal Geral de 26 de janeiro de 2000, Gouloussis/Comissão, T‑86/98, ColetFP, pp. I‑A‑5 e II‑23, n.º 61).

28      A Comissão considera que estes argumentos não têm fundamento.

29      Há que verificar que resulta do acórdão recorrido que, por carta de 15 de outubro de 2010, o diretor‑geral em exercício de funções do OLAF indicou à recorrente, em resposta ao seu pedido de prorrogação do seu contrato de agente temporário, que este cessaria em 31 de dezembro de 2010, por não existir nenhuma possibilidade de prorrogar o período de contratação máximo de oito anos previsto para o pessoal temporário no OLAF.

30      No entanto, na sua resposta de 11 de fevereiro de 2011, a EHCA indeferiu a reclamação da recorrente de 10 de novembro de 2010 sem se referir à regra anticúmulo de oito anos, tendo baseado a sua decisão em disponibilidades orçamentais, no interesse do serviço e nos méritos e aptidões da recorrente.

31      Nestas circunstâncias, que foram contestadas em primeira instância pela recorrente por representarem uma contradição de fundamentos, o Tribunal da Função Pública considerou, a título preliminar, baseando‑se no acórdão Comissão/Birkhoff, já referido (n.os 58 e 59), que, atendendo ao caráter evolutivo do procedimento pré‑contencioso, é a fundamentação que figura na decisão de indeferimento da reclamação que deve ser tomada em consideração para apreciar a legalidade do ato lesivo inicial, devendo essa fundamentação coincidir com este último ato. Não obstante, o Tribunal da Função Pública precisou que era, no entanto, efetivamente a legalidade do ato lesivo inicial que estava a ser apreciada, sendo‑o à luz dos fundamentos contidos na decisão de indeferimento da reclamação.

32      Além disso, o Tribunal da Função Pública considerou — no n.º 38 do acórdão recorrido — que o facto de, no indeferimento da reclamação, a EHCA, embora mantendo a decisão de não renovar o contrato da recorrente, se ter assim afastado da fundamentação contida na decisão de 15 de outubro de 2010 para acolher outros fundamentos não é suscetível, em si mesmo, de tornar a decisão de não renovação ilegal, tendo o processo de reclamação precisamente por objetivo permitir a reapreciação, por parte da EHCA, do ato impugnado à luz das acusações apresentadas pelo autor da reclamação, alterando, se for caso disso, os fundamentos que servem de base ao dispositivo dessa decisão.

33      Ora, há que salientar que, ao basear‑se no caráter evolutivo da fase pré‑contenciosa para concluir que havia que tomar em consideração os fundamentos que figuram no indeferimento da reclamação, o Tribunal da Função Pública mais não fez do que retirar consequências de uma jurisprudência constante relativa à determinação do caráter impugnável da resposta à reclamação, da qual resulta que a EHCA pode ser levada, na decisão de indeferimento da reclamação, a completar, ou mesmo a alterar, a sua decisão.

34      Desta forma, considerou‑se que a reclamação administrativa e o seu indeferimento, expresso ou tácito, fazem parte integrante de um processo complexo e constituem apenas uma simples condição prévia à interposição do recurso judicial. Nestas condições, o recurso, ainda que formalmente interposto contra o indeferimento da reclamação, tem por efeito submeter à apreciação do juiz o ato lesivo contra o qual foi a reclamação apresentada, exceto nos casos em que o indeferimento da reclamação tiver tido um âmbito diferente do do ato contra o qual essa reclamação foi apresentada. Uma decisão expressa de indeferimento de uma reclamação pode, atendendo ao seu conteúdo, não ter um caráter confirmativo do ato impugnado pelo recorrente. É o que sucede quando a decisão de indeferimento de uma reclamação contém uma reapreciação da situação do recorrente, em função de novos elementos de direito e de facto, ou quando altera ou completa a decisão inicial. Nestes casos, o indeferimento da reclamação constitui um ato sujeito a fiscalização do juiz, que o toma em consideração na apreciação da legalidade do ato impugnado, ou que o considera um ato lesivo que se substitui a este último (v. acórdão do Tribunal Geral de 21 de setembro de 2011, Adjemian e o./Comissão, T‑325/09 P, Colet., p. II‑6515, n.º 32 e jurisprudência referida).

35      Esta conceção é igualmente sustentada pela consideração segundo a qual o complemento da fundamentação, na fase da decisão de indeferimento da reclamação, é conforme com a finalidade do artigo 90.º, n.º 2, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), nos termos do qual a decisão sobre a própria reclamação deve ser fundamentada. Com efeito, esta disposição implica necessariamente que a autoridade que tem de se pronunciar sobre a reclamação não esteja vinculada apenas pela fundamentação, eventualmente insuficiente, ou mesmo inexistente no caso de uma decisão implícita de indeferimento, da decisão que é objeto da reclamação (acórdão do Tribunal Geral de 7 de julho de 2011, Longinidis/Cedefop, T‑283/08 P, n.º 72).

36      A este respeito, há que salientar que a jurisprudência a que a recorrente se refere, nos termos da qual foi decidido que a instituição não estava autorizada a substituir a fundamentação inicial errada por uma fundamentação inteiramente nova (acórdão Berlingieri Vinzek/Comissão, já referido, n.º 79), visa os casos específicos nos quais a instituição fornece fundamentos complementares após a interposição do recurso e não é, por conseguinte, aplicável à fase pré‑contenciosa.

37      Contrariamente ao que a recorrente alega, tal interpretação não viola nem a regra de concordância entre a petição e a reclamação, nem a finalidade do procedimento pré‑contencioso, nem o princípio da legalidade.

38      Em primeiro lugar, no que diz respeito à regra de concordância entre a petição e a reclamação, bem como à finalidade do procedimento pré‑contencioso, há que salientar que o procedimento pré‑contencioso previsto no artigo 90.º do Estatuto, aplicável aos agentes temporários por força do artigo 46.º do ROA, no seu conjunto, tem por objetivo permitir e favorecer a resolução amigável do diferendo surgido entre o funcionário e a administração (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de outubro de 1986, Schwiering/Tribunal de Contas, 142/85, Colet., p. 3177, n.º 11, e de 14 de março de 1989, Del Amo Martinez/Parlamento, 133/88, Colet., p. 689, n.º 9; acórdão do Tribunal Geral de 29 de março de 1990, Alexandrakis/Comissão, T‑57/89, Colet., p. II‑143, n.º 8) e impor à autoridade de que depende o funcionário a reapreciação da sua decisão à luz das suas eventuais objeções (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de outubro de 1980, Vecchioli/Comissão, 101/79, Recueil, p. 3069, n.° 31; despacho do Tribunal Geral de 28 de janeiro de 1993, Piette de Stachelski/Comissão, T‑53/92, Colet., p. II‑35, n.º 16).

39      Segundo a jurisprudência, a regra de concordância entre a petição e a reclamação visa assim evitar que o funcionário ou o agente só invoque determinadas acusações, ou mesmo todas estas, na fase contenciosa, com a consequência de que passaria a ser significativamente reduzida qualquer possibilidade de resolução extrajudicial do litígio. Com efeito, nestas circunstâncias, na medida em que não está em condições de conhecer com suficiente precisão as acusações ou as pretensões do interessado (acórdão Schwiering/Tribunal de Contas, já referido, n.º 11, e acórdão do Tribunal Geral de 12 de março de 1996, Weir/Comissão, T‑361/94, ColetFP, pp. I‑A‑121 e II‑381, n.º 27), a EHCA não tem nenhuma possibilidade de satisfazer as pretensões daquele, ou, se necessário, de propor uma resolução amigável e, assim, de não sujeitar diretamente o litígio à decisão do juiz.

40      O objetivo que visa permitir que o interessado e a EHCA possam resolver o litígio na fase pré‑contenciosa não significa, no entanto, que o funcionário dispõe, em quaisquer circunstâncias, do direito de contestar, na fase pré‑contenciosa, qualquer fundamento novo invocado pela EHCA no âmbito da fase administrativa.

41      Deste modo, há que salientar nomeadamente que, segundo jurisprudência constante, embora a EHCA não tenha de fundamentar uma decisão de promoção nem em relação ao seu destinatário nem em relação aos candidatos não promovidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 1987, Delauche/Comissão, 111/86, Colet., p. 5345, n.º 13; acórdãos do Tribunal Geral de 6 de julho de 1999, Séché/Comissão, T‑112/96 e T‑115/96, ColetFP, pp. I‑A‑115 e II‑623, n.º 76, e de 12 de dezembro de 2002, Morello/Comissão, T‑338/00 e T‑376/00, ColetFP, pp. I‑A‑301 e II‑1457, n.º 48), tem, em contrapartida, o dever de fundamentar a sua decisão que indefere uma reclamação apresentada ao abrigo do artigo 90.º, n.º 2, do Estatuto por um candidato não promovido, devendo a fundamentação dessa decisão de indeferimento coincidir com a fundamentação da decisão contra a qual a reclamação se dirigia (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de outubro de 1974, Grassi/Conselho, 188/73, Recueil, p. 1099, n.º 13, Colet., p. 467, e de 7 de fevereiro de 1990, Culin/Comissão, C‑343/87, Colet., p. I‑225, n.º 13; acórdão do Tribunal Geral de 12 de fevereiro de 1992, Volger/Parlamento, T‑52/90, Colet., p. II‑121, n.º 36). A fundamentação deve ocorrer, o mais tardar, quando a reclamação é indeferida (acórdãos do Tribunal Geral de 20 de fevereiro de 2002, Roman Parra/Comissão, T‑117/01, ColetFP, pp. I‑A‑27 e II‑121, n.º 26, e de 15 de setembro de 2005, Casini/Comissão, T‑132/03, ColetFP, pp. I‑A‑253 e II‑1169, n.º 32).

42      Reciprocamente, segunda a jurisprudência, a EHCA não tem obrigação de responder de forma explícita à reclamação, sendo apenas necessário que a própria decisão inicial seja fundamentada (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de dezembro de 1993, Parlamento/Volger, C‑115/92 P, Colet., p. I‑6549, n.º 23).

43      Do mesmo modo, o próprio artigo 90.º, n.º 1, do Estatuto, aplicável aos agentes temporários por força do artigo 46.º do ROA, prevê a hipótese de, após o termo do prazo de quatro meses contado a partir da introdução do requerimento, a falta de resposta — por natureza desprovida de fundamentação — equivaler a uma decisão tácita de indeferimento suscetível de ser objeto de uma reclamação, pelo que nessa hipótese os fundamentos apresentados pela EHCA só são suscetíveis de serem contestados pelo agente temporário na fase contenciosa.

44      No âmbito da observância do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, há no entanto que precisar que, na hipótese de o autor da reclamação tomar conhecimento da fundamentação do ato lesivo através da resposta à sua reclamação ou na hipótese de a referida fundamentação alterar, ou completar, substancialmente, a fundamentação contida no referido ato, qualquer fundamento apresentado pela primeira vez na fase da petição e destinado a contestar o mérito dos fundamentos expostos na resposta à reclamação deve ser considerado admissível. Com efeito, nessas hipóteses, o interessado não teve possibilidade de conhecer, com precisão e de forma definitiva, os fundamentos subjacentes ao ato lesivo.

45      Em segundo lugar, no que diz respeito à alegada violação do princípio da legalidade, é certo que a legalidade de uma decisão deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito de que a instituição dispunha no momento em que adotou a referida decisão. Tendo em conta o caráter evolutivo da fase pré‑contenciosa conforme foi anteriormente exposto, há, contudo, que observar que a elaboração do ato que fixa a posição definitiva da instituição encontra o seu termo quando da adoção da resposta da EHCA à reclamação apresentada pelo agente temporário. Daqui resulta que a legalidade do ato definitivo que lesa a recorrente é apreciada à luz dos elementos de facto e de direito de que a instituição dispunha quando da adoção, expressa ou tácita, dessa resposta, sem prejuízo da possibilidade de a instituição fornecer, nas condições previstas na jurisprudência, precisões complementares durante a fase contenciosa. Por conseguinte, não se pode considerar que o Tribunal da Função Pública violou o princípio da legalidade.

46      Resulta de todas as considerações precedentes que o Tribunal da Função Pública não cometeu nenhum erro de direito quando concluiu que a legalidade da decisão de não renovar o contrato de agente temporário da recorrente devia ser apreciada à luz dos fundamentos constantes da decisão que indeferiu a reclamação, embora estes não constassem da decisão de 15 de outubro de 2010.

[omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Dana Mocová suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia no âmbito da presente instância.

Jaeger

Czúcz

Papasavvas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de maio de 2014.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.


1 —      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.


2 Apenas são reproduzidos os pontos do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil.


3 Apenas são reproduzidos os pontos do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil. Em relação aos pontos omissos, remete-se para o acórdão do Tribunal de .../... (T-..., Colect.p.II-...).