Language of document : ECLI:EU:C:2024:122

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e artigo 40.o, n.os 2 e 3 — Pedido subsequente — Requisitos para o indeferimento por inadmissibilidade desse pedido — Conceito de “novo elemento ou dado” — Acórdão do Tribunal de Justiça relativo a uma questão de interpretação do direito da União — Artigo 46.o — Direito a um recurso efetivo — Competência do órgão jurisdicional nacional para conhecer do mérito desse pedido em caso de ilegalidade da decisão de indeferimento por inadmissibilidade de um pedido — Garantias processuais — Artigo 14.o, n.o 2»

No processo C‑216/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgericht Sigmaringen (Tribunal Administrativo de Sigmaringen, Alemanha), por Decisão de 22 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de março de 2022, no processo

A. A.

contra

Bundesrepublik Deutschland,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos, T. von Danwitz e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot (relator), P. G. Xuereb, L. S. Rossi, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Wahl e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 28 de fevereiro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Austríaco, por A. Posch, J. Schmoll e V.‑S. Strasser, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e H. Leupold, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), do artigo 40.o, n.os 2 e 3, e do artigo 46.o, n.o 1, alínea a), ii), da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. A., nacional de um país terceiro, à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha), representada pelo Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço Federal para a Migração e os Refugiados, Alemanha) (a seguir «Serviço»), a respeito do indeferimento por inadmissibilidade do seu pedido subsequente do estatuto de refugiado.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 18 e 36 da Diretiva 2013/32 têm a seguinte redação:

«(18)      É do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de proteção internacional que a decisão dos pedidos de proteção internacional seja proferida o mais rapidamente possível, sem prejuízo de uma apreciação adequada e completa.

[…]

(36)      Caso um requerente apresente um pedido subsequente sem aduzir novos argumentos ou elementos de prova, seria desproporcionado obrigar os Estados‑Membros a empreenderem um novo procedimento completo de apreciação. Em tais casos, os Estados‑Membros deverão ter a possibilidade de considerar o pedido não admissível, segundo o princípio do caso julgado.»

4        O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

f) “Órgão de decisão”, um órgão parajudicial ou administrativo de um Estado‑Membro, responsável pela apreciação dos pedidos de proteção internacional e competente para proferir uma decisão em primeira instância sobre esses pedidos;

[…]

q) “Pedido subsequente”, um pedido de proteção internacional apresentado após ter sido proferida uma decisão definitiva sobre um pedido anterior, incluindo os casos em que o requerente tenha retirado expressamente o seu pedido e aqueles em que o órgão de decisão tenha indeferido um pedido na sequência da sua retirada implícita nos termos do artigo 28.o, n.o 1.»

5        O artigo 14.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Entrevista pessoal», dispõe:

«1.      Antes de o órgão de decisão se pronunciar, deve ser concedida aos requerentes uma entrevista pessoal sobre o seu pedido de proteção internacional, a qual deve ser conduzida por uma pessoa competente para o fazer, nos termos do direito nacional. As entrevistas pessoais relativas aos fundamentos de um pedido de proteção internacional devem ser realizadas pelo pessoal do órgão de decisão. O presente número é aplicável sem prejuízo do artigo 42.o, n.o 2, alínea b).

[…]

2.      A entrevista pessoal sobre os fundamentos do pedido pode ser omitida quando:

a)      O órgão de decisão puder pronunciar‑se favoravelmente no que respeita ao pedido de estatuto de refugiado com base nos elementos de prova disponíveis […]

[…]»

6        O artigo 33.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Inadmissibilidade dos pedidos», prevê:

«1.      Além dos casos em que um pedido não é apreciado em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 604/2013 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31)], os Estados‑Membros não são obrigados a analisar se o requerente preenche as condições para beneficiar de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2011/95/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9)], quando o pedido for considerado não admissível nos termos do presente artigo.

2.      Os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional apenas quando:

[…]

d)      O pedido for um pedido subsequente, em que não surgiram nem foram apresentados pelo requerente novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95]

[…]»

7        O artigo 40.o da Diretiva 2013/32, sob a epígrafe «Pedidos subsequentes», dispõe, nos seus n.os 2 a 5:

«2.      Para efeitos de uma decisão acerca da admissibilidade de um pedido de proteção internacional nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), um pedido de proteção internacional subsequente será primeiramente sujeito a uma apreciação preliminar para determinar se surgiram ou foram apresentados pelo requerente novos elementos ou provas relacionados com a análise do preenchimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95].

3.      Caso a apreciação preliminar referida no n.o 2 conclua que surgiram ou foram apresentados pelo requerente novos elementos ou factos que aumentem consideravelmente a probabilidade de o requerente poder beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95], a apreciação do pedido prossegue de acordo com o capítulo II. Os Estados‑Membros podem também prever outras razões para um pedido subsequente ser novamente apreciado.

4.      Os Estados‑Membros podem prever que só se prossiga a apreciação do pedido se o requerente em causa, sem culpa da sua parte, tiver sido incapaz de invocar os elementos referidos nos n.os 2 e 3 do presente artigo no procedimento anterior, especialmente exercendo o seu direito a um recurso efetivo ao abrigo do artigo 46.o

5.      Quando não se prosseguir a apreciação de um pedido subsequente nos termos do presente o artigo, o pedido subsequente deve ser considerado inadmissível de acordo com o artigo 33.o, n.o 2, alínea d).»

8        O artigo 46.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito a um recurso efetivo», tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)      Da decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão:

i)      que considera um pedido infundado relativamente ao estatuto de refugiado e/ou ao estatuto de proteção subsidiária,

ii)      que determina a inadmissibilidade do pedido, nos termos do artigo 33.o, n.o 2,

[…]

3.      Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva [2011/95], pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.

[…]»

 Direito alemão

9        O § 71.o da Asylgesetz (Lei do Direito de Asilo, BGBl. 2008 I, p. 1798), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei do Direito de Asilo»), sob a epígrafe «Pedido subsequente», dispõe, no seu n.o 1:

«Se, após a retirada ou o indeferimento definitivo de um primeiro pedido de asilo, o cidadão estrangeiro apresentar um novo pedido de asilo (pedido subsequente), só será realizado um novo procedimento de asilo se estiverem preenchidas as condições previstas no § 51.o, n.os 1 a 3, da [Verwaltungsverfahrensgesetz (Lei do Procedimento Administrativo), BGBl. 2013 I, p. 102]; […]»

10      O § 51.o da Lei do Procedimento Administrativo, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei do Procedimento Administrativo»), prevê:

«(1)      A autoridade administrativa tem o dever de decidir sobre a revogação ou a alteração de um ato administrativo definitivo, a pedido do interessado, quando:

1.      haja ocorrido posteriormente uma alteração, favorável ao interessado, dos factos ou da situação jurídica em que o ato administrativo assentou;

2.      existam novos meios de prova que permitam ao interessado obter uma decisão mais favorável;

3.      existam motivos para o processo ser reaberto, na aceção do § 580.o do [Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil)].

(2)      O pedido só será admissível se, sem cometer uma falta grave, o interessado não tiver podido invocar o fundamento da reapreciação no âmbito do procedimento anterior, nomeadamente por via de recurso do ato administrativo.

(3)      O pedido deve ser apresentado no prazo de três meses. Este prazo começa a contar a partir do dia em que o interessado teve conhecimento do fundamento da reapreciação.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      O recorrente no processo principal é um cidadão sírio. Em 26 de julho de 2017, apresentou um pedido de asilo na Alemanha, após ter, segundo as suas próprias declarações, deixado a Síria em 2012, permanecido na Líbia até 2017 e depois atravessado a Itália e a Áustria para entrar na Alemanha.

12      Quando da sua entrevista no Serviço, referiu ter efetuado o seu serviço militar na Síria entre 2003 e 2005 e ter deixado esse país por receio de ser convocado novamente para prestar serviço militar ou de ser preso se recusasse cumprir as suas obrigações militares. Após a sua saída da Síria, o seu pai informou‑o de que lhe tinha sido enviada uma convocatória pelas autoridades militares.

13      Por Decisão de 16 de agosto de 2017, o Serviço concedeu‑lhe proteção subsidiária, mas recusou conceder‑lhe o estatuto de refugiado.

14      Para justificar essa recusa, o Serviço considerou que não se podia entender que o Estado sírio interpretava a emigração do recorrente no processo principal como uma manifestação de oposição ao regime. Com efeito, por um lado, ele era originário de uma região que o exército sírio, o Exército Livre da Síria e o Estado Islâmico disputavam entre si no momento da sua partida. Por outro lado, tendo, segundo as suas afirmações, deixado a Síria antes de ser chamado a juntar‑se ao exército sírio, não havia razão para pensar que era considerado um desertor ou um opositor ao regime no seu país. De resto, o recorrente no processo principal não demonstrou que o alistamento militar tivesse sido a razão da sua partida. Invocou apenas, de um modo geral, a situação de perigo devida à guerra na Síria.

15      O recorrente no processo principal não interpôs recurso desta decisão, que se tornou definitiva.

16      Em 15 de janeiro de 2021, o recorrente no processo principal apresentou ao Serviço um novo pedido de asilo, ou seja, um «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32. Baseou o seu pedido essencialmente no Acórdão de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo) (C‑238/19, EU:C:2020:945). Sustentou, em substância, que este acórdão constituía uma «alteração da situação jurídica», na aceção das disposições nacionais, e que, por conseguinte, o Serviço era obrigado a apreciar o seu pedido subsequente quanto ao mérito. Esta alteração residia no facto de o acórdão invocado prever uma interpretação das regras relativas ao ónus da prova mais favorável aos requerentes de asilo do que a adotada pela jurisprudência nacional para esses requerentes que fugiram do seu país a fim de se subtraírem às suas obrigações militares. A referida alteração resulta da formulação utilizada pelo Tribunal de Justiça, segundo a qual, em determinadas circunstâncias, existe uma «forte presunção» de que a recusa de cumprir o serviço militar esteja relacionada com um dos motivos de perseguição enumerados no artigo 10.o da Diretiva 2011/95.

17      Por Decisão de 22 de março de 2021, o Serviço indeferiu, por inadmissibilidade, o pedido de asilo subsequente do recorrente no processo principal. Fundamentou esta decisão indicando, em substância, que o Acórdão de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo) (C‑238/19, EU:C:2020:945), não implicava que tivesse de apreciar esse pedido quanto ao mérito. Com efeito, uma vez que o recorrente no processo principal se limitou a invocar esse acórdão em apoio do seu pedido subsequente, as condições impostas pelas disposições tanto nacionais como da União para uma nova apreciação do seu pedido de asilo não estavam preenchidas.

18      O recorrente no processo principal interpôs um recurso no Verwaltungsgericht Sigmaringen (Tribunal Administrativo de Sigmaringen, Alemanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio, com vista à anulação da Decisão do Serviço de 22 de março de 2021 e à obtenção do estatuto de refugiado.

19      Este órgão jurisdicional salienta que, por força das disposições conjugadas do artigo 71.o, n.o 1, da Lei do Direito de Asilo e do § 51.o, n.o 1, ponto 1, da Lei do Procedimento Administrativo, se, após o indeferimento definitivo de um primeiro pedido de asilo, o nacional de um país terceiro apresentar um pedido subsequente, o órgão de decisão deverá reabrir o procedimento se a situação de facto ou de direito na origem do ato administrativo tiver sido posteriormente alterada a favor do interessado. Tratando‑se de uma alteração da «situação jurídica», na aceção destas disposições, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, segundo a interpretação pela jurisprudência nacional dominante, só uma alteração das disposições aplicáveis é, em princípio, suscetível de estar abrangida por este conceito, e não uma decisão judicial, como uma decisão do Tribunal de Justiça. Com efeito, uma decisão judicial limita‑se a interpretar e a aplicar as disposições pertinentes em vigor no momento da adoção da decisão relativa ao pedido anterior, sem as alterar. O órgão jurisdicional de reenvio refere, contudo, que as decisões do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha) relativas ao alcance do direito fundamental ao asilo podem excecionalmente constituir alterações da «situação jurídica», na aceção das referidas disposições.

20      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade com o direito da União desta interpretação do direito nacional, na medida em que a mesma recusa, de forma geral, considerar uma decisão do Tribunal de Justiça suscetível de alterar «a situação jurídica» e, assim, justificar a reabertura do procedimento no caso de ser apresentado um pedido subsequente, embora, no Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367), o Tribunal de Justiça tenha decidido que a existência de um acórdão do Tribunal de Justiça que declara a incompatibilidade de uma regulamentação nacional com o direito da União constitui um novo elemento, na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32.

21      Assim, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, nomeadamente, se uma decisão do Tribunal de Justiça que se limita a interpretar uma disposição do direito da União já em vigor no momento da adoção da decisão sobre um pedido anterior, é suscetível de constituir um «novo elemento ou dado», na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e do artigo 40.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32. Em particular, pergunta se o Acórdão de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo) (C‑238/19, EU:C:2020:945), invocado pelo recorrente no processo principal, constitui, no caso em apreço, um «novo elemento ou dado» desse tipo, tendo em conta que contém afirmações importantes relativas à aplicação do artigo 9.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 10.o da Diretiva 2011/95 à situação dos objetores de consciência sírios.

22      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, por força do direito processual nacional aplicável, quando é chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de uma decisão do Serviço que declara um pedido subsequente inadmissível, só se pode pronunciar sobre os requisitos de admissibilidade desse pedido, conforme previstos no § 71.o, n.o 1, da Lei do Direito de Asilo e do § 51.o, n.os 1 a 3, da Lei do Procedimento Administrativo. Assim, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que o Serviço indeferiu erradamente o pedido anterior, apenas pode anular a decisão de inadmissibilidade e devolver a apreciação desse pedido ao Serviço para que este profira uma nova decisão.

23      Este órgão jurisdicional interroga‑se, todavia, sobre se essas regras processuais nacionais são compatíveis com o direito a um recurso efetivo previsto no artigo 46.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 e com o objetivo desta diretiva, enunciado no seu considerando 18, de que a decisão dos pedidos de proteção internacional seja proferida o mais rapidamente possível. Caso resulte deste artigo 46.o que pode, ou deve mesmo, decidir ele próprio sobre o mérito do pedido subsequente e conceder, se for caso disso, o estatuto de refugiado ao recorrente no processo principal, interroga‑se ainda sobre a questão de saber se esse recorrente deve então beneficiar das garantias processuais previstas nas disposições do capítulo II da Diretiva 2013/32.

24      Tendo em conta estas circunstâncias, o Verwaltungsgericht Sigmaringen (Tribunal Administrativo de Sigmaringen) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)      A disposição nacional que só considera admissível um pedido subsequente se tiver havido uma alteração posterior da situação de facto e jurídica subjacente à decisão original de indeferimento, favorável ao requerente, é compatível com os artigos 33.o, n.o 2, alínea d), e 40.o, n.o 2, da Diretiva [2013/32]?

b)      Os artigos 33.o, n.o 2, alínea d), e 40.o, n.o 2, da Diretiva [2013/32] opõem‑se a uma disposição nacional que não considera que uma decisão do [Tribunal de Justiça] (neste caso, proferida no âmbito de um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE) constitui um “novo elemento” ou um “novo dado” ou uma “nova prova” se a decisão não declarar a incompatibilidade de uma disposição nacional com o direito da União, mas se limitar a interpretar o direito da União? Que requisitos são eventualmente aplicáveis para que um acórdão do [Tribunal de Justiça], que apenas interpreta o direito da União, seja tido em consideração como “novo elemento” ou “novo dado” ou “nova prova”?

2)      Em caso de resposta afirmativa à [primeira questão, alíneas a) e b)]: Devem os artigos 33.o, n.o 2, alínea d) e 40.o, n.o 2, da Diretiva [2013/32] ser interpretados no sentido de que um acórdão do [Tribunal de Justiça] que declara que existe uma forte presunção de que a recusa de cumprir o serviço militar nas condições especificadas no artigo 9.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva [2011/95] está relacionada com um dos cinco motivos elencados no artigo 10.o da referida diretiva deve ser tido em consideração como “novo elemento” ou “novo dado” ou “nova prova”?

3)      a)      Deve o artigo 46.o, n.o 1, alínea a), ii), da Diretiva [2013/32] ser interpretado no sentido de que o recurso jurisdicional da decisão de inadmissibilidade proferida pelo órgão de decisão, na aceção dos artigos 33.o, n.o 2, alínea d) e 40.o, n.o 5, da Diretiva [2013/32], se limita à apreciação da questão de saber se o órgão de decisão analisou corretamente os requisitos para que o pedido de asilo subsequente possa ser considerado inadmissível nos termos dos artigos 33.o, n.o 2, alínea d), e 40.o, n.os 2 e 5, da Diretiva [2013/32]?

b)      Em caso de resposta negativa à [terceira questão, alínea a)]: Deve o artigo 46.o, n.o 1, alínea a), ii), da Diretiva [2013/32] ser interpretado no sentido de que o recurso jurisdicional da decisão de inadmissibilidade também abrange a apreciação da questão de saber se estão preenchidos os requisitos para a concessão do estatuto de proteção internacional, na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva [2011/95], se o órgão jurisdicional concluir, na sequência da sua própria apreciação, que não estão preenchidos os requisitos para o indeferimento por inadmissibilidade de um pedido de asilo subsequente?

c)      Em caso de resposta afirmativa à [terceira questão, alínea b)]: A referida decisão do órgão jurisdicional exige que as garantias processuais especiais na aceção do artigo 40.o, n.o 3, terceiro período, [lido] em conjugação com o capítulo II, da Diretiva [2013/32] tenham sido previamente concedidas ao requerente? Pode o próprio órgão jurisdicional realizar este procedimento ou deve, eventualmente após a suspensão do processo jurisdicional, ser delegado no órgão de decisão? Pode o requerente renunciar ao cumprimento destas garantias processuais?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às duas primeiras questões

25      Por meio das suas duas primeiras questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, em que condições um acórdão do Tribunal de Justiça pode constituir um «novo elemento ou dado», na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e do artigo 40.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/32.

26      A título preliminar, importa recordar que o artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 enumera taxativamente as situações em que os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional (Acórdão de 19 de março de 2019, Ibrahim e o., C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, EU:C:2019:219, n.o 76).

27      O artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32 prevê, em particular, que os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional quando «o pedido for um pedido subsequente, em que não surgiram nem foram apresentados pelo requerente novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95]».

28      O conceito de «pedido subsequente» é definido no artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32 e designa um pedido de proteção internacional apresentado após ter sido proferida uma decisão definitiva sobre um pedido anterior.

29      O procedimento de apreciação dos pedidos subsequentes é especificado no artigo 40.o da Diretiva 2013/32, que prevê, no que respeita à admissibilidade desses pedidos, uma apreciação em dois momentos [Acórdão de 10 de junho de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Novos elementos ou provas), C‑921/19, EU:C:2021:478, n.os 34 e 35].

30      Assim, num primeiro momento, o n.o 2 deste artigo dispõe que, para efeitos de uma decisão acerca da admissibilidade de um pedido de proteção internacional nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), desta diretiva, um pedido de proteção internacional subsequente será primeiramente sujeito a uma apreciação preliminar para determinar se surgiram ou foram apresentados pelo requerente novos elementos ou provas relacionados com a análise do preenchimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95.

31      Só no caso de existirem efetivamente novos elementos ou factos relativamente ao primeiro pedido de proteção internacional é que, num segundo momento, a apreciação da admissibilidade do pedido subsequente prossegue, em aplicação do artigo 40.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, a fim de verificar se esses novos elementos ou factos aumentam consideravelmente a probabilidade de o requerente preencher as condições exigidas para beneficiar desse estatuto [Acórdão de 10 de junho de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Novos elementos ou provas), C‑921/19, EU:C:2021:478, n.o 37].

32      Além disso, em conformidade com o artigo 40.o, n.o 4, da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros podem prever que só se prossiga a apreciação do pedido subsequente se o requerente, sem culpa da sua parte, tiver sido incapaz de invocar esses novos elementos ou provas no procedimento anterior.

33      Quando estiverem preenchidas as condições de admissibilidade de um pedido subsequente, esse pedido deve ser apreciado quanto ao mérito, como especifica o artigo 40.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, em conformidade com o capítulo II desta diretiva, que contém os princípios de base e as garantias fundamentais aplicáveis aos pedidos de proteção internacional [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Novos elementos ou provas), C‑921/19, EU:C:2021:478, n.o 38].

34      Para apreciar o alcance do conceito de «novo elemento ou dado», na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e do artigo 40.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/32, importa salientar que resulta da redação deste artigo 33.o, n.o 2, designadamente do termo «apenas» que antecede a enumeração dos fundamentos de inadmissibilidade, e da finalidade desta última disposição, assim como da sistemática desta diretiva, que a possibilidade de indeferir um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade prevista na referida disposição derroga a obrigação de apreciar esse pedido quanto ao mérito [v., neste sentido, Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Filho de refugiados, nascido fora do Estado de acolhimento), C‑720/20, EU:C:2022:603, n.o 49].

35      Assim, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que decorre tanto do caráter exaustivo da enumeração constante desse artigo 33.o, n.o 2, como do caráter derrogatório dos fundamentos de inadmissibilidade que esta enumeração comporta que esses fundamentos devem ser objeto de interpretação estrita [v., neste sentido, Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Filho de refugiados, nascido fora do Estado de acolhimento), C‑720/20, EU:C:2022:603, n.o 51].

36      Por conseguinte, os casos em que a Diretiva 2013/32 impõe que se considere admissível um pedido subsequente devem, inversamente, ser interpretados de forma ampla.

37      Além disso, resulta da própria redação do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32 e, em especial, da utilização da expressão «novo elemento ou dado» que esta disposição visa não só uma alteração factual, ocorrida na situação pessoal de um requerente ou na situação do seu país de origem, mas também elementos de direito novos.

38      Resulta, nomeadamente, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um pedido subsequente não pode ser declarado inadmissível, nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, quando o órgão de decisão, na aceção do artigo 2.o, alínea f), da referida diretiva, constata que o indeferimento definitivo do pedido anterior é contrário ao direito da União. Esta conclusão impõe‑se necessariamente a esse órgão de decisão quando essa contradição decorra de um acórdão do Tribunal de Justiça ou tenha sido declarada, a título incidental, por um órgão jurisdicional nacional (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.os 198 e 203).

39      Esta conclusão é motivada pela circunstância de que o efeito útil do direito reconhecido ao requerente de proteção internacional, conforme consagrado no artigo 18.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e concretizado nas Diretivas 2011/95 e 2013/32, de obter o estatuto de beneficiário de proteção internacional, estando preenchidos os requisitos previstos no direito da União, ficaria gravemente comprometido se um pedido subsequente pudesse ser declarado inadmissível pelo motivo previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, tendo o indeferimento do primeiro pedido ocorrido em violação do direito da União. Com efeito, essa interpretação desta disposição teria a consequência de a aplicação incorreta do direito da União se poder reproduzir em cada novo pedido de proteção internacional, sem que fosse possível conceder ao requerente o benefício de uma análise do seu pedido que não estivesse afetada pela violação desse direito. Tal obstáculo à aplicação efetiva das regras do direito da União relativas ao procedimento de concessão de proteção internacional não pode ser razoavelmente justificado pelo princípio da segurança jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.os 192, 196 e 197).

40      No contexto específico da Diretiva 2013/32, um acórdão do Tribunal de Justiça é suscetível de estar abrangido pelo conceito de novo elemento, na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e do artigo 40.o, n.os 2 e 3, desta diretiva, independentemente da questão de saber se esse acórdão foi proferido antes ou depois da adoção da decisão sobre o pedido anterior ou se o referido acórdão declara a incompatibilidade com o direito da União de uma disposição nacional em que essa decisão se baseou ou se limita à interpretação do direito da União, incluindo o que já estava em vigor no momento da adoção da referida decisão.

41      É assim, nomeadamente, irrelevante a circunstância, invocada pelos Governos Alemão e Austríaco, de os efeitos de um acórdão pelo qual o Tribunal de Justiça, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.o TFUE, interpreta uma norma do direito da União remontarem, em princípio, à data da entrada em vigor da norma interpretada (v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 2015, Starjakob, C‑417/13, EU:C:2015:38, n.o 63 e jurisprudência referida).

42      Além disso, embora seja certo que o Tribunal de Justiça declarou, em substância, nos n.os 194 e 203 do Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367), que a existência de um acórdão que declara a incompatibilidade com o direito da União de uma regulamentação nacional com base na qual foi indeferido um pedido de proteção internacional anterior constitui um novo elemento relacionado com a análise de um pedido subsequente, na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, há que salientar que, ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça não considerou, de modo nenhum, que só os acórdãos que contêm essa constatação eram suscetíveis de constituir esse novo elemento.

43      Com efeito, uma interpretação segundo a qual um acórdão do Tribunal de Justiça só pode constituir um novo elemento, na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e do artigo 40.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/32, se for declarada a incompatibilidade com o direito da União de uma disposição de direito nacional com base na qual a decisão sobre o pedido anterior foi adotada, comprometeria não só o efeito útil do direito reconhecido ao requerente de proteção internacional, consagrado no artigo 18.o da Carta e recordado no n.o 39 do presente acórdão, mas também violaria o efeito erga omnes dos acórdãos prejudiciais, assim como a natureza do processo previsto no artigo 267.o TFUE e o seu objetivo de assegurar a uniformidade de interpretação do direito da União.

44      Resulta do que precede que qualquer acórdão do Tribunal de Justiça é suscetível de constituir um novo elemento, na aceção do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e do artigo 40.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/32.

45      Esta interpretação do conceito de novo elemento é corroborada pelo considerando 36 da Diretiva 2013/32, do qual resulta que, em apoio do seu pedido subsequente, o requerente deve poder apresentar «novos argumentos».

46      Com efeito, a referida interpretação permite ao requerente invocar, em apoio do seu pedido subsequente, o argumento segundo o qual o seu pedido anterior foi indeferido em violação de um acórdão do Tribunal de Justiça, não tendo tal argumento, hipoteticamente, podido ser suscitado durante a apreciação desse pedido anterior.

47      Neste contexto, importa também salientar que o facto de, durante a apreciação do pedido anterior, o requerente não ter invocado um acórdão já proferido pelo Tribunal de Justiça não pode equivaler a culpa da parte desse requerente, na aceção do artigo 40.o, n.o 4, da Diretiva 2013/32. Com efeito, além do facto de, conforme foi referido nos números 34 e 35 do presente acórdão, esse conceito de culpa dever ser interpretado de forma estrita, adotar uma conceção mais ampla do referido conceito levaria a permitir a reiteração de uma aplicação incorreta do direito da União, quando incumbe ao órgão de decisão e aos órgãos jurisdicionais competentes ter em conta os elementos de facto de que dispõem em conformidade com esse direito aplicando os acórdãos pertinentes do Tribunal de Justiça.

48      Por outro lado, resulta da jurisprudência que um acórdão do Tribunal de Justiça pode constituir um novo elemento, na aceção do artigo 33.o, n.o 2, e do artigo 40.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/32, mesmo na falta de referência, feita pelo requerente no âmbito do seu pedido subsequente, à existência desse acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 195).

49      Há, no entanto, que recordar que, como foi salientado no n.o 31 do presente acórdão, para que um pedido subsequente seja admissível, é ainda necessário, em conformidade com o artigo 40.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, que os novos elementos ou factos «aumentem consideravelmente a probabilidade de o requerente poder beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95]».

50      Com efeito, como resulta do considerando 36 da Diretiva 2013/32, o legislador da União Europeia considerou que seria desproporcionado obrigar os Estados‑Membros a apreciar o mérito de todos os pedidos subsequentes. Ora, seria esse o caso se, para obstar ao indeferimento, pela autoridade competente, do seu pedido subsequente por inadmissibilidade com fundamento no artigo 33.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2013/32, bastasse ao requerente invocar qualquer elemento ou dado novo, independentemente da sua pertinência à luz das condições exigidas para poder beneficiar de proteção internacional.

51      Quando um acórdão do Tribunal de Justiça é invocado pelo requerente como novo elemento, na aceção do artigo 33.o, n.o 2, e do artigo 40.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/32, essa condição restringe, portanto, a obrigação de apreciar o mérito de um pedido subsequente aos casos em que a interpretação do direito da União feita nesse acórdão se afigure pertinente para a apreciação do mérito desse pedido.

52      No caso em apreço, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o Acórdão de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo) (C‑238/19, EU:C:2020:945), invocado pelo recorrente no processo principal em apoio do seu pedido subsequente, constitui um novo elemento suscetível de aumentar consideravelmente a probabilidade de poder beneficiar do estatuto de refugiado.

53      Uma vez que essa apreciação depende da interpretação do Acórdão de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo) (C‑238/19, EU:C:2020:945), especialmente na parte em que declarou, no seu n.o 61, que existe uma «forte presunção» de que a recusa de cumprir o serviço militar nas condições especificadas no artigo 9.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva 2011/95 esteja relacionada com um dos motivos enumerados no artigo 10.o desta diretiva, há que apontar ao órgão jurisdicional de reenvio que, com esta constatação, feita também no n.o 60 desse acórdão, o Tribunal de Justiça só afirmou que, nas condições acima referidas, é «altamente provável» que essa relação exista, sem pretender estabelecer uma presunção inilidível nem substituir a apreciação das autoridades nacionais competentes a este respeito pela sua. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça recordou, na última frase do n.o 61 do acórdão em causa, que incumbe a essas autoridades verificar, tendo em conta todas as circunstâncias em causa, o caráter plausível desse nexo.

54      À luz das observações precedentes, há que responder às duas primeiras questões que o artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e o artigo 40.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/32 devem ser interpretados no sentido de que qualquer acórdão do Tribunal de Justiça, incluindo um acórdão que se limite à interpretação de uma disposição do direito da União já em vigor no momento da adoção de uma decisão sobre um pedido anterior, constitui um novo elemento, na aceção destas disposições, independentemente da data em que foi proferido, se aumentar consideravelmente a probabilidade de o requerente poder beneficiar da proteção internacional.

 Quanto à terceira questão

55      Por meio da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 46.o, n.o 1, alínea a), ii), da Diretiva 2013/32 deve ser interpretado no sentido de que permite, ou mesmo exige, que o órgão jurisdicional nacional competente, quando anula uma decisão que declara inadmissível um pedido subsequente, possa pronunciar‑se ele próprio sobre esse pedido, sem ter de devolver a apreciação do mesmo ao órgão de decisão. Mais pergunta se, nesse caso, o requerente deve beneficiar das garantias processuais previstas nas disposições do capítulo II da Diretiva 2013/32.

56      Importa recordar que, por força do artigo 46.o, n.o 1, alínea a), ii), da Diretiva 2013/32, os requerentes de proteção internacional devem ter direito a interpor recurso efetivo das decisões de inadmissibilidade dos seus pedidos subsequentes, tomadas nos termos do artigo 33.o, n.o 2, desta diretiva.

57      Por força do artigo 46.o, n.o 3, da referida diretiva, este recurso deve, para ser efetivo, incluir uma análise exaustiva e ex nunc pelo órgão jurisdicional nacional competente da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95.

58      Daqui resulta que os Estados‑Membros são obrigados, por força do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, a adaptar o direito nacional de modo que o tratamento dos recursos em causa comporte uma análise, pelo juiz, de todos os elementos de facto e de direito que lhe permitam proceder a uma apreciação atualizada do caso concreto, para que o pedido de proteção internacional possa ser tratado de forma exaustiva, sem que seja necessário devolver o processo ao órgão de decisão. Tal interpretação favorece o objetivo prosseguido pela Diretiva 2013/32, que visa garantir que esses pedidos sejam tratados o mais rapidamente possível, sem prejuízo de uma apreciação adequada e completa (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 53).

59      No entanto, o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 apenas regula a análise do recurso, não se aplicando às consequências de uma eventual anulação da decisão que é objeto desse recurso (Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o145, e de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 54).

60      Por conseguinte, há que salientar que, ao adotar a Diretiva 2013/32, o legislador da União não quis introduzir uma regra comum segundo a qual o órgão de decisão ficaria privado da sua competência após a anulação da decisão sobre um pedido de proteção internacional, de modo que os Estados‑Membros continuam a poder prever que o processo, após essa anulação, seja devolvido a esse órgão para que este tome uma nova decisão (Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 146, e de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 54).

61      Embora a Diretiva 2013/32 reconheça, assim, aos Estados‑Membros uma certa margem de manobra, nomeadamente, para determinar as regras relativas ao tratamento de um pedido de proteção internacional quando uma decisão anterior relativa a esse pedido tenha sido anulada por um órgão jurisdicional, importa, todavia, salientar que, não obstante essa margem de manobra, os Estados‑Membros são obrigados, na aplicação desta diretiva, a respeitar o artigo 47.o da Carta, que consagra, a favor de toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados, o direito a uma ação perante um tribunal. As características do recurso previsto no artigo 46.o da Diretiva 2013/32 devem, assim, ser determinadas em conformidade com o artigo 47.o da Carta. Daqui resulta que cada Estado‑Membro vinculado por esta diretiva deve adaptar o seu direito nacional de modo que, após a anulação dessa decisão anterior e em caso de devolução do processo ao órgão de decisão, seja adotada uma nova decisão num prazo curto e em conformidade com a apreciação constante da sentença que decretou a anulação (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.os 55 e 59).

62      Por outro lado, ao prever, no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, que o órgão jurisdicional competente para conhecer de um recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional é obrigado a examinar, se for caso disso, as «necessidades de proteção internacional» do requerente, o legislador da União pretendeu conferir a esse órgão jurisdicional, quando considera que dispõe de todos os elementos de facto e de direito necessários a esse respeito, o poder de se pronunciar de forma vinculativa, no termo de uma análise completa e ex nunc, isto é, exaustiva e atualizada, desses elementos, sobre a questão de saber se esse requerente preenche as condições previstas na Diretiva 2011/95 para lhe ser reconhecida proteção internacional. Daqui resulta que, quando, no termo dessa apreciação, o referido órgão jurisdicional adquirir a convicção de que o estatuto de refugiado ou de beneficiário da proteção subsidiária deve, em aplicação dos critérios previstos pela Diretiva 2011/95, ser reconhecido ao referido requerente pelos motivos que invoca em apoio do seu pedido e que o mesmo órgão jurisdicional procede à anulação da decisão que indeferiu esse pedido e à devolução do processo ao órgão de decisão, este último fica, sem prejuízo da superveniência de elementos de facto ou de direito que imponham objetivamente uma nova apreciação atualizada, vinculado por essa decisão judicial e pelos fundamentos que lhe estão subjacentes e já não dispõe de um poder discricionário quanto à decisão de conceder ou não a proteção requerida à luz dos mesmos fundamentos que foram apresentados ao referido órgão jurisdicional (Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.os 65 e 66).

63      Daqui resulta que, embora caiba a cada Estado‑Membro decidir se o órgão jurisdicional que anulou a decisão de inadmissibilidade de um pedido subsequente pode deferir esse pedido ou indeferi‑lo por outro motivo ou se, pelo contrário, esse órgão jurisdicional deve devolver o referido pedido ao órgão de decisão para que o aprecie novamente, não é menos certo que, neste último caso, esse órgão é obrigado a respeitar essa decisão jurisdicional e os fundamentos que lhe estão subjacentes.

64      Além disso, o artigo 40.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 impõe à autoridade que aprecia um pedido subsequente que tenha sido considerado admissível que prossiga a apreciação desse pedido em conformidade com as disposições do capítulo II desta diretiva.

65      Em consequência, quando, após ter anulado a decisão que indeferiu o pedido subsequente por inadmissibilidade, o órgão jurisdicional competente decide, nas condições recordadas no n.o 62 do presente acórdão, pronunciar‑se quanto ao mérito desse pedido, deve assegurar mutatis mutandis o respeito dos princípios de base e das garantias fundamentais enunciadas no capítulo II da Diretiva 2013/32. O mesmo se aplica quando, por força do seu direito nacional, o referido órgão jurisdicional não disponha da faculdade de indeferir esse pedido ou de conceder ao requerente o benefício da proteção internacional, uma vez que o órgão de decisão ao qual é devolvido o processo para deferimento ou indeferimento está vinculado pela decisão jurisdicional e pelos fundamentos que lhe estão subjacentes.

66      Há que acrescentar, tendo em conta as interrogações do órgão jurisdicional de reenvio a este respeito, que, na falta de uma entrevista pessoal perante o órgão de decisão, conforme prevista no artigo 14.o da Diretiva 2013/32, só quando tal entrevista for conduzida perante o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso da decisão de inadmissibilidade adotada por esse órgão, e no respeito de todos os requisitos previstos na Diretiva 2013/32, é possível assegurar o caráter efetivo do direito de ser ouvido nessa fase do processo (Acórdão de 16 de julho de 2020, Addis, C‑517/17, EU:C:2020:579, n.o 71). No entanto, resulta também do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva que se pode renunciar a essa entrevista, quando esse órgão jurisdicional se puder pronunciar favoravelmente no que respeita ao pedido de estatuto de refugiado com base nos elementos de prova disponíveis.

67      À luz do que precede, há que responder à terceira questão que o artigo 46.o, n.o 1, alínea a), ii), da Diretiva 2013/32 deve ser interpretado no sentido de que permite, sem contudo o exigir, que os Estados‑Membros habilitem os seus órgãos jurisdicionais, quando estes anulam uma decisão que declara inadmissível um pedido subsequente, a pronunciarem‑se eles próprios sobre esse pedido, sem terem de devolver a respetiva apreciação ao órgão de decisão, desde que esses órgãos jurisdicionais respeitem as garantias previstas nas disposições do capítulo II desta diretiva.

 Quanto às despesas

68      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e o artigo 40.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional,

devem ser interpretados no sentido de que:

qualquer acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, incluindo um acórdão que se limite à interpretação de uma disposição do direito da União já em vigor no momento da adoção de uma decisão sobre um pedido anterior, constitui um novo elemento, na aceção destas disposições, independentemente da data em que foi proferido, se aumentar consideravelmente a probabilidade de o requerente poder beneficiar da proteção internacional.

2)      O artigo 46.o, n.o 1, alínea a), ii), da Diretiva 2013/32

deve ser interpretado no sentido de que:

permite, sem contudo o exigir, que os EstadosMembros habilitem os seus órgãos jurisdicionais, quando estes anulam uma decisão que declara inadmissível um pedido subsequente, a pronunciaremse eles próprios sobre esse pedido, sem terem de devolver a respetiva apreciação ao órgão de decisão, desde que esses órgãos jurisdicionais respeitem as garantias previstas nas disposições do capítulo II desta diretiva.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.