Language of document : ECLI:EU:C:2024:129

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 8 de fevereiro de 2024 (1)

Processo C598/22

Società Italiana Imprese Balneari Srl

contra

Comune di Rosignano Marittimo,

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

Agenzia del demanio — Direzione regionale Toscana e Umbria,

Regione Toscana

[pedido de decisão prejudicial do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Artigo 49.° TFUE — Contratos públicos e liberdade de estabelecimento — Concessões de ocupação de propriedade no domínio público marítimo — Caducidade e renovação — Regulamentação nacional que prevê a caducidade da concessão de cedência gratuita ao Estado de construções inamovíveis construídas no domínio público — Outros elementos de tal regulamentação — Conceito de “restrição”»






I.      Introdução

1.        A orla marítima italiana, incluindo as suas praias, pertence ao domínio público. A exploração de um negócio numa praia italiana exige, portanto, uma concessão.

2.        Uma disposição nacional que regula tais concessões prevê que as construções inamovíveis construídas numa praia pública ficam automaticamente na esfera do Estado após o termo da concessão, sem dar lugar a qualquer compensação ao concessionário que as construiu.

3.        Esta disposição constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 49.° TFUE?

II.    Antecedentes do litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

4.        Desde 1928, a Società Italiana Imprese Balneari S.r.l. (a seguir «SIIB») gere o estabelecimento balnear «Bagni Ausonia» no Comune di Rosignano Marittimo (Município de Rosignano Marittimo, Itália) (a seguir «Município»). Este estabelecimento situa‑se na maior parte numa zona do domínio público marítimo, relativamente aos quais foram atribuídas concessões consecutivas à SIIB. 

5.        Ao longo dos anos, esta sociedade realizou uma série de construções nesta zona do domínio público.

6.        O último inventário das estruturas incorporadas no domínio público marítimo foi feito pelo Município em 1958.

7.        Em 20 de novembro de 2007, durante a concessão da SIIB n.° 27/2003 B, que vigorou entre 2003 e o final de 2008, o Município adotou uma decisão através da qual recalculou as taxas devidas por essa concessão. O aumento das taxas resultou da reclassificação de algumas construções sob concessão como de difícil remoção, o que significa que passaram a ser qualificadas como património do domínio público. Estas estruturas inamovíveis já existiam no referido domínio público à data do termo da anterior concessão n.° 36/2002, que durou entre 1 de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de 2002 e que foi atribuída à mesma concessionária, a SIIB.

8.        A Decisão n.° 31787, de 20 de novembro de 2007, baseia‑se no artigo 49.° do Codice della navigazione (a seguir «Código Marítimo»). Esta disposição prevê o seguinte:

«Salvo estipulação em contrário no contrato de concessão, quando termine a concessão, as construções inamovíveis, construídas na zona de domínio público, revertem para o Estado, sem dar lugar a compensação ou reembolso, sem prejuízo da faculdade da autoridade concedente ordenar a sua demolição, com a restituição do bem do domínio público no estado inicial.»

9.        Em 2008, o Município deu início a um procedimento administrativo de apropriação dos equipamentos transferidos para o domínio público marítimo após 1958. Em resposta a questões escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio esclareceu que este procedimento nunca tinha sido concluído. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio explicou na sua resposta que uma declaração administrativa relativa à transferência de propriedade para o Estado teria, de qualquer modo, caráter meramente declarativo, uma vez que a aquisição da propriedade pelo Estado ocorre ex lege no termo da concessão, por força do artigo 49.° do Código Marítimo.

10.      Em maio de 2009, o Município atribuiu à SIIB uma nova concessão (n.° 181/2009) (2) para o mesmo local. Durante o processo de adjudicação da referida concessão, a SIIB declarou que todas as construções situadas nesse domínio eram fáceis de remover (3). Na sequência de uma inspeção ao local, o Município veio a rejeitar essa qualificação, por Decisão de 26 de novembro de 2014. Considerou que a zona de domínio público concessionada continha estruturas inamovíveis que já tinham sido adquiridas pelo Estado ao abrigo do artigo 49.° do Código Marítimo.

11.      O Município voltou a confirmar esta conclusão numa Decisão de 16 de abril de 2015 (4). A este título, aumentou igualmente as taxas devidas pela SIIB com efeitos a 2009.

12.      A SIIB impugnou as Decisões de 26 de novembro de 2014 e de 16 de abril de 2015 no Tribunale amministrativo regoniale della Toscana (Tribunal Administrativo Regional da Toscana, Itália). Alegou que, uma vez que a concessão tinha sido renovada, era impossível a transferência de propriedade para o Estado. Esse órgão jurisdicional apensou esses processos e julgou todos os pedidos integralmente improcedentes por Acórdão de 10 de março de 2021.

13.      Relativamente à qualificação das construções como património de domínio público, ao abrigo do artigo 49.° do Código Marítimo, o Tribunale amministrativo regionale per la Toscana (Tribunal Administrativo Regional da Toscana) considerou que essa transferência resultava de um reconhecimento acordado no ato de concessão assinado por ambas as partes e não de uma decisão unilateral do Município. Segundo esse órgão jurisdicional, a transferência de propriedade sem compensação pecuniária resulta, segundo o artigo 49.° do Código Marítimo, da falta de estipulação em contrário pelas partes. Dado que as partes não previram expressamente no contrato de concessão um regime jurídico diferente para o património do domínio público marítimo, considera‑se que aceitaram o regime supletivo previsto no artigo 49.° do Código Marítimo.

14.      A SIIB interpôs recurso desse acórdão para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), que é o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

15.      No âmbito do recurso, a SIIB alega, nomeadamente, que o efeito da cessão sem indemnização de estruturas de difícil remoção é contrário ao direito da União e, em especial, ao princípio da proporcionalidade no que respeita às restrições das liberdades de mercado consagradas nos artigos 49.° e 56.° TFUE, conforme enunciado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Laezza (5).

16.      Uma vez que tem dúvidas quanto à compatibilidade do artigo 49.° do Código Marítimo com o direito da União, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 49.° e 56.° TFUE e os princípios decorrentes do Acórdão Laezza (C‑375/14), se forem considerados aplicáveis, opõem‑se à interpretação de uma disposição de direito nacional como o artigo 49.° [do Código Marítimo] no sentido de que impõe a cessão pelo concessionário, a título gratuito e sem indemnização, no termo da concessão, quando esta seja renovada, sem interrupção, ainda que por força de uma nova decisão, das construções realizadas na zona do domínio público que fazem parte do complexo de bens organizados para o exercício da atividade balnear, podendo este efeito de apropriação imediata pelo Estado configurar uma restrição que excede o necessário para alcançar o objetivo efetivamente visado pelo legislador nacional e, portanto, desproporcionado relativamente a esse objetivo?»

17.      Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pela SIIB, pelo Município, pelo Governo Italiano e pela Comissão Europeia.

18.      O Tribunal de Justiça solicitou ao órgão jurisdicional de reenvio uma série de esclarecimentos complementares, aos quais este respondeu em 8 de setembro de 2023.

III. Análise

A.      Admissibilidade

19.      Nas suas observações escritas, a Comissão e o Governo Italiano discutiram a admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial.

20.      A Comissão assinalou que a situação no presente processo é puramente interna. Um concessionário italiano contesta a regulamentação italiana relativa às concessões no domínio público. No entanto, a Comissão considera que a questão é admissível, citando o Acórdão Ullens de Schooten, que clarificou que o Tribunal de Justiça pode declarar‑se competente em processos puramente internos se a regulamentação nacional, cuja validade está em causa, for potencialmente suscetível de afetar cidadãos ou empresas de outros Estados‑Membros (6).

21.      Concordo com esta posição. Primeiro, as disposições italianas em matéria de concessões aplicam‑se da mesma forma a qualquer concessionário, seja de nacionalidade italiana ou de outro Estado‑Membro. Segundo, a atratividade económica da criação de uma empresa nas zonas marítimas (ou lacustres) italianas confirma a existência de um certo interesse transfronteiriço, como o Tribunal de Justiça já confirmou no Acórdão Promoimpresa (7). Além disso, este potencial efeito transfronteiriço foi confirmado pela resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça.

22.      Por conseguinte, mesmo sem uma indicação clara nesse sentido na decisão de reenvio (8), o Tribunal de Justiça pode concluir, no caso em apreço, que a disposição nacional em causa apresenta um interesse transfronteiriço (9).

23.      O argumento invocado pelo Governo Italiano relativamente à questão da admissibilidade é de natureza diferente. Este Governo considera que a resposta à questão prejudicial não é útil para a resolução do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio. Na sua opinião, mesmo que a resposta dada pelo Tribunal de Justiça conduzisse à inaplicabilidade do artigo 49.° do Código Marítimo, tal não teria qualquer efeito no processo no órgão jurisdicional de reenvio.

24.      No entanto, na sua resposta ao pedido de esclarecimento, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) explicou que a SIIB tem um interesse jurídico pessoal, concreto e atual em contestar a validade da transferência para a propriedade do Estado das estruturas inamovíveis que construiu. Se essas construções reverterem validamente para o Estado, isto influencia o custo das taxas devidas pela ocupação do domínio público em causa.

25.      No âmbito de um pedido de decisão prejudicial, cabe, em princípio, ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a resposta à questão da interpretação ou da validade do direito da União é necessária para a resolução efetiva de um litígio (10). Tendo em conta os esclarecimentos prestados pelo órgão jurisdicional de reenvio, não há razão para o Tribunal de Justiça duvidar da sua competência no presente processo.

26.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue o pedido de decisão prejudicial admissível.

B.      Direito da União aplicável

27.      As disposições nacionais relativas às concessões de recursos naturais escassos são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva Serviços (11). No entanto, o prazo de transposição desta diretiva só terminou em 28 de dezembro de 2009 (12), ao passo que os factos relevantes do presente processo ocorreram em data anterior (13).

28.      Uma vez que a Diretiva 2006/123 não é aplicável ratione temporis ao caso em apreço no processo principal, a questão prejudicial exige a interpretação do direito primário (14).

29.      O órgão jurisdicional de reenvio faz referência tanto ao artigo 49.°, relativo à liberdade de estabelecimento, como ao artigo 56.° TFUE relativo à livre prestação de serviços.

30.      O Tribunal de Justiça já esclareceu que as concessões como as do caso em apreço, que permitem a exploração económica para fins turístico‑recreativos, são abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito de estabelecimento na zona de domínio público (15).

31.      Daqui resulta que a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio deve ser respondida à luz do artigo 49.° TFUE.

C.      Quanto ao mérito

32.      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça é chamado a responder se o artigo 49.° TFUE se opõe a uma disposição nacional segundo a qual as estruturas de difícil remoção realizadas pelo concessionário no domínio público passam a ser, no termo da concessão, propriedade do Estado, sem qualquer contrapartida ou indemnização, mesmo em caso de renovação da concessão.

33.      A SIIB considera que esta cessão automática sem indemnização é contrária ao direito da União e, em particular, ao princípio da proporcionalidade das restrições às liberdades de mercado consagradas nos artigos 49.° e 56.° TFUE. Invoca, a este respeito, o Acórdão Laezza.

34.      A análise das alegadas restrições às liberdades de mercado garantidas pelos Tratados efetua‑se em duas etapas. Em primeiro lugar, um órgão jurisdicional nacional deve determinar se a disposição nacional em causa é abrangida pelo âmbito de aplicação da proibição pertinente do Tratado, no presente processo, a proibição de uma restrição à liberdade de estabelecimento. Se a disposição nacional for abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE, a segunda etapa consiste em determinar se pode ser justificada. Para chegar a esta última conclusão, o órgão jurisdicional nacional deve determinar o interesse público suscetível de justificar legitimamente a disposição e se esta é adequada e necessária para atingir esse interesse público.

35.      Por conseguinte, começarei por apreciar se uma disposição nacional como o artigo 49.° do Código Marítimo constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.° TFUE. Considero que tal disposição nacional pode ser excluída da proibição prevista no artigo 49.° TFUE (1). A título subsidiário, apreciarei se tal disposição nacional pode ser justificada (2).

1.      A medida nacional em causa constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento?

36.      O artigo 49.° TFUE proíbe as medidas que restrinjam o estabelecimento de nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro.

37.      Segundo jurisprudência assente, qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, impeça, dificulte ou torne menos atrativo o exercício, pelos cidadãos da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado, constitui uma restrição na aceção do artigo 49.° TFUE (16).

38.      Existem duas abordagens possíveis que podem ser adotadas para responder à questão de saber que tipo de medidas tornam a liberdade de estabelecimento menos atrativa para os nacionais de outros Estados‑Membros: ou se considera que qualquer regulamentação estatal representa, pelo menos, uma forma de entrave à criação de uma empresa, ou certos tipos de regulamentação do mercado relevante podem ser excluídos do âmbito do artigo 49.° TFUE. Na minha opinião, a escolha entre estas duas interpretações possíveis não foi clarificada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

39.      Por um lado, existem acórdãos que explicam que qualquer restrição, por menor que seja, desencadeia a aplicação das regras do Tratado que impõem restrições às liberdades de mercado, incluindo a liberdade de estabelecimento (17).

40.      Se o Tribunal de Justiça vier a adotar esta abordagem no caso em apreço, uma disposição como a que está em causa será automaticamente classificada como restrição. Todavia, isto não significa que tal disposição seja proibida. Pode ainda ser justificada.

41.      Por outro lado, outra linha de jurisprudência excluiu da aplicação do Tratado as medidas nacionais que não representam um obstáculo real ao acesso ao mercado (18).

42.      Se o Tribunal de Justiça vier a adotar esta abordagem no presente processo, terá de avaliar se a medida nacional, como a que está em causa, dissuadiria efetivamente um empresário de começar um negócio nas praias italianas. Se o Tribunal de Justiça considerar que não é esse o caso, essa disposição nacional não será considerada uma restrição ao direito de estabelecimento, pelo que não terá de ser justificada.

43.      Um dos critérios que o Tribunal de Justiça aplicou na sua jurisprudência é o do «efeito demasiado aleatório e indireto». Se se considerasse que o efeito de uma disposição nacional no exercício de uma liberdade de mercado seria «demasiado aleatório e indireto», estaria excluída do âmbito de aplicação da disposição pertinente do Tratado.

44.      Este critério foi aplicado na jurisprudência em relação a todas as liberdades de mercado (19), incluindo a liberdade de estabelecimento (20).

a)      Cessão sem indemnização no termo da concessão

45.      Um empresário seria, de facto, dissuadido de começar um negócio nas praias italianas se soubesse que, no termo da concessão, não seria indemnizado pelas estruturas inamovíveis, que reverteriam automaticamente para o Estado?

46.      O Governo Italiano e a Comissão sugerem que o artigo 49.° do Código Marítimo não constitui necessariamente uma restrição à liberdade de estabelecimento. Segundo a Comissão, a cessão de estruturas inamovíveis construídas para o Estado é inerente ao conceito de domínio público. A utilização de uma zona deste tipo pelo público seria significativamente reduzida se os concessionários continuassem a ser proprietários das estruturas inamovíveis realizadas nesse terreno.

47.      Concordo com esta argumentação. Esta é a essência da inalienabilidade do domínio público (21).

48.      Nos termos da legislação italiana, como explicado pelo Governo Italiano, os direitos que um concessionário adquire sobre os terrenos concessionados são comparáveis ao direito de superfície (22). O concessionário só é titular de tais direitos durante o período da concessão (23)

49.      Se um concessionário pudesse conservar direitos sobre estruturas inamovíveis realizadas no domínio público, o caráter público e a disponibilidade prática desse domínio para o Estado seriam consideravelmente reduzidos.

50.      O presente processo não suscita qualquer questão quanto à possibilidade de a Itália manter as suas praias no domínio público. Com efeito, essa decisão é da competência dos Estados‑Membros. O resultado dessa política é que qualquer operador económico que pretenda explorar um estabelecimento balnear numa praia italiana deve adquirir uma concessão, cuja natureza implica que, no termo do período de concessão, o terreno e tudo o que é inamovível nesse terreno reverte para o Estado.

51.      A única possibilidade de explorar um estabelecimento balnear em praias italianas é celebrar uma concessão com o Estado. A disposição italiana em causa aplica‑se do mesmo modo a todos os potenciais concessionários (24). Todos os operadores económicos se confrontam, por isso, com a mesma preocupação de saber se é economicamente viável concorrer a uma concessão sabendo que, após o seu termo, as estruturas inamovíveis realizadas serão transferidas para a propriedade do Estado. Esta disposição torna‑se, assim, apenas um dos elementos a ter em conta nos cálculos económicos para determinar a oportunidade de exercer a atividade económica de exploração de um estabelecimento balnear numa praia italiana.

52.      Evidentemente, se o Estado fosse obrigado a indemnizar o concessionário pelas estruturas inamovíveis que permanecem no terreno após o termo da concessão, isso poderia tornar o investimento ainda mais atrativo. No entanto, se o investidor souber à partida que não haverá tal indemnização, isso não o irá dissuadir, por si só, de concorrer à adjudicação da concessão.

53.      Por conseguinte, concordo com a Comissão que, se a duração da concessão for suficientemente longa para permitir a amortização de um investimento, e se o concessionário souber de antemão que as estruturas inamovíveis que realizar nos terrenos concessionados passarão a pertencer ao Estado no termo da concessão, tal disposição não dissuadirá um investidor de abrir o seu negócio nas praias italianas.

54.      Vale a pena referir dois aspetos adicionais do artigo 49.° do Código Marítimo. Primeiro, o mesmo prevê a possibilidade de uma compensação pecuniária no contrato de concessão. Por conseguinte, se o período de concessão se revelar insuficiente para rentabilizar o investimento, pode ser acordado com o Estado um determinado montante de indemnização.

55.      Segundo, a falta de compensação pecuniária pelas estruturas inamovíveis cedidas deve ser apreciada à luz da possibilidade de o município obrigar o concessionário a restituir, a expensas suas, o domínio público no seu estado inicial.

56.      É, portanto, possível qualificar uma disposição como a que consta do artigo 49.° do Código Marítimo no sentido de ter efeitos demasiado aleatórios e indiretos para poder dissuadir um operador de se estabelecer em praias italianas. Por conseguinte, não determina a aplicação da proibição prevista no artigo 49.° TFUE.

57.      No entanto, tal disposição deve ser suficientemente transparente para permitir que os operadores económicos decidam se querem ou não investir para abrir um negócio numa praia italiana. Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se o artigo 49.° do Código Marítimo é suficientemente transparente.

b)      É relevante o facto de a concessão ser renovada?

58.      A SIIB considera que o facto de a sua concessão ter sido renovada significa que a transferência de propriedade para o Estado não pode ocorrer.

59.      A meu ver, este fator não altera a conclusão anterior de que a disposição em causa não constitui uma restrição ao direito de estabelecimento.

60.      Pelo contrário, uma disposição que tratasse de forma diferente os operadores económicos que entram numa concessão pela primeira vez e aqueles que prosseguem a sua atividade com base na concessão renovada seria contrária ao direito da União.

61.      Tais disposições colocariam os atuais concessionários numa posição mais vantajosa do que os novos concessionários. Se as estruturas inamovíveis não pudessem ser transferidas para a propriedade do Estado quando o mesmo operador económico obtivesse uma concessão renovada no mesmo terreno, tal não afetaria o valor da concessão e, por conseguinte, as taxas devidas. Pelo contrário, um novo operador numa concessão deste tipo teria de pagar taxas mais elevadas, uma vez que a transferência de propriedade ocorreria nesse caso, aumentando assim o valor da concessão.

62.      Tendo em conta que é mais provável que os concessionários existentes sejam de nacionalidade italiana, tal disposição constituiria uma discriminação indireta em razão da nacionalidade, proibida pelo artigo 49.° TFUE (25).

63.      Por conseguinte, uma disposição segundo a qual as estruturas inamovíveis realizadas no domínio público revertem para o Estado no termo da concessão, mesmo que seja atribuída ao mesmo operador económico uma nova concessão no mesmo terreno, não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento de acordo com o artigo 49.° TFUE.

c)      Proteção da confiança legítima

64.      A SIIB invocou igualmente o princípio da proteção da confiança legítima. Embora o órgão jurisdicional de reenvio não o tenha incluído na questão prejudicial, debruçar‑me‑ei brevemente sobre este argumento.

65.      De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da proteção da confiança legítima pressupõe que tenham sido dadas ao interessado, pelas autoridades competentes, garantias precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Este direito aplica‑se a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que as autoridades, ao dar‑lhe garantias precisas, fizeram nascer esperanças fundadas (26).

66.      No entanto, os operadores económicos não podem invocar de forma justificada uma confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada pelas autoridades competentes no exercício do seu poder discricionário (27).

67.      Como explicado pelo Governo Italiano, parece que a legislação italiana, tal como existia na altura, dava preferência aos concessionários existentes ao atribuir novas concessões. Esta legislação foi alterada em 2011, na sequência de um processo por incumprimento desencadeado pela Comissão por não transposição da Diretiva Serviços por parte de Itália (28).

68.      Tal legislação, que seria em si mesma contrária ao direito da União (29), poderia talvez ter criado uma presunção de que o concessionário anterior seria bem sucedido no concurso para a nova concessão. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar esta questão no âmbito da decisão do litígio que lhe foi submetido.

69.      No entanto, este tipo de presunção não está em causa no presente processo. Ou seja, não importa se a SIIB podia invocar uma confiança legítima na renovação da sua concessão, o que importa é que não podia invocar uma confiança legítima em que, após a renovação, as estruturas inamovíveis não iriam reverter para o Estado e não influenciariam o valor da concessão.

70.      Ao tempo dos factos no processo principal, o artigo 49.° do Código Marítimo já era interpretado e aplicado na prática no sentido de dar lugar, no termo da concessão, à cessão sem indemnização da propriedade para o Estado das estruturas inamovíveis.

71.      Por conseguinte, o princípio da proteção da confiança legítima não pode afetar a conclusão, no caso em apreço, de que a disposição nacional que prevê a transferência de estruturas inamovíveis para a propriedade do Estado sem indemnização, mesmo que seja atribuída uma nova concessão ao mesmo concessionário, não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento.

d)      Pertinência do Acórdão Laezza

72.      Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a pertinência do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Laezza.

73.      Esse processo dizia respeito a uma disposição italiana que regulava as licenças de gestão e de recolha de apostas. A disposição impunha aos concessionários a obrigação de ceder gratuitamente, no termo da concessão, os direitos de utilização dos bens materiais e imateriais na sua posse e que constituíam a sua rede de gestão e de recolha de apostas.

74.      O Tribunal de Justiça concluiu, em primeiro lugar, que a disposição em causa nesse processo estava abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE (30) e, em seguida, considerou‑a desproporcionada em relação ao objetivo legítimo que prosseguia (31).

75.      A situação nesse processo difere significativamente da ora em apreciação pelo Tribunal de Justiça, mesmo que, à primeira vista, a disposição em causa no Acórdão Laezza possa parecer semelhante à do caso em apreço. Tal como o artigo 49.° do Código Marítimo, a disposição em causa no Acórdão Laezza exigia que os bens criados durante o período da concessão fossem cedidos gratuitamente às autoridades públicas após o termo da concessão. No entanto, é manifestamente evidente que existe uma diferença importante entre estas duas disposições. Enquanto a disposição em apreço no presente processo se refere apenas a estruturas inamovíveis, a disposição em causa no Acórdão Laezza dizia respeito a todos os bens materiais e imateriais criados durante a vigência da concessão. Com efeito, tal é suficiente para distinguir estes dois processos.

76.      No entanto, o que, na minha opinião, distingue realmente estes dois processos é o contexto em que se inserem as disposições em causa.

77.      Por um lado, o Acórdão Laezza dizia respeito a uma situação em que a concessão foi necessária para controlar uma atividade económica no mercado considerada socialmente problemática, que era a própria razão da imposição da concessão. Em princípio, a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconhece que a exigência de uma concessão para exercer uma atividade constitui uma restrição às liberdades de mercado. Com efeito, no Acórdão Laezza o Tribunal de Justiça limitou‑se a remeter para os processos anteriores em matéria de concessões, sem explicar as razões pelas quais a exigência de concessão em causa constituía uma restrição (32).

78.      Por outro lado, a decisão de um Estado de manter um determinado tipo de terreno em domínio público, com a consequente necessidade de uma concessão para o exercício de qualquer atividade económica privada nesse terreno, insere‑se num contexto diferente do Acórdão Laezza. A decisão política subjacente a tais disposições é a ideia de que determinados terrenos devem ser mantidos para usufruto público, pelo que permanecem na propriedade do Estado.

79.      Existem diferentes tipos de concessões, que podem assim ser objeto de qualificação diferente ao abrigo do direito da União. Por exemplo, a concessão atribuída no caso em apreço difere das concessões de serviços, atribuídas a investidores privados, através das quais um Estado satisfaz determinadas necessidades públicas (como a construção de uma estrada ou de um aeroporto) (33). A natureza e o objetivo de uma concessão devem determinar o seu tratamento jurídico.

80.      As concessões relacionadas com a decisão de manter determinados terrenos no domínio público apresentam algumas características intrínsecas. Uma das características é que a atividade económica objeto da concessão é indissociável da natureza pública dos terrenos. Enquanto as apostas podem ser organizadas em propriedades privadas, ou mesmo virtualmente, a concessão no caso em apreço está diretamente relacionada com a utilização de um determinado terreno que é propriedade do Estado.

81.      Por esta razão, o facto de o Tribunal de Justiça ter considerado uma disposição que impõe a cessão dos bens adquiridos em matéria de apostas para as autoridades públicas como uma restrição à liberdade de estabelecimento não é, em si mesma, transponível para uma situação em que estruturas inamovíveis no domínio público são automaticamente cedidas no termo da concessão atribuída.

82.      Tal disposição não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento por razões próprias, diferentes das que caracterizam a concessão para serviços de apostas como uma restrição. Nos n.os 45 a 63 das presentes conclusões, desenvolvi os argumentos que justificam o facto de a disposição em causa no presente processo não constituir uma restrição.

83.      Pelas razões enunciadas, considero que o Acórdão Laezza é demasiado distante das circunstâncias do processo principal para ser aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço.

 Conclusão provisória

84.      Face ao exposto, considero que uma disposição nacional como o artigo 49.° do Código Marítimo não constitui uma restrição ao direito de estabelecimento, pelo que a proibição do artigo 49.° TFUE não é aplicável.

2.      Pode a medida nacional em causa ser justificada?

85.      Se, não obstante, o Tribunal de Justiça decidir qualificar uma disposição como o artigo 49.° do Código Marítimo de restrição à liberdade de estabelecimento, é necessário avaliar se essa restrição pode ser justificada.

86.      As restrições não discriminatórias à liberdade de estabelecimento não são proibidas se responderem a razões imperiosas de interesse geral de forma proporcionada. A restrição é proporcionada quando é adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido de forma coerente e quando não for além do necessário para esse efeito (34).

87.      O Governo Italiano invocou várias razões de interesse geral para justificar o artigo 49.° do Código Marítimo, no caso de esta disposição ser considerada uma restrição ao direito de estabelecimento: a proteção da propriedade pública, a proteção das finanças públicas, bem como o turismo, a cultura e o ambiente. Todas estas razões podem, de facto, constituir objetivos legítimos à luz do direito da União (35).

88.      Na repartição de competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito do processo prejudicial, cabe a estes últimos verificar se uma medida nacional que restringe uma das liberdades de mercado é efetivamente adequada e necessária para atingir os objetivos públicos declarados.

89.      Mesmo que o Tribunal de Justiça não possa proceder ele próprio a uma fiscalização da proporcionalidade das medidas nacionais, pode dar orientações quanto aos métodos necessários para apreciar a proporcionalidade da disposição. A este respeito, é útil reiterar que a apreciação da adequação e da necessidade deve ser efetuada em relação a cada razão justificativa apresentada separadamente. O órgão jurisdicional nacional deve questionar, em primeiro lugar, se a medida nacional em causa contribui efetivamente para o objetivo pretendido e, em segundo lugar, se o mesmo objetivo poderia ser alcançado através de uma medida diferente, menos restritiva da liberdade de estabelecimento.

90.      No que diz respeito à proteção da propriedade pública como justificação, o Governo Italiano alega que a disposição em causa impede que uma área se torne indisponível para o uso do público em geral através da conversão de uma parte desse terreno em propriedade privada. Como já afirmei, tal disposição é inerente ao conceito de domínio público (n.° 47 das presentes conclusões). É simultaneamente adequado e necessário que as estruturas inamovíveis realizadas em domínio público revertam para a propriedade do Estado após o termo da concessão. Por conseguinte, na minha opinião, o artigo 49.° do Código Marítimo não constitui uma restrição. No entanto, se tal não for aceite, os mesmos argumentos podem ser utilizados para justificar esta disposição.

91.      Acrescente‑se que a disposição italiana apenas diz respeito às estruturas que não podem ser facilmente removidas. Por conseguinte, ao contrário da disposição em causa no processo Laezza, não vai além do necessário para proteger a propriedade pública.

92.      No entanto, a proteção da propriedade pública não justifica necessariamente a transferência sem indemnização. A transferência para a propriedade do Estado poderia também ser efetuada se o Estado indemnizasse o concessionário pelas estruturas que este realizou, mas que permanecerão no domínio público. A este respeito, o Governo Italiano invocou como justificação a proteção das finanças públicas.

93.      A disposição em causa é, sem dúvida, adequada à proteção das finanças públicas, uma vez que nenhum pagamento terá de ser efetuado pelo erário público. No entanto, existe uma alternativa menos restritiva capaz de atingir o mesmo objetivo?

94.      Na minha opinião, as condições de uma concessão devem criar a possibilidade de um empresário obter um lucro razoável sobre o seu investimento durante o período da concessão. Se tal se revelar impossível, poderá haver lugar a uma indemnização. Pode ser esse o caso se as estruturas inamovíveis (tais como escadas de acesso ao mar, armazéns ou edifícios de restauração) forem necessárias para a prestação do serviço na praia, mas os seus custos superamos lucros durante o período de concessão.

95.      Esta preocupação económica foi importante para que o Tribunal de Justiça no Acórdão Laezza considerasse que a medida em causa nesse processo constituía uma restrição ao direito de estabelecimento. O Tribunal de Justiça considerou que o risco de uma empresa ter de ceder, sem contrapartida pecuniária, os direitos de utilização dos bens na sua posse pode impedi‑la de obter o retorno do seu investimento (36).

96.      No entanto, o artigo 49.° do Código Marítimo prevê que a propriedade é transferida sem indemnização, salvo acordo em contrário celebrado entre o Estado e o concessionário. Esta disposição tem em conta as preocupações económicas dos potenciais concessionários de que a sua atividade não venha a gerar lucro, ou venha a sofrer prejuízos, se não houver ugar a indemnização no termo da concessão pelas estruturas que construíram as construções em que investiram.

97.      Uma vez que o concessionário tem conhecimento das regras aplicáveis, pode negociar uma indemnização adequada se o investimento necessário for demasiado elevado para ser recuperado durante o período da concessão.

98.      Por último, se for paga uma indemnização suplementar ao concessionário cessante, isso colocaria os novos concorrentes à nova concessão no mesmo terreno numa posição menos vantajosa. Tal opção seria contrária ao direito da União, que exige que os Estados‑Membros permitam uma concorrência transfronteiriça leal se decidirem oferecer domínios públicos para atividades económicas privadas (37).

99.      Por conseguinte, a indemnização do concessionário cessante num montante que excede o investimento no bem transferido para a propriedade do Estado não é uma opção ao abrigo do direito da União.

100. À luz do exposto, parece‑me que não existe uma alternativa menos restritiva à proteção das finanças públicas do que a prevista pelo Código Marítimo. Esta disposição permite uma indemnização se tal for necessário para resolver um desequilíbrio económico, mas, caso contrário, como aliás exige o direito da União, impede o pagamento a partir do orçamento público, o que conduziria à discriminação de novos concorrentes à mesma zona de domínio público.

101. É evidente que o órgão jurisdicional de reenvio, que dispõe de todas as informações sobre o efeito e a relação das disposições italianas aplicáveis, deve apreciar se a análise proposta poderia efetivamente ser aplicada na situação específica das concessões em praias italianas. Cabe, em última análise, a esse órgão jurisdicional decidir se o artigo 49.° do Código Marítimo, inserido no seu contexto próprio, é adequado e necessário para a proteção do domínio público e das finanças públicas.

102. No que se refere às justificações adicionais — proteção do ambiente, da cultura e do turismo —, o Governo Italiano não explicou a relação entre a disposição especial do artigo 49.° do Código Marítimo e a tutela desses interesses. Mesmo que a decisão de manter as praias como parte do domínio público possa ser justificada por razões ambientais ou culturais, a proteção desses interesses públicos pode ser alcançada de forma mas adequada através de medidas que obriguem os concessionários a tomar, ou a abster‑se de tomar, medidas específicas. Por exemplo, podem ficar sujeitos a obrigações de construir de acordo com determinados padrões ou a cuidar de bens históricos ou culturais na zona concessionada. No entanto, o Município poderia desenvolver estas justificações no âmbito do processo nacional e estabelecer uma ligação mais clara quanto às razões que poderiam justificar o artigo 49.° do Código Marítimo.

103. A SIIB invocou igualmente a eventual violação da liberdade de empresa e do direito de propriedade. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio não pediu a interpretação dos artigos 16.° e 17.° da Carta que dizem respeito a esses direitos. No entanto, pode ser útil recordar que o Tribunal de Justiça já explicou que o exame da restrição representada pela legislação nacional à luz do artigo 49.° TFUE abrange igualmente eventuais restrições ao exercício dos direitos e liberdades previstos nos artigos 15.° a 17.° da Carta, pelo que não é necessário uma análise autónoma do direito de propriedade consagrado no artigo 17.° da Carta (38).

 Conclusão provisória

104. Caso a disposição nacional em causa no presente processo for qualificada como uma restrição não discriminatória ao direito de estabelecimento, considero, sem prejuízo das verificações que devem ser levadas a cabo pelo órgão jurisdicional de reenvio, que é proporcionada ao objetivo de proteção da propriedade pública e das finanças públicas.

IV.    Conclusão

105. Tendo em conta o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) do seguinte modo:

Uma disposição nacional como o artigo 49.° do Codice della navigazione (Código Marítimo), que, no termo da concessão, implica a transferência, para a propriedade do Estado, das estruturas inamovíveis construídas no domínio público marítimo concessionado, sem indemnização, não constitui uma restrição ao direito de estabelecimento, proibida pelo artigo 49.° TFUE, se o período de concessão for suficiente para a amortização do investimento do concessionário. Tal é aplicável ainda que a nova concessão seja atribuída ao mesmo sujeito no mesmo terreno.

A título subsidiário, se uma disposição nacional como o artigo 49.° do Código Marítimo for qualificada de restrição não discriminatória ao direito de estabelecimento, tal restrição não é proibida pelo artigo 49.° TFUE, na medida em que é proporcionada aos objetivos legítimos de proteção da propriedade pública e das finanças públicas, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.


1      Língua original: inglês.


2      Concessione demaniale marittima n.º 181/2009 (concessão do domínio público marítimo n.º 181/2009).


3      A SIIB baseou‑se no Decreto del Presidente della Giunta Regionale del 24 settembre 2013 n. 52/R (Decreto do Presidente do Conselho Regional n.º 52/R, de 24 de setembro de 2013) que altera o Decreto del Presidente della Giunta Regionale n. 18/2001/R (Decreto do Presidente do Conselho Regional n.º 18/2001/R) — que aditou o artigo 44‑bis ao Decreto do Presidente do Conselho Regional n.º 18/ 2001/ R). O artigo 1.º do referido decreto tem a seguinte redação:


      «Consideram‑se de fácil remoção e desmantelamento as construções e as estruturas utilizadas para o exercício de atividades turístico‑recreativas, realizadas quer acima quer abaixo do solo nas zonas do domínio público marítimo objeto de concessão que [...] podem ser integralmente removidas com recurso aos meios técnicos normais, com a consequente restituição das áreas no seu estado inicial, num período não superior a noventa dias.»


4      Provvedimento n.º 17432 del 16 aprile 2015 (Decisão n.º 17432 de 16 de abril de 2015).


5      Acórdão de 28 de janeiro de 2016, Laezza (C‑375/14, EU:C:2016:60).


6      V. Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.os 50 e 52). V., igualmente, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Comune di Bernareggio (C‑465/18, EU:C:2019:1125, n.º 33).


7      V., neste sentido, o Acórdão de 14 de julho de 2016, Promoimpresa e o. (C‑458/14 e C‑67/15, EU:C:2016:558, n.os 66 e 67).


8      Desde o Acórdão Ullens de Schooten, o Tribunal de Justiça parece insistir para que o órgão jurisdicional de reenvio indique claramente as razões pelas quais considera que o Tribunal de Justiça deve responder à questão que se coloca numa situação puramente interna (v. Acórdãos Ullens de Schooten, n.º 55, e Promoimpresa, n.º 68). Na minha opinião, numa situação em que existe um potencial efeito transfronteiriço manifesto, como no caso em apreço, o Tribunal de Justiça pode declarar‑se competente mesmo que o órgão jurisdicional de reenvio não tenha explicado por que razão esse interesse transfronteiriço pode existir.


9      V., neste sentido, em matéria de liberdade de estabelecimento, Acórdão de 26 de abril de 2018, ANGED (C‑233/16, EU:C:2018:280, n.º 22).


10      Acórdãos de 16 de dezembro de 1981, Foglia (244/80, EU:C:1981:302, n.° 29), e de 7 de dezembro de 2023, Zamestnik izpalnitelen direktor na Darzhaven fond ‘Zemedelie’ (Apicultura biológica) (C‑329/22, EU:C:2023:968, n.° 24 e jurisprudência referida).


11      Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36; a seguir «Diretiva 2006/123»). No Acórdão Promoimpresa (n.º 41), o Tribunal de Justiça esclareceu que as concessões podem ser consideradas autorizações reguladas pelo artigo 12.º da Diretiva 2006/123.


12      Primeiro parágrafo do artigo 44.º, n.º 1, da Diretiva 2006/123.


13      Como explicou o órgão jurisdicional de reenvio, com base no Código Marítimo, cuja conformidade com o direito da União não é certa para o órgão jurisdicional de reenvio, no caso em apreço houve uma transferência de propriedade para o Estado no final de 2008.


14      V., neste sentido, Acórdão Promoimpresa, n.os 59 e 62. V., igualmente, Acórdão de 20 de abril de 2023, Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (Município de Ginosa) (C‑348/22, EU:C:2023:301, n.os 36 a 38 e jurisprudência referida).


15      V., neste sentido, Acórdão Promoimpresa, n.º 63.


16      V., neste sentido, Acórdãos de 5 de outubro de 2004, CaixaBank France (C‑442/02, EU:C:2004:586, n.º 11); de 21 de abril de 2005, Comissão/Grécia (C‑140/03, EU:C:2005:242, n.° 27 e jurisprudência referida); de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316, n.° 22), e de 6 de outubro de 2022, Contship Italia (C‑433/21 e C‑434/21, EU:C:2022:760, n.° 41 e jurisprudência referida).


17      Acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Corsica Ferries (França) (C‑49/89, EU:C:1989:649, n.º 8) e de 2 de março de 2023, PrivatBank e o. (C‑78/21, EU:C:2023:137, n.º 53 e jurisprudência referida).


18      Esta evolução foi possível na sequência do Acórdão fundador de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905, v., nomeadamente, os n.os 13 e 17).


19      No que respeita à livre circulação de mercadorias, v., por exemplo, Acórdão de 7 de março de 1990, Krantz (C‑69/88, EU:C:1990:97, n.os 11 e 12). No que respeita à livre prestação de serviços, v. Acórdãos de 27 de abril de 2022, Airbnb Ireland (C‑674/20, EU:C:2022:303, n.º 42), e de 27 de outubro de 2022, Instituto do Cinema e do Audiovisual (C‑411/21, EU:C:2022:836, n.º 29). Em relação à livre circulação de capitais, v. Acórdão de 7 de setembro de 2023, Finanzamt G (Projetos de ajuda ao desenvolvimento) (C‑15/22, EU:C:2023:636, n.º 50).


20      V., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 1996, Semeraro Casa Uno e o. (C‑418/93 a C‑421/93, C‑460/93 a C‑462/93, C‑464/93, C‑9/94 a C‑11/94, C‑14/94, C‑15/94, C‑23/94, C‑24/94 e C‑332/94, EU:C:1996:242, n.º 32).


21      O artigo 823.º do Código Civil italiano trata da inalienabilidade do domínio público, enquanto o artigo 822.º, n.º 1, inclui as praias entre o tipo de bens que pertencem a esse domínio. Para uma discussão geral sobre as comunas, v. D’Alberti, M., Caporale, F., De Nitto, S., Meeting the Challenge of the Commons in Italy, in Mattei, U., Quarta, A., Valguarnera, F., Fisher, R. J., Property Meeting the Challenge of the Commons, Springer, Suíça, 2023, pp. 195‑221, em particular a p. 201.


22      Schmid, C. U., Hertel, C., Real Property Law and Procedure in the European Union, General Report, European University Institute (EUI) Florença/European Private Law Forum/Deutsches Notarinstitut (DNotI) Würzburg, 2005, p. 16.


23      A título acessório, a partir do momento em que a concessão é atribuída, é duvidoso que existam direitos adquiridos sobre a construção de estruturas inamovíveis no domínio público marítimo. Com efeito, essa construção está geralmente sujeita a uma autorização suplementar por parte das autoridades locais. Tal pode não ser necessariamente o caso das estruturas de fácil remoção.


24      Em todos os casos em que aplicou um critério «um efeito demasiado aleatório e indireto», o Tribunal de Justiça associou a possibilidade de excluir as proibições do Tratado à exigência de que a disposição em causa trate de forma igual todos os operadores económicos. V. nota de rodapé 19 das presentes Conclusões. V., igualmente, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Airbnb Ireland e Airbnb Payments UK (C‑83/21, EU:C:2022:1018, n.º 45).


25      V., por analogia, Acórdão Promimpressa, n.° 65.


26      V., neste sentido, Acórdãos de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o. (C‑681/11, EU:C:2013:404, n.° 41 e jurisprudência referida); de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570, n.° 62 e jurisprudência referida) e de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho (C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.° 153 e jurisprudência referida).


27      V., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Admiral Gaming Network e o. (C‑475/20 a C‑482/20, EU:C:2022:714, n.º 62 e jurisprudência referida).


28      Processo por incumprimento n.º 2008/4908. Posteriormente, este processo foi encerrado. A este respeito, v. Acórdão de 20 de abril de 2023, Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (Município de Ginosa) (C‑348/22, EU:C:2023:301, n.os 23 e 24).


29      Acórdão Promoimpresa, n.º 65, cujos princípios foram recentemente reiterados no Acórdão de 20 de abril de 2023, Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (Município de Ginosa) (C‑348/22, EU:C:2023:301).


30      Acórdão Laezza, n.os 22 a 24.


31      Acórdão Laezza, n.º 44.


32      Acórdão Laezza, n.º 22.


33      V., neste sentido, Acórdão Promoimpresa, n.º 47.


34      V. Acórdão de 30 de novembro de 1995, Gebhard, (C‑55/94, EU:C:1995:411, n.º 37), e de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria (C‑179/14, EU:C:2016:108, n.º 166 e jurisprudência referida).


35      O Tribunal de Justiça já admitiu a proteção do ambiente ou do turismo como razões imperiosas de ordem pública. V., por exemplo, Acórdão de 8 de junho de 2023, Prestige and Limousine (C‑50/21, EU:C:2023:448, n.° 69 e jurisprudência referida) e Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Yellow Cab Verkehrsbetrieb (C‑338/09, EU:C:2010:814, n.° 50), respetivamente. Os objetivos de natureza puramente económica não podem, em princípio, justificar uma restrição às liberdades do mercado. No entanto, o Tribunal de Justiça admitiu que o risco de prejudicar gravemente o equilíbrio dos recursos públicos pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral. V., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 1998, Kohll (C‑158/96, EU:C:1998:171, n.° 41).


36      Acórdão Laezza, n.º 23. V., igualmente, conclusões do advogado‑geral N. Wahl no Acórdão Laeeza (C‑375/14, EU:C:2015:788, n.º 62).


37      V., neste sentido, Promoimpresa, n.os 64 e 65.


38      V., neste sentido, Acórdãos de 20 de dezembro de 2017, Global Starnet (C‑322/16, EU:C:2017:985, n.º 50 e jurisprudência referida) e de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o. (C‑391/20, EU:C:2022:638, n.º 56).