Language of document : ECLI:EU:C:2024:127

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 8 de fevereiro de 2024 (1)

Processo C633/22

Real Madrid Club de Fútbol,

AE

contra

EE,

Société Éditrice du Monde SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.° 44/2001 — Reconhecimento e execução das decisões — Motivos de recusa — Violação da ordem pública do Estado requerido — Condenação de um jornal e de um dos seus jornalistas por danos à honra de um clube desportivo»






I.      Introdução

1.        O Regulamento (CE) n.° 44/2001 (2), também conhecido pelo nome de Regulamento Bruxelas I, em sintonia com a tradição consolidada pelos próprios Estados‑Membros a partir da Convenção relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em matéria civil e comercial (3), previa as regras uniformes relativas ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial proferidas nos Estados‑Membros. Segundo estas regras, para que uma decisão proferida num Estado‑Membro (a seguir «Estado‑Membro de origem») possa ser executada noutro Estado‑Membro (a seguir «Estado‑Membro requerido»), este último deve atribuir o exequatur à mesma.

2.        O Regulamento Bruxelas I foi substituído pelo Regulamento (UE) n.° 1215/2012 (4) (a seguir «Regulamento Bruxelas I‑A»), que vai mais longe do que o seu antecessor e instaura um sistema de execução automática («sem necessidade de qualquer procedimento específico») das decisões em matéria civil e comercial proferidas nos Estados‑Membros.

3.        No entanto, segundo as disposições destes dois regulamentos, referindo‑se à solução tradicional do direito internacional privado, um Estado‑Membro requerido tem o direito de recusar a execução de uma sentença que viole a sua ordem pública.

4.        É certo que pode arguir que a existência de uma exceção de ordem pública constitui uma condição necessária e inevitável para a liberalização das exigências estabelecidas para atribuir às decisões estrangeiras a executoriedade no território de um Estado‑Membro requerido: este último será menos reticente em aceitar as decisões estrangeiras se dispuser de uma válvula de segurança que lhe permita ter a última palavra no que se refere aos efeitos produzidos pelas mesmas no seu território.

5.        A especificidade do presente processo reside no facto de o exequatur de decisões proferidas num Estado‑Membro de origem ter sido recusado porque a execução dessas decisões colidia com a liberdade de expressão garantida no artigo 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Este processo dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de clarificar as modalidades de aplicação da cláusula de ordem pública nessa situação e, também, de especificar o alcance da sua competência em matéria prejudicial.

II.    Quadro jurídico

6.        O capítulo III do Regulamento Bruxelas I, intitulado «Reconhecimento e execução», inclui três secções intituladas «Reconhecimento» (artigos 33.° a 37.°), «Execução» (artigos 38.° a 52.°) e «Disposições comuns» (artigos 53.° a 56.°), bem como o conceito de «decisão» (artigo 32.°).

7.        O artigo 33.° deste regulamento, que dá início à secção 1 do capítulo III relativo ao reconhecimento das decisões proferidas num Estado‑Membro diferente daquele em o reconhecimento é invocado, prevê, no seu n.° 1, que «[a]s decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo».

8.        O artigo 34.°, ponto 1, do referido regulamento dispõe que uma decisão não será reconhecida se «o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido».

9.        O artigo 36.° do mesmo regulamento estabelece que, «[a]s decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objeto de revisão de mérito».

10.      O artigo 38.° do Regulamento Bruxelas I, que dá início à secção 2 do capítulo III relativo à execução de decisões proferidas noutros Estados‑Membros, prevê, no seu n.° 1:

«As decisões proferidas num Estado‑Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.»

11.      O artigo 41.° deste regulamento dispõe que «[a] decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53.°, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34.° e 35.° A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo».

12.      O artigo 43.°, n.° 1, do referido regulamento estabelece que «[q]ualquer das partes pode interpor recurso da decisão sobre o pedido de declaração de executoriedade».

13.      Nos termos do artigo 45.° do mesmo regulamento:

«1.      O tribunal onde foi interposto recurso ao abrigo dos artigos 43.° ou 44.° apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34.° e 35.° Este tribunal decidirá sem demora.

2.      As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objeto de revisão de mérito.»

14.      O artigo 48.° do Regulamento Bruxelas I prevê:

«1.      Quando a decisão estrangeira se tiver pronunciado sobre vários pedidos e a declaração de executoriedade não puder ser proferida quanto a todos, o tribunal ou a autoridade competente profere‑a relativamente a um ou vários de entre eles.

2.      O requerente pode pedir uma declaração de executoriedade limitada a partes de uma decisão.»

III. Antecedentes de facto:

15.      O jornal Le Monde publicou, em 7 de dezembro de 2006, um artigo no qual o autor, EE, jornalista do quadro de pessoal deste jornal, afirmava que os clubes de futebol Real Madrid e FC Barcelona tinham recorrido aos serviços do médico X. Fuentes, o instigador de uma rede de dopagem no ciclismo. Na primeira página figurava um excerto do artigo, acompanhado de uma ilustração legendada «Dopagem: depois do ciclismo o futebol», que representava um ciclista vestido com as cores da bandeira espanhola e rodeado de pequenos futebolistas e de seringas. Muitos meios de comunicação social, nomeadamente espanhóis, fizeram referência a esta publicação.

16.      Em 23 de dezembro de 2006, o jornal Le Monde publicou, sem nenhum comentário, o desmentido enviado pelo Real Madrid.

17.      Este clube e um membro da sua equipa médica, os recorrentes no processo principal, intentaram no Juzgado de Primera Instancia n.° 19 de Madrid (Tribunal de Primeira Instância n.° 19 de Madrid, Espanha) uma ação de indemnização por danos à respetiva honra contra a Société Éditrice du Monde e contra o jornalista, autor do artigo em questão, os recorridos no processo principal.

18.      Por sentença de 27 de fevereiro de 2009, este tribunal condenou os recorridos no processo principal a pagar as quantias de 300 000 euros ao Real Madrid e de 30 000 euros ao membro da sua equipa médica e ordenou que a sua decisão fosse publicada no jornal Le Monde. Os recorridos no processo principal interpuseram recurso desta sentença na Audiencia Provincial de Madrid (Audiência Provincial de Madrid, Espanha), que, no essencial, a confirmou. O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) negou provimento ao recurso interposto desta última decisão por acórdão de 24 de fevereiro de 2014.

19.      O Tribunal de Primeira Instância n.° 19 de Madrid ordenou, por despacho de 11 de julho de 2014 (5), a execução solidária da decisão do Supremo Tribunal e o pagamento ao Real Madrid da quantia de 390 000 euros a título de capital, juros e despesas, e posteriormente, por despacho de 9 de outubro de 2014, a execução desta decisão e o pagamento ao membro da equipa médica do clube da quantia de 33 000 euros a título de capital, juros e despesas.

20.      Em 15 de fevereiro de 2018, o diretor de serviços da secretaria judicial do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França) apôs duas declarações de executoriedade a estes despachos.

21.      Por acórdãos de 15 de setembro de 2020, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) revogou essas declarações. Por considerar os despachos de 11 de julho e de 9 de outubro de 2014 manifestamente contrários à ordem pública internacional francesa, declarou que os mesmos não podem ser executados em França.

22.      A este respeito, o Tribunal de Recurso de Paris salientou, num primeiro momento, que os órgãos jurisdicionais espanhóis tinham proferido as condenações em causa com base no artigo 9.°, n.° 3, da Ley Orgánica 1/1982, de protección civil del derecho al honor, a la intimidad personal y familiar y a la propia imagen (Lei orgânica 1/1982, relativa à Proteção Civil do Direito à Honra, à Vida Privada e Familiar e à Própria Imagem), de 5 de maio de 1982 (BOE de 14 de maio de 1982, p. 11 196), sem que o Real Madrid tenha invocado um dano patrimonial. Além disso, o acórdão da Audiência Provincial de Madrid, confirmado pelo Supremo Tribunal, considerou que, uma vez que o dano era geralmente associado ao dano moral, era difícil quantificá‑lo em termos económicos.

23.      O Tribunal de Recurso de Paris observou, num segundo momento, que, no tribunal espanhol, apenas era objeto de discussão a repercussão mediática do artigo em causa, desmentido pelos meios de comunicação social espanhóis, de modo que o dano sofrido devido à repercussão tinha sido limitado pelo desmentido efetuado pelos órgãos de imprensa locais, cujos leitores são maioritariamente espanhóis.

24.      Num terceiro momento, esse tribunal declarou, em primeiro lugar, que as condenações no pagamento dos montantes de 300 000 euros, a título de capital, e de 90 000 euros, a título de juros, recaem sobre uma pessoa singular e sobre a sociedade editora de um jornal, cujas contas revelam que esse montante representa 50 % do seu prejuízo líquido e 6 % dos seus fundos de tesouraria em 31 de dezembro de 2017; em segundo lugar, que as condenações do jornalista no pagamento dos montantes de 30 000 euros, a título de capital e de 3 000 euros, a título de juros, acrescem às anteriores; e, em terceiro lugar, que é extremamente raro que o montante da indemnização fixada por danos à honra ou à consideração ultrapasse 30 000 euros, uma vez que, na lei francesa, a difamação de particulares, é punida com pena de multa até 12 000 euros.

25.      O Tribunal de Recurso de Paris concluiu que as condenações em causa tinham um efeito dissuasivo sobre a participação dos recorridos no processo principal na discussão pública de assuntos com interesse para a coletividade, suscetível de criar dificuldades aos meios de comunicação social no que respeita ao cumprimento da sua função de informação e de fiscalização, pelo que o reconhecimento ou a execução das decisões que aplicaram essas condenações afetavam de forma inaceitável a ordem pública internacional francesa, dado que violavam a liberdade de expressão.

26.      Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso dos acórdãos do Tribunal de Recurso de Paris na Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo. Alegaram, em primeiro lugar, que a fiscalização da proporcionalidade da indemnização apenas pode ocorrer quando esta tem caráter punitivo e não compensatório; em segundo lugar, tinham invocado que ao substituir a apreciação do dano efetuada pelo juiz de origem pela sua própria apreciação, o Tribunal de Recurso de Paris procedera à revisão das decisões espanholas, violando o artigo 34.°, ponto 1, e o artigo 36.° do Regulamento Bruxelas I; e, em terceiro lugar, que o Tribunal de Recurso de Paris não teve em consideração a gravidade dos atos danosos imputados pelo juiz espanhol e que a situação económica das pessoas condenadas não era pertinente para a apreciação do caráter desproporcionado das condenações, o qual, em todo o caso, não devia ser apreciado à luz das normas nacionais.

27.      Os recorridos no processo principal alegaram, em substância, que o Tribunal de Recurso de Paris, sem proceder à revisão de mérito das decisões espanholas, recusara acertadamente reconhecer a executoriedade destas, dado o caráter desproporcionado das condenações aplicadas que, assim, violavam manifestamente a liberdade de expressão e, por conseguinte, a ordem pública internacional.

28.      Na exposição de motivos que o levaram a formular as questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, por um lado, à jurisprudência do Tribunal de Justiça decorrente do Acórdão Krombach (6). Chamou a atenção para a passagem deste acórdão que, ao fazer referência ao Acórdão Johnston (7), considera que estabelece um nexo entre os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça e a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») (8).

29.      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), no que respeita ao nível de proteção, o artigo 10.°, n.° 2, da CEDH não deixa margem para restrições à liberdade de expressão em dois âmbitos: o do discurso político e o das questões de interesse geral. Uma publicação que tenha por objeto questões relativas ao desporto é abrangida neste âmbito (9). Além disso, considera que o efeito dissuasivo de uma condenação no pagamento de uma indemnização constitui um parâmetro de apreciação da proporcionalidade de uma medida de reparação das declarações difamatórias. Alega, ainda, que no que respeita à liberdade de expressão dos jornalistas, há que assegurar que o montante da indemnização aplicada às sociedades de imprensa não seja suscetível de ameaçar os seus fundamentos económicos (10).

IV.    Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

30.      Nestas circunstâncias, o Tribunal de Cassação, por decisão de 28 de setembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de outubro de 2022, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 34.° e 36.° do Regulamento [Bruxelas I] e o artigo 11.° da [Carta] ser interpretados no sentido de que uma condenação por ofensa à honra de um clube desportivo devido a uma informação publicada por um jornal é suscetível de violar manifestamente a liberdade de expressão e pode constituir, assim, um fundamento de recusa de reconhecimento e execução?

2)      Em caso de resposta afirmativa, devem estas disposições ser interpretadas no sentido de que o caráter desproporcionado da condenação só pode ser considerado pelo juiz [do Estado‑Membro] que é chamado a pronunciar‑se quando a indemnização é qualificada de punitiva pelo órgão jurisdicional [do Estado‑Membro] de origem ou pelo juiz [do Estado‑Membro] que é chamado a pronunciar‑se e não quando é fixada a título de reparação de um dano moral?

3)      Devem essas disposições ser interpretadas no sentido de que o juiz [do Estado‑Membro] chamado a pronunciar‑se só pode basear‑se no efeito dissuasivo da condenação tendo em conta os recursos da pessoa condenada ou pode considerar outros elementos, como a gravidade da falta ou a extensão do dano?

4)      O efeito dissuasivo tendo em conta os recursos do jornal pode constituir, por si só, um fundamento de recusa de reconhecimento ou execução por manifesta violação do princípio fundamental da liberdade de imprensa?

5)      O efeito dissuasivo deve ser entendido como uma ameaça para o equilíbrio financeiro do jornal ou pode consistir num mero efeito intimidatório?

6)      O efeito dissuasivo deve ser apreciado do mesmo modo em relação à sociedade editora de um jornal e em relação a um jornalista, pessoa singular?

7)      A situação económica geral da imprensa escrita constitui uma circunstância pertinente para apreciar se, além do caso do jornal em causa, a condenação é suscetível de exercer um efeito intimidatório sobre toda a comunicação social?»

31.      As partes no processo principal, os Governos Francês, Espanhol e Alemão, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. As partes no processo principal, os Governos Francês, Espanhol e Alemão, bem como a Comissão, estiveram representados na audiência realizada em 17 de outubro de 2023.

V.      Análise

A.      Reformulação das questões prejudiciais

32.      Antes de proceder à respetiva análise, considero útil tecer algumas considerações prévias sobre as presentes questões na medida em que se referem aos artigos 34.° e 36.° do Regulamento Bruxelas I, incluídos na secção 1 do capítulo III deste regulamento, intitulada «Reconhecimento».

33.      No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio pronuncia‑se sobre um recurso interposto dos acórdãos pelos quais os órgãos jurisdicionais franceses revogaram declarações de executoriedade das decisões espanholas em França. Daqui resulta que as disposições aplicáveis do Regulamento Bruxelas I são sobretudo as relativas à execução das decisões proferidas num Estado‑Membro diferente daquele em que é requerida a execução, incluídas na secção 2 desse capítulo, intitulada «Execução», e, nomeadamente, o artigo 45.° do mesmo regulamento.

34.      Deste modo, antes de mais, por um lado, no que se refere ao artigo 34.° do Regulamento Bruxelas I, o seu artigo 45.°, n.° 1, prevê que os motivos de recusa de reconhecimento, incluindo o relativo à ordem pública do Estado‑Membro requerido (artigo 34.°, ponto 1) são também motivos de recusa da execução. Por outro lado, no que se refere ao artigo 45.°, n.° 2, do Regulamento Bruxelas I, o seu conteúdo é praticamente idêntico ao do artigo 36.° do mesmo regulamento e confirma que a proibição de uma revisão de mérito é também aplicável à impugnação da executoriedade de decisão proferida num Estado‑Membro diferente daquele em que a execução é requerida.

35.      Importa, portanto, entender a referência aos artigos 34.° e 36.° do Regulamento Bruxelas I no sentido de que visa o artigo 45.°, n.° 1, deste regulamento, conjugado com o artigo 34.°, ponto 1, e o artigo 45.°, n.° 2, do mesmo. Devo salientar que o órgão jurisdicional de reenvio parece estar consciente de que as disposições relativas à execução das decisões são também aplicáveis ao processo principal. Com efeito, embora as questões prejudiciais mencionem apenas os artigos 34.° e 36.° do referido regulamento, delas resulta que este órgão jurisdicional pretende saber se, no caso concreto, existe um motivo de recusa de reconhecimento e execução.

36.      Em seguida, a formulação da primeira questão leva a crer que o órgão jurisdicional de reenvio visa apenas os autos processuais nos quais um «jornal» foi condenado por danos à honra de um clube desportivo. No entanto, este órgão jurisdicional foi chamado a pronunciar‑se sobre recursos interpostos de acórdãos proferidos em dois processos diferentes intentados, por um lado, contra a sociedade editora do jornal no qual foi publicado o artigo controvertido e por outro, contra o seu jornalista, autor do dito artigo, pelo clube desportivo e por um membro da sua equipa médica. Por outro lado, com a sua sexta questão prejudicial, pretende saber se, em função das características individuais de um recorrido, deve proceder a uma diferente apreciação das condições de aplicação da cláusula de ordem pública.

37.      Por último, proponho analisar conjuntamente todas as questões prejudiciais. Com efeito, ao passo que a primeira questão tem um caráter bastante geral, outras questões referem‑se a aspetos específicos da apreciação a efetuar pelo juiz do Estado‑Membro requerido chamado a decidir um recurso da declaração de executoriedade de uma decisão proferida no Estado‑Membro de origem. No entanto, estas questões reconduzem‑se ao mesmo problema jurídico e dizem respeito a diversos aspetos que o órgão jurisdicional de reenvio deve controlar, no âmbito dos recursos de que conhece. Além disso, responder à primeira questão prejudicial sem dar relevo a essa resposta com considerações relativas aos referidos aspetos específicos podia induzir em erro quanto às modalidades de aplicação da cláusula de ordem pública.

38.      Nestas condições, há que entender as questões prejudiciais no sentido de que, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 45.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I, conjugado com o artigo 34.°, ponto 1, e com o artigo 45.°, n.° 2, do mesmo, bem como com o artigo 11.° da Carta, devem ser interpretados no sentido de que um Estado‑Membro, no qual é requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro, que tem por objeto a condenação de uma sociedade editora de um jornal e de um jornalista por danos à honra de um clube desportivo e de um membro da sua equipa médica por uma informação publicada nesse jornal, pode recusar ou revogar uma declaração de executoriedade desta decisão pelo facto de a mesma acarretar uma violação manifesta da liberdade de expressão consagrada no artigo 11.° da Carta.

39.      Para responder de forma útil a esta questão, exporei desde logo algumas considerações gerais sobre a cláusula de ordem pública (B); em seguida, analisarei o artigo 11.° da Carta atendendo às dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio (C), bem como os critérios de apreciação da violação manifesta da liberdade consagrada nesta disposição (D). Por último, debruçar‑me‑ei sobre a presunção de proteção equivalente resultante da jurisprudência do TEDH (E).

B.      Considerações gerais relativas à cláusula de ordem pública

40.      Uma vez que, como referi, a Convenção de Bruxelas foi substituída pelo Regulamento Bruxelas I, a interpretação que o Tribunal de Justiça deu da referida convenção continua a aplicar‑se em relação às correspondentes disposições do regulamento. É o caso do artigo 34.°, ponto 1, do regulamento, que substituiu o artigo 27.°, n.° 1, daquela convenção. Embora, diferentemente do regulamento supramencionado, a convenção não previsse expressamente que o reconhecimento ou a execução de uma decisão devem ser «manifestamente» contrários à ordem pública do Estado‑Membro requerido para que não se reconheça esta decisão, o Tribunal de Justiça interpretou sempre a Convenção de Bruxelas neste sentido.

1.      Conceito de «ordem pública»

a)      Fórmula clássica relativa à cláusula de ordem pública

41.      O conceito de «ordem pública» é objeto de jurisprudência abundante do Tribunal de Justiça. Nesta jurisprudência, o Tribunal de Justiça teve também o cuidado de especificar o alcance da sua própria competência em matéria prejudicial e a do tribunal do Estado‑Membro requerido.

42.      Resulta da jurisprudência decorrente do Acórdão Krombach (11) que, embora os Estados‑Membros permaneçam, em princípio, livres para, ao abrigo da reserva constante do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I, e em conformidade com as suas conceções nacionais, determinar as exigências da sua ordem pública, os limites do conceito de «ordem pública» fazem parte da interpretação desse regulamento.

43.      Assim, e segundo uma fórmula clássica da jurisprudência, embora não caiba ao Tribunal de Justiça definir o conteúdo da ordem pública de um Estado‑Membro, incumbe‑lhe contudo controlar os limites no quadro dos quais o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro requerido pode recorrer ao conceito de «ordem pública» (12).

44.      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no que respeita ao conceito de «ordem pública» enunciado no artigo 34.° do Regulamento Bruxelas I, que esta disposição deve ser objeto de interpretação estrita, uma vez que constitui um obstáculo à realização de um dos objetivos fundamentais deste regulamento, a saber, a livre circulação das decisões judiciais (13). Precisou que a cláusula de ordem pública só deve ser aplicada em casos excecionais (14).

45.      Por outro lado, o Tribunal de Justiça sublinhou que, ao proibir a revisão de mérito, este regulamento proíbe o órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido de recorrer à cláusula de ordem pública com base apenas no facto de existir uma divergência entre as leis aplicáveis e de controlar a exatidão das apreciações jurídicas ou da matéria de facto levadas a cabo pelo órgão jurisdicional do Estado de origem (15).

46.      Por conseguinte, a cláusula de ordem pública só se aplica, desde que a execução da decisão em causa no Estado requerido acarrete uma violação manifesta de uma regra de direito considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica (16).

47.      Esta fórmula clássica deve ser completada por dois elementos que restringem ainda mais a interpretação do conceito de «ordem pública».

b)      Direitos fundamentais

48.      O primeiro elemento diz respeito aos direitos fundamentais.

49.      O Tribunal de Justiça declarou que o tribunal do Estado‑Membro requerido que executa o direito da União ao aplicar o Regulamento Bruxelas I deve sujeitar‑se às exigências decorrentes do artigo 47.° da Carta (17). Por outro lado, as disposições deste regulamento devem ser interpretadas à luz dos direitos fundamentais que são parte integrante dos princípios gerais e que estão atualmente consagrados na Carta (18).

50.      Até à presente data, a jurisprudência do Tribunal de Justiça neste domínio centrava‑se nos direitos de defesa e nas garantias de ordem processual (19). Todavia, o artigo 47.° da Carta não se esgota, de forma alguma, na proteção destes direitos.

51.      Com efeito, segundo a jurisprudência do TEDH, o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, a que corresponde o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, é aplicável à execução de uma decisão judicial estrangeira transitada em julgado (20) e a recusa de atribuir exequatur a essa decisão pode constituir uma ingerência no direito de um requerente a um processo equitativo (21).

52.      Como observou um autor (22), as sentenças, quer sejam declarativas ou constitutivas, veiculam direitos substantivos. Cumprem o mesmo papel num contexto transfronteiriço, quando o reconhecimento ou a execução de uma sentença proveniente de outro Estado‑Membro são pedidos no Estado‑Membro requerido. Fazendo eco desta consideração, o TEDH teve o cuidado, na sua jurisprudência, de proteger esses direitos substantivos assentes nas disposições da CEDH mesmo quando se tratava de situações não circunscritas ao território de um único Estado (23).

53.      Como alegam determinados autores (24), na sua jurisprudência, o TEDH inferiu também do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH a existência de um direito processual ao reconhecimento e à execução de uma sentença proferida no estrangeiro, direito que se baseia no conceito de «processo equitativo», na aceção da mesma disposição.

54.      A este respeito, há que sublinhar que a doutrina não se pronunciou unanimemente a favor dessa leitura específica da jurisprudência do TEDH.

55.      Com efeito, existe um debate que diz respeito, nomeadamente, por um lado, aos contornos desse «direito» e ao seu lugar no sistema dos Tratados (25) e, por outro lado, à necessidade de ponderar este «direito» com os direitos fundamentais do recorrido (26). Uma outra crítica parece visar a impossibilidade de inferir a existência de um «direito» do reconhecimento e a execução da declaração, pelo TEDH, de uma violação do artigo 6.° da CEDH (27). Todavia, esta última crítica não me convence. Há que sublinhar que o Regulamento Bruxelas I, visto que consagra o princípio de que a decisão proferida noutro Estado‑Membro é executada depois de ter sido declarada executória e enuncia exaustivamente os motivos de recusa da execução, reconhece a existência de um direito dessa natureza (28).

56.      Na interpretação dos direitos garantidos pelo artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, o Tribunal de Justiça deve ter em conta os direitos correspondentes garantidos pelo artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, como interpretados pelo TEDH, enquanto limiar de proteção mínima (29). Na minha opinião, o Tribunal de Justiça deveria, assim, reconhecer ao recorrente uma proteção equivalente à que resulta da jurisprudência do TEDH quando este, em conformidade com o Regulamento Bruxelas I, requer o reconhecimento ou a execução de uma decisão judicial proferida noutro Estado‑Membro.

57.      O mesmo deveria aplicar‑se quando a pretensão invocada pelo recorrente no tribunal do Estado‑Membro de origem não tem o seu fundamento material no direito da União. É certo que, embora o tribunal do Estado‑Membro de origem baseie a sua competência no Regulamento Bruxelas I, a Carta não é aplicável no referido tribunal no que respeita ao mérito (30). Em contrapartida, no tribunal do Estado‑Membro requerido, este mesmo regulamento, dado que consagra o princípio mencionado no n.° 55 das presentes conclusões e enuncia exaustivamente os motivos de recusa da execução, incluindo o decorrente da ordem pública (31), e, por conseguinte, a Carta, são aplicáveis (32).

58.      Esse caráter autónomo do «direito» à execução de uma decisão judicial em matéria civil e comercial, consagrado no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, corresponde à solução adotada pelo TEDH na sua jurisprudência relativa ao artigo 6.°, n.° 1, da CEDH (33).

59.      O «direito» assim definido não é, no entanto, absoluto (34). Pode ser objeto de restrições, porquanto respondem às exigências do artigo 52.°, n.° 1, da Carta. A este respeito, é ponto assente que a restrição do referido direito em caso de violação manifesta da ordem pública deve considerar‑se prevista por lei por resultar do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I. Esta restrição respeita o conteúdo essencial deste direito. Com efeito, a mesma não o põe em causa enquanto tal, uma vez que tem por efeito excluir, em condições específicas e enquadradas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, a execução de uma decisão judicial (35). No entanto, a referida restrição também deve ser necessária e responder efetivamente a um dos objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdade de outrem.

c)      A confiança mútua

1)      A confiança mútua à luz da jurisprudência

60.      O segundo elemento que deve completar a fórmula clássica decorrente da jurisprudência do Tribunal de Justiça é a confiança mútua. Com efeito, este elemento reside no facto de a recusa do reconhecimento ou da execução de uma decisão judicial proferida num Estado‑Membro colidir com a confiança recíproca entre os Estados‑Membros na administração da justiça no seio da União, na qual assenta o regime de reconhecimento e execução estabelecido pelo Regulamento Bruxelas I. Esta confiança não resulta unicamente da opção legislativa das instituições da União. O seu fundamento encontra‑se no direito primário (36).

61.      A circunstância de a referência à confiança mútua não constar desta fórmula clássica é explicada pelo facto de, no momento da consagração da mesma no Acórdão Krombach, nem o direito da União nem o Tribunal de Justiça terem ainda reconhecido abertamente o papel desta confiança no que se refere à vertente civil e comercial do espaço de liberdade, segurança e justiça.

62.      Mais importante ainda, é esta confiança que os Estados‑Membros conferem mutuamente aos seus sistemas jurídicos e às suas instituições judiciais que permite considerar que, em caso de aplicação errada do direito nacional ou do direito da União, o sistema das vias de recurso implementado em cada Estado‑Membro, completado pelo mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.° TFUE, fornece aos particulares uma garantia suficiente (37).

63.      Segundo o Tribunal de Justiça, com efeito, o Regulamento Bruxelas I assenta na ideia fundamental segundo a qual os particulares estão, em princípio, obrigados a utilizar todas as vias de recurso disponibilizadas pelo direito do Estado‑Membro de origem. Salvo no caso de existirem circunstâncias particulares que tornem demasiado difícil ou impossível o exercício das vias de recurso no Estado‑Membro de origem, os particulares devem utilizar neste Estado‑Membro todas as vias de recurso disponíveis para evitar, a montante, uma violação da ordem pública (38).

2)      A confiança mútua e a dimensão material da ordem pública

64.      As considerações constantes dos n.os 62 e 63 das presentes conclusões foram formuladas pelo Tribunal de Justiça no contexto de alegadas violações de garantias de ordem processual cujas repercussões eram suscetíveis de violar a ordem pública do Estado‑Membro requerido. Em contrapartida, o presente processo dá ao Tribunal de Justiça oportunidade de se debruçar sobre a interpretação do direito da União na situação em que a alegada violação da ordem pública do Estado‑Membro requerido resultaria da violação de direitos de ordem material.

65.      Do ponto de vista da confiança mútua e dos sistemas de vias de recurso implementados em cada Estado‑Membro, essa situação apresenta uma dificuldade acrescida.

66.      Com efeito, é certo que, como o Tribunal de Justiça parece querer sublinhar nas suas considerações jurisprudenciais, a confiança que os Estados‑Membros se reconhecem mutuamente não diz respeito apenas às matérias abrangidas pelo direito da União («caso de aplicação errada [...] do direito da União») mas também às que não são por ele abrangidas («caso de aplicação errada do direito nacional»).

67.      Todavia, quando a pretensão invocada por um requerente no tribunal do Estado‑Membro de origem não tem o seu fundamento material no direito da União, podem suscitar‑se dúvidas sobre a possibilidade de submeter ao Tribunal de Justiça, no âmbito deste processo, uma questão prejudicial relativa a uma disposição da Carta que consagra um direito ou uma liberdade de natureza material.

68.      No caso vertente, uma vez que a pretensão dos recorrentes no processo principal não parece ter o seu fundamento material no direito da União (39), os recorridos no mesmo processo não podem invocar, no tribunal do Estado‑Membro de origem, o artigo 11.° da Carta para alegar que essa pretensão colide com a sua liberdade de expressão garantida nesta disposição (40). Todavia, por um lado, poderiam ter invocado (e, de acordo com os esclarecimentos prestados na audiência, fizeram‑no) o artigo 10.° da CEDH, bem como disposições constitucionais nacionais que consagram esta liberdade e, além disso, ter intentado uma ação no TEDH contra o Estado‑Membro de origem. Por outro lado, a interpretação do direito da União aplicada pelo tribunal do Estado‑Membro requerido não pode ignorar a necessidade de assegurar uma proteção pelo menos equivalente à oferecida pela CEDH (41).

69.      Nesta perspetiva, a Carta e a CEDH constituem, em matéria civil e comercial, um conjunto complementar da proteção dos valores fundamentais para a União e para os Estados‑Membros. É, aliás, esta complementaridade que, atendendo ao facto de o direito da União não se aplicar a todas as situações, contribui para a confiança mútua entre os Estados‑Membros.

70.      Do mesmo modo, o TEDH reconhece que, do ponto de vista da proteção dos direitos garantidos pela CEDH, os papéis desempenhados respetivamente pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de origem e do Estado‑Membro requerido são diferentes, sem que daí resulte um funcionamento deficiente do mecanismo de controlo do respeito dos direitos garantidos pela mesma Convenção (42). É certo que, segundo o TEDH, quando uma acusação séria e fundamentada, no âmbito da qual é alegado que se está em presença de uma insuficiência manifesta de proteção de um direito garantido pela CEDH, é submetida ao tribunal do Estado‑Membro requerido e que o direito da União não permite corrigir esta insuficiência, o tribunal não pode recusar a apreciação desta acusação pelo simples facto de que aplica o direito da União (43). Todavia, não é o que acontece no caso vertente. Com efeito, a cláusula de ordem pública constitui efetivamente um instrumento previsto pelo direito da União, que permite ao tribunal do Estado‑Membro requerido corrigir qualquer insuficiência manifesta da dita proteção.

2.      O conteúdo da ordem pública e o papel do Tribunal de Justiça em matéria prejudicial

a)      Exposição do problema

71.      Em situações tradicionais, quando se suscita a questão de saber se o reconhecimento ou a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro colide com um princípio, ou mesmo um conceito nacional do Estado‑Membro requerido, o tribunal deste Estado‑Membro não pode invocar a cláusula de ordem pública sem identificar previamente um princípio fundamental da sua própria ordem jurídica que o reconhecimento ou a execução infringissem (44). Por outras palavras, cabe‑lhe identificar e qualificar esse elemento do seu ordenamento jurídico como fundamental. É a consequência direta do facto de, como confirma a fórmula clássica da jurisprudência do Tribunal de Justiça, caber aos Estados‑Membros definir, «em conformidade com as suas conceções nacionais», o conteúdo da ordem pública dos respetivos ordenamentos jurídicos.

72.      Por sua vez, o Tribunal de Justiça pode, na sua missão de interpretação do conceito de «ordem pública» e sem ultrapassar os limites da sua própria competência em matéria prejudicial, esclarecer o órgão jurisdicional de reenvio sobre a questão de saber se a tensão entre as consequências do reconhecimento ou da execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro e o princípio invocado contra o reconhecimento ou a execução constitui uma violação manifesta desse princípio.

73.      No caso vertente, o elemento da ordem pública do Estado‑Membro requerido cuja violação é suscetível de justificar o recurso à cláusula de ordem pública é abrangido pelo direito de ordem material garantido no artigo 11.° da Carta. Com efeito, embora o Tribunal de Recurso de Paris saliente o facto de a execução das decisões espanholas colidir de modo inaceitável com a ordem pública internacional francesa, está a referir‑se apenas à liberdade de expressão garantida pela Carta.

74.      A este respeito, o Tribunal de Justiça teve igualmente oportunidade de se pronunciar, em vários processos, sobre o recurso à cláusula de ordem pública quando este se equaciona pelo facto de o tribunal do Estado‑Membro de origem ter cometido um erro na aplicação do direito da União e que as repercussões deste erro colidiam com a ordem pública do Estado‑Membro requerido.

75.      A leitura da jurisprudência relativa à cláusula de ordem pública permite considerar que, na maior parte destes processos, a questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça tinha origem nesse erro de ordem processual e dizia respeito ao direito de defesa no sentido amplo do termo. Em substância, resulta desta jurisprudência que uma violação manifesta e desmesurada do direito do requerido a um processo equitativo, referido no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, justifica a aplicação da cláusula de ordem pública (45). É, assim, ponto assente que, em determinados casos, uma violação dos direitos fundamentais pode justificar o recurso a essa cláusula.

76.      O facto de a cláusula de ordem pública, na dimensão material, ter tido menos aceitação do que a cláusula de ordem pública na sua dimensão processual resulta provavelmente do papel desempenhado pela proibição da revisão de mérito, que obsta a que o tribunal do Estado‑Membro requerido volte a apreciar a substância do processo que já foi julgado (46). Por tal motivo, é necessária prudência na aplicação à ordem pública na sua dimensão material da jurisprudência relativa à ordem pública na sua dimensão processual. A questão que se suscita é, assim, a de saber quais são as implicações dessa configuração quanto à aplicação da cláusula de ordem pública pelo tribunal do Estado‑Membro requerido, bem como sobre o papel do Tribunal de Justiça em matéria prejudicial. Para responder a esta questão, há que examinar atentamente a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça.

b)      Jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça

1)      Quanto ao Acórdão Renault

77.      No processo que deu origem ao Acórdão Renault (47), suscitava‑se, nomeadamente, a questão de saber se um erro eventualmente cometido pelo juiz do Estado‑Membro de origem na aplicação dos princípios da livre circulação de mercadorias e da livre concorrência é suscetível de alterar as condições de recurso à cláusula de ordem pública. O Tribunal de Justiça respondeu de forma negativa, considerando que cabe ao juiz nacional garantir com a mesma eficácia a proteção dos direitos estabelecidos pela ordem jurídica nacional e dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (48). No entanto, a conclusão que estas condições são as mesmas quando se trata de uma violação do direito nacional e do direito da União não implica que o mesmo se aplique no que respeita ao papel do Tribunal de Justiça em matéria prejudicial.

78.      A este respeito, nenhum elemento do Acórdão Renault permite determinar se o órgão jurisdicional de reenvio pressupôs que o erro eventual na aplicação do direito primário constituía uma violação manifesta do princípio fundamental da ordem pública do Estado‑Membro requerido.

79.      A leitura das Conclusões do advogado‑geral S. Alber neste processo sugere que o órgão jurisdicional de reenvio se absteve de tomar posição sobre esta questão. Esse órgão jurisdicional limitou‑se a observar que a jurisprudência do Tribunal de Justiça suscitava dúvidas quanto ao verdadeiro alcance dos princípios alegadamente violados pelo tribunal do Estado‑Membro de origem e que estes princípios deviam ser considerados como princípios de ordem pública (49).

80.      Ao invés, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão Renault, que «[n]ão constitui[ndo] um erro eventual de direito, tal como o que está em causa no processo principal, uma violação manifesta de uma regra de direito essencial na ordem jurídica do Estado requerido» (50). Esta passagem sugere que quando o recurso à cláusula de ordem pública é equacionado pelo facto de o reconhecimento ou a execução de uma decisão judicial colidir com um elemento do ordenamento jurídico do Estado‑Membro requerido, que seja da sua competência pelo facto de este Estado‑Membro pertencer à União, tanto a questão de saber se se trata de um princípio fundamental deste ordenamento como, se for o caso, a de saber se o reconhecimento ou a execução de uma decisão judicial colide manifestamente com esse princípio fundamental podem, ou mesmo devem, ser clarificadas pelo Tribunal de Justiça na sua missão de interpretação do direito da União. Esta consideração é confirmada pela leitura da jurisprudência mais recente.

2)      Quanto ao Acórdão Diageo Brands

81.      No processo que deu origem ao Acórdão Diageo Brands (51), uma das questões prejudiciais pressupunha que o erro na aplicação das disposições do direito secundário relativas ao esgotamento do direito conferido pela marca levaria à adoção de uma decisão que era «manifestamente contrária ao direito da União». Em substância, no seu acórdão, ao fazer referência a uma harmonização mínima efetuada por essas disposições, o Tribunal de Justiça salientou que não se pode considerar que esse erro na aplicação dessas disposições violaria de maneira inaceitável a ordem jurídica da União na medida em que infringia um princípio fundamental desta (52). Como no Acórdão Renault, o Tribunal de Justiça caracterizou, assim, o elemento do ordenamento jurídico do Estado‑Membro requerido para estabelecer se este elemento constituía um princípio fundamental desse ordenamento jurídico, analisando em seguida a alegada violação sob a perspetiva do seu carácter manifesto.

3)      Quanto ao Acórdão Taylor Adjusting

82.      No processo que deu origem ao Acórdão Charles Taylor Adjusting (53) suscitava‑se a questão de saber se o tribunal de um Estado‑Membro requerido pode recusar reconhecer e executar a decisão de um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, que pode ser qualificada de «“quase”», por ser contrária à ordem pública do primeiro Estado‑Membro.

83.      O Tribunal de Justiça considerou, num primeiro momento, que o reconhecimento e a execução das decisões em causa neste processo não respeitam, nomeadamente, o princípio geral que se deduz da sua jurisprudência relativo às regras de direito internacional privado da União, segundo o qual cada tribunal chamado a decidir determina, ele próprio, se é competente para dirimir o litígio que lhe é submetido (54).

84.      Num segundo momento, o Tribunal de Justiça considerou que, sem prejuízo das verificações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o reconhecimento e a execução das decisões em causa podem ser incompatíveis com a ordem pública do ordenamento jurídico do Estado‑Membro requerido, na medida em que essas decisões são suscetíveis de violar esse princípio fundamental num espaço judiciário europeu assente na confiança mútua (55).

85.      Assim, como nos Acórdãos Renault e Diageo Brands, o Tribunal de Justiça qualificou um elemento do ordenamento jurídico do Estado‑Membro requerido de «princípio fundamental» do mesmo e, em seguida, considerou que o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro pode contrariar de maneira inaceitável esse princípio.

86.      É certo que, pode questionar‑se qual o conteúdo, no Acórdão Charles Taylor Adjusting, da especificação do Tribunal de Justiça «sem prejuízo das verificações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio». Para responder a esta questão, há que analisar as conclusões apresentadas neste processo, a que o Tribunal de Justiça se referiu no seu acórdão.

87.      Com efeito, o advogado‑geral J. Richard de la Tour indicou, no n.° 53 das suas conclusões (56), que concordava com a posição do órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que este considerou que, em conformidade com o Acórdão Gambazzi (57), lhe cabe proceder a uma apreciação global do processo e de todas as circunstâncias e que o reconhecimento e a execução das decisões em causa eram manifestamente incompatíveis com a ordem pública do foro.

88.      No processo que deu origem ao Acórdão Gambazzi (58) suscita‑se a questão de saber se, à luz da cláusula de ordem pública, o juiz do Estado‑Membro requerido pode ter em conta o facto de o demandado ter sido excluído do processo no Estado de origem, com o fundamento de que não tinha cumprido as obrigações que lhe foram impostas por um despacho proferido no quadro do mesmo processo. O Tribunal de Justiça declarou que essa exclusão pode justificar o recurso à cláusula de ordem pública quando, no termo de uma apreciação global do processo e face a todas as circunstâncias, o juiz do Estado‑Membro requerido concluir que a referida medida de exclusão constituiu uma violação manifesta e desmesurada do direito do demandado a ser ouvido (59).

89.      Na minha opinião, a redação da resposta do Tribunal de Justiça resultava, por um lado, da necessidade de ter em conta vários elementos factuais para determinar a proporcionalidade da referida violação do direito do demandado («[se era] manifesta e desmesurada») e, por outro lado, a distinção essencial em matéria prejudicial entre a interpretação e a aplicação do direito da União. Considero que a referência do Tribunal de Justiça, no Acórdão Charles Taylor Adjusting (60), às «verificações [que o órgão jurisdicional de reenvio deve] efetua[r]» reflete a mesma distinção. Assim, esta referência não põe em causa as considerações apresentadas no n.° 85 das presentes conclusões.

90.      Consequentemente, ao Tribunal de Justiça cabe apenas interpretar o direito da União sem proceder à sua aplicação. Na sua missão de interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça deve, em primeiro lugar, determinar se o elemento deste direito constitui um princípio fundamental da ordem jurídica da União. Em segundo lugar, cabe ao Tribunal de Justiça esclarecer se as condições de recurso à cláusula de ordem pública, previstas pelo direito da União, se encontram reunidas à luz dos elementos factuais apresentados por um órgão jurisdicional de reenvio. Estas considerações são confirmadas pelo Acórdão Eco Swiss (61), emblemático a este respeito.

4)      Quanto ao Acórdão Eco Swiss

91.      No processo que deu origem ao Acórdão Eco Swiss, uma das questões visava esclarecer se um órgão jurisdicional nacional que tem de conhecer de um pedido de anulação de uma decisão arbitral deve deferir tal pedido quando entenda que essa decisão é efetivamente contrária ao artigo 101.° TFUE, enquanto, segundo as normas de processo internas, só lhe deve dar provimento se a referida decisão for contrária à ordem pública.

92.      Embora esta questão tenha sido submetida da perspetiva da cláusula de ordem pública, esta não consta de um ato legislativo da União suscetível de ser interpretado pelo Tribunal de Justiça. Com efeito, o litígio no processo principal dizia respeito à eventual anulação, no Estado‑Membro do órgão jurisdicional de reenvio, de uma decisão arbitral proferida a pedido de sociedades cuja sede se situa fora da União. Independentemente da dimensão transfronteiriça do processo, a execução das decisões arbitrais não é abrangida pela Convenção de Bruxelas.

93.      No seu acórdão, o Tribunal de Justiça, num primeiro momento, qualificou o artigo 101.° TFUE de «disposição fundamental indispensável para o cumprimento das missões confiadas à [União] e, em particular, para o funcionamento do mercado interno» (62). Num segundo momento, o Tribunal de Justiça considerou que, na medida em que um órgão jurisdicional nacional deva, segundo as suas regras processuais internas, deferir um pedido de anulação de uma decisão arbitral baseado na violação das normas nacionais de ordem pública, deve também deferir um tal pedido baseado na violação da proibição imposta por essa disposição do direito primário (63).

94.      Por conseguinte, no seu acórdão, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre as condições da aplicação da cláusula de ordem pública («violação manifesta» ou não). Com efeito, estas condições não eram abrangidas pelo direito da União (64). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça determinou, como em todos os acórdãos que referi até agora, se o elemento da ordem jurídica do Estado‑Membro em causa cuja violação se questionava constituía um princípio fundamental desta ordem.

95.      Isto leva‑me a uma questão mais essencial: existe, assim, uma ordem pública da União cujos princípios fundamentais podem ser identificados pelo Tribunal de Justiça?

c)      A ordem pública da União

96.      Na audiência, uma das questões em debate era a de saber se a referência do Tribunal de Justiça a uma «regra de direito considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido» e a um «direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica» (65), indica a intenção do Tribunal de Justiça de introduzir uma distinção entre a ordem pública nacional e a ordem pública da União. Sem pretender negar a existência deste último, não estou convencido de que esta referência vise efetivamente distinguir essas duas ordens públicas.

97.      Com efeito, em primeiro lugar, considero que, com esta referência, o Tribunal de Justiça pretendia sobretudo indicar que é possível recorrer à cláusula de ordem pública quando o reconhecimento ou a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro viola manifestamente um princípio, ou até mesmo um elemento, essencial ou fundamental da ordem jurídica do Estado‑Membro requerido, independentemente da forma específica sob a qual é expresso no direito nacional (66).

98.      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Meroni, que a cláusula de ordem pública só se aplica, desde que uma violação das garantias de ordem processual implique que o reconhecimento da decisão em causa acarrete a violação manifesta de uma regra jurídica essencial na ordem jurídica da União e, por conseguinte, do Estado‑Membro requerido (67). Daqui resulta que também uma «norma jurídica considerada essencial no ordenamento jurídico do Estado‑Membro requerido» pode estar abrangida pelo direito da União.

99.      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça confirmou, no Acórdão Diageo Brands, que, com a referência às «regras jurídicas» e aos «direitos», o Tribunal de Justiça não tinha intenção de estabelecer uma distinção entre duas fontes diferentes — a nacional e a da União — da ordem pública. O Tribunal de Justiça declarou que o reconhecimento de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro só pode ser recusado como consequência da violação manifesta de uma regra jurídica considerada essencial na ordem jurídica da União e, por conseguinte, na do EstadoMembro requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nestas ordens jurídicas (68).

100. Dito isto, anteriormente pronunciei‑me a favor do reconhecimento da existência da «ordem pública da União» (69), que, por sua vez, é parte integrante da ordem pública nacional. Embora o Tribunal de Justiça não tenha reproduzido este conceito na sua jurisprudência, considerou que uma regra de direito essencial na ordem jurídica da União constitui também uma regra de direito essencial na ordem jurídica do Estado‑Membro requerido, cuja violação manifesta pode justificar a aplicação da cláusula de ordem pública (70).

101. Tal como é confirmado pelo artigo 2.° TUE, existe um núcleo comum de valores partilhados, respeitados e protegidos pelos Estados‑Membros que definem a própria identidade da União enquanto ordem jurídica comum (71). A este respeito, é difícil encontrar um exemplo mais representativo dos valores partilhados pelos Estados‑Membros do que os refletidos na Carta.

102. Do ponto de vista do Estado‑Membro requerido, existe uma única ordem pública. Com efeito, esse núcleo comum faz parte integrante da ordem jurídica de cada Estado‑Membro. Além disso, tal como referi (72), as condições de aplicação da cláusula de ordem pública são as mesmas quando essa aplicação é equacionada devido à violação, pelo tribunal do Estado‑Membro de origem, do direito nacional e do direito da União. No entanto, considero que, por um lado, a insistência do Tribunal de Justiça quanto à identidade destas condições reside na vontade de não privilegiar o direito da União em relação aos direitos nacionais. Essa abordagem corresponde, aliás, ao princípio essencial da ordem jurídica da União, consagrado no artigo 4.°, n.° 2, TUE, segundo o qual a União respeita a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles. Por outro lado, conforme exemplificado pela jurisprudência pertinente que expus, o facto de as condições de aplicação da cláusula de ordem pública serem as mesmas quando se trata do direito nacional e do direito da União não implica que o mesmo aconteça no que se refere aos papéis respetivamente desempenhados pelo tribunal do Estado‑Membro requerido e pelo Tribunal de Justiça em matéria prejudicial.

103. É à luz destas considerações que há que analisar as questões prejudiciais. Mais concretamente, cabe ao Tribunal de Justiça interpretar o direito da União, num primeiro momento, para verificar se o artigo 11.° da Carta expressa um princípio fundamental da ordem jurídica da União (C) e, num segundo momento, para clarificar, atendendo ao presente reenvio prejudicial, os critérios de apreciação que permitem determinar se a execução de uma condenação como a que está em causa no processo principal levaria à violação manifesta desse princípio (D).

C.      Quanto ao artigo 11.° da Carta

1.      A liberdade de imprensa à luz do artigo 11.° da Carta

104. Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio visa o artigo 11.° da Carta. No entanto, esta disposição inclui dois números: o primeiro refere‑se, de um modo geral, à liberdade de expressão e de informação, ao passo que o segundo refere‑se, mais especificamente, à liberdade e ao pluralismo dos meios de comunicação social.

105. Como o Tribunal de Justiça já esclareceu, no que respeita aos operadores de meios de comunicação, a ingerência na liberdade de expressão e de informação assume a forma particular de uma ingerência na liberdade dos meios de comunicação social, especificamente protegida pelo artigo 11.°, n.° 2, da Carta (73). Nesta ordem de ideias, das anotações relativas à Carta (74) decorre que esta disposição «explicita as consequências do n.° 1 no tocante à liberdade dos meios de comunicação social». Daqui deduzo que quando a ingerência no exercício da liberdade de expressão diz respeito à atividade dos meios de comunicação social é aplicável o artigo 11.°, n.° 2, e não o artigo 11.°, n.° 1, da Carta.

106. No processo principal, um órgão jurisdicional nacional recorreu à cláusula de ordem pública pelo facto de a execução das decisões espanholas colidir com a liberdade de imprensa. Por conseguinte, as questões prejudiciais dizem respeito mais especificamente ao artigo 11.°, n.° 2, da Carta.

107. A questão agora suscitada é a de saber se, na ordem jurídica da União, a liberdade de imprensa garantida nesta disposição constitui um princípio fundamental cuja violação pode justificar a aplicação da cláusula de ordem pública.

2.      A liberdade de imprensa enquanto princípio fundamental da ordem jurídica da União

108. Da jurisprudência pode inferir‑se que o facto de a liberdade de imprensa garantida pela Carta ter o mesmo valor jurídico que os tratados não implica automaticamente que a mesma constitua um princípio fundamental da ordem jurídica da União (75).

109. Dito isto, por um lado, a liberdade de imprensa, consagrada no artigo 11.°, n.° 2, da Carta, protege a função essencial dos meios de comunicação social numa sociedade democrática e num Estado de direito, a qual consiste em difundir informações e ideias sobre questões de interesse geral, a que acresce o direito do público a recebê‑las, sem restrições, a não ser as estritamente necessárias (76).

110. Por outro lado, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 3, TUE, os direitos fundamentais, «conforme garantidos pela [CEDH]», fazem parte do direito da União enquanto princípios gerais. Deste ponto de vista, pode questionar‑se se o artigo 11.°, n.° 2, da Carta tem o seu equivalente na CEDH. Em caso afirmativo, não só a liberdade dos meios de comunicação social constituiria um princípio geral do direito da União mas também a jurisprudência do TEDH proporcionaria ensinamentos úteis quanto à interpretação desta disposição da Carta.

111. A este respeito, há que salientar que, diferentemente do artigo 11.° da Carta, o artigo 10.° da CEDH não se refere nem à liberdade nem ao pluralismo dos meios de comunicação social. Contudo, por um lado, à luz da jurisprudência do TEDH, é ponto assente que esta última disposição se refere também à liberdade de imprensa, ou mesmo à liberdade dos jornalistas (77). Por outro lado, o Tribunal de Justiça indica, na sua jurisprudência, que a liberdade de expressão e de informação, consagrada no artigo 11.°, n.os 1 e 2, da Carta e no artigo 10.° da CEDH têm o mesmo sentido e alcance em cada um destes dois instrumentos (78).

112. É certo que as anotações relativas ao artigo 11.° da Carta enunciam que o seu n.° 2 «[se baseia], designadamente, na jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre televisão, nomeadamente no [Acórdão Collectieve Antennevoorziening Gouda] (79), e no Protocolo relativo ao Serviço Público de Radiodifusão nos Estados‑Membros». No entanto, estas referências parecem ter em consideração sobretudo o pluralismo dos meios de comunicação social que, embora indissociavelmente ligado à respetiva liberdade, não parece estar diretamente em causa no processo principal. De qualquer forma, o pluralismo dos meios de comunicação social é igualmente protegido com base no artigo 10.° da CEDH (80).

113. Nestas circunstâncias, tendo em consideração a importância da liberdade de imprensa numa sociedade democrática e num Estado de direito, bem como o facto de esta liberdade ser um princípio geral do direito da União, afigura‑se‑me incontestável que a referida liberdade representa um princípio essencial do ordenamento jurídico da União cuja violação manifesta pode constituir um motivo de recusa de exequatur.

D.      Quanto aos critérios de apreciação da violação manifesta da liberdade de imprensa

1.      Papel desempenhado pelo tribunal do EstadoMembro requerido

a)      Observação preliminar

114. O artigo 10.°, n.° 2, da CEDH prevê que o exercício da liberdade de expressão pode ser submetido às restrições previstas pela lei que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, nomeadamente, para «a proteção da honra ou dos direitos de outrem». O TEDH reconhece que, ao examinar a necessidade da ingerência numa sociedade democrática com vista à «proteção da honra ou dos direitos de outrem», pode ter de verificar se as autoridades nacionais conseguiram um justo equilíbrio na proteção de dois valores garantidos por esta convenção e que em alguns casos podem entrar em conflito (81).

115. No que se refere à procura desse equilíbrio, há que observar que as decisões espanholas cuja execução é impugnada pretendem proteger tanto a honra do clube de futebol como a do membro da sua equipa médica.

116. A honra desse membro da equipa médica é abrangida no âmbito do artigo 8.° da CEDH, ao qual corresponde o artigo 7.° da Carta. Os critérios pertinentes para ponderar o direito à liberdade de expressão e o direito ao respeito da vida privada são, nomeadamente, a contribuição para um debate de interesse geral, o grau de notoriedade da pessoa afetada e o tema da reportagem, o seu comportamento anterior, o método de obtenção da informação e a veracidade da mesma, o conteúdo, a forma e as consequências da publicação, bem como a severidade da sanção aplicada (82).

117. Quanto à honra do clube de futebol, o TEDH deixou em aberto a questão de saber se a honra de uma pessoa coletiva é abrangida pelo artigo 8.° da CEDH (83). No entanto, é ponto assente que a honra de uma pessoa coletiva é abrangida pelos conceitos de «honra» ou «direitos de outrem», na aceção do artigo 10.°, n.° 2, da CEDH, não tendo, todavia, a proteção da honra de uma pessoa coletiva o mesmo peso que a da honra ou dos direitos de um indivíduo (84).

118. Por conseguinte, por um lado, a procura de um justo equilíbrio entre todos os direitos e os interesses em conflito deve ser feita individualmente em relação ao clube de futebol e em relação ao membro da sua equipa médica. Esta circunstância parece refletir‑se nas condenações espanholas que têm por objeto montantes diferentes para cada um dos dois recorrentes no processo principal. Dito isto, por outro lado, o TEDH procede à apreciação da proporcionalidade das ingerências com base nos mesmos critérios tanto em relação a uma pessoa coletiva como a um indivíduo (85).

119. À primeira vista, pode ser‑se tentado a proceder à ponderação dos direitos em jogo segundo esses critérios e, nessa base, determinar se a execução das decisões espanholas em causa no processo principal conduziria a uma violação manifesta da liberdade de imprensa. No entanto, é importante ter sempre presente o contexto do processo sub iudice antes de analisar os referidos critérios.

b)      Proibição da revisão de mérito à luz da confiança mútua

120. O presente reenvio prejudicial não incide sobre a questão de saber como ponderar, pela primeira vez e com base nas provas de que dispõe o juiz que conhece de uma ação de indemnização, a liberdade de imprensa e a honra de outrem. A procura desse equilíbrio já foi levada a cabo pelos juízes do Estado‑Membro de origem. Além disso, como foi esclarecido na audiência, os recorridos no processo principal tentaram submeter o resultado dessa procura à fiscalização do Tribunal Constitucional (Tribunal Constitucional, Espanha) e do TEDH, que decidiram pela não admissibilidade das ações.

121. No caso vertente, o reenvio prejudicial provém de um órgão jurisdicional do Estado‑Membro em que foi requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro. Ignorar este facto equivaleria a ignorar o regime de reconhecimento e execução do Regulamento Bruxelas I, baseado na confiança mútua, e os papéis respetivamente desempenhados pelos tribunais do Estado‑Membro de origem e do Estado‑Membro requerido.

122. Com efeito, o papel do tribunal do Estado‑Membro requerido é restringido pela limitação prevista no artigo 45.°, n.° 2, do Regulamento Bruxelas I, segundo o qual «[a]s decisões proferidas [noutro Estado‑Membro] não podem, em caso algum, ser objeto de revisão de mérito». É verdade que a cláusula de ordem pública permite que este tribunal recuse o exequatur de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro. No entanto, esta cláusula e a derrogação dela decorrente têm um alcance muito limitado e determinado pelo papel do referido tribunal.

123. A este respeito, o recurso à cláusula de ordem pública não assenta numa apreciação negativa do processo pelo juiz do Estado‑Membro de origem ou na decisão que este proferiu. Resulta sobretudo da constatação de que as repercussões da execução desta decisão no Estado‑Membro requerido são manifestamente contrárias a um princípio fundamental da sua ordem pública.

124. É este o motivo pelo qual o artigo 45.°, n.° 2, do Regulamento Bruxelas I proíbe o tribunal do Estado‑Membro requerido de controlar a exatidão das apreciações jurídicas ou da matéria de facto levadas a cabo pelo órgão jurisdicional do Estado de origem (86). O juiz do Estado‑Membro requerido também não pode completar essas apreciações com elementos preexistentes que não tenham sido tomados em consideração pelo tribunal do Estado‑Membro de origem (87).

125. Nesta ordem de ideias, o Tribunal de Justiça considerou, num acórdão relativo ao Regulamento (CE) n.° 2201/2003 (88), que o juiz do Estado‑Membro requerido não pode intervir na determinação do montante final que deve ser pago a título de uma sanção pecuniária ordenada pelo juiz do Estado‑Membro de origem (89). Com efeito, essa determinação pressupõe a apreciação das razões dos incumprimentos do devedor e apenas o juiz do Estado‑Membro de origem, enquanto juiz competente para conhecer quanto ao mérito, pode fazer apreciações desta natureza.

126. A fortiori e no que se refere ao Regulamento Bruxelas I, o juiz do Estado‑Membro requerido não pode pôr em causa apreciações jurídicas ou da matéria de facto levadas a cabo pelo juiz do Estado de origem para recalcular o montante que deve ser pago a título da condenação proferida por este último. Também não pode repetir a ponderação dos direitos em jogo, uma vez que é o resultado dessa ponderação que determina a decisão do processo.

127. Assim, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão Gambazzi (90), as verificações efetuadas pelo tribunal do Estado‑Membro requerido destinam‑se apenas a identificar uma violação manifesta e desmesurada ao direito em questão, sem implicar uma fiscalização das apreciações de mérito levadas a cabo pelo juiz do Estado‑Membro de origem.

128. Nesta ordem de ideias, da perspetiva da CEDH (91), tendo em conta os diferentes papéis desempenhados pelo juiz do Estado‑Membro de origem e pelo juiz do Estado‑Membro requerido no âmbito do regime de reconhecimento e execução estabelecido pelo Regulamento Bruxelas I, baseado na confiança mútua, é suficiente que o juiz do Estado‑Membro requerido possa recorrer à cláusula de ordem pública para corrigir a insuficiências manifestas da proteção dos direitos garantidos pela CEDH.

129. Nestas circunstâncias e no que se refere à violação de um princípio de ordem substantiva por uma condenação decorrente de uma ação de indemnização, as verificações efetuadas pelo juiz do Estado‑Membro requerido devem sobretudo centrar‑se nas repercussões manifestas e desmesuradas que produz sobre a liberdade de imprensa a sanção aplicada pela decisão cuja execução é requerida. Com efeito, na execução de uma decisão estrangeira, são as sanções que interferem mais ostensivamente no ordenamento jurídico do Estado‑Membro requerido. Esta é, aliás, a perspetiva adotada pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões prejudiciais, que se centram na vertente pecuniária das decisões espanholas.

130. Contudo, importa não esquecer que o artigo 11.° não é a única disposição pertinente da Carta.

c)      A ponderação dos direitos fundamentais em causa

131. No caso vertente, por um lado, do ponto de vista dos recorridos no processo principal, a atribuição do exequatur pode constituir uma ingerência no exercício da liberdade de imprensa garantida no artigo 11.° da Carta. Por outro lado, do ponto de vista dos recorrentes no processo principal, a recusa de executar as decisões espanholas em causa equivaleria a restringir o seu direito à execução dessas decisões, consagrado no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta (92).

132. No entanto, nem a liberdade de expressão nem o direito à execução de uma decisão judicial proferida noutro Estado‑Membro são absolutos.

133. Quando estão em causa vários direitos fundamentais, há que proceder a uma ponderação dos mesmos tendo em conta as exigências previstas no artigo 52.°, n.° 1, da Carta (93).

134. No caso vertente, não se suscita a questão da existência de uma base jurídica para a restrição ao exercício da liberdade de expressão pelos recorridos no processo principal. Com efeito, as condenações em causa no processo principal foram proferidas ao abrigo do direito espanhol e na vigência do Regulamento Bruxelas I e devem, em princípio, ser executadas em França. O mesmo acontece no que se refere à restrição do direito dos recorrentes no processo principal que resulta da cláusula de ordem pública e é prevista por este regulamento (94).

135. Nesse caso, a apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade deve ser efetuada respeitando a necessária conciliação das exigências ligadas à proteção dos diferentes direitos e de um justo equilíbrio entre eles (95).

136. A procura desse equilíbrio inscreve‑se no mecanismo da proteção da liberdade de expressão previsto pela CEDH. Por conseguinte, não é surpreendente que, para efetuar essa ponderação entre a liberdade de expressão e outros direitos ou liberdades fundamentais, o Tribunal de Justiça se refira aos critérios de apreciação utilizados pelo TEDH (96).

137. Tanto quanto sei, o TEDH ainda não se pronunciou sobre os princípios aplicáveis nos processos em que o direito à liberdade de expressão, garantido no artigo 10.° da CEDH, deve ser ponderado com o direito à execução de uma decisão judicial proferida no estrangeiro, garantido no artigo 6.° desta convenção. Por conseguinte, cabe ao Tribunal de Justiça consagrar esses princípios no que diz respeito ao artigo 11.°, n.° 2, e ao artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta tendo em conta o presente reenvio prejudicial.

2.      Quanto à indemnização compensatória

138. A problemática evocada na segunda questão prejudicial, nos termos em que é formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, diz respeito à questão de saber se o juiz do Estado‑Membro requerido pode declarar a existência de uma violação manifesta da liberdade de imprensa devido ao caráter desproporcionado da condenação quando esta impõe o pagamento de uma indemnização fixada a título de reparação de um dano moral. Antes de abordar esta problemática, considero úteis algumas precisões suplementares relativas ao seu alcance.

a)      Observações preliminares

139. A título preliminar, em primeiro lugar, a problemática evocada na segunda questão nos termos em que é formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio parece ter origem no fundamento de recurso em que os recorrentes no processo principal alegam que um controlo da proporcionalidade da indemnização só pode ocorrer se esta tiver uma natureza punitiva e não compensatória. Além disso, os recorrentes no processo principal e o Governo Espanhol observam que a indemnização em causa no processo principal não foi qualificada de «punitiva» pelo juiz espanhol, mas visa compensar o dano moral sofrido. A formulação da segunda questão prejudicial revela que o órgão jurisdicional de reenvio parte da mesma premissa.

140. Em segundo lugar, considero que este fundamento de recurso visa um dos argumentos acolhidos pelo Tribunal de recurso de Paris segundo o qual os recorrentes no processo principal não invocaram um dano patrimonial e um dano moral é dificilmente quantificável. A este respeito, devo salientar que apesar de não ser possível calcular da mesma forma o dano moral e o dano patrimonial, tal não significa que a condenação por um dano moral não seja compensatória (97).

141. Em terceiro lugar, a problemática evocada na segunda questão, nos termos em que é formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece basear‑se na premissa de que a qualificação da indemnização pode ser efetuada tanto pelo juiz do Estado‑Membro de origem como pelo do Estado‑Membro requerido («quando a indemnização é qualificada de punitiva pelo órgão jurisdicional [do Estado‑Membro] de origem ou pelo juiz [do Estado‑Membro] que é chamado a pronunciar‑se»). No entanto, atendendo às considerações apresentadas nos n.os 124 a 126 das presentes conclusões, a proibição da revisão de mérito obsta a que o juiz do Estado‑Membro requerido proceda a essa qualificação da indemnização. Com efeito, este juiz não pode substituir pela sua própria qualificação a do juiz do Estado‑Membro de origem. Do mesmo modo, não pode verificar as apreciações jurídicas ou da matéria de facto para concluir que o montante da indemnização fixada não corresponde ao dano sofrido e que uma parte significativa deste montante não tem, assim, um caráter compensatório, mas punitivo.

b)      Apreciação

142. Tratando‑se agora de uma apreciação de mérito da problemática suscitada pela segunda questão prejudicial, começarei pela análise do argumento debatido pelas partes na audiência relativo às tendências atuais em direito internacional privado. Em seguida, examinarei pormenorizadamente a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça e do TEDH.

1)      Tendências atuais em direito internacional privado

143. Foram efetuadas várias tentativas em direito internacional privado — nem sempre com sucesso (98) — para definir uma cláusula de ordem pública que tenha especificamente como objeto a concessão ou a execução da indemnização punitiva. Contudo, esta circunstância não implica que o recurso à ordem pública seja excluído quando uma condenação não tem como objeto a indemnização compensatória.

144. A este respeito, algumas partes fizeram referência, nas suas observações escritas e na audiência, à Convenção relativa ao reconhecimento e à execução de decisões estrangeiras em matéria civil ou comercial (99) (a seguir «Convenção de 2019») da qual a União é parte. Mais precisamente, essas partes alegam que, embora esta convenção preveja uma proibição da revisão de mérito, o artigo 10.°, n.° 1, da mesma dispõe que «[o] reconhecimento ou a execução de uma decisão podem ser recusados se, e na medida em que, a decisão conceda indemnizações, mesmo de caráter exemplar ou punitivo, que não compensem uma parte pelas perdas ou prejuízos reais sofridos».

145. A pertinência da Convenção de 2019 para o presente processo foi debatida na audiência.

146. Com efeito, por um lado, são excluídas do âmbito de aplicação da Convenção de 2019 a «difamação» e a «privacidade» (100) porque, como se indica no relatório explicativo da referida convenção, trata‑se de matérias sensíveis em muitos Estados que afetam a liberdade de expressão e que podem ter, a esse título, implicações constitucionais (101).

147. No entanto, por outro lado, em 2019, o Instituto de Direito Internacional publicou a sua Resolução sobre a Violação dos Direitos da Personalidade Resultante da Utilização da Internet e, segundo o artigo 9.° desta, o artigo 10.° da Convenção de 2019 deveria ser também aplicável em caso de uma violação deste tipo (102). É certo que esta resolução não tem força vinculativa. Porém, foi elaborada sob os auspícios deste instituto, cuja autoridade quanto à identificação das tendências atuais em Direito Internacional Privado e Público não pode ser ignorada (103). A referida resolução demonstra, assim, que a pertinência das soluções adotadas na Conferência da Haia ultrapassa o âmbito da Convenção de 2019.

148. Deste modo, não obstante a redação do artigo 10.° da Convenção de 2019, a distinção entre a indemnização compensatória e a punitiva não é decisiva no âmbito desta convenção. Com efeito, segundo o relatório explicativo da Convenção de 2019, a recusa de execução com base nesta disposição só pode ocorrer se resultar manifestamente da decisão que a condenação parece ir além da perda ou do dano reais sofridos. Neste âmbito, além da indemnização punitiva, «em casos excecionais, uma indemnização qualificada de compensatória pelo tribunal de origem podia ser igualmente abrangida pela [referida] disposição» (104).  Segundo a doutrina, na vigência da mesma convenção, é, assim, possível recusar a execução de uma decisão estrangeira, desde que se refira a uma indemnização punitiva ou que seja excessiva por qualquer outra razão (105).

149. Daqui deduzo que, segundo as tendências atuais em Direito Internacional Privado, em casos absolutamente excecionais, é possível recorrer à cláusula de ordem pública mesmo que a condenação imponha uma indemnização compensatória. Não existindo uma indicação clara quanto à abordagem adotada pelo legislador da União no Regulamento Bruxelas I, há que recorrer à jurisprudência pertinente relativa a este regulamento e à liberdade de expressão.

2)      Jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça

150. A leitura do Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines (106) pode levar a pensar que o montante da condenação a título de reparação de um dano patrimonial, bem como as consequências económicas daí decorrentes não constituem, por si sós, motivos de recusa de exequatur. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que a cláusula de ordem pública não visa proteger interesses puramente económicos, pelo que a mera invocação de consequências económicas graves não constitui uma violação da ordem pública do Estado‑Membro requerido.

151. Contudo, por um lado, o Tribunal de Justiça teve também o cuidado, neste acórdão, de sublinhar que as decisões cuja execução estava em causa constituíam medidas provisórias ou cautelares que não consistem no pagamento de determinada quantia, mas apenas em vigiar os bens das recorridas no processo principal (107). Por outro lado, não decorre do referido acórdão que as consequências económicas graves suportadas no Estado‑Membro requerido, que não se resumam a uma mera invocação de interesses económicos, não podem constituir um motivo de recusa de exequatur.

152. Assim, interpreto o Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines no sentido de que, quando uma condenação tem por objeto uma indemnização compensatória, é possível recorrer à cláusula de ordem pública em casos absolutamente excecionais e apenas quando se invocam outros argumentos relativos à ordem pública do Estado‑Membro requerido para deduzir oposição à execução desta condenação (108).

3)      Jurisprudência pertinente do TEDH

153. Na sua jurisprudência em matéria de liberdade de expressão, o TEDH indicou que a natureza e a severidade das penas aplicadas são elementos a tomar em consideração quando se trata de aferir a proporcionalidade de uma violação do direito à liberdade de expressão garantido no artigo 10.° da CEDH (109). A leitura desta jurisprudência pode levar a pensar que a condenação em si mesma é mais importante do que a pena aplicada de caráter menor.

154. Contudo, em primeiro lugar, há que referir que a jurisprudência do TEDH inclui duas vertentes distintas, a saber, a relativa às sanções penais e a relativa às condenações por difamação constitutiva de um ilícito civil. Na verdade, as autoridades nacionais devem ser comedidas no recurso à via penal e prestar muita atenção à severidade das sanções penais (110).

155. Em segundo lugar, efetivamente, o TEDH declarou a existência de uma violação do artigo 10.° da CEDH no caso de uma condenação cível ao pagamento de um «franco simbólico». No entanto, considerar que a condenação é mais importante do que o caráter menor da pena aplicada não constitui o ponto de partida do raciocínio, mas um argumento invocado em último lugar, para sublinhar que o caráter insignificante dessa condenação não pode ser suficiente, por si só, para justificar a ingerência no direito de expressão do recorrente (111), sem que produza necessariamente um efeito realmente dissuasivo sobre o exercício da liberdade de expressão (112).

156. Mais importante ainda, em terceiro lugar, o TEDH considera que, em princípio, há que manter a possibilidade de as pessoas lesadas pelas declarações difamatórias intentarem uma ação de indemnização como recurso efetivo contra as violações dos direitos da personalidade (113). Segundo este Tribunal, em circunstâncias específicas, um montante excecional e particularmente elevado a título de indemnização por difamação pode colocar problemas à luz do artigo 10.° da CEDH (114). Em particular, para assegurar um justo equilíbrio entre os direitos em jogo, o montante de indemnização concedida por difamação deve apresentar uma «relação razoável de proporcionalidade» com a violação da honra (115). A este respeito, como observam alguns autores, a CEDH não proíbe todas as formas de condenações pecuniárias ou supracompensatórias. Em contrapartida, esta convenção proíbe as que são desproporcionadas na aceção específica deste termo adotada na jurisprudência do TEDH (116), a saber, as que, pelas suas características ponderadas com a matéria de facto no processo, conduzem a uma limitação da liberdade de expressão que é desnecessária numa sociedade democrática.

157. Assim, por um lado, a jurisprudência do TEDH não contém nenhuma indicação de que o caráter punitivo da indemnização seja uma condição prévia para admitir uma eventual violação das liberdades consagradas no artigo 10.° da CEDH. Por outro lado, enuncia determinados critérios para efeitos de apreciação do caráter desproporcionado de uma sanção compensatória que permitem demonstrar que a mesma conduz a uma limitação da liberdade de expressão que é desnecessária numa sociedade democrática. Analisarei mais à frente esses critérios de apreciação.

158. De qualquer forma e no que diz respeito à problemática suscitada pela segunda questão prejudicial nos termos em que é formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta tanto as tendências atuais em Direito Internacional Privado como a jurisprudência pertinente, considero que quando uma condenação versa sobre uma indemnização compensatória, é possível aplicar a cláusula de ordem pública em casos absolutamente excecionais e apenas em conjugação com outros argumentos relativos à ordem pública do Estado‑Membro requerido.

3.      Quanto ao efeito dissuasivo

159. A problemática evocada na terceira a sétima questões prejudiciais, consideradas conjuntamente, nos termos em que são formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio, refere‑se a dois aspetos.

160. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, por um lado, se o efeito dissuasivo de uma indemnização a título de reparação por dano moral é, por si só, suficiente para justificar o recurso à cláusula de ordem pública, na aceção do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I, lido à luz do artigo 11.° da Carta, e,  por outro lado, pretende que se esclareça quais os elementos a ter em conta para verificar a existência desse efeito dissuasivo.

a)      Efeito dissuasivo como motivo de recusa de exequatur

1)      Conceito de efeito dissuasivo

161. A título preliminar, devo observar que embora o órgão jurisdicional de reenvio faça referência ao conceito de efeito dissuasivo, não dá nenhuma definição do mesmo.

162. A este respeito, por um lado, esta referência parece ter tido origem nos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Recurso de Paris que considerou, em termos que recordam a jurisprudência do TEDH, que as condenações em causa no processo principal tinham um efeito dissuasivo sobre a participação dos recorridos no processo principal na discussão pública de assuntos com interesse para a coletividade, suscetível de criar dificuldades aos meios de comunicação social no que respeita ao cumprimento da sua função de informação e de fiscalização. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio refere, no pedido de decisão prejudicial, a jurisprudência do TEDH ao indicar que «o efeito dissuasivo de uma condenação no pagamento de uma indemnização constitui um parâmetro de apreciação da proporcionalidade dessa [...] medida de reparação das declarações difamatórias».

163. Na sua jurisprudência em matéria de liberdade de expressão, o TEDH refere‑se, indistintamente, ao «efeito dissuasivo» e ao «chilling effect» (117).

164. A doutrina refere que embora o TEDH não tivesse dado ainda uma definição substantiva do conceito de efeito dissuasivo, baseava‑se neste para justificar uma análise rigorosa das medidas nacionais que considera como as mais suscetíveis de produzir efeitos negativos que transcenderiam os casos concretos em que são aplicadas, uma vez que as pessoas singulares e coletivas são dissuadidas de exercer os seus direitos por receio de serem sujeitas a essas medidas (118).

165. Nessa ordem de ideias, a doutrina salientou que o conceito de efeito dissuasivo não se utiliza de forma coerente na jurisprudência em matéria de liberdade de expressão, nomeadamente porque parece referir‑se às consequências de uma ingerência na liberdade de expressão que vão além da situação da pessoa a que a mesma diz diretamente respeito (119).

166. Com efeito, numa corrente jurisprudencial relativa às sanções civis, o TEDH parece utilizar o conceito de efeito dissuasivo em relação à liberdade dos jornalistas no Estado em causa. Com efeito, este Tribunal refere o resultado do processo nacional que leva as pessoas em causa a terem de suportar um ónus excessivo e desproporcionado, «suscetível de ter um “chilling effect” sobre a liberdade de imprensa no território do Estado recorrido» (120), ou o montante total da condenação como «um fator relevante no que se refere a um “chilling effect” potencial do processo sobre ele e sobre outros jornalistas» (121), ou ainda uma «[condenação que] implica necessariamente o risco de dissuadir os jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões com interesse para a vida da coletividade» (122).

2)      Pertinência no presente processo

167. A definição dada pelo TEDH dos efeitos dissuasivos, ou mesmo inaceitáveis do ponto de vista da proteção da liberdade de imprensa no contexto do debate sobre um assunto de interesse geral, afigura‑se‑me pertinente no contexto do presente processo, que gira em torno da problemática da recusa de exequatur pelo facto de a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro violar manifestamente a ordem pública do Estado‑Membro requerido.

168. Em primeiro lugar, é possível que esses efeitos inaceitáveis dissuadam os jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões com interesse para a vida da coletividade. O debate em torno das questões da dopagem no futebol é de interesse geral (123) e a contribuição para um debate de interesse geral constitui um elemento primordial a ter em consideração na ponderação dos direitos fundamentais em conflito (124).

169. Ainda neste contexto, em segundo lugar, por um lado, quando se trata de recorrer à cláusula de ordem pública, tem de ser encontrado um justo equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro, consagrado no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta. A procura de um justo equilíbrio não pode, em princípio, levar a que se renuncie à execução de uma decisão, pelas repercussões que teria sobre o recorrido. A essência de uma condenação reside no facto de as suas consequências recaírem sobre o recorrido.

170. Por outro lado, como observei no n.° 152 das presentes conclusões, quando a condenação impõe o pagamento de uma indemnização compensatória, a aplicação da cláusula de ordem pública é possível em casos absolutamente excecionais e apenas em conjugação com outros argumentos relativos à ameaça da ordem pública do Estado‑Membro requerido. É o caso do argumento relativo ao facto de a atribuição de exequatur ser suscetível de gerar um efeito dissuasivo sobre a liberdade de imprensa no Estado‑Membro em causa. O efeito dissuasivo assim definido afeta tanto a liberdade dos jornalistas no Estado‑Membro em causa como a liberdade de informação do público em geral. A recusa de exequatur nesse caso não só protege o recorrido da sanção que lhe foi aplicada mas também o interesse da sociedade do Estado‑Membro em causa.

171. Assim, a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro suscetível de produzir um efeito dissuasivo sobre o exercício da liberdade de imprensa no Estado‑Membro requerido acarreta uma violação manifesta e desmesurada do princípio fundamental deste último Estado‑Membro e constitui, assim, um motivo de recusa de exequatur. Importa agora determinar os critérios que permitem demonstrar que uma condenação gera esse efeito.

b)      Critérios de apreciação de efeito dissuasivo

1)      Efeito dissuasivo do ponto de vista do tribunal do EstadoMembro requerido

172. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as circunstâncias descritas na terceira a sétima questões prejudiciais nos termos em que são formuladas por este órgão jurisdicional podem ser tidas em conta para determinar se se está perante uma violação manifesta da ordem pública do Estado‑Membro requerido. A este respeito, poder‑se‑ia ser tentado a procurar apoio na jurisprudência do TEDH que, para declarar a violação do artigo 10.° da CEDH, parece ponderar cada uma das circunstâncias mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

173. No entanto, como decorre do n.° 129 das presentes conclusões, no tribunal do Estado‑Membro requerido, a questão que se suscita não é se a indemnização é proporcionada, mas sim se a execução da decisão que concede uma indemnização é suscetível de ter um efeito dissuasivo que leve a uma violação manifesta e desmesurada da liberdade de imprensa no Estado‑Membro devido à sanção aplicada. Por conseguinte, as verificações efetuadas pelo juiz do Estado‑Membro requerido destinam‑se apenas a identificar o risco desse efeito dissuasivo, sem implicar uma fiscalização das apreciações de mérito levadas a cabo pelo tribunal do Estado‑Membro de origem. De acordo com este raciocínio, o papel do Tribunal de Justiça também não consiste em substituir o TEDH para demonstrar uma violação da liberdade de imprensa imputável ao Estado‑Membro de origem.

174. Ainda neste contexto, os recorridos no processo principal, além de terem sido condenados no pagamento de indemnização, juros e despesas, foram também obrigados a publicar a decisão proferida no Estado‑Membro de origem. No entanto, as questões prejudiciais apenas visam a dimensão pecuniária da condenação. Com efeito, a aplicação da cláusula de ordem pública só é possível no caso de violação do ordenamento jurídico do Estado‑Membro requerido pelos elementos da decisão cuja execução é requerida neste Estado‑Membro. Em contrapartida, segundo o TEDH, a apreciação de uma ingerência na liberdade de expressão do ponto de vista do seu efeito dissuasivo deve ter em consideração a natureza das outras sanções e medidas aplicadas à pessoa em causa (125).

2)      Critérios pertinentes no presente caso

175. Com a sua terceira a sétima questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se os recursos económicos da pessoa em causa, a gravidade do ato danoso, a extensão do prejuízo, bem como a importância do efeito dissuasivo determinada à luz da situação económica de uma sociedade editora de um jornal e da imprensa escrita em geral devem ser tidos em conta para demonstrar a existência de um efeito dissuasivo. Além disso, pretende saber se a existência de um efeito dissuasivo deve apreciar‑se de igual modo no que se refere à sociedade editora de um jornal e ao jornalista.

176. Quanto à importância do efeito dissuasivo (quarta questão prejudicial nos termos em que é formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio), atendendo à necessidade de ponderar os direitos fundamentais em causa (126), só o risco de um efeito dissuasivo que transcenda a situação da pessoa diretamente envolvida justifica a recusa de exequatur,  uma vez que constitui uma violação manifesta e desmesurada da liberdade de imprensa no Estado‑Membro requerido. Só nessa hipótese é que o juiz deste Estado‑Membro deve aplicar a cláusula de ordem pública para corrigir uma insuficiência manifesta na proteção desta liberdade (127).

177. No que se refere aos recursos económicos da pessoa em causa à luz da natureza singular ou coletiva desta pessoa (primeira parte da terceira questão, bem como quinta e sexta questões, nos termos em que são formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio), o juiz do Estado‑Membro requerido deve ter em conta o facto de a quantia global que essa pessoa é obrigada a pagar é um fator importante em termos de efeito dissuasivo potencial sobre essa pessoa e sobre outros jornalistas (128).

178. É certo que o TEDH parece tomar em consideração, como circunstância atenuante, o facto de o editor e o jornalista serem, como no caso vertente, solidariamente obrigados ao pagamento de uma sanção (129). Contudo, o efeito dissuasivo não é apreciado do mesmo modo no que se refere à sociedade editora de um jornal e ao jornalista autor do artigo controvertido.

179. Com efeito, por um lado, no que respeita a uma pessoa singular, o TEDH refere‑se ao salário da pessoa em causa ou aos valores de referência como o salário mínimo (130) ou médio (131) no Estado recorrido em causa. Em princípio, o montante global que a pessoa envolvida é obrigada a pagar deve ser considerado como sendo manifestamente desproporcionado se essa pessoa tiver de se esforçar durante anos para o pagar integralmente ou quando este montante corresponde a várias dezenas de salários mínimos padrão no Estado‑Membro requerido. Por outro lado, tratando‑se de uma pessoa coletiva, o TEDH assegura que o montante da indemnização aplicada às sociedades de imprensa não seja suscetível de constituir uma ameaça às suas bases económicas (132) e, por isso, manifestamente desproporcionado.

180. Além disso, quanto à situação económica da imprensa escrita em geral no Estado‑Membro requerido (sétima questão nos termos em que é formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio), ainda que um efeito dissuasivo potencial afete os jornalistas e as sociedades de imprensa neste Estado‑Membro, o juiz deste Estado‑Membro não deve atender à situação económica destas últimas para recusar o exequatur de uma decisão judicial. Do ponto de vista dos jornalistas e das sociedades editoras de imprensa, o que conta é sobretudo ter consciência de que também eles podem ser objeto de uma condenação manifestamente desproporcionado em relação às circunstâncias do caso concreto.

181. Por último, tendo em conta o papel do juiz do Estado‑Membro requerido no regime de reconhecimento e execução instaurado pelo Regulamento Bruxelas I (133), as verificações efetuadas por este juiz devem incidir sobretudo nas repercussões manifestas e desmesuradas sobre a liberdade de imprensa da sanção aplicada pela decisão cuja execução é requerida. Por conseguinte, o referido juiz não pode controlar a exatidão das apreciações jurídicas ou da matéria de facto levadas a cabo pelo juiz do Estado‑Membro de origem no que se refere à gravidade do ato danoso e à extensão do prejuízo (segunda parte da terceira questão nos termos em que é formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio).

182.  Em contrapartida, para assegurar que o resultado de uma ponderação dos direitos em jogo não se caracterize por uma proteção manifestamente insuficiente dos direitos fundamentais (134), o juiz do Estado‑Membro requerido pode ter em conta a gravidade do ato danoso e da extensão do prejuízo para determinar se, apesar do caráter a priori manifestamente desproporcionado do montante global de uma condenação, a mesma é adequada a neutralizar os efeitos das declarações difamatórias (135).

E.      Quanto à presunção de proteção equivalente

183. Segundo a conhecida presunção de «proteção equivalente», decorrente da jurisprudência do TEDH e aplicável aos Estados‑Membros (136), a medida tomada por um Estado‑Membro em execução das obrigações resultantes da sua pertença à União deve considerar‑se justificada à luz da CEDH por ser pacífico que a União concede uma proteção dos direitos fundamentais pelo menos equivalente à assegurada por esta convenção (137). É certo que só o TEDH aprecia a aplicabilidade desta presunção e as consequências a retirar da mesma. Todavia, num espírito de coordenação entre a Carta e a CEDH, bem como para proporcionar uma resposta exaustiva ao Tribunal de Justiça que vise também as implicações no acórdão a proferir, pretendo tecer algumas observações adicionais sobre a referida presunção.

184. Da jurisprudência do TEDH decorre que a aplicação da presunção de proteção equivalente está sujeita a duas condições: a falta de margem de manobra das autoridades nacionais e o desenvolvimento de todas as potencialidades do mecanismo de controlo previsto pelo direito da União (138), incluindo a submissão de um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça no qual podem ser debatidas questões de direitos fundamentais. Dado que foi submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial e que só ao TEDH cabe verificar se se encontra preenchida a segunda condição, concentrar‑me‑ei na primeira condição.

185. A este respeito, o TEDH examina a questão de saber se é aplicável a presunção de proteção equivalente atendendo «[à] disposição precisa aplicada no caso concreto» (139) e a todas as consequências daí decorrentes para o Estado‑Membro em causa, em conformidade com a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça (140). Isto pressupõe que sejam tomados em consideração todos os elementos pertinentes do quadro jurídico da União do qual decorrem as obrigações do Estado‑Membro em causa em relação à União e aos demais Estados‑Membros.

186. No presente caso, a questão é, assim, a de saber se, sob o regime do Regulamento Bruxelas I, o tribunal do Estado‑Membro requerido que conheça do recurso previsto nos artigos 43.° e 44.° deste regulamento mantém o poder discricionário de decidir aplicar ou não a cláusula de ordem pública quando a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro viola manifestamente um direito fundamental garantido pela Carta.

187. Tanto quanto é do meu conhecimento, o TEDH ainda não se pronunciou sobre esta hipótese (141). Uma parte da doutrina considera que a cláusula de ordem pública implica a existência do poder de apreciação, o que exclui a aplicação da presunção de proteção equivalente (142). Considero, todavia, que não é esse o caso quando a alegada violação se refere a um princípio fundamental da ordem jurídica da União.

188. É certo que o artigo 45.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I prevê que o tribunal do Estado‑Membro requerido apenas recusará o exequatur por um dos motivos especificados nos artigos 34.° e 35.° deste regulamento. Porém, no que se refere ao motivo de recusa do exequatur, esta primeira disposição remete para o artigo 34.°, ponto 1, deste regulamento, que dispõe, de forma categórica, que uma decisão não será reconhecida se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido.

189. Por outro lado, como decorre do n.° 102 das presentes conclusões, o Estado‑Membro requerido não determina unilateralmente o conteúdo da ordem pública da União. Do mesmo modo, a qualificação da violação desta ordem como manifesta resulta de uma interpretação correta do direito da União e, assim, está sujeita ao controlo do Tribunal de Justiça. Mais importante ainda, o respeito dos direitos fundamentais não é uma questão de boa vontade ou de cortesia por parte do Estado‑Membro requerido. Perante a alegação que considera fundada e segundo a qual a execução de uma decisão judicial abrangida no âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I acarretaria uma violação manifesta da ordem pública da União e, mais concretamente, de um direito fundamental, o tribunal do Estado‑Membro requerido tem a obrigação de recusar o exequatur da mesma. Assim, nessa situação deve recusar ou revogar uma declaração de executoriedade desta decisão.

190. Por uma questão de exaustividade, acrescentarei que o facto de o juiz do Estado‑Membro requerido ser obrigado a verificar se estão reunidas as condições do exequatur não significa que exerça um poder de apreciação na aceção da jurisprudência relativa à CEDH. Com efeito, o TEDH considera que a presunção de proteção equivalente é aplicável quando o Estado‑Membro requerido pode recusar o reconhecimento e o exequatur de uma decisão estrangeira «dentro de limites muito precisos e desde que se encontrem reunidas determinadas condições prévias» (143).

F.      Observações finais

191. Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que se responda às questões prejudiciais que o artigo 45.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I, conjugado com o artigo 34.°, ponto 1, e com o artigo 45.°, n.° 2, do mesmo, bem como com o artigo 11.° da Carta devem ser interpretados no sentido de que um Estado‑Membro no qual é requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro, em que se condena a sociedade editora de um jornal e de um jornalista por danos à honra de um clube desportivo e de um membro da sua equipa médica por uma informação publicada nesse jornal, deve recusar ou revogar uma declaração de executoriedade desta decisão quando a execução da mesma acarrete uma violação manifesta da liberdade de expressão garantida no artigo 11.° da Carta (144). Essa violação existe quando a execução da referida decisão produz um efeito dissuasivo potencial no que toca à participação no debate sobre um tema de interesse geral tanto para as pessoas visadas pela condenação como para outras sociedades de imprensa e jornalistas no Estado‑Membro requerido geral (145). Esse efeito dissuasivo potencial manifesta‑se quando o montante global cujo pagamento é pedido é manifestamente desproporcionado, tendo em conta a condição e a situação económica da pessoa em causa. No caso de um jornalista, o efeito dissuasivo potencial é produzido, designadamente, quando esse montante corresponde a várias dezenas de salários mínimos padrão no Estado‑Membro requerido. No caso de uma sociedade editora de um jornal, o efeito dissuasivo potencial deve ser entendido como uma ameaça séria ao equilíbrio financeiro do jornal (146). O juiz do Estado‑Membro requerido pode ter em conta a gravidade do ato danoso e a extensão do prejuízo apenas para determinar se, apesar do caráter a priori manifestamente desproporcionado do montante global de uma condenação, esta é adequada a neutralizar os efeitos das declarações difamatórias (147).

192. Por uma questão de exaustividade, acrescentarei que, perante a alegação de que a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro que condena uma sociedade editora de um jornal e um jornalista autor do artigo ofensivo no pagamento solidário de um montante substancial a título da reparação do mesmo dano moral é contrária à liberdade de imprensa no Estado‑Membro requerido, o juiz deste último Estado‑Membro pode recusar o exequatur relativo à condenação de uma destas pessoas. Com efeito, nos termos do artigo 48.° do Regulamento Bruxelas I, quando a decisão estrangeira se tiver pronunciado sobre vários pedidos e a declaração de executoriedade não puder ser proferida quanto a todos, a mesma é atribuída pelo tribunal ou pela autoridade competente em relação a um ou vários de entre eles.

VI.    Conclusão

193. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) da seguinte forma:

O artigo 45.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, conjugado com o artigo 34.°, ponto 1, e com o artigo 45.°, n.° 2, deste, bem como com o artigo 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

devem ser interpretados no sentido de que

um Estado‑Membro no qual é requerida a execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro, em que se condena uma sociedade editora de um jornal e de um jornalista por danos à honra de um clube desportivo e de um membro da sua equipa médica por uma informação publicada nesse jornal, deve recusar ou revogar a declaração de executoriedade desta decisão quando a execução da mesma acarrete uma violação manifesta da liberdade de expressão garantida no artigo 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

Essa violação existe quando a execução da referida decisão produz um efeito dissuasivo potencial no que toca à participação no debate sobre um tema de interesse geral tanto para as pessoas visadas pela condenação como para outras sociedades de imprensa e jornalistas no Estado‑Membro requerido. Esse efeito dissuasivo potencial manifesta‑se quando o montante global cujo pagamento é pedido é manifestamente desproporcionado tendo em conta a condição e a situação económica da pessoa em causa. No caso de um jornalista, o efeito dissuasivo potencial é produzido, designadamente, quando esse montante corresponde a várias dezenas de salários mínimos padrão no Estado‑Membro requerido. No caso de uma sociedade editora de um jornal, o efeito dissuasivo potencial deve ser entendido como uma ameaça séria ao equilíbrio financeiro do jornal. O juiz do Estado‑Membro requerido pode ter em conta a gravidade do ato danoso e a extensão do prejuízo apenas para determinar que, apesar do caráter a priori manifestamente desproporcionado do montante global de uma condenação, esta é adequada a neutralizar os efeitos das declarações difamatórias.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).


3      Convenção assinada em Bruxelas em 27 de setembro de 1968 (JO 1972, L 299, p. 32, a seguir «Convenção de Bruxelas»).


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1) que, segundo o seu artigo 66.°, se aplica às ações judiciais intentadas a partir de 10 de janeiro de 2015.


5      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica no pedido de decisão prejudicial que, por despacho de 11 de julho de 2014, o Tribunal de Primeira Instância n.° 19 de Madrid ordenou o pagamento, ao Real Madrid, pela sociedade editora, da quantia de 390 000 euros a título de capital, juros e despesas. Em contrapartida, não precisa se este despacho visava também a execução da condenação em relação ao jornalista. Contudo, parece resultar deste pedido e das observações das partes que esse despacho tinha por objeto a execução em relação aos dois recorridos no processo principal.


6      Acórdão de 28 de março de 2000 (C‑7/98, EU:C:2000:164, a seguir «Acórdão Krombach», n.os 36 e 37).


7      Acórdão de 15 de maio de 1986 (222/84, EU:C:1986:206, n.° 18).


8      Convenção assinada em Roma em 4 de novembro de 1950.


9      TEDH, 26 de abril de 2007, Colaço Mestre e SIC. Sociedade Independente de Comunicacão, S.A. c. Portugal (CE:ECHR:2007:0426JUD001118203, § 28).


10      TEDH, 26 de novembro de 2013, Błaja News Sp. z o. o. c. Polónia (CE:ECHR:2013:1126JUD005954510, § 71).


11      N.° 22 desse acórdão.


12      Acórdão Krombach (n.° 23).


13      V., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2023, Charles Taylor Adjusting (C‑590/21, a seguir «Acórdão Charles Taylor Adjusting», EU:C:2023:633, n.° 32 e jurisprudência aí referida).


14      V. Acórdãos Krombach (n.° 21) e Charles Taylor Adjusting (n.° 32 e jurisprudência aí referida).


15      V. Acórdão Krombach (n.° 36).


16      V. Acórdão Krombach (n.° 37).


17      V. Acórdão de 25 de maio de 2016, Meroni (C‑559/14, a seguir «Acórdão Meroni», EU:C:2016:349, n.° 44).


18      V. Acórdão Meroni (n.° 45).


19      V. Acórdão Meroni (n.° 45).


20      TEDH, 23 de maio de 2016, Avotiņš c. Letónia (CE:ECHR:2016:0523JUD001750207, a seguir «Acórdão Avotiņš c. Letónia, § 96 e jurisprudência aí referida).


21      O TEDH reconheceu, no seu Acórdão de 29 de abril de 2008, McDonald c. França (CE:ECHR:2008:0429DEC001864804), que a recusa de atribuir exequatur às decisões judiciais em causa representara uma ingerência no direito do requerente a um processo equitativo, consagrado no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. Considerou também, no seu Acórdão de 3 de maio de 2011, Négrépontis‑Giannisis c. Grécia (CE:ECHR:2011:0503JUD005675908, §§ 89 a 92), que a recusa de reconhecimento da decisão de adoção de uma criança, proferida nos Estados Unidos, pelo facto de esta violar a ordem pública do Estado‑Membro requerido, implicara uma violação dos artigos 8.° e 14.°, bem como do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. Mais precisamente, o TEDH, depois de declarar a violação destas duas primeiras disposições, limitou‑se a observar que a interpretação do conceito de «ordem pública» pelo tribunal do Estado‑Membro requerido não devia ser arbitrária nem desproporcionada.


22      V. Kinsch, P., «Enforcement as a Fundamental Right», Nederlands Internationaal Privaatrecht, n.° 4, 2014, p. 543.


23      V., nomeadamente, quanto à violação do artigo 8.° da CEDH, TEDH, 3 de maio de 2011, Négrépontis‑Giannisis c. Grécia (CE:TEDH:2011:0503JUD005675908).


24      V., nomeadamente, Kinsch, P., op. cit., p. 543, e Hazelhorst, M., Free movement of civil judgments in the European Union and the right to a fair trial, Springer, La Haye, 2017, p. 160.


25      V., nomeadamente, Spielmann, D., «La reconnaissance et l’exécution des décisions judiciaires étrangères et les exigences de la Convention européenne des droits de l’homme. Un essai de synthèse», Revue trimestrielle des droits de l’homme, vol. 88, 2011, pp. 774 a 779 e 786, e Kiestra, L. R., The Impact of the European Convention on Human Rights on Private International Law, 2014, La Haye, Springer, pp. 262 a 274, que, designadamente, chamam a atenção para o facto de, na sua jurisprudência neste domínio, o TEDH reconhecer por vezes a violação do artigo 6.°, n.° 1 da CEDH na parte em que garante o acesso ao tribunal. Todavia, esta corrente jurisprudencial parece inscrever‑se no contexto de processos em que o reconhecimento ou a execução de uma decisão judicial estava, segundo os recorrentes, consideravelmente atrasada.


26      V., nomeadamente, Cuniberti, G., Rueda, I., Abolition of Exequatur. Addressing the Commission’s Concerns, Rabels Zeitschrift für ausländisches und internationales Privatrecht, 2011, vol. 2(75), p. 294, que, não se pronunciando de forma categórica quanto à existência de um «direito» do recorrente, incide sobretudo na necessidade de manter o equilíbrio entre esse direito e os direitos fundamentais de um recorrido.


27      V. Barba, M., L’exequatur sous le regard de la Cour européenne des droits de l’homme, Les Mémoires de l’Équipe de Droit International, Européen et Comparé, 2012, n.° 2, https://dumas.ccsd.cnrs.fr/dumas‑04035845, pp. 35 e 36. V., quanto a esta crítica, Pailler, L., Le respect de la Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne dans l’espace judiciaire européen en matière civile et commercial, Editions A. Pedone, Paris, 2017, p. 113.


28      V. artigo 38.°, n.° 1, e artigo 45.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I. Por outro lado, a advogada‑geral J. Kokott indicou, nas suas Conclusões no processo Apostolides (C‑420/07, EU:C:2008:749, n.° 52), que não é necessário responder à questão de saber se o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH obriga ao reconhecimento e à execução de decisões estrangeiras, uma vez que o Regulamento Bruxelas I confere, de qualquer forma, um direito dessa natureza.


29      V., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2023, K.B. e F.S. (Conhecimento oficioso no domínio penal) (C‑660/21, EU:C:2023:498, n.° 41).


30      V., quanto a esta problemática, as minhas conclusões apresentadas no processo Glawischnig‑Piesczek (C‑18/18, EU:C:2019:458, n.° 89).


31      V. artigo 38.°, n.° 1, e artigo 45.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I.


32      A este respeito, a aplicabilidade do artigo 47.° da Carta no tribunal do Estado‑Membro requerido, apesar de o direito da União não reger o processo no tribunal do Estado‑Membro de origem, foi confirmada nos Acórdãos de 6 de setembro de 2012, Trade Agency (C‑619/10, EU:C:2012:531, n.os 52 a 54), e Meroni (n.os 45 e 46). Na minha opinião, é evidente que o tribunal do Estado‑Membro requerido quando se debruça sobre a questão da recusa de exequatur de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro pelo facto de esta execução não respeitar a ordem pública, e para o efeito aplica o Regulamento Bruxelas I encontra‑se vinculado por todas as disposições da Carta.


33      V. Cuniberti, G., «Le fondement de l’effet des jugements étrangers», Recueil des cours de l’Académie de droit international, vol. 394, 2018, p. 140, que chama a atenção sobre o facto de que «a autonomização do fundamento, puramente processual, do reconhecimento das decisões estrangeiras e do direito à execução das decisões em aplicação do artigo 6.° da CEDH é surpreendente, uma vez que o fundamento principal do direito a um processo equitativo é o de garantir a efetividade dos direitos substantivos garantidos por esta [c]onvenção».


34      V., neste sentido, no que se refere ao respeito do direito a um processo equitativo, Acórdão de 6 de setembro de 2012, Trade Agency (C‑619/10, EU:C:2012:531, n.° 55).


35      V., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne (C‑650/13, EU:C:2015:648, n.° 48).


36      Com efeito, antes de mais, resulta do artigo 4.°, n.° 3, TUE que, em virtude do princípio da cooperação leal, a União e os Estados‑Membros respeitam‑se e assistem‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados. Em seguida, resulta do artigo 67.°, n.° 4, TFUE que a União facilita o acesso à justiça, nomeadamente através do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e extrajudiciais em matéria civil. Por outro lado, nos termos do artigo 81.°, n.° 1, TFUE, a União desenvolve uma cooperação judiciária nas matérias civis com incidência transfronteiriça, assente no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e extrajudiciais. Para estes efeitos, com base no artigo 81.°, n.° 2, alínea a), TFUE, a União adota medidas destinadas a assegurar o reconhecimento mútuo entre os Estados‑Membros das decisões judiciais e extrajudiciais e a respetiva execução.


37      V. Acórdãos do 16 de julho de 2015, Diageo Brands (C‑681/13, a seguir «Acórdão Diageo Brands», EU:C:2015:471, n.° 63), e Meroni (n.° 47).


38      V. Acórdãos Diageo Brands (n.° 64) e Meroni (n.° 48).


39      A este respeito, a Comissão apresentou, em 2022, o projeto de diretiva sobre a proteção das pessoas envolvidas em atos de participação pública contra acções judiciais manifestamente infundadas ou abusivas («ações judiciais estratégicas contra a participação pública») [COM(2022) 177 final], mais conhecidas pelo acrónimo inglês «SLAPP» (Strategic Lawsuit Against Public Participation). Este projeto de diretiva visa proteger as pessoas singulares e coletivas envolvidas em atos de participação pública relativos a assuntos de interesse público, mormente jornalistas e defensores dos direitos humanos contra acções judiciais manifestamente infundadas ou abusivas em matéria civil com incidência transfronteiriça, intentados para os dissuadir da participação pública. Em função do seu conteúdo final, essa diretiva seria suscetível de alterar a aplicabilidade do artigo 11.° da Carta nos processos instaurados no tribunal do Estado‑Membro de origem em situações como a que está em causa no caso vertente.


40      Outra solução seria matizar as condições de admissibilidade de questões prejudiciais no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil com incidência transfronteiriça e permitir a um tribunal do Estado‑Membro de origem submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial que tenha por objeto uma recusa futura e eventual da execução da decisão a proferir no termo do processo ali pendente. Esta solução não pode ser aceite sem reservas e, de qualquer forma, o presente reenvio prejudicial não provém de um Estado‑Membro de origem. Contudo, v., sobre esta problemática controvertida no âmbito da cooperação judiciária em matéria penal, Acórdão de 25 de julho de 2018, AY (Mandado de detenção — Testemunha) (C‑268/17, EU:C:2018:602, n.os 27 a 30).


41      V. n.os 183 e segs. das presentes conclusões.


42      V., neste sentido, TEDH, 18 de junho de 2013, Povse c. Áustria (CE:ECHR:2013:0618DEC000389011, §§ 86 a 87).


43      Acórdão Avotiņš c. Letónia (§§ 113 a 116).


44      V., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2009, Apostolides (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.os 61 e 62). V.,igualmente, neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2015, P (C‑455/15 PPU, EU:C:2015:763, n.° 40).


45      V., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2012, Trade Agency (C‑619/10, EU:C:2012:531, n.os 52, 54 e 62). V., igualmente, Acórdãos Krombach (n.os 25 a 27 e 45), e de 2 de abril de 2009, Gambazzi (C‑394/07, EU:C:2009:219, n.os 28, 29 e 48).


46      V., neste sentido, Hess, B., Report on the Application of Regulation Brussels I in the Member States (Study JLS/C4/2005/03), Ruprecht Karls Universität Heidelberg, setembro de 2007, p. 249, n.° 558, disponível em: http://ec.europa.eu/civiljustice/news/docs/study_application_brussels_1_en.pdf.


47      V. Acórdão de 11 de maio de 2000 (C‑38/98, a seguir «Acórdão Renault», EU:C:2000:225, n.° 32).


48      V. Acórdão Renault (n.° 32).


49      V. Conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Renault (C‑38/98, EU:C:1999:325, n.° 6).


50      V. Acórdão Renault (n.° 34).


51      N.os 30, 32 e 39. V., igualmente, as minhas conclusões no processo Diageo Brands (C‑681/13, EU:C:2015:137, n.° 52).


52      V. Acórdão Diageo Brands (n.° 51).


53      N.os 23 e 27deste acórdão.


54      V., neste sentido, Acórdão Charles Taylor Adjusting (n.° 37).


55      V. Acórdão Charles Taylor Adjusting (n.° 39).


56      V. Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Charles Taylor Adjusting (C‑590/21, EU:C:2023:246).


57      Acórdão de 2 de abril de 2009 (C‑394/07, EU:C:2009:219, n.° 48).


58      Acórdão de 2 de abril de 2009 (C‑394/07, EU:C:2009:219, n.° 20).


59      Acórdão de 2 de abril de 2009, Gambazzi (C‑394/07, EU:C:2009:219, n.os 48 e 49).


60      N.o 39 deste acórdão.


61      Acórdão de 1 de junho de 1999 (C‑126/97, a seguir «Acórdão Eco Swiss», EU:C:1999:269).


62      Acórdão Eco Swiss (n.° 36).


63      Acórdão Eco Swiss (n.° 37).


64      V. n.° 92 das presentes conclusões.


65      Recorde‑se que, desde o Acórdão Krombach (n.° 37), para respeitar a proibição da revisão de mérito da decisão proferida noutro Estado‑Membro, a violação da ordem pública do Estado‑Membro requerido que permite que este recuse o reconhecimento ou a execução dessa decisão deve constituir uma «violação manifesta de uma norma jurídica considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica». O sublinhado é meu.


66      É certo que, no Acórdão de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.° 56), o Tribunal de Justiça considerou que o conceito de «ordem pública» visa proteger os interesses jurídicos que se exprimem através de uma norma jurídica. No entanto, esta formulação, um pouco redutora, resultava do contexto específico desse processo. De qualquer forma, com esta consideração, o Tribunal de Justiça quis acentuar principalmente o facto de a cláusula de ordem pública só poder ser utilizada para proteger interesses jurídicos.


67      V. Acórdão Meroni (n.° 46).


68      V. Acórdão Diageo Brands (n.° 68).


69      V. a minhas conclusões no processo Diageo Brands (C‑681/13, EU:C:2015:137, n.° 39).


70      V., neste sentido, Acórdão Diageo Brands (n.° 50). V., igualmente, Acórdãos Meroni (n.° 46) e Charles Taylor Adjusting (n.° 36).


71      V., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho (C‑156/21, EU:C:2022:97, n.° 127).


72      V. n.° 77 das presentes conclusões.


73      V. Acórdão de 3 de fevereiro de 2021, Fussl Modestraße Mayr (C‑555/19, EU:C:2021:89, n.° 83).


74      JO 2007, C 303, p. 17.


75      V. jurisprudência resultante dos Acórdão Renault e Eco Swiss evocada nos n.os 77 a 80 e 91 a 94 das presentes conclusões.


76      V., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Spiegel Online (C‑516/17, EU:C:2019:625, n.° 72).


77      TEDH, 23 de setembro de 2009, Jersild c. Dinamarca (CE:ECHR:1994:0923JUD001589089, § 31).


78      V., neste sentido, Acórdão de 3 de fevereiro de 2021, Fussl Modestraße Mayr (C‑555/19, EU:C:2021:89, n.° 82).


79      V. Acórdão de 25 de julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda (C‑288/89, EU:C:1991:323).


80      V., a título exemplificativo, TEDH, 7 de junho de 2012, Centro Eurpa 8 S.rl. e Di Stefano c. Itália (CE:ECHR:2012:0607JUD003843309, § 129).


81      V., nomeadamente, TEDH, 7 de fevereiro de 2012, Axel Springer AG c. Alemanha (CE:ECHR:2012:0207JUD003995408, §§ 78 a 81).


82      V., recentemente, TEDH, 5 de dezembro de 2017, Frisk e Jensen c. Dinamarca (CE:ECHR:2017:1205JUD001965712, § 53).


83      V. TEDH, 2 de setembro de 2014, Firma EDV für Sie, EfS Elektronische Datenverarbeitung Dienstleistungs GmbH c. Alemanha (CE:ECHR:2014:0902DEC003278308, § 23).


84      V., recentemente, TEDH, 11 de janeiro de 2022, Freitas Rangel c. Portugal (CE:ECHR:2022:0111JUD007887313, § 53).


85      V., recentemente, TEDH, 5 de dezembro de 2017, Frisk e Jensen c. Dinamarca (CE:ECHR:2017:1205JUD001965712, § 55).


86      V. n.° 45 das presentes conclusões.


87      V. Acórdão Meroni (n.os 52 e 53).


88      Regulamento do Conselho de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).


89      V. Acórdão de 9 de setembro de 2015, Bohez (C‑4/14, EU:C:2015:563, n.° 59).


90      Acórdão de 2 de abril de 2009 (C‑394/07, EU:C:2009:219, n.° 46). No processo que deu origem a este acórdão, a aplicação da cláusula de ordem pública foi equacionada pelo facto de a execução violar um direito fundamental de ordem processual, para respeitar a proibição da revisão de mérito.


91      V. n.° 70 das presentes conclusões.


92      V. n.os 56 a 59 das presentes conclusões.


93      V., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Deutsche Umwelthilfe (C‑752/18, EU:C:2019:1114, n.° 45).


94      V. n.° 59 das presentes conclusões.


95      V., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Deutsche Umwelthilfe (C‑752/18, EU:C:2019:1114, n.° 50).


96      V., a título exemplificativo, Acórdão de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW (C‑469/17, EU:C:2019:623, n.os 72 a 74).


97      V., a título exemplificativo, Acórdão de 17 de março de 2016, Liffers (C‑99/15, EU:C:2016:173, n.° 26).


98      A proposta de outro ato fundamental do direito internacional privado da União, a saber, o Regulamento (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO 2007, L 199, p. 40), previa, no seu artigo 23.°, n.° 1, terceiro travessão, que «[este] regulamento não prejudica a aplicação das disposições [do direito da União] que [...] se opõem à aplicação de uma disposição ou disposições da lei do foro ou da lei designada por este mesmo] regulamento». Por outro lado, esta proposta de regulamento previa, no seu artigo 24.°, que «a aplicação de uma disposição da lei designada pelo presente regulamento que implique uma indemnização sem carácter compensatório, nomeadamente indemnizações exemplares ou punitivas, é contrária à ordem pública comunitária». Esta segunda disposição devia constituir uma concretização, na forma de regra especial, da derrogação dessa ordem pública, prevista no artigo 23.°, n.° 1, terceiro travessão. A proposta para incluir estes dois artigos não foi acolhida.


99      Convenção adotada na Conferência da Haia de Direito Internacional Privado de 2 de julho de 2019.


100      V., respetivamente, artigo 2.°, n.° 1, alíneas k) e l), desta convenção.


101      V. Relatório Explicativo da Convenção de 2 de julho de 2019, relativa ao Reconhecimento e à Execução de Decisões Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial da autoria de Garcimartín, F., e Saumier, G. (disponível em: https://www.hcch.net/en/publications‑and‑studies/details4/?pid=6797), p. 63.


102      Violação dos direitos da personalidade resultante da utilização da internet: competência, direito aplicável e reconhecimento de sentenças estrangeiras, https://www.idi‑iil.org/app/uploads/2019/09/8‑RES‑FR.pdf.


103      V., a título exemplificativo, Conclusões do advogado‑geral F. Capotorti no processo Bier (21/76, EU:C:1976:147, n.° 6) e, sobre o princípio de perpetuatio fori, Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Gemeinde Bodman‑Ludwigshafen (C‑256/21, EU:C:2022:366, n.° 72).


104      V. Relatório Explicativo sobre a Convenção de 2019, p. 137.


105      V. Symeonides, S.C., Cross Border Infringement of Personality Rights via the Internet. A Resolution of the Institute of International Law, Brill Nijhoff, Leiden — Boston, 2021, pp. 143 e 144.


106      Acórdão de 23 de outubro de 2014 (C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.os 56 e 58).


107      V., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.° 57).


108      Acórdão de 23 de outubro de 2014 (C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.os 56 e 58).


109      TEDH, 17 de dezembro de 2004, Cumpănă e Mazăre c. Roménia (CE:ECHR:2004:1217JUD003334896, § 111).


110      TEDH, 23 de abril de 2015, Morice c. França (CE:ECHR:2015:0423JUD002936910, § 176).


111      V. TEDH, 11 de abril de 2006, Brasilier c. França (CE:ECHR:2006:0411JUD007134301, § 43). V., igualmente, Baumbach, T., «Chilling Effect as a European Court of Human Rights’ Concept in Media Law Cases», Bergen Journal of Criminal Law and Criminal Justice, 2018, vol. 6(1), p. 102.


112      V., neste sentido, no que se refere a uma condenação «relativamente leve», TEDH, 24 de maio de 2022, Pretorian c. Roménia (CE:ECHR:2022:0524JUD004501416, § 81).


113      V., neste sentido, TEDH, 5 de maio de 2022, Mesić c. Croácia (CE:ECHR:2022:0505JUD001936218, §§ 111 a 113), e TEDH, 16 de junho de 2015, Defi AS c. Estónia (CE:ECHR:2015:0616JUD006456909, § 110).


114      TEDH, 26 de novembro de 2013, Błaja News Sp. z o. o. c. Polónia (CE:ECHR:2013:1126JUD005954510, § 71).


115      TEDH, 29 de maio de 2017, Tavares de Almeida Fernandes e Almeida Fernandes c. Portugal (CE:ECHR:2017:0117JUD003156613, § 77).


116      V., neste sentido, Wurmnest, W., «Towards a European Concept of Public Policy Regarding Punitive Damages,» Punitive damages and private international law: state of the art and future developments Bariatti, S., Fumagalli, L., Crespi Reghizzi, Z., Wolters Kluwer ‑ CEDAM, Milão, 2019, p. 259.


117      V., a título exemplificativo, TEDH, 14 de fevereiro de 2023, Halet c. Luxemburgo (CE:ECHR:2023:0214JUD002188418, § 205), e TEDH, 15 de maio de 2023, Sanchez c. França (CE:ECHR:2023:0515JUD004558115, § 205). Em determinados acórdãos, o TEDH utiliza a expressão «“chilling”, dissuasive effect», v. TEDH, 27 de junho de 2017, Ghiulfer Predescu c. Rumanía (CE:ECHR:2017:0627JUD002975109, § 61), e TEDH, 8 de janeiro de 2019, Prunea c. Rumanía (CE:ECHR:2019:0108JUD004788111, § 38). V. TEDH, 5 de maio de 2022, Mesić c. Croácia (CE:ECHR:2022:0505JUD001936218, § 113).


118      Pech, L., The concept of chilling effect, Open Society European Policy Institute, 2021, p. 6.


119      V., neste sentido, Baumbach, T., op. cit., p. 112.


120      TEDH, 1 de março de 2007, Tønsbergs Blad AS e Haukom c. Noruega (CE:ECHR:2007:0301JUD000051004, § 102). O sublinhado e a tradução são meus.


121      TEDH, 19 de abril de 2011, Kasabova c. Bulgária (CE:ECHR:2011:0419JUD002238503, § 71), e TEDH, 19 de abril de 2011, Bozhkov c. Bulgaria (CE:ECHR:2011:0419JUD000331604, § 55). O sublinhado e a tradução são meus.


122      TEDH, 7 de dezembro de 2010, Público Comunicação Social, S. A. e o. c. Portugal (CE:ECHR:2010:1207JUD003932407, § 55).


123      O TEDH considerou, no seu Acórdão de 26 de abril de 2007, Colaço Mestre e SIC v. Portugal (CE:ECHR:2007:0426JUD001118203, § 27), que o debate muito intenso e mediatizado em torno das questões de corrupção no futebol é de interesse geral e, nessa ordem de ideias, no seu Acórdão de 22 de fevereiro de 2007, Nikowitz and Verlagsgruppe News GmbH v. Áustria (CE:ECHR:2007:0222JUD000526603, § 25), que «a atitude da sociedade em relação a uma estrela do desporto» constitui um assunto de interesse geral.


124      V., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW (C‑469/17, EU:C:2019:623, n.° 74). V., igualmente, no contexto da proteção dos dados pessoais, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Google (Supressão de referências de informações alegadamente falsas) (C‑460/20, EU:C:2022:962, n.° 97).


125      V., neste sentido, TEDH, 27 de junho de 2017, Ghiulfer Predescu c. Rumania (CE:ECHR:2017:0627JUD002975109, § 61).


126      V. n.os 169 a 171 das presentes conclusões.


127      V. n.° 128 das presentes conclusões.


128      TEDH, 19 de abril de 2011, Kasabova c. Bulgaria (CE:ECHR:2011:0419JUD002238503, § 71), e TEDH, 19 de abril de 2011, Bozhkov c. Bulgaria (CE:ECHR:2011:0419JUD000331604, § 55). V., igualmente, TEDH, 10 de fevereiro de 2015, Cojocaru c. Rumania (CE:ECHR:2015:0210JUD003210406, § 33).


129      TEDH, 29 de agosto de 1997, Worm c. Áustria (CE:ECHR:1997:0829JUD002271493, §§ 15 e 57).


130      V. TEDH, 19 de abril de 2011, Kasabova c. Bulgária (CE:ECHR:2011:0419JUD002238503, § 71), e TEDH, 19 de abril de 2011, Bozhkov c. Bulgaria (CE:ECHR:2011:0419JUD000331604, § 55).


131      TEDH, 7 de julho de 2015, Morar c. Rumania (CE:ECHR:2015:0707JUD002521706, § 70).


132      V. TEDH, 2 de junho de 2008, Timpul Info‑Magazin et Anghel c. Moldovia (CE:ECHR:2007:1127JUD004286405, § 39), e TEDH, 26 de novembro de 2013, Błaja News Sp. z o. o. c. Polónia (CE:ECHR:2013:1126JUD005954510, § 71).


133      V. n.os 126 e 129 das presentes conclusões.


134      V. n.os 135 e 137 das presentes conclusões.


135      V., neste sentido, TEDH, 5 de maio de 2022, Mesić c. Croácia (CE:ECHR:2022:0505JUD001936218, §§ 111 a 113).


136      V. TEDH, 30 de junho de 2005, Bosphorus Hava Yolları Turizm ve Ticaret Anonim Şirketi c. Irlanda (CE:ECHR:2005:0630JUD004503698).


137      Acórdão Avotiņš c. Letónia (§§ 101 a 104).


138      Acórdão Avotiņš c. Letónia (§ 105).


139      V., neste sentido, Acórdão Avotiņš c. Letónia (§ 106).


140      V., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2013, Povse c. Áustria (CE:ECHR:2013:0618DEC000389011, §§ 79 a 81).


141      Com efeito, o TEDH considerou, no seu Acórdão de 18 de junho de 2013, Povse c. Áustria (CE:ECHR:2013:0618DEC000389011, §§ 79 a 83), que esta presunção é aplicável no contexto da execução, com base no Regulamento n.° 2201/2003, de uma decisão relativa ao regresso de uma criança. Sublinhou que este regulamento não deixa nenhuma margem de discricionariedade ao Estado‑Membro requerido. No que se refere ao Regulamento Bruxelas I, o TEDH aplicou também a referida presunção no seu Acórdão Avotiņš c. Letónia (§ 108). Partiu da premissa que, quanto à execução de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro, este regulamento não reconhece ao Estado‑Membro requerido nenhum poder discricionário de apreciação. Com efeito, o pedido foi apreciado sem ter em consideração a cláusula de ordem pública prevista no referido regulamento, porque o recorrente não a tinha invocado perante as instâncias nacionais.


142      V., neste sentido, Cuniberti, G., «Le fondement de l’effet des jugements étrangers», Recueil des cours de l’Académie de droit international de La Haye, 2019, vol. 394, pp. 275 e 276, e Hazelhorst, M., Free Movement of Civil Judgments in the European Union and the right to a fair Trial, Springer, La Haye, 2017, p. 212.


143      V., neste sentido, Acórdão Avotiņš c. Letónia (§ 106).


144      V. n.os 113 e 189 das presentes conclusões.


145      V. n.° 171 das presentes conclusões.


146      V. n.° 177 a 179 das presentes conclusões.


147      V. n.° 182 das presentes conclusões.