Language of document : ECLI:EU:C:2024:139

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

20 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigo 4.o — Princípio da não discriminação — Diferença de tratamento em caso de despedimento — Rescisão de um contrato de trabalho a termo — Inexistência de obrigação de indicar as causas da rescisão — Fiscalização jurisdicional — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

No processo C‑715/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Krakowa — Nowej Huty w Krakowie (Tribunal de Primeira Instância de Cracóvia — Nowa Huta, Cracóvia, Polónia), por Decisão de 11 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de dezembro de 2020, no processo

K.L.

contra

X sp. z o.o.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, E. Regan, F. Biltgen, N. Piçarra, presidentes de secção, S. Rodin, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, A. Kumin (relator), N. Wahl, I. Ziemele, J. Passer e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de novembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, J. Lachowicz e A. Siwek‑Ślusarek, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por D. Martin, D. Recchia e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43), bem como dos artigos 21.o e 30.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K.L., um trabalhador que foi objeto de despedimento, à X sp. z o.o., uma sociedade de responsabilidade limitada de direito polaco e antiga empregadora de K.L., a respeito da rescisão do contrato de trabalho a termo que vinculava o referido trabalhador àquela sociedade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 1999/70

3        Nos termos do considerando 14 da Diretiva 1999/70:

«As partes signatárias pretenderam celebrar um acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo enunciando os princípios gerais e as prescrições mínimas em matéria de contratos e relações de trabalho a termo. Manifestaram a sua vontade de melhorar a qualidade do trabalho com contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação, e de estabelecer um quadro para impedir os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

[…]»

4        O artigo 1.o da Diretiva 1999/70 dispõe:

«A presente diretiva tem como objetivo a aplicação do [acordo‑quadro].»

 Acordoquadro

5        O terceiro parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro tem a seguinte redação:

«O presente acordo estabelece os princípios gerais e os requisitos mínimos relativos aos contratos de trabalho a termo, reconhecendo que a sua aplicação pormenorizada deve ter em conta a realidade e especificidades das situações nacionais, setoriais e sazonais. Afirma ainda a vontade dos parceiros sociais em estabelecerem um quadro‑geral que garanta a igualdade de tratamento em relação aos trabalhadores contratados a termo, protegendo‑os contra discriminações e a utilização dos contratos de trabalho a termo numa base aceitável tanto para empregadores como para trabalhadores.»

6        Nos termos do artigo 1.o do acordo‑quadro, este tem por objetivo, por um lado, melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação, e, por outro, estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

7        O artigo 2.o, n.o 1, do acordo‑quadro, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:

«O presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro.»

8        O artigo 3.o do referido acordo‑quadro tem a seguinte redação:

«1.      Para efeitos do presente acordo, entende‑se por “trabalhador contratado a termo” o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído diretamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento.

2.      Para efeitos do presente acordo, entende‑se por “trabalhador permanente em situação comparável” um trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma empresa realize um trabalho ou uma atividade idêntico ou similar, tendo em conta as qualificações ou competências. No caso de não existir nenhum trabalhador permanente em situação comparável na mesma empresa, a comparação deverá efetuar‑se com referência à convenção coletiva aplicável ou, na sua falta, em conformidade com a legislação, convenções coletivas ou práticas nacionais.»

9        O artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro («Princípio da não discriminação») estipula:

«No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.»

 Direito polaco

10      Em conformidade com o artigo 8.o da ustawa — Kodeks pracy (Lei que aprova o Código do Trabalho), de 26 de junho de 1974 (Dz. U. n.o 24, posição 141), na versão aplicável ao litígio no processo principal (Dz. U. de 2020, posição 1320, como alterada) (a seguir «Código do Trabalho»), um direito não pode ser exercido em contradição com a sua finalidade socioeconómica ou em inobservância dos princípios da vida em sociedade.

11      O artigo 18.o3a, §§ 1 e 2, do Código do Trabalho enuncia:

«§1.      Os trabalhadores devem ser tratados segundo a igualdade no que respeita à celebração e à cessação da relação laboral, às condições de trabalho, à promoção e acesso a formação para melhoria das qualificações profissionais, em particular, independentemente do sexo, idade, deficiência, raça, religião, nacionalidade, convicções políticas, filiação sindical, origem étnica, religião, orientação sexual, bem como independentemente de a contratação ser a termo certo ou por tempo indeterminado, a tempo integral ou a tempo parcial.

§2.      A igualdade de tratamento no emprego significa que não pode haver nenhum tipo de discriminação, direta ou indireta, pelos motivos enunciados no § 1.»

12      O artigo 18.o3b, § 1, do Código do Trabalho dispõe:

«Entende‑se por violação do princípio da igualdade de tratamento no emprego, sob reserva do disposto nos § 2 a 4, a distinção efetuada pelo empregador no que respeita à situação de um trabalhador por um ou mais dos motivos referidos no artigo 18.o3a, § 1, que tenha designadamente por efeito:

1)      a recusa de contratar ou a cessação da relação de trabalho;

2)      a fixação de condições remuneratórias ou de outras condições de emprego desvantajosas, ou a omissão de progressão na carreira ou de concessão de outras prestações relacionadas com a atividade profissional;

3)      […]

–        salvo se o empregador demonstrar que agiu com base em razões objetivas.

[…]»

13      O artigo 30.o do Código do Trabalho prevê:

«§1.      O contrato de trabalho extingue‑se:

1)      por acordo entre as partes;

2)      por declaração de uma das partes dentro do prazo de pré‑aviso (cessação do contrato de trabalho com pré‑aviso);

3)      por declaração de uma das partes sem pré‑aviso (cessação do contrato de trabalho sem pré‑aviso);

4)      no termo do período para o qual foi celebrado.

[…]

§3.      A declaração de rescisão do contrato de trabalho, com ou sem pré‑aviso, por qualquer das partes está sujeita à forma escrita.

§4.      A declaração do empregador relativa à rescisão com pré‑aviso do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de cessação do contrato de trabalho sem pré‑aviso deve indicar a razão que a justifica.»

14      O artigo 44.o do Código do Trabalho dispõe:

«O trabalhador pode interpor recurso da rescisão do seu contrato de trabalho no tribunal do trabalho […]»

15      O artigo 45.o, § 1, do Código do Trabalho determina:

«Quando se demonstrar que a rescisão de um contrato de trabalho por tempo indeterminado foi efetuada sem justa causa ou em violação das disposições relativas à rescisão de contratos de trabalho, o tribunal do trabalho, mediante pedido do trabalhador nesse sentido, declara a nulidade dessa rescisão e, se já tiver sido posto termo ao contrato, ordena a reintegração do trabalhador nas condições anteriores, ou a sua indemnização.»

16      O artigo 50.o, § 3, do Código do Trabalho dispõe:

«Quando a rescisão de um contrato de trabalho a termo tiver ocorrido em violação das disposições relativas à rescisão de tais contratos, o trabalhador apenas tem direito a uma indemnização.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17      K.L. e a X celebraram um contrato de trabalho a termo, a tempo parcial, para o período compreendido entre 1 de novembro de 2019 e 31 de julho de 2022.

18      Em 15 de julho de 2020, a X notificou K.L., que é o demandante no processo principal, de uma declaração de rescisão desse contrato de trabalho, respeitando um prazo de pré‑aviso de um mês. Deste modo, a rescisão produziu efeitos em 31 de agosto de 2020, sem que, no entanto, tivessem sido comunicadas a K.L. as razões da mesma.

19      Na sequência do seu despedimento, K.L. intentou uma ação no Sąd Rejonowy dla Krakowa — Nowej Huty w Krakowie (Tribunal de Primeira Instância de Cracóvia — Nowa Huta, Cracóvia, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, na qual reclamava o pagamento de uma indemnização ao abrigo no artigo 50.o, n.o 3, do Código do Trabalho, invocando a ilegalidade do seu despedimento.

20      Nesse pedido, K.L. alegou, por um lado, que a declaração da X continha erros formais constitutivos de uma irregularidade que conferia direito a indemnização, nos termos do artigo 50.o, n.o 3, do Código do Trabalho. Por outro lado, sustentou que, embora o Código do Trabalho não imponha aos empregadores a obrigação de indicar as causas da rescisão em caso de rescisão de contratos de trabalho celebrados a termo, a falta dessa indicação violou o princípio da não discriminação consagrado no direito da União e no direito polaco, pelo facto de a referida obrigação existir em caso de rescisão de contratos de trabalho celebrados por tempo indeterminado.

21      X, em contrapartida, alegou que tinha procedido ao despedimento do demandante no processo principal em conformidade com as disposições do direito do trabalho polaco em vigor, o que, segundo parece, este não contesta.

22      O órgão jurisdicional de reenvio confirma, no pedido de decisão prejudicial, que, no direito polaco, em caso de processo instaurado por um trabalhador contra a rescisão do seu contrato de trabalho a termo, o juiz competente não examina a causa do despedimento e o trabalhador em causa não tem direito a uma indemnização por falta de justificação desse despedimento. Tal trabalhador fica assim privado da proteção resultante do artigo 30.o da Carta, nos termos do qual «[t]odos os trabalhadores têm direito a proteção contra os despedimentos sem justa causa, de acordo com o direito da União e com as legislações e práticas nacionais».

23      O órgão jurisdicional de reenvio observa, a este respeito, que, em 2008, o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia) proferiu um acórdão sobre a compatibilidade com a Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej (Constituição da República da Polónia), de 2 de abril de 1997 (Dz. U. de 1997, n.o 78, posição 483) (a seguir «Constituição»), do artigo 30.o, n.o 4, do Código do Trabalho, tendo em conta as diferenças previstas nesta disposição quanto às exigências em matéria de rescisão, consoante o tipo de contrato de trabalho em causa.

24      Neste acórdão, o referido Tribunal Constitucional declarou que o artigo 30.o, n.o 4, do Código do Trabalho, uma vez que não estabelece a obrigação de indicar a causa da rescisão na declaração do empregador referente à rescisão do contrato de trabalho a termo, e o artigo 50.o, n.o 3, do referido código, uma vez que não estabelece o direito do trabalhador a uma indemnização por rescisão injustificada desse contrato de trabalho, são compatíveis com o artigo 2.o da Constituição, que consagra o princípio do Estado de direito democrático, bem como com o artigo 32.o da mesma, que institui o princípio da igualdade perante a lei e proíbe a discriminação na vida política, social ou económica por qualquer motivo.

25      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) concluiu que também nada permitia considerar que a diferenciação instituída, baseada na característica da duração do emprego, não era efetuada segundo um critério pertinente, na aceção do artigo 32.o da Constituição.

26      O órgão jurisdicional de reenvio refere neste contexto que, num acórdão proferido em 2019, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), em contrapartida, manifestou dúvidas quanto à correta aplicação do artigo 4.o do acordo‑quadro no direito polaco e, por conseguinte, quanto à conformidade das disposições pertinentes do Código do Trabalho com o direito da União. No entanto, este órgão jurisdicional supremo indicou que uma entidade que não constitui uma emanação do Estado, como um empregador privado, não pode ser obrigada a responder pela ilegalidade consistente na transposição incorreta da Diretiva 1999/70 para o direito interno. O referido órgão jurisdicional supremo não pode, pois, excluir a aplicação do artigo 30.o, n.o 4, do Código do Trabalho no processo que deu origem a esse acórdão, uma vez que mesmo uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva que visa conferir direitos ou impor obrigações aos particulares não pode ter aplicação no âmbito de um litígio exclusivamente entre particulares.

27      O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, neste contexto, há que tomar em consideração, particularmente, os Acórdãos de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43), e de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278). A este respeito, especifica que os critérios cuja aplicação é proibida para efeitos de uma distinção entre trabalhadores, critérios esses que foram objeto destes dois acórdãos, a saber, a religião no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation (C‑193/17, EU:C:2019:43), e a idade, no processo que deu origem ao Acórdão de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278), são expressamente mencionados no artigo 21.o da Carta, ao passo que uma relação de emprego no âmbito de um contrato de trabalho a termo não figura entre os critérios mencionados nessa disposição. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, embora o artigo 21.o, n.o 1, da Carta enuncie a proibição de qualquer discriminação, a lista dos critérios que menciona não é exaustiva, como atesta a utilização do advérbio «designadamente» na referida disposição.

28      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, se o Tribunal de Justiça interpretar o acordo‑quadro no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal sem clarificar a questão do efeito direto horizontal da regulamentação da União Europeia cuja interpretação é pedida, serão aplicáveis no direito polaco dois regimes distintos de rescisão dos contratos a termo consoante o empregador constitua ou não uma emanação do Estado.

29      Nestas circunstâncias, o Sąd Rejonowy dla Krakowa — Nowej Huty w Krakowie (Tribunal de Primeira Instância de Cracóvia — Nowa Huta, Cracóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem o artigo 1.o da Diretiva [1999/70] e os artigos 4.o e 1.o do acordo‑quadro, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de direito nacional que prevê que o empregador tem a obrigação de indicar, por escrito, a causa da sua decisão de rescisão de um contrato de trabalho apenas quando se trata de contratos de trabalho por tempo indeterminado, ficando, consequentemente, o bem fundado dos motivos de rescisão dos contratos de trabalho por tempo indeterminado sujeit[o] a fiscalização jurisdicional, não estando prevista esta obrigação do empregador (isto é, indicar as causas da rescisão do contrato) no que diz respeito a contratos de trabalho a termo (pelo que apenas a questão da conformidade da rescisão com as disposições relativas à rescisão de contratos é passível de fiscalização jurisdicional)?

2)      Podem o artigo 4.o do [acordo‑quadro] e o princípio geral do direito da União relativo à proibição da discriminação (artigo 21.o da [Carta]) ser invocados pelas partes num litígio em que ambas são particulares e, por conseguinte, a regulamentação acima indicada tem efeito horizontal?»

 Quanto às questões prejudiciais

30      Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe, sendo caso disso, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas. A circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado uma questão prejudicial com base em certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Nordic Info, C‑128/22, EU:C:2023:951, n.o 99 e jurisprudência referida).

31      No processo em apreço, tendo em conta todos os elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como as observações apresentadas pelo Governo Polaco e pela Comissão Europeia, importa reformular as questões submetidas para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio elementos de interpretação úteis.

32      Assim, sem que seja necessária a pronúncia sobre o pedido de interpretação do artigo 21.o da Carta, há que considerar que, com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual um empregador não está obrigado a fundamentar por escrito a rescisão com pré‑aviso de um contrato de trabalho a termo, apesar de estar vinculado a essa obrigação em caso de rescisão de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, e se esse artigo pode ser invocado no âmbito de um litígio entre particulares.

33      Em primeiro lugar, cumpre recordar que o acordo‑quadro é aplicável a todos os trabalhadores que fornecem prestações remuneradas no âmbito de uma relação laboral a termo que os vincula ao seu empregador (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2022, Comunidad de Castilla y León, C‑192/21, EU:C:2022:513, n.o 26 e jurisprudência referida).

34      No caso vertente, é facto assente que o demandante no processo principal, no âmbito da sua relação laboral com a X, era considerado um trabalhador contratado ao abrigo de um contrato a termo, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, do acordo‑quadro, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, do mesmo, pelo que o litígio no processo principal está abrangido pelo âmbito de aplicação deste acordo‑quadro.

35      Em segundo lugar, a proibição de um tratamento menos favorável dos trabalhadores contratados a termo em relação ao reservado aos trabalhadores contratados por tempo indeterminado, prevista no artigo 4.o do acordo‑quadro, diz respeito às condições de emprego dos trabalhadores. Assim, há que determinar se a legislação em causa no processo principal, na parte em que regula a rescisão de um contrato de trabalho, está abrangida pelo conceito de «condições de emprego», na aceção do artigo 4.o do acordo‑quadro.

36      Decorre da redação e do objetivo deste artigo que o mesmo não se refere à própria opção de celebrar contratos de trabalho a termo em vez de contratos de trabalho permanentes, mas às condições de emprego dos trabalhadores que celebraram o primeiro tipo de contrato em comparação com as dos trabalhadores empregados ao abrigo do segundo tipo de contrato (Acórdão de 8 de outubro de 2020, Universitatea «Lucian Blaga» Sibiu e o., C‑644/19, EU:C:2020:810, n.o 39 e jurisprudência referida).

37      A este respeito, o critério decisivo para determinar se uma medida se enquadra nas «condições de emprego», na aceção do artigo 4.o do acordo‑quadro, é precisamente o do emprego, a saber, a relação laboral estabelecida entre um trabalhador e o seu empregador [Despacho de 18 de maio de 2022, Ministero dell’'istruzione (Cartão Eletrónico), C‑450/21, EU:C:2022:411, n.o 33 e jurisprudência referida].

38      Deste modo, o Tribunal de Justiça considerou que estão abrangidos por este conceito, designadamente, a proteção concedida a um trabalhador em caso de despedimento ilícito (Acórdão de 17 de março de 2021, Consulmarketing, C‑652/19, EU:C:2021:208, n.o 52 e jurisprudência referida), bem como as regras relativas à determinação do prazo de pré‑aviso aplicável em caso de rescisão dos contratos de trabalho a termo e ainda as relativas à indemnização atribuída ao trabalhador devido à rescisão do contrato de trabalho que o vincula ao seu empregador, uma vez que essa indemnização é paga devido à relação laboral que se constituiu entre estes (Acórdão de 25 de julho de 2018, Vernaza Ayovi, C‑96/17, EU:C:2018:603, n.o 28 e jurisprudência referida).

39      Com efeito, uma interpretação do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro que exclua da definição do conceito de «condições de emprego» as condições de rescisão de um contrato de trabalho a termo equivaleria a, contrariando o objetivo atribuído à referida disposição, reduzir o âmbito de aplicação da proteção contra o tratamento menos favorável concedida aos trabalhadores com contratos a termo (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Vernaza Ayovi, C‑96/17, EU:C:2018:603, n.o 29 e jurisprudência referida).

40      À luz desta jurisprudência, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é, pois, abrangida pelo conceito de «condições de emprego», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro. Com efeito, esta legislação prevê o regime de rescisão de um contrato de trabalho em caso de despedimento, uma vez que a razão de ser deste regime é a relação laboral que se constituiu entre um trabalhador e o seu empregador.

41      Em terceiro lugar, importa recordar que, nos termos do artigo 1.o, alínea a), do acordo‑quadro, um dos objetivos do mesmo é melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação. Do mesmo modo, no seu terceiro parágrafo, o preâmbulo do acordo‑quadro precisa que este «[a]firma ainda a vontade dos parceiros sociais [de] estabelecerem um quadro geral que garanta a igualdade de tratamento em relação aos trabalhadores contratados a termo, protegendo‑os contra discriminações». O considerando 14 da Diretiva 1999/70 indica, para este efeito, que o objetivo do acordo‑quadro consiste, nomeadamente, em melhorar a qualidade do trabalho com contrato a termo, fixando prescrições mínimas suscetíveis de garantir a aplicação do princípio da não discriminação (Acórdão de 17 de março de 2021, Consulmarketing, C‑652/19, EU:C:2021:208, n.o 48 e jurisprudência referida).

42      O acordo‑quadro, especialmente o seu artigo 4.o, destina‑se a aplicar o referido princípio aos trabalhadores contratados a termo, com vista a impedir que uma relação laboral desta natureza seja utilizada por um empregador para privar estes trabalhadores de direitos que são reconhecidos aos trabalhadores com contratos por tempo indeterminado (Acórdão de 3 de junho de 2021, Servicio Aragonés de Salud, C‑942/19, EU:C:2021:440, n.o 34 e jurisprudência referida).

43      Além disso, a proibição de discriminação enunciada no artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro é apenas a expressão específica do princípio geral da igualdade que faz parte dos princípios fundamentais do direito da União (Acórdão de 19 de outubro de 2023, Lufthansa CityLine, C‑660/20, EU:C:2023:789, n.o 37 e jurisprudência referida).

44      Atendendo a esses objetivos, este artigo deve ser entendido como a expressão de um princípio fundamental do direito social da União que não pode ser interpretado de modo restritivo (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2023, Lufthansa CityLine, C‑660/20, EU:C:2023:789, n.o 38 e jurisprudência referida).

45      Em conformidade com o objetivo de eliminação das discriminações entre trabalhadores contratados a termo e trabalhadores contratados por tempo indeterminado, o referido artigo, que tem efeito direto, enuncia, no n.o 1, no que respeita às condições de emprego, uma proibição de tratar os trabalhadores contratados a termo de uma maneira menos favorável do que os trabalhadores contratados por tempo indeterminado numa situação comparável, pelo simples motivo de terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se «razões objetivas» justificarem um tratamento diferente (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Rosado Santana, C‑177/10, EU:C:2011:557, n.os 56 e 64, e de 5 de junho de 2018, Montero Mateos, C‑677/16, EU:C:2018:393, n.o 42).

46      Mais concretamente, há que examinar se a legislação em causa no processo principal, no que respeita ao regime de rescisão, conduz a uma diferença de tratamento constitutiva de um tratamento menos favorável dos trabalhadores contratados a termo em relação aos trabalhadores contratados por tempo indeterminado numa situação comparável, antes de determinar, sendo caso disso, se tal diferença de tratamento pode ser justificada por «razões objetivas».

47      No que respeita, primeiro, à comparabilidade das situações em causa, para apreciar se as pessoas interessadas exercem um trabalho idêntico ou similar na aceção do acordo‑quadro, cumpre averiguar se, em conformidade com os seus artigos 3.o, n.o 2, e 4.o, n.o 1, atendendo a um conjunto de fatores, como a natureza do trabalho, as condições de formação e as condições de trabalho, se pode considerar que estas pessoas se encontram numa situação comparável (Acórdãos de 5 de junho de 2018, Grupo Norte Facility, C‑574/16, EU:C:2018:390, n.o 48 e jurisprudência referida, e de 5 de junho de 2018, Montero Mateos, C‑677/16, EU:C:2018:393, n.o 51 e jurisprudência referida).

48      Ora, tendo em conta o caráter geral da legislação em causa no processo principal, que rege a informação dos trabalhadores cujo contrato de trabalho é rescindido quanto às causas que justificam essa rescisão, observa‑se que essa legislação se aplica a trabalhadores contratados no âmbito de um contrato a termo que podem ser comparáveis a trabalhadores contratados ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

49      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para apreciar os factos, determinar se o demandante no processo principal se encontrava numa situação comparável à dos trabalhadores contratados por tempo indeterminado pela X no mesmo período (v., por analogia, Acórdãos de 14 de setembro de 2016, de Diego Porras, C‑596/14, EU:C:2016:683, n.o 42 e jurisprudência referida, bem como de 17 de março de 2021, Consulmarketing, C‑652/19, EU:C:2021:208, n.o 54).

50      No que respeita, segundo, à existência de um tratamento menos favorável dos trabalhadores contratados a termo relativamente ao de que beneficiam os trabalhadores contratados por tempo indeterminado, é facto assente que, no caso de uma rescisão com pré‑aviso de um contrato de trabalho a termo, o empregador não está obrigado a comunicar imediatamente ao trabalhador, por escrito, a causa ou causas que a justificam, ao passo que está obrigado a fazê‑lo no caso de uma rescisão com pré‑aviso de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

51      Importa observar a este respeito que, por um lado, a existência de um tratamento menos favorável, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro, é apreciada objetivamente. Ora, numa situação como a que está em causa no processo principal, um trabalhador contratado a termo cujo contrato de trabalho é rescindido com pré‑aviso, uma vez que não é informado, contrariamente ao que sucede com um trabalhador contratado por tempo indeterminado cujo contrato de trabalho é rescindido, da causa ou causas desse despedimento, vê‑se privado de uma informação importante para apreciar o caráter injustificado do despedimento e ponderar a eventual instauração de um processo num tribunal. Existe, assim, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de trabalhadores, na aceção desta disposição.

52      Por outro lado, tanto o órgão jurisdicional de reenvio como o Governo Polaco sugerem que a falta de exigência dessa informação não exclui a faculdade de o trabalhador em causa recorrer ao tribunal do trabalho competente, para que este possa verificar se o despedimento em causa é eventualmente discriminatório ou constitui um abuso de direito devido à sua incompatibilidade com a finalidade socioeconómica do direito em causa ou à violação dos princípios da vida em sociedade, na aceção do artigo 8.o do Código do Trabalho.

53      Ora, há que salientar que tal situação pode gerar consequências desfavoráveis para um trabalhador contratado a termo, uma vez que esse trabalhador, mesmo admitindo que a fiscalização jurisdicional da procedência das causas de rescisão do seu contrato de trabalho esteja garantida e que seja assim assegurada uma proteção jurisdicional efetiva do interessado, não dispõe, a montante, de informação que possa ser determinante para efeitos da opção de intentar ou não uma ação judicial contra a rescisão do seu contrato de trabalho.

54      Assim, se o trabalhador em questão tiver dúvidas quanto à legitimidade da causa do seu despedimento, não tem outra opção, na falta de comunicação voluntária da mesma pelo empregador, que não seja intentar no tribunal de trabalho competente uma ação destinada a impugnar esse despedimento. Apenas no âmbito desta ação é que esse trabalhador pode conseguir que o referido tribunal ordene ao seu empregador que comunique a causa ou causas desse despedimento, sem poder apreciar a priori as hipóteses de procedência da referida ação. Ora, segundo as explicações dadas pela República da Polónia na audiência, o referido trabalhador está obrigado a sustentar prima facie, nessa ação, a sua argumentação destinada a demonstrar o caráter discriminatório ou abusivo do despedimento de que foi objeto, apesar de não conhecer as causas do mesmo. A isto acresce que, ainda que a propositura de tal ação, por um trabalhador contratado a termo, nesse tribunal do trabalho seja gratuita, em conformidade com o que também indicou a República da Polónia na audiência, a preparação e o acompanhamento do processo relativo à apreciação do mesmo podem implicar custos para o referido trabalhador, ou mesmo despesas a suportar caso seja vencido nessa ação.

55      Por último, importa recordar neste contexto que um contrato a termo deixa de produzir efeitos para o futuro no termo do prazo nele previsto, podendo esse termo ser constituído, nomeadamente, como no caso vertente, pela concretização de uma data precisa. Assim, as partes num contrato de trabalho a termo conhecem, desde a sua celebração, a data ou o acontecimento que determina o seu termo. Esse termo limita a duração da relação laboral, sem que as partes tenham de manifestar a sua vontade a este respeito, após a celebração do referido contrato de trabalho (Acórdão de 5 de junho de 2018, Grupo Norte Facility, C‑574/16, EU:C:2018:390, n.o 57). A rescisão antecipada desse contrato de trabalho, por iniciativa do empregador, resultante da ocorrência de circunstâncias que não estavam previstas na data da celebração do mesmo e que vêm assim perturbar a evolução normal da relação laboral, pode afetar, neste sentido, pelo seu caráter imprevisto, um trabalhador contratado a termo, pelo menos na mesma medida em que a rescisão de um contrato de trabalho por tempo indeterminado pode afetar o trabalhador correspondente.

56      Daqui resulta que, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal institui uma diferença de tratamento que implica um tratamento menos favorável dos trabalhadores contratados a termo relativamente aos trabalhadores contratados por tempo indeterminado, decorrente do facto de não ser aplicada a estes últimos a limitação em causa no que respeita à informação relativa às causas justificativas do despedimento.

57      Terceiro, sem prejuízo da verificação que o órgão jurisdicional de reenvio é convidado a efetuar no n.o 49 do presente acórdão, importa ainda determinar se a diferença de tratamento entre trabalhadores contratados a termo e trabalhadores contratados por tempo indeterminado numa situação comparável, objeto das dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, pode ser justificada por «razões objetivas», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro.

58      Neste aspeto, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, o conceito de «razões objetivas», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro, deve ser entendido no sentido de que não permite justificar uma diferença de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os trabalhadores contratados sem termo, pelo facto de esta diferença estar prevista numa norma nacional geral e abstrata, como uma lei ou uma convenção coletiva (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2023, Lufthansa CityLine, C‑660/20, EU:C:2023:789, n.o 57 e jurisprudência referida).

59      Pelo contrário, este conceito exige que a diferença de tratamento constatada seja justificada pela existência de elementos precisos e concretos, que caracterizem a condição de emprego em questão, no contexto específico em que esta se insere, e com base em critérios objetivos e transparentes, para poder verificar se esta diferença responde a uma verdadeira necessidade, é suscetível de alcançar o objetivo prosseguido e é necessária para esse efeito. Estes elementos podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para cuja realização foram celebrados contratos a termo e das características inerentes às mesmas ou, eventualmente, da prossecução de um objetivo legítimo de política social de um Estado‑Membro (Acórdão de 19 de outubro de 2023, Lufthansa CityLine, C‑660/20, EU:C:2023:789, n.o 58 e jurisprudência referida).

60      No caso em apreço, o Governo Polaco, baseando‑se no raciocínio seguido pelo Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) no acórdão mencionado nos n.os 23 a 25 do presente acórdão, invoca a diferença entre a função social e económica de um contrato de trabalho a termo e a de um contrato por tempo indeterminado.

61      Segundo o Governo Polaco, a distinção estabelecida no direito polaco no que respeita à exigência de fundamentação, consoante se trate da rescisão de um contrato por tempo indeterminado ou de um contrato a termo, inscreve‑se na prossecução do objetivo legítimo de uma «política social nacional destinada ao pleno emprego produtivo». A prossecução deste objetivo exige uma grande flexibilidade do mercado de trabalho. Ora, o contrato de trabalho a termo contribui para essa flexibilidade, por um lado, ao dar a um maior número de pessoas uma oportunidade de contratação, prevendo simultaneamente uma proteção adequada dos trabalhadores em causa, e, por outro, ao permitir aos empregadores que respondam às suas necessidades em caso de aumento da respetiva atividade, sem, no entanto, estarem vinculados ao trabalhador em causa de forma permanente.

62      O Governo Polaco sublinha, assim, que garantir aos trabalhadores contratados a termo o mesmo nível de proteção que aquele de que beneficiam os trabalhadores contratados por tempo indeterminado contra a rescisão de um contrato de trabalho mediante pré‑aviso comprometeria a realização do referido objetivo. Isto foi confirmado pelo Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) quando declarou que essa diferença de regimes era legítima à luz dos artigos 2.o e 32.o da Constituição, que consagram, respetivamente, o princípio do Estado de direito democrático e os princípios da igualdade perante a lei, bem como da proibição da discriminação na vida política, social ou económica.

63      Ora, há que observar que os elementos invocados pelo Governo Polaco para justificar a legislação em causa no processo principal não são elementos precisos e concretos, que caracterizem a condição de emprego em questão, como exige a jurisprudência recordada nos n.os 58 e 59 do presente acórdão, antes se assemelhando a um critério que, de modo geral e abstrato, se refere exclusivamente à própria duração do emprego. Estes elementos não permitem, pois, garantir que a diferença de tratamento em causa no processo principal responde a uma verdadeira necessidade, na aceção da referida jurisprudência.

64      A este respeito, admitir que a mera natureza temporária de uma relação de emprego basta para justificar uma diferença de tratamento entre trabalhadores contratados a termo e trabalhadores contratados por tempo indeterminado esvaziaria de conteúdo os objetivos da Diretiva 1999/70 e do acordo‑quadro e equivaleria a perpetuar a manutenção de uma situação desfavorável aos trabalhadores contratados a termo [v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 152 e jurisprudência referida].

65      Em quaisquer circunstâncias, por força da jurisprudência mencionada nos n.os 58 e 59 do presente acórdão, além de dever responder a uma verdadeira necessidade, tal diferença de tratamento deve ser suscetível de permitir atingir o objetivo prosseguido e necessária para o efeito. Além disso, este objetivo deve ser prosseguido de maneira coerente e sistemática, em conformidade com as exigências da referida jurisprudência (Acórdão de 19 de outubro de 2023, Lufthansa CityLine, C‑660/20, EU:C:2023:789, n.o 62 e jurisprudência referida).

66      Ora, a legislação em causa no processo principal não se afigura necessária à luz do objetivo invocado pelo Governo Polaco.

67      Com efeito, mesmo que os empregadores fossem obrigados a indicar as causas da rescisão antecipada de um contrato a termo, não ficariam, por esse facto, privados da flexibilidade inerente a essa forma de contrato de trabalho, que é suscetível de contribuir para o pleno emprego no mercado de trabalho. Importa sublinhar, a este respeito, que a condição de emprego em causa não diz respeito à própria faculdade de um empregador rescindir um contrato de trabalho a termo com pré‑aviso, mas à comunicação ao trabalhador, por escrito, da causa ou causas que justificam o seu despedimento, pelo que não se pode considerar que esta condição possa alterar sensivelmente essa flexibilidade.

68      No que respeita à questão de saber se um órgão jurisdicional nacional tem a obrigação, no âmbito de um litígio que opõe particulares, de não aplicar uma disposição nacional contrária ao artigo 4.o do acordo‑quadro, há que recordar que, quando os órgãos jurisdicionais nacionais são chamados a pronunciar‑se nesse litígio, no âmbito do qual se afigura que a legislação nacional em causa é contrária ao direito da União, cabe a estes órgãos jurisdicionais assegurar a proteção jurisdicional que para as pessoas decorre das disposições do direito da União e garantir a plena eficácia deste (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 37 e jurisprudência referida).

69      Mais especificamente, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de um litígio que opõe exclusivamente particulares, tem de, quando aplica as disposições do direito interno adotadas para transpor as obrigações previstas numa diretiva, tomar em consideração todas as normas desse direito interno e interpretá‑las, sempre que possível, à luz do texto e da finalidade dessa diretiva para alcançar uma solução conforme com o objetivo por esta prosseguido (Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 27 e jurisprudência referida).

70      No entanto, o princípio da interpretação conforme do direito nacional está sujeito a certos limites. Assim, a obrigação que incumbe ao juiz nacional de se referir ao conteúdo de uma diretiva quando interpreta e aplica as regras pertinentes do direito interno está limitada pelos princípios gerais do direito e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 28 e jurisprudência referida).

71      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a disposição nacional em causa no processo principal, a saber, o artigo 30.o, n.o 4, do Código do Trabalho, se presta a uma interpretação conforme com o artigo 4.o do acordo‑quadro.

72      Quando não seja possível proceder a uma interpretação de uma disposição nacional conforme com as exigências do direito da União, o princípio do primado deste último exige que o juiz nacional responsável pela aplicação, no âmbito da sua competência, das disposições desse direito, exclua a aplicação de qualquer disposição do direito nacional contrária às disposições do direito da União com efeito direto.

73      No entanto, segundo jurisprudência constante, uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações em relação a um particular, e não pode assim ser invocada enquanto tal contra este num tribunal nacional. Com efeito, por força do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, o caráter vinculativo de uma diretiva, no qual se baseia a possibilidade de a invocar, apenas existe em relação ao «Estado‑Membro destinatário», só tendo a União poder para criar, de maneira geral e abstrata, com efeito imediato, obrigações para os particulares nos domínios em que lhe tenha sido atribuído o poder de adotar regulamentos. Por conseguinte, ainda que seja clara, precisa e incondicional, uma disposição de uma diretiva não permite que o juiz nacional afaste uma disposição do seu direito interno que lhe seja contrária, se, ao fazê‑lo, viesse a ser imposta uma obrigação adicional a um particular (Acórdãos de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 65 a 67 e jurisprudência referida, e de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 32 e jurisprudência referida).

74      Assim, um órgão jurisdicional nacional não está obrigado, ao abrigo apenas do direito da União, a não aplicar uma disposição do seu direito nacional contrária a uma disposição do direito da União se esta última disposição for desprovida de efeito direto, sem prejuízo, todavia, da possibilidade de esse órgão jurisdicional, bem como de qualquer autoridade administrativa nacional competente, excluir, ao abrigo do direito interno, qualquer disposição do direito nacional contrária a uma disposição do direito da União desprovida de tal efeito (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2022, Thelen Technopark Berlin, C‑261/20, EU:C:2022:33, n.o 33).

75      É certo que o Tribunal de Justiça reconheceu o efeito direto do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro, ao declarar que, do ponto de vista do seu conteúdo, esta disposição é incondicional e suficientemente precisa para poder ser invocada por um particular perante um juiz nacional contra o Estado em sentido amplo (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de abril de 2008, Impact, C‑268/06, EU:C:2008:223, n.o 68, e de 12 de dezembro de 2013, Carratù, C‑361/12, EU:C:2013:830, n.o 28; v., igualmente, Acórdão de 10 de outubro de 2017, Farrell, C‑413/15, EU:C:2017:745, n.os 33 a 35 e jurisprudência referida).

76      No entanto, no caso em apreço, uma vez que o litígio no processo principal opõe particulares, o direito da União não pode impor ao órgão jurisdicional nacional que não aplique o artigo 30.o, n.o 4, do Código do Trabalho apenas com fundamento na constatação de que esta disposição é contrária ao artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro.

77      Todavia, quando adota uma legislação que especifica e concretiza as condições de emprego que são nomeadamente reguladas pelo artigo 4.o do acordo‑quadro, um Estado‑Membro aplica o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, e deve, assim, garantir o respeito, designadamente, do direito à ação, consagrado no artigo 47.o desta [v., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 45 e 46, e jurisprudência referida].

78      Ora, resulta do exposto nos n.os 47 a 56 do presente acórdão que a legislação nacional em causa no processo principal, que prevê que um trabalhador contratado a termo cujo contrato de trabalho seja rescindido com pré‑aviso não é imediatamente informado por escrito da causa ou causas desse despedimento, contrariamente ao que acontece com um trabalhador contratado por tempo indeterminado, limita o acesso desse trabalhador contratado a termo a uma ação judicial, garantida, nomeadamente, no artigo 47.o da Carta. Com efeito, esse trabalhador fica, deste modo, privado de uma informação importante para apreciar o eventual caráter injustificado do seu despedimento e, sendo caso disso, para preparar uma ação judicial destinada a impugná‑lo.

79      Tendo em conta estas considerações, há que concluir que a diferença de tratamento instituída pelo direito nacional aplicável, conforme constatada no n.o 56 do presente acórdão, viola o direito fundamental a um recurso efetivo consagrado no artigo 47.o da Carta, uma vez que o trabalhador contratado a termo fica privado da possibilidade, de que beneficia o trabalhador contratado por tempo indeterminado, de avaliar previamente se deve agir judicialmente contra a decisão de rescisão do seu contrato de trabalho e, sendo caso disso, de intentar uma ação que impugne com exatidão as causas dessa rescisão. De resto, tendo em conta o exposto nos n.os 60 a 67 do presente acórdão, os elementos invocados pelo Governo Polaco não são suscetíveis de justificar tal limitação desse direito, em aplicação do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

80      Ora, o Tribunal de Justiça sublinhou que o artigo 47.o da Carta é suficiente por si só e não tem de ser precisado por disposições do direito da União ou do direito nacional para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 78).

81      Por conseguinte, na hipótese referida no n.o 76 do presente acórdão, o órgão jurisdicional nacional está obrigado a assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurisdicional que decorre para os litigantes do artigo 47.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro, no que respeita ao direito a um recurso efetivo, o qual compreende o acesso à justiça, e, portanto, a não aplicar o artigo 30.o, n.o 4, do Código do Trabalho na medida do necessário para garantir a plena eficácia desta disposição da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 79, e de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 57).

82      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 4.o do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual um empregador não está obrigado a fundamentar por escrito a rescisão com pré‑aviso de um contrato de trabalho a termo, apesar de estar vinculado a essa obrigação em caso de rescisão de um contrato de trabalho por tempo indeterminado. O órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de um litígio que opõe particulares, está obrigado, quando não possa interpretar o direito nacional em conformidade com o referido artigo, a assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurisdicional que decorre para os litigantes do artigo 47.o da Carta e a garantir a plena eficácia deste artigo, não aplicando, se necessário, qualquer disposição nacional contrária.

 Quanto às despesas

83      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 4.o do acordoquadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordoquadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional segundo a qual um empregador não está obrigado a fundamentar por escrito a rescisão com préaviso de um contrato de trabalho a termo, apesar de estar vinculado a essa obrigação em caso de rescisão de um contrato de trabalho por tempo indeterminado. O órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de um litígio que opõe particulares, está obrigado, quando não possa interpretar o direito nacional em conformidade com o referido artigo, a assegurar, no âmbito das suas competências, a proteção jurisdicional que decorre para os litigantes do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a garantir a plena eficácia deste artigo, não aplicando, se necessário, qualquer disposição nacional contrária.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.