Language of document : ECLI:EU:T:2009:266

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

9 de Julho de 2009 (*)

«Política externa e de segurança comum – Medidas restritivas adoptadas contra a República Islâmica do Irão com o objectivo impedir a proliferação nuclear – Congelamento de fundos – Recurso de anulação – Fiscalização judicial – Proporcionalidade – Igualdade de tratamento – Dever de fundamentação – Excepção de ilegalidade – Artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento (CE) n.° 423/2007»

Nos processos apensos T‑246/08 e T‑332/08,

Melli Bank plc, com sede em Londres (Reino Unido), representado inicialmente por R. Gordon, QC, J. Stratford e M. Hoskins, barristers, R. Gwynne e T. Din, solicitors, e em seguida por D. Anderson, QC, Hoskins, S. Gadhia, D. Murray e M. Din, solicitors,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bishop e E. Finnegan, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por

República Francesa, representada por G. de Bergues, E. Belliard e L. Butel, na qualidade de agentes,

por

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por V. Jackson, na qualidade de agente, assistida por S. Lee, barrister,

e por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por S. Boelaert e P. Aalto, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objecto, nos processos T‑246/08 e T‑332/08, a anulação do ponto 4 da tabela B do anexo da Decisão 2008/475/CE do Conselho, de 23 de Junho de 2008, que dá execução ao n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 423/2007 que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO L 163, p. 29), na parte em que diz respeito ao Melli Bank plc, e, no processo T‑332/08, eventualmente, uma declaração de inaplicabilidade do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento (CE) n.° 423/2007 do Conselho, de 19 de Abril de 2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO L 103, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente (relatora), K. Jürimäe e S. Soldevila Fragoso, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Janeiro de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O recorrente, o Melli Bank plc, é uma sociedade anónima registada e com sede social no Reino Unido, homologada e regulamentada pela Financial Services Authority (autoridade britânica para os serviços financeiros, a seguir «FSA»). Começou a exercer as suas actividades bancárias no Reino Unido em 1 de Janeiro de 2002, na sequência da transformação da sucursal neste país do Bank Melli Iran (a seguir «BMI»). O BMI, sociedade‑mãe que detém totalmente o recorrente, é um banco iraniano controlado pelo Estado Iraniano.

 Medidas restritivas adoptadas contra a República Islâmica do Irão

2        Os presentes processos inscrevem‑se no quadro das medidas restritivas instauradas com vista a fazer pressão sobre a República Islâmica do Irão para que esta última ponha termo às actividades nucleares sensíveis do ponto de vista da proliferação e ao desenvolvimento de sistemas de lançamento de armas nucleares (a seguir «proliferação nuclear»).

3        As origens do regime em causa encontram‑se no seio da Organização das Nações Unidas. Em 23 de Dezembro de 2006, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (a seguir «Conselho de Segurança») adoptou a Resolução 1737 (2006), cujo anexo enumera uma série de pessoas e entidades envolvidas na proliferação nuclear e cujos fundos e recursos económicos (a seguir «fundos») deviam ser congelados. A lista que figura no anexo da Resolução 1737 (2006) foi posteriormente actualizada por várias resoluções, designadamente pela Resolução 1747 (2007) do Conselho de Segurança, mediante a qual os fundos do banco iraniano Bank Sepah e da sua filial no Reino Unido, o Bank Sepah International plc, foram congelados. Nem o BMI nem o recorrente foram objecto de medidas de congelamento de fundos adoptadas pelo Conselho de Segurança.

4        Além disso, nos termos do ponto 10 da Resolução 1803 (2008) do Conselho de Segurança de 3 de Março de 2008, este último pede «a todos os Estados que dêem provas de vigilância no que respeita às actividades das instituições financeiras com sede no seu território realizadas com todos os bancos domiciliados no Irão, em particular o Banco Melli e o Banco Saderat, bem como com as sucursais e agências destes últimos no estrangeiro, a fim de evitar que essas actividades contribuam para a [proliferação nuclear]».

5        No que respeita à União Europeia, a Resolução 1737 (2006) foi executada pela Posição Comum 2007/140/PESC do Conselho, de 27 de Fevereiro de 2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO L 61, p. 49). O seu artigo 5.°, n.° 1, alínea a), prevê o congelamento de todos os fundos e recursos económicos que estejam na posse, sejam propriedade ou se encontrem à disposição ou sob controlo, directa ou indirectamente, das pessoas e entidades designadas na Resolução 1737 (2006) do Conselho de Segurança. O artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140 prevê, além disso, que as mesmas medidas são aplicáveis designadamente às pessoas ou entidades detidas ou controladas por pessoas ou entidades que participem, estejam directamente associadas ou prestem apoio à proliferação nuclear. Segundo o artigo 7.°, n.° 2, da Posição Comum 2007/140, a lista de pessoas ou entidades visadas pelas medidas de congelamento de fundos por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), do mesmo diploma é estabelecida e alterada pelo Conselho, deliberando por unanimidade.

6        No que toca às competências da Comunidade Europeia, o Regulamento n.° 423/2007 do Conselho, de 19 de Abril de 2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO L 103, p. 1), deu execução à Resolução 1737 (2006) e o seu conteúdo é, no essencial, idêntico ao da Posição Comum 2007/140/PESC. Assim, o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 423/2007 prevê o congelamento dos fundos das pessoas, entidades e organismos (a seguir «entidades») designados pelo Conselho de Segurança. O artigo 7.°, n.° 2, desse mesmo regulamento prevê as mesmas medidas no que respeita às entidades identificadas pelo Conselho da União Europeia como estando envolvidas na proliferação nuclear em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140/PESC. Em particular, o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do regulamento prevê o congelamento de fundos das entidades detidas ou controladas por entidades que tenham sido identificadas como estando envolvidas, directamente associadas ou tendo prestado apoio à proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alíneas a) ou b), do Regulamento n.° 423/2007. As entidades visadas por uma medida de congelamento de fundos por força do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 são enumeradas no Anexo V deste diploma.

7        Em derrogação ao artigo 7.° do Regulamento n.° 423/2007, os artigos 9.° e 10.° do mesmo regulamento autorizam as autoridades competentes dos Estados‑Membros, no essencial, a liberar os fundos congelados de modo a permitir, entre outras, às entidades mencionadas no Anexo V honrar obrigações decorrentes de contratos celebrados antes da adopção da medida de congelamento de fundos e fazer face a despesas essenciais.

8        O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 prevê, por um lado, que o Conselho, deliberando por maioria qualificada, elabora, reaprecia e altera a lista do Anexo V em plena conformidade com as decisões do Conselho adoptadas ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140/PESC e, por outro, que a referida lista é reapreciada em intervalos regulares e, pelo menos, de 12 em 12 meses.

9        O artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007 obriga o Conselho a indicar os motivos individuais e específicos das decisões tomadas ao abrigo do artigo 15.°, n.° 2, do mesmo regulamento, e a dar deles conhecimento às entidades em questão.

 Decisão impugnada

10      Em 23 de Junho de 2008, o Conselho adoptou a Decisão 2008/475/CE, que dá execução ao n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 423/2007 (JO L 163, p. 29, a seguir «decisão impugnada»). Nos termos do ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada, tanto o BMI como as suas filiais, incluindo o recorrente, figuram na lista do Anexo V do referido regulamento, o que tem por consequência o congelamento dos seus fundos.

11      O Conselho apresentou os seguintes fundamentos:

«Forneceu ou tentou fornecer apoio financeiro a empresas que estão implicadas ou que adquirem mercadorias para o programa nuclear e para o programa de mísseis do Irão (AIO, SHIG, SBIG, AEOI, Novin Energy Company, Mesbah Energy Company, Kalaye Electric Company e DIO). O Bank Melli intervém como facilitador nas actividades sensíveis do Irão. Facilitou inúmeras aquisições de materiais sensíveis para o programa nuclear e para o programa de mísseis do Irão. Prestou um leque de serviços financeiros em nome de entidades ligadas à indústria nuclear e à indústria de mísseis do Irão, incluindo a abertura de crédito documentário e a manutenção de contas. Muitas das empresas [enumeradas] supra foram referidas nas Resoluções 1737 e 1747 do [Conselho de Segurança].»

 Tramitação processual e pedidos das partes

12      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 25 de Junho de 2008, o recorrente interpôs o recurso no processo T‑246/08. Por requerimentos separados, que deram entrada na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, o recorrente apresentou um pedido de tramitação acelerada, ao abrigo do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal, e um pedido de medidas provisórias tendo em vista a suspensão da aplicação do ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada.

13      Por nova petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 15 de Agosto de 2008, o recorrente interpôs o recurso no processo T‑332/08. Por requerimentos separados, que deram entrada na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, o recorrente apresentou um pedido de tramitação acelerada, ao abrigo do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal, um novo um pedido de medidas provisórias tendo em vista a suspensão da aplicação do ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada, bem como um pedido de apensação dos processos T‑246/08 e T‑332/08.

14      Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal em 10 de Julho, 6 e 8 de Agosto de 2008, respectivamente, a República Francesa, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão das Comunidades Europeias pediram a sua admissão como intervenientes no processo T‑246/08 em apoio do Conselho. Por despachos de 5 e 7 de Setembro de 2008, o presidente da Segunda Secção do Tribunal admitiu as suas intervenções.

15      Por decisões de 18 de Julho e de 16 de Setembro de 2008, o Tribunal (Segunda Secção) deferiu os pedidos de submissão dos litígios a tramitação acelerada nos termos do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo, autorizando os Estados‑Membros intervenientes nos litígios a apresentarem observações.

16      Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal em 15 de Setembro, 21 de Outubro e 7 de Novembro de 2008, respectivamente, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Francesa e a Comissão Europeia pediram a sua admissão como intervenientes no processo T‑332/08 em apoio do Conselho. Por despachos de 10 de Outubro, 17 de Novembro e 1 de Dezembro de 2008, o presidente da Segunda Secção do Tribunal admitiu as suas intervenções.

17      Por despachos do presidente do Tribunal de 27 de Agosto e 17 de Setembro de 2008, os pedidos de medidas provisórias apresentados pelo recorrente foram indeferidos e as decisões quanto às despesas reservadas para final.

18      No processo T‑246/08, a contestação foi apresentada em 30 de Julho de 2008 e as observações da República Francesa e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte foram apresentadas em 2 de Outubro de 2008.

19      No processo T‑332/08, a contestação foi apresentada em 6 de Outubro de 2008. O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e República Francesa apresentaram as suas observações respectivas em 28 de Outubro e 8 de Dezembro de 2008.

20      Por despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de 15 de Dezembro de 2008, os processos T‑246/08 e T‑332/08 foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão, em conformidade com o artigo 50.° do Regulamento de Processo deste tribunal.

21      Em Janeiro de 2009, o recorrente apresentou ao Tribunal uma carta do BMI respeitante às relações deste último com as entidades mencionadas na decisão impugnada. Por decisão de 14 de Janeiro de 2009, o Tribunal decidiu não juntar o documento em causa aos autos.

22      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões formuladas oralmente pelo Tribunal na audiência de 20 de Janeiro de 2009.

23      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        no processo T‑246/08:

–        anular o ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada na parte em que lhe diz respeito;

–        condenar o Conselho nas despesas.

–        no processo T‑332/08:

–        anular o ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada na parte em que lhe diz respeito;

–        se o tribunal considerar que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 é de aplicação obrigatória, declarar a sua inaplicabilidade, nos termos do artigo 241.° CE;

–        condenar o Conselho nas despesas.

24      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento aos recursos;

–        condenar o recorrente nas despesas.

25      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal se digne negar provimento aos recursos.

26      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento aos recursos e condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Quanto à admissibilidade das alegações do recorrente relativas à não participação do BMI no financiamento da proliferação nuclear

27      Por um lado, importa observar que, nas suas petições, o recorrente se limitou a alegar a não participação do BMI no financiamento da proliferação nuclear. Ora, tal alegação não é conforme com as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual a petição inicial deve conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Ela não pode pois ser considerada como um fundamento admissível.

28      Por outro lado, em resposta a uma questão do Tribunal colocada na audiência, o recorrente alegou que, se o documento que apresentou ao Tribunal em 12 de Janeiro de 2009 tivesse sido admitido nos autos, teria invocado o fundamento segundo o qual o BMI não participava no financiamento da proliferação nuclear. Ora, mesmo supondo que tal fundamento tivesse sido invocado, seria, de qualquer modo, inadmissível.

29      Com efeito, nem na carta que acompanhava o documento transmitido ao Tribunal em 12 de Janeiro de 2009 nem na audiência, o recorrente invocou o motivo pelo qual não pôde apresentar o fundamento em causa durante a fase escrita, quando resulta claramente dos fundamentos reproduzidos no n.° 11, supra, que o Conselho se baseou na alegada participação do BMI no financiamento da proliferação nuclear para adoptar a decisão impugnada. Nestas circunstâncias, mesmo partindo do princípio de que o fundamento em causa tenha sido apresentado na carta do recorrente de 12 de Janeiro de 2009, ou ainda na audiência, seria, de qualquer modo, inadmissível por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, que proíbe a dedução no decurso da instância de fundamentos novos que não tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

30      Tendo em conta o que precede, há que considerar que, na medida em que o recorrente não apresentou um fundamento admissível para contestar a justeza da conclusão do Conselho segundo a qual o BMI participava no financiamento da proliferação nuclear, essa questão não faz parte do objecto dos presentes litígios.

 Quanto à admissibilidade da excepção de ilegalidade suscitada pelo recorrente

31      Na audiência, a Comissão pôs em causa a admissibilidade da excepção de ilegalidade suscitada pelo recorrente no processo T‑332/08, sublinhando que tinha sido suscitada em resposta a argumentos invocados pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte no processo T‑246/08. A Comissão considera que tal «técnica processual» é susceptível de ter consequências negativas sobre a boa administração da justiça, em particular no âmbito da tramitação acelerada.

32      Todavia, convém observar que nem o Regulamento de Processo nem a jurisprudência excluem a admissibilidade do segundo recurso de anulação de um acto interposto pelo mesmo recorrente. Este recurso está, porém, sujeito a duas condições ligadas ao respeito do prazo de recurso e à inexistência de litispendência.

33      A este respeito, por um lado, não se contesta que o recurso no processo T‑332/08 foi interposto dentro do prazo.

34      Por outro, resulta da jurisprudência que, para ser declarado inadmissível por motivo de litispendência, um recurso deve preencher três condições: opor as mesmas partes que o recurso anterior, visar os mesmos fins e basear‑se nos mesmos fundamentos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 1985, Hoogovens Groep/Comissão, 172/83 e 226/83, Recueil, p. 2831, n.° 9, e de 22 Setembro de 1988, França/Parlamento, 358/85 e 51/86, Colect., p. 4821, n.° 12; despacho do Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 1987, Ainsworth e o./Comissão, 159/84, 267/84, 12/85 e 264/85, Colect., p. 1579, n.os 3 e 4).

35      No caso vertente, apesar de as partes nos litígios resultantes dos recursos que deram lugar aos processos T‑246/08 e T‑332/08 serem as mesmas, o primeiro recurso tem por único fim a anulação da decisão impugnada, ao passo que o segundo tem também por fim a declaração de inaplicabilidade do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007. Do mesmo modo, apesar de o primeiro fundamento deduzido no processo T‑332/08 ser semelhante ao primeiro fundamento deduzido no processo T‑246/08, visto dizer respeito a uma alegada violação do princípio da proporcionalidade, não é idêntico, tendo designadamente em conta a questão nova relativa à interpretação do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007. Além disso, o segundo fundamento apresentado no processo T‑332/08, relativo a uma alegada violação do dever de fundamentação, diferencia‑se dos fundamentos de recurso no processo T‑246/08. Nestas circunstâncias, não se pode considerar que as condições colocadas pela jurisprudência para que o recurso no processo T‑332/08 seja declarado inadmissível por causa de litispendência estejam preenchidas.

36      Em último lugar, importa notar que, no âmbito de uma tramitação acelerada, as eventuais consequências negativas para a boa administração da justiça afectam essencialmente os interesses da parte que pediu o benefício desse tipo de tramitação, tendo em conta os prazos de tratamento mais longos que resultam da apresentação sucessiva de dois recursos. Ora, no caso vertente, tanto os recursos como os pedidos de tramitação acelerada destes últimos foram apresentados pelo recorrente, o qual estava, de resto, consciente dessas eventuais consequências negativas, como resulta dos seus articulados.

37      Tendo em conta tudo o que precede, há que considerar admissível a excepção de ilegalidade suscitada pelo recorrente.

 Quanto ao mérito

38      No processo T‑246/08, o recorrente apresenta observações preliminares sobre a intensidade da fiscalização judicial que deve ser efectuada no caso vertente pelo Tribunal de Primeira Instância e dois fundamentos relativos, o primeiro, a uma violação do princípio da proporcionalidade, e, o segundo, a uma violação do «princípio da não discriminação».

39      No processo T‑332/08, o recorrente invoca dois fundamentos. Através do primeiro, defende que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 não é de aplicação obrigatória, uma vez que o Conselho dispõe de uma margem de apreciação no âmbito da sua aplicação. Contudo, no caso de o Tribunal considerar que a referida disposição era de aplicação obrigatória, o recorrente alega que essa disposição é contrária ao princípio da proporcionalidade, e que, como tal, é inaplicável por força do artigo 241.° CE. Através do segundo fundamento, o recorrente invoca a violação do dever de fundamentação.

40      O Conselho e as partes intervenientes contestam o mérito dos fundamentos invocados pelo recorrente.

41      O Tribunal considera que há que examinar a questão preliminar suscitada pelo recorrente, antes de abordar a questão da interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, que é determinante para o modo como as alegações relativas à violação do princípio da proporcionalidade devem ser examinadas.

 Quanto à intensidade da fiscalização judicial

–       Argumentos das partes

42      O recorrente defende que o Tribunal deve proceder a uma análise aprofundada da legalidade da decisão impugnada, tendo sobretudo em conta as suas consequências graves para o recorrente.

43      O Conselho, apoiado pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, observa que dispõe de um amplo poder de apreciação no que respeita aos elementos a ter em consideração tendo em vista a adopção de medidas restritivas económicas ou financeiras.

–       Apreciação do Tribunal

44      No que respeita à intensidade da fiscalização judicial, devem ser distinguidos dois tipos de elementos no Regulamento n.° 423/2007. Com efeito, por um lado, os artigos do Regulamento n.° 423/2007 definem as regras gerais que definem as modalidades das medidas restritivas que ele instaura. Por outro, o Anexo V do Regulamento n.° 423/2007, que enumera as entidades visadas pelas medidas de congelamento de fundos adoptadas ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento, constitui um conjunto de actos de aplicação das regras gerais referidas a entidades específicas.

45      No que toca ao primeiro tipo de elementos, o Conselho dispõe de um amplo poder de apreciação quanto aos elementos a tomar em conta tendo em vista a adopção de sanções económicas e financeiras com base nos artigos 60.° CE e 301.° CE, em conformidade com uma posição comum adoptada no quadro da política externa e de segurança comum (PESC). Dado que o juiz comunitário não pode, em particular, substituir a apreciação do Conselho pela sua apreciação das provas, factos e circunstâncias que justificam a adopção de tais medidas, a fiscalização exercida pelo Tribunal deve limitar‑se à verificação do respeito pelas regras processuais e de fundamentação, da exactidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto na apreciação dos factos e de desvio de poder. Esta fiscalização restrita aplica‑se, em especial, à apreciação das considerações de oportunidade em que assenta a adopção de tais medidas (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2006, Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho, T‑228/02, Colect., p. II‑4665, n.° 159).

46      Quanto à fiscalização da legalidade da decisão mediante qual uma entidade é inscrita na lista do Anexo V do Regulamento n.° 423/2007 ao abrigo do seu artigo 7.°, n.° 2, incumbe ao Tribunal verificar, à luz dos fundamentos de anulação invocados pela entidade em causa ou oficiosamente, designadamente, que a situação em causa corresponde a uma das quadro hipóteses mencionadas no artigo 7.°, n.° 2, alínea a) a d), do Regulamento n.° 423/2007. Isto implica que a fiscalização judicial da legalidade da decisão em questão abrange a apreciação dos factos e das circunstâncias invocados para a justificar, bem como a verificação das provas e das informações em que assenta essa apreciação. O Tribunal deve igualmente certificar‑se de que os direitos de defesa e a correspondente exigência de fundamentação foram respeitados, bem como, sendo caso disso, da justeza das considerações imperativas excepcionalmente invocadas pelo Conselho para se lhes subtrair (v., por analogia, acórdão Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho, já referido, n.° 154).

 Quanto à interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007

–       Argumentos das partes

47      O recorrente alega que artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 não é de aplicação obrigatória, isto é, que não pode ser sistematicamente aplicado a todas as pessoas colectivas detidas ou controladas por entidades cujos fundos foram congelados ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou b), do mesmo regulamento, dado que o Conselho dispõe, segundo o recorrente, de um poder de apreciação nessa matéria, devendo, pois, ter em conta a situação particular de cada uma das entidades em causa.

48      A este respeito, em primeiro lugar, o recorrente alega que a interpretação contrária seria incompatível com a jurisprudência do Tribunal segundo a qual, em matéria de medidas de congelamento de fundos, a instituição competente deve examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentar a sua decisão de forma suficiente (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2008, People’s Mojahedin Organization of Iran/Conselho, T‑256/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 139).

49      Com efeito, o congelamento sistemático dos fundos ignora as especificidades da entidade detida ou controlada, como o grau da sua independência operacional, a vigilância a que está sujeita ou a inexistência de relação entre as suas actividades e a proliferação nuclear. Do mesmo modo, esse congelamento sistemático é incompatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as medidas restritivas adoptadas ao abrigo dos artigos 60.° CE e 301.° CE apenas podem visar países terceiros, podendo este último conceito incluir os dirigentes desses países bem como indivíduos e entidades associados a esses dirigentes ou directa ou indirectamente controlados por estes (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, não publicado na colectânea, n.° 166).

50      A necessidade de uma análise caso a caso é igualmente corroborada, por um lado, pelas conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo em que foi proferido o acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido (ainda não publicadas na Colectânea), e por outro, pelo artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, que exige que sejam indicados motivos específicos no que respeita a cada entidade e, consequentemente, no que respeita a cada entidade detida ou controlada.

51      Em segundo lugar, atendendo ao conteúdo do Regulamento n.° 423/2007, o congelamento sistemático dos fundos de todas as filiais detidas ou controladas não é necessário para garantir a eficácia das medidas adoptadas contra a entidade‑mãe. Com efeito, as disposições do artigo 5.°, n.° 1, do artigo 7.°, n.os 3 e 4, do artigo 13.°, n.° 1, e do artigo 16.° do Regulamento n.° 423/2007 têm por efeito impedir uma filial estabelecida na União Europeia de agir, directa ou indirectamente, sob as instruções da entidade‑mãe.

52      Em terceiro lugar, o recorrente refere‑se à sua situação particular. A este respeito, por um lado, alega que respeita todos os regimes de sanções, medidas restritivas e regulamentações em vigor. Por outro, visto que é tanto jurídica como funcionalmente distinto da sua sociedade‑mãe e que é objecto da supervisão exercida pela FSA, o BMI não tem a possibilidade de o controlar de modo irregular.

53      Em quarto e último lugar, o recorrente defende que o Conselho não segue a prática de congelamento sistemático dos fundos de todas as filiais de entidades que se considera participarem na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou b), do Regulamento n.° 423/2007. Assim, o BMI é a única entidade visada pela decisão impugnada a cujas filiais foi imposto o congelamento dos seus fundos, contrariamente, por exemplo, à Iran Electronic Industries, apesar de esta última possuir seis filiais. Do mesmo modo, apesar de o BMI possuir aproximadamente uma vintena de filiais em diversos sectores industriais, apenas duas delas, entre elas o recorrente, foram objecto de uma medida de congelamento de fundos.

54      O recorrente defende, concluindo, que, se o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 fosse de aplicação obrigatória, violaria o princípio da proporcionalidade. Ora, quando «a redacção do direito derivado dá lugar a mais do que uma interpretação», deve‑se privilegiar a que é conforme aos princípios gerais do direito comunitário. Por conseguinte, há que considerar, segundo o recorrente, que a disposição acima referida confere ao Conselho um poder de apreciação quanto ao congelamento de fundos da filial de uma entidade que participa na proliferação nuclear.

55      O Conselho, apoiado pelas partes intervenientes, alega que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 prevê «sem ambiguidade», que o congelamento de fundos de uma entidade implica «incondicionalmente» o congelamento de fundos de todas as entidades detidas ou controladas pela mesma, sem que a este respeito possa ser exercido qualquer poder de apreciação.

56      O Conselho acrescenta que, se o argumento segundo o qual o congelamento de fundos do BMI bastava para impedir o recorrente de lhe transferir fundos estivesse correcto, nunca se justificaria um congelamento de fundos, dado que bastaria proibir a participação na proliferação nuclear, sem que fosse necessário adoptar medidas contra entidades que apresentam um risco de inobservância dessa proibição.

57      O Conselho observa, além disso, que o BMI e as suas filiais, incluindo o recorrente, formam uma unidade económica, o que implica que a aplicação da medida de congelamento de fundos às filiais é necessária para garantir a eficácia e o efeito coercivo das medidas adoptadas em relação ao BMI e, em última análise, em relação à República Islâmica do Irão. O Conselho defende neste contexto que, dado que a Comunidade não dispõe de competência extraterritorial, os efeitos da decisão impugnada dependerão essencialmente da sua aplicação às filiais e sucursais do BMI estabelecidas na União Europeia.

58      Para responder ao argumento do recorrente segundo o qual o Conselho não procede sistematicamente ao congelamento de fundos de todas as filiais de entidades visadas por medidas de congelamento de fundos, este alega ainda que tais filiais podem ser criadas a qualquer momento, o que significa que nem sempre é possível identificá‑las.

59      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte partilha da posição do Conselho. Para além dos argumentos apresentados por este último, em primeiro lugar, apoia‑se, em primeiro lugar, na formulação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, segundo o qual os fundos de certas entidades «são congelados». Em segundo lugar, defende que seria ilógico que o Regulamento n.° 423/2007 previsse um tratamento diferenciado consoante os fundos pertencessem à entidade‑mãe ou a uma entidade detida ou controlada por esta, não obstante o exercício de um controlo efectivo pela primeira sobre a segunda. Em terceiro lugar, o argumento relativo ao artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007 limita‑se a colocar a questão de saber se o Conselho pode contentar‑se em indicar as razões específicas para o congelamento de fundos da entidade‑mãe e em designar seguidamente a entidade detida ou controlada como tal no Anexo V do referido regulamento, sem qualquer justificação suplementar.

60      Ao mesmo tempo que partilha da posição do Conselho, a República Francesa alega, no que respeita ao argumento relativo ao artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, que o Conselho não está obrigado a fornecer razões específicas e individuais relativas às filiais de uma entidade visada por uma medida de congelamento de fundos.

–       Apreciação do Tribunal

61      A título liminar, deve recordar‑se que, na interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta não apenas a sua redacção mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12).

62      No que respeita à redacção do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, este último prevê que «[s]ão congelados todos os [fundos] pertencentes às [entidades] […] que, em conformidade com a alínea b) do n.° 1 do artigo 5.° da Posição Comum 2007/140/PESC, tenham sido identificad[a]s como […] uma [entidade] detid[a] ou controlad[a] por uma [entidade que se considera que participa na proliferação nuclear]». Esta formulação requer duas observações.

63      Assim, por um lado, devido ao emprego da fórmula «são congelados», a extensão da medida de congelamento de fundos às entidades detidas ou controladas é obrigatória, não dispondo o Conselho de poder de apreciação a este respeito. Com efeito, se o legislador pretendesse conferir ao Conselho tal margem de apreciação, teria exprimido a sua vontade empregando uma formulação explícita neste sentido, como «podem ser congelados».

64      Por outro lado, aquando da adopção de uma decisão ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, o Conselho deve proceder a uma apreciação das circunstâncias do caso para determinar quais são as entidades que têm a qualidade de entidades detidas ou controladas.

65      O contexto em que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 se inscreve, e designadamente a economia geral do artigo 7.°, n.° 2, deste regulamento, apoia a análise textual dessa disposição. Com efeito, na medida em que a expressão «tenham sido identificados» figura na parte introdutória desta última, há que considerar que, à semelhança de cada um dos quatro casos visados nas alíneas a) a d), a qualidade de entidade «detida ou controlada» é objecto de apreciação caso a caso pelo Conselho.

66      Por último, a interpretação sugerida pelas análises textual e contextual é compatível com o objectivo prosseguido pelo Regulamento n.° 423/2007, a saber, impedir a proliferação nuclear e, mais genericamente, manter a paz e a segurança internacional, dada a gravidade do risco criado pela proliferação nuclear.

67      À luz de tudo o que precede, há que concluir que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 impõe ao Conselho o congelamento dos fundos de uma entidade «detida ou controlada» por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea a) ou alínea b), do mesmo regulamento, cabendo ao Conselho a apreciação caso a caso da qualidade de entidade «detida ou controlada» das entidades em causa.

68      Os argumentos apresentados pelo recorrente não são susceptíveis de pôr em causa esta conclusão.

69      Assim, em primeiro lugar, na medida em que o Conselho é chamado a apreciar a qualidade de entidade «detida ou controlada», deve ter em conta todos os elementos pertinentes do caso concreto, tais como o nível de independência operacional da entidade em causa ou o impacto eventual da supervisão a que está sujeita por parte de uma autoridade pública. Em contrapartida, a natureza da actividade da entidade em causa e a eventual inexistência de uma ligação entre essa actividade e a proliferação nuclear não são critérios pertinentes neste contexto, dado que a adopção de uma medida de congelamento de fundos que vise a entidade detida ou controlada não é motivada, como resulta do n.° 103, infra, pelo facto de ela própria participar na proliferação nuclear. Do mesmo modo, a circunstância de as medidas restritivas adoptadas ao abrigo do Regulamento n.° 423/2007 terem por objectivo impedir toda a assistência financeira ou técnica às actividades nucleares e de desenvolvimento de mísseis da República Islâmica do Irão que apresentem um risco de proliferação implica necessariamente que as referidas medidas foram adoptadas em relação a um Estado terceiro, de modo que devem ser consideradas compatíveis com a interpretação dada aos artigos 60.° CE e 301.° CE no acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido.

70      No que respeita ao dever de fundamentação imposto ao Conselho pelo artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, resulta dos n.os 143 a 146, infra, que o Conselho deve indicar os motivos que o levaram a considerar que uma entidade é «detida ou controlada» por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear e que, por conseguinte, os seus fundos devem ser congelados por força do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007. Todavia, esta obrigação não afecta o facto de, quando tiver considerado que as condições colocadas por essa disposição estão reunidas, o Conselho dever adoptar uma medida de congelamento de fundos contra a entidade em causa.

71      Em segundo lugar, as disposições do Regulamento n.° 423/2007 evocadas pelo recorrente prevêem, em primeiro lugar, a proibição de efectuar transacções com entidades que se reconheceu participarem na proliferação nuclear, ou de participar nessas transacções, em segundo lugar, o dever de transparência e de cooperação com as autoridades competentes e, por último, a obrigação dos Estados‑Membros de preverem sanções a aplicar nos casos de violação desse regulamento. É verdade que essas disposições foram adoptadas para que os objectivos prosseguidos pelo Conselho fossem atingidos. Todavia, a simples existência de regras que proíbem a realização de transacções com entidades que se considera que participam na proliferação nuclear e que prevêem obrigações acompanhadas de sanções não garante que tais transacções não sejam eventualmente efectuadas por uma entidade detida ou controlada por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear. Portanto, esta circunstância não permite considerar que qualquer medida suplementar, como o congelamento de fundos das entidades detidas ou controladas por entidades que se considera que participam na proliferação nuclear, seria supérflua.

72      Em terceiro lugar, a argumentação relativa à situação específica do recorrente não respeita à interpretação que se deve dar ao artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, mas, no essencial, a um erro cometido pelo Conselho ao aplicar‑lhe esta disposição. Portanto, esses argumentos não são pertinentes nesta fase da análise. Esses argumentos serão examinados, como fundamento autónomo, mais à frente no presente acórdão (v. n.os 119 a 129, infra).

73      Em quarto lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual o Conselho não segue a prática de congelar sistematicamente os fundos de todas as filiais de entidades que se considera que participam na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou b), do Regulamento n.° 423/2007, importa observar, em primeiro lugar, que o Conselho pode legitimamente, como resulta do n.° 123, infra, não aplicar o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do regulamento acima referido a entidades que, no seu entender, não preenchem os critérios de aplicação desta disposição, e isto apesar do facto de serem filiais de entidades que se considera que participam na proliferação nuclear.

74      De seguida, como o Conselho e a República Francesa observam, não é possível identificar, em todos os casos, todas as entidades detidas ou controladas por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear.

75      Por último, mesmo partindo do princípio de que o Conselho se absteve efectivamente de adoptar medidas de congelamento de fundos em relação a certas entidades detidas ou controladas por entidades que se considera que participam na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou b), do Regulamento n.° 423/2007, por um lado, deve‑se salientar que, na medida em que o Conselho deve respeitar este regulamento, a sua eventual prática divergente não o pode derrogar validamente, nem pode, pois, a fortiori, criar uma confiança legítima nas entidades em causa. Por outro lado, se o argumento em causa se prende com uma violação do princípio da igualdade de tratamento, importa recordar que este último deve conciliar‑se com o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de terceiro (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 160, e Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 334, e de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 367). Consequentemente, o comportamento eventualmente ilegal do Conselho noutros casos, supondo‑o provado, não pode ser utilmente invocado em apoio da posição do recorrente.

76      Nestas circunstâncias, não é pertinente a jurisprudência segundo a qual, quando um texto de direito comunitário derivado é susceptível de mais do que uma interpretação, se deve dar preferência àquela que torna a disposição conforme com o Tratado, em vez da que leva a declarar a sua incompatibilidade com este (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1983, Comissão/Conselho, 218/82, Recueil, p. 4063, p. 15). Com efeito, no caso vertente, não existe nenhuma dúvida quanto à interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007.

77      De resto, os argumentos do recorrente relativos à alegada incompatibilidade da interpretação acolhida no n.° 67, supra, com o princípio da proporcionalidade serão apreciados mais à frente no presente acórdão, no âmbito da apreciação da excepção de ilegalidade do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 que foi deduzida pelo recorrente no processo T‑332/08.

 Quanto à excepção de ilegalidade do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007

–       Argumentos das partes

78      O recorrente defende que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 é contrário ao princípio da proporcionalidade e deve, consequentemente, ser declarado inaplicável ao presente caso por força do artigo 241.° CE. Por conseguinte, segundo ele, a decisão impugnada deve ser anulada por falta de base legal.

79      Para fundamentar a sua posição, em primeiro lugar, o recorrente alega que a incompatibilidade do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 com o princípio da proporcionalidade resulta dos argumentos expostos nos n.os 48 a 54, supra.

80      Em segundo lugar, o congelamento de fundos de todas as entidades detidas ou controladas por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear, na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou alínea b), do Regulamento n.° 423/2007, não tem uma «ligação racional» com o objectivo que consiste em impedir a proliferação nuclear e o seu financiamento.

81      A este respeito, o recorrente recorda, em primeiro lugar, que é um banco do Reino Unido distinto da sociedade‑mãe e que respeita todas as regulamentações aplicáveis. Precisa que estava sujeito às mesmas obrigações a que estavam sujeitos os outros bancos comunitários relativamente às medidas restritivas adoptadas contra a República Islâmica do Irão e que respeitou estas medidas. Na medida em que não foi demonstrado nem alegado que o recorrente participava no financiamento da proliferação nuclear, em que os fundamentos constantes da decisão impugnada não se referem explicitamente a ele e em que nem ele nem o BMI foram designados como entidades que contribuem para a proliferação nuclear pela Resolução 1803 (2008) do Conselho de Segurança, a aplicação automática da medida de congelamento de fundos prevista no artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 não tem por objectivo impedir a proliferação nuclear.

82      Seguidamente, o congelamento dos fundos do recorrente não tem impacto na proliferação nuclear, uma vez que o recorrente não participa no seu financiamento e que as medidas tomadas não são susceptíveis de modificar a actuação das autoridades iranianas. A este respeito, o recorrente alega além disso que, de qualquer modo, respeita a decisão impugnada na medida em que esta se refere ao BMI e às outras entidades visadas pelas medidas restritivas, o que implica que a única consequência do congelamento de fundos é impedi‑lo de efectuar transacções com entidades que não participam na proliferação nuclear. Do mesmo modo, a proibição de efectuar transacções imposta ao recorrente não exerce pressão económica sobre o financiamento da proliferação nuclear, dado que a sua actividade preponderante consiste em investir o capital proveniente do Irão em activos situados fora deste país.

83      Por último, o recorrente considera incorrecto o argumento do Reino Unido da Grã‑bretanha e da Irlanda do Norte segundo o qual o congelamento de fundos das entidades detidas ou controladas prossegue igualmente o objectivo de exercer pressão económica sobre o BMI e a República Islâmica do Irão, uma vez que tal interpretação não é justificada à luz da redacção e do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 423/2007.

84      Em terceiro lugar, o congelamento de fundos de todas as entidades detidas ou controladas por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou alínea b), do Regulamento n.° 423/2007 não é a medida menos restritiva que permite atingir o objectivo de impedir a proliferação nuclear ou o seu financiamento ou exercer vigilância sobre o recorrente.

85      Neste contexto, o recorrente alega, em primeiro lugar, que o congelamento dos seus fundos o priva da possibilidade de efectuar transacções, causando assim um grave prejuízo às suas finanças e à sua reputação. Portanto, a aplicação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 constitui uma violação desproporcionada do direito do recorrente de gozar pacificamente dos seus bens, da sua liberdade de prestar serviços financeiros na União Europeia e da livre circulação de capitais e de pagamentos.

86      De seguida, o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 é desproporcionado em relação à Resolução 1803 (2008), que pretende aplicar. Com efeito, os efeitos dessa disposição ultrapassam a exigência imposta no ponto 10 desta última resolução, que se limita a exortar os Estados a dar provas de vigilância no que respeita às actividades do BMI e das suas filiais.

87      Por último, ao mesmo tempo que sublinha que as medidas de vigilância e de controlo são adequadas, o recorrente alega que, para atingir o objectivo prosseguido, poderiam ser aplicadas, quer alternativamente quer cumulativamente, outras medidas menos restritivas do que o congelamento dos seus fundos. A este respeito, nos seus articulados, o recorrente mencionou o reforço da vigilância do respeito por ele próprio das medidas restritivas, a exigência de mais transparência no que respeita às suas actividades, designadamente no que respeita aos detalhes das contas e transacções relevantes, a adopção de medidas destinadas à reapreciação regular da sua situação e o reforço da cooperação com a FSA e o grupo de acção financeira no Reino Unido. Na audiência, evocou ainda a aprovação prévia das transacções e a sua supervisão por um mandatário independente, bem como a proibição total de transacções com o Irão.

88      O Conselho, apoiado pelas partes intervenientes, alega que o congelamento de fundos do recorrente está ligado ao objectivo de impedir a proliferação nuclear, dado que este congelamento é necessário para garantir que as medidas adoptadas neste âmbito contra a sua sociedade‑mãe, o BMI, são eficazes e não são contornadas. O Conselho sublinha neste contexto que o recorrente se encontra sob o controlo efectivo deste último. Como tal, segundo o Conselho, os fundos do recorrente podem ser utilizados directa ou indirectamente para prestar apoio à proliferação nuclear, pelo que o congelamento desses fundos é necessário, designadamente, para impedir que as medidas que visam o BMI sejam contornadas mediante transferências efectuadas pelo recorrente em benefício do BMI ou das outras filiais ou sucursais deste último, eventualmente por intermédio de terceiros cuja ligação ao BMI seja desconhecida.

89      A este respeito, o Conselho salienta igualmente que, na medida em que a Comunidade não tem competência extraterritorial, o efeito da decisão impugnada dependerá principalmente da sua aplicação às sucursais e às filiais do BMI estabelecidas na União Europeia, incluindo o recorrente.

90      O Conselho acrescenta ainda que as medidas alternativas propostas pelo recorrente não garantem que o objectivo prosseguido seja atingido. Assim, a divulgação obrigatória dos detalhes relativos às contas e às operações relevantes não produz efeitos no que respeita às transacções já efectuadas. Do mesmo modo, o reforço da cooperação com as autoridades nacionais não impede a realização de transacções por intermédio de terceiros cuja participação na proliferação nuclear seja desconhecida.

91      O Conselho defende igualmente que, apesar de o recorrente sofrer um certo prejuízo em resultado da adopção da decisão impugnada, a sua existência durante o período em que os seus fundos permanecerão congelados não é posta em causa, A este respeito, refere as excepções previstas nos artigos 9.° e 10.° do Regulamento n.° 423/2007, bem como as significativas reservas financeiras do BMI e o facto de numerosos bancos comerciais terem atravessado períodos durante os quais não obtiveram lucros. Quanto à lesão da reputação do recorrente, o Conselho considera que a mesma já resulta da Resolução 1803 (2008), na qual tanto o BMI como as suas sucursais e filiais foram expressamente mencionados.

92      O Conselho conclui que, tendo em conta a importância da preservação da paz e da segurança internacional, a recusa da República Islâmica do Irão em suspender a proliferação nuclear e o controlo do recorrente por uma entidade que participa na proliferação nuclear, o congelamento de fundos do recorrente não é desproporcionado.

93      Para além dos argumentos apresentados pelo Conselho, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte alega que o congelamento de fundos das entidades detidas ou controladas por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou alínea b), do Regulamento n.° 423/2007 prossegue igualmente o objectivo de exercer pressão económica sobre o BMI e, em última análise, sobre a República Islâmica do Irão. Ora, a actividade económica ininterrupta do recorrente continuaria a beneficiar o BMI, tanto financeiramente como pela reputação e pela presença do recorrente no mercado.

94      Do mesmo modo, segundo o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a decisão impugnada não foi adoptada para aplicar a Resolução 1803 (2008), mas o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007, destinado ele próprio a atingir os objectivos da Resolução 1737 (2006). Além disso, o facto de o congelamento de fundos do recorrente e do BMI não ter sido pedido na Resolução 1803 (2008) não implica que tal medida não podia ser decidida pelo Conselho.

95      No que respeita ao impacto da decisão impugnada sobre o recorrente, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte indica que, ao abrigo dos artigos 9.° e 10.° do Regulamento n.° 423/2007, já foram concedidas mais de uma centena de autorizações ao recorrente. Por conseguinte, a existência do recorrente não está em perigo.

96      A República Francesa acrescenta que a eficácia das medidas menos restritivas propostas pelo recorrente pressupõe uma relação de confiança com este último. Ora, é impossível ter este tipo de relação com uma sociedade controlada pelo BMI.

97      Além disso, segundo a República Francesa, não é pertinente que o recorrente deva respeitar as medidas restritivas e que a violação das regras aplicáveis seja passível de sanções penais. Com efeito, as medidas restritivas têm um objectivo preventivo, ao passo que as sanções penais só actuam a posteriori. Por outro lado, enquanto que as medidas restritivas visam o recorrente, a eventual instauração de um processo‑crime contra um dos seus empregados não a afectaria.

–       Apreciação do Tribunal

98      A título liminar, há que observar que a presente excepção de ilegalidade consiste na contestação da compatibilidade com o princípio da proporcionalidade de uma das regras gerais que definem as modalidades das medidas restritivas previstas pelo Regulamento n.° 423/2007, a saber, do seu artigo 7.°, n.° 2, alínea d), que impõe ao Conselho, como resulta dos n.os 61 a 67, supra, o congelamento de fundos das entidades detidas ou controladas por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou alínea b), do mesmo regulamento. Daqui resulta que, por um lado, as considerações expostas no n.° 45, supra, são aplicáveis no que respeita à intensidade da fiscalização realizada pelo Tribunal e, por outro, por analogia com o afirmado no n.° 72, supra, que os argumentos relativos à relação existente entre o recorrente e o BMI e à posição particular do recorrente enquanto banco do Reino Unido não são pertinentes no âmbito da análise da presente excepção de ilegalidade. Em contrapartida, esses argumentos devem ser tomados em conta no âmbito da análise da alegação segundo a qual a aplicação à recorrente do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 não era justificada. Estes argumentos serão, pois, analisados nos n.os 119 a 129, infra.

99      Há igualmente que observar que a referência à Resolução 1803(2008) do Conselho de Segurança é inoperante. Com efeito, ao contrário do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 423/2007, a aplicação do seu artigo 7.°, n.° 2, é independente da adopção de medidas de congelamento de fundos pelo Conselho de Segurança. O próprio objectivo desta última disposição é permitir ao Conselho adoptar, se considerar justificado, no âmbito das suas competências previstas nos artigos 60.° e 301.° CE, medidas de congelamento de fundos relativamente a entidades que não são objecto de medidas análogas decididas pelo Conselho de Segurança. Portanto, contrariamente ao alegado pelo recorrente, o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 não aplica a Resolução 1803 (2008), o que implica que o conteúdo desta última resolução não constitui um critério à luz do qual a compatibilidade do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 com o princípio da proporcionalidade deva ser apreciada.

100    Segundo a jurisprudência, em virtude do princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, a legalidade da proibição do exercício de uma actividade económica está subordinada à condição de que as medidas de proibição sejam adequadas e necessárias à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos prosseguidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Federa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 13). É, pois, à luz destes critérios que há que examinar os outros argumentos do recorrente.

101    A este respeito, em primeiro lugar, na medida em que a argumentação do recorrente relativa à interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, resumida nos n.os 48 a 54, supra, seja pertinente no âmbito da análise da compatibilidade dessa mesma disposição com o princípio da proporcionalidade, deve ser rejeitada pelos motivos expostos nos n.os 69 a 76, supra.

102    Em segundo lugar, quanto à existência de uma ligação entre o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 e o objectivo prosseguido, deve‑se observar que o Regulamento n.° 423/2007 tem por objectivo impedir a proliferação nuclear e o seu financiamento, exercendo assim pressão sobre a República Islâmica do Irão para que esta ponha termo às actividades em causa. Este objectivo inscreve‑se no quadro mais geral dos esforços ligados à manutenção da paz e da segurança internacionais, sendo, por conseguinte, legítimo, o que, de resto, não é contestado pelo recorrente.

103    Contrariamente ao que é alegado pelo recorrente, o congelamento de fundos das entidades detidas ou controladas por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou alínea b), do Regulamento n.° 423/2007 está ligado ao objectivo exposto no número precedente. Com efeito, quando os fundos de uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear são congelados, existe um risco não negligenciável de esta exercer pressão sobre as entidades que detém ou controla para contornar o efeito das medidas que a visam, incitando‑as quer a transferir‑lhe directa ou indirectamente os seus fundos, quer a efectuar transacções que a entidade não pode efectuar ela própria pelo facto de os seus fundos terem sido congelados. Nestas circunstâncias, há que considerar que o congelamento de fundos das entidades detidas ou controladas por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear é necessário e apropriado para assegurar a eficácia das medidas adoptadas contra esta última e para garantir que estas medidas não serão contornadas.

104    A existência do risco que se acaba de expor permite explicar, de resto, por um lado, a circunstância, discutida na audiência, de as entidades detidas ou controladas serem visadas pelo Regulamento n.° 423/2007, apesar de não serem explicitamente mencionadas nos seus considerandos 2 e 6, que enunciam as diferentes medidas restritivas em causa. Por outro lado, permite explicar que a questão de saber se a entidade detida ou controlada participa ou não ela própria na proliferação nuclear não é pertinente.

105    As outras circunstâncias invocadas pelo recorrente não susceptíveis de modificar esta conclusão. Assim, o facto de a entidade detida ou controlada não ter sido objecto de medidas disciplinares ou regulamentares no passado e de ter respeitado os regimes de sanções e as medidas restritivas em vigor não é pertinente a este respeito, já que, enquanto a entidade‑mãe não era visada por uma medida de congelamento dos fundos, podia, sem prejuízo do respeito de outras regras aplicáveis, obter a transferência dos fundos das entidades por ela detidas ou controladas e efectuar transacções que actualmente são incompatíveis com as medidas restritivas adoptadas. Portanto, não tinha razões para exercer pressão sobre estas últimas entidades. Do mesmo modo, uma declaração da entidade detida ou controlada segundo a qual respeita as consequências do congelamento de fundos da sua entidade‑mãe não oferece garantias suficientes de que a pressão eventualmente exercida por esta última não será eficaz.

106    Em contrapartida, há que rejeitar a tese do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte segundo a qual o congelamento de fundos das entidades detidas ou controladas prossegue igualmente o objectivo de exercer pressão económica sobre a República Islâmica do Irão através do BMI, impedindo este último de beneficiar dos lucros, da reputação e da posição no mercado do recorrente. Com efeito, as medidas restritivas instauradas pelo Regulamento n.° 423/2007 não têm por objectivo exercer tal pressão económica. A este respeito, importa observar que, embora essas medidas, enunciadas nos considerados 2 e 6 do Regulamento n.° 423/2007, tenham certamente por objectivo exercer pressão sobre a República Islâmica do Irão, estão porém exclusivamente em causa restrições cautelares destinadas a impedir a proliferação nuclear e seu financiamento. Todavia, nada no Regulamento n.° 423/2007 permite considerar que essas medidas visem afectar a situação económica das entidades em causa, para além do que é necessário para impedir a proliferação nuclear e o seu financiamento.

107    Em terceiro lugar, quanto à existência de outras medidas menos restritivas do que o congelamento de fundos que podem ser aplicadas, seja alternativamente seja cumulativamente, para atingir o objectivo prosseguido, importa observar, em primeiro lugar, que não foi demonstrado o carácter adequado das medidas de vigilância e de controlo existentes no momento da adopção da decisão impugnada em relação ao risco exposto no n.° 105, supra.

108    De seguida, o reforço da vigilância do respeito das medidas restritivas pelas autoridades competentes e a maior cooperação com estas últimas, a exigência de especial transparência no que respeita às actividades do recorrente e a adopção de medidas no sentido de a situação deste último ser regularmente reexaminada são medidas ex post relativas a transacções já efectuadas, não sendo pois susceptíveis de prevenir eventuais transacções incompatíveis com as medidas restritivas adoptadas. Isto é tão mais verdade quanto a sua eficácia pressupõe que as autoridades competentes sejam capazes de identificar se a outra parte numa transacção está, ou não, ligada ao BMI, ou a outra entidade que se considere que participa na proliferação nuclear.

109    Por último, no que toca às medidas invocadas pela primeira vez na audiência, há que concluir que não podem ser tidas em consideração. Com efeito, foi em violação do artigo 48.°, n.° 2, e do artigo 76.°‑A, n.° 3, do Regulamento de Processo que essas medidas foram invocadas durante o processo, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação. De qualquer modo, o recorrente não demonstrou a viabilidade de um sistema de aprovação prévia e de supervisão por um mandatário independente. Por sua vez, a proibição total de transacções com o Irão não seria, de qualquer modo, eficaz para evitar as transacções com intermediários não situados nesse país e cuja associação com o BMI não fosse conhecida.

110    Nestas circunstâncias, há que concluir que as medidas alternativas propostas pelo recorrente não são adequadas para atingir o objectivo prosseguido.

111    No que respeita, em quarto lugar, aos inconvenientes causados ao recorrente, resulta da jurisprudência que os direitos fundamentais que este último invoca, a saber, o direito de propriedade e o direito a exercer uma actividade económica, não são prerrogativas absolutas e que o seu exercício pode ser objecto de restrições justificadas pelos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade. Assim, qualquer medida restritiva económica ou financeira comporta, por definição, efeitos que afectam os direitos de propriedade e o livre exercício das actividades profissionais, causando assim prejuízos a pessoas cuja responsabilidade na situação que levou à adopção das medidas em causa não foi demonstrada. A importância dos objectivos prosseguidos pela regulamentação controvertida é susceptível de justificar consequências negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Julho de 1996, Bosphorus, C‑84/95, Colect., p. I‑3953, n.os 21 a 23, e Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido, n.os 354 a 361).

112    A este respeito, há que salientar que a liberdade de exercer uma actividade económica e o direito de propriedade de um estabelecimento bancário com sede no território da Comunidade são substancialmente limitados pelo congelamento dos seus fundos. Com efeito, a entidade em causa não pode efectuar novas transacções com os seus clientes e, salvo se dispuser de autorizações específicas, não pode efectuar qualquer transferência dos seus fundos. Todavia, dada a importância primordial da manutenção da paz e da segurança internacionais, o Tribunal considera que os inconvenientes causados não são desproporcionados relativamente aos objectivos prosseguidos.

113    Por último, no que respeita à violação da livre circulação de capitais e de pagamentos invocada pelo recorrente, há que salientar que o artigo 60.° CE, que faz parte das disposições que regulam essa matéria, autoriza explicitamente o Conselho a tomar medidas urgentes em matéria de movimentos de capitais e de pagamentos relativamente a países terceiros, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 301.° CE. Ora, foi justamente com base nessas duas disposições do Tratado CE que o Regulamento n.° 423/2007 foi adoptado, o que implica que as restrições previstas por este último fazem parte das regras que delimitam a livre circulação de capitais e de pagamentos consagrada pelo referido tratado, não podendo, como tal, ser incompatíveis com esta última.

114    Tendo em conta tudo o que precede, há que concluir que não foi demonstrado que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 é incompatível com o princípio da proporcionalidade. Assim, há que considerar improcedente a excepção de ilegalidade suscitada pelo recorrente contra essa disposição.

 Sobre a qualidade de entidade «detida ou controlada» do recorrente, na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007

–       Argumentos das partes

115    O recorrente defende que a sua situação particular limita significativamente o controlo que poderia ser exercido sobre ele pelo BMI, de modo que não é possível aplicar‑lhe o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007.

116    A este respeito, em primeiro lugar, alega que constitui uma entidade jurídica distinta e autónoma em relação ao BMI, o qual não intervém, designadamente, na sua gestão quotidiana. Em segundo lugar, tanto o recorrente como os seus administradores e empregados estão sujeitos ao Regulamento n.° 423/2007 e às outras medidas restritivas, regimes de sanções e regulamentações aplicáveis, que respeitam. Em terceiro lugar, nos termos do direito inglês, os administradores de uma sociedade têm diversas obrigações para com a mesma, e não para com os seus accionistas, sendo ilegal o despedimento não justificado de um administrador. Em quarto lugar, enquanto banco do Reino Unido, o recorrente é supervisionado pela FSA, designadamente no que respeita às suas relações com o BMI e à nomeação e à composição do seu pessoal de direcção. Ora, nem o recorrente nem os seus administradores assalariados foram objecto de medidas regulamentares ou disciplinares da parte da FSA, cujo um dos objectivos consiste em combater a criminalidade financeira, incluindo o financiamento do terrorismo e da proliferação nuclear. Em quinto lugar, o recorrente manifesta‑se disposto a celebrar, sendo necessário, um acordo nos termos do qual nenhum dos seus administradores poderá ser substituído sem o consentimento das autoridades competentes.

117    O Conselho, apoiado pelas partes intervenientes, refere‑se à jurisprudência em matéria de direito da concorrência para defender que, na medida em que é integralmente detido pelo BMI, o recorrente está sob o controlo efectivo deste último e não dispõe, por este motivo, de autonomia real na determinação da sua linha de actuação. A este respeito, invoca que, muito provavelmente, os administradores do recorrente foram nomeados pelo BMI, devendo prestar‑lhe contas e podendo ser despedidos por este último.

118    O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte acrescenta que o compromisso proposto pelo recorrente não é suficiente para impedir o exercício de um controlo significativo por parte do BMI sobre ele, dado que é improvável que tal compromisso pudesse ser executado, que podia ser denunciado a todo o tempo e que não podia prevalecer sobre o direito inglês das sociedades.

–       Apreciação do Tribunal

119    A título liminar, importa observar que o presente fundamento diz respeito à legalidade de uma decisão mediante a qual as medidas restritivas instauradas pelo Regulamento n.° 423/2007 foram aplicadas a uma entidade determinada. Esta circunstância implica que as modalidades da fiscalização judicial efectuada pelo Tribunal são as enunciadas no n.° 46, supra.

120    No caso vertente, resulta tanto da fundamentação da decisão impugnada como das observações do Conselho apresentadas na audiência que este último decidiu aplicar o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 ao recorrente porque este era uma entidade «detida» pelo BMI. À primeira vista, o conteúdo deste conceito parece ser preciso, visto que faz referência a uma participação do BMI no capital do recorrente. Todavia, importa observar que, em virtude da jurisprudência referida no n.° 61, supra, a análise do conceito em causa não deve basear‑se unicamente no seu conteúdo semântico, devendo além disso, designadamente, ter em conta a ligação existente entre o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 e o objectivo prosseguido pelo Regulamento n.° 423/2007, tal como exposto nos n.os 102 a 103, supra.

121    Por conseguinte, há que apurar se, pelo facto de ser detido pelo BMI, o recorrente pode ser levado, com uma probabilidade não negligenciável, a contornar o efeito das medidas adoptadas contra a sua entidade‑mãe. Neste contexto, é útil ao Tribunal inspirar‑se na jurisprudência em matéria do direito da concorrência e relativa à imputabilidade do comportamento ilícito de uma filial à sua sociedade‑mãe. Com efeito, nos dois casos, trata‑se de apreciar se, pelo facto de existir uma influência decisiva da entidade‑mãe, a filial pode ser levada a aplicar as instruções desta última em vez de determinar autonomamente o seu comportamento (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.° 133, e de 24 de Outubro de 1996, Viho/Comissão, C‑73/95 P, Colect., p. I‑5457, n.° 16), apesar de o comportamento imposto pela entidade‑mãe não ser da mesma natureza no primeiro e segundo casos.

122    Esta diferença implica, por outro lado, que, na interpretação do Regulamento n.° 423/2007, há que privilegiar os elementos relativos à nomeação do pessoal em relação aos outros elementos tomados em consideração no quadro do direito da concorrência. Com efeito, a fim de influenciar de modo pertinente o comportamento da entidade detida, a pressão exercida pela entidade‑mãe, referida no n.° 103, supra, deve visar essencialmente os administradores e/ou os empregados desta última.

123    A este respeito, a circunstância de uma entidade ser integralmente detida por outra implica geralmente que a segunda tem o direito de nomear os administradores da primeira, podendo, pois, exercer um controlo efectivo sobre a composição da direcção desta última e, em última análise, sobre o conjunto do seu pessoal. Todavia, não se pode excluir que, em situações excepcionais, a aplicação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento no 423/2007 a uma entidade detida, mesmo integralmente, pela entidade‑mãe não se justifique tendo em conta a existência de factores que contrabalancem a influência da segunda sobre a primeira.

124    No caso vertente, não se contesta que o BMI detém a totalidade do capital do recorrente, podendo, por este motivo, nomear e substituir os administradores deste último. Pode, assim, exercer influência sobre o pessoal do recorrente. Nestas circunstâncias, há que concluir que existe um risco não negligenciável de o BMI poder levar o recorrente a efectuar transacções proibidas pelo Regulamento n.° 423/2007, exercendo pressão quer sobre os seus administradores, quer, através destes, sobre os outros membros do seu pessoal. Há, portanto, que verificar se as circunstâncias invocadas pelo recorrente são susceptíveis de contrabalançar esta influência.

125    A este respeito, em primeiro lugar, o facto de o recorrente dispor de personalidade jurídica e de o BMI não intervir na sua gestão quotidiana não é pertinente. Com efeito, estas circunstâncias não põem em causa a influência que o BMI exerce, directa ou indirectamente, sobre o pessoal do recorrente.

126    Em segundo lugar, o facto de o recorrente e o seu pessoal terem respeitado as medidas restritivas, regimes de sanções e outras regulamentações em vigor e não terem sido objecto de medidas disciplinares ou regulamentares no passado também não tem pertinência, pelas razões expostas no n.° 105, supra. Do mesmo modo, o Tribunal considera que o carácter dissuasório das sanções a que ficariam expostos os membros do pessoal do recorrente não é suficiente, em particular, porque podiam ser tomadas medidas para encobrir o carácter ilícito das transacções em causa, nomeadamente através do recurso a intermediários cuja associação com o BMI não é conhecida.

127    Em terceiro lugar, por analogia com o que foi exposto no n.° 71, supra, a simples existência de certas obrigações dos administradores decorrentes do direito inglês das sociedades não garante que essas mesmas obrigações sejam respeitadas. Ora, uma vez que uma eventual violação só pode ser descoberta a posteriori, a existência de tais obrigações não pode assegurar um efeito preventivo equivalente ao das medidas restritivas. Na medida em que o recorrente propõe, neste contexto, submeter a nomeação dos seus futuros administradores ao consentimento das autoridades competentes, há que observar, por um lado, que não foi demonstrado que tal procedimento seja realizável e conforme ao direito inglês e, por outro, que, em qualquer caso, não resolve a situação dos administradores actuais do recorrente, que foram nomeados pelo BMI.

128    Em quarto e último lugar, cumpre observar que o objectivo essencial da supervisão dos bancos efectuada pela FSA não é o respeito de medidas restritivas que afectam determinadas entidades, mas a manutenção de um sistema financeiro estável, eficaz e justo. Ainda que esse objectivo inclua determinados aspectos ligados à criminalidade financeira, estes concentram‑se no branqueamento de capitais, nas fraudes e no abuso de informação privilegiada. Pelo contrário, a aplicação das medidas restritivas e a supervisão do seu cumprimento, incluindo no que respeita às medidas instauradas pelo Regulamento n.° 423/2007, é da competência directa do HM Treasury (Ministério das Finanças do Reino Unido), que criou uma unidade especial para esse fim e que é igualmente competente para conceder autorizações ao abrigo dos artigos 9.° e 10.° do Regulamento n.° 423/2007. Nestas circunstâncias, a supervisão exercida pela FSA sobre o recorrente, no que respeita às suas relações com o BMI e à nomeação dos seus administradores e de alguns outros membros do seu pessoal, não é susceptível de contrabalançar a influência exercida sobre o recorrente pela sua entidade‑mãe.

129    À luz do que precede, há que concluir que o Conselho considerou acertadamente que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 era aplicável ao recorrente. O presente fundamento deve, pois, ser considerado improcedente.

 Quanto ao fundamento relativo à violação do «princípio da não discriminação»

–       Argumentos das partes

130    O recorrente defende que a decisão impugnada viola o «princípio da não discriminação», visto que, por um lado, trata o recorrente de modo diferente dos bancos que se encontram numa situação materialmente idêntica e que, por outro, a trata de modo igual aos bancos que se encontram numa situação materialmente diferente.

131    Assim, o recorrente encontra‑se numa situação comparável à de outros bancos do Reino Unido, designadamente à do Persia International Bank plc e à do Bank Saderat plc (a seguir «banco Saderat»), que são igualmente filiais no Reino Unido de bancos iranianos pertencentes ao Estado Iraniano. Os três bancos devem ser supervisionados por parte dos Estados em virtude da Resolução 1803 (2008), tendo o banco Saderat sido expressamente mencionado na resolução, tal como o recorrente. Do mesmo modo, figuram todos na lista do United States Department of the Treasury (Ministério das Finanças dos Estados Unidos da América), que enumera os bancos suspeitos de efectuarem transacções em violação das medidas restritivas e regimes de sanções em vigor. Ora, o recorrente foi o único cujos fundos foram congelados.

132    Em contrapartida, em razão do congelamento dos seus fundos, o recorrente foi sujeito ao mesmo tratamento que o Bank Sepah International plc, que, não obstante, se encontra numa situação materialmente diferente. Com efeito, apesar de o Conselho de Segurança ter especificamente designado este último na Resolução 1747 (2007) como uma entidade que participa na proliferação nuclear, apenas exortou os Estados a manterem‑se vigilantes em relação ao recorrente, mais precisamente na Resolução 1803 (2008).

133    O Conselho, apoiado pelas partes intervenientes, alega que não designou o recorrente por ele ser uma filial de um banco estatal iraniano, ou por ter sido mencionado na Resolução 1803 (2008) ou ainda porque figura na lista elaborada pelo United States Department of the Treasury. Com efeito, afirma ter‑se apoiado, no âmbito da sua avaliação independente, no facto de o BMI ter prestado apoio financeiro a sociedades que participam na proliferação nuclear. Portanto, a comparação com o Pérsia International Bank e o banco Saderat não tem pertinência.

134    O Conselho prossegue alegando que o recorrente está numa situação comparável à do Bank Sepah International plc, visto que, tanto a sociedade‑mãe deste último, o Bank Sepah, como o BMI, participam na proliferação nuclear. Assim, o congelamento dos seus fundos, bem como dos das suas filiais e sucursais, é justificado. A este respeito, o Conselho sublinha que tem liberdade para adoptar medidas autónomas de congelamento de fundos com maior alcance do que as medidas impostas pelas resoluções do Conselho de Segurança e para, deste modo, aplicar a sua própria política em matéria de não proliferação.

–       Apreciação do Tribunal

135    De acordo com a jurisprudência, o princípio da igualdade de tratamento, que constitui um princípio fundamental de direito, proíbe que situações comparáveis sejam tratadas de maneira diferente ou que situações diferentes sejam tratadas de forma igual, a menos que tal diferença de tratamento seja objectivamente justificada (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, Colect., p. II‑2823, n.° 150).

136    Resulta da análise dos fundamentos precedentes que o critério determinante para a aplicação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, e, como tal, o critério de comparação aplicável para determinar a eventual existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, consiste em saber se a entidade em causa é detida ou controlada por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou alínea b), do mesmo regulamento.

137    No caso vertente, o BMI foi considerado, na decisão impugnada, como uma entidade que participa na proliferação nuclear, tendo‑se concluído no n.° 30, supra, que a justeza dessa conclusão não faz parte do objecto dos presentes litígios. Do mesmo modo, como resulta das considerações desenvolvidas nos n.os 119 a 129, supra, o recorrente é uma entidade «detida ou controlada» na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007. Nestas circunstâncias, mesmo supondo que o Conselho se tenha abstido de adoptar medidas de congelamento de fundos em relação a certas entidades detidas ou controladas por entidades que se considera que participam na proliferação nuclear, como o Pérsia International Bank ou o banco Saderat, esta circunstância não pode ser validamente invocada pelo recorrente pelas razões expostas no n.° 75, supra. A primeira alegação do recorrente deve, pois, ser considerada improcedente.

138    No que respeita à segunda alegação, há que observar que, ao contrário do que sucedeu com o recorrente, cujos fundos foram congelados ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007, a medida que visa o Bank Sepah International plc foi adoptada em aplicação do artigo 7.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Esta circunstância implica que essa alegação é inoperante no que respeita a uma alegada violação do princípio da igualdade de tratamento no âmbito da aplicação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, dado que a disposição em causa só foi aplicada num dos dois casos destacados pelo recorrente. De resto, o recorrente nem sequer alega que a entidade‑mãe do Bank Sepah International plc não participa na proliferação nuclear. Assim, não demonstra encontrar‑se, a esse respeito, numa situação factual diferente da do Bank Sepah International plc.

139    Improcede, portanto, o presente fundamento.

 Quanto ao fundamento relativo à violação do dever de fundamentação

–       Argumentos das partes

140    O recorrente recorda que o artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007 impõe um dever de fundamentação, bem como os requisitos que, segundo a jurisprudência, devem ser preenchidos pela fundamentação de uma decisão que ordene o congelamento de fundos. Prossegue defendendo que, no caso vertente, o Conselho só indicou a razão pela qual os fundos do recorrente foram congelados nas observações sobre o pedido de medidas provisórias apresentado no processo T‑246/08 R, a saber, o facto de ela ser controlada pelo BMI, que, segundo o Conselho, participou no financiamento da proliferação nuclear, e que o congelamento de fundos era, por conseguinte, necessário para garantir a eficácia das medidas adoptadas em relação ao BMI. Assim, a decisão impugnada não está fundamentada na parte em que visa o recorrente.

141    Para reagir, neste contexto, ao argumento da República Francesa segundo o qual não é necessário identificar, no Anexo V do Regulamento n.° 423/2007, as entidades detidas ou controladas visadas por medidas de congelamento de fundos, o recorrente alega que tal abordagem impede terceiros de verificar se não estão a «lidar» com tais entidades e, como tal, a efectuar transacções proibidas pelo referido regulamento.

142    O Conselho, apoiado pelas partes intervenientes, alega que, na medida em que o congelamento de fundos de uma entidade visa igualmente as filiais por ela detidas ou controladas, não é necessário invocar razões específicas para o congelamento de fundos de cada uma das filiais. Considera, consequentemente, que era suficiente fornecer, na decisão impugnada, as razões individuais e específicas no que respeita ao BMI. A República Francesa acrescenta, a este respeito, que nem sequer é necessário que os nomes de todas as filiais constem na decisão que adopta uma medida de congelamento de fundos decidida ao abrigo do Regulamento n.° 423/2007, visto que a decisão em causa se lhes aplica automaticamente.

–       Apreciação do Tribunal

143    O dever de fundamentar um acto lesivo previsto no artigo 253.° CE, e no caso vertente mais especificamente no artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, tem por finalidade, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente que lhe permita saber se o acto está bem fundamentado ou se, eventualmente, enferma de um vício passível de contestação da sua validade perante o juiz comunitário e, por outro, permitir a este último exercer a sua fiscalização sobre a legalidade desse acto. O dever de fundamentação assim instituído constitui um princípio essencial do direito comunitário que apenas admite derrogações com base em considerações imperativas. A fundamentação deve pois, em princípio, ser comunicada ao interessado ao mesmo tempo que o acto que lhe é lesivo, não podendo a sua falta ser sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos do acto no decurso do processo perante o juiz comunitário. Além disso, o respeito do dever de fundamentação é ainda mais importante no caso de uma primeira decisão mediante a qual os fundos de uma entidade são congelados, uma vez que constitui a única garantia que permite ao interessado utilizar utilmente as vias de recurso à sua disposição para contestar a legalidade da decisão em causa, visto que não dispõe de um direito de audição prévia à sua adopção (v., neste sentido e por analogia, acórdão Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho, já referido, n.os 138 a 140 e jurisprudência aí referida).

144    Por conseguinte, a menos que considerações imperiosas relacionadas com a segurança da Comunidade ou dos seus Estados‑Membros ou a condução das suas relações interinstitucionais a isso se oponham, o Conselho deve, por força do artigo 15.°, n.° 3, du Regulamento n.° 423/2007, dar a conhecer à entidade visada razões específicas e concretas quando adopte uma decisão de congelamento de fundos como a decisão impugnada. Assim, deve mencionar os elementos de facto e de direito de que depende a justificação legal da medida e as considerações que o levaram a tomá‑la. Na medida do possível, essa fundamentação deve ser comunicada ou concomitantemente à adopção da medida em causa ou o mais rapidamente possível após a sua adopção (v., neste sentido e por analogia, acórdão Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho, já referido, n.os 143 a 148 e jurisprudência aí referida).

145    Todavia, a fundamentação deve ser adaptada à natureza do acto em causa e ao contexto em que o mesmo foi adoptado. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que o carácter suficiente de uma fundamentação deve ser apreciado à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Em especial, um acto lesivo está suficientemente fundamentado quando tiver sido adoptado num contexto conhecido do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida adoptada a seu respeito (v. acórdão Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho, já referido, n.° 141 e jurisprudência aí referida).

146    Como resulta dos n.os 61 a 67, supra, a aplicação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007, que está em causa no caso vertente, requer que a entidade em questão seja detida ou controlada por uma entidade que se considera que participa na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) ou alínea b), do mesmo regulamento, cabendo ao Conselho apreciar caso a caso a qualidade de entidade «detida ou controlada» da entidade em causa. Por conseguinte, para além da indicação da base legal da medida adoptada, o dever de fundamentação a que o Conselho está sujeito abrange precisamente essa circunstância. Neste contexto, há que recusar a tese da República Francesa segundo a qual não há que mencionar, nas decisões que apliquem o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do referido regulamento, o nome das entidades detidas ou controladas às quais se aplicam as medidas de congelamento de fundos. Com efeito se essa interpretação fosse acolhida, as entidades em causa não poderiam nem saber, por via oficial, que lhes eram aplicáveis medidas de congelamento de fundos nem conhecer as razões pelas quais o Conselho considerou que tinham a qualidade de entidade «detida ou controlada». Do mesmo modo, os terceiros não estariam em condições de verificar o âmbito de aplicação ratione personae das medidas tomadas. Ora, tal situação seria incompatível tanto com o dever de fundamentação que impende sobre o Conselho como com os princípios da segurança jurídica e da transparência.

147    No caso vertente, o Conselho indicou, tanto no título da decisão impugnada como no seu considerando 2, que as medidas adoptadas se baseavam no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007. Declarou, no ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada, que o BMI participava na proliferação nuclear, apoiando‑se nos fundamentos expostos no n.° 11, supra. Em último lugar, no ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada, mencionou o recorrente entre as «sucursais e filiais» do BMI.

148    Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a fundamentação da decisão impugnada no que respeita ao recorrente, apesar de particularmente sucinta, é suficiente à luz da jurisprudência referida nos n.os 143 a 145, supra. Com efeito, em primeiro lugar, o recorrente podia identificar na decisão impugnada o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007 como base legal da medida de congelamento de fundos que o visa, dado que, por um lado, o artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento era mencionado como a disposição aplicada e que, por outro, o recorrente aí tinha sido identificado como uma das «sucursais e filiais» do BMI, o que implica que o artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do regulamento, aplicável especificamente às entidades detidas ou controladas, e como tal designadamente às filiais, foi aplicado a seu respeito.

149    Em segundo lugar, na decisão impugnada, o Conselho explicita as razões pelas quais considerou que o BMI participava na proliferação nuclear na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea a) e alínea b), do Regulamento n.° 423/2007.

150    Em terceiro lugar, o facto de o recorrente ter sido identificado como uma das «sucursais e filiais» do BMI na decisão impugnada implica que o Conselho considerou que, pelo facto de o seu capital ser integralmente detido pelo BMI, o recorrente era «detido» por este último na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007.

151    A conclusão de que a fundamentação da decisão impugnada é suficiente é, de resto, corroborada pelo conteúdo da petição no processo T‑246/08. Com efeito, nesta petição, o recorrente alegou que era legal e funcionalmente distinto do BMI e que não lhe podia ser imputada a alegada participação na proliferação nuclear. Defendeu igualmente que o congelamento dos seus fundos não ia ter impacto sobre a proliferação nuclear, em especial, dado que o recorrente cumpriria de todo o modo a decisão impugnada congelando todos os fundos do BMI que detinha e cessando todas as transacções com o BMI. Resulta desta argumentação que, no momento da interposição do seu primeiro recurso, o recorrente estava consciente da ligação existente entre o congelamento dos seus fundos e a alegada participação na proliferação nuclear imputada à sua entidade‑mãe, o BMI.

152    À luz do que precede, há que considerar improcedente o presente fundamento e, por conseguinte, que negar provimento aos recursos na sua totalidade.

 Quanto às despesas

153    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação do recorrente e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, incluindo as relativas aos processos de medidas provisórias.

154    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Assim, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Francesa e a Comissão suportarão as suas próprias despesas, incluindo as relativas aos processos de medidas provisórias.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      O Melli Bank plc suportará, para além das suas próprias despesas, as despesas do Conselho da União Europeia, incluindo as relativas aos processos de medidas provisórias.

3)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Francesa e a Comissão das Comunidades Europeias suportarão as suas próprias despesas, incluindo as relativas aos processos de medidas provisórias.

Pelikánová

Jürimäe

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Julho de 2009.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Medidas restritivas adoptadas contra a República Islâmica do Irão

Decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

Quanto à admissibilidade das alegações do recorrente relativas à não participação do BMI no financiamento da proliferação nuclear

Quanto à admissibilidade da excepção de ilegalidade suscitada pelo recorrente

Quanto ao mérito

Quanto à intensidade da fiscalização judicial

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à interpretação do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à excepção de ilegalidade do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Sobre a qualidade de entidade «detida ou controlada» do recorrente, na acepção do artigo 7.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 423/2007

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao fundamento relativo à violação do «princípio da não discriminação»

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao fundamento relativo à violação do dever de fundamentação

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.